A garota da casa grande

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O livro A garota da casa grande é narrado por sua personagem principal, Georgia, que, sarcástica e ironicamente, apresenta-nos seu mundo através de seus belos olhos azuis. Presa na casa de sua avó em uma cidade pequena, onde não há nem ao menos um shopping, ela se vê em uma rotina monótona até conhecer Alice, sua vizinha não-da-frente-mas-da-diagonal. Um romance, sobretudo, entre seres humanos, que lutam contra o preconceito da cidade pequena e de si mesmas.

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A garota da casa grande

AMANDA MARCHI

COLEÇÃO NOVOS TALENTOS DA LITERATURA BRASILEIRA

São Paulo 2013

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Copyright © 2013 by Amanda Marchi CooRdenação Editorial Nair Ferraz

Diagramação Selma Consoli - MTb 28.839

Capa Monalisa Morato

Revisão Equipe Novo Século

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índices para catálogo sistemático:

1. Ficção : Literatura brasileira 869.93

2013IMPRESSO NO BRASILPRINTED IN BRAZIL

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO ÀNOVO SÉCULO EDITORA LTDA.

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Marchi, Amanda

A garota da casa grande / Amanda Marchi. -- 1. ed. --

Barueri, SP : Novo Século Editora, 2013. -- (Coleção novos

talentos da literatura brasileira)

1. Ficção brasileira I. Título. II. Série.

13-04912 CDD-869.93

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Ao meu avô Luciano e meus amigos Isadora e Jhonatan. Sem eles esse sonho não teria se realizado.

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Prólogo

Vacas e verde. Muito verde. Praticamente era para isso que eu estive olhando na última meia hora. Esse é o bom, e o ruim, de visitar parentes no interior. O bom é que você vê coisas que rara-mente vê – tirando as vacas, isso eu vejo todos os dias no colégio. O ruim é que são sempre as mesmas coisas, nada parece mudar nessas cidadezinhas de fim de mundo, onde você anda algumas quadras e cumprimenta todos na rua, pois todos se conhecem.

Há dezessete anos que faço esse mesmo trajeto em todas as férias. Nada mudou, além do carro que minha tia dirige.

Apoio a testa na janela fria, que treme ocasionalmente, gra-ças ao asfalto irregular. Aquela sensação de movimentação me acalma, não sei por que, mas sempre o fez. A estabilidade nunca foi uma característica minha.

– Georgia. – Humm? – respondo, sem sair da posição, apenas girando

minha cabeça para o banco do passageiro. – Você está bem? – perguntou minha prima, que também

mora em minha cidade e havia chegado há algumas semanas.

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– Sim, só cansada do voo. – Quando chegar em casa você descansa. A gente tava com

muita saudade. – Minha tia, que estava dirigindo, olhou para mim pelo retrovisor, sorrindo.

– Também – respondi, com um meio sorriso. O silêncio se apoderou do carro, voltei minha atenção para

as plantações de soja do lado de fora. Sempre achei esse momento estranho. O momento em que alguém diz que está com saudade de você, mas o sentimento não é recíproco.

Não é como se eu fosse sem coração e não as amasse... Mas como realmente amar alguém que você só vê uma vez por ano, e que quase não mantém contato? Alguém que não sabe abso-lutamente nada da sua vida, apenas o superficial que sua mãe conta pelo telefone.

Pensar em tais coisas estava me deixando com dor de cabeça; coloquei os fones de ouvido, liguei a música e voltei a encostar--me à janela, apenas esperando que chegássemos logo em casa.

A paisagem pelo caminho não se alterava, mas isso não chegava a incomodar. Fiquei observando, até fechar os olhos e abri-los somente quando já estávamos muito perto.

Já podia ver a pequena igreja no topo de um morro, alguns quilômetros antes da cidade. Durante o caminho do aeroporto – que ficava em uma cidade próxima – até a casa dos meus avós, fico olhando pela janela, sem interesse, apenas esperando para ver aquela igreja.

Isolada de toda civilização, nada além de plantações por vários quilômetros, mas, mesmo assim, bem cuidada. Imagino como as senhoras da terceira idade fazem para chegar até ela todos os domingos de manhã. Precisam ser bem devotas a Deus para fazerem algo do gênero.

Não sei por que me atrai tanto, já que nem religião possuo. Talvez seja por sua falta de complexidade. Ultimamente tenho

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criado aversão a tudo que é complicado demais... Principalmente pessoas.

