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1 A EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM NECESSIDADES ESPECIAIS Questões de atitude, cientifico-pedagógicas, profissionais e legais Luís de Miranda Correia, Coordenador Presidente do Instituto Português de Dislexia e outras Necessidades Especiais (IPODINE) Professor Catedrático Emérito, Universidade do Minho Ana Maria Serrano Professora Associada, Universidade do Minho Ana Pereira do Vale Professora Auxiliar, Universidade do Minho Maria de Deus Saiote Professora Especializada em Educação Especial Rosa Maria Soares Ferreira Professora Especializada em Educação Especial José Boavida Fernandes Pediatra, Centro Hospitalar Universitário de Coimbra Temos de compreender que ninguém terá mais a dizer sobre o que se passa nas nossas escolas e como dirigi-las do que nós, especialistas, professores e pais. Introdução O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea , da Academia das Ciências de Lisboa, define educação como sendo a “ação de desenvolver no indivíduo, especialmente na criança e no adolescente, as suas capacidades intelectuais e físicas e de lhe transmitir valores morais e normas de conduta que visam a sua integração social”, deixando antever uma responsabilidade acrescida a todos os profissionais de educação, especialmente aos professores, também aos pais, no que respeita não só à transmissão de princípios e valores, mas também à transmissão de saberes. Tal como a maioria dos portugueses, estamos conscientes que o objetivo da educação, bem visível na definição enunciada atrás, só é alcançável quando existir uma interação harmónica entre os que decidem e os que professam. Melhor dizendo, terá de haver, obrigatoriamente, um diálogo aberto entre quem dirige o ministério da educação, quem leciona e os pais. E quando a falta de diálogo poderá querer dizer prepotência ou deselegância, adornada de desdém, poder-se-á colocar a seguinte questão: Será que os portugueses estão interessados numa educação de qualidade ou

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A EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM NECESSIDADES ESPECIAIS

Questões de atitude, cientifico-pedagógicas, profissionais e legais

Luís de Miranda Correia, Coordenador Presidente do Instituto Português de Dislexia e outras Necessidades Especiais (IPODINE)

Professor Catedrático Emérito, Universidade do Minho

Ana Maria Serrano Professora Associada, Universidade do Minho

Ana Pereira do Vale Professora Auxiliar, Universidade do Minho

Maria de Deus Saiote Professora Especializada em Educação Especial

Rosa Maria Soares Ferreira Professora Especializada em Educação Especial

José Boavida Fernandes Pediatra, Centro Hospitalar Universitário de Coimbra

Temos de compreender que ninguém terá mais a dizer

sobre o que se passa nas nossas escolas e como dirigi-las

do que nós, especialistas, professores e pais.

Introdução

O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências

de Lisboa, define educação como sendo a “ação de desenvolver no indivíduo,

especialmente na criança e no adolescente, as suas capacidades intelectuais e físicas e

de lhe transmitir valores morais e normas de conduta que visam a sua integração social”,

deixando antever uma responsabilidade acrescida a todos os profissionais de educação,

especialmente aos professores, também aos pais, no que respeita não só à transmissão

de princípios e valores, mas também à transmissão de saberes.

Tal como a maioria dos portugueses, estamos conscientes que o objetivo da

educação, bem visível na definição enunciada atrás, só é alcançável quando existir uma

interação harmónica entre os que decidem e os que professam. Melhor dizendo, terá

de haver, obrigatoriamente, um diálogo aberto entre quem dirige o ministério da

educação, quem leciona e os pais. E quando a falta de diálogo poderá querer dizer

prepotência ou deselegância, adornada de desdém, poder-se-á colocar a seguinte

questão: Será que os portugueses estão interessados numa educação de qualidade ou

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numa mera educação impositiva, desconexa da realidade, opinativa e, porventura, com

cheiro a propaganda?

Do nosso ponto de vista, a eficiência da propaganda educativa tem dominado o

debate político, pelo que a questão que levantamos poderá parecer totalmente

despropositada ou, porventura, poderá inquietar muitas mentes. E, assim sendo, o

silêncio dos portugueses deixa-nos estupefactos, tanto mais que é o futuro dos seus

filhos que está em jogo e com ele o futuro do país. Este silêncio não tem percebido a

catadupa de erros que este ministério da educação (e, porventura, os anteriores) tem

cometido, ignorando as premissas que devem reger uma avaliação de qualidade, que

devem nortear uma igualdade de oportunidades onde todos os alunos se revejam, que

devem colocar acima de tudo a dignificação de uma classe de profissionais que,

presumivelmente, deveria representar com orgulho, que devem respeitar os direitos

das famílias, e tantas outras premissas que poderiam aqui ser mencionadas.

Para o bem ou para o mal, o silêncio parece significar conformidade. Uma

conformidade entorpecida, sinal de desalento, mas, mais grave, de desinteresse por um

processo democrático. De um deixa andar, conduzido por uma propaganda educativa

simplista, em que parece prevalecer claramente apenas uma perspetiva política, em

detrimento de um debate alargado onde todos possam participar, em que o poder dos

princípios democráticos e da ciência prevaleça.

Numa altura em que o ministério da educação parece exercer uma política do

“monopólio da verdade”, sem ouvir aqueles que constituem a sua espinha dorsal, os

professores e os pais, em que sente a necessidade de, como alternativa aos sucessivos

erros, muitos de palmatória, atirar a culpa em todas as direções, é um dever

democrático exigir diálogo, apurar responsabilidades políticas, derrubar mitos, intervir

construtivamente, sob pena de continuarmos a prolongar uma situação que não leva a

lado algum que não seja insucesso sobre insucesso, agora nem sequer dissimulado pela

estatística.

Com este cenário como pano de fundo, o país deve parar para pensar, não se

refugiando numa sonolência insípida a cheirar a capitulação.

Portugal precisa de acordar para um debate que encoraje a participação, não se

compadecendo com a oratória propagandista de quem tem tutelado o ministério da

educação, hoje e ontem, mas sim com a defesa dos direitos daqueles que constituem o

seu bem mais sagrado, as crianças e adolescentes cujo futuro poderá estar seriamente

comprometido.

No caso das crianças e adolescentes com necessidades especiais (NE)1, a situação

afigura-se-nos ainda mais negra, com o sistema educativo português a parecer ter

1 Embora as NE englobem três grandes grupos de indivíduos - de risco; com necessidades educativas especiais (NEE) e com sobredotação -, a ênfase deste trabalho é dada aos alunos com NEE, não querendo isto dizer que tudo o que nele é tratado não possa, de uma forma ou de outa, aplicar-se aos alunos em risco e com sobredotação.

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perdido a noção de como responder às suas exigências educacionais Muito do que se

vai dizendo e fazendo hoje em dia sobre esta matéria não faz muito sentido,

confundindo-se e/ou preparando-se mal os profissionais de educação e baralhando-se

os pais.

É preciso que compreendamos que, na generalidade, os profissionais de

educação em todo o País tentam dar o seu melhor no que concerne à qualidade de

educação que os nossos alunos merecem. Contudo, a tutela, através dos seus técnicos,

neste caso de educação especial, não pode continuar a alimentá-los com más ideias,

muitas delas sem qualquer mérito científico ou pedagógico.

É ainda preciso que façamos tudo aquilo que acreditamos dar resultado. No caso

dos alunos com necessidades educativas especiais (NEE)2 necessitamos de investir mais,

muito mais, quer na formação, quer na forma como pretendemos atender às suas

necessidades, quer no envolvimento parental, quer nos recursos humanos e materiais

necessários, quer no número de alunos por turma, quer, ainda, na sua transição para a

vida ativa. Só desta forma as nossas escolas serão capazes de educar cada um dos seus

alunos de acordo com as suas características. Só desta forma construiremos a tão

desejada “Escola para Todos”.

O propósito deste trabalho, para além de se preocupar com a importância que

deve ser posta na educação dos alunos com NEE, por parte da classe política, da

sociedade em geral e da tutela, em particular, assenta, assim, na equação de uma

tomada de posição que se insira na defesa dos seus direitos e, consequentemente, na

formulação de um conjunto de princípios que permita encontrar um caminho viável a

partir do qual seja possível edificar e padronizar uma educação de qualidade em que

impere a igualdade de oportunidades, na verdadeira aceção do termo. Deste modo, para

além de diagnosticar a situação atual, ele fará um conjunto de recomendações que se

julga essencial para a promoção de uma educação mais adequada e eficaz para as

crianças e adolescentes com NEE, consubstanciadas em oito pontos essenciais, a saber:

(1) A importância das atitudes na educação dos alunos com NEE; (2) A escola para todos

(contemporânea) face ao movimento da inclusão (escola inclusiva); (3) O processo que

deve reger a educação de alunos com NEE tendo por base um paradigma que contemple

as suas características, capacidades e necessidades; (4) A importância dos recursos

humanos no sucesso dos alunos com NEE; (5) A formação de professores e outros

agentes educativos; (6) A educação e envolvimento parentais; (7) A criação de legislação

que favoreça a implementação de boas práticas educativas; e (8) O financiamento

2 O termo NEE abrange um contínuo de indivíduos cujas características os situa entre o ligeiro e o severo. Assim, embora a sua prevalência se situe entre os 8 e 12%, apenas 4 a 6% de indivíduos, com problemas mais severos, necessitarão de ser referenciados para os serviços de educação especial em termos formais. Contudo, os alunos que perfazem a percentagem restante também necessitam, na maioria dos casos, dos serviços de educação especial, embora a título informal.

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necessário para prover uma educação de qualidade para crianças e adolescentes com

NEE.

A importância das atitudes na educação dos alunos com NEE

Um conjunto de princípios fundamentais que pode contribuir para o sucesso

educativo dos alunos com NEE é aquele que diz respeito às premissas que o movimento

da inclusão engloba. Será, portanto, a partir delas, ou com base nelas, que este trabalho

se edificará, seguindo sempre o pressuposto de que a sua génese diz respeito à inserção

de alunos com NEE nas escolas públicas das suas residências. Deste modo, é preciso

perceber este movimento à luz daqueles que o precederam para, assim, podermos

entender como se processam as respostas educativas para os alunos com NEE na escola

de hoje, que Correia (2008) denomina de Escola Contemporânea (Escola para todos).

Assim sendo, é preciso compreender-se que toda a criança tem o direito de iniciar o seu

percurso escolar na escola da sua residência. O mesmo é dizer que, sejam quais forem

as suas características, capacidades e necessidades, as escolas devem estar preparadas

para dar resposta a essa heterogeneidade, tendo por base uma multiplicidade de

serviços e apoios adequados a essas mesmas capacidades e necessidades. Não basta

inserir uma criança numa classe regular ou numa escola regular. É preciso, também, que

lhe sejam proporcionadas condições que permitam maximizar o seu potencial, baseadas

na formulação de respostas eficazes, tantas vezes traduzidas na prestação de serviços e

apoios de educação especial que a criança deve ter ao seu dispor, em vez do dispor a

criança para esses serviços, ou seja, no caso da criança com NEE, a existência de serviços

de educação especial, sempre que possível nas escolas e não fora delas, poderá fazer

com que ela tenha a possibilidade de aprender, lado a lado, com a criança sem

necessidades educativas especiais. A partir daqui, tudo depende das metas educacionais

consideradas e das necessidades e competências dessa criança.

Mas, para que este objetivo seja atingido, deve existir uma concordância quanto

aos pressupostos necessários para que os alunos com NEE venham a ter sucesso nas

escolas regulares onde, como foi dito, devem, por direito, iniciar o seu percurso escolar.

