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    A EDUCAO A DISTNCIA COMO POSSIBILIDADE DE

    FORMAO DOS SUJEITOS DA EJA

    Isamara Grazielle Martins CouraFaculdade Pitgoras Betim MG.

    Wilson Jos de Arajo

    Universidade Federal de Ouro Preto UFOP, Centro de Educao Aberta e a Distncia.

    RESUMO: O presente artigo visa discutir a modalidade Educao Distncia (EAD) como umapossibilidade na Educao de Jovens e Adultos (EJA). A EJA um campo da educao cuja finalidade

    garantir o direito educao queles que no tiveram acesso a esta na chamada idade regular.

    Entretanto, demonstra atravs de sua histria vrios momentos de avanos e retrocessos que acabam

    por caracteriz-la como um campo de luta permanente pela garantia do direito educao com

    qualidade. A EAD uma modalidade educacional que vem crescendo no Brasil e que tem sido

    pensada como uma alternativa tambm para EJA. Partindo ento dessa perspectiva, pretendemos

    discutir a EAD como possibilidade para a EJA, levando em considerao as dificuldades apresentadas

    pelos sujeitos da EJA para ter acesso escolarizao, ocasionando sua excluso social, sem deixar delado a preocupao com uma educao de qualidade.

    PALAVRAS-CHAVE: Educao de Jovens e Adultos; Educao distncia; Incluso social

    1. Introduo

    O artigo pretende refletir sobre as possveis contribuies da educao a distncia paraa educao formal de jovens e de adultos. A idia do artigo surgiu aps discusses

    relacionadas s lutas da educao de jovens e adultos (EJA) durante os anos para se efetivar

    enquanto modalidade de ensino, assim como o desejo de acesso a uma escolarizao de

    qualidade para todos os cidados brasileiros que se encontram privados desse direito e as

    possibilidades apontadas pela educao distncia (EAD), modalidade que vem crescendo

    em nosso pas. As anlises partiram da pesquisa de mestrado intitulada: A terceira idade

    volta escola: expectativas e motivaes, associada experincia com educao distncia,

    promovida pelo Centro de Educao aberta e a distncia da Universidade Federal de Ouro

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    Preto (UFOP), somadas algumas leituras de referenciais tericos que tratam tanto de EJA

    quanto de educao a distncia.

    A educao formal ainda tida como um sonho para boa parte da populao brasileira,

    que no teve acesso escola. A partir dos relatos dos entrevistados para a realizao da

    pesquisa de mestrado acima citada, foi possvel notar como essas pessoas valorizaram e

    desejaram o saber escolar durante toda sua vida, uma vez que isto foi reafirmado por eles em

    vrios momentos de suas entrevistas.

    Se, quando crianas, na chamada idade escolar1, houve obstculos que impediram a

    concretizao desse desejo, como ter sado para trabalhar, ajudar a manter a casa ou cuidar da

    me, quando jovens ou adultos no foi muito diferente. A idade avanou, em alguns casos,

    mudaram de estado civil, de casa, at mesmo de trabalho, mas as dificuldades para chegar a

    conquistar a escolarizao continuavam a existir.

    A falta de um saber formal foi percebida por vrios entrevistados como um dos fatores

    que contribuiu para que ficassem, de certa forma, a margem da sociedade. Em alguns casos

    por se sentirem inferiorizados, e assim, se afastaram de alguns espaos e situaes sociais, ou

    por no conhecerem seus direitos. Para Giovanetti (2006) a falta de acesso educao formal

    um dos fatores que deixa profundas marcas nos seres humanos, os quais vo, ao longo da

    vida, construindo uma auto-imagem marcada pela falta e pela negatividade. A partir do

    momento que voltaram a freqentar a escola, perceberam-na como fonte de acesso a uma

    participao social mais efetiva, enfrentando os desafios do cotidiano com mais coragem e

    elementos, adquiridos no processo de escolarizao.

    Muitos jovens, adultos e idosos ainda tm estado distante da escolarizao formal e

    sem o contato com as novas tecnologias, que tem sido formas novas de socializao. Utilizar

    a EAD como forma de continuidade de formao para indivduos que configuram os sujeitos

    da EJA, significa integr-los sociedade contempornea e oferecer uma forma flexvel de

    formao continuada. O processo de socializao dos indivduos, das novas geraes ou ossujeitos da EJA, inclui a preparao desses para o uso dos meios tcnicos disponveis na

    sociedade, como o computador e o uso de internet. O parecer CNE/CEB/11/2000 destaca a

    Educao de Jovens e Adultos como uma promessa de desenvolvimento para todas as

    pessoas, de todas as idades. Segundo este a EJA possibilitar a adolescentes, jovens, adultos e

    idosos atualizar conhecimentos, mostrar habilidades, trocar experincias e ter acesso a

    novas regies do trabalho e da cultura.

