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A ESCOLA COMO LUGAR PRIVILEGIADO DE MEMÓRIAS: O CASO DO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO DE VITÓRIA-ES Rita de Cássia Oliveira Pessanha da Costa (UFES/PPGE) [email protected] Palavras chave: memória narrativas cultura material escolar INTRODUÇÃO Este trabalho pretende contribuir para a ampliação dos estudos relacionados à cultura material escolar e ao resgate da memória escolar. A abordagem se dá no sentido de (re)estabelecer um forte elo em sujeitos que perpassam/ram pelos espaços/tempos da instituição, seja como atuantes, ou não. Pesquisadores da educação têm demonstrado grande interesse sobre estudos referentes à memória escolar, principalmente a partir da década de 90, do século XX. Atualmente, as pesquisas a esse respeito direcionam um olhar especial para estudos sobre a constituição histórica das instituições escolares. Nesta perspectiva, iniciou-se uma investigação do espaço físico e organizacional ocupado pelo Instituto de Educação de Vitória, capital do Espírito Santo. Para tal, o ano de 1971 foi tomado como recorte temporal, pois é o de criação da referida Instituição. O estudo sobre a constituição histórica desse ambiente escolar é de relevância para a História da Educação no Espírito Santo, pois a data de sua criação coincide com o momento em que ocorre a transição no poder político no país, passando o poder para às mãos dos militares. Por essa razão, pode-se afirmar que o espaço físico reservado a esta escola foi um tanto peculiar. Assim, esta pesquisa acabou adquirindo um caráter investigativo, uma vez que procura retratar como ocorreu o processo para sua implantação. Vale ressaltar que esse enfoque não representa um simples apelo à curiosidade, antes, um convite à reflexão de que há sempre muito por saber, em especial, acerca de uma comunidade escolar. A metodologia de pesquisa utilizada para esse estudo considera abordagens da pesquisa qualitativa. Como fontes, utilizamos para a coleta e análise, documentos escritos como

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A ESCOLA COMO LUGAR PRIVILEGIADO DE MEMÓRIAS: O CASO DO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO DE VITÓRIA-ES

Rita de Cássia Oliveira Pessanha da Costa (UFES/PPGE)

[email protected]

Palavras – chave: memória – narrativas – cultura material escolar

INTRODUÇÃO

Este trabalho pretende contribuir para a ampliação dos estudos relacionados à cultura

material escolar e ao resgate da memória escolar. A abordagem se dá no sentido de

(re)estabelecer um forte elo em sujeitos que perpassam/ram pelos espaços/tempos da

instituição, seja como atuantes, ou não.

Pesquisadores da educação têm demonstrado grande interesse sobre estudos referentes à

memória escolar, principalmente a partir da década de 90, do século XX. Atualmente, as

pesquisas a esse respeito direcionam um olhar especial para estudos sobre a constituição

histórica das instituições escolares.

Nesta perspectiva, iniciou-se uma investigação do espaço físico e organizacional

ocupado pelo Instituto de Educação de Vitória, capital do Espírito Santo. Para tal, o ano

de 1971 foi tomado como recorte temporal, pois é o de criação da referida Instituição.

O estudo sobre a constituição histórica desse ambiente escolar é de relevância para a

História da Educação no Espírito Santo, pois a data de sua criação coincide com o

momento em que ocorre a transição no poder político no país, passando o poder para às

mãos dos militares. Por essa razão, pode-se afirmar que o espaço físico reservado a esta

escola foi um tanto peculiar. Assim, esta pesquisa acabou adquirindo um caráter

investigativo, uma vez que procura retratar como ocorreu o processo para sua

implantação. Vale ressaltar que esse enfoque não representa um simples apelo à

curiosidade, antes, um convite à reflexão de que há sempre muito por saber, em

especial, acerca de uma comunidade escolar.

A metodologia de pesquisa utilizada para esse estudo considera abordagens da pesquisa

qualitativa. Como fontes, utilizamos para a coleta e análise, documentos escritos como

a imprensa e os documentos escolares, fontes iconográficas por uso de fotografias e

análise arquitetônica. Além disso, utilizamos as fontes orais com questionários e

entrevistas semiestruturadas, a professores, ex-professores, alunos e ex-alunos,

funcionários, diretores, ex-diretores e moradores, muitos dos que conviveram/convivem

no entorno do instituto em questão.

