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A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Sumário:
Introdução
1. Trajectos da formação de professores em Portugal
2. Universitarização da formação de professores
3. Evolução das concepções e das práticas de formação de professores
4. Qualidade da formação de professores
5. Perspectivas para o futuro
Introdução
Os professores constituem o recurso mais importante para o sucesso educativo e
académico dos alunos. Inseridos e actuantes dentro de um sistema complexo – o sistema
educativo, uma parte do sistema social mais geral – os professores produzem um trabalho
cuja qualidade está longe de depender exclusivamente das competências pessoais e
profissionais que detenham. Constrangimentos de natureza vária, externos e internos ao
sistema educativo, tanto podem potenciar como limitar o alcance do trabalho dos
professores: destacamos, no primeiro caso, o desenvolvimento económico, cultural e
social do país e as condições material e psicossocial das famílias, e, no segundo, as
políticas educativas e curriculares definidas para o país, o financiamento da educação, a
administração e gestão do sistema e das escolas, o contexto específico onde cada escola
se inscreve.
Admitida a tese da centralidade da acção dos professores ao serviço de um sistema
educativo democrático e de uma escola de qualidade para todos, compreende-se que à
formação dos professores seja dado um lugar destacado.
Evocaremos brevemente, neste texto, a evolução registada em Portugal nas últimas
décadas em matéria de formação de professores. A formação inicial, a formação contínua
e a formação especializada relativas aos educadores de infância e aos professores dos
ensinos básico e secundário, bem como a formação de docentes do ensino superior
pontuarão os trajectos da formação que tentaremos delinear. Progressivamente, a questão
mais relevante deixou de ser a da quantidade de professores a formar para satisfazer a
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procura, mas a da qualidade dessa formação para sustentar os desempenhos desejados.
Examina-se em que medida as políticas públicas enunciadas e concretizadas neste
domínio, a universitarização da formação e a evolução de concepções e de praticas
formativas são susceptíveis de contribuir e contribuem de facto, para a melhoria
significativa daquela qualidade. O que permitirá, no final, delinear algumas prioridades
do caminho a seguir nos próximos anos.
Importa, desde já, clarificar dois sentidos que a expressão “formação de professores” pode
tomar e aquele em que aqui a utilizaremos.
Uma das acepções possíveis é entender a formação em sentido lato, ou seja, como um
processo contínuo e permanente que começa bem antes de alguém optar pela carreira
docente porque nessa formação se irão incorporar as experiências de vida do sujeito, antes
e depois de se tornar professor, a formação inicial geral e específica, as experiências de
contacto com alunos, colegas, escolas e comunidades, as oportunidades de formação
contínua formal – tudo isso contribuindo para o desenvolvimento do professor ao longo
da vida, enquanto pessoa e enquanto profissional.
O sentido em que aqui tomaremos a formação de professores é, porém, bem mais restrito:
ocupar-nos-emos apenas da formação formal dos professores (inicial, contínua e
especializada), das políticas nacionais e institucionais que a orientaram no passado
próximo e das que actualmente prevalecem, com a finalidade de perceber quais os
principais problemas a enfrentar e descortinar que soluções poderão ser mais desejáveis
para os mesmos.
A evolução do sistema educativo português e, dentro dele, da formação de professores,
não foi um processo linear mas sim uma resultante da relação de forças, ora convergentes,
ora contraditórias: forças políticas nacionais e, cada vez mais, também internacionais,
forças sociais (com destaque para as organizações representativas dos professores),
económicas e culturais (onde avulta o desenvolvimento do conhecimento científico sobre
educação entretanto registado no mundo e em Portugal).
1. Trajectos da formação de professores em Portugal
A democratização da educação e do ensino inscreveu-se naturalmente como um desígnio
dos ideais democratizadores do 25 de Abril. Isso mesmo ficou claramente consagrado na
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Constituição da República Portuguesa aprovada em 1976 e na Lei de Bases do Sistema
Educativo de 1986, ainda em vigor.
Tal democratização envolvia / envolve uma dupla acepção: acesso à escola para todos e
condições de sucesso escolar igualmente para todos.
Formação inicial
Uma das dificuldades que houve que enfrentar então foi a da falta de professores
devidamente qualificados face à explosão da procura da escola. Tornou-se, então,
necessário recrutar grande número professores sem habilitação profissional que apenas
detinham a chamada habilitação própria (qualificação académica mas não profissional),
colocados os quais era ainda necessário recorrer a professores com habilitação suficiente,
ou mesmo com habilitação mínima. A alternativa (impensável) era deixar dezenas, se não
mesmo centenas, de milhares de alunos sem escola.
Face à referida explosão da procura da escola por grupos sociais que antes estavam dela
arredados por razões de ordem socioeconómica e cultural e pelo subdesenvolvimento da
rede escolar, importava formar profissionalmente novos professores e qualificar os que
tinham entrado no sistema sem as habilitações mais desejáveis.
A primeira resposta a este problema foi a da multiplicação dos centros de estágio, logo
em 1974/75, para formar um número significativamente maior de professores em
exercício nos 2.º e 3.º ciclos do ensino geral e no ensino secundário (então chamado
complementar). A ditadura tinha cerceado fortemente o acesso ao estágio, entre outras
razões, para dispor de uma mão-de-obra barata: os professores provisórios ou eventuais
tinham salários mais baixos e, frequentemente, não ganhavam nos meses das férias de
Verão.
Recorda-se que, relativamente à formação inicial, existiam duas tradições distintas no
país: enquanto os professores do ensino primário eram preparados para a docência em
escolas para tal vocacionadas (as escolas de magistério primário, pertencentes ao então
existente ensino médio), os professores do ensino preparatório, do curso geral e do curso
complementar faziam a sua formação profissional sob responsabilidade da entidade
patronal, após a entrada na profissão (frequentemente, só após muitos anos de essa entrada
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se ter verificado). O acesso destes últimos professores à docência fazia-se apenas com
base numa qualificação académica (bacharelato ou licenciatura) no âmbito da disciplina
científica a ensinar aos alunos. O acesso ao estágio profissional exigia que, entretanto, o
professor tivesse concluído um curso de ciências pedagógicas numa das três faculdades
de Letras então existentes no país.
A situação de deficit de professores devidamente qualificados para a docência perdurou
ao longo das décadas de 70 e 80 – e, por vezes, até se agudizou na medida em que o
número de professores que concluíam a sua formação em cada ano não obstava a que
simultaneamente aumentasse a percentagem de professores sem habilitação profissional
que era necessário recrutar para o ano seguinte.
Desde os anos 70, começou a verificar-se uma tendência para o Estado confiar por inteiro
às universidades a formação inicial de professores. Tal tendência concretizou-se,
primeiro, com a criação de ramos educacionais nas três faculdades de Ciências existentes
(1971) e, depois, com a criação de licenciaturas em ensino nas então chamadas
“universidades novas”: Évora, Aveiro, Minho e Açores. Foi somente em 1986 que a Lei
de Bases do Sistema Educativo consagrou a exclusividade das instituições de ensino
superior quanto à missão de formar educadores de infância e professores. Tinha,
entretanto, surgido o Ensino Superior Politécnico em 15 distritos, cujas Escolas
Superiores de Educação começaram a funcionar entre 1983 e 1985, substituindo as
escolas do magistério primário e ocupando-se da formação de docentes para a Educação
Pré-Escolar e para os 1º e 2º ciclos do Ensino Básico.
