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A FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS DA SAÚDE: APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA À LUZ DA PROMOÇÃO DA SAÚDE Anna Maria Chiesa 1 , Débora Dupas Gonçalves do Nascimento 2 , Luzmarina Aparecida Doretto Braccialli 3 , Maria Amélia Campos de Oliveira 4 , Maria Helena Trench Ciampone 5 RESUMO: Discute-se a formação dos profissionais de saúde na perspectiva da implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), com enfoque na promoção da saúde. Toma-se como eixo da formação o empowerment, que leva ao desenvolvimento de competências. A integração ensino-serviço e a utilização de metodologias ativas de ensino são apontadas como estratégias para a formação voltada para o mundo do trabalho e para as necessidades da população, visando o aprendizado significativo. PALAVRAS-CHAVE: Promoção da saúde; Aprendizagem; Educação baseada em competência; Prática profissional. HEALTH PROFESSIONALS’ EDUCATION: A SIGNIFICANT LEARNING GUIDED BY HEALTH PROMOTION ABSTRACT: This article discusses health professionals’ education oriented to the implementation of the National Curricular Guidelines by focusing on health promotion. Empowerment is the axis which enables the development of competences. In-service education and active teaching methods are also pointed out as strategies to develop a professional education related to the work process and to the population´s health needs, aiming a meaningful learning experience. KEYWORDS: Health promotion; Learning; Competency-baed education; Professional practice. LA EDUCACIÓN DE LOS PROFESIONALES DE SALUD: EL APRENDIZAJE SIGNIFICATIVO DIRIGIDO POR LA PROMOCIÓN DE LA SALUD 1 Professora. Livre-docente do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo - USP. 2 Mestranda do Programa do Pós-Graduação em Enfermagem- área de concentração Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da USP. Preceptora da Residência Multiprofissional em Saúde da Família da Casa de Saúde Santa Marcelina/Faculdade Santa Marcelina/ Ministério da Saúde. Docente do Centro Universitário São Camilo. 3 Doutoranda do Programa do Pós-Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem da USP. Docente da Faculdade de Medicina de Marília FAMEMA. 4 Professora Livre-docente do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da USP. 5 Professora Livre-Docente do Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da USP. Doutora em Psicologia Social. Autor correspondente: Anna Maria Chiesa Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 – 05403-000 - São Paulo-SP E-mail: [email protected] Recebido em: 02/03/07 Aprovado em: 23/05/07 236 RESUMEN: Se discute la formación de los profesionales de salud en la perspectiva de la implementación de las Directrices Curriculares Nacionales (DCM), con enfoque en la promoción de la salud. Se toma como eje de la formación el empowerment, que lleva al desarrollo de competencias. La integración de la enseñanza y del servicio y la utilización de metodologías activas de enseñanza son señaladas como estrategias para la formación hacia el mundo del trabajo y para las necesidades de salud de la población, con la finalidad de llegar a un aprendizaje significativo. PALABRAS CLAVE: Promoción de la salud; Aprendizaje; Educación basada en competencias; Práctica profesional. Cogitare Enferm. 2007 Abr/Jun; 12(2):236-40

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A FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS DA SAÚDE: APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA À LUZ DA PROMOÇÃO DA SAÚDE

Anna Maria Chiesa1, Débora Dupas Gonçalves do Nascimento2, Luzmarina Aparecida Doretto Braccialli3, Maria Amélia Campos de Oliveira4, Maria Helena Trench Ciampone5

RESUMO: Discute-se a formação dos profissionais de saúde na perspectiva da implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais(DCN), com enfoque na promoção da saúde. Toma-se como eixo da formação o empowerment, que leva ao desenvolvimento decompetências. A integração ensino-serviço e a utilização de metodologias ativas de ensino são apontadas como estratégias para aformação voltada para o mundo do trabalho e para as necessidades da população, visando o aprendizado significativo.PALAVRAS-CHAVE: Promoção da saúde; Aprendizagem; Educação baseada em competência; Prática profissional.