Nesse viés, buscamos indagar como o lugar ocupado pelo Instituto de Educação de

Vitória foi e é representado na sociedade capixaba. Pretendemos também compreender a

existência desta instituição numa relação mais ampla com o processo histórico entre o

local e o global.

A BUSCA PELA ESCOLA QUE SOMOS

Resgatar a memória local e reconhecer a escola como espaço de pertença favorece e

potencializa as relações entre as pessoas. O objetivo principal é conhecer e valorizar a

própria identidade social.

Santos (2000) nos propõe a prática de um conhecimento-emancipação. Com ele,

privilegia-se o cotidiano escolar como um momento de compartilhar experiências

vividas, memórias e histórias, que são tecidas e narradas.

Mas, sabe-se que precisamos burlar alguns paradigmas para evitar o esvaziamento nas

relações cotidianas, buscando, segundo Linhares (2002), a escola que somos. Neste

sentido, o entendimento é de que a escola, como espaço privilegiado, é propício ao ato

de rememorar.

Pensando nas potencialidades e nos devires, o resgate da memória se faz pontual no

espaço escolar, onde é possível ouvir os diversos atores que contracenam e/ou

contracenaram no cotidiano. Este é sobremaneira marcado por experiências vividas, e

essas são constantemente narradas.

É inegável que nosso cotidiano é extremamente tecido por marcas, entrelaçadas por uma

rede de fios, ligados pela troca de experiências. Isso ocorre porque sentimos a

necessidade de contar, de falar sobre o que nos acontece, conforme afirma Larrosa

(2004). Precisamos, portanto desenvolver entre a comunidade educativa o exercício de

conhecer, ouvir e contar a história da própria escola, porque muitas vezes falamos de

várias histórias, mas não sabemos falar do lugar onde estudamos ou atuamos como

educadores. Neste sentido, Paul Thompson(1992) nos auxilia a perceber a contribuição

da história oral

A história orla é uma história construída em torno de pessoas. Ela lança a

vida para dentro da própria história e isso alarga seu campo de ação.

Admite heróis vindos não só dentre os líderes, mas dentre a maioria

desconhecida do povo. [...].Traz a história para dentro da comunidade e

extrai a história de dentro da comunidade[...]. Propicia o contato – e, pois

a compreensão – entre as classes sociais e entre gerações.

(THOMPSON,1992, p.44)

SOBRE A INSTITUIÇÃO

O ambiente escolar selecionado para esta pesquisa, o Instituto de Educação Prof.

Fernando Duarte Rabelo, está localizada numa região nobre da cidade de Vitória, no

estado do Espírito Santo, no bairro de Santa Helena. Esta região ficou conhecida

geograficamente como Novo Arrabalde.

O lugar pesquisado era, até o mês de março de 1971, um espaço destinado à prática

social, o Clube Recreativo Cauê, que pertencia aos funcionários da empresa mineradora

Vale do Rio Doce. Era um local arborizado, amplo, com apartamentos/dormitórios,

piscina de água salgada, pois naquele período a escola era bem próxima à praia, salão

de jogos e um amplo auditório.

Ainda hoje, o espaço físico da escola chama atenção a todos que nela circulam. A

começar pela própria localização geográfica, pois está situada em um local cercado por

prédios residenciais de alto padrão. A própria entrada principal em nada lembra uma

escola. Vale ressaltar a existência de outra, localizada nos fundos do prédio. Esta, sim,

foi adaptada para facilitar o fluxo de alunos.

Figura 1: Fachada da entrada principal do Instituto de Educação Prof. Fernando Duarte Rabelo.

Fonte: Biblioteca Pública Estadual. Vitória-ES

Outra característica que chama a atenção, em se tratando do espaço físico, e que

despertou interesse nesta investigação, é que a arquitetura da escola foge totalmente ao

padrão estético dos prédios escolares do final do século XIX e de boa parte dos do

século XX.