Deste modo, um dos princípios fundamentais para que tal seja possível diz respeito às

atitudes de cada um de nós. Correia (1997) afirma que:

“Não basta criar um sistema de boas vontades. Qualquer tipo de mudança deve ser

compreendida e desejada, não só pelos profissionais de educação, mas também pelos pais

e cidadãos em geral. O movimento da inclusão só terá sucesso se, em primeiro lugar, os

cidadãos o compreenderem e aceitarem como um princípio cujas vantagens a todos

beneficia.”

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RECOMENDAÇÕES

Recomendamos que, dada a escassez de literatura sobre o assunto, sejam

efetuados estudos atitudinais, a nível nacional, que não só tenham em

conta a perceção da sociedade em geral quanto à inclusão de crianças e

adolescentes com necessidades educativas especiais, mas também a dos

profissionais de educação, designadamente, educadores e professores, e a

dos pais.

Em Portugal, ao consultarmos os poucos estudos que existem sobre esta matéria,

verificamos que a sua maioria diz respeito às perceções de professores nos vários níveis

de ensino, sendo praticamente inexistentes os que se referem às perceções dos pais ou

da sociedade em geral. Mesmo os que dizem respeito às perceções de professores

foram realizados com amostras, locais ou regionais, muito pequenas, não refletindo,

portanto, uma perceção nacional.

Deste modo, um dos primeiros passos a dar, quanto a uma restruturação de fundo

no que respeita à educação de crianças e adolescentes com NEE, seria a de se efetuarem

estudos que permitissem recolher e tratar informação sobre os princípios que regem o

movimento da inclusão e as barreiras com que se confronta hoje em dia a chamada

“Escola para Todos”. Seguramente que os resultados destes estudos nos dariam

indicadores preciosos, por exemplo, quanto à forma como se processa a educação das

crianças e adolescentes com NEE, como colaboram os agentes educativos, como se

envolvem os pais na educação dos seus filhos com NEE e como compreende a liderança

todo o processo, incentivando a colaboração e promovendo o sucesso.

A escola para todos face ao movimento da inclusão

A internacionalização do conceito de inclusão deu origem às mais variadas

interpretações, fazendo com que nos nossos dias tenha já entrado no dicionário de

chavões usados em educação. O termo é usado repetidamente, sem qualquer despudor,

não só por quem faz educação, mas também por quem pretende vendê-la ao público

em geral. Embora popular, esta propaganda afigura-se-nos sem sentido, dando lugar a

uma retórica do igualitarismo que em nada beneficia os alunos com NEE significativas.

Neste caso, a igualdade de direitos e de oportunidades educativas terá de ser vista

dentro de uma perspetiva das suas capacidades e necessidades e das diferenças

significativas que alguns deles possuem, respeitando, claro está, sempre essas

diferenças. Caso contrário, entramos em discussões demagógicas que, embora possam

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encantar e seduzir aqueles menos preparados, não passam de isso mesmo, de

discussões palavrosas, pobres de ideias, que levam quase sempre a um pingue-pongue

retórico infrutífero. E é neste pingue-pongue retórico, fruto da nossa ignorância ou

munidos de intenções particulares, que nos vamos esquecendo que haverá sempre

alunos cujos problemas os acompanharão durante todo o seu percurso escolar,

malgrado os bons professores que com eles se possam cruzar, caso não consideremos a

significância da sua diferença. A verdadeira aceção do termo inclusão.

Em nosso entender, esta retórica deu lugar a um conjunto de propostas e de

práticas educativas totalmente desajustadas às necessidades dos alunos com NEE. No

nosso País a situação não é diferente, estando a escola, de uma forma generalizada, a

descurar o atendimento aos alunos com NEE significativas pelo simples facto de se

deixar enredar por argumentos neoliberais, em que o posicionamento sociopolítico

parece suplantar, ou, pelo menos, menosprezar as áreas da aprendizagem, da resolução

de problemas, do desenvolvimento cognitivo, do processamento de informação e de

todas as problemáticas, tantas vezes graves, que daí derivam caso um aluno tenha

dificuldades numa ou mais dessas áreas. Diríamos, até, que os princípios que regem o

movimento da inclusão nunca foram bem compreendidos, daí a confusão que se

estabeleceu entre eles e o conceito de Escola para Todos.

Citando Mary Warnock (2005), “O conceito de inclusão, tal como é interpretado

por muita gente, causa confusão da qual as crianças são as vítimas.”. Diz ela, ainda, que

“os governos devem reconhecer que, mesmo que a inclusão total seja um ideal para a

sociedade em geral, não o será sempre para a escola.” Refere também que, “O ideal da

inclusão brotou de corações no seu lugar”, mas descreve a sua implementação como

“um legado desastroso”.

Também Hegarty (2002) diz que “Não deve ser esquecido que a educação para

todos é uma política educacional fundamental a nível nacional e global. É um palco para

desenvolver esforços na reforma educacional e para aplicar fundos que proporcionem o

seu desenvolvimento. É nossa missão assegurar que a educação inclusiva é reconhecida

como parte da agenda da educação para todos. Assim os interesses educacionais das

crianças com deficiências e dificuldades de aprendizagem são contemplados nos

progressos da educação para todos.”

Posto isto, e tendo em conta a situação portuguesa, a confusão estabelecida é

de tal ordem que uma percentagem significativa de alunos com NEE não está a receber,

informal ou formalmente, os serviços de que necessita, ou seja, não está a receber uma

educação apropriada às suas características e necessidades. Assim sendo, se tivermos

em conta os números adiantados pelo Ministério da Educação e os compararmos com

uma percentagem de cerca de 10 a 12%, figura comummente aceite como

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representando o número de indivíduos com NEE existentes numa população estudantil3,

verificamos que existe um intervalo enorme entre aqueles que, de alguma forma, são

recetores de serviços e aqueles que não o são (Quadro 1).

QUADRO I Número de alunos com NEE com e sem apoio

dos serviços de educação especial

Nº total de

alunos (Pré-

escolar; Ensino

Básico; Ensino

secundário/ 3 a

18 anos)4

Prevalência das NEE

em Portugal

(estimativa com base

nos valores

internacionais -10%)

Alunos com

NEE

apoiados

(4,2%)

Estimativa do nº de

alunos com NEE não

apoiados em Portugal

(5,8%)

1 476 547

147 655

62 100

86 899

Fontes/Entidades: DGEEC/MEC, PORDATA (2012) e Comissão Europeia (2012).

Mais, encontramos ainda um número significativo de indivíduos excluído a tempo

inteiro do sistema escolar público (Quadro 2).

QUADRO II Alunos excluídos da rede pública de ensino

Nº alunos Alunos com NEE apoiados

Nº de alunos com NEE apoiados na rede pública (97,8%)

Nº de alunos com NEE apoiados na rede privada e solidária (2,2%)

1 476 547 62 100 60 756 1 344

Fonte: CNE/DGEEC (2014).

Esta situação é ilustrativa das dificuldades que os indivíduos com NEE ainda estão

a experimentar, embora se reconheça que a sua educação tem vindo a atravessar um

período de mudança, fruto da convergência entre os esforços de um vasto espectro de

pessoas, das quais destacamos os profissionais de educação e as famílias, e um novo

3 Kirk e Gallagher (1979), 8,2-16,2%; Kneedler (1984), 8,52-13,65%; Heward e Orlansky (1988), 11%;

Bullock (1992), 10-12%; Gearheart, Weishahn e Gearheart (1992), 9,48-19,12%;Giangreco (2002), 10-

12%; Hallahan e Kauffman (2002), 10-12%; Heward (2005), 10-12%. 4 Fontes: DGEEC/MEC (2012) e Comissão Europeia (2012).

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entendimento da política educativa (a partir de finais dos anos 90) respeitante à

educação de alunos com NEE, traduzido nos princípios do chamado movimento da

inclusão. Contudo, a mudança mais radical ainda não foi, quanto a nós, conseguida,

situando-se no modo como a comunidade, em geral, e a escola, em particular, venham

a entender o caminho para a procura de uma solução que passe pela forma como os

indivíduos com NEE se devem integrar numa moldura educativa que defenda os seus

direitos e responda às suas necessidades específicas. O Relatório da União Europeia

sobre Educação e Formação (2012) também o atesta, ao dizer que "não obstante os

compromissos assumidos pelos Estados-Membros para promoverem uma educação

inclusiva, os sistemas de ensino ainda não oferecem um tratamento adequado às

crianças com necessidades educativas especiais …”.

RECOMENDAÇÕES

Recomendamos que se esclareçam os conceitos de Escola para Todos e

Escola Inclusiva para que as crianças e adolescentes com NEE possam

receber os serviços adequados às suas capacidades e necessidades.

Correia (1997) ao afirmar que “toda a criança tem o direito de iniciar o seu

percurso escolar na escola da sua residência”, fê-lo com um propósito, o de deixar

perceber que, até meados dos anos oitenta do século passado, quem não frequentava

as escolas das suas residências eram os alunos com NEE significativas. Assim sendo, face

a essa exclusão, foi nessa altura que surgiu o movimento da inclusão, vindo completar

um ciclo de movimentos que, na sua ótica, recuando apenas cerca de cem anos, se

iniciou com o movimento da escola de massas, seguindo-se-lhe os movimentos da escola

multicultural (educação bilingue/bicultural) e da escola integradora (Correia, 1997,

2008) (Figura 1).

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Figura 1. Ciclo de movimentos que levaram à Escola Contemporânea

Deste modo, o movimento da escola inclusiva apoia-se num conceito de inclusão

que, como sempre defendeu Correia, se refere à inserção de alunos com NEE moderadas

e severas, nas classes regulares, onde, sempre que possível, devem receber todos os

serviços educativos adequados, contando-se, para esse fim, com um apoio apropriado

(e.g. de outros técnicos, pais, etc.) às suas características e necessidades. Claro que o

movimento da inclusão, ao completar o ciclo, permite-nos afirmar, aliás como é referido

na Declaração de Salamanca, que todos os alunos têm o direito de aprender juntos nas

escolas das suas residências. Mas, isso não significa que o conceito de inclusão nos dê o

direito de tornearmos o seu sentido, ou seja, o conceito de inclusão não pode, nem

deve, arredar-se muito do objetivo que lhe deu origem, o atendimento educacional a

alunos com NEE significativas efetuado nas escolas das suas residências e, sempre que

possível, nas classes regulares dessas mesmas escolas. Caso contrário, o espírito que deu

força ao movimento da inclusão pode ser desvirtuado e o próprio conceito de inclusão

pode passar a significar confusão e desilusão. Pode, até, no caso dos alunos com NEE,

passar a ser negligência.

Assim sendo, podemos definir o conceito de inclusão (Escola Inclusiva), numa

perspetiva de defesa de direitos e de respostas educativas eficazes para os alunos com

NEE da forma seguinte:

“Inserção do aluno com NEE significativas, sempre que possível na classe

regular da escola da sua residência, onde deve receber todos os serviços educativos

consentâneos com as suas características capacidades e necessidades. Para esse fim, e

quando necessário, ele deve poder contar com serviços e apoios especializados prestados

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por educadores e professores especializados e por qualquer outro tipo de especialistas

que se julgue pertinente, não esquecendo o papel fundamental que os educadores e

professores do ensino regular e os pais devem ter em todo este processo.” (Correia,

2008)

Quanto ao conceito de Escola Para Todos, na Declaração de Salamanca podemos

ler que:

“... as escolas devem ajustar-se a todas as crianças, independentemente das

suas condições físicas, sensoriais, linguísticas ou outras. Neste conceito, terão de incluir-

se crianças com necessidades educativas especiais ou sobredotadas, crianças da rua ou

crianças que trabalham, crianças de populações remotas ou nómadas, crianças de

minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de áreas ou grupos desfavorecidos

ou marginais.” (UNESCO, 1994)

Se estes conceitos forem respeitados, então a possibilidade de se dar a atenção

devida aos alunos com NE que frequentam as nossas escolas será muito maior,

aumentando significativamente o seu sucesso, académico e socioemocional.

