A FLUTUAÇÃO REFERENCIAL DO SN 'NÓS' INDETERMINADO EM ...
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A FLUTUAÇÃO REFERENCIAL DO SN ‘NÓS’ INDETERMINADO EM TEXTOS JORNALÍSTICOS
DE OPINIÃO
Dedilene Alves de Jesus
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Língua Portuguesa (Letras Vernáculas). Orientadora: Profª. Doutora Maria Lúcia Leitão de Almeida
Rio de Janeiro Agosto de 2009
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A flutuação referencial do SN ‘nós’ indeterminado em textos jornalísticos de opinião
Dedilene Alves de Jesus
Orientadora: Professora Doutora Maria Lúcia Leitão de Almeida
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa (Letras Vernáculas). Examinada por: ____________________________________________________ Presidente, Profª Doutora Maria Lúcia Leitão de Almeida ____________________________________________________ Profª Doutora Lílian Ferrari – PPGLEF – UFRJ ____________________________________________________ Profª Doutora Regina Souza Gomes – UFRJ ___________________________________________________ Prof. Doutor Carlos Alexandre Gonçalves – UFRJ, Suplente ___________________________________________________ Profª Doutora Sandra Pereira Bernardo – UERJ, Suplente
Rio de Janeiro Agosto de 2009
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A FLUTUAÇÃO REFERENCIAL DO SN ‘NÓS’ INDETERMINADO EM TEXTOS JORNALÍSTICOS
DE OPINIÃO
Dedilene Alves de Jesus
Rio de Janeiro Agosto de 2009
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Ao Paracleto, meu maior amigo.
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Agradecimentos
Em primeiro lugar, a Deus, pela oportunidade concedida para a
realização de mais um sonho.
À minha família, em especial minha mãe, pela paciência e compreensão,
principalmente quando eu me trancava no quarto de estudos para só sair no
dia seguinte.
A Marcelo, meu grande amigo, meu primeiro orientador acadêmico, que
me incentivou nessa caminhada.
À minha orientadora, Maria Lúcia, pessoa que admiro muitíssimo, pelo
respeito, pelo carinho e, principalmente, pelo desafio de ter acreditado na
minha vitória.
A Carlos Alexandre, pelo incentivo e pelo respeito.
A Nazareth, professora que marcou minha trajetória profissional.
A meus amigos, por me apoiarem nesse projeto e entenderem muitas
das minhas ausências.
Aos professores das disciplinas que cursei no Mestrado, por terem
compartilhado de forma tão generosa seus conhecimentos.
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JESUS, Dedilene Alves de. A flutuação referencial do SN ‘nós’ indeterminado em textos
jornalísticos de opinião / Dedilene Alves de Jesus. Rio de Janeiro: UFRJ/FL, 2009.
viii, 87 f.: il., 31 cm. Orientador: Maria Lúcia Leitão de Almeida. Dissertação (mestrado). UFRJ / FL / Programa de Pós-
Graduação em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), 2009. Referências bibliográficas: f. 97-101. 1. Flutuação referencial. 2. Espaços mentais. 3. Mesclagem
conceptual. I. Almeida, Maria Lúcia Leitão de. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). III. Flutuação referencial do SN ‘nós’ indeterminado em textos jornalísticos de opinião
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RESUMO
A flutuação referencial do SN ‘nós’ indeterminado em textos jornalísticos de opinião
Dedilene Alves de Jesus
Orientadora: Professora Doutora Maria Lúcia Leitão de Almeida
Resumo da dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa (Letras Vernáculas).
A pesquisa tem por objeto de estudo a flutuação referencial do SN ‘nós’
indeterminado em textos jornalísticos de opinião; a indeterminação pronominal
estudada está focada nos eixos da referencialidade e da indefinição (cf.
Almeida, 1991). Entende-se como indeterminação o conceito de vaguidade
referencial, isto é, a presença de um item lingüístico referencialmente
impreciso.
Os pressupostos teóricos buscam seguir um caráter cognitivista, focado na
teoria dos espaços mentais e da mesclagem conceptual (Fauconnier, 1994 e
1997; Fauconnier e Turner, 2003), além de apresentar o conceito de
referenciação e progressão referencial (Koch & Marcuschi, 1998; Rocha, 2002),
a noção de polifonia (Bakhtin, 2003) e a noção de MCI (Lakoff, 1990;
Marmaridou, 2000).
Os objetivos da pesquisa são os seguintes: a) demonstrar como ocorre, no
texto, a flutuação referencial focada no SN ‘nós’ indeterminado; b) analisar as
implicações decorrentes da ancoragem referencial do SN, como forma de
recuperação de um referente [± indeterminado]. Para tanto, houve análise de
50 textos jornalísticos de opinião do jornal “O Globo”, a partir de critérios
baseados nos pressupostos teóricos ora apresentados.
Palavras-chave: indeterminação pronominal; flutuação referencial; espaços
mentais; mesclagem conceptual; dêixis pessoal.
Rio de Janeiro Agosto de 2009
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ABSTRACT
The referential fluctuation of indeterminate NP “we” in journalistic texts of opinion
Dedilene Alves de Jesus
Orientadora: Professora Doutora Maria Lúcia Leitão de Almeida
Abstract da dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa (Letras Vernáculas).
The research has for study object the referential fluctuation of indeterminate NP
"we" in journalistic texts of opinion; the pronominal indetermination studied is
focused on the axes of the definitiveness and referenciality (cf. Almeida 1991).
It's understandable like indetermination the concept of referential vagueness,
this is, the presence of an inaccurate linguistic item.
The theoretical presuppositions follow a character more cognitive, focused on
the theory of mental spaces and conceptual blends (Fauconnier, 1994 and
1997; Fauconnier e Turner, 2003), besides presenting the concept of reference
and referential progression (Koch & Marcuschi, 1998; Rocha, 2002), the notion
of polyphony (Bakhtin, 2003) and the notion of ICM (Lakoff, 1990; Marmaridou,
2000).
The main purposes of this research are: a) to show how occur, in the text, the
fluctuation set focused on indeterminate NP "we"; b) to analise the consequent
implications of the ancorage set of NP, like a way to save a reference [±
indeterminate]. So, there was an analisys of 50 journalistic texts of opinion of
the "O Globo" newspaper, from criterions based on the theoricals pretences
shown.
Key words: pronominal indetermination; referential fluctuation; mental spaces;
conceptual blend; personal deixis
Rio de Janeiro Agosto de 2009
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SUMÁRIO
I. A INDETERMINAÇÃO NOS SNs 10
II. EMBASAMENTO TEÓRICO 12
II. 1. PRESSUPOSTOS GERAIS 12
II. 1.1 Inferência 12
II. 1. 2 Indeterminação 16
II. 1. 3 Dêixis na indeterminação 17
II. 1. 4 Referenciação 19
II. 1.5 Progressão referencial 21
II. 1.6 O gênero texto de opinião 22
II. 1.7 O pronome ‘nós’ 25
II. 2. PRESSUPOSTOS COGNITIVISTAS 28
II. 2.1 Modelos Cognitivos Idealizados 28
II. 2.2 Espaços mentais 29
II. 2.3 Mesclagem conceptual 30
II. 3. INTERFACE : PRESSUPOSTOS GERAIS E COGNITIVISTAS 35
II. 3.1 Espaços mentais, mesclagem conceptual e texto 35
II. 3.2 Estratégias linguísticas e mesclas 37
III. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 40
III. 1. VISÃO TRADICIONAL SOBRE INDETERMINAÇÃO 40
III. 2. TRABALHOS SOBRE INDETERMINAÇÃO 43
III. 2.1 A visão funcionalista 43
III. 2.2 A visão da Análise do Discurso 48
III. 2.3 A visão gerativista 52
III. 2.4 A visão da variação e da mudança 56
10
III. 2.5 A visão cognitivista 59
III. 2.6 Considerações 61
III. 3. A QUESTÃO DA POLIFONIA 64
IV. METODOLOGIA 66
IV. 1. ANÁLISE DOS ESPAÇOS MENTAIS E DAS MESCLAS 67
IV. 1.1 A instabilidade na projeção de domínios 67
IV. 1.2 A variação de referentes 72
IV. 1.3 A vinculação da 3ª pessoa ao SN ‘nós’ indeterminado 76
IV. 2. ANÁLISE DAS ESTRATÉGIAS LINGUÍSTICAS 80
IV. 2.1 Distribuição das formas de indeterminação 80
IV. 2.2 Formação da cadeia referencial 88
IV. 2.3 Introdutores da cadeia referencial 92
V. CONCLUSÃO 95
VI. REFERÊNCIAS 97
VII. ANEXOS 102
11
ÍNDICE DE TABELAS, GRÁFICOS, DIAGRAMAS E ESQUEMAS
TIPO
Página
Diagrama 1
Diagrama 2
Diagrama 3
Diagrama 4
Diagrama 5
Diagrama 6
Diagrama 7
Diagrama 8
68
70
71
74
75
77
78
79
Esquema 1
Esquema 2
Esquema 3
Esquema 4
17
31
32
33
Gráfico 1
Gráfico 2
93
93
Tabela 1
Tabela 2
Tabela 3
Tabela 4
25
81
83
85
12
I. A INDETERMINAÇÃO NOS SNs
O objetivo desta pesquisa é verificar como ocorre a flutuação referencial
do SN ‘nós’ [ ± indeterminado] em textos jornalísticos de opinião. A justificativa
mais plausível para a análise dessa oscilação é a de que, apesar dos estudos
a respeito das estratégias de indeterminação, tanto em língua falada quanto
escrita (Almeida, 1991; Cavalcante, 1999; Lopes, 1993, 1999; Cunha, 1993),
mostrados nesta pesquisa, ainda não havia sido feita uma análise mais
específica sobre o caráter flutuante da indeterminação. É bem verdade que o
estudo recente pautado na questão do processo de mesclagem na
indeterminação do SN eu (Anunciação, 2009) serviu como parâmetro para
muitos questionamentos decorrentes do processo desta pesquisa.
Também não se tem notícia de muitos trabalhos que tenham focado o
SN indeterminado em outras funções sintáticas, além da de sujeito. Os
trabalhos citados no parágrafo acima demonstraram de forma satisfatória como
ocorre a indeterminação de SNs em posição de argumento externo, mas não
houve uma caracterização do processo de indeterminação no nível do texto; o
enfoque recaiu sobre o termo essencial da oração (uma vez que a gramática
clássica postula somente a indeterminação nesse elemento), desconsiderando
que os elementos da cadeia referencial podem passar a outras funções no
processo discursivo.
Trabalha-se com a hipótese de que as estratégias de indeterminação
não são só estratégias linguísticas que dão conta de manter a referência do SN
indeterminado em nível textual, mas também a de que essas mesmas
estratégias estabelecem diferentes recortes referenciais. Para isso, utilizamos
como corpus 50 textos jornalísticos de opinião – 25 da seção Opinião e 25 do
Segundo Caderno, do jornal O Globo – , veiculados no período de março de
2008 a janeiro de 2009.
Dessa forma, o foco da presente pesquisa é o fenômeno da
indeterminação em cadeia, observada dentro de um suporte textual. Assim,
esclarece-se que
a) a indeterminação dita canônica apresenta-se como fenômeno de 3ª
pessoa do singular seguida de pronome ‘se’ ou 3ª pessoa do plural;
13
b) em função disso, o objeto de análise no texto são as cadeias
referenciais formadas a partir da primeira ocorrência de indeterminação. Cabe
ressaltar, no entanto, que a primeira entrada pode estar não somente em
relação de anáfora, mas também na de catáfora;
c) por causa desses desdobramentos, várias funções sintáticas estarão
envolvidas, desde a função tradicionalmente categorizada pela indeterminação,
o sujeito, até as menos prototípicas (complemento verbal, adjuntos).
Para alcançar esses objetivos, adotamos os pressupostos da Lingüística
Cognitiva (cf. Fauconnier, 1994; 1997; Fauconnier e Turner, 2002). Assim, esse
trabalho verifica, em um primeiro momento, o desenvolvimento referencial via
cadeias de espaços mentais; em um segundo passo, será adotada a teoria da
mesclagem conceptual para observar e descrever os diferentes recortes
referenciais.
O trabalho divide-se nos seguintes capítulos: no primeiro, elencamos os
pressupostos teóricos que nortearão a pesquisa; no segundo, esquadrinham-se
aspectos de indeterminação que servem de base ao estudo: visão da
gramática tradicional, estudos anteriores e conceito de polifonia; no terceiro,
apresenta-se a análise em dois níveis – o das estratégias lingüísticas e o dos
processos cognitivos inerentes ao texto. Finalmente, apresentamos uma
conclusão sobre a hipótese ora abordada, em que demonstramos que tal
assunto não é de todo encerrado neste trabalho, bem como sugestões para
trabalhos futuros.
14
II. EMBASAMENTO TEÓRICO
Este capítulo tem por finalidade mostrar os diferentes conceitos e
aportes teóricos que subsidiam a análise do corpus. Ele é dividido em três
aspectos: os pressupostos gerais, a visão cognitivista e a interface desses
pressupostos.
II. 1. PRESSUPOSTOS GERAIS
Como pressupostos gerais consideramos processos que, mesmo tendo
uma abordagem cognitivista neste trabalho, caracterizam-se essencialmente
por serem abordados em outras correntes teóricas, uma vez que estão ligados
às áreas gerais da semântica e da sintaxe. Enfocamos a questão do processo
inferencial, bem como a noção de referenciação e a tipologia do gênero textual
utilizado como corpus desta pesquisa.
II. 1.1 Inferência
O conceito de inferência é entendido, numa visão mais formal, como um
desdobramento do implícito, equivalendo a pressuposto / subentendido, ou
como parte do universo das implicaturas (cf. Lobo, 2008; Fiorin, 2007). Vieira
(2000:3), em trabalho apoiado nas ideias cognitivistas, afirma que o ser
humano ‘inferencia’ a partir de duas situações: a ausência de informações
explícitas nos textos e o aparecimento de informação nova, quando há intenção
de compreendê-la.
Ibaños (2005:1), em abordagem pragmática da teoria e da análise
linguística, afirma que o processo inferencial é global, tendo livre acesso às
informações conceptuais na memória; para a autora, qualquer informação
pode ser usada como base para esse processo. Obviamente, percebemos que
a autora estabelece um conceito de processo inferencial pragmático,
considerando a inferência não só no nível proposicional, mas levando em conta
a situação comunicativa e a interação entre os elementos participantes dessa
situação. Observemos o exemplo:
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“Haverá tempo para uma última especulação, antes de sermos chupados.” (Veríssimo, Opinião,
O Globo, março de 2008)
O que inferimos inicialmente é que há um grupo (eu + outros) que será
chupado; o que dificilmente se distingue é em que situação isso ocorrerá, qual
o sentido exato do verbo aplicado e quem realmente são os ‘outros’. Então,
estamos diante de uma informação nova no texto, que, para ser plenamente
entendida, precisa acionar informações do(s) parágrafo(s) anterior(es). A
informação do parágrafo anterior diz respeito à questão dos buracos negros e a
descoberta de algo catastrófico que pode ser causado por um acelerador (cf.
Anexo, texto B03); é preciso ler o texto todo para termos idéia do que se trata:
a ativação de um acelerador de partículas que, segundo algumas pessoas,
poderia causar a criação de um buraco negro que engoliria a Terra ou talvez o
Universo, através da colisão de prótons.
Diante dessa informação, podemos, então, inferir que ‘ser chupado’ seria
o mesmo que ‘ser sugado’ e que o grupo ‘eu + outros’ poderia ser especificado
por ‘todas as pessoas que moram na Terra’.
Vieira (2000:2), dentro da abordagem sociocognitiva da semântica
textual, afirma que o cognitivismo considera o conhecimento adquirido pelo
homem a partir de três domínios: as histórias, os scripts e as cenas. As
histórias estão ligadas a esquemas (papéis desempenhados pelos
conhecimentos na compreensão, memorização e produção de inferências); os
scripts representam eventos cotidianos (rotinas e trabalho diário); as cenas
representam lugares nos quais as rotinas têm lugar. Essas três estruturas
estão representadas em nossa mente por formas esquemáticas de
organização; elas são essenciais na realização de inferências pragmáticas.
Ainda no nível pragmático da inferência, mas na perspectiva da
psicologia cognitiva, Ferreira e Dias (2004:439), a respeito da forma como
apreendemos um texto e fazemos ‘deduções’ a partir dele, afirmam que
“o significado não está embutido ou inserido totalmente no texto oral ou
escrito. Embora o texto carregue um sentido pretendido pelo autor, ele é
polissêmico e, como tal, oferece possibilidades de ser reconstruído a partir
do universo de sentidos do receptor, que lhe atribui coerência através de
16
uma negociação de significados. Esse processo, por sua vez, amplia as
chances de compreender e ser compreendido na e pela interação.”
As mesmas autoras vão enfatizar também que o processo de
‘negociação de sentidos’ está sustentado em três eixos: interlocutor, situação
pragmática e texto, sendo a coerência textual marcada pela interpretação do
interlocutor.
Quanto ao caráter semântico1 da inferência, quando nos referimos
especificamente ao texto2, buscamos entender o processamento que nos
permite refinar seu sentido; há elementos de natureza formal (anáfora, dêiticos,
concordância, regência) que nos indicam que tipo de inferência realizamos no
texto.
Tornquist (2007:259), a partir de um enfoque cognitivo da Lingüística
Textual, considera que “as inferências não são algo presente no texto,
ocorrendo, pelo contrário, na mente do leitor, durante a leitura”; entendemos
que essa consideração também se aproxima do que é concebido como
inferência pragmática. Koch (2002:35-7), também trabalhando no enfoque
cognitivo da Linguística Textual, afirma que o processamento textual ocorre on-
line; para ela, a cognição é baseada em ‘modelos de informação’,
representados por símbolos manipuláveis; para haver processamento, é
preciso que regras explícitas sejam utilizadas de forma lógica e hierárquica.
Segundo a última autora, um princípio cognitivista básico aponta para
uma representação do mundo mediada pelo homem, isto é, a criação e a
interpretação do signo lingüístico estariam vinculadas ao experiencialismo
humano. De acordo com essa abordagem, o homem faria uso da capacidade
de criar estruturas complexas que representassem sua realidade, segundo a
percepção que tem do mundo; da mesma forma, seria capaz de operar sobre
os esquemas criados e utilizá-los na interação social.
1 Esse aspecto não será o foco nesse tópico, embora percebamos que a distinção clara entre inferência pragmática e inferência semântica é prejudicada exatamente pelo fato de uma cooperar para a existência da outra, o que nos dá a impressão de não ser transparente o limite entre uma e outra. 2 A respeito do texto, Travaglia (1997:67) faz a seguinte conceituação: “(...) uma unidade lingüística concreta (perceptível pela visão ou audição), que é tomada pelos usuários da língua (falante, escritor/ouvinte, leitor), em uma situação de interação comunicativa específica, como uma unidade de sentido e como preenchendo uma função comunicativa reconhecível e reconhecida, independentemente da sua extensão”.
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Há duas vertentes nessa ‘criação’ cognitiva, segundo Koch (2002): as
representações, que são consideradas pela autora como conhecimentos
estáveis na memória, acompanhados de interpretações a eles associadas
(acarretamentos, entre outros) e formas de processamento da informação, que
são processos ligados à compreensão e à ação (processos inferenciais)3.
Relembrando Vieira (2000:2), podemos dizer ainda que os esquemas
são “estruturas gerais e abstratas, que se aplicam a situações concretas
diferentes”, podendo servir para diversas utilizações como compreender,
realizar e fazer inferências. O que frisamos é a questão das representações
mentais contidas em um texto; por ser um ‘tecido’, o texto é formado por vários
esquemas mentais que nos levam a interpretar claramente ou por meio de
inferências o seu sentido completo.
Outros autores, como Ferreira e Dias (2004:441), encarnando as idéias
de Marcuschi (1985), consideram que as inferências são
“processos cognitivos que implicam a construção de representação
semântica baseada na informação textual e no contexto, sendo justamente a
capacidade de reconhecimento da intenção comunicativa do interlocutor, e
mais precisamente do autor, no caso do texto escrito, que caracteriza o leitor
maduro e, portanto, crítico, questionador e reconstrutor dos saberes
acumulados culturalmente.”
Dessa forma, o conceito de inferência pode ser entendido como um
processo que ocorre em nível semântico-pragmático para compreensão do
texto.
3 A posição de Marcuschi (2007a:75) acerca de processo inferencial é um pouco mais ampliada que a de Koch: “(...) considero o processo inferencial como uma atividade construtiva e não como uma atividade de simples processamento ou solução de problemas na compreensão. A inferência é um tipo de procedimento que se utiliza para criar, construir e produzir significações, referentes e assim por diante e não para processar textos, como se fosse um conjunto de regras de procedimento mecânico”. Apesar disso, preferimos seguir o que postula a autora,
18
II. 1.2 Dêixis
Quando falamos sobre indeterminação, baseamo-nos no que Almeida4
(1991) postula a respeito do tema. Para a autora, a indeterminação é um
processo dêitico, por isso todo elemento indeterminado pode ser recuperado no
co(n)texto; as estratégias de indeterminação seriam recursos de dêixis
discursiva, apontando para os participantes e para os não-participantes da
cena discursiva.
Ainda sobre indeterminação, Almeida (1991) define o fenômeno como
‘vaguidade referencial do item lingüístico’ e admite que, em muitos casos, o
sujeito pode ser introduzido pelo falante de modo determinado e ir se
indeterminando ou vice-versa.
Dentro da questão da interação comunicativa, Rubba (1996 apud Rocha
2006:5) elabora um esquema representativo da situação de discurso, que na
verdade serve como um esquema semântico para compreensão da dêixis:
Esquema 1: situação de discurso
Fonte: Rocha (2006)
entendendo que ela não se afasta tanto do que o autor entende como atividade sociocognitivista. 4 É bom ressaltar que a pesquisa da autora baseou-se em corpus de língua falada e somente tratou das estratégias de indeterminação do sujeito. Nesta pesquisa, trabalhamos com um corpus escrito e tratamos da indeterminação pronominal (especificamente o nós indeterminado), em posição de sujeito ou não, desde que haja identificação referencial entre os elementos.
Legenda: · A figura oval representa a situação de discurso · F = falante (ponto de referência pressuposto para expressões dêiticas) (eu) · O = ouvinte (você) · t = tempo (agora) · t' = tempo do evento de discurso · LOC = local do evento de discurso · x = objeto próximo ao ponto de referência · y = objeto distante do ponto de referência
19
Rocha (2006:5) afirma que para interpretarmos dêiticos no discurso é
preciso haver uma representação do sentido do discurso, isto é, é necessário
ter noção do esquema acima, que caracteriza prototipicamente uma situação
de fala, para identificarmos as entidades e suas referências. É óbvio que o
esquema apresentado é base para outros esquemas (como espaços mentais)
que interpretam de maneira mais específica os elementos dêiticos em um
discurso.
Entendendo que iremos trabalhar com um corpus de textos jornalísticos
(material escrito), buscamos fazer uma adaptação no esquema: nos pontos F e
O deve-se ler, respectivamente, escritor e leitor. Assumimos que, grosso modo,
não há diferenciação maior entre a representação do discurso falado para o
discurso escrito5 (não nesses aspectos), já que observamos que tanto para um
quanto para outro fazemos uso das mesmas bases.