Durante os anos 90, foi-se atingindo um ponto de equilíbrio entre as necessidades do
sistema e o número de professores qualificados profissionalmente para trabalhar nas
escolas. Para tal, concorreram três factores:
O número crescente de diplomados com dupla certificação (académica e profissional)
obtida em universidades ou em institutos politécnicos, onde passaram a avultar
também, desde meados dos anos 80, instituições do ensino superior privado que
ofereciam numerosos cursos de formação de professores;
A resolução do problema da profissionalização em serviço dos professores
contratados com habilitação académica mas sem habilitação profissional (mediante,
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sucessivamente, o alargamento dos estágios ditos clássicos, com a duração de um ano,
e três modalidades de profissionalização em exercício, com a duração de dois anos,
que se desenvolveram respectivamente entre 1980 e 1985; entre 1986 e 1988; de 1988
à actualidade);
A estagnação e depois a quebra do número de alunos que se manteve constante até
2006, fruto da queda da taxa de natalidade, e isto apesar de a escolaridade obrigatória
ter sido alargada para 9 anos, em 1986, e de as taxas de escolarização nunca terem
deixado de crescer.
Grosso modo, os anos 2000, em matéria de formação inicial de professores, estão a ser
marcados por um fenómeno inverso do vivido nos anos 70/80: tem sido muito maior o
número de pessoas que se qualificam, em instituições de ensino superior, para acesso à
profissão docente, do que o número de vagas que, ano a ano, vão estando disponíveis.
Acresce que a actual política educativa traduzida no aumento do número de alunos por
turma, na continuação do encerramento de escolas sobretudo no 1º ciclo, no
empobrecimento do currículo escolar (extinção das áreas curriculares não disciplinares
de estudo acompanhado, formação cívica e área de projecto) tem contribuído para a
diminuição drástica do número de postos de trabalho. E nem o movimento de fuga
massiva, e muitas vezes antecipada, de dezenas de milhares de professores para a
aposentação, verificado nos últimos anos, representa a abertura de igual número de postos
de trabalho. Nos casos em que os professores mais velhos gozam de uma redução da
componente lectiva (2º e 3º ciclos do ensino básico e ensino secundário), cada horário de
trabalho completo que os mesmos deixam livre, representa apenas 63.6% de um horário
completo de um professor em início de carreira. Ou, dito de outro modo, por cada 100
professores que se aposentam, basta recrutar 63 novos professores para realizarem a
mesma quantidade de trabalho directo com os alunos. Segundo dados publicados na
revista Visão (8 de Maio de 2014, pp.32-38), entre 2011 e 2012 o número de professores
em exercício terá passado de 156 669 para 145 547, ou seja, sofreu uma redução de 7%.
Foram sobretudo os professores com vínculo mais precário (contratados a termo certo)
quem sofreu o impacto das medidas tomadas: segundo a mesma fonte, eles eram 35 900
em 2011, para passarem a ser 24 200, em 2012, e 15 200 em 2013, ou seja, em dois anos,
o seu número diminuiu cerca de 58%.
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A situação descrita tem levado a uma diminuição sensível do número de estudantes que,
nas universidades e institutos politécnicos, se candidatam aos cursos de licenciatura em
educação básica e aos mestrados em educação e em ensino, o que poderá conduzir, a não
muito longo prazo, ou à extinção de algumas destas formações, ou à suspensão do seu
funcionamento.
Os dois gráficos que se seguem permitem visualizar a evolução, respectivamente, do
número de alunos e do número de professores da educação pré-escolar e dos ensinos
básico e secundário, entre 1960 e 2008, a que acima nos referimos.
O número de crianças na educação pré-escolar passou de 6 528 para 266 158.
O número de alunos da educação básica atingiu o pico máximo nos anos 80 e o dos alunos
do ensino secundário, nos anos 90.
Embora as taxas de escolarização tenham sempre aumentado, são patentes os efeitos da
forte diminuição da taxa de natalidade no decréscimo do número de alunos dos ensinos
básico e secundário, em valores absolutos.
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Fonte: GEPE/ME & INE, I.P. (2009). 50 anos de Estatísticas da Educação, 3 vols, Lisboa: Editorial do ME
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Em Síntese:
Destacamos como mais relevantes em relação à formação inicial, os seguintes aspectos:
Formação inicial de nível superior para todos os professores
Formação do mesmo nível académico para todos os professores
Aquisição da qualificação profissional, antes do início da actividade docente,
também para os professores de disciplinas
Expansão da rede de oferta de formação (instituições, públicas e privadas, e
cursos)
Consagração do modelo sequencial como único para a formação dos professores
de disciplinas
Formação contínua
A par da garantia de estabilidade de emprego que, como se viu no ponto anterior, andava
e anda associada à posse de uma formação inicial profissional para a docência, os
professores, após o 25 de Abril, aspiravam também a ter uma carreira. Primeiramente, em
1975, tal carreira foi pontuada pela consagração de fases (3, e mais tarde, 4). Depois, em
1989, pela criação de escalões (10). Em ambos os casos, a progressão fazia-se e faz-se
em função do tempo de serviço prestado e da avaliação de toda a actividade desenvolvida,
bem como das qualificações profissionais, pedagógicas e científicas. Isto mesmo ficou
explicitado na Lei de Bases do Sistema Educativo que consagrou, simultaneamente, o
direito de todos os professores à formação contínua e constituiu esta em condição
tendencialmente obrigatória para a progressão (artº 35,2).
Só em 1992, seis anos após a publicação da Lei de Bases, viria a ser aprovado o primeiro
regime jurídico da formação contínua de professores, o qual vigorou até 2014. Aí, além
de se consagrar a formação contínua como direito e dever de todos os professores, foram
fixados os princípios, finalidades e objectivos dessa formação, foram preconizadas
modalidades diversas para a sua concretização, foi constituída uma rede de centros de
formação que cobrisse a totalidade do território nacional (centros de formação de
associações de escolas, centros de formação de associações de professores, centros de
formação de instituições de ensino superior), foi criado um órgão nacional de acreditação
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e avaliação dos centros, das acções de formação e dos formadores (designado Conselho
Científico-Pedagógico da Formação Contínua de Professores a partir de 1996).
Nos últimos vinte anos, a totalidade ou a quase totalidade dos professores
profissionalizados em exercício de funções participou em algum tipo de formação
contínua, até porque, como se disse, a progressão na carreira docente dependia de, em
cada escalão, o professor reunir um certo número de créditos (1 crédito = 25 horas de
formação, por cada ano de duração do escalão, a qual oscila entre 3 e 5 anos).
Tornou-se então patente a diversidade de motivações que levavam os professores a
procurar esta formação: uns, teriam predominantemente motivações intrínsecas – vontade
de melhorar o seu desempenho junto dos alunos, na escola e na comunidade; necessidade
de se actualizar; curiosidade; vontade de se desenvolver profissionalmente – outros, viram
a formação contínua como um fardo, uma sobrecarga inútil a que eram obrigados se
quisessem (e, geralmente, todos querem) progredir na carreira com as inerentes
recompensas materiais. A tensão entre estes dois conjuntos de professores e entre as duas
perspectivas que lhes estão associadas polarizou-se em torno da questão dos créditos
atribuídos à formação, como se fossem estes os responsáveis pela desvirtuação dos
processos formativos.