    Para Belloni (2002) as diferenas entre uma sociedade e outra e os momentoshistricos so as finalidades, as formas e as instituies sociais que se envolvem na

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    preparao desses indivduos. A utilizao da EAD como forma de continuidade do processo

    de socializao e escolarizao dos sujeitos da EJA, uma possibilidade que surge na medida

    em que entidades governamentais tm oferecido condies tcnicas para o acesso ao

    computador e internet, para uma parcela crescente da populao brasileira que estava fora da

    sociedade da informao.

    2. Os percalos na tentativa de escolarizao

    A Educao de Jovens e Adultos no Brasil pode ter como referncia de seu incio a

    presena dos jesutas na catequizao e na imposio cultural aos indgenas no Brasil

    colonial. assim que se d o incio da histria de alfabetizao dos adultos no Brasil de

    acordo com Galvo e Soares (2004):

    Os indgenas adultos foram submetidos a uma intensa ao cultural e educacional,embora os jesutas priorizassem sua ao junto s crianas. Vale ressaltar que os

    jesutas so considerados os principais agentes educativos do Brasil desde sua chegadaem 1549 at 1759, quando foram expulsos pelas novas diretrizes da economia e dapoltica portuguesa. (GALVO e SOARES, 2004, p.28 -29)

    Desde este momento at hoje a EJA se caracteriza como um campo de luta pela

    garantia do direito educao. Se tomarmos por base as polticas pblicas em relao a esta

    modalidade educacional percebemos uma srie de avanos e retrocessos que se alternaram

    durante as mudanas de governo no pas.

    Dentre as diversas caractersticas que se atribui a esta modalidade de educao a busca

    constante para que o direito educao para todos, em qualquer idade, seja efetivamente

    garantido , sem dvida, uma das principais. Garantir educao gratuita e de qualidade a todos

    permite que se instale nas salas de aulas de EJA outra de suas grandes marcas: a diversidade.

    comum encontrarmos nas salas de EJA pessoas que diferem quanto ao gnero, raa, religio

    e idade.

    Embora tenham tantas caractersticas distintas, existe entre os sujeitos da EJA de uma

    forma geral uma semelhana. Nas pesquisas j realizadas muito comum encontrarmos

    histrias de pessoas que desejavam escolarizar-se, mas foram impedidas pela falta de escolas

    ou pela necessidade de trabalhar para auxiliar no sustento de sua famlia. Esse processo

    muitas vezes os levaram a uma posio marginal na sociedade e at mesmo a uma auto-

    imagem negativa.Sobre este fato ressalta Giovanetti (2006)

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    A vivncia do processo de excluso social, fruto do agravamento da desigualdadesocial que se expressa na falta de moradia, no atendimento sade , falta deoportunidade de trabalho, e , inclusive, no acesso educao, uma experincia quedeixa profundas marcas nos seres humanos. So jovens e adultos que vo construindoao longo de suas vidas, uma auto-imagem marcada pela falta e pelanegatividade.(GIOVANETTI, 2006, p.245)

    Durante a pesquisa de mestrado realizada por Coura (2007), os entrevistados

    apresentam tambm, atravs de suas histrias de vidas, momentos que se sentiram excludos

    socialmente, ou em alguns casos, que se sentiam inferiorizados. A falta da escolarizao ao

    longo da vida lhes privou de um emprego melhor, de saber lidar com algumas questes

    prticas do dia a dia e at mesmo de se sentirem a vontade em uma reunio familiar ou em sua

    comunidade por imaginarem saberem menos que os demais. Apresentaremos um breve perfil

    de alguns dos entrevistados

    2

    , demonstrando o quanto desejavam a escolarizao e como ela semanteve distante durante muitos anos em suas vidas, trazendo assim, alguns transtornos e at

    mesmo prejuzos de ordem social e econmica.