Não obstante esta característica, outro fator também relevante foi que, após uma

pesquisa em revista da época, encontramos uma matéria com destaque para o

fechamento do referido Clube, determinado pela alta cúpula da Vale do Rio Doce. A

alegação era que o Cauê havia fugido à sua real finalidade. No local, passa a funcionar a

sede da Assembleia Legislativa. Buscamos, portanto, neste momento, entender as

mudanças que foram realizadas no espaço físico em questão, até que se configurasse

num ambiente destinado à educação.

Figura 2: Vista externa das salas de aula. Fonte: Biblioteca Pública Estadual. Vitória-ES

É oportuno salientar que, a princípio, mediante fontes consultadas, existia uma

inadequação do espaço físico, já que as salas de aula eram uma adaptação dos

dormitórios dos funcionários da Vale. Mas, segundo Viñao Frago, independente de se

ter uma infra-estrutura de ambiente escolar, “O espaço não é neutro. Sempre educa.

Resulta daí o interesse pela análise conjunta de ambos os aspectos – o espaço e a

educação [...]”(VIÑAO FRAGO, 2001, p. 75).

Retomando a questão do acesso à Escola, é oportuno informar que não apenas os alunos

utilizam a entrada dos fundos, mas também professores e funcionários. Isso ocorre até

hoje. A respeito disso, em entrevista, alguns alunos responderam: “Nem sabia que

existia esta outra entrada! Mudou quando?” “Sei lá.” “Sabia da existência, mas não sei

explicar por que passamos por lá.”. “Já vi pessoas passando por lá, mas nós nunca.”

Figura 3: Fachada da atual entrada dos alunos da Escola Estadual Prof. Fernando Duarte Rabelo. Fonte:

Arquivo pessoal da pesquisadora.

POSSIBILIDADES DE NOVOS OLHARES PARA A INSTITUIÇÃO

À medida que se conversa com alunos, ex-alunos, funcionários, diretores, professores e

ex-professores, a história do local fica cada vez mais instigadora. Em contrapartida,

percebe-se que a própria comunidade educativa geralmente desconhece sua história.

Todavia, conforme defendem Benjamin (1996), Ginzburg (1998) e Le Goff (1996), é

sempre necessário e oportuno resgatar a memória escolar.

A História da Educação tem proporcionado um grande espaço para o tratamento de

questões pertinentes à cultura material, à história local, às narrativas, questões que há

um tempo não eram contempladas academicamente. Atualmente existem excelentes

pesquisadores que voltaram o olhar para a cultura escolar, como Gatti Júnior, Moura

Nascimento, Saviani, Noronha, Antônio Nóvoa, Luciano Faria Filho, entre outros.

Para Benjamin,

A arte de narrar está em vias de extinção. São cada vez mais raras as

pessoas sabem narrar devidamente. Quando se pede num grupo que alguém narre alguma coisa, o embaraço se generaliza. É como se

estivéssemos privados de uma faculdade que nos parecia segura e

inalienável: a arte de intercambiar experiências (BENJAMIN, 1996,

p.197).

A partir das ideias do referido autor, a pretensão deste trabalho é fomentar uma pesquisa

com a comunidade educativa em questão, resgatando a história do lugar onde se situa a

instituição. Para isso, será imprescindível considerar o cenário político brasileiro,

referenciado pelo cerceamento da liberdade individual e coletiva, característica

marcante do período da Ditadura Militar ou, para alguns, o do Regime Militar.

Todo esse contexto sócio-político-econômico norteará o desenvolvimento desta

pesquisa, trabalhando-se inicialmente com a questão das narrativas individuais e

coletivas. Isso porque, como afirma Benjamin (1996), a história corresponde aos

acontecimentos, aos personagens, enfim, à realidade que se apresenta prefigurada no

texto narrativo.

Para outro autor, que aborda a prática investigativa, o italiano Carlo Ginzburg, é

importante explorar o chamado saber indiciário, saber este que pode ser encontrado em

atividades humanas bastante diversas. Dentre elas, médicos, historiadores, carpinteiros,

oleiros, marinheiros, enfim, de várias áreas, envolvendo muitas conjecturas. Por essa

razão, acreditamos que há muito por saber, nas entrelinhas, sobre a transferência da

Escola Normal Pedro II, do centro da capital Vitória/ES, para o local onde hoje funciona

o Instituto de Educação de Vitória.