O desenvolvimento do subsistema de formação contínua de professores só foi possível
por terem sido para ele carreadas verbas importantes do Fundo Social Europeu destinadas
à formação profissional. A comparticipação financeira portuguesa foi zero, ou próximo
de zero, visto que o Estado decidiu imputar uma fracção do vencimento dos professores
ao custo/financiamento da formação que lhe cabia assegurar. Vencimento que haveria
sempre que pagar na íntegra, visto que os docentes deviam (e devem) fazer todo o seu
trabalho e participar na formação fora das horas de serviço – tratou-se, pois, de um mero
artifício contabilístico. Muitos se interrogaram, com razão, sobre o que sucederia quando
os fundos europeus cessassem ou se reduzissem. As respostas começaram a surgir com o
governo anterior, quando o número de centros de formação de associações de escolas foi
reduzido em mais de 2/3. Simultaneamente, os professores passaram a pagar do seu bolso
a maioria das acções em que participam - a excepção são as acções de âmbito nacional
que obedeçam a uma determinação do Ministério da Educação. Planos de formação
nacional com boas provas dadas na melhoria dos desempenhos escolares (associados,
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respectivamente, ao plano de acção da Matemática, ao programa nacional de ensino de
Português, ao plano de ensino experimental das Ciências e ao plano tecnológico para a
Educação), criados a partir de 2006/07, foram sendo descontinuados a partir de 2009/10,
e tão pouco foram repostos pelo actual ministério da Educação, no que parece não ter
passado de uma medida economicista e austeritária. Mantiveram-se apenas como
programas nacionais, os relativos à formação de professores correctores de provas de
exame e de professores avaliadores do desempenho docente.
Em Dezembro de 2013, estavam acreditadas 287 entidades formadoras: 92 centros de
formação de associações de escolas, 54 centros de formação de associações de
professores, 104 centros de instituições de ensino superior e 37 de outras naturezas. Na
mesma data, tinham acreditação válida 11 151 acções de formação e 34 255 formadores.
O público potencial desta formação rondará cerca de 145 000 educadores e professores.
Em síntese:
Destacamos como mais relevantes em relação à formação contínua, os seguintes aspectos:
Explosão da oferta de formação contínua (número de entidades formadoras e de
acções de formação
Diversidade de instituições promotoras da formação (instituições de ensino
superior; centros de formação de associações de escolas e de associações de
professores; outras)
Acreditação profissional e não apenas académica das acções de formação.
Formação especializada
Para além dos papéis e funções gerais, os professores são por vezes chamados a realizar
desempenhos diferenciados seja a título permanente, seja a título temporário. Inscrevem-
se neste cenário o desempenho de intervenções especializadas junto de crianças e jovens
com necessidades educativas especiais ou com dificuldades mais acentuadas de
aprendizagem, o desempenho de funções de coordenação pedagógica, superior ou
intermédia, a nível de direcção executiva, de conselho pedagógico, de departamento
curricular ou de disciplina, o desempenho de funções de formador e/ou de avaliador de
professores, entre outras.
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A organização de formações acrescidas foi prevista em 1989 mas apenas regulamentada
no figurino actual em 1997 (DL nº 95/97, de 23 de Abril). Essa formação especializada
obtém-se através da realização de cursos de especialização do nível de pós-graduação que
são da responsabilidade das instituições de ensino superior.
Constituem áreas de formação especializada:
A educação especial (apoio, acompanhamento e integração socioeducativa de
indivíduos com necessidades educativas especiais);
Administração escolar e administração educacional (direcção e gestão pedagógica
e administrativa das escolas);
Animação sociocultural (animação comunitária e formação permanente,
designadamente no âmbito do ensino de adultos);
Orientação educativa (coordenação pedagógica no âmbito da direcção de turmas
e da orientação escolar e vocacional);
Organização e desenvolvimento curricular (coordenação e consultoria de
projectos e actividades curriculares específicas);
Supervisão pedagógica (orientação e supervisão da formação inicial e contínua de
educadores e professores);
Gestão e animação da formação (gestão e coordenação de projectos e actividades
de formação contínua de educadores e professores);
Comunicação educacional (gestão da informação, designadamente no âmbito da
gestão de centros de recursos educativos).
O acesso a estas formações especializadas apenas é possível a professores
profissionalizados com, pelo menos, cinco anos de serviço docente.
Diferentes títulos académicos podem indicar a posse de uma formação especializada:
diplomas de estudos superiores especializados; diplomas de pós-licenciatura; um grau
académico (de licenciado, ou de mestre ou de doutor) – na condição de a formação obtida
ser acreditada como especializada pelo Conselho Científico-Pedagógico da Formação
Contínua de Professores, ou seja, se se puder demonstrar que integrou componentes de
formação geral em ciências da educação, de formação específica da área em causa, e de
elaboração, desenvolvimento e avaliação de um projecto nessa mesma área.
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Em Dezembro de 2013, estavam acreditados 138 cursos de formação especializada, no
continente, distribuídos da seguinte forma: Norte – 49; Centro – 35; Lisboa – 43; Alentejo
– 2; Algarve – 3. Em número, prevaleciam os cursos de educação especial (67),
administração (30) e supervisão pedagógica e formação de formadores (19).
Em síntese:
Reconhecimento da necessidade de formações especializadas para o desempenho
de funções diferenciadas confiadas a educadores e professores
Evidências de número insuficente de professores especializados nas escolas
Formação de docentes do ensino superior
Em 2011/12, trabalhavam no ensino superior 37 078 docentes, 25 849 no público e 11 229
no privado.
O quadro seguinte mostra a distribuição dos docentes do ensino público, universitário e
politécnico, por grau académico, nesse mesmo ano.
Quadro 3: Distribuição dos docentes do ensino superior público, por grau académico, em 2011/12
Nível
Grau
Ensino Universitário
Ensino Politécnico
Nº % Nº %
Doutoramento 10 720 69.0 2496 24.2
Mestrado 1887 12.1 4255 41.3
Licenciatura 2825 18.2 3390 32.9
Bacharelato 35 0.2 66 0.6
Outro 71 0.5 104 1.0
Total 15538 100 10311 100
Fonte: Direcção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência / MEC, disponível em http://www.dgeec.mec.pt
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O subsistema de ensino superior é o único cujos docentes não estão obrigados a nenhuma
preparação específica para a docência. Prevalece a exigência de que a sua carreira
académica assente em competências investigativas na área do saber que ministram, a
demonstrar em provas académicas e em concursos. A docência face à investigação ocupa,
pois, um lugar menor.
Entretanto, o ensino superior português mudou: o acesso democratizou-se, acedem hoje
ao ensino superior novos públicos mais heterogéneos que os tradicionais quanto à sua
origem social, aos seus projectos de vida e à idade; diversificaram-se os cursos e as
estruturas curriculares (mestrados conducentes a dissertações de investigação, a relatórios
de estágio profissional ou a relatórios de trabalhos de projecto); aumentou
significativamente a qualificação académica do corpo docente; surgiu uma nova pauta de
avaliação do desempenho profissional que contempla também as competências
pedagógicas.