II. 1.3 Dêixis na indeterminação
Há uma relação estrita entre a dêixis6 e os elementos inferíveis em um
texto. Segundo Bühler (apud Silva, 2005), o esquema de uma enunciação é
determinado pela tríade ego-hic-nunc (eu/tu-aqui-agora / pessoa-lugar-tempo);
sabemos que a dêixis está intrinsecamente ligada à enunciação, por isso é de
se supor que os elementos dêiticos perpassam esse esquema quando de sua
5 Entendemos que a distinção entre fala e escrita somente funciona no que diz respeito aos aspectos gráfico e sonoro, conforme afirma Marcuschi (2007b:26): “(...) os termos fala e escrita passam a ser usados para designar formas e atividades comunicativas, não se restringindo ao plano do código. Trata-se muito mais de processos e eventos do que de produtos”. Optamos por essa visão e, especificamente, pela perspectiva sociointeracionista, que enxerga fala e escrita dentro de um continuum de dialogicidade, usos estratégicos, funções interacionais, envolvimento, negociação, situacionalidade, coerência e dinamicidade (cf. Marcuschi 2007b).
6 Levamos em conta a informação de Martins (s/d:1) sobre o assunto: “Sabemos, pois, que a raiz etimológica do vocábulo "dêixis" remete para a noção de mostração, ostensão, indicação ou indigitação, sendo que da tradução do vocábulo grego para o latim resultou a generalização do termo " demonstrativo" na terminologia clássica. Porém, se é certo que,em termos restritos, o deíctico subsume um acto de mostração corporal num apontar verbal, a referida noção de função deíctica deverá albergar igualmente a vocação do deíctico para a referenciação de uma malha alargada de pessoas, objectos, factos, espaços, tempos, processos, actividades cuja significação só pode ser calculada a partir de uma indigitação primordial: a de um sujeito que ao designar-se por EU, aponta para si próprio num acto particular,discreto, único de produção discursiva”. Esse conceito apóia-se nas ideias de Marmaridou (2000 apud Sacamparini e Ferrari, 2006:47), que afirma ser o MCI da dêixis o ato essencial de apontar.
20
realização. Procuraremos estabelecer a relação dêitica concernente a
elementos específicos no texto, a saber, elementos pronominais ou nominais
que ‘carregam’ a referência a uma mesma entidade7.
Nos termos de Marmaridou (2000 apud Rocha 2006:2), a dêixis pode ser
vista numa abordagem experiencial; a conceptualização da dêixis é baseada
em mapeamentos entre domínios, que permitem as interrelações entre dêixis
de tempo, dêixis discursiva e dêixis de lugar, além da relação entre dêixis de
pessoa e dêixis social. A estudiosa afirma que a base para essa
conceptualização é o Modelo Cognitivo Idealizado (MCI); essa estrutura daria
suporte para um espaço mental em que uma entidade se tornaria um referente
que poderia remeter a outra entidade, dependendo do co(n)texto8. Assim, os
elementos inferíveis de um texto colaborariam para que uma relação dêitica
fosse estabelecida, em que um referente se ligaria a outro que guardasse o
mesmo valor conceptual, como no exemplo:
“A gente reconhecia o barulho do carro passando pela rua e sabia que, em seguida, sentiria
aquele cheiro forte de inseticida.” (Xexéo, Segundo Caderno, O Globo, 09/04/2008)
No cotexto apresentado, o termo a gente infere a presença de um ‘eu +
outras pessoas’, formando um grupo. No início do parágrafo em que se insere
esse enunciado, há a sentença: “Moradores do Rio dos anos 1970 sabem
como o fumacê é eficiente”. Por causa desse enunciado , torna-se fácil
caracterizar o grupo como ‘moradores do Rio dos anos 70 + eu-escritor’.
Temos uma relação dêitica e inferencial entre esses elementos.
7 Para uma definição mais objetiva desse termo, buscamos as idéias de Tomasello (1999), que subdivide-o em dois eixos: entidades estáticas (que seriam objetos e suas propriedades) e entidades dinâmicas (que seriam eventos e relações). Quando falamos aqui sobre entidade, estamos nos referindo ao primeiro eixo.
8 A essa altura, cabe fazer uma distinção entre co-texto e contexto: “Na lingüística francesa, a distinção (...) tem sido feita em termos de significação e sentido: a significação seria o conteúdo da palavra isolada; o sentido, a significação contextualizada. O contexto, nesse caso, diz respeito, de um modo geral, ao ambiente extralingüístico que acompanha um enunciado, o que inclui também os aspectos culturais, situacionais da enunciação, enquanto o termo cotexto é utilizado para designar o ambiente estritamente lingüístico em que aparecem as unidades” (Rocha, 2002). Ainda há uma melhor definição para contexto, feita por Kerbrat-Orecchioni (1996:41 apud Marcuschi 2007:62): “um conjunto de dados de natureza não objetiva, mas cognitiva”.
21
Complementando o que afirma Marmaridou (2000 apud Rocha 2006:2),
percebemos que há situações em que, para fazermos uma relação dêitica,
precisaremos acionar o MCI, mas há casos em que traços lingüísticos são
suficientes para estabelecer essa relação. No exemplo citado, o fato de
fazermos uso do recurso da observação de itens lingüísticos anafóricos que se
referiam ao elemento pronominal foi suficiente para situarmos o referente.
Nesse caso, estamos diante de um elemento inferível lingüístico, uma vez que
o próprio texto deu-nos a possibilidade de recuperar o referente.
Cunningham (1987 apud Vieira 2000:2) já apresentava a distinção entre
inferências textuais (baseadas na estrutura dos textos) e inferências
pragmáticas (baseadas nos conhecimentos do sujeito ou nos seus esquemas).
Desse parâmetro, podemos entender a dualidade inferível lingüístico x inferível
situacional, em que o primeiro se refere a elementos com referência facilmente
recuperada pelo texto e o segundo a itens que fazem parte do domínio de
conhecimento de mundo ou conceptualizações culturais (MCI) do leitor, nesse
caso; ou seja, o inferível lingüístico estaria ligado ao cotexto, enquanto o
situacional estaria ligado ao contexto, a elementos extra-textuais.
Conforme Johnson & Johnson (1983 apud Vieira, 2000:3), as inferências
pragmáticas classificam-se em dez tipos: de lugar, de agente, de tempo, de
ação, de instrumento, de categoria, de objeto, de causa-efeito, de problema-
solução, sentimento-atitude. Sabemos que essa classificação não pode ser
‘engessada’, já que há várias possibilidades para sua expansão ou inter-
relação (Marmaridou, 2000 apud Rocha 2006:3).
II. 1.4 Referenciação
No que concerne à referenciação, preferimos enfocar aqui o que assume
Marcuschi (2007a:100):
”O processo de referenciação se constrói discursivamente de maneira
progressiva até a identificação de algo. É nesse processo que dois
indivíduos, ao interagirem lingüisticamente, chegam a saber do que estão
falando e como estão construindo seus referentes.”
22
Nessa visão, a referenciação não é um processo pronto, mas algo que
vai se construindo à medida que os enlaces da interação se estreitam. Como
exemplo disso, o autor trabalha com o enunciado ‘Gostaria de comprar esse
livro’, dito a um vendedor; obviamente, o vendedor saberá que o pedido não é
de uma resma de papel ou cartão postal, mas é preciso haver outras
informações como nome do autor do livro (muitas vezes, há necessidade do
nome do livro, já que o autor pode ter escrito outros). Se não houver suficiência
nesses itens, é preciso mais informações por parte do falante, até que ele seja
entendido; quer dizer, o falante constrói vários referentes para uma mesma
entidade, num processo natural de referenciação.
Para ratificar essa idéia, Pereira (2005:2), na perspectiva
psicolingüística, aponta o seguinte:
“O modelo mental ou modelo discursivo é constituído (i) pelas
representações das entidades que vão sendo evocadas ao longo do
discurso, a que chamarei “entidades mentais”, que são representativas
dos referentes a que o falante se refere, e (ii) pelas propriedades que lhes
são atribuídas e pelas relações que são estabelecidas entre essas
entidades mentais.”
Para a autora, durante um discurso o falante acessa várias vezes as
entidades mentais já presentes nele, usando o recurso de expressões
referenciais anafóricas, isto é, são dados tantos referentes quantos forem
necessários para que ocorra a compreensão do discurso, todos eles ligados
entre si. Assim, o conceito de anáfora discursiva seria um ‘procedimento de
acesso a uma representação mental que faz parte (ou que é inferível) de uma
representação discursiva’ (Pereira, 2005:2). Nosso enfoque não está ligado
especificamente à questão da anáfora, mas cabe-nos citá-la, uma vez que a
mesma serve para gerar coesão no texto.
O termo referenciação, dentro da conceituação da Lingüística Textual,
constitui uma atividade discursiva (Koch, 2002) e também é visto como uma
forma de introduzir novas entidades ou referentes. Para essa autora,
interpretar uma expressão anafórica (nominal ou pronominal) consiste em
“estabelecer uma ligação com algum tipo de informação que se encontra na
memória discursiva” (op.cit, p.81). Dentro da Lingüística Cognitiva, não há o
23
enfoque somente no discurso, uma vez que o significado não tem relação com
o pareamento entre linguagem e mundo, ou seja, as significações lingüísticas
estão ligadas às experiências a partir de nossa movimentação no mundo, da
interação com o que nos rodeia.
II. 1.5 Progressão referencial
Já vimos que a inferência é um processo cognitivo essencial para a
compreensão de um texto, principalmente quando há referenciação obscura ou
informação nova. Não estamos dizendo que somente quando há obscuridade
na informação é que inferenciamos, pois entendemos que inferenciar é uma
habilidade cognitiva que faz parte do nosso cotidiano de leitura (cf. Ferreira e
Dias, 2004); o que argumentamos é um funcionamento muito mais efetivo da
mesma quando há as características elencadas no início do parágrafo.
Koch e Marcuschi (1998) esclarecem que a progressão referencial pode
ser vista como sequencialidade, um dos processos de progressão textual; isso
quer dizer que a progressão referencial é um processo complementar à
progressão textual (que conta com outros processos para sua ocorrência).
Segundo os autores,
“A progressão referencial se dá com base numa complexa relação entre
linguagem, mundo e pensamento estabelecida centralmente no discurso.
Esta característica permite que os referentes não sejam tomados como
entidades apriorísticas e estáveis, mas como objetos-de-discurso, tal como
postulam Reichler-Béguelin/Apothéloz (1995), entre outros. A questão é
complexa porque um texto não costuma ser monotópico ou linear, o que
dificulta os processos de referenciação. Pode-se mesmo dizer que a
continuidade tópica ao longo do texto inteiro não é condição necessária
para a progressão referencial. Por outro lado, parece ser intuitivamente
verdadeiro que há uma relação entre a manutenção de referentes e a
construção de tópicos discursivos. “ (Koch & Marcuschi, 1998)
Os autores ainda falam que o nível léxico não é suficiente para explicar
como conseguimos saber a que entidade um falante se refere quando ela não
está explícita. Em sentenças como “Vivemos no Rio (oh leitores de outro
24
estado) a sensação do Insolúvel”9, os autores admitem que a inferência de que
o nós elíptico seja reconhecido como ‘moradores do Rio de Janeiro’ é feita
mais por uma questão ‘pragmático-cognitivista’ do que textual; o pronome nós
seria um objeto-de-discurso10, uma vez que esse pronome está servindo
unicamente para representar o grupo dos moradores do Rio. Em outro texto, há
um trecho em que novamente vemos a presença de nós indeterminado
elíptico: “Ainda assim quando viajávamos, continuávamos sendo cidadãos de
quinta...”11; nesse caso, o nós já se refere a ‘brasileiros que viajam de avião’,
pois o cotexto fala a respeito de viagens de avião; temos, então, outro objeto-
de-discurso, embora seja o mesmo item lingüístico utilizado.
Pode ocorrer a referenciação diferenciada do pronome em um mesmo
texto. Trechos como “No fundo, queremos o bem ou o mal” e “Antigamente,
vivíamos numa féerie de gonorréias” concorrem em um único texto (O
governador que caiu e sua ‘decaída’, de Arnaldo Jabor), em que percebemos
as referências ‘nós ~ opinião pública’ e ‘nós ~ clientes de bordéis no passado’,
respectivamente.
II. 1.6 O texto de opinião
Bakhtin (2003a:262) relaciona tipos relativamente estáveis de enunciado
a gêneros do discurso. Esse autor, assim como Marcuschi (2006:19), afirma a
dificuldade em definir os gêneros discursivos/textuais, uma vez que são
extremamente heterogêneos. Daí fica claro o aspecto sócio-histórico do gênero
textual, uma vez que ele é caracterizado como atividade sócio-discursiva,
sofrendo transformações ao longo do tempo.
Há de se estabelecer uma diferença entre gênero e tipo textual.
Marcuschi (2005:22), fazendo uso de estudos de diversos autores, faz uma
distinção entre os dois:
(a) Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de
construção teórica definida pela natureza lingüística de sua composição
(aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas). Em
9 Texto “O homem versus o mosquito”, de Arnaldo Jabor, O Globo, de 25 de março de 2008. 10 Entidades alimentadas e reproduzidas pela atividade discursiva.
25
geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias
conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição,
injunção.
(b) Usamos a expressão gênero textual como uma noção
propositalmente vaga para referir os textos materializados que
encontramos em nossa vida diária e que apresentam características
sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais,
estilo e composição característica. Se os tipos textuais são apenas meia
dúzia, os gêneros são inúmeros. Alguns exemplos de gêneros textuais
seriam: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance,
bilhete, reportagem jornalística, aula expositiva, reunião de condomínio,
notícia jornalística, horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista de
compras, cardápio de restaurante, instruções de uso, outdoor, inquérito
policial, resenha, edital de concurso, piada, conversação espontânea,
conferência, carta eletrônica, bate-papo por computador, aulas virtuais e
assim por diante.
Conforme a definição, podemos afirmar que um gênero textual pode
conter mais de um tipo textual, uma vez que o discurso realizado no texto não
se apresenta somente com características narrativas, mas aparecem outras,
embora a narrativa possa ser a predominante.
No caso do texto de opinião, o tipo textual predominante é o
argumentativo12, embora haja nuances de outros tipos, como o narrativo e o
descritivo. Na questão da classificação do gênero textual, analisamos o mesmo
pela ótica dos traços específicos inerentes a ele, isto é, características que
determinam a permanência de um texto dentro de um gênero qualquer. O
gênero textual artigo de opinião é dotado de características de proximidade e
distância dentro da noção postulada por Kabatek (2004). O esquema criado por
esse autor mostra um continuum na categorização de gêneros textuais, em
que a tradição discursiva determinaria o quanto um gênero está mais ou menos
próximo de seu caráter original:
11 Texto “Sem teto para voar”, de Cora Rónai, O Globo, de 12 de junho de 2008. 12 Segundo a classificação de tipos textuais proposta por Werlich (1973 apud Marcuschi 2005:28).
26
Tabela 1: Condições comunicativas e parâmetros que determinam o uso das variedades em determinadas TD13 ou tipos de texto
Proximidade Distância
a Caráter privado da comunicação a’ Caráter público da comunicação b Intimidade ou familiaridade dos
interlocutores, maior conhecimento partilhado
b’ Ausência de intimidade ou de familiaridade, menor conhecimento partilhado
c Forte participação emocional c’ Falta de participação emocional d Inserção do discurso no contexto
situacional d’ Não-inserção do discurso no contexto
e Referencialização direta (ego-hic-nunc)
e’ Referencialização indireta
f Proximidade local e temporal entre os interlocutores (comunicação face a face)
f’ Distância local e temporal entre os interlocutores
g Intensa cooperação g’ Fraca cooperação
h Dialogicidade h’ Monologicidade14
i Espontaneidade i’ Reflexão
j Pluralidade temática j’ Fixação do tema
Nessas condições, o texto jornalístico de opinião analisado nesta
pesquisa apresenta as seguintes características:
a) [ + caráter público da comunicação] – distância
b) [ - intimidade ou familiaridade dos interlocutores] – distância
c) [ ± participação emocional] – proximidade/distância
d) [ - inserção do discurso no contexto] - distância
e) [ - referencialização direta] – distância
f) [ + distância local e temporal entre os interlocutores] – distância
g) [ ± fraca cooperação] – proximidade/distância
h) [ + dialogicidade] – proximidade
i) [ + fixação do tema] – distância
Para compreendermos essa relação de características, há necessidades
de estabelecermos alguns parâmetros. Conforme afirma Marcuschi (2005),
13 Tradição discursiva., que, nos termos de Kabatek (2004:7), é entendida como “a repetição de um texto ou de uma forma textual ou de uma maneira particular de escrever ou falar que adquire valor de signo próprio (portanto é significável). Pode-se formar em relação a qualquer finalidade de expressão ou qualquer elemento de conteúdo, cuja repetição estabelece uma relação de união entre atualização e tradição; qualquer relação que se pode estabelecer semioticamente entre dois elementos de tradição (atos de enunciação ou elementos referenciais) que evocam uma determinada forma textual ou determinados elementos lingüísticos empregados”. 14 Entende-se como monologicidade nessa categorização a propriedade de comunicação unilateral.
27
não há uma linha divisória muito clara entre os gêneros textuais; pelo contrário,
há gêneros que ‘carregam’ as marcas de outros ou então já perderam as
marcas iniciais e hoje não são reconhecidos como tais. Sabemos, no entanto,
que há gêneros que ainda se mantêm rígidos, nos quais não percebemos essa
oscilação.
As características apontadas acima pressupõem, como já afirmamos,
uma categorização dentro de um continuum. A formalidade do gênero é
marcada, nesse critério, pela distância no parâmetro da condição comunicativa;
um gênero que apresente todas as características de proximidade tem um nível
baixo de formalidade e consequentemente pode ser associado a manifestações
com muitos traços de oralidade (telefonema, carta pessoal, bilhete). Da mesma
forma, gêneros que tenham um maior número de características de distância
são associados a um grau muito elevado de formalidade, como resenhas ou
textos científicos.
Dentro dos critérios abordados, podemos perceber que a crônica é um
gênero que se mantém na zona de distanciamento em 6 itens, na de
proximidade em 1 e no ‘meio-termo’ em 2 itens. O que se pode concluir é que
esse gênero textual possui um grau médio de informalidade, ao mesmo tempo
em que ainda mantém seus traços típicos (coloquialismo, ancoragem em
tempo específico, elemento biográfico). A ‘instabilidade’ gerada nessa
categorização pode ser decorrente de traços peculiares da escrita autoral, que
revelam a intenção dos autores em transformar um artigo de natureza crítica
em um texto mais dialógico, mais parecido com um ‘bate-papo’ entre dois
companheiros. Essa intenção de compartilhamento geraria informalidade, o
que permite que tal texto tenha as características ‘desvirtuadas’ do que se
considera prototípico.
II. 1.7 O pronome ‘nós’
Dentro da visão tradicional, o pronome nós é categorizado como de
primeira pessoa porque estabelece, na relação pragmática de interlocução, a
noção das pessoas que falam no discurso. A grande discussão nos estudos
lingüísticos é a respeito dessa forma plural que, por uma questão morfológica,
não deveria se relacionar ao pronome eu, uma vez que ‘nós’ engloba várias
28
possibilidades de agrupamentos (eu+tu/você, eu+ele/ela, eu+vós/vocês,
eu+eles, eu+todos), menos a de ‘eu+eu’ (cf. Lopes, 1998).
No nível discursivo, sabemos que o pronome ‘nós’ desempenha uma
função dêitica, uma vez que aponta para uma pessoa na interlocução.
Marmaridou (2000 apud Scamparini e Ferrari, 2006), apoiada pelas ideias de
Nunberg (1993), afirma que a dêixis pode ser explicada a partir de dois
esquemas imagéticos: centro/periferia, proximidade/distância. Assim, o
pronome ‘nós’ tem sua constituição feita em dois estágios: um dêitico (que
inclui a 1ª pessoa do singular, eu, que é o centro dêitico) e outro de
interpretação (que define o grupo a que se faz referência, dependente de um
contexto para determiná-lo).
A respeito ainda desse pronome, a estudiosa afirma que sua
prototipicidade no MCI da dêixis é determinada se houver a presença de 1ª
pessoa do singular + 2ª do singular, isto é, eu + tu (falante e ouvinte). Além
disso, o uso de ‘nós’ pode ser categorizado da seguinte forma:
- nós inclusivo – inclui falante e destinatário específicos;
- nós exclusivo – exclui destinatário(s);
- nós genérico – inclui falante, destinatário e terceiros;
- nós editorial ou acadêmico / nós autoritário – utilizado em linguagem
de artigo científico, esse tipo exclui um grupo de pessoas no qual o falante
esteja incluído;
Para a autora, os espaços mentais dão conta de representar a dêixis
menos prototípica, fato que contribui para a interpretação dos dêiticos
elencados nessa categoria. Dentro dessa interpretação, há grounds15
alternativos para usos dêiticos, isto é, MCIs que fazem parte de uma interação
discursiva. Esses grounds, segundo Rubba (1996 apud Scamparini e Ferrari,
2006:50), manifestam-se em três instâncias: a dialógica (mais próxima do
‘nós’ prototípico), a política (em que se inclui um povo ou toda a humanidade)
e a genérica (menos prototípica que as demais, embora tenha também caráter
inclusivo). Quanto à última instância, Marmaridou afirma que possui uma dêixis
incompleta, uma vez que é difícil estabelecer espaço e tempo em um ‘nós’ que
15 Conceito utilizado por Rubba (1996), que pode ser associado à ideia de níveis discursivos.
29
signifique ‘todos os seres humanos’, ‘todos e qualquer um’; o ‘nós’ genérico,
tem, então um ground dêitico incompleto.
30
II. 2. PRESSUPOSTOS COGNITIVISTAS
Neste tópico, procuramos abordar especificamente os conceitos
basilares da Linguística Cognitiva que nos serão úteis no enfoque da teoria de
referência – teoria dos espaços mentais – utilizada como instrumento para
análise da cadeia referencial nos textos.
II. 2.1.Modelos Cognitivos Idealizados
Segundo Silva (2001), modelos cognitivos idealizados são bases
relativamente estáveis de conhecimento, bem como os esquemas imagéticos e
as molduras comunicativas. MCI seria o “conhecimento sobre o domínio ou
domínios da experiência” que colabora na significação de uma categoria
lingüística; ele é interindividualmente partilhado pelos membros de um grupo
social, tem limite indeterminado e está envolvido em qualquer ato de
categorização, sendo imprescindível para formação do significado e
pensamento de uma língua. Alguns MCIs são exclusivamente culturais,
podendo sua atuação sobre um determinado objeto ou situação divergir de
cultura para cultura.
O conceito de Modelos Cognitivos Idealizados (MCI) é visto por Lakoff
(1990 [1987]) como estruturas cognitivas complexas que não trabalham
sozinhas, mas funcionam junto a estruturas proposicionais, esquemas
imagéticos, mapeamentos metafóricos e metonímicos. Para o autor, cada MCI
estrutura um espaço mental (ideia também presente nos estudos de
Fauconnier), no sentido de que fornece a compreensão das relações
estabelecidas e dos papéis das entidades; como qualquer elemento de um
modelo cognitivo, o MCI pode corresponder a uma categoria conceptual. Dessa
forma, cada diagrama possui uma rede de nós e links, em que cada nó pode
ser uma categoria conceptual; as propriedades dessa categoria dependem do
papel-função do nó em dado esquema, do relacionamento entre os nós dentro
do esquema e até de um esquema com outros esquemas, em uma interação
desse esquema com o sistema conceptual.