    2.1. Elvira: Era um dos meus sonhos, mas eu tinha medo de no conseguir.

    Ao falar de sua infncia, Elvira relata que foi criada em uma fazenda onde no havia

    escola. Afirma que tanto ela quanto os irmos no fizeram o primrio. Para ela no houve

    preocupao por parte de seu pai em trazer uma escola para a fazenda para educar os filhos e

    que, sendo assim, tudo o que ela e os irmos aprenderam em relao ao saber escolar foi com

    muita dificuldade. At chegar ao Projeto de Ensino Fundamental de Jovens e Adultos

    (PROF), nunca tinha freqentado uma escola:

    Nunca fui escola. Tudo que eu aprendi, aprendi assim, sozinha, sofrendo. Porque euvia as crianas fazendo dever, os meus filhos fazendo dever, a eu ficava observandoaquela letra o que era, n. E eu fui aprendendo. Tudo que eu aprendi, eu aprendi vendo

    as pessoas fazendo. (Elvira)

    O falecimento do pai obrigou Elvira e seus irmos a procurar uma forma de trabalho

    para se sustentarem. A necessidade de trabalhar cedo foi outro fator que a levou a ficar longe

    dos bancos escolares. J estando casada e morando em Belo Horizonte, foi trabalhar na rea

    de limpeza de um hospital na capital mineira. Durante este trabalho, uma freira ofereceu a

    oportunidade de mudar de profisso e ir trabalhar na rea de enfermagem. Atravs da

    experincia adquirida, aposentou-se nesta rea tendo trabalhado por vinte anos em Centro de

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    Tratamento Intensivo (CTI) de dois grandes hospitais de Belo Horizonte sem que, at ento,

    tivesse freqentado alguma escola em sua vida.

    Para Elvira a vida no lhe permitiu freqentar a escola antes de 2002. Se na infncia a

    falta de escola na fazenda onde foi criada a impedira, quando adulta as obrigaes com o

    trabalho, marido e filhos que transformavam a escola num sonho distante. era cozinheiro e

    ela trabalhava em dois hospitais, saindo de um planto para outro.

    Quanto ao seu trabalho ela afirma que a escolarizao lhe fez muita falta: Nossa, era

    sofrido demais para mim saber que eu no sabia.No trabalho muitas vezes foi necessrio

    pedir a ajuda de outras pessoas para dar um medicamento a um paciente e em outros

    momentos exigidos em sua funo. Alm do trabalho, Elvira aponta ainda que a escolarizao

    lhe fez falta na rotina do dia a dia como preencher um cheque, por exemplo, e at mesmo na

    convivncia com seus familiares e amigos:

    Meu negcio era ficar s na cozinha, n? Servindo o pessoal, fazendo comida. E aminha filha vivia me cobrando isso, as duas. Me, a senhora tem que sentar.Participar das conversas dos colegas da gente. Porque que a senhora fica s nacozinha? Mas era vergonha. vergonha porque meus filhos so preparados, n?Sabem conversar. Eu no sei. Eu vou l vou fazer eles passarem vergonha, porque euvou ter um palavriado assim, pobre e eles vo ficar envergonhado de mim Ento, euficava mais afastadinha. (Elvira)

    Na poca da entrevista Elvira estava com sessenta e seis anos de vida e se encontravano ensino mdio presencial do Projeto de Ensino Mdio de Jovens e Adultos da UFMG

    (PEMJA).

    2.2. Claudina:Tem hora que eu fico pensando assim: gente, vai ser com 83 anos que eu

    vou me formar. Ser que eu chego l?

    Nascida e criada em Santa Brbara, interior de Minas Gerais, Claudina era a nicamenina numa famlia composta por seis filhos. Estudou at a quarta srie em sua cidade, na

    idade regular, mas a partir da no foi mais possvel continuar os estudos naquele momento,

    pois no havia escola em sua cidade para que pudesse faz-lo. Afirma ainda que houve uma

    vez em que um mdico, amigo da famlia, que trabalhava em um colgio de freiras na cidade

    vizinha de Itabira, lhe prometeu uma bolsa de estudos neste colgio. Entretanto, quando ela e

    a me foram em busca da bolsa essa j havia sido doada a outra menina e ela no pde

    continuar a estudar.

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    Trabalhou durante trinta anos na prefeitura de Santa Brbara. Por quatorze anos foi

    recepcionista, mas sempre era aproveitada em outras funes como oficial administrativo,

    coletora e substituta do chefe quando o mesmo saa de frias. Aps quatorze anos como

    recepcionista foi transferida para a tesouraria da prefeitura, funo na qual se aposentou.