O Processo de Bolonha, independentemente de outras considerações que possa merecer,
implicou mudanças sensíveis no plano do ensino: consagrou e reforçou o lugar central
que o estudante deve ocupar nos processos de ensino-aprendizagem e obrigou à
explicitação do perfil de competências do diplomado por cada curso, bem como à
definição clara do respectivo plano de estudos, das suas finalidades e objectivos,
conteúdos, metodologias e procedimentos de avaliação.
O peso das diferentes áreas e disciplinas que constituem um curso deixou de ser função
do número de horas lectivas para passar a ser função do esforço que se estima que o
estudante precisa de desenvolver (em aulas a que assiste, em sessões tutoriais e trabalhos
de grupo, em trabalhos de campo ou de laboratório, em estudo autónomo) para ter êxito
em cada unidade curricular – esforço esse medido em tempo e traduzido em ECTS
(European Credits Transfer System).
Face a todas as mudanças aludidas, tornou-se inegavelmente mais clara a consciência de
que o docente de ensino superior necessita de desenvolver, de forma mais estruturada e
coerente, as suas competências pedagógicas.
Certamente são muito numerosas e diversificadas as razões para o insucesso escolar
verificado no nosso ensino superior, traduzido não apenas no abandono dos estudos mas
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também no excessivo número de anos necessário para concluir algumas formações. Mas
haverá que admitir que, sem que saibamos medir o seu peso, uma das variáveis
explicativas desse fenómeno seja a da qualidade pedagógica inerente às formações
oferecidas. Os mecanismos de auto-avaliação e de avaliação externa dos cursos em
funcionamento, bem como a avaliação do desempenho docente no plano pedagógico,
podem dar indicações preciosas acerca das razões do insucesso escolar e levar a
identificar os casos em que se impõe mudar as práticas vigentes – o que reclamará um
investimento na formação dos docentes enquanto tal.
Contudo, na falta de um projecto nacional de formação pedagógica, são ainda poucos os
casos em que as instituições de ensino superior enfrentam estes problemas e desenvolvem
programas consistentes de desenvolvimento profissional dos seus professores.
Em síntese:
As mudanças verificadas no ensino superior e, em particular, a adesão ao Processo
de Bolonha, convidam a uma formação pedagógica mais profunda e generalizada,
dos docentes deste nível de ensino
Ainda são escassas as oportunidades para que as necessidades assinaladas sejam
satisfeitas
2. Universitarização da formação de professores
Um dos traços marcantes da evolução da formação de professores à escala global ou, pelo
menos, nos países desenvolvidos, foi o do seu trânsito progressivo para a esfera de
responsabilidade do ensino superior. Tal fenómeno é habitualmente designado como
“universitarização”.
O pressuposto dessa mudança contempla várias dimensões, entre as quais:
A maior consciência da complexidade da profissão docente, particularmente face aos
desafios da democratização e às rápidas transformações sociais, económicas,
tecnológicas e culturais, em curso nas últimas décadas;
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A luta dos professores pela revalorização material e simbólica do seu estatuto social
e profissional;
A convicção de que existe já um conhecimento científico acerca da educação e da
formação de professores capaz de fundamentar melhores práticas educativas e de que
o ensino superior, porque ligado à investigação e à produção de conhecimento, seria
detentor.
Também por esta via se poderiam ultrapassar as concepções da docência como arte ou
artesanato, como um dom que nasce com o sujeito, uma vocação inata, e aproximar o
exercício profissional de padrões de raiz científica ou tecnológica que caracterizam outras
profissões, incluindo algumas igualmente da área das relações humanas e sociais.
A preponderância, quando não mesmo a exclusividade, da formação de professores
assumida pelo ensino superior não se fez sem controvérsia. Alguns colocaram
interrogações sobre se o ensino superior pode ou deve ser um lugar de formação
profissional (esquecendo que o é efectivamente há longo tempo, em relação a numerosas
profissões). A questão esbateu-se à medida que o ensino superior tem sido constrangido,
por boas e más razões, a abrir-se à sociedade e a responder às suas exigências. Contudo,
é inegável que a introdução de uma nova formação profissional no ensino superior – neste
caso, a da formação de professores – coloca sempre dificuldades que só o tempo e
estratégias deliberadas nesse sentido, permitem ultrapassar.
Aceitar formar professores para os ensinos básico e secundário e educadores de infância
exigiu / exige alguma forma de compromisso, de convivência ou, mais desejavelmente,
de colaboração, de articulação produtiva, entre os saberes académicos já estabelecidos
(correspondentes aos conteúdos de ensino dos professores) e os saberes académicos a
estabelecer ou de estabelecimento ainda recente no campus universitário (ciências da
educação, pedagogia). Exige também um compromisso com a acção profissional
contextualizada dos formandos que, no sistema formativo português, se configura em
unidades curriculares de iniciação à prática profissional e de prática educativa
supervisionada.
A formação de professores não assenta ainda num corpo de conhecimento científico
insofismável – tal conhecimento, embora exista, apresenta-se ainda hoje como lacunar e
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fragmentário, pelo que é necessário que as agendas de investigação das instituições que
formam professores contemplem adequadamente, seja problemas da acção profissional,
seja problemas da formação para a mesma. Os recentes mecanismos de avaliação externa
dos cursos do ensino superior examinam, entre outros aspectos, o grau de compromisso
das instituições e dos docentes que formam professores com a investigação que
desenvolvem neste domínio bem como a incorporação do conhecimento científico
produzido no trabalho de formação que realizam. Tal impede ou poderá impedir
futuramente que se prolonguem no tempo situações institucionais em que formar
professores é visto como “um mal necessário”, apenas uma forma de garantir o ingresso
de estudantes e, por essa via, a sobrevivência da instituição.
Dada a autonomia científica e pedagógica de que estatutariamente gozam, as instituições
de ensino superior assumem uma pesada responsabilidade pelo modo como concebem e
concretizam a formação de professores, e pelos resultados alcançados. Autonomia que,
nesta matéria, tem naturalmente como limite o quadro jurídico nacional estabelecido pelo
poder político.
Tendencialmente, as instituições universitárias e politécnicas enfrentam desafios
diferentes: no primeiro caso, vencer resistências da tradição académica à incorporação de
uma nova formação profissional; no segundo caso, construir ou reforçar a base de
conhecimento científico que deve fundamentar a formação.
Uma outra forma de observar o papel do ensino superior na formação de professores é
constatar os graus académicos alcançados pelos docentes em exercício. O quadro seguinte
ilustra a evolução registada entre 1998/99 e 2007/08 precisamente na qualificação de
professores por graus académicos. Ele apresenta, por ciclo de ensino, as percentagens de
professores com licenciatura, mestrado e doutoramento. Constata-se a forte redução da
percentagem de professores em exercício com um grau académico de bacharelato e o
concomitante aumento da percentagem dos que detêm uma licenciatura ou estudos pós-
graduados.