Assim, quando há uma proposição, ocorre simultaneamente o
acionamento das estruturas mínimas cognitivas, os nós, que interagem com
31
estruturas maiores até alcançar esquemas que se ligam a um sistema
conceptual (de caráter ontológico), provocando a compreensão do contexto em
que tal discurso está inserido. Mais do que entendimento de contexto, o MCI
auxilia a compreensão do pensamento humano para categorização das
entidades a seu redor, ao mesmo tempo em que não pode ser ‘encaixotado’
completamente em uma teoria esquemática; há mais MCIs do que esquemas
teóricos para representá-los.
II. 2.2 Espaços mentais
As ideias de Fauconnier (1994), influenciadas pela visão ducrotiana e
pelos modelos mentais de Johnson-Laird (1983)16, foram fundamentais para o
reconhecimento de que nosso olhar deveria se voltar para os ‘bastidores da
cognição’, uma vez que é nesse ‘lugar’ que realmente ocorre o processo de
construção da linguagem; o autor enfatiza que durante muito tempo as teorias
científicas nos obrigaram a compreender que as palavras carregam os
significados, enquanto na verdade não temos nem consciência plena das
construções que realizamos. O autor faz uso da metáfora do iceberg,
mostrando que as palavras (a sua estrutura, o que decodificamos delas)
representariam a ponta de um iceberg; mas há um todo submerso, muito mais
vasto do que a representação simbólica da palavra, perceptível de acordo com
a experiência que vivenciamos.
Estamos diante, então, de uma abordagem mais aprofundada a respeito
da linguagem, vista como uma ‘pista’ para encontrar domínios e princípios
apropriados na construção de uma situação dada. Assim, temos a
representação do processo de referenciação a partir de espaços mentais,
bases locais do conhecimento; segundo Fauconnier (1994:16), eles funcionam
16 Teoria do pensamento e da argumentação elaborada na área da psicologia cognitivista, que afirma que “modelos mentais são representações na mente de situações reais ou imaginárias” (Johnson-Laird & Byrne, 2000). Essa concepção é baseada nas ideias de Kenneth Craik, que em 1943 sugeriu que a mente constroi ‘modelos’ em escala menor da realidade, através da percepção, da imaginação ou da compreensão do discurso. O modelo mental representaria uma possibilidade; segundo Moreira (s/d:2), “um modelo mental é uma representação interna de informações que corresponde analogamente com aquilo que está sendo representado”.
32
como construções que contêm entidades ligadas a referentes, numa relação
de projeção.
Salomão (2003) afirma que a abordagem processual de referência mais
coerente seria mesmo a teoria dos espaços mentais, uma vez que, por
focalizar a dimensão cognitiva do desdobramento do discurso em planos
epistêmicos, torna-se ferramenta do processamento discursivo. Segundo a
autora, “os espaços mentais são internamente especificados por herança, seja
de bases de conhecimento estabilizado (modelos culturais, scripts, esquemas
conceptuais), seja de outros espaços mentais previamente originados” (p. 75).
II. 2.3 Mesclagem conceptual
Uma questão fundamental no que diz respeito à mesclagem conceptual
é a visão ontogenética na interação comunicativa, que, mediante os processos
semióticos da linguagem, manifesta-se através de duas características: a) a
possibilidade de referenciação de um elemento fisicamente ausente, além do
desdobramento dos planos dessa interação; b) a possibilidade de
enquadramento de uma cena conceptual narrada (moldura).
O esquema da mesclagem conceptual, segundo Fauconnier (1997 apud
Anunciação, 2009) é elaborado de acordo com os procedimentos abaixo:
a) Projeção interdomínios – entidades do domínio-fonte projetam-se em
contrapartes no domínio-alvo.
b) Esquema genérico – espaço compartilhado pelo domínio-fonte e pelo
domínio-alvo; seria a interseção entre os dois domínios.
c) Mescla – os domínios são projetados em um quarto espaço, levando
os elementos que são contrapartes ou não; as entidades podem, nesse
espaço, aparecerem como um só elemento ou serem projetadas
separadamente.
d) Estrutura emergente – é própria da mescla, sendo formada pela
contribuição dos domínios. Pode ser construída de três formas:
- por composição – as relações disponíveis não precisam existir no
domínio-fonte ou no domínio-alvo;
33
- por completamento (complementação) – MCIs e conhecimentos
compartilhados de molduras comunicativas podem ser passados dos domínios
para o espaço da mescla ou, através da composição, nascem novas relações;
- por elaboração – ‘criação’ cognitiva dentro do próprio espaço da
mescla, ocasionada pela nova lógica instaurada.
No diagrama de Fauconnier e Turner (2003), observamos o
estabelecimento de vinculações estreitas entre os espaços dos inputs,
apontando de forma mais clara a integração entre os elementos.
Esquema 2: Mesclagem e integração conceptual (Fauconnier e Turner, 2003)
A integração conceptual como processo pode ser percebida nesse
diagrama básico, em que as linhas representam as projeções e mapeamentos
conceptuais, relacionadas a vinculações e coativações neurais.
A respeito das mesclagens, podemos esclarecer que elas são
processos cognitivos vistos como derivados dos desdobramentos da teoria dos
espaços mentais. Para Salomão (2003:78), as mesclagens conceptuais
34
“tratam das relações projetivas entre vários domínios conceptuais,
que levam à emergência de um novo domínio (o domínio-mescla),
cuja estrutura interna proceda simultaneamente de, pelo menos dois
domínios-fonte”.
A autora estabelece um diagrama a partir das hipóteses de Tomasello
sobre a cena comunicativa, somadas às ideias de Fauconnier e Turner sobre
mesclagem e integração conceptual:
Esquema 3: Mesclagem e integração conceptual (Salomão, 2003)
Nessa representação, a intenção da autora é esclarecer que não ocorre
mesclagem somente de construções lingüísticas, mas também de outros
elementos da cena comunicativa; percebemos que há domínios conceptuais
individualizados que, a partir de uma ação comunicativa, geram um espaço em
que as intenções e expectativas, expostas também através de construções
lingüísticas (mas não só por elas), projetam-se num domínio discursivo; é esse
processo que nos faz afirmar que houve uma interação comunicativa. Quando
a1 b1 c1
d1 e1
a2 b2 c2
d2 e2
a1,2 b1,2
c1,2 d1,2
e1,2
a: Intenções
b: Expectativas
c: Pré-condições
d: Moldura
e: Construções
lingüísticas
INTERLOCUTOR 1 INTERLOCUTOR 2
ESPAÇO-MESCLA
INTERLOCUTOR 1'
35
falante •
ouvinte •
cenário comunicativo •
momento da comunicação •
• escritor
• leitores
• espaço textual
• dia da redação
• dia da leitura
• objetivo, intenção
não ocorre essa mesclagem, não temos uma representação do mundo, já que
a atividade simbólica – base da interação – não obteve ancoramento.
Ainda na questão da mesclagem conceptual, Scamparini (2006) aponta
um esquema que integraria os conceitos básicos da dêixis ligada à relação
dialógica do discurso com o leitor; adaptamos esse esquema a nossa realidade
– textos jornalísticos de opinião –, uma vez que a autora trabalha nesse
esquema com o discurso oral.
Temos, então, uma mesclagem gerada por dois inputs: o primeiro
carrega o MCI da comunicação e o segundo traz o MCI da escrita de texto
jornalístico. A estrutura emergente é o resultado da mescla dos inputs, em que
se nota a permanência dentro do parâmetro dêitico pessoa-lugar-tempo.
Esquema 4: Mesclagem conceptual de texto jornalístico
Esse esquema apresentado será utilizado como ferramenta de análise
das mesclas em textos selecionados dentre os 50 que fazem parte do nosso
corpus. Ressaltamos que nossa preocupação está voltada para as distinções
e/ou peculiaridades aparentes no processo de mesclagem conceptual, gerando
aqui
nós
hoje
36
cadeias referenciais singulares, mas também apresentando o perfil do que
seria um ‘padrão’ no processo de escalarização dos elementos
indeterminadores.
37
II. 3. INTERFACE : PRESSUPOSTOS GERAIS E COGNITIVISTAS
Nesse tópico, procuramos relacionar os conceitos gerais dos processos
lingüísticos ao arcabouço teórico cognitivista, com a finalidade de apresentar a
possibilidade de análise de itens linguísticos por essas duas vertentes, sem
desmerecimento de qualquer parte.
II. 3.1 Espaços mentais, mesclagem conceptual e texto
Os textos de opinião serão analisados nesta pesquisa dentro de um
processo cognitivo com aporte em dois eixos:
a) em um nível ampliado, o estabelecimento de cadeias referenciais via
representação dos espaços mentais, em que o enfoque está no processamento
textual dos referentes. O objetivo é deixar claro o caráter de construção de
sentidos do texto como um todo, em que a referência deve ser tomada como
princípio norteador para a interação escritor/leitor, dentro do que se chama
‘cena de atenção conjunta’ ou do esquema de discurso postulado por Rubba
(já apresentado neste trabalho). Podemos dizer que estamos diante de um
nível ampliado de dêixis, em que dissecamos a função de situar o interlocutor
no texto.
b) em um nível mais específico, a mesclagem conceptual, decorrente da
mistura de inputs com domínios distintos, que nos permite perceber a seleção
de referentes para um mesmo elemento discursivo, bem como as várias
interseções decorrentes desse processo de seleção, a partir de elementos
linguísticos. Estamos lidando com a dêixis no nível lingüístico, em que SNs
distintos são analisados de acordo com os efeitos de maior ou menor
indeterminação gerados no texto.
Quanto ao estabelecimento da cadeia referencial, através dos espaços
mentais, o que analisamos é o funcionamento das conexões de referentes
realizadas quando produzimos um texto17; consideramos como conexões as
ligações de caráter inferencial e situacional (de conhecimento de mundo) entre
um elemento e outro, que acarretam ligações maiores, permitindo que haja
17 Consideramos como texto não somente o que se apresenta escrito em um papel, mas tudo o que é produzido pelo homem como forma de comunicação.
38
uma rede referencial. A pergunta feita para a descoberta dessas ligações
sempre se volta para a especificação do referente que não está explícito no
texto, uma vez que ele tem caráter indeterminado, mas que está inferível
situacionalmente. Então, o que diferencia a cadeia referencial de uma análise
puramente lingüística é o enfoque em elementos que não estão no texto, mas
são inferíveis pelo texto, através das conexões que produzimos.
Podemos destacar também nesse nível de análise o papel dos
construtores de espaços mentais (space-builders), que desencadeiam
interferências na organização da linguagem, uma vez que relacionam domínios
cognitivos distintos e inferências pragmáticas.
Obviamente, quando falamos sobre space-builders tocamos também na
questão lingüística, pois eles se manifestam através de itens lingüísticos, tais
como pronomes, locuções temporais, conjunções condicionais, entre outros. A
função desses construtores é ligar os espaços mentais projetados, gerando
correspondências entre eles, ou seja, criando ‘laços’ entre o domínio-fonte e o
domínio que é acessado. Os space-builders servem para situar o tempo e o
espaço dentro de um texto, além de dar as coordenadas para a projeção desse
espaço e desse tempo ao longo do discurso, isto é, em um mesmo texto
podemos ter situações voltadas para o que está acontecendo agora, bem como
projeção de futuridade ou rememorações; usamos os construtores de espaço
para conectar a projeção realizada, o que permite que sejam acessadas as
informações referentes a determinado assunto, segundo o conhecimento de
mundo que cada pessoa tem. Por isso, a abordagem do MCI também é
essencial para o entendimento da formação da cadeia referencial.
A mesclagem conceptual pode ser observada de forma específica a
partir da projeção feita pelos espaços mentais; quando um espaço é projetado,
os referentes nesse espaço se ligam aos do espaço-base por meio da mescla,
uma vez que há inputs distintos ‘misturados’ nesse processo. A mescla, por
sua vez, para ser interpretada, precisa estar alicerçada em um processo de
inferência. Quando produzimos “Em nossa sociedade, nós não podemos
aceitar essa situação”, o espaço projetado é o de uma sociedade que,
dependendo do co(n)texto, pode ser a brasileira, a chinesa, a norte-americana,
etc. O referente ‘nós’ tem mesclado em si a ideia de eu + grupo de pessoas,
que, dependendo exatamente da situação discursiva, pode ser um grupo de
39
alguma das sociedades citadas, em um caso de inferência semântica. Mas no
mesmo texto, podemos ter outra produção como “Nós, a partir daquele
momento, decidimos não manter essa situação”, cheia de elementos carentes
de referência (o que faz com que a dêixis de pessoa só se estabeleça pela
análise do todo textual ou do conhecimento de mundo), em que o elemento
‘nós’ está ligado a eu + grupo de pessoas, sendo esse grupo definido por
inferência pragmática.
II. 3.2 Estratégias lingüísticas e mesclas
Em termos de estratégias lingüísticas, os itens canonicamente
chamados de elementos genéricos e expressões camaleônicas18 necessitam
ser observados.
Estudos focados na indeterminação apontam esses dois grupos de itens
como estratégias mais comuns, sendo que os pronomes aparecem incluídos no
primeiro grupo, uma vez que podem englobar em si características [±
genéricas]. Geralmente os pronomes ‘nós’, ‘eles’, ‘você’ e o clítico ‘se’ são
apontados como as estratégias pronominais mais comuns (cf. Cavalcante,
1999; Bravin dos Santos, 2003; Almeida, 1991); a forma pronominal ‘a gente’
também é tida como forma inovadora de indeterminação (cf. Lopes, 1993,
1999). Alguns autores apontam o pronome zero como estratégia também
utilizada, apontando para a manifestação do sujeito nulo no português
brasileiro (cf. Bravin dos Santos, 2003).
No âmbito dos SNs camaleônicos, Almeida (1991) destaca como mais
usados os seguintes: pessoa, cara, gente. Esses itens aparecem geralmente
acompanhados por um determinante – o mais comum é o artigo definido.
Outras estratégias são citadas pela autora: pronomes substantivos indefinidos
(‘os outros’); pronomes de caso reto, no singular ou no plural (‘você’);
estratégias morfossintáticas (verbos dicendi, verbos em tempos nominais, 3ª
pessoa do plural ou do singular, seguida ou não do ‘se’).
Souza (2007), em trabalho voltado para análise sociolingüística do
sujeito indeterminado, enfatiza que os fatores linguísticos são preponderantes
40
no entendimento dessa indeterminação. Não é nosso interesse focar a questão
desse tipo de análise, mas concordamos com a autora no que diz respeito às
classes de SNs envolvidos na indeterminação: definidos, genéricos, coletivos,
locativos e indefinidos19. Os SNs de referência definida são estabelecidos pela
correferência com outros constituintes no texto, de natureza explícita; os itens
de referência genérica, como definidos por Câmara Jr (1981:302 apud Souza,
2007:64), nomeiam uma classe natural de seres e objetos dos quais há uma
denominação particular, e têm no artigo definido a determinação desse valor
genérico. Os SNs de referência coletiva representam um grupo de indivíduos,
“um conjunto expresso como um todo, diferente de um SN genérico, que
representa uma classe inteira” (op.cit., p. 66). Os critérios adotados pela autora
para diferenciar os genéricos dos coletivos foram os seguintes:
(a) Os nomes genéricos aceitam ser pluralizados sem causar nenhum
problema à sua interpretação como nomes que abrangem um conjunto geral.
Ex.: o estrangeiro _ os estrangeiros; o parisiense _ os parisienses; candidato _
candidatos.
(b) Os nomes coletivos, por sua vez, não podem ser pluralizados da mesma
forma que os genéricos, uma vez que os nomes coletivos são substantivos
que, morfologicamente no singular, indicam pluralidade de seres (Jota, 1976,
p.67). Assim sendo, ‘o pessoal’ não aceita plural, como acontece com os
nomes genéricos. O SN, ‘* os pessoais’, seria, portanto, agramatical em nossa
língua. O plural de ‘o povo’, ‘o exército’, por exemplo, modificaria a
interpretação desses substantivos como nomes coletivos. O SN ‘o exército’, no
plural, deixaria de representar o coletivo de soldados e passaria a designar
vários grupos de exércitos; os povos, vários conjuntos de povos de diferentes
nações, e não o coletivo de várias pessoas.
(Souza, 2007:67)
Os itens de referência locativa são definidos como aqueles que indicam
o lugar em que a ação verbal é processada; como exemplo, Souza apresenta o
18 Termo cunhado por Almeida (1991), que diz respeito a “substantivos que assumem o significado a partir do contexto discursivo-pragmático em que estão inseridos” (p. 128). 19 A autora trabalha com o SN ‘eles’, dentro de uma abordagem da indeterminação que vai de encontro ao que postulamos nesse trabalho, uma vez que ainda foca a indeterminação como fenômeno preso a uma função sintática, embora reconheça que há implicações semântico-pragmáticas para sua interpretação. É interessante a separação dos fatores que colaborariam para a indeterminação, em que a referência [± determinada] é um deles, além dos traços [± específico], [± humano],
41
enunciado “Lá na Bahia, a porta da casa abre, eles num olham quem é”, em
que o pronome eles, apoiado na locução “Lá na Bahia”, confere um caráter de
lugar e não somente de pessoa do discurso.
Os SNs indefinidos são caracterizados pela ausência de referência a um
SN explícito; não há correspondência com nenhum SN antecedente
materialmente presente no texto.
Os critérios de elementos referenciais de Souza (2007) são essenciais
para a compreensão dos itens analisados dentro das cadeias referenciais
apresentadas nesta pesquisa, uma vez que servem como parâmetro para
apresentar a diluição dos elementos indeterminadores dentro dos textos de
opinião.
Quanto às mesclas, reportamo-nos às afirmações que serão
apresentadas no próximo capítulo, no item 1.6, referente ao trabalho de
Anunciação (2009), em que há uma análise do item lingüístico dentro do
processo de mesclagem a ele inerente pelo contexto. O que podemos adiantar
diz respeito à vinculação dos itens referenciais a um processo cognitivo de
conexões de alto nível, em que a estrutura emergente é resultado da entrada
de dois domínios diferenciados, isto é, dois itens linguísticos de origem distinta
que se misturam para serem um.
42
III. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
O objetivo deste capítulo é apresentar as diversas visões de estudos a
respeito da indeterminação, através do resumo das ideias trabalhadas no
âmbito do funcionalismo givoniano, do enfoque gerativista, da análise
discursiva, bem como da questão da variação e da mudança, em corpora de
língua falada e escrita. Também apresentaremos uma breve consideração a
respeito do conceito de polifonia, além de um resumo sobre a visão mais
conservadora da indeterminação.
.
III. 1. VISÃO TRADICIONAL SOBRE INDETERMINAÇÃO
Um dos pontos principais na questão da indeterminação pelo prisma
tradicional é a observação de que para a mesma os casos de indeterminação
estão voltados para somente uma função sintática – o sujeito da oração. A
preocupação da gramática tradicional será, então, apontar um modelo de
indeterminação do sujeito, não dando espaço para outra visão que amplie esse
escopo. Essa ênfase na indeterminação somente do sujeito vai permanecer
também nos estudos linguísticos analisados até então, explicada pelo
conservadorismo da tradição clássica da sintaxe, em que a relevância é a
análise dos ditos termos essenciais, deixando de lado os outros elementos da
oração.
Assim, Cunha et al (1985) e Kury (2001) são enfáticos ao estabelecerem
os sinais de indeterminação de um sujeito:
- verbo na 3ª pessoa do plural, não-anafórico;
- verbo na 3ª pessoa do singular, acompanhado da partícula se.
Neves (2000) complementa esse padrão, ao enfatizar que o verbo não
deve ser transitivo direto, para não cair no caso de uma voz passiva.
Aparentemente, esses aspectos encerram a discussão sobre esse tipo de
sujeito, mas o próprio Kury (2001) acrescenta situações peculiares a esse
padrão: a sugerida indeterminação causada por um pronome indefinido
43
(Alguém/Ninguém bateu na porta), que, segundo o autor, é um caso mais
lógico do que sintático.
Outra posição é vista por Said Ali (2001) ao referendar casos de sujeito
indeterminado. Primeiramente, ele enfatiza a presença de um sujeito indefinido
(notar a nomenclatura), aquele que se deixou de nomear por questão de
conveniência ou pela dificuldade de especificá-lo. Depois, o autor refere-se a
termos usados de forma mais ‘livre’ para indeterminar o sujeito (um
homem/uma pessoa), esclarecendo que tais recursos perdem em intenção
para o verbo na forma reflexa (tratar-se, fazer-se). O autor ainda cita casos de
uso no discurso oral, como a forma cristalizada diz que20 (diz-se que/ dizem
que).
A respeito da indeterminação do sujeito, Pontes (1986) aponta algumas
possibilidades para os casos questionáveis. Para a autora, sentenças como
“Parecem doentes” não podem ser consideradas de sujeito indeterminado, pois
o verbo não designa ação; percebe-se, então, que os casos relevantes de
indeterminação para ela são os que apresentam um verbo nocional, com única
possibilidade para um sujeito agente.
Neves (2000) é a autora que começa a ampliar a visão mais tradicional
do fenômeno da indeterminação; ela atesta que há sintagmas nominais de
referência genérica21 utilizados com a função de indeterminar o sujeito. Da
mesma forma, mostra que o uso da 3ª pessoa do singular, em construções
como “Lá tira a carteira de habilitação” seria um caso de indeterminação,
embora haja o apagamento da partícula ‘se’.
Segundo essa autora, essas situações lingüísticas dependem do grau de
indeterminação que se quer dar a cada sentença e de quem se deseja incluir.
Por exemplo, as construções feitas com termos genéricos e 3ª pessoa do plural
são consideradas por ela parcialmente indeterminadas, já que abrangem o
universo de terceiras pessoas. Por outro lado, o uso da 3ª pessoa do singular
acompanhada do ‘se’ alcança um índice de indeterminação total; há também o
20 Esse verbo faz parte da categoria dos verbos de elocução (introdutores de discurso) denominados dicendi, cujo complemento direto é o conteúdo do que se diz (Neves, 2000:48) 21 A conceituação de termo genérico, segundo a autora, é baseada no aspecto semântico ampliado que pode caracterizar o sujeito dentro de um discurso. Ela diz respeito à característica de um termo que atua como elemento vicário. Esse termo tem a função de ‘substituir’ o elemento que encabeça o discurso, evitando a repetição do mesmo.
44
caso de uso da 1ª pessoa, que tornaria a indeterminação muito ‘determinada’,
deixando de criar possibilidades para o sujeito.
O padrão de indeterminação postulado pela gramática tradicional é
conservador e nosso intuito não é desconsiderá-lo, mas enfatizar que há outras
estratégias de indeterminação, menos conservadoras, utilizadas em larga
escala, principalmente na linguagem coloquial.
Consideramos que os estudos realizados por Neves (2000) e Said Ali
(2001) são os que mais se aproximam do caráter irrestrito da indeterminação:
enquanto a maioria dos gramáticos opta ainda por manter o fenômeno da
indeterminação fechado a uma única função sintática, esses autores buscam
mostrar que não lidamos somente com um nível de indeterminação e muito
menos em uma única função sintática (embora saibamos que o sujeito possa
também ser a função prototípica para esse fenômeno); da mesma forma, eles
nos apresentam outros sintagmas que servem como estratégias de
indeterminação, através da referenciação genérica inerente a eles ou
dependente do contexto.
45
III. 2. TRABALHOS SOBRE INDETERMINAÇÃO
Entre os variados estudos sobre a indeterminação pronominal, tanto
sobre o aspecto semântico quanto o sintático, há pelo menos cinco que
merecem ser destacados, dada a sua influência nos estudos posteriores sobre
o assunto. Discorreremos a respeito deles, buscando focar a contribuição que
cada um traz para a presente pesquisa.