Ao se compartilharem experiências, memórias e narrativas, é possível tecer fios das

meadas de uma rede entrelaçada de significados e subjetividades, ocultados talvez por

posturas hegemônicas. Le Goff (1996) postula que devemos atuar de forma que a

memória coletiva sirva para a libertação e não, para a servidão dos homens.

Ainda na perspectiva do olhar investigativo, enquanto educadores político-críticos,

precisamos reforçar a nossa capacidade de questionamento frente a situações e/ou

momentos históricos e de cunho sociocultural. Nossa postura deve ser legítima,

estimulando os educandos, e até mesmo a comunidade escolar como um todo, à prática

da criatividade e da crítica, revendo verdades até então consideradas únicas e absolutas.

SITUANDO O ESTUDO NO TEMPO HISTÓRICO

De 1964 a 1985, o Brasil foi marcado pelo período conhecido por Ditadura Militar.

Nele, o silenciamento foi uma das marcas estendidas a toda a sociedade. O que não quer

dizer que houve total submissão. Porém, aos que se manifestaram contra, o Regime

soube usar da repressão com muita propriedade.

Devido ao “crescimento” econômico do Brasil, em função do grande número de

multinacionais terem se instalado no país, a busca por mão de obra especializada

também cresceu. Diante deste cenário, o governo percebeu a necessidade de qualificar

profissionais para atender às novas demandas. Foi quando o governo brasileiro buscou

ajuda internacional através dos acordos MEC/USAID, a partir dos quais se evidenciou a

participação de técnicos na organização do sistema educacional brasileiro. Uma das leis

que foram implementadas na época foi a de nº 5.692/71, estabelecendo o sistema

nacional de 1º e 2º graus, que tinha como objetivo geral direcionar o ensino para a

qualificação profissional.

Nesse período, no estado do Espírito Santo, foram nomeados governadores: Christiano

Dias Lopes (1967-1971); Arthur Carlos Gerhardt (1971-1974); Élcio Álvares

(1974-1978) e Eurico Resende (1978-1982). Outra pretensão com esta pesquisa é

confirmar se houve uma possível ligação entre o governo da Ditadura e a constituição

do Instituto de Educação de Vitória. Portanto, o nosso enfoque, pelo menos a princípio,

não será o aprofundamento do assunto Ditadura Militar, e sim, o cruzamento de

variadas fontes, para que se compreenda melhor esse momento histórico da Educação

no Espírito Santo.

Para esta pesquisa, interessa-nos mais diretamente o período do governo de Christiano

Dias Lopes (1967-1971) que, alinhado à política nacional e, usando de suas atribuições

legais, cumpriu a determinação para a criação do Instituto de Educação de Vitória. O ato

foi publicado no Diário Oficial, aos 11 de março de 1971.

A EDUCAÇÃO NO ESPÍRITO SANTO

Segundo relatório do governador Christiano Dias Lopes, durante sua gestão, foi o

melhor período para o sistema educacional capixaba, em comparação aos investimentos

recebidos nos governos anteriores. Em sua prestação de contas, assim relatou:

Em 1966, havia 1.178 alunos matriculados no ensino pré-primário

estadual. Em 1970, o número subiu para 5.418:360% de aumento. No

ensino primário, o número passou de 179.053 para 304.806. De acordo

com a projeção baseada no Censo Escolar de 1964, a escolarização da

população infantil entre sete e catorze anos atingiu, em 1970, o nível de

91%. O ensino médio oficial matriculou, em 1970, 32.404 alunos. A esse

número deve-se somar mais 15.831 alunos ajudados por bolsa de estudo

do estado. De 1967 a 1970 foram construídas 1.451 salas de aula: mais do

que o total de salas construídas anteriormente [...] O Espírito Santo é, assim, o estado brasileiro que proporcionalmente mais investe em

educação. (OLIVEIRA, 2008, p.483)

Percebe-se no discurso do governador uma preocupação em destacar o incentivo e o

investimento na educação. Mas, em relação a dados desse relatório, precisamos

considerar o seguinte: se foram construídas tantas salas de aula, o que justificaria a

transferência da Escola Normal Pedro II para a sede do antigo Clube Cauê, que sequer

foi adaptado para funcionar como uma instituição de ensino?