    Alm de suas atribuies dentro da prefeitura foi convidada para dar aulas no MOBRAL,

    onde ensinou algumas pessoas a escrever. Claudina lembra de sua experincia no Mobral com

    grande satisfao.

    Em seu trabalho na prefeitura chegou at mesmo a substituir o prefeito em casos

    excepcionais quando este, seu vice e o presidente da cmara dos vereadores no se

    encontravam na cidade. Segundo Claudina, este foi um dos momentos da sua vida em que a

    baixa escolaridade mais lhe preocupava. Ela afirma que se sentia insegura demais, tinha

    receio de errar ao ter que resolver algum problema. Acredita ainda que a escolarizao, alm

    de ter podido facilitar a realizao de suas atividades, poderia ter lhe proporcionado uma

    carreira poltica.

    Apesar de ter tido vontade de continuar os estudos, as dificuldades enfrentadas por

    Claudina pela vida lhe impediam de ir escola novamente. Casou, teve seis filhos e continuou

    cuidando de sua me. Com o passar dos anos a me adoentou-se e ao mesmo tempo seu

    marido tambm apresentou graves problemas de sade. Foram seis anos cuidando da me e

    do marido, quando um ano aps a morte de sua me foi a vez de seu marido falecer. Durante

    todo esse tempo a vida dela era tomada por seu trabalho, os seis filhos e os cuidados com seu

    marido e sua me tendo, portanto, que deixar de lado seus sonhos.

    A idia de voltar a estudar surgiu a partir de uma conversa com a filha que trabalha na

    UFMG e lhe falou da existncia de um projeto de educao de jovens e adultos na

    universidade. Claudina diz:

    Ento fui para o projeto porque eu ia ficar em casa fazendo o qu? Ficar por exemploem uma cadeira de balano? Fazendo croch? Fazendo um tric? Cochilando, lendoum livro? Ento menina, foi a melhor coisa do mundo que me aconteceu foi isso:voltar a estudar! (Claudina)

    No momento da entrevista estava com oitenta e dois anos e cursando o primeiro ano

    do PEMJA. Sobre seu futuro apenas declara que vai at onde sua sade permitir, ainda que

    seja de bengala. No entanto, em pelo menos um campo ainda deseja se aprimorar: a

    informtica. Disse que ainda depende dos netos para fazer pesquisas na internet e utilizar o

    computador, mas que vai buscar sua autonomia tambm neste aspecto: Estou dependendoainda dos outros, eu no quero ficar dependente muito tempo no.

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    2.3. Isabel: Mas sempre l dentro de mim eu tinha um sonho, sabe? E esse sonho foi

    passando, n? At que um dia eu acreditei que tinha morrido esse sonho... mas s

    adormece.

    Nascida na cidade de Raposos, interior de Minas, veio morar em Belo Horizonte ainda

    com um ano de idade. Estudou at a quarta srie em uma escola que funcionava anexa ao

    colgio Santa Maria. Segundo ela, o colgio Santa Maria recebia pessoas de toda Minas

    Gerais, mas era freqentado apenas por filhos de famlias ricas. Para os mais pobres havia um

    anexo, gratuito, chamado escola Santa Catarina de Sena. Foi neste anexo que Isabel cursou o

    primrio e que segundo ela no existe mais.

    Sua vida escolar teve que ser interrompida no por falta de vontade de estudar, mas

    pela falta de oportunidade e pelos problemas familiares enfrentados naquela poca. Isabel

    relata que Belo Horizonte ainda era uma roa, e alm de ser difcil ter acesso escola pela

    distncia, ainda havia problemas financeiros impedindo que ela e os irmos continuassem os

    estudos. Ela diz que os pais adoeceram e ficaram invlidos, levando os filhos ao trabalho

    muito cedo. Mas a vontade de um dia voltar a estudar estava presente dentro de si.

    Isabel se casou, mas a condio financeira da famlia ainda era difcil. O tempo de

    Isabel era preenchido pelo trabalho e o cuidado com a famlia, mas o sonho de voltar escola

    permaneceu apesar de haver momentos em que os outros elementos que compunham sua vida

    lhe sugassem tanta ateno que imaginou que esse sonho havia morrido: Mas sempre l

    dentro de mim eu tinha um sonho, sabe? E esse sonho foi passando, n. At que um dia eu

    acreditei que tinha morrido esse sonho... mas s adormece.