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Quadro 1: Docentes em exercício com licenciatura, mestrado ou doutoramento, segundo o nível de
educação / ensino, por ano lectivo (%)
Nível de Ensino
Ano
Educação
Pré-Escolar
E. Básico
1º ciclo
E. Básico
2º ciclo
E. Básico
3º ciclo e
E. Secundário
1998/99 20.0 25.7 82.2
1999/00 20.1 25.8 73.4 85.8
2000/01 33.4 34.8 76.9 87.1
2001/02 42.5 43.6 79.3 88.2
2002/03 54.8 56.7 82.5 88.9
2003/04 67.0 66.5 84.6 90.2
2004/05 76.6 76.2 86.2 91.2
2005/06 78.8 78.3 85.8 93.4
2006/07 80.9 80.4 85.8 93.6
2007/08 82.8 83.6 86.5 94.1
Fonte: GEPE/ME & INE, I.P. (2009). 50 anos de Estatísticas da Educação, 3 vols, Lisboa: Editorial do ME
Quatro anos mais tarde, em 2011/12, a formação académica da maioria dos educadores e
professores era a licenciatura, mas já era digna de nota a percentagem de professores que
tinham concluído um mestrado ou um doutoramento. Note-se que no caso do mestrado,
ainda não se faziam sentir os efeitos do processo de Bolonha que significaram a
generalização deste grau académico para os novos professores.
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Quadro 2: Distribuição dos docentes (%), segundo as habilitações académicas, por nível de
educação/ensino, em 2011/12
Nível de ensino Bacharelato Licenciatura Mestrado ou
Doutoramento
3º Ciclo E. Básico e
E. Secundário
4.3 86.6 9.1
2º Ciclo E.Básico
8.5 86.2 5.2
1º Ciclo E. Básico
11.5 84.9 3.6
E. Pré-Escolar
13.1 84.3 2.6
Fonte: Direcção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência / MEC, disponível em http://www.dgeec.mec.pt
3. Evolução das concepções e das práticas de formação de professores
Os princípios que ainda hoje continuam a nortear toda a formação de professores da
educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário foram estabelecidos em 1986 na
Lei de Bases do Sistema Educativo:
a) Formação inicial de nível superior, proporcionando aos educadores e professores
de todos os níveis de ensino a informação, os métodos e técnicas científicos e
pedagógicos de base, bem como a formação pessoal e social adequadas ao
exercício da função;
b) Formação contínua que complemente e actualize a formação inicial numa
perspectiva de educação permanente;
c) Formação flexível que permita a reconversão e mobilidade dos educadores e
professores de diferentes níveis de educação e ensino, nomeadamente o necessário
complemento de formação profissional;
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d) Formação integrada quer no plano da preparação científico-pedagógica quer no
da articulação teórico prática;
e) Formação assente em práticas metodológicas afins das que se espera que o
educador e o professor venham a utilizar na prática pedagógica;
f) Formação que, em referência à realidade social, estimule uma atitude
simultaneamente crítica e actuante;
g) Formação que favoreça e estimule a inovação e a investigação, nomeadamente em
relação com a actividade educativa;
h) Formação participada que conduza a uma prática reflexiva e continuada de auto-
informação e auto-aprendizagem.
O Estado foi sucessivamente produzindo legislação orientadora da formação de
professores, através da qual é possível perceber a evolução das concepções dominantes
ao longo do tempo.
Actualmente, a formação inicial é regulada pelo DL nº 79/2014, de 14 de Maio, a
formação contínua pelo DL nº 22/2014, de 11 de Fevereiro, e a formação especializada,
pelo DL nº 95/97, de 23 de Abril.
As mudanças introduzidas, sobretudo desde 2000, têm sido, em parte, resultantes de
orientações que os ministros da educação da União Europeia têm traçado visando uma
maior harmonização entre as diferentes políticas nacionais de formação de professores.
Estudos sistemáticos, entretanto empreendidos, permitiram conhecer melhor a realidade
e enunciar pontos de convergência desejáveis. Entre estes, avulta o desempenho esperado
dos professores – natureza da actividade, papéis e funções - como a pedra angular sobre
a qual a formação se deverá construir. Em Portugal, isto traduziu-se, nomeadamente, na
consagração em lei de um perfil de desempenho dos educadores de infância e dos
professores dos ensinos básico e secundário que articula as competências necessárias e
desejáveis em quatro dimensões: uma dimensão profissional, social e ética; uma
dimensão do desenvolvimento do ensino e da aprendizagem; uma dimensão da
participação na escola e de relação com a comunidade; uma dimensão do
desenvolvimento profissional ao longo da vida. Até 2014, o referido perfil constituiu
expressamente o referencial mais importante para a concepção, concretização e avaliação
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das iniciativas de formação. Entretanto, o desempenho esperado levou à consensualização
a nível europeu de learning outcomes a atingir num dado estádio de formação.
A partir de 2006, o ensino superior português começou a ser reconfigurado no âmbito do
Processo de Bolonha. Relativamente à formação inicial de professores, isso significou
que o nível de habilitação académica para acesso à docência passou a ser de mestrado,
com as seguintes variantes: mestre em educação pré-escolar, ou em ensino do 1º ciclo, ou
em ambos; mestre em ensino dos 1º e 2º ciclos; mestre em ensino de uma (ou de algumas)
das disciplinas do 3º ciclo e do ensino secundário. Ocorreu, pois, uma elevação do grau
académico da formação (mestrado, em vez de licenciatura) justificada nos seguintes
termos: “elevação do nível de qualificação do corpo docente com vista a reforçar a
qualidade da sua preparação e a valorização do respectivo estatuto socioprofissional”
(Preâmbulo do DL nº 43/2007, de 22 de Fevereiro).
Prevaleceu uma concepção de uma formação bi-etápica: primeiro, obtenção de uma
licenciatura com duração de três anos; depois, conclusão de um mestrado, numa das
variantes acima referidas e cuja duração podia oscilar entre um ano, um ano e meio ou
dois anos. O aumento da duração dos cursos de mestrado que eram mais breves (de 60
ECTS=2 semestres para 90 ECTS=3 semestres; de 90 ECTS=3 semestres para 120
ECTS=4 semestres) é uma das novidades da legislação acabada de publicar e já acima
mencionada.
As componentes de formação ampliaram-se em 2007, passando a ser:
Formação educacional geral;
Didácticas específicas;
Iniciação à prática profissional e prática de ensino supervisionada;
Formação cultural, social e ética;
Formação em metodologias de investigação educacional;
Formação na área de docência (vulgo, matéria ou matérias a ensinar).
O actual governo acaba de eliminar a componente de formação em metodologias de
investigação educacional o que é significativo de uma perspectiva mais tradicional e
tecnicista da acção dos professores. De facto, a consagração explícita dessa componente
representou uma inovação importante no quadro vigente entre 2007 e 2014, acolhendo
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21
uma evolução das concepções sobre a profissão de professor apresentada nos seguintes
termos:
“(…) dá-se especial ênfase à área das metodologias de investigação educacional, tendo
em conta a necessidade de que o desempenho dos educadores e professores seja cada vez
menos o de um mero funcionário ou técnico e cada vez mais o de um profissional capaz
de se adaptar às características e desafios das situações singulares em função das
especificidades dos alunos e dos contextos escolares e sociais.”