HEALTH PROFESSIONALS’ EDUCATION: A SIGNIFICANT LEARNING GUIDED BYHEALTH PROMOTION

ABSTRACT: This article discusses health professionals’ education oriented to the implementation of the National Curricular Guidelinesby focusing on health promotion. Empowerment is the axis which enables the development of competences. In-service education andactive teaching methods are also pointed out as strategies to develop a professional education related to the work process and to thepopulation´s health needs, aiming a meaningful learning experience.KEYWORDS: Health promotion; Learning; Competency-baed education; Professional practice.

LA EDUCACIÓN DE LOS PROFESIONALES DE SALUD:EL APRENDIZAJE SIGNIFICATIVO DIRIGIDO POR LA PROMOCIÓN DE LA SALUD

1Professora. Livre-docente do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da Universidade de SãoPaulo - USP.2Mestranda do Programa do Pós-Graduação em Enfermagem- área de concentração Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagemda USP. Preceptora da Residência Multiprofissional em Saúde da Família da Casa de Saúde Santa Marcelina/Faculdade Santa Marcelina/Ministério da Saúde. Docente do Centro Universitário São Camilo.3Doutoranda do Programa do Pós-Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem da USP. Docente da Faculdade de Medicina de MaríliaFAMEMA.4Professora Livre-docente do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da USP.5Professora Livre-Docente do Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da USP. Doutora em Psicologia Social.

Autor correspondente:Anna Maria ChiesaAv. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 – 05403-000 - São Paulo-SPE-mail: [email protected]

Recebido em: 02/03/07Aprovado em: 23/05/07

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RESUMEN: Se discute la formación de los profesionales de salud en la perspectiva de la implementación de las Directrices CurricularesNacionales (DCM), con enfoque en la promoción de la salud. Se toma como eje de la formación el empowerment, que lleva al desarrollode competencias. La integración de la enseñanza y del servicio y la utilización de metodologías activas de enseñanza son señaladas comoestrategias para la formación hacia el mundo del trabajo y para las necesidades de salud de la población, con la finalidad de llegar a unaprendizaje significativo.PALABRAS CLAVE: Promoción de la salud; Aprendizaje; Educación basada en competencias; Práctica profesional.

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O DESAFIO DE FORMAR PROFISSIONAISGENERALISTAS

A promoção da saúde, um dos eixosestruturantes do Sistema Único de Saúde (SUS), dizrespeito ao fortalecimento da capacidade de indivíduose grupos sociais para intervir nos determinantes doseu processo saúde-doença. A promoção envolve cincoeixos de atuação: elaboração e implementação depolíticas públicas saudáveis, criação de ambientesfavoráveis à saúde, reforço da ação comunitária,desenvolvimento de habilidades pessoais, reorientaçãodos sistemas e dos serviços de saúde(1,2) .

Fundada em uma concepção ampliada doprocesso saúde-doença e seus determinantes, a promoçãoda saúde busca articular saberes técnicos e populares,mobilizar recursos institucionais e comunitários, públicose privados, de diversos setores, para o enfrentamento e aresolução dos problemas de saúde. Nessa concepção, apopulação assume um papel ativo no processo deconstrução das práticas sanitárias para o enfrentamentode diversos problemas e necessidades de saúde.

Com o movimento da Reforma Sanitária brasileira,ao longo da década de 80, a formulação do SUS naConstituição de 1988 e sua implantação nas duas últimasdécadas, o sistema de saúde no Brasil chegou ao séculoXXI organizado em torno da promoção e da vigilância àsaúde. Profissionais de saúde e população passam a servistos como sujeitos do processo e a doença deixa de ser ofoco de observação, que se volta para o modo de vida e ascondições de trabalho dos indivíduos e grupos sociais, esuas repercussões no processo saúde-doença.

A operacionalização dos princípios e diretrizesdo SUS em um novo modelo assistencial requer novosperfis profissionais. A formação do profissionalgeneralista requerido pelo SUS atualmente é regida pelaLei de Diretrizes e Bases (LDB) que propõe, dentre outrasmedidas, a substituição dos currículos mínimos pelasDiretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursosde graduação em saúde*(3). As DCN reafirmam anecessidade e o dever das Instituições de EnsinoSuperior (IES) em formar profissionais de saúdevoltados para o SUS, com a finalidade de adequar aformação em saúde às necessidades de saúde dapopulação brasileira.