III. 2.1 A visão funcionalista
Almeida (1991) tem como objeto de sua pesquisa as estratégias de
indeterminação do sujeito presentes na fala carioca; o eixo de seu estudo está
pautado em dois conceitos, o de indefinição e o de referencialidade. Sua ótica
teórica é do funcionalismo givoniano, bem com seu corpus são entrevistas do
projeto Censo, coletadas nas três faixas etárias; seus referenciais teóricos
estão embasados em alguns pressupostos funcionalistas, além de apresentar
análises mescladas na teoria variacionista laboviana e nos procedimentos de
estudiosos como Laberge, Gorski e Prince, entre outros.
Logo no início, Almeida (1991) nos apresenta a idéia de flutuação no uso
da indeterminação, afirmando que o sujeito pode ser introduzido pelo falante de
modo determinado e ir se indeterminando ou vice-versa; outro ponto já tratado
diz respeito ao enquadramento da indeterminação do sujeito como um recurso
de dêixis discursiva, já que como tal aponta para os participantes e não-
parrticipantes da cena discursiva.
A noção de sujeito trabalhada pela autora é a típica (agente, [+ humano]
e tópico), baseada nos traços semânticos mostrados pelos SNs quando em
posição de argumento externo. Apesar do enfoque sintático, ela deixa claro que
o ‘modus pragmático’ pode prevalecer sobre o sintático, uma vez que a fala
apresenta descontinuidade no fluxo informacional.
Após esse preâmbulo, a autora discorre sobre a visão tradicional do
sujeito indeterminado, que seria a mesma tanto na fala quanto na escrita: ∅ +
verbo na 3ª pessoa do singular ou ∅ + 3ª pessoa do singular + se. A essa
altura, a autora delineia um conceito para a indeterminação do sujeito:
vaguidade referencial do item lingüístico codificado na posição de sujeito;
46
entretanto, há várias possibilidades de se realizar essa vaguidade, sendo que a
ancoragem referencial está sempre presente.
Partindo dos estudos de Lyons (1977) e Levinson (1983), a autora afirma
que as línguas naturais fazem uso da ancoragem em aspectos do contexto
para que cumpram sua função de comunicar e interagir; dessa forma, não é
estranho ocorrer o mesmo processo na indeterminação do sujeito, em que se
percebe a ancoragem numa das três pessoas gramaticais que participam da
troca comunicativa, exemplificando tipicamente a dêixis de pessoa. Dessa
forma, a autora reitera a indeterminação como processo dêitico, já que se pode
considerar contextos para o intercâmbio ou não das formas indeterminadas e
também a restrição de interpretações das diferentes estratégias de
indeterminação.
Outro ponto importante no estudo de Almeida (op.cit.) refere-se à visão
de diferentes graus de vaguidade do item indeterminado, abordagem que vai
ser revisitada mais tarde por Cunha (1993) e Lopes (1999). A partir desse
ponto, o mesmo estudo enfoca a indecisão da classificação do sujeito
(indefinido ou indeterminado), associada ao surgimento de novas formas
pronominais geradoras de variação lingüística. O termo indefinido não traz os
traços [± locutor], [± alocutário], [± grupo mínimo], o que, segundo a autora, é
uma argumentação suficiente para mostrar que o que comumente tratamos
como indeterminado tem características de elementos indefinidos, que
comportam também a noção de pluralidade, mas também de singularidade.
Em meio a esses conceitos, são apresentadas algumas informações que
mais à frente na pesquisa serão úteis: a) ‘nós’ tende a ocorrer mais em figura e
‘a gente’ em fundo22; b) a certeza de que ‘a gente’ está substituindo a forma
‘nós’ no discurso informal; c) a equivalência entre impessoalizar e indeterminar.
A respeito da ‘novidade’ nas idéias de termos genéricos como estratégia
de indeterminação do sujeito, a autora nos mostra que as primeiras gramáticas
já traziam afirmações sobre a generalização do sujeito, além das estratégias
canonicamente conhecidas. Logo após, há um salto para a abordagem feita por
Bechara (1972) e Kury (1972) a respeito da indeterminação a partir de
22 Figura-fundo: conceito muito divulgado na década de 80, cunhado por Hopper (1979), para tratar da saliência de elementos dentro de uma moldura comunicativa. Atualmente, a dicotomia
47
indefinidos ou pronomes pessoais com vaguidade referencial. Ao trazer Said Ali
(1930) para a discussão, a autora toca na questão dos indefinidos e dos
indeterminados. Para o autor, o indeterminado/indiferenciado estaria ligado à
‘massa humana’ (coletividade), enquanto o indefinido se ligaria à
individualidade referencial (uma pessoa, a gente).
Ainda apoiada nas idéias do estudioso, Almeida enfatiza a preferência
das formas sintéticas pelas gramáticas modernas para a indeterminação e a
equivalência semântico-pragmática entre estratégias de indeterminação e
construções com pronomes indefinidos como sujeitos; de qualquer forma, o
ponto de vista é posto como determinador da categorização do fenômeno.
No capítulo dos pressupostos teóricos, a estudiosa estabelece as bases
funcionalistas e o tipo de funcionalismo adotado em sua tese: a versão ‘fraca’
(condicionamento do fenômeno por fatores intra e extra-sistêmicos); há o
enfoque no conceito de gramaticização23 (Dubois), que reforça essa versão
funcionalista.
Nesse ponto, a autora começa a ‘alinhavar’ certos pensamentos: a) a
indeterminação é um processo dinâmico e gradual; b) essa gradualidade está
ligada à Teoria dos Protótipos; c) as estratégias de indeterminação do sujeito
são variadas (desde o SN pleno até o uso sistemático de verbos dicendi); d)
tanto o SN codificado definido quanto o indefinido podem ter sua
identificabilidade estabelecida pelo contexto; e) embora os termos genéricos
sejam vagos, há uma referência específica neles (imprecisa).
Para corroborar suas idéias, há o enfoque no conceito de referência –
“referência é a relação que se estabelece entre um dado SN e um referente
que pode ser identificado por fazer parte do modelo do discurso ou do contexto
pragmático” (p. 82) – , bem como na diferenciação entre definitividade e
indefinitividade, ou seja, o foco no modo como o referente inscreve sua
referência – de forma precisa (definida) ou de forma imprecisa (indefinida).
Antes de realizar a análise do corpus, Almeida ainda trabalha na
categorização da referência precisa e imprecisa, em que faz um agrupamento
figura-fundo não é utilizada nesse rótulo, uma vez que se entende que há um continuum de saliência. 23 “Influência de fatores externos ao fenômeno do discurso, fatores que interagem com influências advindas da linguagem.” (Almeida, 1991:74)
48
de três manifestações de referência precisa e também três de referência
imprecisa (um membro, vários membros, a classe toda).
A partir disso, é explicada a metodologia utilizada na análise do corpus,
em que as variáveis relevantes para a pesquisa são sexo, idade, escolaridade
e região; há uma fixação das hipóteses fundamentais da pesquisa, pautadas no
‘Princípio do Relativismo’ (por ser um fenômeno de base comunicativa, há a
tendência de ser estável segundo as condições de estabilidade da produção
comunicativa), na motivação da indeterminação do sujeito, nas pressões infra e
extra-sistêmicas no fenômeno e na não-uniformidade na produtividade das
formas em relação aos diversos agrupamentos.
Estabelecidas essas hipóteses, a autora, baseada na teoria dos
protótipos (Rosch, 1978; Givón, 1979), discorre sobre a indeterminação do
sujeito como fenômeno escalar, mostrando que há fatores que colaboram para
que elementos sejam + ou – indeterminados, fazendo com que surja um
protótipo de indeterminação. Na classificação feita, foram separados 3 grupos:
1º (específicos) – interferência de fatores lexicais, sintáticos, discursivos e
pragmáticos nos SNs específicos; 2º (indeterminadores) – interferência de
fatores discursivo-pragmáticos e sintáticos nos SNs camaleônicos; 3º (dicendi)
– interferência de fatores sintáticos e pragmáticos nos verbos dicendi. Mediante
a análise da gradação do sujeito referencialmente indefinido, dentro do modelo
da Teoria dos Protótipos, a autora constata que o 2º grupo é a categoria
prototípica.
Na tentativa de um resultado mais aproximado das hipóteses elencadas,
além da análise pelo protótipo, a autora traça, a partir da teoria do status do
referente, o domínio do fenômeno do sujeito indefinido referencialmente, isto é,
do sujeito indeterminado. A classificação utilizada é a feita por Gorski (1984),
ampliação da taxonomia estabelecida por Prince (1981)24. O que se quer
24 Essa taxonomia é estabelecida da seguinte forma:
Referente Novos Inferíveis Dados
Novos-em-folha
Ancorados
Disponíveis
Não-ancorado
s
(Ancorados)
Textualmente
Situacionalmente
Únicos (não-específicos) (Genéricos) (Anafóricos) (Decorrentes) Cf. Almeida, 1991:141.
49
verificar é a questão das embalagens mais produtivas e a ocorrência dos
contextos discursivos para esse tipo de indeterminação.
A partir de um levantamento embasado na classificação de todas as
primeiras entradas das embalagens em seus contextos específicos, dentro do
Domínio da Indeterminação, há a apresentação dos resultados quanto ao
status do referente: 63,35% ocorrem como elemento dado, enquanto 24,5%
como inferível e 12,15% como disponível. O elemento anafórico é visto
somente como um ‘continuador da indeterminação’; as formas ‘você’, ‘a gente’
e ‘nós’ são consideradas elementos dados situacionalmente condicionados.
Diante disso, a autora é taxativa: “A indeterminação é um fenômeno de
referente dado” (p. 160).
Para chegar a resultados mais precisos, Almeida ‘afunila’ a análise,
buscando especificamente observar os contextos lingüísticos dos cinco
indeterminadores mais utilizados; ela faz uso da classificação labergiana
(enunciados generalizadores, implicativos e qualificadores), mudando, por uma
questão de coerência com a pesquisa, a nomenclatura do primeiro e do último,
passados a serem chamados, respectivamente, enunciados explicativos e
enunciados axiomáticos. Dentro dessa classificação, o termo ‘a gente’ é
tachado como explicativo, uma vez que aparece em contexto situacional; ‘você’
é implicativo, pois permite a relação semântica de causa e efeito, tendo valor
persuasivo; o camaleônico ‘a pessoa’ é axiomático, já que expressa uma
verdade partilhada por um grupo ou uma opinião pessoal.
Na perspectiva da influência dos fatores sociais, o capítulo 9 é voltado
para a análise de cunho laboviano; as hipóteses levantadas visam à
constatação de que o fenômeno da indeterminação do sujeito não é sensível a
fatores sociais e de que há diferença de escolha e uso de elementos
indeterminadores por conta dos diferentes agrupamentos. Para cada hipótese
há uma tarefa específica: em relação à primeira, o fenômeno é examinado
dentro das variáveis (sexo, idade, região e escolaridade) e seus
enviesamentos; quanto à segunda, há um exame dos indeterminadores em
função de sua distribuição e produtividade dentro das variáveis.
Na questão da produtividade, são perceptíveis os dois rótulos que se
estabelecem: o da manifestação lingüística (inferíveis dados e dados
decorrentes) e o da continuidade do fenômeno (dados anafóricos). Verificou-se
50
também que as condições de produção (relação falante/ouvinte, tipo de
registro, tipo de assunto) são relevantes na análise da produtividade da
indeterminação, além das premissas de ordens estrutural e funcional –
paralelismo formal25 e status do referente, respectivamente. Conforme
analisado, o paralelismo formal funciona até o momento em que ‘esbarra’ nas
razões funcionais de natureza sintática, semântica e discursiva, abrindo
caminho para análise através do status do referente.
A autora fecha sua pesquisa fazendo considerações a respeito dos
embasamentos teóricos e das análises realizadas, estabelecendo um perfil do
falante que produz indeterminação: “mulher, 26 a 55 anos, 2º grau e região
duvidosa” (p. 233). Mas a mesma não descarta outras informações úteis: a)
‘nós’ e ‘∅ 1ª p. plural’ é bem mais produzido pela faixa etária com mais de 55
anos (69,1%); b) o modo canônico de indeterminação é pouco representativo;
c) “há uma uniformidade dentro da diferença de indeterminar o sujeito na fala
popular, em registro semi-formal” (p. 233); d) as condições de produção podem
interferir na manifestação de fatores externos; e) o fenômeno da
indeterminação não varia, em parte, isto é, não sofre alteração devido a fatores
sociais; f) a condição para o aparecimento do sujeito indeterminado típico é o
status informacional ‘dado’ ou ‘inferível’.
III. 2.2 A visão da Análise do Discurso
Um outro estudo que diz respeito às estratégias de indeterminação é
feito por Cunha (1993), dentro da perspectiva da Análise do Discurso; a autora
também faz uso da teoria variacionista de Labov para analisar os dados do
corpus, que são do Projeto NURC/RJ, nas três faixas etárias.
Inicialmente, a autora deixa claro que o objetivo do seu trabalho foi
delimitar as condições sociolingüísticas que fazem o falante optar por nós, a
gente e você como estratégias de indeterminação do sujeito. Ela parte do
conceito tradicional de sujeito indeterminado, baseado em Cunha & Cintra,
Bechara e Rocha Lima, enfatizando que Milanez (1982) afirma que o
25 “Capacidade de um item lingüístico, seja fonema, morfema ou sintagma, realizados ou não, proporcionar a produção de outro com o mesmo formato superficial.” (Idem, p.208)
51
reconhecimento do sujeito indeterminado é feito também pela percepção de
argumentos de ordem puramente sintática.
Mas a autora enfatiza também outros recursos de indeterminação no
sistema lingüístico, como construções despronominalizadas e uso de pronome
pessoal. Os pronomes de 1ª e 2ª pessoas são considerados como
indeterminados na medida em que englobam a não-pessoa.
O diferencial dessa pesquisa é a consideração sobre a distinção entre
indeterminação e indefinição, que, segundo Milanez (1982), está ligada a
alguns aspectos: a) a indeterminação abrange somente elementos humanos,
enquanto a indefinição liga-se a humanos e não-humanos; b) a indeterminação
envolve formas lexicais das três pessoas gramaticais e a indefinição envolve
somente formas de terceira pessoa (alguém, algum, tudo etc.); c) a
generalização é essencial na indeterminação, ao passo que na indefinição ela
é apenas uma possibilidade. Assim, ‘o cara’, ‘o sujeito’, ‘o indivíduo’ seriam
casos de indefinição.
Cunha (1993) afirma que no nível referencial da indeterminação
pronominal há a possibilidade de alternância dos processos ou também o uso
de somente um elemento genérico, segundo a intenção do falante, que torna o
enunciado mais ou menos genérico de acordo com o grau de proximidade dos
referentes em relação a si. Portanto, há uma escalaridade na indeterminação
pronominal, que pode implicar na agentividade ou passividade do enunciado (a
passiva sem agente é [+ indeterminado]) ou no uso mesmo das pesssoas
gramaticais (o pronome na 1ª pessoa do singular é [- indeterminado] ; formas
verbais de 3ª pessoas despronominalizadas são [+ indeterminado]).
Há também uma exposição acerca da inferência provocada pelo ‘nós’,
em que a autora cita um trecho do corpus que demonstra a referência inferível
lingüisticamente, mas ao mesmo tempo aponta para a questão das
possibilidades de referentes que o pronome lança para o interlocutor. A partir
daí, há uma conceituação de referência, vista nesse trabalho como a relação
entre expressões no texto e entidades no mundo, sendo diferenciada da co-
referência, tida como relação entre as diferentes partes do texto (anáfora, no
caso).
A autora dá ênfase para a inferência decorrente do uso de um referente
pronominal; para ela, inferência se refere ao “processo através do qual o
52
ouvinte, guiado pelo que está literalmente dito, apreende o que realmente o
falante quer transmitir” (p. 31). Dessa forma, para que haja inferências, o
ouvinte tem que ativar os esquemas necessários para a criação de ‘relações de
verdade’, que integram conhecimento de mundo compartilhado entre ouvinte e
falante. Essa informação não é nova, uma vez que Almeida (1991), embasada
nos estudos de Prince (1981) e Gorski (1984), já havia descrito os tipos de
inferíveis possíveis nos casos de indeterminação e a questão do conhecimento
de mundo necessário para se fazer uma inferência situacional.
O que se trabalha, após isso, é com a questão dos conceitos de
indeterminação e determinação a partir da noção de referência: a determinação
possui referência clara e recuperável no contexto; a indeterminação é
compreendida pela falta de possibilidade de recuperação do referente. A partir
desses conceitos, a autora nos diz que a posição da indeterminação
pronominal é entre a determinação e a indeterminação clássica, ou seja, há
nuances nessa indeterminação, de tal forma que é possível elencar os graus
em que ocorre a indeterminação pronominal: a) quando um item lexical é elo de
referência (indeterminação parcial/explícito); b) quando o contexto recupera os
possíveis referentes do pronome (indeterminação parcial/implícito); c) quando
há não-relação do pronome com qualquer elemento implícito ou explícito no
contexto (indeterminação completa).
Além de apresentar esses graus, a autora, embasada em Milanez
(1982), apresenta-nos as possíveis funções da indeterminação: a)
desfocalização do sujeito; b) exemplificação; c) descomprometimento; d)
ocultação do sujeito. No corpus analisado, a indeterminação cumpre as duas
primeiras funções. Há uma análise inicial dos dados a partir de 11 grupos de
fatores (variáveis dependentes e independentes); os resultados são mesclados,
para que ocorra uma nova análise, gerando dados exaustivos sobre a questão.
As hipóteses lançadas na pesquisa são a de que ‘nós’ ocorreria mais
em narrações, devido à referência no contexto, assim como tempos não-
marcados favoreceriam a escolha de ‘você’ e ‘a gente’ e tempos marcados
favoreceriam a escolha de ‘nós’. Além disso, a autora propõe que ‘nós’ seria
53
mais refratário à indeterminação completa; ‘você’ e ‘a gente’ se prestariam mais
à perda completa de referência26.
A pesquisa, então, passa a apresentar os dados analisados pela autora,
mostrando que há um conservadorismo lingüístico por parte do falante
feminino, que faz com que mantenha a forma ‘nós’ mesmo em situação
informal. Cunha faz uso de várias tabelas para nos mostrar alguns dados
interessantes:
a) predominância de orações absolutas e coordenadas para referendar a
indeterminação (32% para ‘nós’);
b) nos DIDs, em que há um menor grau de formalidade, o pronome ‘nós’
é o preferido (48%);
c) ‘nós’ se associa à narrativa (78%), tendo uma pequena atuação na
descrição (20%) e na argumentação (17%);
d) quanto ao grau de indeterminação, ‘nós’ aparece em 67% dos
enunciados indeterminados parcialmente; sua indeterminação completa
alcança 9%;
e) ‘nós’ ocorre quando há verbo no passado do indicativo
(principalmente pretérito perfeito);
f) há mediação do gênero discursivo na relação entre o tempo verbal e o
pronome;
g) ‘nós’ predomina como sujeito de verbos no pretérito perfeito
independentemente do gênero discursivo;
h) quanto ao termo antecedente, constatou-se que a ocorrência de um
pronome, expresso ou não, desencadeia uma série de repetições. Os maiores
percentuais de ‘nós’ (78% e 82%) tem ‘nós’ como antecedente;
i) ‘nós’ tem maior possibilidade de ocorrer como forma isolada;
j) quanto à referência, ‘nós’ é o que mais propicia a mudança, isto é, a
ocorrência de referentes diferenciados;
l) a faixa etária mais avançada prefere o ‘nós’.
26 Cunha estabelece que há indeterminação completa, marcada pela irrecuperabilidade do referente, que seria o caso em que um pronome abre um leque de possibilidades para sua referência. Embasados em Mondada & Dubois (apud Cavalcante et al, 2003), cremos que, mesmo nesse caso, há uma referência, ou melhor, vários referentes disponíveis para o
54
Com essas considerações, a autora encerra seu trabalho, deixando
lacunas em algumas questões teóricas, como uma definição de referência mais
voltada para a interação dos falantes do que para a questão textual, uma vez
que trabalha com corpus de língua falada; entendemos que, dado o objetivo
inicial da mesma, de caráter sociolingüístico, através da análise laboviana,
focada no levantamento das variantes de faixa etária, de sexo e de posição
social, há um enquadramento satisfatório do fenômeno da indeterminação.
III. 2.3 A visão gerativista
Outro trabalho bem interessante acerca das estratégias de
indeterminação é o concluído por Cavalcante (1999). O foco de sua pesquisa
são as estratégias de indeterminação na língua escrita padrão, a partir da
análise de textos jornalísticos que abrangem um período de mais ou menos
150 anos (1848 a 1998). Sua pesquisa é embasada em princípios gerativistas,
além de trabalhar também com a análise laboviana e o programa Varbrul (para
análise de peso relativo no cruzamento das variáveis).
Para chegar à análise, a autora traça o percurso do embasamento
teórico acerca de indeterminação do sujeito partindo das gramáticas
tradicionais (Cunha & Cintra, 1985; Bechara, 1977) até estudos de Naro (1976)
e Nunes (1990), mostrando as posições de cada um, principalmente no que
concerne ao clítico se, que é bem focalizado pela mesma. Seu objetivo é
mostrar que as gramáticas normativas não dão conta da variedade de formas
de indeterminação do sujeito, principalmente na língua falada do PB; por causa
disso, há de se observar as estratégias de indeterminação utilizadas pela
língua escrita veiculada pela imprensa do Rio de Janeiro.
As idéias iniciais da autora são as seguintes: a) quanto ao
preenchimento do sujeito, a língua escrita se aproxima das prescrições
gramaticais; b) há uma possível mudança na indeterminação do sujeito no PB;
c) as gramáticas levam em conta somente as seis pessoas gramaticais,
deixando de fora as formas pronominalizadas; d) segundo a gramática
normativa, só há presença do pronome sujeito quando se quer evitar
pronome, o que não deixa de ser a prova de que há instabilidade na relação entre palavras e coisas.
55
ambigüidade de sentido ou dar ênfase. Percebemos que há uma certa ‘mistura’
de assuntos nesse início, mas vemos que ao longo do trabalho essa impressão
é desfeita.
Há uma revisitação a estudo realizado por Ribeiro (1884), em que o
foco é o se; segundo esse autor, o latim passou a expressar a voz média por
meio do pronome reflexivo devido à influência da língua ariana; essa voz média
tornou-se passiva no período clássico; a voz passiva passou a exprimir a
indeterminação nas terceiras pessoas. Dessa forma, estabeleceu-se um
continuum de mudança do se: reflexivo > apassivador > indeterminador.
Said Ali também é citado, quando enfatiza a tendência do uso de se em
construções com agente indeterminado, mesmo quando o verbo não supõe um
agente humano, por causa da idéia de ‘sujeito psicológico’. Além dele, Martins
Aguiar é citado, através da ‘voz’ de Bechara, na distribuição do se (reflexivo,
apassivador, indeterminador do agente, indeterminador do sujeito de verbo
intransitivo, indeterminador do sujeito de qualquer verbo).
Cavalcante (1999) também comenta sobre a construção ‘se + infinitivo’ –
largamente analisada nesse trabalho – , que não é enfocada pelas gramáticas
e até condenada por alguns, como Almeida (1967) e Josué Machado (1989),
mas entrou no discurso escrito como variante de prestígio.