Paralelamente, muitos dos alunos com NEE que atualmente frequentam instituições de

Educação Especial, passariam a integrar a escola pública e a receber todos os serviços

de que necessitariam num contexto de educação inclusiva na verdadeira aceção do

termo.

O processo de atendimento a alunos com NEE

O processo que deverá levar à adequação de respostas educativas eficazes para

os alunos com NEE deve ter por base um modelo que enfatize a importância da

observação e avaliação do aluno e dos seus ambientes de aprendizagem, com o fim de

se verificar onde se enquadram as suas características dentro do vasto leque de

problemáticas que se inserem no espectro das NEE (identificação) e onde se situam as

suas necessidades, bem como as dos ambientes onde ele interage (conhecimento) para

que seja possível elaborarem-se intervenções eficazes, sempre num contexto

colaborativo entre professores do ensino regular, professores de educação especial,

outros profissionais de educação e pais, que facilitem, quando necessário, a

individualização do ensino, a implementação de estratégias, comprovadas pela

investigação, que vão ao encontro das capacidades e necessidades desses alunos e a

monitorização do seu desempenho, tendo em conta o seu funcionamento global aqui

mais orientado para as áreas académica, socioemocional e pessoal.

Em Portugal, a situação atual é gritante na perda de etapas de desenvolvimento

junto dos alunos com NEE. Se, em Educação, temos de equacionar o processo e o

produto, quando falamos do atendimento aos alunos com NEE, tendo por referência os

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serviços de educação especial, a ênfase deve ser posta no processo que, ao considerar

as características desses alunos, permite a promoção de uma educação de qualidade,

tantas vezes apontando para a necessidade de se individualizar o ensino. Contudo, no

nosso País nada disto parece estar a acontecer, salvo a existência de pequenas ilhas

onde a situação parece apontar para condições que respeitam os princípios que regem

o movimento da inclusão.

RECOMENDAÇÕES

Recomendamos que se repense o processo de atendimento a alunos com

NEE para que eles possam ter acesso a respostas educativas eficazes e a

serviços e apoios de educação especial sempre que deles necessitem. Esse

processo deve apoiar-se num paradigma em que a diversidade e a

diferenciação pedagógica sejam mote.

Um processo que tenha por meta o sucesso escolar de todos os alunos, sem

exceção, deve apoiar-se num modelo cuja finalidade seja o atendimento às suas

necessidades, designada e principalmente às dos alunos com NE e, no seio destes, dos

alunos com NEE. Em Portugal, Correia (1997), apoiado em três parâmetros

fundamentais, denominados por discurso legislativo, psicopedagógico e social, cuja

interseção deu lugar ao discurso educacional (Figura 2), desenvolveu um modelo que

designou de Modelo de Atendimento à Diversidade cujos contornos desenvolveremos a

seguir, embora que sucintamente.

Figura 2. Discurso educacional

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O Modelo de Atendimento à Diversidade (MAD) tem como objetivo dar resposta

às necessidades de todos os alunos, embora com particular incidência nos alunos com

NE e, dentro destes, nos alunos com NEE. Deste modo, o MAD prefigura um processo

que inclui a provisão de um ensino eficaz para os alunos que estejam a experimentar

problemas nas suas aprendizagens logo no início do seu percurso escolar (Figura 3).

Figura 3. Estruturação de programas educacionais para alunos com NE

Assim sendo, ele tem por base um conjunto de intervenções, consideradas de

uma forma sistematizada (multinível), que permitem, a partir da determinação de uma

linha de base, verificar o progresso desses alunos e, se esse for o caso, monitorizá-lo

recorrendo aos serviços de uma Equipa de Apoio ao Aluno (EAA), que apoiará o aluno

antes de o referenciar para os serviços de educação especial, ou de uma Equipa

Interdisciplinar (IE), caso o aluno seja referenciado para os serviços de educação

especial. O MAD tem, assim, como um dos princípios fundamentais a diferenciação

pedagógica em que o ensino e, consequentemente, o currículo devem ser

adequadamente diferenciados para acomodar as necessidades específicas de todos os

alunos, designadamente, como atrás afirmámos, dos alunos com NE, e, mais

particularmente, dos alunos com NEE. Desta forma, as componentes que materializam

o MAD, nomeadas na Figura 2, formalizam o que acabámos de referir, uma vez que se

preocupam com o que deve ser ensinado (identificação e planificação), como deve ser

ensinado (implementação das intervenções) e como deve ser avaliado o progresso do

aluno (verificação).

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Contudo, para que estas premissas tomem forma, é fulcral, como já foi dito, que

se respeite o princípio da colaboração. O mesmo é dizer que as planificações e

intervenções se devem apoiar, muitas das vezes, no trabalho de uma equipa e não só

no do educador ou professor de turma. Esta equipa, já referida por Equipa de Apoio ao

Aluno (EAA) ou Equipa Interdisciplinar (EI), consoante os casos, deve ter vários

objectivos, de entre os quais destaco: (1) A consultoria aos professores, tendo por base

as suas preocupações quanto aos problemas de aprendizagem e socioemocionais que

um aluno possa apresentar; (2) A identificação de capacidades, necessidades e

interesses de um aluno; (3) A observação e apreciação do processo do aluno; (4) A

proposta/delineação de intervenções adequadas às capacidadses e necessidades de um

aluno; (5) A verificação do sucesso das intervenções; (6) A monitorização do progresso

do aluno; e (7) A comunicação entre a escola, a família e a comunidade. (Correia, 2008)

Finalmente, e tendo presente os serviços que o MAD preconiza, providenciando

a recolha de informação crucial para a elaboração, implementação e monitorização das

intervenções, quer elas sejam preventivas ou reeducativas, e encurtando o tempo

quanto à provisão de serviços de vária ordem, podemos afirmar que estamos perante

um modelo que permite aumentar o índice de sucesso dos alunos com NEE, reduzindo,

simultaneamente, o número de referenciações para os serviços de educação especial.

Assim sendo, quanto a nós, será um processo como o equacionado acima que

caucionará um bom atendimento para os alunos com NEE, garantindo-lhes o direito a

planificações e programações individualizadas, elaboradas por um conjunto de

profissionais de educação com responsabilidades diversas, no sentido de lhes

formularem respostas adequadas às suas características, tendo em conta as suas

capacidades e necessidades.

A importância dos recursos humanos no sucesso dos alunos com NEE

A escola de hoje, para além de prescrever um processo que permita dar

respostas eficazes para os alunos com NEE, deve ainda considerar um conjunto de

pressupostos que lhe possibilite a partilha do sucesso de todos os seus alunos, sem

exceção, com todos aqueles que o ajudaram a construir. De entre esse conjunto de

pressupostos, importa singularizar aqui um que se me afigura bastante relevante: O

papel dos recursos humanos que, quanto a mim, para além de ser insubstituível, torna

possível a otimização de serviços e apoios para os alunos com NEE.

Na escola, os recursos humanos consubstanciam-se nas figuras dos educadores

e professores do ensino regular e da educação especial, do corpo diretivo e dos demais

profissionais que a ela estão alocados. No que se refere aos serviços especializados, o

eixo central diz respeito aos docentes de educação especial, embora seja de realçar que

os serviços especializados não se restringem ao docente de educação especial, uma vez

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que, na maioria dos casos de alunos com NEE, o recurso a outros especialistas é uma

constante. Contudo, no nosso País, as condições no que concerne a este aspeto

parecem ser as mais díspares, não havendo critérios bem definidos que possibilitem aos

Agrupamentos e Escolas munir-se ou ter acesso a um corpo de especialistas que, no

caso dos alunos com NEE, se torna imprescindível. Este facto faz com que, na maioria

dos casos, estes alunos sejam excluídos funcionalmente do sistema educativo,

frequentando aulas para que não estão minimamente preparados ou motivados, não

tendo acompanhamento dentro da sala de aula, não sendo alvo dos apoios a que

deveriam ter direito, enfim, na maioria dos casos entregues à sua sorte.

RECOMENDAÇÕES

Recomendamos que todos os agrupamentos e escolas, sem exceção,

tenham acesso a recursos humanos especializados quando deles

necessitem. Mais, tendo em conta as prevalências que dizem respeito aos

alunos que se inserem no espectro das NEE, alguns desses recursos devem

fazer parte do quadro dos agrupamentos e escolas (ex.: docentes

especializados em áreas de especialização tais como as que dizem respeito

aos problemas de aprendizagem e de comportamento e aos problemas de

comunicação; psicólogos educacionais; terapeutas da fala).

Dunst, Leet e Trivette (1988) concluíram, a partir de um estudo que realizaram, que

a adequação dos recursos se correlacionava, de uma forma significativa, não só com o

bem-estar da família, mas também com a qualidade das intervenções. Os resultados

desse estudo sugeriam, ainda, que a falta de recursos promovia na família um estado de

indiferença aparente, tornando-a menos propensa para uma participação ativa que

contribuísse para colmatar as necessidades da criança. Na ótica destes investigadores, a

existência de recursos adequados é fundamental para a elaboração de respostas eficazes

quer de índole académica quer social, constituindo-se, assim, num fator crucial a ter em

conta.

Desta forma, o Quadro III referencia os recursos humanos que dão corpo ao

conjunto de apoios que um aluno com NEE poderá necessitar, desde o apoio a nível

académico, até a apoios de cariz psicológico, social, terapêutico ou médico.

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QUADRO III

Recursos humanos

Liderança – cujo papel é o de providenciar os meios necessários para a implementação de uma filosofia

inclusiva numa escola e/ou agrupamento de escolas.

Educador/Professor de turma – deve providenciar no sentido de promover uma educação apropriada

para todos os alunos, incluindo os alunos com NEE.

Professor de apoio – deve ser responsável pela consecução dos objetivos considerados nas

programações educativas para os alunos com NEE, levando-os a adquirir as respetivas competências

numa área determinada (por exemplo, língua portuguesa, matemática, etc.).

Auxiliar/Assistente de ação educativa – deve ser responsável pelo apoio ao aluno com NEE (de acordo

com o estipulado pelo educador/professor de turma e/ou pelo docente de educação especial), bem

como pelo apoio aos outros alunos da sala de aula.

Docente de educação especial – deve ser responsável pela elaboração e execução de programas

educacionais adequados às características e necessidades dos alunos com NEE, em colaboração com

os outros elementos de uma equipa interdisciplinar.

Técnicos especializados (estão debaixo desta designação os psicólogos, terapeutas, técnicos de serviço

social, médicos e enfermeiros) – devem ser responsáveis pela avaliação e elaboração de intervenções

adequadas para alunos com NEE nas suas áreas de especialidade.

Pares dos alunos com NEE – podem desempenhar um papel preponderante no processo de educação

do aluno com NEE através de tutórias e/ou colaboração regular orientada pelo educador/professor de

turma e/ou de educação especial.