    Depois de casada houve um momento que acreditou que poderia realizar este sonho.

    Aos quarenta anos Isabel voltou a estudar, mas logo aps trs meses de curso teve que parar

    novamente por estar grvida da sexta filha. At chegar aos setenta anos no mais procurouescolarizar-se por achar que estava velha demais para estudar. At que um dia pensou:

    Engraado, eu j estou com setenta anos. No estudei, no morri. O que eu estou fazendo

    aqui? Vou estudar!

    2.4. Raimundo: Eu pensei assim: eu no vou trabalhar mais para ningum, eu no vou

    arrumar mais emprego, ento eu vou estudar para adquirir aquilo que eu no adquiri

    quando eu era novo, n?

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    Natural de Campanrio, o senhor Raimundo morou at os seus quinze anos em um

    lugarejo, como ele mesmo denomina, que pertence ao municpio citado. Por ter sua me

    falecido quando ainda era garoto, o pai lhe deu a um casal de tios para que estes o criassem.

    Durante este perodo, trabalhou na roa ajudando a sua famlia e diz no ter tido oportunidade

    de estudar, pois alm de no local onde morava no ter escola, quando demonstrava interesse

    em estudar, seus tios interpretavam como uma forma usada para se livrar das obrigaes da

    roa e deixar de trabalhar.

    Com quinze anos foi para uma cidade vizinha, hoje chamada Nova Mdica, onde,

    atravs do MOBRAL, aprendeu as primeiras letras e palavras, assim como a assinar seu

    nome. Foi para esta cidade trabalhar em um restaurante durante o dia e aproveitava para

    freqentar a escola noite. Segundo ele, fez s at o terceiro ano, apesar de ter insistido com aprofessora para lev-lo at a quarta srie. J nessa poca, o trabalho ocupava um espao em

    sua vida que no lhe deu oportunidade continuar os estudos. Entre os anos de 1962 e 1963 foi

    transferido para Belo Horizonte vindo trabalhar no Ministrio dos Transportes como

    motorista.

    Se antes, quando criana, no foi possvel estudar, a partir do momento que se casou a

    responsabilidade com a famlia deixou a escolarizao ainda mais distante da realidade da

    vida do senhor Raimundo. Ele afirma que sua profisso no lhe permitia estudar, pois nohavia um horrio fixo para seus afazeres como motorista: motorista sempre o primeiro que

    chega e o ltimo que sai. Alm do trabalho, a famlia foi crescendo e a responsabilidade de

    manter o sustento da esposa e dos doze filhos no deixava espao para estudar:

    Porque eu trabalhava na diretoria a do DNER por exemplo e no tinha tempotambm. s vezes se fizesse fora, n. s vezes teria estudado. Mas tudo era maisdifcil, olha, doze filhos para eu criar.Para dar da agulha a roupa, n. Ento a gente...

    difcil. s vezes eu viajava... Ento eu nunca tive assim, oportunidade. (Raimundo)

    No perodo da pesquisa, com seus setenta anos de idade, morava h quarenta e dois

    anos em Belo Horizonte, encontrava-se aposentado, mas ainda faz alguns trabalhos como

    motorista, e cursava o ensino fundamental no ( Projeto de Ensino Fundamental de Jovens e

    Adultos) PROEF II na UFMG.

    Raimundo reconhece que a escolarizao fez muita falta em sua vida, mas no se

    culpa por no ter conseguido concluir seus estudos enquanto estava mais jovem. Tem

    conscincia de que as condies em que vivia no lhe deram esta oportunidade. Acredita que

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    poderia ter conseguido um emprego melhor se tivesse estudado mais quando era mais jovem.

    Conta que, por toda a vida, sentiu vontade de ter estudado para assim ser algum na vida.

    2.5. Ivan: Eu tinha muita vontade de ter estudado, sabe? Continuar meus estudos, n?

    Porque eu via meus filhos todos inteligentes a. Eu tambm me acho inteligente, s no

    tive oportunidade para estudar.

    Na poca da entrevista com sessenta e quatro anos de vida, Ivan mora h sessenta e

    um anos em Belo Horizonte. Concluiu a quarta srie enquanto era criana tendo passado por

    duas escolas em Belo Horizonte: Escola Estadual Helena Pena, localizada no bairro Sagrada

    Famlia e Escola Estadual Mariano de Abreu, situada no bairro Cachoeirinha, na qual recebeuseu diploma da de quarta srie. Segundo ele, apesar da vontade de continuar seus estudos, a

    falta de colgios lhe impossibilitou avanar mais no que diz respeito escolarizao.