Quando me dei conta, já estávamos entrando na primeira rua da cidade. Como havia dito no começo, nada mudou. As ruas eram as mesmas, as casas simples e pobres eram do mesmo jeito, até a grande quantidade de animais abandonados não mudaram em nada. Nunca consegui compreender de onde saem tantos cães e gatos.

Os poucos carros que circulavam pelas ruas andavam em uma velocidade que, onde eu moro, deduzir-se-iam que quem estava dirigindo era uma mulher, idosa ainda por cima. Mas a lentidão seria pela segurança de não atropelar nenhum animal ou as crianças que teimavam em aparecer de repente no meio da rua durante suas brincadeiras.

Crianças brincando na rua... Isso só acontece mesmo porque aqui não chega TV a cabo. Pelo menos tenho a internet ao meu lado nesse próximo mês.

Fazendo a curva, entramos na nossa rua. As moradias antigas de madeira, as árvores, a rua larga e desnivelada... Exatamente como me lembrava de um ano atrás. Na metade do quarteirão já pude ver a esquina, onde estava a casa branca de dois andares.

Era uma das maiores casas dos arredores, não que contasse muito – já que todas as outras eram realmente pequenas. Havia apenas uma que impedia-nos de levar o título: a casa grande da frente.

Não exatamente na frente. Do outro lado da rua era um terreno baldio, mas morávamos em um cruzamento, portanto seria a casa na nossa diagonal, que fica do outro lado do terreno desocupado.

Grande, um tom de verde que sempre achei duvidoso, cheia de janelas, dando para ver boa parte da sala. Era elegante, algo que contrastava com todo o resto da cidade. Luxo não era uma

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coisa comum neste lugar. Mas uma coisa me intrigava: nunca tinha visto alguém entrar ou sair de lá, apesar de minha tia me garantir que havia pessoas morando ali.

O carro parou na garagem, no primeiro andar, e já podia ouvir os passos descendo as escadas de pedra do lado de fora. Suspirei fundo, preparando-me psicologicamente para pôr um sorriso no rosto e expressar toda a saudade que não sinto.

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Capítulo 1

A colcha de tricô feita à mão pela minha avó recebeu-me friamente, mas levando em conta as últimas horas que passei em aeroportos, aviões e carros, foi convidativo o suficiente. Fe-chando os olhos, podia ver os sorrisos sinceros daqueles que me receberam assim que adentrei a casa. Um suspiro escapou-me pelos lábios, involuntariamente. Talvez não tivesse sido feita para aquilo... Parentes distantes.

Não querendo entrar novamente na discussão sobre sentir ou não saudades de alguém que você raramente vê ou conhece, simplesmente abri os olhos, varrendo aquele pensamento que me trazia tal assunto à mente.

Sentei-me na cama, encarando o computador à minha frente. De fato era um bem ultrapassado, que eu me lembro de estar ali há vários anos, mas não podia reclamar. Se tiver internet estava valendo. Liguei-o, olhando pela janela enquanto esperava.

Uma carroça de lixo estava passando pela rua, sendo puxa-da por um cavalo que, pela sua aparência, não era muito bem cuidado. Segui-a com os olhos, ouvindo o barulho dos trotes

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do animal, sem realmente prestar atenção. Os passos lentos do quadrúpede conseguiam ser mais rápidos do que a conexão, sendo que eles logo ressoaram muito ao longe, saindo de meu campo de visão.

A rua voltou a ficar deserta – o que era o esperado para um domingo em cidade pequena. Para qualquer dia, se for falar a verdade.

Meus olhos semicerrados pelo cansaço quase não percebe-ram uma pequena movimentação do lado de fora da janela. Um carro preto havia saído de dentro da garagem da casa grande, e agora esperava parado na rua. Inclinei-me um pouco para a di-reita, para poder ver tudo de um ângulo mais favorável. A porta da frente se abrira, e uma garota saiu.

Seus passos lentos guiavam-na até o carro, distraída. O grande fone de ouvido ao redor do pescoço, enquanto escolhia a música que iria ouvir. A pequena silhueta chamara-me atenção mais do que as pessoas dessa cidade geralmente fazem. Minha visão era limitada devido à distância, à árvore do jardim que me atrapalhava e à minha cegueira natural. Mas o que eu vi foi o suficiente para me fazer levantar e inclinar-me sobre a janela.