Pais – são elementos chave no que diz respeito à elaboração de programações educacionais para

alunos com NEE, providenciando informação respeitante ao desenvolvimento e crescimento do aluno

e identificando, conjuntamente com os outros elementos de uma equipa interdisciplinar, objetivos

pertinentes que permitam ao aluno adquirir competências em áreas determinadas.

Assim sendo, e tendo por base o papel fundamental dos recursos especializados no

sucesso educativo dos alunos com NEE, é importante que se considere a criação de redes

de recursos humanos que possibilitem uma prestação de serviços e apoios adequados às

suas capacidades e necessidades. Estas redes de recursos devem integrar especialistas de

vária ordem (ex., psicólogos, terapeutas, técnicos de serviço social) e constituir-se a um

nível supra agrupamento/escola, abrangendo uma área geográfica determinada. Tais

recursos, embora possam ficar sedeadas, em termos meramente físicos, em locais que

ofereçam espaços compatíveis com as exigências de locação e gestão como, por exemplo,

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locais disponíveis em agrupamentos ou escolas inseridos numa determinada área

geográfica, devem ter autonomia para gerir com isenção todas as solicitações de que

forem alvo. A presente situação, em que os recursos especializados estão divididos entre

os que se encontram adstritos a agrupamentos e escolas e os que pertencem aos Centros

de Recursos Integrados (CRI), não parece estar a surtir o efeito desejado, deixando muitos

alunos com NEE sem os serviços a que têm direito.

A formação de professores e outros agentes educativos

Parece-nos evidente que o ministério da Educação se deve preocupar com a

formação do seu pessoal, de acordo com os objetivos educacionais por ele traçados. Uma

vez que o movimento da inclusão pede a inserção de alunos com NEE significativas no seu

seio, esta formação torna-se praticamente obrigatória, sob pena de assistirmos a

prestações educacionais inadequadas para tais alunos. Deste modo, pelo menos os

educadores e os professores necessitam de formação específica, seja ela dentro do

quadro da formação inicial, da formação especializada, ou da formação contínua.

Mas, há que ir mais longe, preparando todos os agentes educativos da zona de

influência da escola a ficarem aptos a responder às necessidades dos alunos com NEE. É

preciso que todos estejamos preparados para que, dentro da nossa esfera de saber e de

influência, possamos prestar os apoios adequados a todos os alunos otimizando as suas

oportunidades de aprendizagem. Assim sendo, no que respeita à implementação de uma

Escola para Todos, muitos profissionais têm de adquirir e/ou aperfeiçoar as suas

competências, sendo para isso necessário valorizar a oferta de oportunidades de

formação e de desenvolvimento profissional.

Contudo, no nosso País, quer a legislação em vigor, quer a formação oferecida pelas

instituições de ensino superior e outras entidades acreditadas para o efeito, no que

respeita a uma preparação inicial (formação pré-graduada/inicial), a uma formação

específica (especializada), ou a uma formação continuada (contínua/em contexto), não

parecem refletir os pressupostos fundamentais para o sucesso dos alunos com NEE

dentro dos princípios que regem o movimento da inclusão.

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RECOMENDAÇÕES

Recomendamos que sejam reconsiderados quer os planos de estudos da

formação inicial quer o formato da formação contínua. Recomendamos,

ainda, que, não só seja avaliada a maioria dos cursos de especialização em

educação especial, extinguindo muitos deles e convertendo os restantes

consoante as prevalências de alunos com NEE que temos nas nossas

escolas, obrigando, tal facto, a reconsiderar os domínios de especialização

em educação especial.

Formação inicial

Numa altura em que noutros países se chama a atenção para o facto de que os

novos professores do ensino regular devem adquirir experiência em como trabalhar com

alunos com NEE5, o nosso país não está para aí virado. Pelo contrário, ao abrigo do

Processo de Bolonha, tivemos, nesta matéria, uma oportunidade única de melhorar

significativamente a qualidade dos cursos que dão acesso à docência. No entanto, o

Decreto-Lei n.º 43/2007, de 22 de Fevereiro, que definia as condições necessárias à

obtenção de habilitação profissional para a docência, não referia nem uma palavra sobre

o assunto, chegando ao cúmulo de revogar o Artigo 15º, Ponto 2, do Decreto-Lei nº

344/89, de 11 de Outubro, que determinava que “Os cursos regulares de formação de

educadores de infância e de professores dos ensinos básico e secundário devem incluir

preparação inicial no campo da educação especial”. E, nessa altura, em Portugal, ainda

nem se falava de inclusão. Resultado deste comportamento desastroso: A maioria das

instituições de ensino superior não considerou unidades curriculares respeitantes a

estas matérias na adequação dos seus planos de estudos ou, se o fez, pareceu ser mais

uma obrigação do que uma inovação. O mais caricato é que, em vez de se tentar

remediar esta situação, o ministério da Educação, ao revogar o Decreto-Lei nº 344/89,

de 11 de Outubro, publica um outro, Decreto-Lei n.º 79/2014, de 14 de Maio, que no

seu Artigo 9.º, Ponto 2, diz que, “A formação na área educacional geral integra, em

particular, as áreas da psicologia do desenvolvimento, dos processos cognitivos,

designadamente os envolvidos na aprendizagem da leitura e da matemática elementar,

do currículo e da avaliação, da escola como organização educativa, das necessidades

5 São disto exemplo, as posições tomadas pelos departamentos de educação de vários Estados dos EUA que

exigem que “todos os professores sejam versados em todas as facetas da educação, incluindo a da educação

especial” (Independent, 28 de Junho de 2006) e pelo governo britânico que, de acordo com um relatório

elaborado pelo “Commons Education Skills Select Committee”, refere que “A preparação em Necessidades

Educativas Especiais deve ser uma parte integrante da formação de professores” (The Guardian, 2 de Julho

de 2006).

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educativas especiais, e da organização e gestão da sala de aula.” O que quer que esta

arrozada queira dizer, o preceituado no referido Decreto-Lei coloca “a preparação inicial

no campo da educação especial” praticamente nas mesmas circunstâncias das prescritas

no Decreto-Lei nº 344/89, de 11 de Outubro, ou seja, raramente vamos encontrar nos

planos de estudos dos cursos do 1.º, 2.º e 3.º ciclo de formação mais do que uma

disciplina, provavelmente semestral, sobre estas matérias e, porventura, opcional.

Este cenário desrespeita vergonhosamente quer os direitos dos alunos com NEE

quer os princípios que regem o movimento da inclusão, pelo que se torna necessário

alterá-lo no mais curto espaço de tempo. Assim, aconselha-se que qualquer que venha

a ser a alteração, esta inclua nos cursos de ensino e de educação pelo menos três

disciplinas que digam respeito à educação de alunos com NEE: Por exemplo, uma

relativa a fundamentos; outra, à observação, identificação e avaliação de alunos com

NEE; e ainda uma outra que diga respeito à elaboração de respostas educativas eficazes

para esses mesmos alunos, tendo por base a diferenciação pedagógica.

Formação especializada

O quadro de formação especializada em educação especial com que hoje nos

deparamos no nosso País é, em muitos casos, assustador. Por um lado, temos

instituições de formação a mais, muitas delas com cursos a obedecerem a uma lógica

financeira, dados num intervalo de 4 a 6 meses, com planos de estudos totalmente

desfasados das realidades que constituem o cerne da formação em educação especial,

com as disciplinas mais díspares, com cargas horárias desajustadas, com formadores

pouco preparados, enfim, colocando no mercado educacional indivíduos cuja

contribuição para o sucesso dos alunos com NEE será muito duvidosa. Por outro lado,

temos a tutela silenciosa, com legislação pouco consequente, a “fechar os olhos” a este

estado de coisas.

Mais, se considerarmos o tipo de especializações dos professores de educação

especial, verificámos a existência de um fosso no que diz respeito à formação

especializada orientada para as crianças e adolescentes que se inserem nos grupos mais

prevalentes de NEE.

Para ficarmos com uma ideia daquilo que afirmamos, vamos começar por

apresentar a percentagem de alunos (prevalências) considerada para cada uma das

categorias que se inserem no âmbito das NEE, uma vez que as prevalências

desempenham um papel fundamental quanto ao rumo que as especializações em

educação especial devem tomar.

Como em Portugal não existem estudos de prevalência fidedignos, recorremos às

percentagens consideradas em estudos de prevalência elaborados por países onde esta

matéria é tida como prioritária e tratada como tal. É o caso, por exemplo, dos Estados

Unidos, da Inglaterra, do Canadá e da Austrália.

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Assim sendo, o ponto de partida deve considerar uma estimativa que nos elucide

sobre a percentagem de alunos com NEE que existem no nosso sistema educativo que,

como já o dissemos no início deste trabalho, deve rondar os 10 a 12%. Tendo por base

esta percentagem, a Figura 4 dá-nos uma ideia das prevalências de cada uma das

categorias que se inserem no espectro das NEE, bem como uma estimativa, traduzida

num intervalo, da percentagem de alunos em risco educacional ou sobredotados.

Figura 4. Prevalências de alunos com NEE, em risco educacional e sobredotados

As prevalências consideradas na Figura 4 fazem-nos refletir, necessariamente,

sobre o tipo de especializações a considerar, uma vez que as percentagens mais

significativas de alunos com NEE, cerca de 75%, se situam nas categorias ligadas às

dificuldades de aprendizagem (42%), aos problemas de comunicação (19%), às

dificuldades cognitivas (deficiência mental) (8%) e aos problemas emocionais e do

comportamento (6%). Apenas 5% dos alunos com NEE se inserem na categoria

denominada por outros que engloba a multideficiência, a deficiência auditiva, os

problemas motores, a deficiência visual, o traumatismo craniano e os cegos-surdos,

enunciados aqui por ordem decrescente das suas prevalências. Os problemas de saúde

perfazem cerca de 13%, sendo que aqui se enquadra a Desordem por défice de

atenção/hiperatividade, sendo, hoje em dia, considerada para esta desordem uma

prevalência da ordem dos 7 a 10%. Desta forma, é necessário que compreendamos

quantos professores especializados temos, e em que áreas, para podermos configurar

uma imagem que nos traduza as valências de formação a ter em conta, a partir das reais

necessidades do sistema (Quadro IV).

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QUADRO IV

Número de docentes com especialização e sem em educação especial

Área de Especialização/

Grupo de

Recrutamento6

Situação Profissional e Formação Específica

Com

especialização

em EE/

Docentes do

Quadro

Sem

especialização

em EE/

Docentes do

Quadro

Com

especialização

em EE/

Docentes

contratados

Sem

especialização

em EE/

Docentes do

contratados

TOTAL

910 (a) 3.297 24 1972 16 5 309

920 (b) 151 1 53 1 206

930 (c) 58 1 38 2 99

TOTAL 3506 26 2063 19 5 652

Fonte: DGEEC, 2014.

Considerando os dados apresentados no Quadro IV, é fácil verificar-se a existência

de um fosso no que diz respeito à formação especializada que seja orientada para as

crianças que se inserem nos grupos mais prevalentes das NEE.