(Preâmbulo do DL nº 43/2007, de 22 de Fevereiro)
A maior preocupação do actual governo é com a componente de formação na área da
docência. O recentíssimo decreto-lei nº 79/2014, sobre a formação inicial, datado de 14
de Maio, refere-se-lhe nada menos do que sete vezes. Contudo, o sistema formativo
português nunca pôs em causa que os professores devessem ter um domínio elevado dos
conteúdos do seu ensino – a atestá-lo está, por exemplo, a maior duração sistemática da
componente de formação na área de docência que sempre se verificou, relativamente a
qualquer outra componente. O quadro comparativo que se segue permite perceber as
mudanças agora introduzidas bem como algumas incongruências porque também se
produziu em alguns casos a diminuição do peso relativo da formação na área da docência.
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22
Quadro 4: Comparação, entre 2007 e 2014, do peso em ECTS, da formação na área da docência, na
licenciatura e no mestrado, e respectiva percentagem face à totalidade da formação
2007 2014
Educação Pré-Escolar - total em ECTS: 240 Educação Pré-Escolar – total em ECTS: 270
LEB: 120 a 135
MEPE: 0
Mínimo: 120 (50%)
Máximo: 135 (56.3%)
LEB: 125 a 135
MEPE: 6 a 15
Mínimo: 131 (48.5%)
Máximo: 150 (55.5%)
Ensino do 1º ciclo – total em ECTS: 240 Ensino do 1º ciclo – total em ECTS: 270
LEB: 120 a 135
MEPE: 0
Mínimo: 120 (50%)
Máximo: 135 (56.3%)
LEB: 125 a 135
MEPE: 18 a 33
Mínimo: 143 (52.9%)
Máximo: 168 (62.2%)
Educ. Pré-Esc. + 1º ciclo – total em ECTS: 270 Educ. Pré-Esc. + 1º ciclo – total em ECTS: 300
LEB: 120 a 135
ME: 0 a 5
Mínimo: 120 (44.4%)
Máximo: 140 (51.9%)
LEB: 125 a 135
ME: 18 a 40
Mínimo: 143 (47.6%)
Máximo: 175 (58.3%)
Ensino de 1º + 2º ciclos – total em ECTS: 300 Ensino de 1º + 2º ciclos – total em ECTS: 300
LEB: 120 a 135
ME: 30
Mínimo: 150 (50.0%)
Máximo: 165 (55.0%)
LEB: 125 a 135
ME: 27 a 36
Mínimo: 152 (50.7%)
Máximo: 171 (57.0%)
Ensinos 3ºc + Secundário – total em ECTS: 300 Ensinos 3ºc + Secundário – total em ECTS: 300
LIC: 120 a 180
ME: 6
Mínimo: 126 (42.0%)
Máximo: 186 (62.0%)
LIC: 120 a 180
ME: 18 a 36
Mínimo:138 (46.0%)
Máximo:216 (72.0%)
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Globalmente, a formação na área das matérias a ensinar ocupa agora entre 46% e 72% de
todo o tempo destinado à preparação para a docência, enquanto no período anterior esses
valores eram, respectivamente, 42% e 62%. A existência de valores mínimos e máximos
para a componente de formação na área das matérias a ensinar, tanto em 2007 como em
2014, deve-se ao facto de ser conferida às instituições de ensino superior autonomia para
decidirem entre certas margens pré-estabelecidas. Se, em valor absoluto, os ECTS
atribuídos a esta componente em 2014 são sempre superiores aos atribuídos em 2007, já
o mesmo se não pode dizer do valor que essa componente representa face à duração total
da formação: há casos em que esse valor diminui (Educação Pré-Escolar) ou se mantém
muito próximo do anterior (Ensino de 1º e de 2º ciclos do Ensino Básico).
Também no que respeita à formação contínua, em numerosas ocasiões, o discurso oficial
foi inculcando a tese de que haveria deficiências graves de competência dos professores
no que respeita às matérias que ensinam, o que está por demonstrar cientificamente.
Algumas decisões tomadas em 2007, no que respeita à formação inicial, pareceram
contraditórias com esta tese ao preverem a preparação de professores habilitados
cumulativamente para ensinar o 1º ciclo e quatro áreas disciplinares do 2º ciclo, em lugar
de apenas uma área, havendo evidências de que essa solução enfraqueceu efectivamente
as competências dos professores em relação às matérias de ensino. Contudo, o
desenvolvimento da formação contínua reclama que se faça uma apropriada análise de
necessidades no sentido de se saber que professores possam efectivamente precisar de
reforçar as suas competências na área de docência que ministram.
A formação contínua mais centrada em conteúdos do que em competências ligadas à
acção profissional parece estar a prevalecer, se atentarmos no peso relativo que as
diferentes modalidades de formação vão tendo, ano a ano.
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Reproduzimos em seguida uma passagem do relatório de actividades do Conselho
Científico - Pedagógico da Formação Contínua relativo ao ano de 2013, recentemente
publicado, que ilustra como a obsessão oficial com os conteúdos poderá estar a interferir
na orientação da formação: privilegiou-se, nos últimos anos, o retorno a modalidades mais
académicas (cursos) em detrimento da formação para agir nos contextos escolares
concretos. Ou, dito de outro modo, a prática profissional contextualizada e os problemas
concretos que ela levanta, voltaram a afastar-se do campo da formação.
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Pedra de toque de qualquer formação profissional, também na formação de professores a
iniciação à prática assume ou deveria assumir um papel central. Em 2007, ela foi
valorizada ao admitir-se que constituía “um momento privilegiado e insubstituível de
aprendizagem da mobilização dos conhecimentos, capacidades, competências e atitudes
adquiridas nas outras áreas, na produção em contexto real, de práticas profissionais
adequadas a situações concretas na sala de aula, na escola e na articulação desta com
a comunidade” (DL nº43/2007) e ao estipular que tal componente se concretizaria no
âmbito de parcerias formais, estáveis, qualificadas e qualificantes, estabelecidas entre
instituições de ensino superior e estabelecimentos de educação básica e de ensino
secundário. Em termos de concretização, porém, nem sempre se tem estado à altura de
proporcionar esse “momento privilegiado e insubstituível” com a qualidade que ele deve
ter.
Similarmente, e no que à formação contínua diz respeito, também se lhe tem apontado
frequentemente o distanciamento em relação aos problemas concretos e contextualizados
que os professores enfrentam nas suas escolas. Isso foi particularmente claro nos anos 90.
Houve, depois, uma tentativa de melhorar a situação, recorrendo menos frequentemente
à modalidade de “curso” e mais, às de oficina de formação, círculo de estudos e projecto.
Programas e acções de formação que souberam vencer essa barreira e aliar teoria e prática,
mereceram geralmente uma avaliação muito positiva por parte dos professores e das
escolas. Actualmente, assiste-se a uma regressão como o quadro acima parece indiciar.
Destacamos como mais relevantes em relação à evolução das concepções de formação,
as seguintes:
Adopção da perspectiva de aprendizagem ao longo da vida, pontuada pela
formação inicial, indução, formação contínua e formação especializada
Qualificação profissional de acordo com as necessidades de desempenho
profissional do respectivo nível ou níveis de educação e ensino
Âmbito de qualificação igual ou mais largo que o das disciplinas a ensinar
Identificação do número de créditos prévios obtidos nas disciplinas matéria de
docência, antes da entrada no mestrado em ensino
Competência comprovada do domínio oral e escrito da língua portuguesa exigida
a todos os futuros professores
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Iniciação à prática profissional da responsabilidade das instituições de formação
(e não dos empregadores), em parceria com escolas e orientadores cooperantes
devidamente qualificados.
