A educação na era vitoriana

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_____________________ 1Acadêmica do 5º período do Curso de Letras LI ad Universidade Estadual Vale do Acaraú UVA. A INFÂNCIA NA ERA VITORIANA: UM PARALELO ENTRE A EDUCAÇÃO RECEBIDA PELOS PERSONAGENS ESTELLA E PIP NA OBRA GRANDES ESPERANÇAS DE CHARLES DICKENS Marta Maria de Sousa Matos 1 RESUMO O presente trabalho tem por objetivo analisar o conceito de infância na era vitoriana. Para tal, tomaremos como base a educação recebida pelos personagens Estella e Pip da obra Grandes Esperanças de Charles Dickens. Pip e Estella são de classes sociais diferentes, órfãs, educadas por terceiros, com perspectivas de vida completamente paralelas uma da outra. Busca-se com este trabalho analisar como o autor Charles Dickens faz uso da arte literária para expressar sua opinião sobre as condições de vida da sociedade vitoriana, colocando em evidência como a criança era tratada, destacando o descaso sofrido por eles na infância, e o que isto poderia acarretar para vida adulta. A qualidade de vida das crianças na sociedade vitoriana dependia diretamente da classe social que sua família ocupava. Caso fosse rica, a criança seria educada, usaria boas roupas, receberia boa alimentação e ainda teria direito a um banho diário. No entanto, se fosse de família pobre, a criança seria submetida a 16 horas de trabalho semanais, não teria uma alimentação adequada e ainda seria privada de condições básicas de higiene, como banhar-se diariamente. PALAVRAS-CHAVES: Educação. Era Vitoriana. Grandes Esperanças. 1. INTRODUÇÃO A era vitoriana foi uma época de fortes contrastes sociais. Foi assim denominada devido a Rainha Vitória. Segundo MENDES (1983) foi uma época de grandes e profundas manifestações, de ordem material e espiritual. Não apenas uma época de expansão política do Império Britânico, mas de progresso real em todos os setores da vida inglesa, inclusive no literário” (p. 08). Mendes destaca em seu texto a importância do papel desempenhado

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A INFÂNCIA NA ERA VITORIANA: UM PARALELO ENTRE A

EDUCAÇÃO RECEBIDA PELOS PERSONAGENS ESTELLA E PIP

NA OBRA GRANDES ESPERANÇAS DE CHARLES DICKENS

Marta Maria de Sousa Matos1

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar o conceito de infância na era vitoriana. Para

tal, tomaremos como base a educação recebida pelos personagens Estella e Pip da obra

Grandes Esperanças de Charles Dickens. Pip e Estella são de classes sociais diferentes, órfãs, educadas por terceiros, com perspectivas de vida completamente paralelas uma da

outra. Busca-se com este trabalho analisar como o autor Charles Dickens faz uso da arte

literária para expressar sua opinião sobre as condições de vida da sociedade vitoriana,

colocando em evidência como a criança era tratada, destacando o descaso sofrido por eles

na infância, e o que isto poderia acarretar para vida adulta. A qualidade de vida das crianças

na sociedade vitoriana dependia diretamente da classe social que sua família ocupava. Caso

fosse rica, a criança seria educada, usaria boas roupas, receberia boa alimentação e ainda

teria direito a um banho diário. No entanto, se fosse de família pobre, a criança seria

submetida a 16 horas de trabalho semanais, não teria uma alimentação adequada e ainda

seria privada de condições básicas de higiene, como banhar-se diariamente.

PALAVRAS-CHAVES: Educação. Era Vitoriana. Grandes Esperanças.

1. INTRODUÇÃO

A era vitoriana foi uma época de fortes contrastes sociais. Foi assim

denominada devido a Rainha Vitória. Segundo MENDES (1983) foi uma

“época de grandes e profundas manifestações, de ordem material e

espiritual. Não apenas uma época de expansão política do Império

Britânico, mas de progresso real em todos os setores da vida inglesa,

inclusive no literário” (p. 08).

Mendes destaca em seu texto a importância do papel desempenhado

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pelos escritores da época, por retratarem as condições da sociedade, as

transformações em todas as áreas, economia, política, literatura, religião.

Segundo Mendes,

“Politicamente, grandes reformas se processam, dando força à

classe dos grandes industriais e manufatureiros, enriquecidos

com as guerras napoleônicas, a vitória eleitoral dos liberais

facilitou essas reformas, alimentadas todas do espírito de

Jeremias Bentham. Algumas delas, como a admissão de judeus

no Parlamento, a liberdade de comércio, os direitos de dispor

da propriedade, a lei divorcista de 1857 e a lei sobre os pobres

operaram profundas modificações de caráter social, com a

melhoria das condições de vida dos operários.” (p. 08).