Pela sua análise, tendo em conta que a especialização em problemas cognitivos e

motores, de acordo com a interpretação do ME, se refere às dificuldades cognitivas graves

(deficiência mental), a que são adicionados os problemas motores graves, as

perturbações emocionais graves, a multideficiência e o apoio em intervenção precoce na

infância7, que todas as outras especializações têm a ver com os problemas de

6 Observações: (a) Grupo de recrutamento 910 — apoio a crianças e jovens com graves problemas cognitivos, com graves problemas motores, com graves perturbações da personalidade ou da conduta, com multideficiência e para o apoio em intervenção precoce na infância. (b) Grupo de recrutamento 920 — apoio a crianças e jovens com surdez moderada, severa ou profunda, com graves problemas de comunicação, linguagem ou fala. (c) Grupo de recrutamento 930 — apoio educativo a crianças e jovens com cegueira ou baixa visão. 7 De notar que, durante um período alargado de tempo, um dos ramos de especialização em educação especial dizia respeito às áreas mental/motora/multideficiência, parecendo dar a entender, incorretamente, que os alunos cujas características se inserissem num dos grupos teriam problemas inerentes aos outros grupos.

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comunicação e linguagem graves, surdez moderada, severa ou profunda8, e com a

cegueira ou baixa visão e que, de acordo com o Quadro IV, o número de docentes

especializados se enquadra nas categorias de menor prevalência, verificamos que a

maioria dos professores especializados não está preparada para atender às necessidades

dos alunos com NEE cujas prevalências são mais elevadas, designada e principalmente

dos alunos com dificuldades de aprendizagem que perfazem cerca de metade do número

total de alunos com NEE.

Mais, no que respeita ao exercício da profissão, no caso dos educadores e

professores especializados, há que considerar dois grandes grupos de crianças e

adolescentes com NEE. O primeiro abrange as crianças com idades compreendidas entre

os 0 e os 6 anos e, o segundo, as restantes crianças e adolescentes, ou seja, os indivíduos

com idades compreendidas entre os 7 e os 18 anos.

Assim, tendo em conta as capacidades e necessidades das crianças e adolescentes

com NEE, no caso do primeiro grupo (0-6 anos), os serviços e apoios educacionais

especializados, geralmente designados por serviços de Intervenção Precoce, aqui tidos

como o “conjunto de serviços e apoios prestados a crianças em risco ou com NEE, com

idades compreendidas entre os 0 e os 6 anos de idade, e às suas famílias”, devem ser

prestados por educadores, especializados, bem entendido, em intervenção precoce. No

caso do segundo grupo, os serviços e apoios devem ser prestados por professores

especializados tendo em conta as características, capacidades e necessidades dos

alunos e o enquadramento dessas características no espectro das necessidades

educativas especiais. Deste modo, não faz sentido que, por exemplo, um professor

especializado em “Problemas sensoriais” venha a apoiar alunos com dificuldades de

aprendizagem específicas (ex.: Dislexia).

Quanto à formação especializada propriamente dita, esta deveria ter a duração

de um a dois anos e incluir, para além do elenco das disciplinas, um projeto, de carácter

prático, traduzido na elaboração de um estudo de caso e/ou de um estágio no terreno

sob a orientação de um docente devidamente qualificado.

Os planos de estudos dos cursos de especialização só deveriam ser acreditados se

obedecessem a determinados critérios propostos por uma entidade reguladora, por

exemplo, o Conselho Cientifico-Pedagógico da Formação Contínua (CCPFC) que, para o

efeito, deveria, obrigatoriamente, considerar a opinião dos especialistas na matéria,

neste caso ligados à educação especial.

A título de exemplo, os critérios poderiam incluir o leque de disciplinas nucleares

que cada curso de especialização deveria considerar ou, se esse viesse a ser o

entendimento, as disciplinas que cada docente deveria ter frequentado para ser

considerado especializado numa determinada área de especialização.

8 Aqui, também durante muito tempo, os problemas de comunicação e linguagem andaram associados à perda auditiva, incluindo a surdez.

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No que diz respeito à gestão e funcionamento dos cursos, dever-se-ia exigir que

eles fossem presididos por um doutorado em educação especial ou psicologia da

educação, devendo todas as disciplinas ser regidas por doutorados nessas duas áreas,

salvo se as disciplinas dissessem respeito a outras áreas específicas como, por exemplo,

a de metodologia de investigação. Estas afirmações baseiam-se não só numa política

que tem por base o binómio saberes-experiência-competência versus formação de

qualidade, mas também, como atrás foi dito, nos resultados muito negativos que até à

data se têm observado no plano da formação especializada. Mais, face a estas

considerações, seria ainda bom que se refletisse sobre o alargamento do quadro de

educação especial, bem como das alíneas que regem a colocação de educadores e

professores especializados, tendo em conta as prevalências e as características dos

alunos que se inserem nas categorias que o espectro das NEE abrange.

Considerando as recomendações efetuadas acima, propomos ainda que seja

repensado o referencial de domínios adotado pelo CCPFC, órgão adstrito ao Ministério

da Educação, para a área de formação “Educação Especial”, constante do Decreto-Lei

n.º 95/97 (Artigo 3.º, Alínea a).

O CCPFC optou pelos domínios seguintes:

A71 Domínio Cognitivo e Motor A72 Domínio Emocional e da Personalidade A73 Domínio da Audição e Surdez A74 Domínio da Visão A75 Domínio da Comunicação e Linguagem Sobre estas opções muito haveria para dizer, dado que não se encontra na

literatura emanada do Ministério da Educação uma explicação plausível que nos permita

formular qualquer tipo de juízo, ou apenas compreender os critérios que levaram à

consideração do referencial de domínios acima transcrito. Contudo, podemos afirmar

que esse referencial de domínios nos deixa dúvidas quanto à sua cientificidade e

aplicabilidade. Daí talvez as hesitações que não só se instalaram no seio das instituições

de ensino superior, mas também no seio dos prestadores de serviços educacionais (leia-

se, Agrupamentos e Escolas Públicas e Colégios Privados dos Ensinos Secundário e

Básico), tantas vezes sem saberem que decisões tomar, prejudicando as próprias

instituições prestadoras de serviços, os profissionais de educação especializados que

não entendem o que se está a passar e, mais importante, os alunos com NEE que,

perante esta situação, serão os que mais consequências adversas sofrerão.

Nesta ordem de ideias, voltando aos domínios de especialização para a área de

Educação Especial, com base nas posições tomadas por Luís de Miranda Correia, James

Kauffman e no resultado de uma meta análise efetuada por David Wilson, é-nos possível

propor um referencial de Domínios para a Educação Especial que se enquadra

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perfeitamente no tipo de problemas que os alunos com necessidades especiais,

designadamente com NEE, apresentam nas nossas escolas.

Assim sendo, no caso das especializações em Educação Especial, o consenso

poderia ser alcançado se se considerassem designações próximas das que abaixo

sugerimos:

a) Domínio Cognitivo e de Aprendizagem (Englobando especializações que se prendessem com as dificuldades intelectuais/deficiência mental e com as dificuldades de aprendizagem específicas);

b) Problemas de comunicação (Englobando os problemas da fala e da linguagem); c) Perturbações emocionais, do comportamento e sociais (Englobando o

reconhecimento do controlo das emoções e dos comportamentos e os problemas de interação social);

d) Problemas sensoriais (Englobando os problemas relacionados com a perda auditiva, incluindo a surdez e a perda visual, incluindo a cegueira);

e) Problemas de locomoção e saúde (Englobando os problemas motores/ortopédicos e os de saúde, onde se insere, por exemplo, a Desordem por Défice de Atenção/Hiperatividade);

f) Multideficiência ou Discapacidades Múltiplas (Englobando qualquer combinação de problemas inseridos em duas ou mais áreas mencionadas acima).

Para finalizar, e tendo presente que os serviços de educação especial também

podem ser necessários para os alunos cujas capacidades estão significativamente acima

da média, seria talvez bastante curial considerar mais um domínio no referencial que

abrangesse a educação dos alunos sobredotados e talentosos, designado de Domínio da

Sobredotação e Criatividade. Da mesma forma, se considerarmos que devemos ter em

conta um conjunto de práticas educativas específicas para as crianças em risco ou com

NEE cujas idades cronológicas se situam entre os 0 e os 6 anos, então seria ainda

recomendável que se considerasse um outro domínio, denominado de Domínio da

Intervenção Precoce na Infância.

Formação em contexto

Para que seja possível criar situações que levem a respostas educativas eficazes

para os alunos com NEE, parece-nos evidente que nos devemos preocupar também com

a formação in loco de todos os agentes envolvidos no processo educativo desses alunos,

sob pena de, se assim não for, assistirmos a prestações educacionais inadequadas e

ineficazes. No caso dos educadores e professores, é preciso que estejam preparados para

que, dentro da sua esfera de saber e de influência, possam prestar apoios ajustados a

todos os alunos, otimizando as suas oportunidades de aprendizagem. No que respeita ao

atendimento a alunos com NEE, tendo em conta os princípios da inclusão (social e

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académica), muitos educadores e professores têm de adquirir e/ou aperfeiçoar as suas

competências, sendo para isso necessário valorizar a oferta de oportunidades de

desenvolvimento profissional.

Deste modo, recomendamos ainda um outro tipo de formação, a formação em

contexto. Este tipo de formação contínua deve ser planeado cuidadosamente e ter por

base uma avaliação das necessidades dos profissionais envolvidos e dos agrupamentos

ou escolas onde prestam serviço. Por outro lado, como o termo deixa antever, este

género de formação deverá ter lugar, sempre que possível, no próprio local onde o

educador e/ou professor exerce a sua atividade, através de cursos de curta duração,

jornadas de trabalho, mesas redondas, ciclos de conferências, colóquios, simpósios e

seminários.

A educação e o envolvimento parentais

Com o cenário traçado acima, não admira que, por um lado os pais dos alunos

com NEE sintam a falta de eficácia e a iniquidade que o sistema lhes oferece, ao não

reconhecer em grande parte dos casos os direitos dos seus filhos a uma igualdade de

oportunidades, uma vez que lhes são negados os recursos especializados necessários a

uma boa prestação de serviços e apoios consentâneos com as suas necessidades

específicas e, por outro lado, embebidos talvez numa abnegação que os torna apáticos,

não se manifestem em favor desses direitos.

A atual legislação, Decreto-Lei 3/2008, de 7 de Janeiro, postula a participação

ativa dos pais “em tudo o que se relacione com a educação especial a prestar ao seu

filho” (Artigo 3.º), apelando e garantindo, assim, um direito fundamental da família, mas

igualmente afirmando o dever dos pais na educação dos seus filhos. A realidade da

prática da escola no que respeita as relações escola/família, apontada pelos pais, não

tem sido essa, afastando-se muito deste postulado e não garantido aos pais nem a sua

participação ativa no processo educativo dos seus filhos, nem respostas capazes aos

recursos apresentados por discordância das medidas adotadas. Mais, no seu articulado,

o referido Decreto-Lei apela à participação ativa dos pais na elaboração do Programa

Educativo Individual (PEI), embora, na prática, ele seja elaborado exclusivamente por

profissionais e posteriormente apresentado aos pais para estes, pura e simplesmente, o

assinarem, sem haver qualquer margem para a discussão das opções tomadas. A

colaboração dos pais resume-se, assim, à sua anuência e respetiva assinatura do

documento. Há também registo de casos em que é negado aos pais uma cópia do PEI,

mesmo que obrigatório por lei. Mais, não se percebe a existência da alínea XXX do

Decreto-Lei 3/2008, que diz respeito ao Currículo Específico Individual (CEI), uma vez que

ao pretender substituir o PEI, invocando a funcionalidade dos comportamentos do

aluno, está, na realidade, a discriminá-lo. Um PEI, na sua verdadeira dimensão, ao

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obrigatoriamente considerar o funcionamento global de um aluno, deverá traçar metas

que possam responder com eficácia às suas necessidades, mesmo que de uma forma

funcional. Se este fosse o caso, aumentaria a possibilidade de alguns destes alunos (com

CEI) realizarem exames nacionais para poderem obter certificação.