Conjecturando, sob o princípio do contrapelo apropriado por Ginsburg, procurar-se-á

entender todo o processo histórico de constituição do Instituto de Educação de

Vitória/ES. De início, questiona-se:

A quem interessava esta mudança?

Por que o Clube foi fechado?

O que justifica a demora na implantação do referido Instituto, comparando com

o processo de institucionalização ocorrido com os demais, que surgiram por

volta de 1930, em outros estados da Federação?

Por que a estrutura arquitetônica é totalmente diferente dos modelos

padronizados?

Por que o espaço não abrigou em definitivo a sede da Assembleia Legislativa, já

que esta funcionou temporariamente na sede do Clube, por ocasião de seu

fechamento?

Entende-se que a busca de possíveis respostas a estas e outras questões trará uma grande

contribuição para a História da Educação no Espírito Santo. Não se trata de meramente

satisfazer a curiosidades sobre o fato, mas, e principalmente, diz respeito à realização do

desejo de inscrever e potencializar a história de um ambiente escolar.

UNINDO OS FIOS – POSSIBILIDADES DE SE TRAÇAR UM PARALELO

ENTRE O PARADIGMA INDICIÁRIO E A HISTÓRIA DA INSTITUIÇÃO

A perspectiva adotada neste trabalho parte de uma abordagem historiográfica, vinculada

à história cultural. Pesquisar a história de uma instituição educacional permite um novo

olhar, um olhar para dentro da escola, diferente daquele com que normalmente ela é

observada, sob o prisma de aspectos curriculares, práticas pedagógicas e sistemas de

avaliação. Esse novo olhar lançado para a unidade escolar se volta, literal, discursiva e

ideologicamente, para a história local e sua relação com o entorno.

Prova disto é que, num determinado momento, em conversa com 03 (três) moradores da

região em que se localiza o ambiente escolar que está sendo investigado, a respeito de

como viam a convivência com a Instituição, obtivemos as seguintes respostas:

_ “Eu não gosto, pois os alunos são muito barulhentos, xingam, sujam demais a rua, e

me parece que está cada vez pior. Penso em vender meu apartamento.”

_ “Gostar eu não gosto, não. Mas engraçado é que, quando eles estão de férias, isso aqui

fica muito morto.”

_ “Para ser sincero, não gosto, não. Porém, tenho que reconhecer que, quando o prédio

foi construído, a escola já existia. Precisamos aprender a conviver com isso. Mas não é

fácil.”

Diante dos relatos, verificamos que não bastaria realizar uma pesquisa historiográfica

por si só. Ou seja, não deveríamos nos prender apenas às fontes documentais. Faz-se

necessário considerar a contribuição de outros participantes da história, de modo que

fios de todos os saberes indiciários sejam unidos. Pois, de alguma maneira, haverá

sempre alguém a mudar o cenário dos fatos, articulando novas ações na constituição do

objeto em questão. É o que nos sugerem os depoimentos acima.

Sendo assim, o que a princípio possa parecer insignificante, trata-se, na verdade, de algo

“[...] aparentemente trivial, que leva o investigador, quer seja um detetive como

Sherlock Homes, um psicanalista como Freud, ou um historiador como o próprio

Ginzburg, a fazer importantes descobertas” (PALLARES-BURKE, 2000, p.271).

O paradigma indiciário, portanto, nos convida a refletir sobre outras possibilidades de

análise, pois não podemos partir do pressuposto do pronto, do acabado. Ao contrário,

precisa-se de muitas respostas para uma mesma pergunta, razão pela qual Ginzburg

propõe que sigamos indícios, rastros e vestígios, estabelecendo um paralelo entre o

ofício do historiador e o do caçador.

Por milênios o homem foi caçador. Durante inúmeras perseguições ele

aprendeu a reconstruir as formas e os movimentos das presas invisíveis

pelas pegadas na lama, de ramos quebrados, bolotas de esterco, tufos de

pelos, plumas emaranhadas, odores estagnadas. Aprendeu a farejar,

registrar, interpretar e classificar pistas infinitesimais como fios de barba.