Mendes atribui todas essas transformações na vida social inglesa à

Revolução Industrial, “quando a utilização da máquina veio trazer

modificações externas e intensas às condições de trabalho e de vida dos

operários” (p. 09).

A partir da Revolução Industrial o volume de produção aumentou

extraordinariamente. A produção de bens deixou de ser artesanal e passou a

ser maquinofaturada. As populações passaram a ter acesso a bens

industrializados e deslocaram-se para os centros urbanos em busca de

trabalho. As fábricas passaram a concentrar centenas de trabalhadores, que

vendiam a sua força de trabalho em troca de um salário, que muitas vezes

não era suficiente para saciar as necessidades mais básicas.

Outra das consequências da Revolução Industrial foi o rápido

crescimento econômico. Antes dela, o progresso econômico era sempre

lento, e após, a renda per capita e a população começaram a crescer de

forma acelerada nunca antes vista na história. A Revolução Industrial alterou

completamente a maneira de viver das populações dos países que se

industrializaram.

Na Inglaterra, por volta de 1850, pela primeira vez em um grande

país, havia mais pessoas vivendo em cidades do que no campo. Nas cidades,

as pessoas mais pobres se aglomeravam em subúrbios de casas velhas e

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desconfortáveis. Mas representavam uma grande melhoria se comparadas as

condições de vida dos camponeses, que viviam em choupanas de palha.

Conviviam com a falta de água encanada, com os ratos, o esgoto formando

riachos nas ruas esburacadas.

O trabalho do operário era muito diferente do trabalho do camponês.

A vida na cidade moderna significava mudanças incessantes. A cada

instante, surgiam novas máquinas, novos produtos, novos gostos, novas

modas1.

Neste contexto, o trabalho infantil passou a ser muito requisitado nas

fábricas, indústrias e minas, por se tratar de mão de obra barata e acessível,

além do fato de que as crianças não reclamavam seus direitos, como o

salário baixíssimo que recebiam por arriscarem suas vidas entre máquinas,

recuperando peças, ou rastejarem-se nas minas, abrindo caminho para os

mineiros. Assim, o trabalho infantil passou a ser um negócio lucrativo para

os empresários.

2. A INFÂNCIA NA ERA VITORIANA

O conceito de infância começou a mudar durante o século 19 e até o

final da era vitoriana a esfera da "infância" foi vista pela classe média como

completamente distinta do mundo adulto. Gerações anteriores foram

expostas às dificuldades e responsabilidades da vida adulta, mas uma nova

mudança de atitude criou uma expectativa de que a vida de uma criança

deveria ser de inocência e de dependência.

Esta mudança de atitude foi, em parte, devido à industrialização e à

urbanização da Inglaterra. Crianças que haviam trabalhado na terra em

pequenas comunidades eram, cada vez mais, empregadas em fábricas como

seus pais. O trabalho e as condições de vida das classes trabalhadoras

cresceram cada vez e tornaram-se mais duras. Mesmo com atos de reforma

social no século 19 que tentavam melhorar a vida dos trabalhadores pobres,

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as mudanças ocorriam bem lentamente e sem oferecer melhorias prévias ou

constantes.

Os Reformadores afirmavam que as condições de vida de muitas

crianças da classe trabalhadora eram inaceitáveis. Eles defendiam que

crianças deveriam ser protegidas contra danos físicos, a corrupção moral, as

responsabilidades da vida adulta e que toda criança deveria ter uma infância.

Então foram criados orfanatos para cuidar das crianças retiradas dos pais ou

daquelas que foram abandonadas ou ficaram órfãs. Todas as religiões da

sociedade vitoriana estavam envolvidas ativamente nesse processo,

incluindo os protestantes2.

3. O CONCEITO DE INFÂNCIA NA OBRA GRANDES

ESPERANÇAS

Podemos perceber durante toda a obra como Dickens usa seus

personagens para expressar sua própria opinião a respeito da sociedade

vitoriana e como as crianças eram tratadas na época. O personagem Pip era

tratado por seus familiares como um peso, ele deveria logo começar a

trabalhar e deixar de ser um desconforto na vida da irmã. Porém, Joe,

cunhado de Pip, o tratava de forma diferente. Joe achava que Pip deveria

trabalhar, mas respeitava a infância do garoto, incentiva os estudos, e

considerava o trabalho como uma forma de tornar Pip digno, com caráter e

reconhecido perante a sociedade.