Outra questão frequentemente levantada pelos pais é a sensibilização e atitudes

dos professores do ensino regular relativamente à educação dos alunos com NEE.

Quando não existe uma atitude positiva, o processo de inclusão de uma criança com

NEE pode ficar comprometido desde logo. Existe na maior parte das vezes, por parte dos

professores do ensino regular, um desconhecimento relativamente às NEE e esse

desconhecimento gera um conjunto de atitudes menos favoráveis ao processo de

inclusão dos alunos que as apresentem. Impedem, muitas vezes, que os alunos com NEE

sejam colocados numa sala de aula “regular” junto de colegas sem NEE e não numa sala

em que estejam apenas alunos com NEE.

Ainda, um outro problema, frequentemente referido pelas famílias, prende-se

com a mobilidade docente, que consideram ser um problema grave no atendimento a

todas as crianças, mas particularmente no que respeita às crianças com NEE. A alteração

contínua da equipa de professores relacionados com um aluno obriga a uma repetição,

em cada ano, do processo de ajustamento da criança, da família e dos profissionais

envolvidos. Este aspeto interfere significativamente com o processo de aprendizagem

da criança.

Também é motivo de preocupação dos pais de crianças com NEE a cada vez

maior proliferação de Mega agrupamentos. Estas estruturas educacionais, ainda mais

descaracterizadas que os agrupamentos, parecem não facilitar a inclusão dos seus filhos

e, devido ao elevado número de alunos que acolhem, aumentam as situações de

bullying de alunos com NEE. As crianças são agredidas, verbal e fisicamente, de uma

forma continuada, muitas vezes perante a passividade de todos que os rodeiam. Na

escola parece não haver resposta para as queixas dos pais e quando estes as levam para

níveis superiores, ou não são tratadas com a urgência necessária, ou o seu efeito é nulo.

RECOMENDAÇÕES

Recomendamos que a Escola reconheça o papel dos pais na educação dos

seus filhos, sob pena, se o não fizer, de vir a contribuir para o agravamento

dessas necessidades e consequente incremento de resultados negativos

que, mais tarde, poderá levá-los ao completo insucesso e/ou abandono

escolar. Mais, considerando as características das crianças com NEE, as

famílias devem pugnar para que se construa um sistema que se baseie na

existência de recursos e serviços que possam vir a responder às suas

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necessidades específicas num clima de entendimento e de saber. Ainda, o

valor do reconhecimento do papel dos pais na educação dos seus filhos,

bem como a consciencialização de problemas recorrentes nas interações

famílias/profissionais faz com que seja de primordial importância a

formação e conhecimento por parte dos profissionais a fim de melhorarem

as suas práticas e conseguirem uma comunicação eficaz no trabalho com

as famílias.

As premissas para a colaboração da Escola com os Pais assentam no exercício de um

direito que lhes assiste, enquanto pais e responsáveis pela educação dos seus filhos. A

evidência científica e empírica tem demonstrado a importância da influência da família

no desenvolvimento dos seus filhos (Mahoney & Perales, 2011; Dunst, 2010) e na

valorização de processos democráticos na escola contemporânea. A colaboração e

parceria Família/ Profissionais pressupõe, segundo Dunst (2002), que os pais e outros

membros da família trabalhem em conjunto com os profissionais para alcançarem

objetivos comuns, sendo que a relação entre a família e os profissionais se deve basear

na partilha de decisões, na responsabilidade compartilhada e na confiança e respeito

mútuos. Como refere DeChillo et al. (1994), “O aspeto essencial e consensual das

relações de parceria Famílias/Profissionais é a reciprocidade, com a partilha de poder e

das decisões.”

Também, no que respeita aos pais, Zipper e Simeonsson (1997) dizem que as

crenças e os valores dos pais desempenham um papel primordial, mesmo que subtil, no

sucesso educativo de seus filhos. E vão mais longe, afirmando que “os pais que

acreditam na sua própria eficácia, acreditam que podem contribuir positivamente para

o desenvolvimento de seus filhos, mesmo que o processo seja lento e sinuoso”. Isto

quererá dizer que os pais que se encontrem neste grupo estarão mais aptos a defender

os direitos dos seus filhos com NEE e, por conseguinte, a rejeitar os resultados escolares

negativos que eles tantas vezes obtêm na escola, atirando-os para retenções sucessivas.

A investigação diz-nos ainda que os pais devem envolver-se ativamente no

processo educativo dos seus filhos (Bloch & Seitz, 1989), neste caso com NEE, uma vez

que podem vir a desempenhar um papel significativo, quer no que diz respeito ao

processo de observação/avaliação e consequente elegibilidade para serviços e apoios

de educação especial, quer no que concerne à formulação de intervenções num

contexto de efetiva parceria com outros profissionais de educação (Stonestreet,

Johnson & Acton, 1991; Serrano & Correia, 2003).

Assim sendo, para que seja possível criarem-se parcerias colaborativas entre

Famílias e Profissionais é importante que sejamos capazes (Escola e Famílias) de:

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Facilitar o acesso da família à informação;

Providenciar informação específica sobre as características das NEE da criança;

Providenciar informação sobre o processo que leve à elegibilidade da criança para os serviços de Educação Especial;

Garantir a participação conjunta de famílias e profissionais na elaboração do Programa Educativo Individual (PEI); e

Envolver ativamente os pais na educação dos seus filhos.

A criação de legislação que favoreça a implementação de boas práticas educativas

Em Portugal, no que diz respeito à educação especial, as práticas educativas para

alunos com NEE são orientadas pelo preceituado na Constituição da República

Portuguesa e na Lei de Bases do Sistema Educativo e operacionalizadas pelo Decreto-Lei

n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, pelo Decreto-Lei n.º 281/2009, de 6 de Outubro, e por um

misto de peças avulsas (Despachos e Portarias) que tem vindo a público nos últimos

anos. Têm ainda sido fruto de um conjunto de critérios emanados do órgão da tutela,

da ética e deontologia dos profissionais envolvidos na educação dos alunos com NEE e

da conduta dos pais. Embora todos estes fatores pretendam contribuir para o sucesso

educativo das crianças e adolescentes com NEE, neste trabalho referir-nos-emos apenas

aos princípios legais que regem o atendimento a tais crianças e adolescentes. Melhor

dizendo, procuraremos interpretar o preceituado no Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de

Janeiro, por ser a peça de legislação que tem recebido mais atenção por parte de

docentes e pais e tem tido maior impacto na educação dos alunos com NEE. Contudo, é

importante que antes se refira que a Lei de Bases do Sistema Educativo, na sua segunda

alteração (Lei n.º 49/2005, de 31 de Agosto) que em nada modificou o preceituado na

Lei original (Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro), considera a educação especial como uma

das “modalidades especiais de educação escolar”. O mesmo é dizer que ela entende a

educação especial como um “ensino paralelo ao ensino regular”, condição totalmente

oposta aos preceitos que edificam o movimento da inclusão. Também o Decreto-Lei n.º

3/2008, de 7 de Janeiro, enferma do mesmo mal, ao considerar as responsabilidades

dos educadores e professores de educação especial muito mais orientadas para a

docência do que para o desempenho de funções exigidas pelos princípios que regem o

movimento da inclusão, num quadro de escola para todos.

Para além deste posicionamento, o Decreto-Lei n.º 3/2008, fruto de um conjunto

de imprecisões e contradições que contém e de interpretações infundadas, não se

coaduna com os interesses dos alunos com NEE nem os de suas famílias devido a

múltiplas circunstâncias que levam a atendimentos ineficazes promotores de insucesso.

Enunciamos apenas algumas que nos parecem fundamentais e que, do nosso ponto de

vista, pedem uma alteração significativa do documento ou, mesmo, a sua suspensão.

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A primeira questão prende-se com o facto de o Decreto-Lei 3/2008 não

operacionalizar conceitos (de inclusão, de educação especial, de necessidades

educativas especiais, …), deixando-os, como vem sendo costume, às mais variadas

interpretações, nada condizentes com os direitos dos alunos com NEE e das suas

famílias.

A segunda questão diz respeito à condição restritiva e discriminatória da lei. Ao

parecer limitar o atendimento às necessidades educativas especiais dos alunos surdos,

cegos, com autismo e com multideficiência (ler com atenção artigo 4º, pontos 1 a 4),

está a discriminar a esmagadora maioria dos alunos com NEE permanentes, de que

destacamos o caso dos alunos com dificuldades de aprendizagem.

Aproveitamos aqui para salientar que as dificuldades de aprendizagem advêm

de diferenças nas estruturas e funções do cérebro, afetando a capacidade de um aluno

para processar informação (para a receber, a armazenar, a rechamar e a comunicar),

sendo os seus tipos mais comuns, a dislexia, a discalculia e a disgrafia, resultando,

essencialmente, de problemas graves nas áreas da leitura, da matemática e da

expressão escrita, embora possam ocorrer em concomitância com outro tipo de

desordens: Do processamento auditivo, do processamento visual, das funções

executivas e, também, do défice de atenção/hiperatividade (Correia 1991, 2008a;

Fonseca, 1984, 2014). Também, pelo que atrás fica dito, e por serem vitalícias, as

dificuldades de aprendizagem são, sem margem para dúvidas, reais e permanentes e,

por conseguinte, os alunos que as apresentem devem obrigatoriamente ter direito a

serviços e apoios de educação especial quando deles necessitarem.

Mais, na lei, a discriminação também pode ser entendida, em muitos casos, de

uma forma reversiva, uma vez que parece querer empurrar os alunos surdos, cegos, com

autismo e com multideficiência para instituições de referência, sejam elas

agrupamentos, escolas, ou unidades de ensino estruturado ou de apoio especializado,

contrariando os princípios inerentes à filosofia da inclusão que diz honrar no seu

preâmbulo.

A terceira questão tem a ver com o uso da Classificação Internacional de

Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (vulgo CIF), da Organização Mundial de Saúde,

(artigo 6º, ponto 3) para determinar a elegibilidade do aluno com NEE para os serviços

de educação especial e subsequente elaboração do programa educativo individual, sem

que a investigação assim o aconselhe. Este facto foi amplamente divulgado, através de

pareceres e do posicionamento de eminentes cientistas e investigadores estrangeiros e

nacionais, estando todos eles em desacordo quanto ao uso da CIF em educação (Quadro

V; Quadro VI). Também em 2007, na Assembleia da República, num Encontro organizado

pela Comissão para a Igualdade de Oportunidades, a grande maioria dos palestrantes

esteve em desacordo quanto ao uso da CIF em educação, afirmando que tal

procedimento poderia trazer consequências desastrosas para os alunos com NEE. Ainda,

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um estudo efetuado por Correia e Lavrador (2010) evidenciou o descalabro que se está

a criar nas escolas quando se faz uso da CIF, com manifesto prejuízo para os alunos com

NEE. Por fim, é por demais evidente que as políticas atuais de educação especial

fomentadas pelo ministério da Educação pretendem relegar a “identificação” e

consequente “diagnóstico” para os serviços de saúde. A nosso ver, se esta política for

implementada, será um erro de palmatória que arrastará ainda mais os alunos com NEE

para “becos sem saída”. Já nos anos 20 do século passado, Samuel Orton reconhecia que

“a dislexia tinha um fundamento neurológico, mas o seu tratamento teria de ser

educacional”. (Richardson, 1989)

QUADRO V

Excertos de afirmações de alguns especialistas

que estiveram envolvidos no processo de conversão da CIF (CIF-CJ)

“A CIF não foi criada para substituir outros processos de categorização, como por exemplo o

“autismo”, mas sim para providenciar informação adicional…Como é usada esta informação

adicional e como devem ser elaborados instrumentos práticos que a possam tornar real e

aplicável são questões ainda por responder. Se o (seu) governo está a planear a substituição

dos processos atuais de conceitualização das necessidades especiais (discapacidades) no

sistema educativo, aconselhá-lo-ia, perentoriamente, a que se opusesse.”