O crescente desafio das instituiçõesformadoras é preparar profissionais para atuar nosdiferentes níveis do Sistema de Saúde, especialmentena Atenção Básica, conforme preconizam as DCN,ao postular que a formação do profissional de saúdedeve estar em consonância com o sistema de saúdevigente no país, o trabalho em equipe e a atençãointegral à saúde(3).

A formação do generalista requer a inserçãoprecoce aluno no mundo do trabalho e a sua atuaçãocrítica e reflexiva para o desenvolvimento de umavisão global, integrada e crítica da saúde, tendo comoeixo central a promoção da saúde. Currículosorientados para o desenvolvimento das competênciasrequeridas para o trabalho em saúde no SUS devemprever oportunidades pedagógicas que assegurem aosestudantes aplicar os conhecimentos teóricos edesenvolver habilidades não apenas técnicas, mastambém políticas e relacionais.

Mudanças envolvem pessoas, valores, culturase, especificamente no campo da saúde e da educação,envolvem também questões ideológicas, sociais,econômicas e históricas. Isso significa romper com“antigos paradigmas”, sem negar, entretanto, ahistoricidade das profissões, o acúmulo deconhecimentos e os modelos de atenção à saúdeexistentes no país. As mudanças na formação exigemainda novos desenhos curriculares focados emmetodologias ativas de ensino e abordagemmultidisciplinar fundamentada nas ciências humanas,sociais e biológicas.

A formação inicial dos profissionais de saúde,de um modo geral, não os prepara para atuar no campoda promoção à saúde, devido ao enfoque aindapredomenantemente biologicista, curativo, médico-centrado e desarticulado das práticas em saúde. Estudostêm evidenciado o distanciamento existente entre oensino proposto pelas escolas e as necessidades desaúde da população. A formação no campo da saúdeencontra-se em crise, o ensino é descontextualizado,com ênfase nos conteúdos, sendo essesoperacionalizados de uma forma tradicional. Paraaproximar a formação profissional das necessidades desaúde da população é necessário superar o paradigma“conteudista” predominante.

O desafio de formar generalistas passa pelanecessidade de desenvolver novas concepções doprocesso saúde-doença, educação, ser humano esociedade, e novas práticas de saúde, maishorizontalizadas e centradas nos processos de trabalho

* Biomedicina, ciências biológicas, educação física, enfermagem,farmácia, fisioterapia, fonoaudiologia, medicina, medicina veteriná-ria, nutrição, odontologia, psicologia, serviço social e terapiaocupacional.

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em saúde. Estimular a compreensão dos determinantesdo processo saúde-doença e trabalhar a formaçãoprofissional a partir dos eixos da promoção da saúde,valendo-se de metodologias que envolvam ativamenteos sujeitos do processo ensino-aprendizagemaplicadas a situações reais e simuladas, contribui paraa atuação contextualizada, crítica e participativa dofuturo profissional, voltada para a intervenção nessesdeterminantes, o estímulo à participação popular e ocontrole social.

A promoção da saúde deverá ser incorporadapor meio dos conceitos de empowerment,intersetorialidade, eqüidade, participação popular eautonomia, entre outros, que subsidiarão a formaçãoprofissional. Neste texto, discute-se especificamentea contribuição do empowerment para a formação emsaúde.

CONTRIBUIÇÕES DO EMPOWERMENT NOPROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEMPOR COMPETÊNCIA

A promoção da saúde possibilita que indivíduose coletividades aumentem o controle sobre osdeterminantes de saúde, como emprego, renda,educação, cultura, lazer e hábitos de vida, e asconseqüentes repercussões sobre as formas de adoecere morrer. Dessa forma, instrumentaliza a intervençãomais eficaz e efetiva sobre os mesmos. Nessaperspectiva, cabe ao Estado a responsabilidade dereduzir as diferenças, assegurar a igualdade deoportunidades e promover os meios que permitam atodos desenvolver um melhor controle sobre o viver,adoecer e morrer.