Dentro da abordagem teórica, a autora divide em dois eixos seu
trabalho: o da língua escrita e o da língua oral. Para tratar a respeito da escrita,
faz uso dos trabalhos de Nunes (1990) e Naro (1976) sobre indeterminação na
língua escrita. O primeiro autor enfatiza o apagamento de se-indeterminador
em construções finitas e sua inserção em infinitivas, a partir do controle de
duas variáveis dependentes (concordância e presença do se). O segundo
utiliza textos do século XIII ao XX para tratar do desenvolvimento das
construções se-passivo27 e se-impessoal28; argumenta que a tendência é
atribuir um agente humano para a ação exercida pelo verbo, que aparecerá
como sujeito da estrutura profunda (abordagem imprecisa, já que nem sempre
pode haver a correspondência com ‘alguém’).
27 Se-passivo: construção clássica, mais antiga; aplica-se a regra de concordância entre verbo e sujeito superficial ou objeto subjacente para sua existência. 28 Freqüente na fala culta usual brasileira e européia; sem concordância entre verbo e argumento interno; forma não-aceita pelas gramáticas normativas.
56
No eixo da língua oral, a autora faz uso do estudo de Kato & Tarallo
(1986) acerca da mudança no quadro pronominal e nas relativas do PB; nessa
perspectiva, a indeterminação do sujeito é vista como uma mudança que faz
parte de um conjunto maior de mudanças. Há também a apresentação das
formas variantes do sujeito indeterminado, em que se percebe a seqüência de
preferências você > zero > a gente > nós > eu, sem espaço para o pronome
se.
A autora ainda tece uma comparação entre cinco amostras de fala que
abordam as estratégias de indeterminação com formas verbais finitas –
Almeida (1992), Cunha (1993), Duarte (1995) e Cavalcante (1997). A partir
dessa comparação, haveria duas tendências no PB: a) utilização de novas
formas de sujeitos pronominais de referência arbitrária; b) tendência ao
preenchimento dessas formas.
Mais uma vez, há uma ênfase nos objetivos do trabalho: a) investigar a
possível manifestação da mudança nas formas de indeterminação para a
língua escrita; b) constatar que o começo da mudança converge para os
apontamentos feitos por Tarallo (preenchimento do sujeito pronominal de
referência definida, mudança no sistema dos clíticos e nas estruturas de
relativização). Há a afirmação de que no PB há uma preferência pelo sujeito
pronominal pleno, gerando uma redução nos paradigmas flexionais, sendo
ratificada pelas idéias de Duarte, que afirma que quanto mais rico o paradigma
flexional de uma língua, maior a possibilidade de omissão do sujeito em
sentenças finitas.
A autora parte, então, para a explanação de um trabalho seu, realizado
em 1996, em que fez uso de textos de 2 revistas e 1 jornal, que apresentavam
os gêneros artigo de opinião e crônica; o que se observou nesse trabalho (com
ênfase na indeterminação do sujeito) é que 77% dos sujeitos eram nulos, além
de as formas de sujeito pleno ocorrerem na crônica; também verificou-se um
total de 77% para a forma nós, contra 20% de você e 3% para a gente. A
estratégia mais freqüente foi o se indeterminador e apassivador.
Diante dessa realidade, Cavalcante apresenta a hipótese do trabalho:
“mudanças implementadas na fala começam a se refletir na variedade escrita
padrão, cedendo a pressões estruturais por que passa o nosso sistema
pronominal” (p. 31). O suporte utilizado para comprovar essa idéia é a
57
Gramática Gerativa, a partir do enfoque na teoria dos Princípios e Parâmetros,
além do uso da análise sociolingüística laboviana para os dados do corpus. A
sociolingüística quantitativa vai servir para atribuir a fatores sociais a
implementação da mudança, bem como sua propagação; já o modelo
paramétrico liga-se à origem da mudança e à influência de fatores estritamente
gramaticais. A partir de Tarallo (1985) e Weinreich, Labov e Herzog (1968), a
autora mostra como analisar as variáveis.
Os objetivos da análise são os citados a seguir:
“a) levantar ocorrências de sujeito referencialmente indeterminado; b)
observar o comportamento das estratégias quanto à sua variedade e à sua
representação plena ou nula; c) identificar os contextos favorecedores em
sentenças finitas e não-finitas; d) tentar capturar uma mudança em tempo
real na distribuição dessas formas ao longo do tempo; e) no caso de
mudança, observar se ela se encaixa no quadro de mudanças por que passa
o PB” (p. 42).
Esses objetivos constituem o cerne do trabalho de Cavalcante; são as
diretrizes que nos permitem enxergar o que realmente é relevante dentro da
questão das estratégias de indeterminação na escrita.
Após isso, há o enquadre da pesquisa, através da especificação da
amostra (textos editoriais, opinativos e crônicas, de 1848 a 1998) e da divisão
da mesma em períodos: I (1848-1869), II (1891-1910), III (1935-1942), IV
(1964-1968), V (1996-1998); esses períodos são embasados nas datas
estabelecidas por Duarte (1993).
Encerrado esse recorte, a análise começa a partir de um grupo de
fatores dentro das variáveis dependentes – período de tempo, tipo de texto,
formas finitas e não-finitas, estratégias de indeterminação, representação nula
e plena das formas pronominais, concordância entre verbo transitivo direto e
argumento interno no plural, uso de se com infinitivo. Além das variáveis
dependentes, também são elencadas as variáveis independentes: referência
indeterminada em relação ao contexto anterior, distribuição de ‘nós’ pelos
períodos, aumento do se devido à redução do uso de clíticos acusativos.
Dentro dessas variáveis, foram verificados os seguintes resultados:
58
a) as estratégias de indeterminação tendem a aparecer mais em textos
informais (crônicas);
b) os textos de opinião têm percentual maior para ‘nós’ e os editoriais,
para ‘se’;
c) o preenchimento do sujeito ocorre com estratégias pronominais
combinadas a formas verbais sem marcas morfológicas explícitas;
d) a manutenção do referente favorece o sujeito nulo;
e) na variedade selecionada, ocorre a concordância entre os dois itens.
A não-concordância está num processo de variação estável. O traço
[+ humano] do argumento interno favorece a concordância.
f) o uso de ‘se’ em sentenças infinitivas está em distribuição
complementar com a posição vazia – quando uma diminui, a outra
aumenta. O clítico acusativo e o reflexivo inibem a construção ‘se +
infinitivo’; foi percebida uma diminuição do seu uso (de 13% para 6%,
ao longo de todos os períodos), o que propicia o aumento das
construções ‘se + infinitivo’.
g) combinação do uso das formas pronominais: I (a gente / nós), II (a
gente / eles / nós), III (nós), IV (nós / eles), V (nós / eles / a gente /
você). Na atualidade, em alguns casos há correferência com o sujeito
da oração principal, permanecendo as formas nulas.
Quanto à questão do ‘se + infinitivo’, a autora dedica mais espaço para
tratar da sua manifestação, uma vez que ele é encarado como variável para
análise no programa Varbrul. Pelo menos duas constatações são feitas para
essa construção: “a) os contextos regidos por preposição foram os que mais
favoreceram a presença do ‘se’ diante de infinitivo em todos os períodos; b) ao
longo dos anos, houve um alargamento dos contextos favorecedores do uso de
‘se’ com infinitivo” (p. 75). Segundo a autora, o uso do ‘se’ nas infinitivas segue
o curso ‘natural’ da sintaxe brasileira e não a tendência para o uso da ênclise.
Assim, há o fechamento desse trabalho, baseado na análise do comportamento
das formas de indeterminação do sujeito mais comuns e sua manifestação na
língua escrita formal.
59
III. 2.4 A visão da variação e da mudança
Para enriquecermos esse capítulo, buscamos analisar o estudo,
realizado por Lopes (1993), que não trabalha exclusivamente com a questão do
SN indeterminado, mas enfatiza o uso de ‘nós’ e ‘a gente’ na fala culta de 3
capitais (Rio de Janeiro, Porto Alegre e Salvador); no total, são 18 informantes,
dos sexos masculino e feminino, com formação universitária completa, nas 3
faixas etárias, em entrevistas do tipo DID (informante/documentador) do
Arquivo Sonoro do Projeto NURC/Brasil. A pesquisadora faz um embasamento
teórico funcionalista e utiliza também a análise variacionista laboviana para
chegar aos resultados.
Inicialmente, há um ‘passeio’ pelos gramáticos que definem o item ‘a
gente’: de um lado, a autora cita Said Ali e Chaves de Melo, defendendo a idéia
de pronome indefinido; do outro lado, Cunha e Cintra, Bechara e Almeida
defendendo-o como pronome de tratamento. A autora opta por identificar esse
item com o que Benveniste (1988) afirma acerca da não-pessoa, que é a 3ª
pessoa; o termo ‘a gente’ pode incluir ele mesmo, o ouvinte e a não-pessoa.
Há também um respaldo no que Pottier (1978:191-192) afirma sobre
‘nós exclusivo’ (determinação qualitativa ou quantitativa do referente – nós
mesmos, nós quatro, nós outros) e ‘nós inclusivo’ (noção global, genérica –
nós todos). Lopes esclarece que ‘nós’ não é plural de ‘eu’, porque a noção de
‘nós’ não é ‘eu + eu’. Enfatiza também a proposta de Câmara Jr. (1983) para
ampliação em 6 pessoas gramaticais, em vez das 3 postuladas pela gramática
tradicional.
Numa versão stricto sensu, a noção de pessoa restringe-se a ‘eu’
(pessoa que fala) e ‘tu’ (pessoa com quem se fala); ‘ele’ se situaria fora da
interlocução. Na versão lato sensu, a noção de pessoa é expandida para ‘eu’,
‘tu’, ‘nós’ e ‘vós’, ou às variações ‘eu’, ‘você’, ‘a gente’, ‘vocês’, pessoas fora da
alocução, que assumem o caráter ampliado e indeterminado do elemento alia.
O enfoque vai recair, logo após, sobre trabalhos variacionistas: Freitas et
alii (1991), influenciados por Benveniste, e Rollemberg et alii (1991), que
estudam a fala culta de Salvador nas variáveis ‘categoria de texto’ e ‘faixa
etária do informante’. Então, há um retorno à questão da não-pessoa, em que a
autora afirma que ‘a gente’ e ‘você’ partilham essa categoria por causa de
60
aspectos estruturais, isto é, tanto uma como a outra forma apresentam
ausência de desinência, tendo, portanto, uma forma impessoal.
Lopes começa a análise do corpus através do discernimento de uma
caracterização das áreas semânticas que levaram o informante a contar
experiências pessoais, o que aumentou a chance de aparecimento de ‘eu, nós
e a gente’; quer dizer, houve uma seleção dos assuntos a serem tratados, e
isso facilitou o uso desses pronomes. Corroborando essa questão, ela cita
Labov, compreendendo que as motivações internas (estruturais) e externas
(sociais) em competição definem o uso de um ou outro fenômeno lingüístico.
Cabe ressaltar que a autora define o tipo de análise do programa
Varbrul, feita em peso relativo, deixando claro como funciona esse método. Ao
contrário de Cavalcante (1999), a autora, apesar de analisar as variáveis
dependentes29, foca seu olhar também nas variáveis independentes30, para
demonstrar de que modo elas influenciam as dependentes.
A primeira análise diz respeito ao paralelismo formal, visto como um
fenômeno de natureza funcional, no nível discursivo; para tal, o que passa a
ser considerado satisfatório é analisar uma série discursiva em um limite de 10
orações, sem interrupção do entrevistador, em que haja ocorrência de ‘nós’ e
‘a gente’. Para completar a análise, criou-se uma classificação dos enunciados
relativos ao fenômeno: R’ (1ª referência); I (forma isolada); N (forma
precedente ‘nós’); P (verbo na 1ª pessoa do singular sem sujeito explícito
precedente); G (forma precedente ‘a gente’); T (verbo na 3ª pessoa do singular
sem sujeito explícito precedente). O que se percebeu é que há probabilidade
bem maior para o uso de ‘nós’ quando havia sua presença na oração
antecedente; também foi percebido que a forma ‘a gente’ é usada com as
formas verbais que apresentam menor grau de saliência fônica – na forma
‘nós’, quanto maior a diferença entre singular e plural, maior a probabilidade de
seu uso.
29 Uso de ‘nós’ com verbo na 4ª pessoa gramatical, possibilidade de não-explicitação do ‘nós’, explicitação da forma ‘a gente’ com verbo na 3ª pessoa gramatical, ocorrência do verbo na 3ª pessoa sem a forma do sujeito ‘a gente’. 30
Referência, determinação de referentes, marcadores discursivos, saliência fônica, tipos de oração, orações, tempo verbal, tipos de discurso, sexo, faixa etária, cidade, eu-ampliado, identificação da forma antecedente no paralelismo, modalização
61
A autora salienta, após essa primeira análise, os aspectos inclusivo e
exclusivo dos itens: [+ determinado] é inclusivo, pois engloba ‘eu + não-eu / eu
+ você’, ou seja, o falante e um interlocutor; [± determinado] é exclusivo, pois
abarca ‘eu + ele/ela ou eles/elas (não-pessoa)’; [- determinado] é genérico, pois
engloba ‘eu + não-eu + não-pessoa’ ou ‘eu + você (s) + ele (s)/ ela (s)’. Diante
disso, ela afirma que “o falante utiliza preferencialmente o pronome nós: 1)
para se referir a ele mesmo e mais o interlocutor (eu + não-eu : eu + você / eu
+ vocês); 2) quando faz referência a eu + não-pessoa (eu + ele / eu + eles)” (p.
44).
Há um retorno à questão da saliência fônica, em que se afirma, com
respaldo em Fernandes e Gorski (1986) e Omena (1986), que as formas mais
marcadas favorecem o ‘nós’, enquanto as formas não-marcadas (ou menos)
favorecem o ‘a gente’; da mesma forma, esses autores afirmam que o futuro e
o pretérito perfeito seriam os tempos que mais favoreceriam o ‘nós’. Através de
sua análise, Lopes confirma que o pretérito perfeito está mais ligado ao ‘nós’
do que o futuro (94% de incidências desse tempo verbal).
Começa-se, então, a delinear o ambiente propício para o uso do ‘nós’:
narração com referente [+ determinado], [+ tempo], [+ saliente]; o ambiente
para o ‘a gente’ seria descrição com referente [- determinado], [- tempo] e [-
saliente]. Além disso, há uma maior ocorrência de ‘nós’ em orações
coordenadas; na variável ‘modalização’, percebe-se que a forma ‘a gente’
prevalece, enquanto nas situações em que o falante expressa sua opinião há
favorecimento para ‘nós’.
Dentro da variável ‘sexo’, há a percepção de que os homens utilizam
mais a forma padrão ‘nós’ (69%) em vez de ‘a gente’ (31%); as mulheres
utilizam ‘nós’ para marcarem sua opinião e também o utilizam em referência a
um grupo limitado de pessoas. Na fala culta, o uso de ‘nós’ é feito pelos mais
idosos; os mais jovens utilizam a forma inovadora ‘a gente’, sendo que o maior
índice de uso dessa forma ocorre no Rio de Janeiro. Com relação à variável
‘eu-ampliado’, o maior grau de amplitude do ‘eu’ favorece a presença da forma
‘a gente’ e o menor grau privilegia ‘nós’.
A estudiosa termina seu trabalho enfatizando o aumento gradativo do
uso de ‘a gente’ no português falado nas três capitais, apontando para uma
possível mudança no quadro pronominal do PB, mas deixa bem claro que a
62
questão desse uso não está ligada ao nível de escolaridade, já que são os
mesmos fatores lingüísticos que atuam no uso de um ou outro item.
III. 2.5 A visão cognitivista
Os estudos cognitivistas acerca de SNs indeterminados voltam-se para a
visão ampliada da dêixis, que passa a ser vista também como uma categoria
passível de escalarização. Anunciação (2009), ao trabalhar a questão do ‘eu’
indeterminado em língua falada, especificamente sermões de um pastor
protestante, embasada nos pressupostos teóricos de Marmaridou (2000)
sobre dêixis pessoal, apresenta-nos a noção de dêiticos prototípicos e não-
prototípicos. O protótipo da dêixis pessoal seria o que já se estabeleceu em
estudos tradicionais, sob a roupagem da categorização radial, que apresenta o
centro dêitico (voltado para o falante, ‘eu’), enquanto o item periférico estaria
ligado à inclusão de outros elementos ; segundo a autora, o ‘eu’ indeterminado
seria um caso de dêitico não-prototípico, uma vez que não está se referindo ao
falante, ao Ego, mas a uma segunda pessoa, com quem se fala.
Dentro dessa abordagem, a autora trata da teoria dos espaços mentais e
da mesclagem conceptual como instrumentos de análise para o discurso em
questão. Um dos pressupostos teóricos da Linguística Cognitiva é enfatizado:
falar, através de qualquer forma, é entrar no universo da linguagem como
construção mental pertinente, abstrata, composta por espaços, elementos,
papéis e correspondências entre domínios.
Também somos informados a respeito da noção de função pragmática,
ligada ao estabelecimento de relações entre objetos de naturezas diferentes
por razões psicológicas, culturais ou pragmáticas, em que se observa a
referência a um objeto pelo aspecto do outro. Esse processo é embasado pelo
Princípio da Identificação: “Se dois objetos a e b estão ligados por uma função
pragmática F (b = F(a)), uma descrição de a pode servir para identificar seu
correspondente b” (p. 19).
A noção de MCI (modelo cognitivo idealizado) é apresentada como
estruturas que organizam o conhecimento humano; a composição do MCI
seriam necessidades, propósitos, valores e crenças compartilhados por
indivíduos; o fato de ser idealizado é explicado por não precisar se ajustar
63
perfeitamente ao mundo. Há a conceituação de espaços mentais e da
mesclagem conceptual, para que Anunciação apresente, enfim, o cerne da
questão, que diz respeito ao problema da dêixis pessoal no caso do SN
indeterminado.
A autora estabelece a ancoragem no falante como critério para a
interpretação semântica e pragmática da dêixis pessoal, uma forma de
especificar pontos no evento comunicativo. Ela afirma que os centros dêiticos
sofrem mudança à medida que os falantes mudam entre si; enfatiza também a
conceptualização da dêixis em termos de MCI31 e a interpretação da mesma
dentro dos esquemas imagéticos centro x periferia / proximidade x distância. A
questão da anaforicidade da terceira pessoa estaria ligada também à
característica dêitica desse elemento, apesar de essa pessoa do discurso ser
uma ‘pobre candidata’ a expressões dêiticas.
Após essa abordagem teórica, Anunciação apresenta os resultados de
dois estudos: o de Tea e Lee (2004), sobre referência e mesclagem em jogos
de computador, e o de Scamparini e Ferrari (2006), sobre os dêiticos de
pessoa, tempo e espaço em ocorrências reais (crônicas de João Ubaldo
Ribeiro), sob o enfoque cognitivista de espaços mentais e mesclagem
conceptual. Nesse último trabalho, há a noção de dêiticos polissêmicos,
interpretados pela informação contextual, o que permite que um dêitico
aparentemente prototípico seja analisado como não-prototípico pelo contexto
em que se encontra.
A análise de Anunciação é feita a partir de um corpus formado por
sermões de um pastor protestante (22 sermões, equivalentes a 35 horas de
fala, nos anos de 2006, 2007 e 2008). Dois diagramas são traçados para essa
análise: o primeiro retrata o diálogo real entre pastor e fiel; o segundo mostra o
diálogo virtual entre esses interlocutores, em que o pastor assume a
perspectiva de membro da igreja, através do ‘eu’ indeterminado. Nesse ponto,
a autora consegue deixar clara a conexão ocorrida no processo comunicativo,
em que a fala é do pastor, mas as crenças são do fiel.
31 O MCI da dêixis seria formado pelos seguintes elementos: ato de apontar / falante / ouvinte / cenário comunicativo / momento da comunicação.
64
III. 2.6 Considerações
Todos os trabalhos citados colaboram, de uma forma ou de outra, para o
assunto tratado nesta pesquisa, seja apontando o que já foi feito em relação ao
tema, seja mostrando as lacunas que ainda existem quanto à questão da
referencialidade do ‘nós’ indeterminado. O que percebemos é que a maioria
dos trabalhos, de forma direta ou indireta, tratou de respaldar o uso do SN
indeterminado na fala, enquanto pretendemos abordar esse uso na escrita
padrão, não levando em conta somente a posição de sujeito, mas assumindo
que em outras posições argumentais esse item também se comporta como
estratégia de indeterminação.
Após essa revisão crítica, pretendemos enfocar, dentro da perspectiva
da flutuação do ‘nós’ indeterminado em textos jornalísticos, os resultados
levantados por Cavalcante (1999) no que diz respeito ao percentual elevado de
‘nós’ em textos opinativos, o favorecimento do sujeito nulo pela manutenção do
referente, bem como a combinação do uso das formas pronominais. Quanto ao
estudo de Almeida (1991), interessa-nos principalmente os níveis de vaguidade
referencial (que não deixam de estabelecer uma flutuação referencial), o
tratamento do status do referente, bem como a manutenção desse referente ao
longo do texto.
Como já afirmamos, o que difere nossa proposição da pesquisa dessa
última autora é o reforço que acrescentamos no arcabouço cognitivista, em que
apresentamos a indeterminação como fenômeno ligado à mesclagem
conceptual – enquanto a referida autora apresentara esse fenômeno ligado
somente ao enfoque discursivo –, além de realizarmos uma análise de material
em língua escrita e não em corpus oral.
O trabalho de Cunha (1993), apesar de tratar sobre indeterminação,
acrescenta-nos pouca informação nova sobre o assunto, uma vez que trabalha
na visão da Análise do Discurso, que não é o objetivo do cognitivismo; além
disso, o pressuposto de que a percepção da indeterminação ocorre somente
nos critérios sintáticos, apresentado nessa pesquisa, não é amparado pela
Lingüística Cognitiva.
Lopes (1993) faz interseção com a presente pesquisa pela forma como
apresenta a noção de ‘nós exclusivo’ e ‘nós inclusivo’, tida como uma visão
65
funcionalista para o entendimento da vaguidade referencial de um item; a
distinção com esta pesquisa vai ocorrer na perspectiva da vaguidade, que para
a autora é estabelecida no nível textual/discursivo, enquanto para nós ela terá
abrangência maior, incluindo aspectos cognitivos da interação comunicativa.
O último trabalho analisado, o de Anunciação (2009), é de todos o que
mais se relaciona com a nossa pesquisa, uma vez que há pontos em comum:
uso da mesma abordagem teórica (espaços mentais, mesclagem conceptual) e
enfoque no problema da dêixis pessoal na indeterminação. Ressaltamos que a
autora trabalhou com a análise de corpus de língua falada, ao passo que, como
já afirmamos, nosso corpus é de língua escrita; esse diferencial aponta para o
fato de o objeto de estudo da mesma ter sido o ‘eu’ indeterminado (mais
recorrente na fala), enquanto nos ocupamos em trabalhar o ‘nós’ indeterminado
(mais recorrente na escrita).
66
III. 3. A QUESTÃO DA POLIFONIA
A noção de polifonia foi primeiramente tratada por Bakhtin (2003b), com
o objetivo de apresentar a multiplicidade de vozes a partir da amostragem de
consciências independentes com valores próprios, fazendo rejeição à unicidade
do sujeito falante. Ao se voltar para a questão do dialogismo na literatura,
especificamente na obra de Dostoievski, Bakhtin (2003b) ressalta o caráter
poliestilístico e polienfático do romance, em que a polifonia, tida como o pilar
dessa produção, representaria um rompimento do tecido narrativo, unificado e
íntegro, gerando uma total interação entre as várias consciências:
“A essência da polifonia consiste precisamente em que suas vozes
permaneçam independentes e como tais se combinem em uma unidade de
ordem superior em comparação à homofonia.” (Bakhtin, 2003:8)
O autor enfatiza que a coexistência de várias facetas do personagem e a
interação no processo comunicativo seriam ambientes favoráveis para o
surgimento da polifonia, bem como a própria polifonia, em um caráter cíclico,
geraria também esses elementos. As vozes presentes no texto seriam
representações das convicções e pontos de vista sobre o mundo,
representações estas que, segundo Bakhtin, só puderam ocorrer por causa da
vivência do homem ocidental32.
