A garantia bancária autónoma é uma garantia pessoal

3
A garantia bancária autónoma é uma garantia pessoal, prestada por uma instituição de crédito (geralmente um banco) que tem como propósito indemnizar alguém em determinado montante pela verificação de determinado evento a que as partes tenham atribuído relevância num contrato celebrado entre elas (normalmente designado de (contrato base). Esse evento é, em princípio, o alegado incumprimento do contrato base. Como indica o nome, esta garantia caracteriza-se pela sua autonomia, distinguindo-se, por isso, claramente da fiança, cuja característica essencial é a acessoriedade. A distinção entre a fiança e a garantia bancária autónoma passa necessariamente por distinguir as suas características essenciais: a acessoriedade e a autonomia. Enquanto a acessoriedade da fiança se traduz no facto de a obrigação do fiador se moldar necessariamente à do afiançado – arts. 627.º/1 e /2 e 634.º CC, a autonomia significa que o garante assegura a verificação de um determinado resultado, totalmente independente da obrigação assumida pelo devedor no contrato base. Em termos práticos, na fiança, o fiador pode invocar a invalidade da fiança por causa da invalidade da obrigação principal (632.º/1 CC), bem como invocar contra o credor quaisquer meios de defesa que competem ao devedor (637.º/1 CC). Na garantia bancária autónoma, o garante não pode invocar, em princípio, quaisquer meios de defesa provenientes de relações jurídicas distintas da assumida por este com o beneficiário. Por outras palavras, a autonomia destas garantias traduz-se na inoposição de excepções por parte do garante ao beneficiário, salvo os meios de defesa que forempróprios do garante na relação que tenha com o beneficiário. De um Acórdão do STJ, dizendo que da autonomia retira-se que não podem ser opostas ao beneficiário pelo garante excepções relacionadas com o contrato garantido, mas tão só com o negócio de garantia, concretizando-se no facto de que o garante não tem possibilidade de invocar a prévia excussão de bens do garantido ou a invalidade ou impossibilidade da obrigação por este contraída (vão exactamente no mesmo sentido outros tantos acórdãos. A figura da garantia bancária autónoma exige no mínimo três intervenientes, a saber: um ordenante, que também será devedor (na relação subjacente) e garantido; um banco que será o garante e um beneficiário que será também credor. Esta relação que se estabelece entre o devedor da relação principal e o banco garante tem sido qualificada, entre nós, quer na doutrina, quer na jurisprudência, como sendo um contrato de mandato: mandato sem representação nos termos do art. 1157.º e 1180.º do CC, pelo qual o banco garante se obriga perante o devedor da relação principal. O banco vai actuar em nome próprio, pois será ele quem responderá pela obrigação de prestar garantia, sendo esta uma obrigação própria. O banco actua em nome próprio, mas por conta do dador da ordem (devedor garantido). Nesta relação o banco garante obriga-se a entregar uma soma pecuniária determinada ao beneficiário, logo que este alegue o incumprimento da relação jurídica subjacente e junte os documentos necessários para o efeito, ou de imediato quando este simplesmente o

Transcript of A garantia bancária autónoma é uma garantia pessoal

Page 1: A garantia bancária autónoma é uma garantia pessoal

A garantia bancária autónoma é uma garantia pessoal, prestada por uma instituição de crédito (geralmente um banco) que tem como propósito indemnizar alguém em determinado montante pela verificação de determinado evento a que as partes tenham atribuído relevância num contrato celebrado entre elas (normalmente designado de (contrato base). Esse evento é, em princípio, o alegado incumprimento do contrato base. Como indica o nome, esta garantia caracteriza-se pela sua autonomia, distinguindo-se, por isso, claramente da fiança, cuja característica essencial é a acessoriedade. A distinção entre a fiança e a garantia bancária autónoma passa necessariamente por distinguir as suas características essenciais: a acessoriedade e a autonomia. Enquanto a acessoriedade da fiança se traduz no facto de a obrigação do fiador se moldar necessariamente à do afiançado – arts. 627.º/1 e /2 e 634.º CC, a autonomia significa que o garante assegura a verificação de um determinado resultado, totalmente independente da obrigação assumida pelo devedor no contrato base. Em termos práticos, na fiança, o fiador pode invocar a invalidade da fiança por causa da invalidade da obrigação principal (632.º/1 CC), bem como invocar contra o credor quaisquer meios de defesa que competem ao devedor (637.º/1 CC). Na garantia bancária autónoma, o garante não pode invocar, em princípio, quaisquer meios de defesa provenientes de relações jurídicas distintas da assumida por este com o beneficiário. Por outras palavras, a autonomia destas garantias traduz-se na inoposição de excepções por parte do garante ao beneficiário, salvo os meios de defesa que forempróprios do garante na relação que tenha com o beneficiário. De um Acórdão do STJ, dizendo que da autonomia retira-se que não podem ser opostas ao beneficiário pelo garante excepções relacionadas com o contrato garantido, mas tão só com o negócio de garantia, concretizando-se no facto de que o garante não tem possibilidade de invocar a prévia excussão de bens do garantido ou a invalidade ou impossibilidade da obrigação por este contraída (vão exactamente no mesmo sentido outros tantos acórdãos.A figura da garantia bancária autónoma exige no mínimo três intervenientes, a saber: um ordenante, que também será devedor (na relação subjacente) e garantido; um banco que será o garante e um beneficiário que será também credor.Esta relação que se estabelece entre o devedor da relação principal e o banco garante tem sido qualificada, entre nós, quer na doutrina, quer na jurisprudência, como sendo um contrato de mandato: mandato sem representação nos termos do art. 1157.º e 1180.º do CC, pelo qual o banco garante se obriga perante o devedor da relação principal.O banco vai actuar em nome próprio, pois será ele quem responderá pela obrigação de prestar garantia, sendo esta uma obrigação própria. O banco actua em nome próprio, mas por conta do dador da ordem (devedor garantido). Nesta relação o banco garante obriga-se a entregar uma soma pecuniária determinada ao beneficiário, logo que este alegue o incumprimento da relação jurídica subjacente e junte os documentos necessários para o efeito, ou de imediato quando este simplesmente o interpele a realizar essa prestação, mediante declaração. Nisto consiste a garantia bancária autónoma. Esta relação vem sendo qualificada entre nós, tanto pela doutrina como pela jurisprudência, como sendo uma relação contratual com carácter não sinalagmático.