Já para Mr. Pumblechook era dever de Pip trabalhar para ajudar a sua

família. Vemos então que Mr. Pumblechook era a representação do

pensamento da sociedade vitoriana, que considerava que a criança poderia

deixar a escola e ir trabalhar nas fábricas, auxiliando na renda da família.

No entanto, o conceito de infância de Pip e Estella é bastante

distinto. Estella, além de ser mulher, que já é por si um grande contraste

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para a época, foi educada por uma senhora que possuía dinheiro. Portanto,

Estella teve a oportunidade de estudar, usar boas roupas, alimentar-se

adequadamente, ou seja, recebeu uma educação totalmente diferente da que

Pip recebera. Este foi educado para tornar-se um ferreiro e nada mais além

disso.

Os propósitos para os quais Pip e Estella foram criados também

diferem. Como já foi citado anteriormente, Pip fora educado para tornar-se

um ferreiro. Já Estella foi educada para seduzir o sexo masculino e depois

desprezá-los, isso porque sua mãe adotiva, Miss Havisham, fora magoada na

juventude por um rapaz que a abandonou no altar. “Escuta, Pip, eu a adotei

para que seja amada. Eu a criei, a eduquei, para ser amada. Eu fiz dela o

que ela se tornou, para que seja amada. Ama-a!” (p. 270. Cap. 29).

Miss Havisham educou Estella para partir todos os corações

masculinos, e saciar a sede de vingança da velha senhora. “Parta-lhes o

coração, meu orgulho, minha esperança, parta-lhes o coração sem

piedade!” (p. 119. Cap. 13). A velha senhora ainda explica a Pip o motivo de

ter educado Estella para esse propósito.

“Mas conforme ela crescia, prometendo ser uma linda moça, eu, aos

poucos, aumentei o mal. E com meus elogios, minhas jóias, com meus

ensinamentos, e com minha figura sempre a servir de alerta para que

ela seguisse as lições, tirei o coração dela e o substitui por um pedaço

de gelo […] Teria sido melhor tê-la deixado com seu coração, mesmo que esse coração, depois, viesse a se magoar, a se partir.” (p. 434. Cap.

49)

5. A INFLUÊNCIA DAS RELAÇÕES FAMILIARES SOBRE A

FORMAÇÃO DO CARÁTER DO INDIVÍDUO

A relação entre Pip e sua irmã não era harmoniosa, muito menos

amorosa. Desde os primeiros anos de vida, o personagem foi humilhado,

maltratado, e privado da sua infância. Mrs. Joe dizia que brincar era para

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garotos desocupados. E sempre que tinha oportunidade fazia questão de

dizer a Pip o quanto ele era um desconforto para a vida dela. “Mas qualquer

dia destes eu te abandonarei; eu, sim, que não sou tua mãe, mas que depois

que vieste ao mundo, nunca mais pude tirar este avental” (Cap. 02, p. 22).

Pip sente na vida adulta a influência dos maus tratos sofridos pela

irmã. Por vezes ele relata o desconforto que sentia ao lembrar-se dos

momentos passados ao lado dela.

“A forma como minha irmã me educou tornou-me

demasiadamente sensível. No mundinho em que as crianças

vivem, não importa quem as eduque, não há nada que seja mais

percebido e sentido tão claramente quanto a injustiça. É verdade

que é apenas uma injustiça pequena aquela a que uma criança

pode ser exposta; mas ela é pequena, o mundo dela é pequeno, e

o pequeno cavalo de brinquedo parece, para ela, se erguer muito alto, como um enorme caçador irlandês. Dentro de mim eu havia

suportado, desde a mais tenra idade, um perpétuo conflito com a

injustiça. Sempre soube, que minha irmã, era injusta comigo. .me

criar sozinha não dava a ela o direto de viver me maltratando.

Através de castigos, humilhações, jejuns, vigílias, e outras

formas de penitências, eu nutri essa convicção. E tudo isso, de

um modo solitário e desprotegido, resultou, em eu ser

moralmente tímido e muito sensível”. (P. 84. Cap. 08)

Já a relação entre Estella e Miss Havisham era aparentemente

carinhosa. Estella demonstrava respeito e agradecimento por ter sido

educada pela velha senhora. No entanto, em certos momentos da obra o

leitor percebe certa manifestação de desconforto por parte de Estella devido

as cobranças da mãe adotiva em relação aos planos de vingança contra o

sexo masculino. A própria Miss Havisham percebe o novo comportamento

de Estella. “Pareces feita de pedra! Como teu coração é frio!” (P. 336. Cap.

38).

