A FÁBULA DO LEÃO E DOS BÊBADOS-Michele Martins.rtf

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A fbula do leo e dos bbadosDecrpito o leo, terror dos bosques, e saudoso de sua antiga fortaleza, espairecia um deles ao entardecer sombra do parque onde o prenderam.Assim levava a vida, ou assim esperava a morte.Sua misso no era valorosa; incumbia-lhe, todos os dias, e de preferncia aos sbados e domingos, fingir que era de fato um leo feroz e assustar os visitantes com plidos rugidos.Em troca, recebia trs fartas refeies ao dia (fora o breakfast*), gua fresca, sombra, agradvel companhia, e o ttulo honorfico de rei das selvas, que na verdade era o que mais o comovia.Mas no era de fato um leo de verdade; faltavam-lhe a certeza de sua intrepidez, o horizonte aberto, a liberdade, que no ia alm do arame farpado entre as sebes disfarado.Tratava-se de um jogo previamente combinado: em troca do alimento e da tranquilidade, o msero leo, rugindo apenas, aceitava digerir todas as afrontas.Um belo dia aconteceu, porm, que trs bebuns, enganando-se de boteco, erraram o atalho e foram cair, por puro acaso, nos domnios reservados ao leo domesticado. E to bebuns estavam os trs-loucados que nem se deram f do risco que corriam: a moita onde dormiam desmaiados nada mais era que a juba da fera enjaulada.Surpreendeu-se o leo com tamanha audcia, que no constava nas clusulas contratuais que assinara com o empresrio-empregador. E logo lhe veio mente, num impulso atvico, o justo desejo de provar daquele banquete que se oferecia assim de mo-beijada. De fato, h muito o leo no saboreava um prato humano, como nos velhos tempos de antanho.J se lambia o bicho, com sua lngua spera e salivada.Mas a civilizao tambm cobra os seus tributos - e o leo, que conhecia algo de Direito, antes de se lanar ao ataque, resolveu reler o seu contrato, a ver se nas entrelinhas (sbio leo!) no constava algo que o prejudicasse: pois no queria o rei das selvas perder o emprego por justa causa. Pra tanto procurou um leo mais velho - e presumidamente mais experiente - e lhe props a delicada questo: se era lcito, naquela conjuntura, devorar os trs bebuns incautos, que haviam invadido o parque e ali dormiam.O velho leo examinou o contrato, verificou se no era falso, e concluiu que, pelo escrito, nada impedia legalmente que o leo mais novo os devorasse. Mas enquanto consultavam a lei, corria o tempo, de sorte que, por sorte, os trs bebuns, passada a carraspana, despertaram para a vida. Sobressaltados, antes que o leo, apoiado na lei, voltasse e os atacasse, trataram os trs de fazer o que a situao impunha: mandar-se.E foi desta maneira que o leo perdeu o acepipe, frustrando-se o ensejo de fartar-se com carne de primeira, tenra e fresquinha (ainda por cima regada a canjebrina).Amuado, foi novamente ao leo mais velho (e mais experiente) queixar-se de que o excesso de escrpulo contratual o havia feito perder o nobre prato.Ao que o mais velho respondeu, com a sabedoria prpria dos lees fabulosos:- Queixas-te de barriga cheia, o que um mal. Se de fato estivesses com fome, certamente primeiro os teria devorado, e s depois te lembrarias do contrato. Mas no te lastimes: quem faz o bem sempre o tem. Nenhum leo est livre neste mundo de, amanh, por acaso, adormecer num parque e ser comido de surpresa por trs bebuns esfomeados. A vida no est difcil s para os animais, rapaz.( Loureno Diafria. Um gato na terra do tamborim. 2. ed. So Paulo, Smbolo, s/d. p.77-78) *Termo em ingls que designa a primeira refeio do dia.Vocabulrio:audcia: coragem; atrevimentoclusula: artigo; preceito; disposioatvico: transmitido pelos antepassadosantanho: antigamentelcito: conforme a lei; justo; vlidopresumidamente: supostamenteconjuntura: situao; oportunidade; dificuldadeincauto: imprudentecarraspana: bebedeira; repreensoacepipe: guisado; guloseimaensejo: oportunidadecanjebrina: cachaaamuado: mal-humoradoescrpulo: cuidadoTrabalhando com o texto:1) O texto que voc acabou de ler apresenta os elementos essenciais da narrativa: personagens, fato, lugar (espao), tempo, narrador.a) Quem so as personagens?b) O que acontece?c) Onde acontece a histria?d) Quando ocorrem os fatos?e) Quem narra a histria: um narrador-observador ou um narrador-personagem? Justifique.2) O que seria necessrio para que o animal dessa fbula fosse "um autntico leo"?3) Por que o leo no devorou os bbados? Marque a alternativa mais acertada. Justifique sua escolha.a) ( ) Porque as clusulas contratuais o proibiam.b) ( ) Porque, enquanto ele e o leo mais velho consultavam o contrato, os trs bbados, conscientes do risco que corriam, fugiram.c) ( ) Porque, alm de no querer perder o emprego, no estava faminto.4) Explique o uso da expresso destacada na frase:E to bebuns estavam os trs-loucados que nem se deram f do risco que corriam(...)"5) N alinha 45, o autor faz um jogo de palavras com a expresso "lees fabulosos", utilizando-a com duplo sentido. Explique essa afirmao.6) Inverossimilhante tudo aquilo que no tem aparncia de verdadeiro. Releia o ltimo pargrafo e transcreva um trecho inverossmil.7) O texto pode ser dividido em quatro partes.* A primeira parte vai da linha 1 a 14.* A segunda parte vai da linha 15 a 25.* A terceira parte vai da linha 26 a 38.* A quarte parte vai da linha 39 a 51.a) Que subttulo voc daria a cada uma dessas partes?b) Quais as expresses que as ligam?8) De onde vem a comicidade do texto? Marque a(s) alternativa(s) que lhe parecer(em) correta(s).a) ( ) Do fato de o leo agir de forma inusitada: assina um contrato e obedece a ele.b) ( ) Do fato de dois lees conversarem como seres humanos.c) ( ) Da presena de um animal que renega seus instintos em nome de um contrato, para no perder o emprego.d) ( ) Da forma como o narrador nos apresenta os fatos mais banais. Por exemplo: "E to bebuns estavam os trs-loucados que nem se deram f do risco que corriam".e) ( ) Do efeito cmico criado pelo autor no final do texto com a utilizao da forma de se expressar das personagens das fbulas tradicionais e da interpretao que d a uma moral j existente ("quem faz o bem sempre o tem").f) ( ) H humor na possibilidade de o leo adormecer em um parque e se livrar de ser "comido de surpresa" por trs bbados esfomeados.