A categoria empowerment é um dos eixoscentrais da promoção da saúde. Compreende desdeuma visão de autonomia e até as relações de poderentre as pessoas. Vem sendo aplicada em diferentescampos de conhecimento, sofrendo alterações aolongo do tempo.

Na década de 70, essa categoria foi influenciadapelos movimentos de auto-ajuda; nos anos 80 recebeuinfluências da psicologia comunitária e, nos anos 90,recebeu aportes de movimentos sociais que buscavamafirmar o direito da cidadania em distintas esferas davida social, entre as quais a prática médica, a educaçãoem saúde e o meio ambiente(4 ).

No modelo tradicional de educação, oempowerment apresenta-se sob a forma de habilidadespessoais, envolvidas na construção do conhecimento

e transmitidas por aqueles que detêm o saber.No campo da promoção da saúde e no novo

paradigma da formação dos profissionais, oempowerment visa contribuir para o fortalecimentodos sujeitos envolvidos, permitindo-lhes visualizar eenfrentar os determinantes do processo saúde-doençasob uma nova visão de mundo. Profissionais de saúdee população são sujeitos do mesmo processo, pelo qualse estimula o fortalecimento de cada pessoa,individualmente e em grupos organizados.

Nessa concepção, o trabalho em grupo assumeespecial relevância. A abordagem grupal ainda é poucoutilizada nos serviços de saúde, e estes ainda semantêm sob forte influência da assistência curativa eindividualizada, pois é o modelo que muitosprofissionais aprenderam na escola. Um novo modelopressupõe a horizontalização do poder, necessária eadequada para trabalhar os conceitos da promoção dasaúde, principalmente o empowerment, estimulandoa autonomia e a construção de vínculos significativosem todas as relações humanas, e possibilitando avisualização “macro” da sociedade a partir darepresentação no “microgrupo”.

As intervenções grupais possuem um caráterpotencializador, cooperativo e oportuno quanto àpossibilidade de produzir e gerir conhecimentosdirecionados à introdução de mudanças concretas nosmicro-espaços de trabalho das instituições de saúde.Isso pode se dar a partir do exercício do pensamentoe da ação crítica, aderentes a um projeto ético-políticoque avance na direção de uma sociedade quequalifique ao máximo a vida, permitindo o usofrutode bens pela maioria dos cidadãos.

Para que um grupo seja efetivo em promovermudanças e transformações, ele precisa ser planejado,ter objetivos determinados e estabelecer um contratoentre os participantes e seu coordenador. Este atuacomo mediador do grupo, dentro de um ambienteagradável e empático, respeitoso e ético,possibilitando a exposição e discussão entre todos, apartir de diferentes percepções e vivências. Acompetência para trabalhar grupos nesta concepçãoprecisa ser estimulada e desenvolvida já na formaçãodos profissionais, visando o desenvolvimento desolidariedade e a empatia e respeito às diferenças,como alternativas de superação de todas as formas deexclusão, com vistas à justiça e à cidadania.

Os grupos podem ter uma relação muito fortecom a promoção da saúde por meio da categoriaempowerment, que horizontaliza as relações de poder e

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possibilita a construção de competências e habilidadespara a vida em sociedade. As instituições formadorastêm um papel fundamental para o desenvolvimento detais competências. O ensino mais igualitário,descentralizado, no qual o professor assume um papelde mediador do processo ensino-aprendizagem,possibilita que as diferenças pessoais sejam trabalhadas,levando em consideração o contexto de vida dos sujeitosenvolvidos, em busca da eqüidade de cuidado, acesso ecidadania. Um ambiente escolar estimulante e acolhedoré essencial para o desenvolvimento de relaçõesinterpessoais e atividades que proporcionem maiorautonomia e visão crítica, de modo a possibilitar umaprendizado significativo, em consonância com apromoção da saúde.