4. Qualidade da formação de professores
Embora desde os anos 90 se tenham vindo a desenvolver em Portugal processos
sistemáticos de avaliação interna e externa das instituições e dos cursos de ensino
superior, foi com o Processo de Bolonha transposto para a ordem jurídica portuguesa em
2006 (DL nº 74/2006, de 27 de Março) e com a subsequente criação da Agência Nacional
de Acreditação e Avaliação do Ensino Superior (A3ES) que tal avaliação passou a
inscrever-se decisivamente em padrões internacionais, no caso vertente, europeus.
À semelhança de todos os outros cursos, também os de formação de professores
oferecidos por universidades e institutos politécnicos, públicos e privados, passaram a
estar sujeitos a mecanismos de garantia da qualidade. Nesse sentido, os cursos foram
objecto de uma acreditação preliminar, após o que se seguiram processos de auto-
avaliação e de avaliação externa, conducentes às decisões de acreditação/acreditação
condicional/não acreditação, conforme os casos.
Embora não exista ainda nenhum trabalho de síntese dos resultados destes processos nem
das indicações que eles possam dar para as políticas de formação inicial de professores,
tanto nacionais como institucionais, alguns dados já conhecidos permitem identificar um
conjunto de pontos críticos a aprofundar:
Prospecção adequada do número de novos educadores e professores de que o país
necessitará, no médio e no longo prazo;
Sentido e intensidade do investimento a fazer na qualificação especializada dos
docentes de ensino superior que formam professores, bem como dos orientadores
cooperantes da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário;
Reconceptualização dos currículos dos cursos de formação inicial de professores,
por forma a articular melhor as diversas componentes que os integram;
Introdução deliberada e devidamente avaliada nos seus efeitos, de inovações
metodológicas na formação oferecida;
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Elevação da qualidade académica dos relatórios finais de estágio com que se
finaliza o mestrado e que são sujeitos a provas públicas;
Desenvolvimento da investigação científica sobre formação de professores, a
nível nacional e institucional, e consideração dos seus resultados nas decisões a
tomar;
Promoção da internacionalização mediante a participação em redes e projectos
internacionais de investigação e o incentivo à mobilidade de docentes e de
estudantes.
A qualidade da formação contínua de professores é mais difícil de conhecer: não só os
números de centros de formação, de pessoas envolvidas como formandos e formadores,
de acções realizadas, são enormes, como a dispersão por finalidades, objectivos,
modalidades, metodologias, formas de avaliação, é regra. Por difícil que seja, o facto é
que nunca teve lugar uma avaliação nacional, aliás legalmente prevista. Os relatórios
anuais de actividades produzidos pelo CCPFC, sendo úteis, são sobretudo de índole
descritiva e só muito raramente contêm juízos de valor. Desconhece-se pois, em rigor, a
qualidade da formação proporcionada e, muito menos ainda, o seu impacto específico
sobre a vida das escolas e o desempenho dos professores. Apenas se conhecem melhor
alguns casos específicos, nomeadamente quando foram objecto de trabalhos de
investigação, mas a generalização dos seus resultados é impossível porque não foi esse o
objectivo perseguido.
5. Perspectivas para o futuro
Uma questão de valores
Os valores que actualmente governam a educação de forma hegemónica inserem-se no
quadro mais global da ideologia e das práticas neoliberais. Induzidos à escala planetária
por múltiplas organizações supranacionais, são depois acomodados a cada país por
governos que ou perfilham eles próprios tal ideologia ou se deixam contaminar por ela.
Tenta-se sujeitar então a escola a uma racionalidade tecnocrática e gerencialista,
sobretudo ao serviço da economia. Recua a ideia de escola como bem público a
proporcionar pelo Estado a todos os cidadãos, ao mesmo tempo que se incentiva, directa
e indirectamente, o ensino privado e a privatização do ensino público. O conhecimento
passa a ser visto como uma mercadoria interessante para vender e comprar. A competição
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entre escolas e sistemas educativos instala-se em função do retorno económico que
proporcionam. Medir e fazer rankings de instituições, de níveis de aprendizagem dos
alunos, de empregabilidade dos diplomados, em função de critérios frequentemente muito
criticados e, no limite, indefensáveis, servem a finalidade de afirmar uns e esmagar outros.
Confia-se à escola o papel de formar futuros trabalhadores de preferência dóceis e
conformados à ordem social dominante, esquece-se ou secundariza-se o papel da escola
em formar pessoas, indivíduos capazes de serem felizes, e em formar cidadãos activos,
intervenientes e críticos.
Porque nenhuma realidade social é, contudo, inelutável, no plano da formação de
professores continuam a afrontar-se duas concepções de profissional: a do professor como
um técnico, um executor de determinações superiores, alguém que na sua esfera de acção
contribui para reforçar a ordem social instalada versus a do professor como um intelectual
que domina bem o seu campo de trabalho, que goza de uma certa margem de autonomia
para tomar decisões e que ao fazê-lo pensa que o seu compromisso principal é com os
seus alunos e a sociedade, que discute o que o mandam fazer e o que faz, que assume
responsabilidades, individualmente e como membro de um grupo, pelo modo como
contribui para o desenvolvimento social.
Até onde podemos sabê-lo, esta discussão não tem estado ausente dos debates sobre
educação em Portugal, nem particularmente do campo da formação de professores, mas
carece de ganhar amplitude e de envolver todos – instituições, formadores e formandos –
no sentido de uma maior consciencialização do que está em jogo nos modos como se
configura, interpreta e realiza o trabalho de um professor.
Uma questão de investimento no conhecimento profissional dos professores
O conhecimento profissional dos professores é um conhecimento múltiplo e heterogéneo,
construído a partir de fontes de diversas naturezas que aspira, contudo, a alcançar um
patamar de síntese quando se manifesta no campo concreto da acção.
Tem sido e continua a ser muito frequente tentar estabelecer uma hierarquia de valor entre
os diversos saberes que o professor deve deter. O que é mais importante? A teoria? A
prática? O saber académico? O saber experiencial? O conhecimento da matéria? O
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conhecimento pedagógico? O comportamento observável do professor? A pessoa do
professor, os seus valores e atitudes?
A formação e os formadores de professores deveriam desistir de fazer a hierarquização,
fosse ela qual fosse, destes saberes: não só todos são necessários como devem ser
procurados, entre eles, os nexos que tornam a acção profissional possível e de qualidade.
Mais importante será questionar qual a natureza do domínio que os professores devem ter
sobre esses saberes. Tomemos, a título de exemplo, o conhecimento das matérias a
ensinar. Não chega a um professor ter acumulado informação, tê-la memorizado e estar
disposto a reproduzi-la. É absolutamente necessário que tenha um domínio
epistemológico do seu campo científico de especialidade: que saiba como esse
conhecimento se construiu, que saiba qual a sua validade, que saiba como se constrói
conhecimento novo. Ora, a formação de professores tem algumas vezes subalternizado a
preparação na área dos conteúdos: veja-se o caso, já acima mencionado, da formação
inicial de professores que ficaram simultaneamente habilitados para ensinar no 1º ciclo e
em quatro áreas do 2º ciclo tão diversas como língua portuguesa, matemática, história e
geografia de Portugal e ciências da natureza, situação que vigorou entre 2007 e 2014 e
que acaba de ser corrigida. Muito para além da necessária atribuição de um tempo
adequado, há que discutir como é que o professor lida com a matéria de ensino: só tem
informação (e, por vezes, até essa insuficiente) ou é capaz também de a discutir e criticar.