“São várias vozes que cantam de maneira diferente um mesmo tema. Esta
é, precisamente, a polifonia que descobre o caráter polifacético da vida e
da complexidade das vivências humanas” (Grossman, 1959 apud Bakhtin
2003:70)
Ressaltamos que, na análise da obra de Dostoievski, Bakhtin
preocupou-se com o conceito de polifonia no contexto dialógico da literatura,
enfocando a questão da consciência do herói dada como a consciência do
outro. Ducrot (1984) também aborda a questão, mas sob a ótica linguística, ou
melhor, sob a visão do papel dos interlocutores no discurso. Para isso, o autor
32 O autor defende a idéia de que a obra dostoievskiana foi determinada pelas contradições objetivas da época, geradas, em parte, pelo advento do capitalismo.
67
estabelece diferenças entre alocutário e auditor – os dois são receptores, mas
o primeiro refere-se a quem o falante se dirige e o outro pode ser o que ouve,
mas necessariamente não está envolvido na interlocução. A polifonia pode
apresentar-se no nível do locutor e no nível do enunciador; é criado um
contexto para explicar essa questão: quando o falante A produz um enunciado
em que expõe a ideia do falante B, há uma pluralidade de vozes diferentes
sendo sustentadas por um único locutor, em que os recursos mais frequentes
são a apelação à autoridade, a ironia e a concessão. Em um enunciado como
“A crise chegou ao Brasil; segundo B, a taxa de desemprego é uma das
maiores nos últimos cinco anos”, a fala de B é um recurso de apoio àquilo que
A não quer afirmar sozinho.
Quando Ducrot menciona a apelação à autoridade, há o objetivo de
apresentar a ‘autoridade polifônica’ presente em determinados enunciados; a
analogia é feita com o teatro, em que os enunciadores são pessoas
apresentadas pelo enunciado como autores/atores desses atos. O mecanismo
geral da autoridade polifônica, ligado à argumentação, apresenta duas etapas:
- O locutor L mostra um enunciador (ele mesmo ou outro), que asserta
determinada proposição P, isto é, L introduz em seu discurso uma voz – que
não é necessariamente a sua – responsável pela asserção de P.
- L baseia nesta 1ª asserção uma 2ª, que está ligada a outra proposição,
Q. Isto significa duas coisas: por um lado, o locutor identifica-se com o sujeito
que asserta Q; por outro lado, fundamentando-se em uma relação lógica entre
as proposições P e Q, concorda-se que a verdade de P faz com que a verdade
de Q seja necessária ou, em todo caso, provável. Em suma, P acarreta Q.
Exemplificando: no enunciado “Parece que o fim de semana vai ser
chuvoso; o serviço de metereologia anunciou que teremos chuva até a semana
que vem”, a proposição Q (“Parece que o fim de semana vai ser chuvoso”) está
ligada à asserção P (“o serviço de metereologia anunciou que teremos chuva
até semana que vem”), ou seja, Q existe somente porque P possui condição
de verdade para todo o enunciado; a relação lógica “Se P, Q” é o parâmetro
para essa asserção.
68
IV. METODOLOGIA
Para a realização da análise de dados, selecionamos textos de opinião
de duas seções do jornal O Globo – Opinião e Segundo Caderno. O período
para seleção foi de março de 2008 até a primeira semana de janeiro de 2009;
foram 310 exemplares pesquisados para escolhermos 50 textos. O critério de
seleção era a presença do SN ‘nós’ indeterminado, independentemente de sua
função sintática e de sua posição ao longo do texto. De cada 6 textos, 1 tinha o
SN ‘nós’ indeterminado; portanto, observamos um percentual aproximado de
16% de textos que apresentavam as características desejadas.
Após essa primeira etapa, partimos para o levantamento da cadeia
referencial, que consistiu em montar a teia de itens correferentes ao SN ‘nós’;
organizamos esses itens na ordem em que apareciam no texto, para deixar
clara a progressão referencial. Destacamos o contexto lingüístico em que tais
elementos ocorriam, descartando, para efeitos de representação da cadeia, a
repetição de elementos, pois entendemos que esse fato era meramente uma
questão de recurso do escritor para gerar ênfase na pessoa do discurso
apresentada.
Depois da formação da cadeia referencial, o próximo passo foi separar
os elementos apresentados, verificando a questão do contexto em que
estavam inseridos para fazer uma categorização mais próxima dos objetivos
dessa análise, que são:
(a) verificar, via espaços mentais e esquema de mesclagem conceptual,
a flutuação referencial nas cadeias formadas, observando a
manutenção do referente através de ancoragem em elementos
inferíveis textual e situacionalmente;
(b) apresentar dados lingüísticos relevantes que comprovem essa
flutuação, a partir da análise da distribuição das estratégias
canônicas e não-canônicas de indeterminação, dos introdutores da
cadeia referencial, bem como da formação em si da mesma.
69
IV. 1. ANÁLISE DOS ESPAÇOS MENTAIS E DAS MESCLAS
A teoria dos espaços mentais, que é uma poderosa teoria de
referenciação, consegue suprir a análise dos processos comunicativos on line
na medida em que também é essencial para interpretar uma situação
comunicativa escrita.
Para analisarmos os SNs [± indeterminado] na cadeia referencial,
enfocando o ‘nós’ e suas representações, faremos uso dos pressupostos de
que há diversos planos epistêmicos como resultado do desdobramento do
discurso e de que a manifestação lingüística de um SN não é suficiente para
relacionar esses planos (Salomão, 2003:76). Por isso, há necessidade do uso
de esquemas de projeção dos elementos enunciados, permitindo que um
elemento se ancore em outro, numa relação de função/valor.
IV. 1.1 A instabilidade na projeção de domínios
No exemplo trabalhado por Salomão (2003), “Aí eu descobri que ela era
ela”, o elemento ‘ela’ do espaço-base é projetado no domínio conceptual da
descoberta, em que o segundo elemento ‘ela’ recebe o valor do primeiro. Mas
nem sempre essa projeção seguirá uma paridade. No trecho a seguir,
percebemos essa diferença:
“As pessoas me1 falam muito: “Escreve sobre cinema...” Pois bem – __2
vamos a isso. Outro dia, __3 recebi o DVD de um filme de Quentin Tarantino,
que __ i 4 não tinha visto...”
(Jabor, O Globo, Não se sabe mais o que é filme bom ou ruim, 11/11/2008 –
grifos nossos) 1 pronome ‘me’ (1ª p.sing.) / 2 ‘nós’ oculto (1ª p. pl.) / 3 ‘eu’ oculto (1ª p.sing.) /
i 4 ‘eu’ oculto (vestígio)
A referência indeterminada nesse trecho ocorre na sentença “vamos a
isso”, em que o ‘nós’ oculto abre uma possibilidade de interpretação para ‘eu +
pessoas que me falam + leitor’; há uma relação anafórica com o elemento ‘me’
e uma catafórica com o ‘eu’ oculto.
70
No primeiro caso, há a não-inclusão das entidades ‘pessoas que me
falam’ e ‘leitor’, mas existe ainda o elemento ‘eu’ para se ligar ao outro ‘eu’,
implícito no pronome ‘me’. No segundo caso, o ‘eu’ oculto se liga ao ‘nós’ pela
exclusão dos outros elementos (pessoas.../ leitor). Em termos de
representação dos espaços mentais, teríamos o seguinte:
Diagrama 1: Espaços mentais no trecho de texto “Não se sabe mais o que é bom ou ruim” (A23)
A relação entre os referentes, nesse caso, é mais complexa do que no
exemplo de Salomão: não se trabalha com o mesmo nível de indeterminação
nos elementos; pelo contrário, há uma gradação dos elementos na sentença,
desde o [- indeterminado], ‘eu’, até o [+ indeterminado], (nós). Obviamente, o
nível [+ indetrminado] dessa sentença não corresponde ao [+ indeterminado]
do texto. Construindo a cadeia referencial de todo o texto, notamos que há
elementos que alcançam o nível de indeterminação total, embora isso não
altere o processo de flutuação referencial no mesmo: me > (nós) > (eu) > se >
(nós) ~ espectadores > nós ~ seres humanos > (eu) ~Jabor escritor > nos
~ quem assiste a filmes de Godard > ∅∅∅∅ haver.
a
a3
a2
a1
b1
a = Jabor escritor
a2 = (nós) ~ Jabor cineasta /
crítico de cinema + as
pessoas + leitor
a3 = (eu) ~ Jabor
cineasta
a1
= me ~ Jabor cineasta / crítico de cinema
b = pessoas que falam
R
C
C = espaço ‘cinema como arte’
b
b2
71
Ainda sobre essa cadeia referencial, observamos o status do referente
inferível textualmente – no caso, (nós)/espectadores, nós/seres humanos e
nos/a nós/ quem assiste a filmes de Godard – e o status do inferível
situacional – (nós)/ pessoas + Jabor cineasta + leitor) – , que somente
transparece na representação do espaço mental, mas não pode ser apreendido
meramente pelos itens linguísticos no texto.
A seleção de referentes para o SN ‘nós’, que legitima o status desses
referentes, é percebida na representação da mesclagem conceptual, dentro de
uma análise mais específica da cadeia referencial. Como podemos observar,
há elementos que são interpretados somente quando um MCI específico é
ativado (o ‘assunto’ do texto). No caso do trecho analisado, o primeiro ‘nós’ é
um caso de termo genérico e também dialógico (cf. Scamparini, 2006), já que
coloca escritor e leitor interagindo; a consideração como genérico decorre da
inovação por conta da inserção da 3ª pessoa, ‘pessoas’. Para chegarmos à
conclusão de que esse ‘nós’ é formado pelos elementos ora citados,
precisamos entender o MCI instaurado no texto, que é o mundo do cinema; o
conteúdo desse MCI será vinculado ao conteúdo do MCI da comunicação
escrita. Então, teremos o seguinte:
72
cineasta •
espectadores •
produção de filme •
tempo presente •
• escritor
• leitores
• espaço textual
• dia da redação
• dia da leitura
• objetivo, intenção
Diagrama 2: Mesclagem do SN ‘nós’ indeterminado no texto de Jabor (com todos os elementos da mescla)
Ressaltamos que nosso foco de análise é a referência de pessoa; por
isso, isolamos os outros elementos dêiticos e trabalhamos somente com os
referentes ligados à 1ª pessoa do plural:
hoje
pessoas
lugar
tempo
aqui
nós
MCI de ‘mundo
do cinema’
MCI da comunicação
escrita
Frame de
diálogo/interação
comunicativa
Espaço genérico
73
cineasta •
espectadores •
• escritor
• leitores
Diagrama 3: Mesclagem do SN ‘nós’ indeterminado no texto de Jabor (somente com elementos da dêixis pessoal)
O termo camaleônico ‘as pessoas’ permanece manifestado no espaço
genérico, uma vez que o escritor abre o texto falando sobre o que, em geral, os
seres humanos a sua volta falam a seu respeito. A mescla de ‘nós’ é resultante
de dois inputs compostos de 1ª e 2ª pessoas.
Na cadeia referencial do texto analisado (A23), o elemento
indeterminador ‘se’, que ocorre logo após o ‘eu’ oculto, aparece acompanhando
um verbo epistêmico33; itens formados por verbo dicendi e alguns
epistêmicos34 mais o pronome se em geral são expressões formulaicas, isto é,
formas lingüísticas que abrem um discurso pautado no clichê, no lugar-comum.
No caso desse texto, a sentença amparada por essa expressão é “Não se sabe
33 Tipo de verbo factivo, isto é, verbo que tem a propriedade de pressupor que o fato expresso na oração completiva é verdadeiro (Neves, 2000:32). 34
A mesma autora afirma que em alguns casos o verbo epistêmico exerce a função de verbo de elocução.
pessoas
nós
MCI de ‘mundo
do cinema’
MCI da comunicação
escrita
Frame de
diálogo/interação
comunicativa
Espaço genérico
74
mais o que é bom ou ruim”, em que está clara a função de generalizar uma
opinião, apresentar um ponto de vista que é de consenso geral.
IV. 1.2 A variação de referentes
Sabemos que um espaço mental projetado apresenta o referente dentro
de uma situação nova, em que não somente a questão do tempo e do espaço
pode ser alterada, mas também a questão do próprio ‘ego’. Dessa forma,
observamos que em alguns textos ocorre aumento/diminuição do conjunto que
mantém, de alguma maneira, cadeia referencial com o ‘Ego’, o que na
gramática consideramos como um processo comum de coesão textual, isto é, o
uso de palavras diferentes para referendar o mesmo item. Mas também ocorre
uma variação no que diz respeito à transposição de uma pessoa do discurso
para outra, de forma vinculada, isto é, em que no caso de dois itens o segundo
‘carrega’ informações do primeiro, além das suas. Para exemplificar, tomamos
o seguinte enunciado:
O brasileiro passa por muitas dificuldades atualmente. Somos muito guerreiros.
A vinculação do SN ‘nós’ à forma nominal ‘o brasileiro’ ocorre por
questão de contexto; temos noção de que esse tipo de enunciado só tem essa
vinculação quando pronunciado por um interlocutor brasileiro ou que se
considere como tal. Se não houver esse contexto, as duas sentenças são
consideradas isoladamente.
Então, no enfoque de vinculação do pronome de 1ª pessoa com a forma
nominal, percebemos que o SN ‘nós’ é inclusivo, uma vez que abrange o
falante e destinatários específicos, ou seja, os brasileiros. A forma nominal ‘o
brasileiro’ é, na verdade, uma estratégia metonímica para designar espécie (o
todo pela parte), embora entendida aqui como um grupo específico em relação
às outras nacionalidades.
Permanecendo nesse raciocínio, apresentamos o trecho de um dos
textos, para verificarmos a variedade referencial criada pelo escritor:
75
“Conheci prostitutas sem o menor sentimento de vergonha
(sim...sim...eu também já errei, irmãos...). Uma delas deu-me uma aula de
vida: “Eu sou duas. Uma é real, e a outra é secreta. Só que eu não sei qual é
a secreta e qual a real”. Exatamente como o governador.
Havia no velho freguês de bordéis uma vaga fantasia de recuperação das
“infelizes decaídas”. No ar dos prostíbulos flutuava a tristeza de um amor
impossível. Havia uma repulsiva “bondade” nos fregueses d’antanho, para
aplacar a própria vergonha do delito.
‘Por que você caiu nessa vida?” – perguntavam os hipócritas bordeleiros,
antes do ato, se purificando.
“Ah... meu noivo me fez mal, meu pai me expulsou...” – gemia
falsamente a rapariga. “Por que não larga esta vida?” – sussurrava o
canalha, superior e sinistro, tirando a roupa.
Por essas e outras é que elas se apaixonavam pelos cafetões boçais,
que as espancavam com jubilosas bofetadas.
Hoje elas te olham de igual para igual, ou melhor, com uma sutilíssima
superioridade: fingem humildade, mas tiraram de nós o maior prazer, que
era o sentimento de pureza moral em uma folga passageira – turistas limpos
viajando no bas-fond. Hoje elas são malhadas, aerodinâmicas, sadias.
Não sentem nada por nós: talvez algum “nojo” – os sujos somos nós.”
(“O governador que caiu e sua ‘decaída”, Arnaldo Jabor, Segundo Caderno,
O Globo, 18/03/2008)
Inicialmente, podemos representar as seguintes projeções ocorridas
nesse trecho:
76
Diagrama 4:Espaços mentais no trecho do texto “O governador que caiu e sua decaída”
Dentro do esquema criado, podemos tecer considerações a respeito da
mudança de referente ao longo do enunciado, que se resume da seguinte
forma: o referente de 1ª pessoa é vinculado à 3ª pessoa, depois é amparado na
2ª pessoa até se transformar numa 1ª pessoa plural.
Entendemos que a interpretação da indeterminação não está somente
no enfoque do discurso, mas pode ser percebida no processo de mescla.
Assim, observamos que a oscilação nas pessoas do discurso gera uma
mesclagem, em que elementos se interpõem de forma inclusiva ou exclusiva,
isto é, a pessoa do discurso, no caso do trecho apresentado, varia, gerando
uma mesclagem em que percebemos a exclusão da 1ª pessoa e do ouvinte
através do uso da 3ª (“Havia no velho freguês de bordéis uma vaga fantasia de
recuperação das ‘infelizes decaídas’ “), a inclusão do ouvinte pelo uso do
pronome típico de 2ª pessoa (“Hoje elas te olham de igual para igual“) até
obtermos a inclusão de todas as pessoas pelo uso do ‘nós’ genérico (eu +
a
a3
a2
a1
b
a = Jabor escritor
a3 = te → freguês da atualidade
b1
= velho freguês de bordéis
a4 = nós (eu freguês
+ freguês da
atualidade + velho
freguês de bordéis +
leitor)
a1
= eu (freguês)
b = velho freguês de bordéis ~
fregueses d’antanho ~ hipócritas
bordeleiros ~ o canalha
R C
C = espaço ‘relação entre
fregueses e prostitutas’ b1
a2
= velho freguês de bordéis ~
fregueses d’antanho ~ hipócritas
bordeleiros ~ o canalha
a4
77
velho freguês •
freguês atual •
• escritor
• leitores
leitor + velho freguês de bordéis + freguês da atualidade) – “fingem humildade,
mas tiraram de nós o maior prazer”. O ‘típico’ pronome de 2ª pessoa, ‘te’,
nesse contexto, constrói a coerência da cadeia referencial, uma vez que tem
caráter inclusivo com valor de 1ª pessoa, servindo para aproximar o sujeito do
autor. O uso do mesmo caracteriza uma certa ‘intimidade’ entre escritor e
leitor.
Rocha (2006) conclui que o ‘nós’ sempre ocorre após o uso do SN
‘eles’, onde se ancora. No trecho analisado, notamos que há uma vinculação
do SN ‘nós’ ao pronome de 3ª pessoa, entendido como ‘ele’, mas esse dado
não corrobora o apresentado por Rocha, já que o nível de indeterminação
desse pronome no plural difere muito do mesmo no singular. Apesar disso,
podemos visualizar outros processos, como a mesclagem ocorrida na
passagem da 2ª (te ~ freguês da atualidade) para a 1ª pessoa (nós), no 6º
parágrafo do texto:
Diagrama 5: Mesclagem do SN ‘nós’ indeterminado no trecho do texto “O governador que caiu e sua decaída”
pessoas
nós
MCI de ‘relação
freguês-prostituta’
MCI da comunicação
escrita
Frame de
diálogo/interação
comunicativa
Espaço genérico
78
Esclarecemos que, nesse caso, antes de ocorrer a mescla para o ‘nós’
genérico, houve outros processos de mesclagem entre a 1ª e a 3ª pessoas (eu
→ velho freguês de bordéis), entre a 3ª e a 2ª pessoas (velho freguês de
bordéis → te) e no liame da 2ª para a 1ª do plural, esse último mostrado no
esquema acima. Os processos anteriores ao apresentado na integração
conceptual não serão esquematizados, pois nosso enfoque está na mesclagem
que apresenta o ‘nós’ como estrutura emergente e não outros SNs.
IV. 1.3 A vinculação da 3ª pessoa ao SN ‘nós’ indeterminado
Outro fator interessante no processo de mesclagem conceptual
observado no corpus refere-se ao aparecimento de uma 3ª pessoa que só é
vinculada ao SN ‘nós’ no final do texto. Observamos esse fenômeno no texto
“Flora, que amamos odiar” (Arnaldo Jabor, Segundo Caderno); para
demonstrá-lo, utilizaremos trechos do texto com suas respectivas projeções de
espaços mentais:
“A extrema maldade de Flora na novela ‘A favorita’ nos faz indignados e
fascinados. Patrícia Pillar está dando um show, como também Glória Pires
fez no passado com Maria de Fátima em ‘Vale tudo’, que iniciou a leitura da
psicopatia brasileira. Ela está em toda parte, na política principalmente, na
busca louca do sucesso e na fuga do anonimato e em sua decorrência: o
crime. Antigamente, nos romances e filmes, nos identificávamos com as
vítimas; hoje, nos fascinamos com os vilões. Não torcemos mais pelos
mocinhos – torcemos pelos bandidos. Por quê? Bem, porque os psicopatas
são o nosso futuro, a vida moderna nos levará a isso. Pensem no último
Coringa do ‘Batman’, interpretado pelo falecido Heath Ledger.
Diante dos cadáveres, da miséria, do cinismo, somos levados a endurecer o
coração, endurecer os olhos, a ser cínicos em busca de um funcionamento
‘comercial’. Do contrário, seremos descartados, tirados ‘de linha’ como um
carro velho. A sociedade está parindo legiões de psicopatas, muitos
disfarçados de chiques ou lights.”
79
Diagrama 6: Espaços mentais no trecho do texto “Flora, que amamos odiar”
∗
Nesse esquema, claramente constatamos que ainda não há uma
vinculação entre o SN ‘nós’ e a 3ª pessoa, e esse dualismo é perceptível ao
longo de todo o texto, assim como o ‘afunilamento’ para a junção desses dois
elementos, através de uma concatenação de ideias que colaboram para essa
fusão. A partir do penúltimo parágrafo, percebemos nitidamente esse
afunilamento de ideias:
“Antes, os psicopatas tocavam num mistério que não queríamos conhecer.
Tínhamos medo deles. Hoje, temos que competir com os psicopatas, que em
geral nos vencem, com sua eficiência, rapidez e falta de escrúpulos.
Estamos vendo que essa antiga doença vai acabar virando uma ‘virtude’ no
futuro.
a
a3
a2
a1
b
a = Jabor escritor
a3 = (nós) → seres da vida moderna
b2
= bandidos ~ psicopatas
a4 = a sociedade
b3
= psicopatas
chiques ou light
a1
= nos → (eu + brasileiros)
b = Flora
R
C
C = espaço ‘situação de
psicopatia da sociedade
brasileira’* b
2
a2
= (nós) → as pessoas que lêem
romances ou veem filmes
b1
= Flora ~ vilões
a4
b3
b1
80
Ficou arcaica a ideia de compaixão, e um dia seremos tocados pela graça da
insensibilidade. Como os psicopatas. Temos de esfriar o coração para viver
no Brasil. Por enquanto ainda falamos ‘Que horror!’, mas um dia chegaremos
a um coração perfeitamente frio. Um dia seremos todos psicopatas.”
O elemento lingüístico que promove a vinculação é a sentença “Como os
psicopatas”, que, dentro de um mecanismo de coesão seqüencial, permite a
interpretação do SN ‘nós’ como ‘psicopatas’. Dentro da representação de
espaços mentais, temos o seguinte processo35:
Diagrama 7: Espaços mentais que apresentam a vinculação do SN ‘nós’ indeterminado à terceira pessoa
∗
O tracejado na segunda projeção representa exatamente o espaço
projetado pela sentença citada acima; existe uma vinculação que é
concretizada na fusão ocorrida na última sentença: “Um dia seremos todos
psicopatas”. Obviamente percebemos a projeção de um espaço-tempo
hipotético, a partir do space-builder ‘Um dia’, mas não detalharemos a respeito
∗ Entendemos que para a projeção desse espaço já ocorre uma mescla de dois espaços: o
espaço da telenovela e o espaço da sociedade brasileira. 35 Estamos considerando o esquema apresentado como uma continuação da cadeia referencial de todo o texto, por isso os elementos aparecem com uma projeção numérica alta, já que ao longo do texto houve flutuação dos mesmos. Por conta disso, não vimos necessidade em retomar o espaço-base para a criação do esquema.
a18
a17
a16
b6
a18
= (nós) ~ psicopatas
a16
= (nós) → seres humanos
b6= os psicopatas
C
C = espaço ‘situação de
psicopatia da sociedade
brasileira’
a17
= (nós) → brasileiros
b7
= os psicopatas
b7
81
o brasileiro •
o psicopata •
• escritor
• leitores
dessa questão, uma vez que nossa perspectiva é a análise dos elementos
dêiticos que representem pessoa e não tempo.