Para possibilitar que indivíduos e grupos sobseus cuidados enfrentem ativamente suas necessidadese problemas de saúde, os profissionais devemdesempenhar o papel de educadores, apoiando eestimulando indivíduos e grupos sociais, para que setornem agentes da promoção e da proteção de suasaúde. Para tanto, devem desencadear um processoensino-aprendizagem no qual o ensinar e o aprenderpossam se efetivar de uma forma mais horizontal enão hierárquica.

Nesse sentido, as pessoas precisam serfortalecidas, “empoderadas” como sujeitos capazesde intervir mais em suas próprias vidas e capazes deidentificar condições que afetam sua saúde,aumentando assim suas possibilidades de controlesobre os determinantes de suas condições de vida esaúde. Essa realidade é possível se fundada nacompreensão da emancipação humana por meio dodesenvolvimento do pensamento crítico e de açõesque superem antigos paradigmas, bem como estruturasinstitucionais e ideológicas de opressão.

A categoria empowerment possibilita odesenvolvendo da consciência crítica e da capacidadede intervenção sobre a realidade, transformando-se,neste contexto, em um ato político libertador que secontrapõe à concepção bancária de educação. Adotadocomo concepção pedagógica, o empowerment elevaos indivíduos e grupos mais excluídos da sociedade àcondição de cidadãos portadores de direitos.

Uma aprendizagem significativa deve estarengajada no desenvolvimento de políticas públicassaudáveis e estimular a criação de ambientesfavorecedores da saúde, da mudança decomportamentos que permitam a proteção do meioambiente, a conservação de recursos naturais e o

envolvimento cada vez maior da população em projetosde promoção da saúde(5).

A compreensão da educação como um processodialógico, problematizador e inclusivo, que visa àconstrução da consciência crítica sobre ser e estar nomundo, deu origem a várias tentativas de mudançaspedagógicas em diversos países e cidades do Brasil. Essasiniciativas, em geral, estão orientadas para a elaboraçãode currículos integrados, orientados por competências,articulados aos diversos setores da sociedade edesenvolvidos em ambientes propícios ao aprendizado.

O foco central dessas mudanças curricularesé a maior valorização dos sujeitos envolvidos noprocesso ensino-aprendizagem, sejam eles docentes,estudantes ou profissionais de serviços de saúde ondeocorrem as atividades de ensino prático e o estágiocurricular supervisionado. Cada um pode contribuirde maneira individualizada, muitas vezes explicitandodiferenças, mas sempre na busca pedagógica detrabalhar com os estudantes as suas potencialidadesno processo ensino-aprendizagem. A escola estimulao aluno a buscar e construir de maneira autônoma seuprocesso de aprendizagem, voltado para a realidadeem que se insere, visando o desenvolvimento dascompetências necessárias ao trabalho em saúde.

A FORMAÇÃO POR COMPETÊNCIAS

Competência é a capacidade de utilizardiferentes recursos para solucionar com pertinência eeficácia uma série de situações(6-9), mobilizandorecursos cognitivos, afetivos e psicomotores.

Nos anos 60 e 70, a concepção de competênciaque influenciou a organização curricular tinha fortesraízes na linha comportamental (behaviorismo). Essainfluência ainda é marcante na formação dosprofissionais, principalmente da área da saúde.

A partir dos anos 80, uma concepção maisampliada passou a ser utilizada, a competênciadialógica, entendida como o desenvolvimento deatributos cognitivos, psicomotores e afetivos queconjuntamente demonstram diferentes modos derealizar com excelência uma tarefa ou um trabalhoprofissional. Essa concepção considera a historicidadedas sociedades e das pessoas que nela se inserem, emum dado momento histórico, observando o processode transformação dos saberes, assim como os modosde produção e reprodução social que influenciam asrespostas e os atributos esperados para determinadaárea profissional.

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A contextualização e a construção designificados durante o processo de aprendizagem,integrando teoria e prática, possibilita a reflexão e ateorização a partir da realidade prática concreta, como desenvolvimento de capacidades profissionais,deslocando a atenção dos conteúdos e das disciplinasaté então presentes em muitos currículos.