Mas era tarde demais. Tudo que pude ver foram seus cabelos negros refletindo a luz do sol, enquanto entrava no automóvel.

O carro deu partida, subindo a rua e levando-a embora. Tudo o que me restou foi uma sensação estranha. Sentei-me novamente, já não me importando mais se o computador já havia ligado ou se a internet já estaria funcionando.

Encarei a televisão que havia no quarto, meu reflexo na tela. Mordi o lábio inferior, o canto dos olhos voltados para a janela. Uma inquietação tomou conta de mim. Minha perna automati-camente começou a se mexer, impacientemente. Não parava de dar olhares furtivos para a casa grande da frente.

Sentei-me reta na cadeira, olhando para o computador. Balancei a cabeça, um modo de tentar esquecer o que tinha

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acabado de acontecer. Cliquei no navegador, a fim de me distrair um pouco. Não tive muito sucesso.

Não há jeito mais lindo de acordar do que caindo da cama, completamente embolada nas cobertas. Foi um sufoco para conseguir me libertar, mas por fim consegui.

Podia sentir o suor pelo meu corpo, a dor de cabeça de uma noite maldormida.

Levantei cambaleando, tão dopada de sono que me dirigi ao banheiro por pura inércia. A água permitiu que eu voltasse ao meu estado normal, que me fora tirado pelas horas de insônia. Alguns flashes passavam pela minha mente, mas nada concreto o bastante para fazer lembrar-me dos sonhos que tive àquela noite.

– Bom dia! – Ao adentrar a cozinha, vi minha avó sentada à mesa, fazendo seu habitual crochê. – Ou deveria dizer boa-tarde?

– Boa tarde – eu disse, abrindo a geladeira. – Dormiu bem? – respondi com uma onomatopeia que

poderia ser considerada como uma resposta positiva, apesar de ser mentira. Mas para quê dizer a verdade e ter que explicar detalhadamente os motivos que poderiam me fazer dormir mal? Muito mais simples assim, e evita conversas desnecessárias.

Sentei-me à mesa ao lado da velha senhora, que volta e meia me olhava por cima de seus óculos de grau. Ser observada assim me incomodou um pouco, mas continuei a preparar meu almoço, até que ela disse, sem dar nenhum aviso prévio do que estaria por vir:

– E então, Georgia... Como vão os namorados? Devo dizer que fui pega de surpresa, tanto que meu sanduí-

che parou no ar, não chegando à minha boca. Nunca me fizeram tal pergunta, mas havia esquecido que este era um lugar recatado e que esta parte da família era mal informada, portanto... Devia ter esperado algo parecido com isso.

Repousando a comida, intacta, no prato, olhei para ela, pronta para respondê-la com a verdade. Mas algo me chamou a atenção.

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Em seu pescoço enrugado pelo tempo jazia pendurado um cordão de prata, cujo pingente era uma cruz. Ela era azul, um material que parecia diamante, por ser quase transparente e pelo efeito visual que causava quando refletia a luz. A borda era incrustada por pequenas pedras vermelhas.

– Georgia? Ela havia parado o crochê para me observar. Seus olhos azuis

penetrantes eram calmos, assim como sua face... Mas percebi que por baixo da calmaria, eles ansiavam secretamente por uma resposta.

– Vão bem... – respondi. – Mas nada muito fixo... Sabe como é, vó, garotos dessa idade não prestam.

Ela deu um sorriso e riu, voltando a se concentrar nas agu-lhas em sua mão.

– Sei sim... Ah, se sei! – ela olhou pra mim bondosamente, aquele olhar típico de vó. – Mas um dia você irá encontrar um que presta... E o seu casamento aqui na catedral será lindo.

Outra onomatopéia saiu de minha boca, mas essa nem mesmo eu sabia o que significava. Voltei para meu sanduíche, enquanto ela sorria e pensava em um casamento que provavel-mente nunca aconteceria. Meus olhos, igualmente azuis, voltaram sorrateiramente para o crucifixo. Ele estava na família há várias gerações e, supostamente, era para ser passado para mim; tu- do que minha avó queria era vê-lo em meu pescoço. Pena que tudo que eu podia pensar era o quanto que ele poderia valer.

Bom, não se podem escolher os parentes que se tem, infeliz-mente. Mas se pudesse, devo considerar que duvido um pouco que ela me escolhesse também, ainda mais se soubesse que eu era gay.

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