Através da análise do processo de mescla, percebemos a fusão dos
elementos, iniciada na projeção intermediária e realizada plenamente na última
projeção:
Diagrama 8: Mesclagem do SN ‘nós’ indeterminado no trecho do texto “Flora, que amamos odiar”
Certamente não foi realizada uma análise exaustiva no corpus, mas
preferimos manter as sequências analisadas, por percebermos que elas
apresentam fenômenos relevantes para o entendimento da flutuação
referencial do SN ‘nós’ indeterminado, bem como dos aspectos textuais que
colaboram para a ocorrência dessa flutuação.
pessoas
nós
MCI de ‘situação de
psicopatia na
sociedade brasileira’ MCI da comunicação
escrita
Frame de
diálogo/interação
comunicativa
Espaço genérico
82
IV. 2. ANÁLISE DAS ESTRATÉGIAS LINGUÍSTICAS
O objetivo desse tópico é mostrar, através de levantamento de dados
linguísticos, de que modo as formas de indeterminação estão distribuídas,
assim como confirmar se a introdução ocorrida na cadeia referencial se dá pelo
mesmo tipo de item lingüístico. A partir dessas impressões, identificaremos a
estrutura da cadeia referencial, traçando parâmetros suficientes para a
comprovação da tendência flutuante da indeterminação no corpo de um texto.
IV. 2.1 Distribuição das formas de indeterminação
Como já afirmamos, dentro da análise das estratégias lingüísticas,
interessam-nos as questões referentes ao tipo de estratégia de indeterminação
utilizado ao longo dos textos e aos resultados já levantados em outros estudos
(cf. Cavalcante, 1999; Almeida, 1991; Lopes, 1993; Duarte et al, 2003),
sintetizados abaixo:
(a) O predomínio do SN ‘nós’ em textos de opinião;
(b) Variedade nas formas de indeterminação;
(c) O aparecimento da formação ‘se + infinitivo’ dentro da cadeia;
(d) A preferência pelas formas na ordem você > zero > a gente > nós >
eu de indeterminação;
(e) O favorecimento do sujeito nulo pela manutenção do referente;
(f) Os diferentes graus de vaguidade do item indeterminado;
(g) A combinação das formas pronominais nós / eles / a gente / você,
apontada como tendência em textos jornalísticos do século XX;
(h) Tendência do falante para o uso do ‘nós’ inclusivo (eu + não-eu / eu
+ você(s)) e do ‘nós’ genérico (eu + não-pessoa).
Seguindo a ordem dessas questões, fizemos o levantamento dos itens
para (a), em que levamos em conta somente as formas pronominais pessoais
comuns, e obtivemos o seguinte resultado:
83
Tabela 2: Distribuição das estratégias pronominais de indeterminação nos textos de opinião
Você A gente Se Nós TOTAL Opinião 04 07 30 53 94 Segundo Caderno 01 14 12 86 113 TOTAL 05 21 42 139 207
Os dados apresentados não mostram grande discrepância dos obtidos
por Cavalcante (1999), mas ressaltamos a questão da ocorrência do clítico ‘se’
nos textos, bem abaixo do resultado apresentado em outros estudos (cf. op.cit;
Duarte et al, 2003). Segundo os resultados das autoras citadas, o pronome ‘se’
configurou uma curva ascendente no seu uso, em períodos de tempo
diferentes (décadas de 60, 70, 80 e 90), ao mesmo tempo em que o pronome
‘nós’ com referência definida perdeu espaço nesses mesmos períodos.
Quanto à questão (b), o levantamento feito comprova que há uma
variedade nas estratégias de indeterminação, percebida na diversidade de
grupos formados:
1º GRUPO – estratégias pronominais – subdividido em pronomes
pessoais36 (pessoa no discurso) e pronomes indefinidos37 (pessoa fora do
discurso):
• Pronomes pessoais
“A camisinha nos exclui, nos faz ridículos, com o pênis encapotado como um
cachorrinho de suéter. Com a camisinha, você é o perigo venéreo; ela, a saúde.”
(A01)
“Portanto, somos nós que gestamos e recompensamos os carcarubus e deixamos
nosso governo nas mãos deles (...)” (B11)
• Pronomes indefinidos
“(...) todos nascemos velhos (...)” (A08)
36 Consideramos dentro desse grupo o item ‘a gente’, uma vez que concordamos que o mesmo está em processo de inserção no quadro pronominal do PB (cf. Lopes, 1999). 37
Também foi considerado nesse grupo o item ‘todo mundo’, por abarcar a ideia de indefinitude, além de ser uma expressão cristalizada.
84
“Muitos lamentavam por só agora terem descoberto tanta beleza, e não por falta de
aviso.” (B09)
2º GRUPO – estratégias substantivais – formado pelos itens que
possuem a estrutura ‘(det) + SN + (espec)’:
• (det) + SN:
“A sociedade está parindo legiões de psicopatas, muitos disfarçados de chiques ou
lights.” (A15)
“(...) e cada cidadão busca o veículo cuja massa de informações melhor
corresponder a suas necessidades e interesses pessoais.” (B23)
• SN + (espec)
“Havia uma repulsiva “bondade” nos fregueses d’antanho, para aplacar a própria
vergonha...” (A01)
“São números que para a sociedade brasileira têm o sentido terrível de crítica
irrespondível de um interlocutor implacável.” (B04)
3º GRUPO – estratégias verbais – formado pela estrutura ‘∅ + infinitivo’:
“E de qualquer maneira é preciso conviver com o dado concreto das pesquisas.”
(B06)
“E talvez dentro do absurdo e da loucura, enxergar a vida que ainda não foi sufocada
pela tempestade de imagens.” (B21)
Quanto ao 1º grupo, esclarecemos que encontramos os seguintes
elementos nos textos: você, nós, a gente, todo mundo, ninguém, alguém,
quem (e variantes) e todos.
Com base nessa divisão, podemos apontar uma distribuição que
considera as formas alternativas de indeterminação e não somente as
consideradas canônicas para análises linguísticas:
85
Tabela 3: Distribuição das formas de indeterminação realizadas por outras estratégias na cadeia referencial dos textos
Estratégias pronominais Estratégias
substantivais
Estratégias
verbais
Nin
guém
Tod
os
Tod
o m
undo
Que
m (
e va
r)
Alg
uém
(det
) +
SN
+
(esp
ec)
∅ +
infin
itivo
TOTAL
Opinião 08 03 04 10 02 15 26 68
Segundo
Caderno
17 14 01 07 01 25 25 90
TOTAL
25 17 05 17 03 40 51 158
Observando essa distribuição, podemos perceber que as estratégias
mais utilizadas são as pronominais, com um percentual aproximado de 42%; as
estratégias verbais abrangem 32%, enquanto as substantivais mantêm 26%
das ocorrências.
Também observamos a presença dos pronomes nos (14 ocorrências) e
nossos(as) (16 ocorrências), em que o pronome possessivo serviria como
elemento de mudança referencial em todas as ocorrências, como no exemplo:
“Outro fator que ninguém parece conhecer (ou querer abordar) foi a abertura dos
nossos céus para as empresas americanas, durante o Governo Collor (...)” (A10)
“Também se afirmava que não havia possibilidade de se encenar musical aqui
porque nossos atores e atrizes não sabiam dançar e cantar num palco (...)” (B01)
Nesses casos, o pronome possessivo exerce a função de estabelecer
uma referência mais definida do que seu antecessor: na primeira sentença,
86
ninguém é a negação do determinado, enquanto na segunda o pronome se é o
que atinge o maior grau dentro da escala de indeterminação. Dessa forma, a
presença do possessivo serve para ancorar o referente indeterminado, para
que haja uma definição dessa vaguidade. Nos dois casos, o pronome
possessivo diz respeito a um ‘nós’ genérico, correspondente a ‘brasileiros’.
Quanto ao clítico ‘nos’, podemos constatar, como relatamos, 14
ocorrências em todo o corpus, sendo que descartamos os que aparecem
acompanhando o pronome ‘nós’, como reforço. Nessas ocorrências, o clítico
aparece em situações diversas:
- antecedido por construções infinitivas
“ (...) era preferível ∅ dormir com aquilo do que passar a noite em claro com a
cantoria dos insetos. Na escola nos falavam da febre amarela e da campanha
heróica de Oswaldo Cruz (...)“ (A02)
- antecedido pelo clítico se
“Como se sabe, as únicas pesquisas de opinião confiáveis são as que nos
favorecem.” (B04)
- antecedido por expressões substantivas (nesse caso, há um
distanciamento entre as expressões e o clítico)
“A sociedade está parindo legiões de psicopatas, muitos disfarçados de chiques ou
light. Nem todo psicopata esquarteja mulheres no parque. O livro ‘Mentes perigosas’,
da psiquiatra Ana Beatriz B. Silva, nos dá medo (...)” (A15)
- antecedido por pronome de 1ª pessoa do singular
“Eu o considero um mix: visionário do pragmatismo. Ensaio com ele um papo
desesperançado de carioca típico, mas Paulo revida e dispara várias ideias
animadoras, arquejante de fé, anulando meu sorriso desiludido que tanto nos
consola, justificando a depressão e o chope.” (A20)
Há outros casos, mas não serão tratados exaustivamente neste trabalho.
A questão (c) não obteve o resultado até então esperado, isto é, a
presença da construção ‘se + infinitivo’ nos textos. Cavalcante (1999) afirma
que o item predominante posterior a essa construção é a preposição. Em
nosso trabalho, encontramos a construção ‘∅ + infinitivo’, como estratégia de
indeterminação, sem a presença do pronome ‘se’, o que corrobora os
87
resultados da autora citada, em que há 81% de ocorrências com esse tipo de
construção, contra 13% da construção com ‘se’. Em nossa análise, entre as 25
construções encontradas no Segundo Caderno, 4 eram antecedidas pela
preposição (“dá vontade de sentar no chão” (A19) / “capaz de resolver” (A13) /
“para descobrir um Carnaval” (A7) / “há um desejo de fundar” (A7)). Mesmo
assim, ainda obtivemos um resultado relevante para essa construção, com
destaque para uma proporção maior nos textos da seção Opinião, uma vez que
são artigos de tamanho bem reduzido quando comparados aos da seção do
Segundo Caderno (enquanto um artigo desta última ocupa meia página do
jornal, o da primeira corresponde a 1/3 da página).
Quanto à questão (d), que propõe uma afirmação apresentada por Kato
e Tarallo (1986 apud Cavalcante, 1999) – maior freqüência das formas na
ordem você > zero > a gente > nós > eu –, percebemos que ocorre uma
discrepância, exatamente pelo fato de o trabalho desses autores ser feito com
um corpus oral, enquanto este é realizado com um corpus escrito. Pelo que foi
apresentado na Tabela 1, constatamos que a preferência nos textos de opinião
analisados é pela ordem nós > se > a gente > você, não havendo lugar
relevante para a marcação zero (só houve uma cadeia referencial38 que se
encerrou com a expressão ‘vai saber’, considerada por nós como zero).
A questão (e) foi validada a partir do levantamento dos SNs plenos e
nulos das cadeias referenciais:
Tabela 4: Distribuição do SN ‘nós’
Pleno Nulo TOTAL Opinião 11 42 53 Segundo Caderno
04 82 86
TOTAL 15 124 139
Nessa tabulação, há somente 11% de ocorrência do SN ‘nós’
indeterminado pleno, o que confirma a análise de Cavalcante (1999), em que
77% dos sujeitos indeterminados eram nulos. O que nos cabe destacar é a
questão da presença do pronome oblíquo plural de 1ª pessoa em 21 contextos,
38 Cadeia: moradores do Rio dos anos 1970 > a gente > mim > a gente > eu > (nós) > a gente
> colunista leigo > (eu) > VAI SABER – (A09)
88
sendo que em 12 deles aparece acompanhado da forma nula do pronome
pessoal. Há também o reforço do SN ‘nós’ a partir do uso do pronome
possessivo plural de 1ª pessoa (nosso/nossa), marcado por 15 ocorrências.
Também percebemos que verdadeiramente o SN nulo,
independentemente da função de sujeito, ajuda a manter o referente, mas não
deixamos de notar que há uma variedade de estratégias nominais sendo
utilizadas para manter o referente no texto.
Omena (1986 apud Lopes, 1993), através de uma pesquisa conjugada
de paralelismo formal e mudança de referência, constatou que a mudança da
forma está ligada à troca de referência. Dessa forma, quando o referente é
mantido, a probabilidade de nulidade do mesmo ao longo do texto é grande.
Percebemos em alguns trechos dos textos esse ‘princípio’:
“Portanto, somos nós que gestamos e ∅recompensamos os carcarubus e
∅deixamos nosso governos nas mãos deles, já que ∅preferimos ser platéia e nos
queixar e, enquanto ∅ não formos diretamente prejudicados, ∅ não passaremos
da satisfação pervertida de quem previu que as formigas iam estragar o piquenique
e de fato elas estragaram.” (B11)
No trecho, percebemos que há 1 SN ‘nós’ pleno e 6 nulos, para depois
ocorrer o aparecimento do indefinido ‘quem’. A manutenção do referente é
provocada pela presença do SN nulo.
Quanto aos diferentes níveis de vaguidade do SN indeterminado,
observamos que a variedade de referentes está ligada à variação do nível de
indeterminação apresentado pelos mesmos e a um processamento normal do
fluxo textual. No trecho abaixo, há uma perceptível mudança no nível de
vaguidade referencial, em que se observa o que Almeida (1991:147) afirmou: “
(...) é processo comum, durante o fluxo discursivo, que o falante introduza um
referente preciso, que embora entre com seus traços gerais, é determinado, e a
partir daí, vai generalizando “.
“E bateu-me a verdade brutal: não sofremos apenas a poluição da atmosfera:
a iconosfera, o universo de signos que nos dirigem e assolam, também é
irrespirável.” (A03)
89
“Toda vez que vejo uma vitória do Brasil no exterior, como a da atriz Sandra
Coverioni em Cannes, recebo a notícia como uma forra ao nosso complexo
de vira-lata a que se referia Nelson Rodrigues, que nos atribuía uma
irresistível tendência à autonegação” (B01)
A vaguidade de itens indeterminados é percebida sutilmente, mas a
partir do momento em que a cadeia referencial desses textos é formada,
percebemos de maneira mais enfática essa oscilação:
A03 me > (nós) > ∅ suportar > (eu) > nos > ninguém > (nós) B01 (eu) > nosso/nos > o brasileiro > (nós) > quem > eu > se > nossos > (eu) > minha/eu > se
Na primeira cadeia, há a introdução por um elemento determinado, que
alcança a indeterminação parcial através do SN elíptico (inferível textualmente
como ‘brasileiros’) e tem seu auge na indeterminação pelo forma infinitiva,
voltando à determinação da primeira pessoa. Há um ‘vaivém’ nessa cadeia,
corroborando a ideia de que um item nunca permanece completamente
indeterminado no texto, mas recupera sua referência através do ancoramento
em outro item mais determinado.
No caso da segunda cadeia, os níveis de vaguidade são mais variados,
já que temos a referência definida (pronome de primeira pessoa),
acompanhada dos elementos genéricos nosso/nos, vindo após a forma
nominal também genérica ‘o brasileiro’; há também, ao longo da cadeia, uma
gradação na vaguidade referencial, finalizada no indeterminador prototípico
‘se’.
Quanto à tendência para a combinação das formas pronominais nós /
eles / a gente / você, embora o elemento ‘eles’ não tenha sido nosso objeto de
análise, percebemos uma escassez de ocorrência do mesmo; a combinação a
gente / nós foi percebida em 14 cadeias referenciais, enquanto somente uma
cadeia referencial apresentou a combinação a gente / nós / você, a saber:
B05 se > ∅ tentar > eu > quem > a gente > ∅ lavar > você > (eu) > repórteres e eu > (nós) > (eu)/eu
90
Ainda assim, há um distanciamento entre a forma ‘você’ e o ‘nós’ oculto
(o primeiro encontra-se no 1º parágrafo, enquanto o segundo está no
3ºparágrafo). Quanto a ‘a gente’ e ‘você’, os dois elementos estão no mesmo
parágrafo:
“A gente diz que é acidente, muda de assunto, é chato lavar roupa suja na
rua, mas as perguntas continuam: “Por que não se faz nada contra uma
Assembléia Legislativa onde um em cada dois parlamentares é moralmente
suspeito?” Você alega que são “apenas” 47%, não é metade, e aí vem a
próxima questão: “O que é melhor para as favelas, os traficantes ou os
milicianos?” (B05)
A observação da tendência do falante para o uso do ‘nós’, no nosso
caso, vai ser a observação da tendência do escritor; o uso mais comum é do
‘nós’ genérico, embora o ‘nós’ inclusivo seja bem utilizado. De qualquer forma,
o pronome ‘nós’ em seu caráter mais prototípico (eu + pessoas determinadas
no texto) é o menos usado nos textos; observamos apenas 1 ocorrência para
esse item, em que consideramos que os elementos explicitados servem como
grupo para definir o SN:
“Em vez de um Big Bang, ∅teríamos um Big Slurp, que nos chuparia – você,
eu e todas as galáxias – para o nada, ou seja lá o que exista do outro lado do
buraco.” (B03)
Nesse caso, os termos ‘você’, ‘eu’ e ‘todas as galáxias’ servem para
determinar claramente o pronome oculto ‘nós’.
IV. 2.2 Formação da cadeia referencial
O foco desse aspecto da análise é a comprovação de que há padrões
diferenciados de construção da referência indeterminada em um texto de
opinião. Sabemos que uma cadeia referencial é formada por itens com níveis
diferenciados de indeterminação; o que não sabemos é o tipo de formação
mais utilizado, isto é, que padrão de flutuação referencial tem maior ocorrência,
91
assim como se o mecanismo de flutuação é o mais utilizado ou se os escritores
preferem manter a mesma escala de indeterminação ao longo do texto.
Pensando dessa forma, fizemos um levantamento em que nos
baseamos em níveis de indeterminação a partir do critério de centralidade
dêitica prototípica, isto é, a posição do Ego como centro dêitico na cadeia
referencial e sua inclusão nos elementos referenciais em análise. Então,
consideramos como nível zero de indeterminação o SN ‘eu’ (uma vez que no
material analisado não ocorre o ‘eu’ indeterminado), em que a pessoa do
discurso é claramente percebida; o nível 1 foi atribuído aos SNs ‘nós’ e ‘a
gente’, já que, além do ‘eu’, esses itens, dependendo do contexto lingüístico,
podem contar com a não-pessoa, o que dá um traço [+ indeterminado] para os
mesmos. O nível 2 foi relacionado à formação (det)+SN+(espec) (não levando
em conta, inicialmente, a distinção entre coletivo e genérico (cf. Souza, 2007)),
uma vez que o ‘eu’ se inclui, mas de forma diluída. O nível 3 é estabelecido
pelas formas pronominais indefinidas (ninguém, quem, alguém), bem como
pelo item ‘você’, já que essas formas excluem o ‘eu’ e mantêm a não-pessoa.
O nível 4 relaciona-se à construção ∅+ infinitivo, respaldado pela ausência de
desinência número-pessoal (DNP) nessa formação verbal; o nível 5, o ‘topo’ da
indeterminação, obviamente se relaciona ao clítico ‘se’, uma vez que a vasta
literatura na área dos estudos linguísticos já o elegeu como forma prototípica
de referência zero (cf. Cavalcante, 1999; Almeida, 1991; Duarte et al, 1993).
A partir desse critério, fizemos o levantamento dos 5 elementos que
iniciavam cada cadeia referencial39, em busca da percepção de oscilações nos
níveis de indeterminação desses itens. Notamos claramente que não ocorre
repetição de cadeia referencial, isto é, não há uma representação que seja
igual à outra, o que nos leva a pensar na riqueza de estratégias
indeterminadoras à disposição dos autores dos artigos. Notamos algumas
combinações que corroboram para a afirmação de que o SN ‘nós’
indeterminado é acompanhado do clítico ‘se’ – há essa combinação em 10
textos do Segundo Caderno e 3 da seção Opinião, representando 25% dos
textos.
39 Em alguns casos, para percebermos melhor a oscilação, aumentamos o número de elementos para análise.
92
É preciso ressaltar que em todos os textos analisados ocorreu
oscilação,40 o que confirma nossa hipótese de que um item pode ter entrada no
texto como indeterminado, mas vai, em algum ponto, fazer um ancoragem para
que sua referência seja determinada, voltando à posição de indeterminado
(muitas vezes, em outro nível de indeterminação).
Assim, para exemplificar, constatamos que, dos 6 textos em que houve
entrada de item com nível 4 de indeterminação, 5 apresentaram ancoragem na
primeira pessoa (nível zero), dos quais 4, antes de chegarem ao item
determinado, passaram pela indeterminação de nível 1 (no SN ‘nós’
indeterminado). O texto em que não ocorreu ancoragem na primeira pessoa
apresentou, apesar disso, ancoragem no ‘nós’ indeterminado.
Entretanto, houve textos em que a oscilação foi suave, quer dizer, itens
se mantiveram no mesmo nível de indeterminação em um trecho, embora
fossem referentes diferenciados. No caso da cadeia referencial do texto B23
(os brasileiros > todo mundo > quem > ninguém > cidadãos > cada cidadão > o
leitor/o espectador > o cidadão > todo mundo ~ mídia, organizações, cidadãos
comuns > (nós)), o nível 3 de indeterminação ocorre três vezes
seqüencialmente, a partir dos referentes ‘todo mundo’, ‘quem’ e ‘ninguém’.
Obviamente há discrepâncias na significação de cada referente – ‘todo mundo’
é mais generalizado, ‘quem’ é menos específico e ‘ninguém’ demonstra
negação completa – , mas não estamos levando em conta esse fator.
Nos textos em que houve oscilação brusca (22 dos 50 textos),
observamos a ocorrência do SN ‘nós’ como elemento de equilíbrio,
aparecendo logo após a mudança do SN [+ indeterminado] – clítico ‘se’ – para
o SN [ – indeterminado] – ‘eu’ determinado.
Cabe-nos, também, voltar nosso olhar para a questão polifônica inserida
pelo SN ‘nós’ indeterminado. Como já mostramos, a concepção desse SN às
vezes não se apresenta de forma clara no texto, mas pode nos dar o vislumbre
de que ‘voz’ é mascarada pelo enunciador. Mas nem sempre é esse SN isolado
que se responsabilizará pela polifonia do texto, uma vez que ela pode se
manifestar através dos outros elementos. Dessa forma, conforme o que afirma
Ducrot (1984), a polifonia se manifesta como um reforço da argumentação
40 Há a análise de todos os textos de opinião no Anexo desta pesquisa.
93
presente no texto; seria, assim, uma maneira de legitimar a fala do autor como
‘voz do povo’, ‘voz de um grupo de pessoas’.