A insistência neste ponto radica no facto de pensarmos que só quando alguém desenvolve
uma competência crítica sobre cada um dos saberes necessários à docência, seja o
conhecimento da matéria, seja o conhecimento experiencial, o conhecimento dos alunos
ou o conhecimento dos contextos de aprendizagem, fica capaz de os articular numa
síntese produtiva ao serviço da acção que desenvolve. O que nos remete para a imagem
do professor que é simultaneamente um mestre instruído e um investigador do seu campo
de trabalho.
Uma questão de reconcepualização dos modelos e das práticas de formação
A orientação conceptual dominante que cada instituição e cada formador escolhem para
o projecto que realizam, carece frequentemente de explicitação e de fundamentação para
lá de uma certa trivialidade.
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30
Perante a diversidade de modelos de formação inicial e contínua de professores, umas
vezes adoptados deliberadamente, outras, de forma pouco reflectida (por meros efeitos de
tradição ou de moda), impõe-se um questionamento aprofundado e baseado em
evidências, de cada um desses modelos, das suas potencialidades e limitações.
A pedra angular da formação deveria ser a prática profissional, não por advogarmos uma
concepção praticista da profissão, mas por pensarmos que deveria ser em torno do ideal
de uma prática docente de elevada qualidade que todas as restantes componentes da
formação deveriam constelar-se. Há, então, um longo caminho a percorrer para superar
visões tradicionais e pouco informadas que fazem da prática um mero campo de aplicação
da teoria.
Um outro aspecto central é o do lugar do formando no processo de formação. Centrar a
formação no formando, tal como centrar o processo de ensino – aprendizagem no aluno,
têm sido expressões mal interpretadas (de boa ou de má fé) e mesmo caricaturadas.
Lembremos algo de básico: tanto a formação como a aprendizagem são processos de
transformação de pessoas concretas, não existem fora delas nem contra a vontade delas.
O papel dos formadores como o dos professores é, então, o de estimular, possibilitar,
viabilizar essa transformação.
Para lá de envolver a discussão dos valores em jogo na educação, do perfil geral do
professor a formar, da natureza do conhecimento profissional desejável e do modelo ou
combinatória de modelos a privilegiar, a reconceptualização a que aludimos significa
também questionar as estratégias, métodos e técnicas que estão disponíveis, decidir quais
adoptar e porquê. Ora, um projecto desta natureza não é viável sem que as instituições
que formam professores promovam simultaneamente a investigação.
Dependendo dos contextos educativos e formativos, dos formandos concretos, dos
recursos humanos e materiais disponíveis uma dada orientação conceptual tanto pode
revelar-se satisfatória nos seus resultados, como o seu contrário. O recurso, por exemplo,
às tecnologias da informação e comunicação hoje amplamente acessíveis tanto para a
aprendizagem dos alunos como para a formação dos professores, carece de ser
investigado: que finalidades permite alcançar? Que mais-valias acrescenta? Que
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resultados perversos pode ter? Até que ponto promove a individualização e a autonomia?
Em que medida reforça ou limita o trabalho em equipa e a colaboração?
A orientação conceptual da formação de professores está inteiramente sob a alçada das
instituições de ensino superior e dos formadores, limitando-se actualmente o Estado a
prescrever apenas as estruturas e a enunciar os princípios gerais que a devem nortear.
Neste cenário, a responsabilidade das entidades formadoras é enorme, bem como pesada
se torna a prestação de contas à sociedade pelo trabalho realizado.
Uma questão de elevação da exigência e da qualidade
Múltiplos indicadores, seja sobre o insucesso e o abandono escolares, seja resultantes da
avaliação das aprendizagens, da avaliação das escolas, da avaliação do desempenho dos
professores, mostram ou indiciam como provável a persistência de problemas de
qualidade/falta de qualidade do sistema educativo português, apesar dos enormes
progressos feitos nas últimas décadas.
A formação de professores que pode constituir um contributo para a superação desses
problemas, necessita ela própria de rever e melhorar diversos aspectos, alguns dos quais
já acima mencionados, assim como de se pautar por critérios mais elevados de exigência.
A selecção e o recrutamento de novos professores merecem ponderação e uma discussão
aprofundada. Não é um tema fácil. O acesso aos cursos de ensino superior que preparam
quase exclusivamente para a docência (licenciaturas em Educação Básica a realizar por
candidatos ao trabalho na Educação Pré-Escolar, no 1º e no 2º ciclos de escolaridade) faz-
se hoje mediante a prestação de provas nacionais (exames do 12º ano) que atestam o
domínio de conhecimentos em certas disciplinas. Há cursos de ensino superior que
exigem pré-requisitos particulares. Pode-se discutir se deveriam também existir provas
específicas que atestassem competências mínimas de ordem comunicacional, humana e
relacional para encetar um percurso académico cujo destino final é muito provavelmente
a docência. O acesso aos mestrados em ensino já se faz actualmente mediante provas “de
domínio oral e escrito da língua portuguesa e de domínio de regras essenciais de
argumentação lógica e crítica”. Também a esse nível do percurso académico se pode
colocar a questão das competências de ordem pessoal e relacional dos candidatos.
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32
O desenvolvimento profissional dos professores em exercício deve continuar a ser
apoiado pela formação contínua mas esta necessita de assentar mais generalizadamente
numa análise de necessidades não apenas de cada professor individualmente tomado mas
também da escola onde ele trabalha, do desenvolvimento do projecto colectivo que esta
tem para melhorar o sucesso educativo e escolar dos seus alunos.
A formação especializada dos formadores de professores necessita ser ampliada a todos
e aprofundada, nomeadamente pela associação da investigação à acção profissional que
desenvolvem.
Uma questão de política educativa global
A formação de professores é apenas um dos aspectos da concepção, organização e
desenvolvimento do sistema educativo. Não é possível compreendê-la, nem discuti-la,
nem perspectivar o seu futuro fora de um quadro mais global dos valores que em cada
momento histórico inspiram a sociedade e a acção política.
A valorização da função docente não se opera apenas em função de uma formação mais
esclarecida, aprofundada e especializada dos professores. Esta, contudo, pode e deve
prepará-los não para conviver com o que está mas para agir pelo que deve ser. É nesse
sentido que a formação pode ser um instrumento de libertação, um convite ao exercício
da cidadania, um ponto de passagem para a construção de uma ética profissional, um
factor de elevação da auto-estima individual e do grupo profissional, para além de
obviamente preparar para uma intervenção pedagógica cada vez mais competente. E é
porventura porque encerra estas potencialidades que a formação de professores é muitas
vezes reconduzida aos seus aspectos mais técnicos ou instrumentais. O futuro, estamos
em crer, não se compadecerá com visões estreitas da educação, da escola, da docência
nem da formação dos professores.
Lisboa, 30 de Setembro de 2014
Grupo de trabalho:
Manuela Esteves, Ana Carita, Ângela Rodrigues, Lurdes Silva