Judith Hollenweger, Member of the World Health Organization task force to adapt the

international classification (ICF) for children and youth with disabilities, Suiça

“A CIF é na verdade dirigida para a vivência comunitária e categorizações de saúde e não

(para) a educação”(…)” Também tenho conhecimento que o Doutor Peter Evans (OCDE – CERI)

não considera a CIF como um instrumento útil para a categorização em educação especial.”

Barabara LeRoy, vice-president, Rehabilitation International

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“Embora tenha acompanhado algum do debate que respeita à CIF, não possuo um

conhecimento profundo sobre o que exatamente será proposto na versão destinada às

crianças e adolescentes que, penso, será anunciada no final deste ano. Pese embora este

constrangimento, não estou seguro de qual o valor que a CIF- CJ terá para as crianças. Será

com certeza muito orientada para a saúde.”

Peter Evans, Coordenador Educação Especial, OCDE

“Concordo consigo de que a CIF-CJ deve ‘alimentar-se das várias avaliações efetuadas pelas equipas interdisciplinares no que respeita aos alunos com NEE significativas’ ”. “A CIF-CJ está na sua primeira edição. Sim, ainda há muito trabalho para ser feito – muito para além da minha reforma.” “Tenho a certeza de que a CIF-CJ não encontrará aceitação internacional, muito menos quanto ao seu uso, durante a minha vida profissional.” Don Lollar, Centers for Disease Control and Prevention, EUA (Member of the World Health Organization task force to adapt the international classification (ICF) for children and youth with disabilities)

“A implementação da CIF está dependente da existência de instrumentos de avaliação que

possam fornecer documentação para a especificação e severidade dos códigos da CIF. (…) A

maioria não se adapta aos elementos de conceitualização do modelo estrutural da CIF.”

“Uma das maiores prioridades (…) é a identificação e criação de técnicas e instrumentos de

avaliação que possam assegurar fidelidade na atribuição de níveis de severidade aos códigos

da CIF.”

Rune Simeonsson ( em 2005, 2009 e 2010), (Coordinator of the World Health Organization

task force to adapt the international classification (ICF) for children and youth with disabilities)

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QUADRO VI

Excertos de afirmações de alguns especialistas

que não estiveram envolvidos no processo de conversão da CIF (CIF-CJ)

“A minha opinião é a de que o uso da CIF na educação especial constituirá um erro sério, mesmo trágico. As definições clínicas/de saúde e as educacionais não são de forma alguma apropriadas para os mesmos processos e profissões.”…”Penso que as pessoas deste país de um modo geral concordariam que as definições clínicas/de saúde não são apropriadas para a educação especial. Isto não quer dizer que elas sejam totalmente irrelevantes, mas são em si insuficientes para definir as condições sob as quais a educação especial é necessária.” James Kauffman, Universidade da Virgínia, EUA

“Penso que as discapacidades são condições intra individuais, e que qualquer definição estará incompleta quando não reconhece os efeitos dessas discapacidades na realização educacional.” Daniel Hallahan, Universidade da Virgínia, EUA

“Na minha opinião, seria prematuro, no melhor dos sentidos, usar a CIF como base para

determinar a elegibilidade para serviços de educação especial, sem que os resultados da

investigação demonstrassem que tal mudança poderia afectar os alunos que actualmente

estão, ou não, a ser atendidos. Neste momento, não vejo como o seu uso poderá ajudar quer

na clarificação do processo de identificação de metas e objectivos para os alunos com NEE

quer na solidificação dos serviços de que esses alunos são alvo.”

William Heward, Universidade de Ohio, EUA

“Muito poucos estudos têm sido efetuados tendo por base a CIF-CJ e os que o foram

singularizam desafios significativos quanto ao que exatamente é codificado para cada uma

das capacidades.” (…) “Passámos três anos a explorar a adoção da CIF numa clínica

pediátrica de diagnóstico desenvolvimental e comportamental, sem obtermos grandes

sucessos.”

Robin McWilliam, Sisken Children’s Institute, EUA

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A quarta questão prende-se com a atribuição da coordenação do programa

educativo individual ao educador de infância, professor do 1º ciclo, ou diretor de turma,

consoante as circunstâncias, facto que, quanto a nós, é uma falácia a merecer a mais

veemente crítica. É muita a investigação que nos dá conta do ceticismo e, por vezes, da

hostilidade dos educadores e professores quanto às suas responsabilidades no que

respeita ao atendimento a alunos com NEE nas suas salas de aula. Para além da falta de

preparação, muitos deles sentem-se apanhados pela armadilha da “qualidade versus

igualdade”, sentindo a “pressão” do sistema quanto à melhoria dos resultados dos seus

alunos ditos sem NEE, mas simultaneamente tendo que responder às necessidades dos

alunos com NEE, cujas aprendizagens atípicas lhes exigem competências que não têm e

que, caso não lhes seja proporcionado o acesso a serviços especializados adequados,

fará diminuir o sucesso escolar dos dois grupos de alunos.

A quinta questão refere-se à confusão que o Decreto cria em relação às medidas

educativas, tendo por base a obrigatoriedade da elaboração de um Programa Educativo

Individual (PEI), conforme Artigo 12.º, Ponto 2. No mínimo é caricata a baralhada que o

próprio ME faz entre o currículo específico individual (CEI) e o PEI, bem visível no

documento da DGIDC, intitulado “Currículo e Programas Educação Especial”, em que

nos “Dados Educação Especial”, “Indicadores de 2012/13, se refere a existência de 50

750 alunos com PEI e 11 219 alunos com CEI. É mais uma das confusões que em nada

beneficia os alunos com NEE.

Para além destas questões, há ainda a destacar o facto de o Decreto usar

frequentemente o termo “deficiência”, deixando entender o seu cariz clínico, quando

desde, pelo menos 1978, ele se tornou obsoleto em educação, passando a usar-se os

termos “necessidades especiais” e “necessidades educativas especiais”.

Finalmente, há ainda uma outra situação que nos deixa confusos e que se refere

ao atendimento dos alunos surdos tal com a lei o prescreve. Fica-se sem saber se estes

alunos se enquadram no espectro dos alunos com NEE permanentes, recetores de

serviços de educação especial, ou se, pelo contrário, fazem parte de uma comunidade,

com língua e cultura próprias, que deve beneficiar de uma educação bilingue. Sem

pretendermos tomar partido quanto às posições adotadas pelos indivíduos surdos, a

educação bilingue de alunos surdos, descrita no artigo 23º do Decreto-Lei 3/2008,

deveria ser objeto de legislação à parte, uma vez que os paradigmas que dizem respeito

à educação especial nada têm a ver com os que enformam a educação

bilingue/bicultural. O simples facto de se introduzir numa “lei de educação especial” o

fator da multiculturalidade (neste caso, do ensino bilingue), pode levar muita gente a

inferir que todas as crianças e adolescentes de determinada comunidade (ex., cigana,

cabo-verdiana, bósnia) devem ser alvo de serviços de educação especial, o que anda

muito longe da verdade.

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Este conjunto de questões, gravíssimo na sua moldura educacional, baseado por

um lado num conjunto de imprecisões científicas e de desconhecimento factual e, por

outro, na falta de investigação credível e no facto de que a maioria dos especialistas

advoga que o uso da CIF em educação é pernicioso, lesivo portanto dos direitos dos

alunos com NEE, é suficiente para que, pelo menos, a lei seja repensada no sentido de

promover respostas educativas eficazes, promotoras de sucesso, para todas as crianças

e adolescentes com NEE.

RECOMENDAÇÕES

Recomendamos que, face aos princípios que sedimentam o

movimento da inclusão, se repensem muitas das peças legislativas que

regem a educação de crianças e adolescentes com NEE em Portugal,

particularmente o preceituado na segunda alteração da Lei de Bases do

Sistema Educativo (Artigos 19.º, 20.º e 21.º) e muito do prescrito no

Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro ou, preferencialmente, que se crie

uma peça de legislação única que sirva os interesses e respeite os direitos

dos alunos com NEE e os de suas famílias.

A legislação e o comportamento de todos aqueles envolvidos na educação dos

alunos com NEE são elementos fundamentais que devem nortear a implementação de

boas práticas educativas. Assim sendo, e no que diz respeito à educação especial, essas

práticas, que se pretendem eficazes, devem ser moldadas por critérios bem definidos,

consubstanciados em leis que sejam o garante dos direitos dos alunos com NEE e das

suas famílias e, por conseguinte, que sejam o motor de uma educação de qualidade que

permita responder com eficácia às características e necessidades desses mesmos

alunos. No presente, este não parece ser o caso. O Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de

Janeiro, cujo objetivo seria o de reestruturar os serviços de educação especial, não

considera um conjunto de condições que caracterizam o que comummente se designa

por uma educação de qualidade, justa e apropriada às capacidades e necessidades dos

alunos NEE. Melhor dizendo, contém um misto de aspetos negativos, de cariz

acentuadamente grave, que nos leva a refletir se realmente o seu objetivo é o de

promover aprendizagens efetivas e significativas nas escolas regulares para todos os

alunos com NEE.

Na nossa aceção, estamos perante uma lei que não garante a existência e eficácia

dos serviços de educação especial para todos os alunos com NEE permanentes que deles

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necessitem, que assegure a exação e a adequação das decisões a tomar quanto à

provisão desses serviços, que aprovisione os meios financeiros necessários ao seu bom

funcionamento, que considere um conjunto de procedimentos administrativos, preciso

e claro a todos os níveis, que tenha por base o conhecimento científico que a

investigação credível tem gerado. Assim sendo, ao analisarmos o referido Decreto-Lei,

verificamos que, na generalidade, estas premissas não foram consideradas ou foram-no

incorretamente, talvez por três razões essenciais. Pelo pensamento e a ação que

motivaram a sua elaboração estarem arraigados a congeminências políticas, financeiras

e sociais. Pela falta de consulta a especialistas de renome, professores, pais e demais

agentes educativos e instituições. E pela inexistência de debate e subsequente discussão

pública quanto aos conteúdos do Decreto-Lei. Esta nossa afirmação é secundada por

Skrtic, cientista e especialista de notoriedade mundial, que recomenda que sejam

ouvidas as vozes dos cientistas, investigadores, académicos, professores e pais para que

se “possa compreender o lugar da educação especial na complexa teia das inter-relações

sociais, políticas, culturais, económicas e organizacionais que regem as nossas vidas e as

dos nossos utentes”9.

Foi talvez a falta deste diálogo que deu lugar à publicação de uma lei incoerente,

confusa, que deveria ter por objetivo primeiro elucidar as nossas escolas quanto à forma

de responder mais eficazmente às necessidades dos alunos que requerem uma atenção

muito especial, apoiada numa miríade de intervenções específicas e de um conjunto de

recursos especializados para que, assim, lhes pudessem criar condições que permitissem

melhorar a sua qualidade de vida, educacional, socioemocional e pessoal. Assim, é

também de extrema importância que a Lei clarifique o processo que deve nortear o

atendimento aos alunos com NEE, baseado nas premissas de um modelo de

atendimento, como o apresentado neste trabalho, para que seja possível desenhar-se

uma educação apropriada à diversidade de características que esses alunos apresentam,

processo esse que deve ser regulamentando e implementando em todas as escolas e

classes do país.