Quando nos deparamos com alguns textos do corpus, percebemos
nitidamente o caráter polifônico inserido neles. Como exemplo, faremos a
análise do texto A12, “É proibido sofrer (Arnaldo Jabor)”. Em alguns excertos,
percebemos a presença de outras vozes, através do recurso de ‘mascaração’
do escritor:
→ voz popular, pensamento corrente entre os cidadãos brasileiros
→ voz do jornalista experiente
→ voz do brasileiro que tem ética
→ voz popular com traços de máxima
→ voz do homem pós-moderno, sujeito crítico
→ voz da pessoa deprimida por causa do ‘bode’ da pós-modernidade
→ voz de todos os seres humanos
Obviamente, não podemos separar as vozes nas sentenças, uma vez
que percebemos que elas ocorrem simultaneamente no texto, sem haver
espaço para uma distinção entre uma sentença e outra. As frases parafrásticas
em que percebemos esse fenômenos são as seguintes:
→ “O Brasil está se defrontando com o absurdo de sua estrutura
institucional.”
→ “Olho em volta e tenho de comentar o incompreensível” –
→ “Dentro da paisagem tenebrosa, somos obrigados a ser felizes”
→ “A infelicidade de hoje é dissimulada na alegria obrigatória”
→ “Só nos resta essa felicidade vagabunda fetichizada em êxtases
volúveis”
→ “Eu não quero nada”
→ “Somos de uma natureza incompleta, somos de vagas
potencialidades, e isso faz da vida uma luta constante em face do
desconhecido”
Em síntese, as vozes apresentadas nesse texto mostram uma oscilação
( voz do brasileiro > voz do jornalista > voz do brasileiro ético > voz popular >
94
voz do homem pós-moderno > voz do deprimido pós-moderno > voz dos seres
humanos ), em que há o início a partir de uma ‘máscara’ coletiva, que passa
pelo indivíduo até chegar ao generalizado. A parte final do texto apresenta as
vozes de grupos mais amplos, ou seja, o texto ganha um caráter existencialista
por conta da presença da voz mais global.
A ocorrência dessa vozes não é perceptível somente no texto analisado,
mas nos outros textos também, o que não nos causa surpresa, já que, como
afirma Turella (2008:1),
“o pressuposto maior da teoria ducrotiana é o de que a argumentação está
inscrita no sistema lingüístico, logo, realizando-se mais explícita ou mais
implicitamente em todos os discursos produzidos em uma dada língua.”
O que enfatizamos é o fato de que a polifonia é um fenômeno presente
nos textos analisados, com o objetivo de mostrar o ‘diálogo’ entre os sujeitos
presentes no texto. Como afirma Duarte (2003:20-1 apud Ramos, 2007:3):
“a linguagem deixa ouvir, numa voz, várias vozes. Designações como
heteroglossia, interdiscursividade, dialogismo, intertextualidade,
heterogeneidade, polifonia e outras afins recobrem fenómenos que se
aproximam uns dos outros, ou, inclusivamente, se sobrepõem.”
Cremos, conforme a autora, que esse fenômeno não ocorre solto e
sozinho, mas não é nosso objetivo tratar a respeito das implicações
fenomenológicas ligadas à polifonia.
IV. 2.3 Introdutores da cadeia referencial
Quando analisamos a flutuação das cadeias referenciais, percebemos
também uma certa ‘regularidade’ na formação inicial das mesmas.
Permanecemos no critério de nivelamento da indeterminação para chegarmos
aos resultados aqui apresentados.
Nos textos do Segundo Caderno, observamos os seguintes resultados
do primeiro elemento da cadeia:
95
Gráfico 1: Níveis de indeterminação do primeiro elemento da cadeia referencial
Segundo Caderno
Em relação aos textos da seção Opinião, pudemos observar o seguinte,
quanto aos níveis de indeterminação do primeiro elemento da cadeia
referencial:
Gráfico 2: Níveis de indeterminação do primeiro elemento da cadeia referencial
Seção Opinião
Apresentados de outra forma, observamos os seguintes fatores em
relação aos introdutores das cadeias referenciais:
• Segundo Caderno – a 1ª pessoa, ‘eu’, introduz 11 textos ; o pronome
‘nós’ nulo e pleno ocorre como introdutor em 7 textos; 1 texto é
introduzido por ‘se’ indeterminador; 1 é introduzido por pronome
indefinido; 2 são introduzidos por formas substantivais; 3 são
introduzidos por construção no infinitivo.
0
5
10
15
Nível4 e 5
Nível3
Nível1
Nível2
Nívelzero
Textos
0
5
10
Nível4 e 5
Nível3
Nível1
Nível2
Nívelzero
Textos
96
• Opinião – 7 textos são introduzidos pela 1ª pessoa, ‘eu’; 7 são
introduzidos por ‘nós’ nulo e pleno; 6 pelo pronome ‘se’; 3 pela forma no
infinitivo; 1 pela forma ‘a gente’; 1 pela forma substantiva.
O que percebemos é que há uma diferença nítida entre os níveis de
indeterminação nos dois grupos: enquanto nos textos do Segundo Caderno há
uma forte tendência para abertura do texto pela indeterminação zero, ou seja, o
uso do ‘eu’ determinado, nos textos da Opinião a tendência é a indeterminação
no nível mais alto. A indeterminação de nível 1, que engloba o objeto de
estudo desta pesquisa, mantém o mesmo percentual de ocorrência tanto em
um grupo quanto em outro, o que nos faz pensar em uma regularidade no uso
desse SN indeterminado. Para entendermos melhor essa regularidade seria
interessante uma análise texto a texto, mas não nos deteremos nisso, uma vez
que nosso objetivo é mostrar a flutuação e não somente o aparecimento do
‘nós’ indeterminado como introdutor de cadeia referencial.
O SN ‘nós’, como introdutor de cadeia referencial, gera combinações em
que há oscilação menos acentuada, geralmente entre os níveis zero e 3, o que
é compreensível, pelo fato de esse SN carregar a noção de ‘eu + grupo’ (‘nós’
inclusivo) e também de ‘eu + não-pessoa’ (‘nós’ genérico).
97
V. CONCLUSÃO
O que motivou a pesquisa realizada foi o questionamento a respeito da
indeterminação de um SN no texto, a partir da ideia inicial de que, ao contrário
do que postula os estudos tradicionais, a indeterminação não é um fenômeno
somente sintático e de que muito menos um SN pode ser categorizado de
forma absoluta como indeterminado. Uma vez que há um contexto lingüístico
em que esse SN se insere, a observação dos elementos que formam com ele
uma cadeia referencial é fundamental para provar que sua indeterminação no
texto é ‘momentânea’, ou seja, por um momento há sua inserção como
elemento indeterminado, até que apareça um outro item em que esse SN fará
ancoragem, para que a referência seja ampliada ou reduzida.
A partir desse pressuposto, analisamos 50 textos jornalísticos de
opinião, caracterizados como crônicas, tecendo, em primeiro lugar, a cadeia
referencial de cada texto para gerarmos subsídios indispensáveis à análise.
Fizemos uso também das teorias dos espaços mentais e da mesclagem
conceptual como instrumento de análise, uma vez que essas teorias nos
dariam suporte para percebermos a vinculação de elementos distintos para a
formação do SN ‘nós’ indeterminado e sua ancoragem em outros itens textuais
mais ou menos determinados.
Nesse nível, observamos que há uma estruturação dependente da
intenção dos escritores, que projeta os espaços mentais necessários para a
compreensão global do texto; nos espaços mentais projetados, há uma
mudança na vinculação do valor do referente (temos um referente, ‘nós’, a que
se atribuem valores diferentes, de acordo com o contexto lingüístico em que
está inserido), mudança essa percebida somente quando, em um nível
específico, o processo de mescla é demonstrado. Fazendo uso desses
suportes, conseguimos ‘visualizar’ a questão dos tipos de referentes inferíveis
(situacional e textual) presentes no corpus.
Quanto à polifonia, percebemos que os textos analisados são
‘carregados’ da mesma, em um contexto de inseparabilidade das vozes
presentes neles. Apesar da impossibilidade de separarmos uma voz da outra,
selecionamos trechos que pudessem explicitar essa realidade discursiva,
corroborando, assim, a ideia de que todo discurso em si é de caráter polifônico.
98
Além do enfoque voltado para os processos cognitivos nos quais se
inseria a indeterminação do SN pesquisado, observamos, através da análise
de estratégias lingüísticas, a formação da cadeia referencial e a oscilação
gerada pela variedade de referentes, o que confirmou a hipótese de que as
estratégias indeterminadoras geram recortes referenciais que favorecem a
flutuação referencial.
Sobre a flutuação referencial em si, conseguimos mostrar que o SN
‘nós’ indeterminado, além de exercer papel de equilíbrio em cadeias
referenciais com flutuação mais brusca, quando introdutor da cadeia apresenta-
se como elemento favorecedor de níveis mais baixos de indeterminação.
Dessa forma, conseguimos cumprir o objetivo desta pesquisa, que era o
de mostrar como ocorria a flutuação referencial do SN ‘nós’ indeterminado em
textos jornalísticos de opinião. A ocorrência dessa flutuação depende de
fatores ligados a processos cognitivos, de acordo com as intenções
comunicativas do escritor (cf. Tomasello, 2003 [1999]), bem como está
vinculada, no nível textual, a fatores linguísticos que ‘provocam’ a
movimentação dos referentes, gerando cadeias referenciais diversificadas.
Terminamos esta pesquisa com a certeza de que as questões a respeito
da flutuação referencial não foram completamente ‘resolvidas’, uma vez que
ainda há temas ligados a esse fenômeno que não foram sequer tocados (a
impessoalização nas cadeias referenciais, por exemplo).
99
VI. REFERÊNCIAS
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104
VII. ANEXOS
TEXTOS DE OPINIÃO – JORNAL ‘O GLOBO’
Segundo Caderno
A01. O governador e sua decaída (Arnaldo Jabor) 18/03/08
A02. Epidemia de má-fé (Cora Rónai) 27/03/08
A03. A América nos explora e nos salva (Arnaldo Jabor) 10/06/08
A04. Sem teto para voar (Cora Rónai) 12/06/08
A05. O homem versus o mosquito (Arnaldo Jabor) 25/03/08
A06. Esse nosso amor (Arthur Dapieve) 06/06/08
A07. O Carnaval é a nossa loucura sadia (Arnaldo Jabor) 05/02/08
A08. Todo neném é Matusalém (Arnaldo Bloch) – 31/01/09
A09. Governo indica fumacê contra a dengue (Artur Xexéo) 09/04/08
A10. Como mataram a Varig (Cora Rónai) 19/06/08
A11. Guerra quente (Arnaldo Bloch) 16/08/08
A12. É proibido sofrer (Arnaldo Jabor) 22/07/08
A13. Compulsão (Arnaldo Bloch) 19/07/08
A14. Todas as bombas desejam explodir (Arnaldo Jabor) 12/08/08
A15. Flora, que amamos odiar (Arnaldo Jabor) 25/11/08
A16. O futuro não será mais o que era (Arnaldo Jabor) 23/09/08
A17. O tubarão no metrô (Arnaldo Bloch) 29/11/08
A18. Natal, Natal, bimbalham os sinos (Arnaldo Jabor) 16/12/08
A19. Um rio de amor que se perdeu (Cora Rónai) 08/01/09
A20. Só os visionários enxergam o óbvio (Arnaldo Jabor) 07/10/08
A21. O cinema não é mais a sétima arte (Arnaldo Jabor) 28/10/08
A22. A Lapa em urinas (Arnaldo Bloch) 01/11/08
A23. Não se sabe mais o que é filme bom ou ruim (Arnaldo Jabor)
11/11/08
A24. Nunca estamos nos melhores dias (Arnaldo Jabor) 18/11/08
A25. É impossível transpor as águas do destino (Arnaldo Bloch) 15/11/08
105
Opinião
B01. Narciso às avessas (Zuenir Ventura)
B02. Pesos e medidas (Veríssimo)
B03. Babaus (Veríssimo)
B04. Os números (Veríssimo) 06/04/08
B05. O réu não sou eu (Zuenir Ventura) 04/06/08
B06. Oremos (Luiz Garcia)
B07. Admirável (Veríssimo) 08/06/08
B08. Percepção (Veríssimo) 16/03/08
B09. A mais airosa baía (Zuenir Ventura) 11/06/08
B10. Aquela época (Veríssimo) 14/09/08
B11. Vamos cumprir essa formalidade (João Ubaldo Ribeiro) 05/10/08
B12. Dois chatos (Luiz Garcia) 30/09/08
B13. Que língua, a nossa! (Zuenir Ventura) 27/12/08
B14. Feliz ano-novo (Paulo Guedes) 29/12/08
B15. O factóide final (Zuenir Ventura) 03/12/08
B16. O último engarrafamento (Veríssimo) 10/04/08
B17. Reparação (Veríssimo) 13/04/08
B18. As legiões (Veríssimo) 29/06/08
B19. Brasil caipira (Zuenir Ventura) 25/06/08
B20. O possível e o certo (Luiz Garcia) 11/07/08
B21. Tibete, e nós com isso? (Zuenir Ventura) 16/04/08
B22. O BC e a guerra mundial por empregos (Paulo Guedes) 21/04/08
B23. O time em que jogamos (Luiz Garcia) 22/08/08
B24. Não tem problema, a gente paga (João Ubaldo Ribeiro) 12/10/08
B25. A nossa é melhor (Zuenir Ventura) 24/10/08
106
CADEIAS REFERENCIAIS – textos de opinião do jornal O Globo
SEGUNDO CADERNO A01 ∅ haver > nos > todos nós > (eu) > (nós)/nos > me ~ eu > nossas > (eu) >
velho freguês de bordéis > fregueses d’antanho > nós > você > se > (nós) > o homem > (nós) > ∅ haver
A02 quem foi criança no Rio > (nós)/nos > ∅ dormir > nos > ninguém > (nós) >
ninguém > o carioca > a população > a gente > nenhum de nós A03 me > (nós) > ∅ suportar > (eu) > nos > ninguém > (nós) A04 ∅ haver > (nós) > (eu) > (nós) > quem > (nós) > ∅ viajar > se > (nós) >
todo brasileiro > eu > nos > ∅ sentir > (eu) > (nós) > (eu) A05 (nós) > ∅ haver > carioca médio > (nós) > cariocas > (nós) > o carioca >
(nós) > o carioca > (nós) > o Rio > (nós) > se > (eu) > (nós) A06 ∅ encontrar > jovens > eu > (nós) > ∅ viver > (eu) > (nós) > cidadão
comum > (nós) > a gente > ∅ ter > (nós) > (eu) > (nós) A07 (eu) > ∅ haver > ninguém > ∅ descobrir > (nós) > (eu) > (nós) > ∅
entender > brasileiro > nós > ∅ fundar > (nós) A08 (nós) > (eu) > todos (nós) > todo bebê > todo neném > (nós) >
nós/crianças ranzinzas > (nós) > nós/entidades jovens > (nós)/(anciãos-bebês)
A09 moradores do Rio dos anos 1970 > a gente > mim ~ (eu) > a gente > eu >
(nós) > a gente > colunista leigo > (eu) > VAI SABER A10 (eu)/eu > muitos de nós > ninguém > se > (nós) > ninguém > nossos >
(nós) > pouca gente > muita gente > quem > ∅ perceber > ninguém > (nós) > ninguém > (nós) > ninguém
A11 (nós) > se > ninguém > (nós) > quem > (eu) > (nós) todos > (nós) > a
gente > se > quem > (nós) todos > nós > ∅ lembrar A12 (eu) > (nós) > ∅ sofrer > (nós) > ninguém > (nós) > ninguém > (nós) > ∅
estar > ninguém > homens e mulheres > nos/(nós) > eu > // > (nós) > (eu) > (nós) > todo mundo > a gente > (nós) > a maioria > ∅ ser
A13 (eu)/eu > ∅ olhar > (nós) > ∅ largar > o indivíduo > ∅ recorrer > se A14 (eu)/me > (nós) > eu > ∅ ver > (nós) > quem
107
A15 nos/(nós) > a sociedade > nos > ∅ sofrer > (nós) > me ~ eu > (nós) > ninguém > ∅ transcender > nós > o psicopata > todos > o humano > (nós) > psicopatas > (nós) > psicopatas > (nós) > psicopatas
A16 nossa > me/eu > (nós)/nos/nós > humanos > (nós) > o homem > (nós) >
sujeito > (nós) A17 (eu)/me > nossos > o cronista > (eu) > se > todos > (nós) > gente >
multidão > ninguém > cada um > o outro A18 (nós) > eu > (nós) > (eu) > todos > ninguém > a gente > todos > me/(eu) >
nossas > todos > (eu)/me > nossa > (eu) A19 (nós) > para quem vive no Rio > nós/nos > se > ∅ constatar > se > nossa
> alguém > ∅ sentar A20 (eu) > todos > ninguém > (eu) > nos > me ~ eu > (nós) > me ~ eu A21 as pessoas > (eu) > (nós) > os cineastas > (nós) > (eu) > (nós) > eu > a
gente > (eu)/eu > (nós) > (eu) > (nós) > ∅ enxergar A22 se > a gente > nossa/(nós) > a gente > (nós) todos > todos > (eu) > (nós) A23 me/(eu) > se > (nós) ~ espectadores > (nós) ~ seres humanos > (eu) >
nos A24 (eu) > (nós) > nós/brasileiros > todos > (nós) > O Brasil > (nós) > ∅ ser >
subdesenvolvido A25 (eu)/me > (nós) > todos > (eu) > (nós) > (eu) > (nós) > (eu) > (nós) > me ~
eu > (nós) > me > (nós) ~ motoristas > se > a gente
108
OPINIÃO B01 eu > nosso/nos > o brasileiro > (nós) > quem > eu > se > nossos > (eu) >
minha/eu > se B02 eu > (nós) > todos > (eu)/eu > a gente > eu/(eu) > alguém > ∅ estar B03 (eu) > se > (nós) > se > (eu) > ninguém > nosso/(nós) B04 se > nos > se > eu > ∅ concluir > as pessoas > ∅ concluir > você >
sociedade brasileira B05 se > ∅ tentar > eu > quem > a gente > ∅ lavar > você > (eu) > repórteres
e eu > (nós) > (eu)/eu B06 se > ninguém > a gente > ∅ generalizar > muita gente > (nós) > a gente
> todo mundo > ninguém > (nós) > ninguém > ∅ conviver > ∅ insistir > (nós)
B07 (nós) > ninguém > (eu) > a gente B08 (nós) > eu > Abel, eu e a multidão > meu > você > se > ∅ julgar > ∅ haver
> se > (eu) B09 eu > muitos > nosso > ∅ rodear > (nós) > cronistas e viajantes antigos >
eu/me B10 (eu) > a gente > os adolescentes > nós/(nós) > (eu)/me > quem > nossa >
meu > (eu)/me > se > (eu) > ∅ descer > se > ∅ haver > quem > alguém > ∅ espantar > (nós)/nos
B11 (eu) > (nós)/nós > (eu) > (nós)/nós > o brasileiro > ele > (nós) >
minha/mim mesmo > (eu) > todo mundo > nós > outros > (nós) > ∅ ficar > nós > ∅ esquecer > conosco > (eu) > se > nossa/(nós)/nós > se > nós > se > nós > quem > nós > meu
B12 (nós) todos > (nós) > se > ∅ imaginar > (nós) > quem > (nós) B13 (eu) > (nós) > nós/afro-brasileiros/afrodescendentes > se > (nós) > se > ∅
ter B14 nos/(nós) > algumas pessoas > outras > você > (nós)/nos B15 se > (nós) > se > ∅ deixar > se > nos/(nós) B16 se > gente > ∅ haver > os belgas/os neobelgas > o cara > (nós) > ∅
esperar
109
B17 se > (eu) > ∅ esquecer > ninguém > (nós) > quem B18 ∅ mandar > se > ∅ convencer > nossa/(nós)/nos > ∅ haver > (nós) > ∅
amontoar B19 a gente > (eu) > nós > (eu) > ∅ ver > (eu) > nosso > (eu) > ∅ desviar > ∅
haver B20 ∅ haver > se > meu > ∅ bater > ninguém > (nós) > o eleitorado >
nossos/(nós) > quem B21 ∅ estar > ∅ haver > quem > se > (nós) > (eu) > colunistas do Globo B22 (nós)/nos > se > (nós) B23 os brasileiros > todo mundo > quem > ninguém > cidadãos > cada
cidadão > o leitor/o espectador > o cidadão > todo mundo ~ mídia, organizações, cidadãos comuns > (nós)
B24 (nós) > se > eu/(eu) > nós > (eu)/me/eu > todos (nós) > eu > (nós) > se >
nosso > se > nós B25 (nós) > os nativos > (nós) > (eu) > (nós)
110
NÍVEIS DE INDETERMINAÇÃO NO INÍCIO DA CADEIA REFERENCIAL
A01. 4 – 1 – 1 – 0 – 1 – 0
A02. 3 – 1 – 4 – 1 – 3 – 1
A03. 0 – 1 – 4 – 0 – 1
A04. 4 – 1 – 0 – 1 – 3
A05. 1 – 4 – 2 – 1 – 2
A06. 4 – 2 – 0 – 1 – 4 – 0
A07. 0 – 4 – 3 – 4 – 1 – 0
A08. 1 – 0 – 3 – 2 – 2 – 1
A09. 2 – 1 – 0 – 1 – 0 – 1
A10. 0 – 3 – 3 – 5 – 1
A11. 1 – 5 – 3 – 1 – 3 – 1
A12. 0 – 1 – 4 – 1 – 3
A13. 0 – 4 – 1 – 4 – 2
A14. 0 – 4 – 0 – 4 – 1
A15. 1 – 2 – 1 – 4 – 1 – 0
A16. 1 – 0 – 1 – 2 – 1
A17. 0 – 1 – 2 – 0 – 5 – 3
A18. 1 – 0 – 1 – 0 – 3
A19. 1 – 3 – 1 – 5 – 4
A20. 0 – 3 – 3 – 0 – 1 – 0
A21. 2 – 0 – 1 – 2 – 1 – 0
A22. 5 – 1 – 1 – 1 – 3 – 3
A23. 0 – 5 – 1 – 1 – 0 – 1
A24. 0 – 1 – 2 – 3 – 1
A25. 0 – 1 – 3 – 0 – 1 – 1
B01. 0 – 2 – 1 – 3 – 0 – 5
B02. 0 – 1 – 3 – 0 – 1 – 0
B03. 0 – 5 – 1 – 5 – 0 – 3
B04. 5 – 1 – 5 – 0 – 4 – 2
B05. 5 – 4 – 0 – 3 – 1 – 4
B06. 5 – 3 – 1 – 4 – 2 – 1
B07. 1 – 3 – 0 – 1
B08. 1 – 0 – 0 – 0 – 3 – 5
B09. 0 – 3 – 1 – 4 – 1
B10. 0 – 1 – 2 – 1 – 0 – 3
B11. 0 – 1 – 0 – 1 – 2 – 1
B12. 3 – 1 – 5 – 4 – 1 – 3 – 1
B13. 0 – 1 – 2 – 5 – 1 – 5 – 4
B14. 1 – 2 – 2 – 3 – 1
B15. 5 – 1 – 5 – 4 – 5 – 1
B16. 5 – 2 – 4 – 2 – 2 – 1
B17. 5 – 0 – 4 – 3 – 1 – 3
B18. 4 – 5 – 4 – 1 – 4 – 1
B19. 1 – 0 – 1 – 0 – 4 – 0
B20. 4 – 5 – 0 – 4 – 3
B21. 4 – 4 – 3 – 5 – 1 – 0
B22. 1 – 5 – 1
B23. 2 – 3 – 3 – 3 – 2
B24. 1 – 5 – 0 – 1 – 0 – 3
B25. 1 – 2 – 1 – 0 – 1