Características (Causalidade e Abstracção). Através da garantia bancária autónoma o garante não se obriga a produzir o resultado a que está obrigado o devedor (ordenante), ao invés responsabiliza-se pelo risco da sua não produção. O garante obriga-se, mediante certas condições, a entregar uma determinada quantia pecuniária, não se obriga em nenhum caso a cumprir a obrigação que o devedor deixou de satisfazer. O garante abdica, desde logo, da possibilidade de vir a opor ao beneficiário quaisquer excepções derivadas tanto da sua relação com o garantido, como da relação base.Entre nós ao contrário do que ocorre na Alemanha, vale o princípio da causalidade, e a abstracção negocial, isto é, “omissão textual de causa final do acto”, só é permitida num conjunto fechado de tipos negociais, pense-se nos títulos de crédito. Os títulos de crédito (letras, livranças, cheques) são abstractos, tal não significa que não tenham uma causa, significa sim que esta causa não releva, relevará sim no âmbito das relações

Page 2: A garantia bancária autónoma é uma garantia pessoal

imediatas, não já nas mediatas.

Há autores que integram a garantia bancária autónoma entre os negócios jurídicos causais e duvidam da sua validade no nosso ordenamento jurídico27, outros há que a apesar de a considerarem um negócio abstracto concluem pela sua validade.

Para a distinguir as garantias bancárias autónomas simples das garantias bancárias autónomas à primeira solicitação, a 1ª (em que se exige ao beneficiário prova do incumprimento do contrato-base por parte do devedor) e o 2º s apenas requerem, em princípio, a exigência de pedido por escrito por parte do beneficiário para o pagamento da garantia. Assim, pode-se sintetizar a diferença entre tais modalidades dizendo que as simples são garantias condicionais e que as on first demand, são incondicionais (ou quase incondicionais). A prática jurisprudencial portuguesa é a de interpretar, no caso concreto, nos termos das regras de interpretação constantes dos arts. 236.º/1 e 238.º/1 CC, as cláusulas da carta de garantia de modo a determinar se se deve entender tal garantia autónoma por uma garantia autónoma simples ou por uma garantia autónoma à primeira solicitação ou on first demand. O mandante, ao autorizar o banco a pagar qualquer importância que porventura viesse a ser pedida pela entidade a quem era prestada a garantia, sem que por qualquer forma tivesse de averiguar a razão da exigência, configurava uma cláusula típica das garantias bancárias em pagamento à primeira solicitação e a garantia bancária autónoma à primeira solicitação ou a pedido (on first demand) faz com que a característica principal da figura, a autonomia, atinja o seu grau máximo, mas não absoluto como considera a maioria da doutrina.Existem dois casos nucleares em que a doutrina e a jurisprudência consideram que o garante deve recusar o cumprimento da prestação, a entrega do montante pecuniário ao beneficiário: ilicitude da causa por violação da ordem pública e fraude manifesta ou abuso evidente. O garante deve ter em seu poder prova líquida e inequívoca dessa fraude ou abuso na altura da solicitação. O garante deverá recusar a entrega da soma sempre que a solicitação do beneficiário seja fraudulenta, atento o princípio da boa fé e da proibição do abuso de direito. não basta a alegação da má fé do beneficiário ainda que esta seja patente, deve o garante, para tal, ter prova documental em seu poder, de modo a agir em absoluta segurança. A prova deve ser pronta e líquida, isto é, deverá permitir a percepção segura da fraude ou abuso.