Assim sendo, recomendamos a reanálise dos artigos que figuram na Lei de Bases

do Sistema Educativo, à luz da filosofia atual que rege a educação de crianças e

adolescentes com NEE, bem como a revisão urgente do Decreto-Lei n.º3/2008, de 7 de

Janeiro, não só através da efetuação de alterações significativas aos seus conteúdos,

mas também da anulação de todo o preceituado que diz respeito ao uso da CIF.

Contudo, é nossa convicção que, perante uma situação tão volátil, talvez fosse preferível

alterar e/ou revogar muita da legislação existente, sendo desejável a criação de uma só

lei, bem fundamentada, impulsionadora de boas práticas educativas para todos os

alunos com NEE.

9 Skrtic, T.M. (1988). Response to the January executive commentary: No more noses to the glass.

Exceptional Children, 54, 475-476.

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Financiamento

Como aqui já foi dito, é necessário que se provisionem os meios financeiros

necessários que possibilitem um atendimento muito mais eficaz para todos os alunos

com NEE. Estamos convencidos que os fundos alocados pelo Ministério da Educação

para a educação especial estão muito longe de ser os desejáveis, embora

compreendamos que alguns deles podem ser libertados em favor da consolidação de

uma política de educação dos alunos com NEE que tenha por base o seu envolvimento

nas escolas públicas de acordo com os princípios que regem o movimento da inclusão.

A título de exemplo, a análise dos Quadros VII e VIII permite-nos perceber como

podem ser feitas transferências ou, até, supressões de verbas, no que concerne ao

atendimento a alunos com NEE.

O Quadro VII dá-nos uma ideia das verbas despendidas com os alunos com NEE

por cada uma das redes de atendimento: pública, solidária (Associações e IPSS) e privada

(Escolas de educação especial).

QUADRO VII

Montantes globais atribuídos às redes de atendimento a alunos com NEE

Rede Pública Rede Solidária e

privada

Total

186 712 850 €

(60 756 alunos)

33 904 000 €

(1 344 alunos)

220 616 850 €

(62 100)

Fonte: DGPGF, 2013

Com base nos dados apresentados no Quadro VII, o Quadro VIII dá-nos as verbas

atribuídas a cada aluno com NEE pelas três redes de atendimento.

QUADRO VIII Custos despendidos em cada aluno por rede de atendimento

Rede Pública Rede Solidária e privada

3 073 € 25 226 €

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Sem pretendermos fazer quaisquer juízos de valor, pela análise dos Quadros VII

e VIII verifica-se um desequilíbrio financeiro significativo entre as verbas atribuídas à

rede pública, 186 712 850 € para atender 60 756 alunos e as verbas atribuídas às redes

solidária e privada, 33 904 000 € para atender 1344 alunos. Este desequilíbrio permite-

nos afirmar que cada aluno da rede pública recebe menos de 1/8 de fundos do que cada

aluno da rede solidária e privada ou que as redes solidária e privada recebem,

proporcionalmente, cerca de oito vezes mais verba do que a rede pública.

Ao atendermos a estes números e ao significado que devemos atribuir-lhe, tendo

presente o movimento da inclusão, verificamos que é possível melhorar a qualidade dos

serviços de educação especial e, consequentemente, aumentar a eficácia das respostas

educativas para os alunos com NEE se alocarmos mais verbas para a rede pública, quer

examinando melhor os orçamentos das instituições privadas, quer transferindo mais

verbas para a área de educação especial da rede pública que, de acordo com a

prevalência de alunos com NEE, deveriam, pelo menos, ser três vezes superiores às

verbas que atualmente lhe são alocadas, tendo em vista que o orçamento do ministério

da Educação é da ordem dos 8 000 milhões de euros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em conta tudo o que atrás ficou dito, estamos cientes que as soluções

nem são simples nem otimistas, uma vez que os alunos com NEE só beneficiam do

ensino ministrado nas classes regulares quando existe uma congruência entre as suas

características, as suas necessidades, as expectativas e atitudes dos professores e os

apoios adequados. Caso contrário, a inclusão destes alunos passa a exclusão funcional,

onde os programas são inadequados ou indiferentes às suas necessidades.

Presentemente, face à realidade que vivemos no nosso país quanto à qualidade

dos serviços de educação especial, coloca-se-nos um desafio, ou perseguimos a

excelência, ou nos ajustamos ao marasmo administrativo e educacional que parece ter

lançado a educação especial na mediocridade, com todas as consequências negativas

que daí advêm para os alunos com NEE e para as suas famílias. Na nossa ótica, só há

uma alternativa: Aceitar a responsabilidade de promover a implementação de

programas eficazes que se baseiem em factos e não em mitos, que se apoiem na

investigação e não em modas, e que tenham como referência a defesa dos direitos

desses alunos e não a iniquidade. É preciso que nos envolvamos todos, de uma forma

decidida, na luta pela criação de legislação adequada e pela obtenção de recursos

humanos e financeiros e que, simultaneamente, agarremos a oportunidade de

contribuirmos desinteressadamente para o fortalecimento de uma área que, não nos

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restam quaisquer dúvidas, é o garante do crescimento e da maximização das

aprendizagens das crianças e adolescentes com NEE.

A comunidade educativa deve perceber que a sua atitude face à educação dos

alunos com NEE faz toda a diferença, influenciando, positiva ou negativamente, o seu

desenvolvimento académico, socioemocional e pessoal. Os nossos medos e as nossas

inseguranças não devem restringir ou, até, impedir esse desenvolvimento. Pelo

contrário, devemos munir-nos de convicções fortes que permitam dar aos alunos com

NEE as oportunidades para se desenvolverem, de acordo com as suas capacidades e

necessidades, e, assim, poderem vir a tornar-se em cidadãos atentos, autónomos e

produtivos.

Deste modo, propor alterações que impliquem mudança de um sistema que se

tem revelado ineficaz, no que concerne ao atendimento a alunos com NEE, exige o

conhecimento desse mesmo sistema, a preocupação de criar situações educacionais

que proporcionem uma igualdade de oportunidades para esses alunos e a vontade de

se tomarem decisões que favoreçam o seu desenvolvimento.

Face a esta realidade, impõe-se considerar um conjunto de mudanças que

permitam criar um clima de confiança e de cooperação entre todos aqueles que lidam

com alunos com NEE, para que seja possível implementar em todas as escolas do país

um modelo de atendimento que se revele adequado. Neste sentido, é imperativo que

se estabeleça uma simbiose entre as políticas e as práticas educativas para que a

prestação de serviços e apoios aos alunos com NEE reflita os conhecimentos mais atuais,

gerados quer pelas experiências já vividas quer pela investigação mais recente.

Com isto em mente, e tendo por base as recomendações efetuadas, propomos

o seguinte:

Que, gradualmente, o sistema se empenhe em responder às necessidades de todos os alunos com NE, designadamente dos alunos com NEE, nas escolas das suas residências;

Que se encontre um consenso quanto aos conceitos a considerar para que a articulação escola/pais/serviços possa ser feita de uma forma homogénea e esclarecida;

Que se adote um modelo de atendimento com o fim de se uniformizar, a nível nacional, a prestação de serviços para os alunos com NE, nomeadamente para os alunos com NEE;

Que se considere um processo multinível que possibilite dar respostas adequadas às necessidades dos alunos com problemas ligeiros de

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aprendizagem, em risco educacional, com necessidades educativas especiais e sobredotados;

Que os agrupamentos e escolas sejam responsáveis pela educação de todos os alunos, designadamente dos alunos com NEE;

Que se criem redes de recursos, constituídas por psicólogos, terapeutas e técnicos de serviço social, em zonas geográficas específicas, preferencialmente nos agrupamentos, sempre que estes ofereçam condições físicas que permita aí a sua locação. Nestas redes deve ainda considerar-se a inserção de docentes especializados em problemas motores, deficiência visual, deficiência auditiva e multideficiência, uma vez que a prevalência de alunos que se enquadram nessas problemáticas é reduzida e as assimetrias são grandes;

Que se aumentem os quadros de educação especial tendo, no entanto, por base as especializações dos docentes, e se criem quadros para os outros serviços especializados, designada e principalmente para os serviços de psicologia e terapêuticos;

Que se repense a formação inicial e especializada e se promova a formação em contexto, tendo em conta os princípios que regem o movimento da inclusão e as prevalências dos alunos com NEE;

Que se crie uma só peça de legislação que venha a ser orientadora de boas práticas educativas para os alunos com NE, particularmente para os alunos com NEE, alterando-se o articulado na Lei de Bases e modificando-se significativamente ou revogando-se o Decreto-Lei 3/2008, de 7 de janeiro, dado que o preceituado nesses documentos não se coaduna com os interesses dos alunos com NEE;

Que se ajuste o financiamento às reais necessidades do sistema educativo.

Propõe-se, ainda, que para uma maior eficácia dos serviços de Educação

Especial, se considere:

A criação de um Gabinete de Educação Especial, de preferência adstrito ao gabinete do ministro da Educação ou ao de um dos seus secretários de Estado, cujo objetivo primordial seja o de reorganizar os serviços de Educação Especial no âmbito do Ministério da Educação, bem como dirigir, orientar e coordenar esses mesmos serviços;

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A criação de um Conselho Consultivo para a Educação Especial, constituído por “experts” de inegável qualidade científica e competência nesta área, cujas funções sejam as de dar parecer sobre as políticas e práticas subjacentes a um bom atendimento educativo para os alunos com NE;

A criação de uma Comissão Interministerial para a Educação Especial, destinada a propor as ações e estratégias adequadas a assegurar a coordenação e cooperação entre o Ministério da Educação e os demais Ministérios ligados à prestação de serviços para os alunos com NEE. Esta comissão, presidida por um elemento do ME e integrando elementos do Ministério do Trabalho e Segurança Social (MTSS) e Ministério da Saúde (MS), prolongaria para além da idade pré-escolar, a lógica já existente de articulação intersectorial da Comissão de Coordenação do Serviço Nacional de Intervenção Precoce na Infância (SNIPI), criada no âmbito do DL 281/09, de 6 de Outubro.

Para finalizar, estamos convictos que só uma reestruturação urgente dos serviços

de Educação Especial, tendo por base muitas das preocupações descritas acima, poderá

pôr cobro a situações de negligência e de exclusão experimentadas por um número

considerável de crianças e jovens com necessidades especiais, cujo direito a uma

educação igual e de qualidade lhes é garantido nos artigos 71º e 74º da Constituição da

República Portuguesa e cuja preocupação se insere no Programa do Governo e a que a

Escola, pedra base da formação pedagógica, cívica e moral, não deve, nem pode,

exonerar-se da sua quota-parte de responsabilidade. Ou seja, Portugal pode continuar

a subscrever documentos internacionais defensores do movimento da inclusão, como

tem feito; contudo, sem uma política de intervenção junto dos alunos com NEE que

comece logo à nascença, privilegie a interdisciplinaridade e individualização, promova a

competência pedagógica e cientifica dos professores do Ensino Regular, de Educação

Especial e dos demais profissionais de educação e estreite a articulação com as famílias,

ficaremos apenas com palavras, feitas páginas mortas nos Diários da República e

noutros documentos oficiais, que em nada contribuem para o sucesso dos alunos com

NEE.

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