Estella era muito submissa à Miss Havisham, porém, o leitor

surpreende-se em alguns momentos, pois Estella diz pela primeira vez como

se sente diante de todo o plano de vingança de sua mãe adotiva.

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“A senhora deve saber se sou ou não sou. Sou o que a senhora

me fez. Se todos os méritos são seus, a culpa também é; se

todos os sucessos são seus, os fracassos também são. Em uma

palavra, eu sou isso. […] Todavia, não participei deste

contrato, porque quando ele foi acertado eu mal sabia andar e

falar. Mas e a senhora? O que a senhora ofereceu? A senhora

tem sido muito generosa comigo e devo tudo à senhora, mas o

que a senhora ofereceu?” (P. 336. Cap. 38,).

Miss Havisham é vista com alguém que não é capaz de sentir amor.

Estella é muito grata à sua mãe adotiva, mas tem consciência que não pode

cobrar dela algo que a velha senhora é incapaz de dar. Percebe-se então a

crítica entrelinhas de Dickens a sociedade vitoriana e o quanto as relações

familiares influenciam na vida do indivíduo. Estella fora educada sem

relações dessa natureza, então ela será incapaz de demonstrar algo que não

aprendeu. Estella deixa isso bem claro para Miss Havisham, “a senhora me

pede para dar-lhe o que jamais me deu, meu dever e gratidão não

conseguirão realizar coisas impossíveis”. (P. 336. Cap. 38,).

Miss Havisham acredita e quer provar a Pip e Estella que fez tudo

com boas intenções e educou Estella com todo amor que podia oferecer. “e

provar que eu não sou de pedra. Mas talvez não seja capaz de acreditar que

exista algo de humano em meu coração, não é?” (P. 430. Cap. 49,). No

entanto, a própria Miss Havisham sabe que as pessoas próximas a ela

duvidam que exista algo de humano em suas atitudes.

Estella não é ingrata e sente-se muito agradecida pela oportunidade

que recebeu de ter sido educada por Miss Havisham.

“Minha mãe adotiva, eu já disse que devo tudo à senhora. Tudo

o que tenho é seu, de livre e espontânea vontade. Tudo o que a

senhora me deu, basta que a senhora ordene e terá de volta.

Além disso, não tenho mais nada”. (P. 336. Cap. 38,).

O leitor é instigado por Dickens a se perguntar o quanto as relações

familiares podem influenciar na construção do caráter do indivíduo. Estella

é fruto da educação que recebeu de Miss Havisham e tem consciência disso.

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Ela sabe que não pode sentir aquilo que nunca ninguém sentiu por ela. Que

não pode fazer ações para as quais não fora educada, como por exemplo,

amar.

“Ou então, o que é mais próximo do nosso caso, se a senhora

tivesse ensinado a menina, desde o momento em que ela

desabrochou para a inteligência, com toda força e energia, que

existia uma coisa chamada dia, mas que essa coisa seria

inimiga dela, que a destruiria e, portanto, deveria ser

combatida, visto que havia prejudicado a senhora, e

consequentemente a prejudicaria; se a senhora tivesse agido

assim, e depois, por um motivo qualquer, quisesse levá-la, com

naturalidade, para a luz do dia, e ela não suportasse essa luz, a

senhora se decepcionaria ou se zangaria?” (P. 338. Cap. 39).

O personagem Pip foi educado em um contexto social bem oposto de

Estella, mesmo que ambos tenham a mesma sociedade vitoriana como pano

de fundo. Os exemplos acessíveis à Pip eram Joe, um ferreiro, que não teve

oportunidade de estudar e sua Irmã, que o educou na base da agressão física.

Portanto, Pip não poderia tornar-se um gentleman convivendo nesse meio,

ele só poderia ser o que lhe fora ensinado.

“Naquele tempo, eu ainda não havia tido nenhum convívio com

o mundo e não imitava o exemplo de nenhum de seus muitos

habitantes que agiam dessa maneira. Inteiramente um gênio

autodidata, eu fizera a descoberta de linha de ação por mim

mesmo” (P. 62. Cap. 06).

Joe teve muita influência na formação do caráter de Pip. Ele era a

visão de pai para o menino. O conceito de homem honesto e bom que Pip

deveria seguir.

“É a Joe que deve ser atribuído todo o mérito por eu ter

persistido. Não foi porque eu tivesse um forte senso virtuoso da

indústria, mas porque Joe o tinha, que trabalhei com um certo

zelo, embora a contragosto. É impossível saber o quanto a influência de um homem amável, franco e cumpridor dos

deveres pode mover o mundo, porém é possível saber o quanto

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ela, ao passar, toca o íntimo das pessoas. E sei muito bem que,

o que de bom veio se misturar com o meu aprendizado com

Joe, veio do contentamento e da pureza de Joe, e não das

minhas inquietas aspirações e insatisfações. (P. 132. Cap. 14).