    Afirma que nesta poca, na cidade de Belo Horizonte havia poucos colgios e dentre

    estes, nenhum ficava prximo regio em que moravam, alm disso, eram particulares. Como

    ele era uma criana de classe popular, no tinha acesso a estes, pois lhe faltava condio para

    pagar at mesmo o transporte para chegar aos colgios.

    A morte dos pais tambm foi outro fator apontado por Ivan como tendo sido um

    elemento que dificultou a continuidade de seus estudos. Ele conta que ficou rfo muito cedo,

    e juntamente com os cinco irmos, teve que trabalhar para sobreviver. Alm disso, ressalta

    que a ausncia dos pais refletiu no apenas na parte financeira, visto que tiveram que trabalhar

    muito cedo, mas tambm na parte educacional, uma vez que no tiveram quem os

    incentivasse a estudar, ou mesmo quem os alertassem para a importncia dos estudos.

    Ivan acredita que a escolarizao lhe fez falta em muitos pontos de sua vida, mas,

    principalmente, para ter conseguido uma profisso que ele considera como sendo mais leve.

    Ivan trabalhou durante muitos anos na construo civil e se aposentou por invalidez por ter

    passado por diversos problemas de sade como hrnia de disco, ter sofrido um transplante

    renal, uma ponte de safena e trs angioplastias. Ele diz: Se eu tivesse mais conhecimento,

    trabalhava em um servio mais leve e talvez no tivesse esse tanto de doena que eu tive, n?

    Os relatos acima confirmam o quanto a escola, apesar de ser um desejo de muitos,

    apresenta-se distante diante das dificuldades encontradas durante a vida. Alm da falta de

    escola prxima e da necessidade de se dedicar ao trabalho e famlia, os quais fizeram com

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    que s fosse possvel freqentar uma sala de aula aps seus sessenta anos de idade, uma das

    entrevistadas nos aponta um outro fator que se torna um complicador na vida de jovens,

    adultos e idosos, que desejam se escolarizar: a distncia.

    Isabel para realizar seu sonho de estudar conta com sua determinao, j que anda dezquarteires a p todos os dias at chegar ao ponto do nibus que a leva UFMG. Conta ainda

    com os filhos e netos para busc-la no ponto, quando volta da aula, uma vez que seu retorno

    ocorre por volta das dez da noite e torna-se muito perigoso voltar a p. Isabel um caso que

    podemos dizer que tem sido bem sucedido, pois alm de sua disposio conta com seus

    familiares. No entanto, essa nem sempre a realidade de outros tantos que buscam a

    concluso de seus estudos.

    3. A Educao de Jovens e Adultos na modalidade EAD no Brasil

    A Educao a Distncia hoje uma realidade em vrios nveis e modalidades de

    ensino no Brasil. A cada dia os cursos a distncia so oferecidos em maior nmero para

    cursos de graduao, ps-graduao, cursos preparatrios para concursos e at mesmo na

    EJA. As leis que tratam da educao no pas tambm vm se preocupando em discutir e em

    determinar algumas diretrizes para o funcionamento de tais cursos.

    Um dos temas tratados no parecer que trata sobre as Diretrizes Operacionais de EJA3

    de 2008 aprovado pela Cmara de Educao Bsica do Conselho Nacional de Educao

    CNE foi exatamente a Educao de Jovens e Adultos por meio da Educao Distncia.

    Dentre os quinze grupos que estudaram a temtica relao entre EJA e EAD, nas trs

    audincias pblicas realizadas em 2007, sete salientaram que a relao entre EJA e EAD um

    tema muito recente nos meios educacionais e que, portanto, ainda possuem muito pouco

    conhecimento sobre o assunto e destacaram a necessidade de desenvolvimento de estudos

    aprofundados sobre essa relao, para obterem maior compreenso das reais possibilidades da

    Educao a Distncia em EJA.