Aprendeu a fazer operações mentais complexas com rapidez fulminante,

no interior de um denso bosque ou numa clareira cheia de ciladas [...] O caçador teria sido o primeiro a narrar uma história porque era o único

capaz de ler, nas pistas mudas (se não imperceptíveis) deixadas pela

presa, uma série coerente de eventos (GINZBURG, 1989 p. 151-152).

SOBRE A CULTURA ESCOLAR

Para implementação desta pesquisa, sentiu-se a necessidade de destacar o conceito de

cultura material escolar. Além disso, como esta cultura estava diretamente ligada à

construção da memória histórica, o que de alguma forma influenciou a vida dos sujeitos

que circulam pelos espaços escolares e das pessoas que residem no entorno da escola.

Logo, como também defende Ginzburg (1998), os vestígios devem ser valorizados, e a

escola é um espaço favorável para a busca desses sinais, que muito têm a dizer.

Ressalta-se que isso pode ser percebido tanto em documentos escritos, registro de atas,

pautas, como em fotografias, relatos orais, objetos e móveis, e ainda na arquitetura do

prédio, como ocorre no espaço físico em questão. Por isso é tão importante desenvolver

a cultura de valorização do ambiente escolar. São marcas que ficam para o registro da

história de toda e qualquer instituição. Neste sentido, em relação ao Instituto de

Educação de Vitória/ES, há uma lacuna a ser preenchida, pois diz respeito a uma

instituição que muito se destacou na sociedade capixaba nos anos 70.

Para Julia (2001), a noção de cultura escolar exige atenção quanto às práticas, em

especial, aos aspectos internos da escola. Com isso, os historiadores da educação são

convidados a se interrogarem sobre as práticas cotidianas, ou seja, a olharem para

dentro da escola como um todo. Para ela, a cultura escolar trata-se de um conjunto de

normas que definem transmissão de conhecimentos de práticas a ensinar e condutas a

inculcar. Portanto, a escola é o local ideal para esse processo de inculcação de

comportamento.

Outro autor que nos auxilia para a análise da cultura escolar é Viñao Frago (2000). Para

ele, a cultura escolar é compreendida como um conjunto de ideias, princípios, critérios,

normas e práticas sedimentadas ao longo do tempo das instituições educativas. Isso

porque, no interior delas, são produzidas maneiras de pensar e de agir que propiciam

novas experiências aos envolvidos nas práticas escolares.

Ainda segundo o autor, é no interior da escola, seja na sala de aula ou fora dela, é que

existe um ambiente propício para se observarem atitudes, modos de vida e de pensar,

materialidade física, hábitos, objetos e ritos escolares.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisando o caso da constituição histórica do Instituto de Educação de Vitória/ES,

criado no ano de 1971, para ser o novo espaço de formação de professores do Espírito

Santo, consideramos que os vestígios materiais que encontramos nos documentos

escritos, nos iconográficos que estão no arquivo da escola e em outros lugares

pesquisados e incluindo a arquitetura em muito ajudam na (re)constituição histórica da

instituição. Entendemos também que a análise das instituições escolares implica

correlação entre a escola e as condições sociais, culturais e políticas de seus atores.

Ao final desta pesquisa, pretende-se encontrar respostas ou não, para as muitas

questões que até então estão postas como legítimas, talvez pela influência do momento

político da época. Mas, somos conscientes de que precisamos potencializar ações para

que se criem estratégias que burlem situações e/ou posturas que estão de alguma forma

invisibilizadas àqueles que participam de uma forma ou de outra, das culturas

escolares. Pretende-se também junto à comunidade educativa pesquisada, criar um

espaço na própria escola, chamado de sala e/ou espaço da memória, contendo objetos,

fotos e escritos sobre a constituição histórica da instituição, colaborando assim para a

socialização do acervo enquanto fonte de pesquisa.

Finalmente, pretendemos contribuir para a desmistificação da imagem de que a

Educação no estado do Espírito Santo se destaca em alguns textos da época pelas

ausências e faltas. Pretendemos vislumbrar a História da Educação pelo muito que

temos para contar e valorizar o lugar ocupado pela escola, um espaço sempre rico de

convivências.

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