Em um currículo orientado por competência,os conteúdos só têm significado quando emergem daprática e a partir daí passam a ser explorados comconsistência e funcionalidade para o enfrentamentode situações complexas e reais, construídassocialmente. O que importa não é a transmissão doconhecimento acumulado, mas sim a possibilidade deação, a capacidade de recorrer ao que se sabe pararealizar o que se deseja, o que se projeta.

Para que a integração teoria-prática aconteçade maneira efetiva, é necessário que todos osenvolvidos na formação (docentes, alunos eprofissionais do serviço) entendam e vivam ahorizontalização dos saberes, cada um desenvolvendoseu trabalho de modo a articular conhecimentoscomplementares, desenvolver as habilidades técnicase políticas, visando atender as necessidades dapopulação, sempre refletindo sobre suas práticas eavaliando todo o processo.

Na abordagem dialógica, a construção decompetências e sua tradução curricular mostra-se umaopção consistente e estratégica para a formação deprofissionais de saúde orientada para as necessidadessociais. No entanto, ainda há um longo caminho a sertrilhado e contradições a serem superadas, em que pesea contribuição das atuais políticas públicas de saúdee educação que oportunizam iniciativas de mudançana formação dos profissionais da saúde(10).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As atuais políticas nacionais de saúde e deeducação apontam para a necessidade de mudançasnos processos de formação profissional e têm estimuladoe apoiado iniciativas para ampliar a responsabilidadesocial e a pactuação de propostas para a definição decompetências e para o desenvolvimento das diretrizescurriculares nacionais.

Para fazer face aos enfrentamentos colocadospelo mundo do trabalho, essa mudança paradigmáticaenvolvendo as concepções de saúde e educaçãoprecisa ser vivenciada durante a formação, ampliandoas possibilidades de horizontalização e democratização

do conhecimento. Competências e habilidades tambémprecisam ser desenvolvidas pelos profissionais desaúde, para que se constituam como sujeitoscomprometidos com a busca de equidade do cuidado,do acesso e da cidadania.

REFERÊNCIAS

1 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Políticas deSaúde. Projeto Promoção da Saúde. Promoção da Saú-de: Declaração de Alma-Ata, Carta de Otawa, Decla-ração de Adelaide, Declaração de Sundsvall, Declara-ção de Santafé e Bogotá, Declaração de Jacarta, Redede Megapaíses, Declaração do México. Brasília; 2001.

2 Chiesa AM. A promoção da saúde como eixo estruturantedo Programa de Saúde da Família. In: Tema do 1º Semi-nário Estadual “O Enfermeiro no Programa de Saúde daFamília”; 2000 nov. 9-15; São Paulo, SP. São Paulo:Secretaria de Estado da Saúde; 2000. p. 1-7.

3 Almeida M, Maranhão E. Diretrizes curriculares nacio-nais para os cursos universitários da área da saúde. Lon-drina: Rede UNIDA; 2003.

4 Carvalho SR. Os múltiplos sentidos da categoria“empowerment” no projeto de promoção à saúde. CadSaúde Publ. 2004;20(4):1088-95.

5 Davine MC. Currículo integrado. In: Ministério daSaúde (BR). Coordenação Geral de Desenvolvimentode Recursos Humanos para o SUS. Capacitação peda-gógica para instrutor/supervisor: área da saúde. Brasília;1994. p.39-55.

6 Hager P, Gonczi A. What is competence. Med Teach.1996;18(1):15-8.

7 Hernández D. Políticas de certificación de competenciasen América Latina. Bol Cinterfor 2002; (152):31-49.Disponível em: http://www.cinterfor.org.uy/public/spanish/region/ampro/cinterfor/publ/boletin/152/pdf/hern.pdf. (5 Fev 2007).

8 Perrenoud P. Construir as competências desde a esco-la. Porto Alegre: Artmed; 1999.

9 Ramos MN. A pedagogia das competências: autono-mia ou adaptação? São Paulo: Cortez; 2001.

10 Lima VV. Competência: distintas abordagens e impli-cações na formação de profissionais de saúde. InterfaceComun Saúde Educ. 2005;9(17):369-79.

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