Quando Pip teve a oportunidade de conviver com Miss Havisham e

Estella, passa a sentir vergonha de Joe, mesmo ainda o considerando um

amigo fiel. “Desejei que Joe tivesse sido educado de um modo mais

cultivado, pois, assim, eu também o teria sido” (P. 84. Cap. 08). Vemos

então o quanto o meio transforma o indivíduo. Caso Pip nunca tivesse

conhecido Miss Havisham e Estella, ele jamais teria mudado seu conceito e

se tornaria um simples ferreiro, honesto e bondoso, assim como Joe.

O próprio Pip se mostra satisfeito com o destino que lhe é concedido,

ele aguarda ansioso para trabalhar como ferreiro, como se esse destino fosse

sua libertação dos maus-tratos que sofria de sua irmã. Pip relata “que a

ferraria era o caminho iluminado para a vida adulta e a independência” (P.

131. Cap. 14). Ressalta ainda que

“Quando tivesse idade suficiente, iria ser aprendiz de Joe, e até que pudesse assumir tal distinção, não deveria ser aquilo que

Mrs. Joe chamava de mimado, ou (segundo minha

interpretação) 'mal-tratado’ (P. 64. Cap. 07).

Vemos então a influência da família na formação do indivíduo. A

irmã de Pip sempre empurra o menino ao trabalho, dizendo que ele era um

peso em sua vida. Joe também estimula Pip para trabalhar, pois isso sempre

fez parte da realidade do pobre cunhado de Pip. Mas a concepção de

trabalho para Joe é bem diferente da concepção de sua esposa. Joe considera

que o trabalho será a chave para a construção do caráter de Pip, de sua

dignidade e de sua formação de cidadão inglês.

Pip era apenas um garoto comum, e não tinha noção de como era

visto pela sociedade e por quais motivos era excluído por ela.

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“Assim, não era mais que o garoto da ferraria, e sempre que

algum vizinho quisesse um garoto para espantar passarinhos,

pegar pedras ou qualquer trabalho dessa espécie, eu era o

escolhido para o trabalho. A fim de que, contudo, nossa

'posição superior' não ficasse comprometida.” (P. 64. Cap. 07).

Pip não questiona os motivos pelos quais ele é obrigado a trabalhar

ainda criança, e porque ele não poderia estudar e brincar como os vizinhos

faziam. Somente ao conviver com Miss Havisham e Estella é que o garoto

se dá conta que é pobre, comum, e mal visto pela sociedade.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se com este estudo que a literatura é muito importante para

que se conheça o contexto social em que os escritores vivem e as bases das

quais eles fazem uso para criar suas obras e seus personagens. Ao lermos

Grandes Esperanças, somos levados a viajar até Londres do século XIX, e

ficamos envolvidos pelas incríveis transformações sociais ocasionadas pela

Revolução Industrial. O que mais nos chama atenção da época é o quanto a

criança era desprezada em algumas famílias e exaltadas em outras, grande

contraste social, que permanece até os dias atuais em algumas famílias. A

infância na era vitoriana seria feliz se a criança pertencesse a uma família

rica. Dickens critica a sociedade de forma excepcional, com tanta discrição

que o leitor não percebe logo no início. A literatura sempre nos mostra o

quanto são constantes as transformações sociais e o peso delas em nossas

vidas. O indivíduo está imerso em tanta sujeira, em tantas maravilhas, que

por vezes se perde e foge do seu caminho em meio ao deslumbramento ou a

tristeza. Grandes Esperanças é uma lição e nos prova que o meio é capaz de

transformar o indivíduo e que ninguém nasce tão bom que esteja ileso a

corrupção. Pip nos ensina a importância da amizade verdadeira e os perigos

enfrentados quando o assunto é poder, dinheiro e status social.

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7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. DICKENS, Charles. Grandes Esperanças: texto integral / Charles

Dickens: tradução Daniel R. Lehman. São Paulo: Martin Claret, 2006.

Coleção a obra-prima de casa autor; 49. Série ouro.

2. MENDES, Oscar. 1983. “A era vitoriana”. In: Id. Estética literária

inglesa. São Paulo; Brasília: Itatiaia; INL, (Col. Ensaios, v.10), p. 8-17.

3. http://pt.wikipedia.org

4. http://web.uvic.ca/vv/student/orphans/childhood