    Deste grupo, um, mesmo tendo pouco conhecimento a respeito do tema, reafirma a

    importncia da EAD para a EJA, reconhece que faltam muitos esclarecimentos,

    principalmente no que se refere prpria estrutura, tal como a questo do financiamento;

    outro grupo salientou a importncia dessa relao, especialmente junto queles adultos que

    no podem freqentar diariamente uma sala de aula e que tm o seu tempo de estudar. Alm

    destes, outro se referiu as formas de cursos a distncia pela TV e outros formatos presentes

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    em pocas anteriores, mas destacaram que a questo que agora se apresenta, de forma

    diferente, passa a ser focada privilegiando o uso de tecnologias da informao e da

    comunicao.

    O fato que a Educao a distncia vem se apresentando como uma possibilidade

    interessante, no que tange a Educao de Jovens e Adultos. nesse sentido que dois projetos

    de EJA/EAD vm apresentando bons resultados. Um deles encontra-se na cidade de Santos,

    na comunidade da Ilha Diana, e o outro oferecido pelo Servio Social da Indstria (SESI) do

    Rio Grande do Sul, atendendo a educandos do ensino fundamental e mdio.

    O primeiro projeto acima referido surgiu aps a verificao, no ano de 2006, por parte

    da Superviso de Ensino dacidade de Santos, de uma situao singular de uma comunidade

    rural localizada numa ilha fluvial, chamada Ilha Diana. Tal comunidade apresentou um

    grande nmero de jovens e adultos que no haviam completado o ensino fundamental, tendo

    como principais causas a distncia e o transporte precrio dessa comunidade at o centro

    urbano. Segundo o textoPreparando para o ENCCEJA/EAD Ilha Diana Monte Cabro

    Caruara, o transporte feito apenas por meio de barco com hora marcada at as 20 horas, o

    que impede os sujeitos de freqentarem uma escolar regular na rea urbana.

    Na tentativa de melhorar a qualidade de vida da populao da Ilha Diana, foram feitas

    negociaes entre diversos segmentos da Secretaria de Educao de Santos, envolvendo a

    Seo de Educao de Jovens e Adultos ( SEJA) e o Ncleo de Educao a Distncia (NuED)

    para implantao do projeto na Unidade Municipal de Educao Rural (UMER).

    Conseguiram a infra-estrutura necessria para manuteno e instalao dos computadores,

    mas alguns problemas estruturais ainda apareciam como, por exemplo, falta de constncia de

    energia eltrica. Para solucionar tal problema, conseguiram um gerador de energia gasolina.

    Havia na UMER dois Professores Orientadores de Informtica Educativa (POIEs) que

    diariamente davam suporte tcnico pedaggico para que os estudantes executassem as

    atividades propostas pelos professores de planto na sede do NuED. Os alunos fizeraminscrio no Exame Nacional para Certificao de Competncias de Jovens e Adultos

    (ENCCEJA/2007) quando 61% deles foram certificados. Tal resultado levou a Secretaria de

    Educao de Santos a ampliar este projeto piloto para duas outras comunidades: Monte

    Cabro e Caruara . O texto sobre tal projeto revela a seguinte concluso:

    Neste projeto os educandos utilizam o computador como parceiro do conhecimento eferramenta de aprendizado, pois nele encontram-se infinitas maneiras para que seus

    conhecimentos sejam dilatados.As ferramentas existentes no computador, como ainternet e os instrumentos do ambiente TelEduc4 (mural, portflios ,atividades etc),

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    so instrumentos tambm para a insero no mercado de trabalho cada vez maiscompetitivo.(BRANCO, CHIANDOTTI e ROCHA p.7)

    J no Rio Grande do Sul o projeto de EJA/EAD ofertado aos industririos, seus

    dependentes e comunidade em geral para concluso do Ensino Fundamental e Mdio. A

    metodologia utilizada se baseia na Pedagogia de Projetos, partindo de um tema gerador e os

    alunos possuem atividades e avaliaes na modalidade presencial, oferecidas em quatro

    perodos por semestre letivo. Segundo o texto Alternativas didticas atuais na EJA/EAD

    Conscincia de Mundo:

    Para o trabalhador que procura a EJA esta modalidade de EAD surge como umapossibilidade tangvel e acessvel para complementao dos estudos, obtenodoreconhecimento formal de suas aptides e conhecimentos empricos e maneira de

    manter-se como elemento ativo dentro de um mercado de trabalho cada vez maiscompetitivo... (CORREIA, ESPNDOLA, e PELLEGRINI, p.6)

    No caso do projeto realizado pelo SESI do Rio Grande do Sul foi utilizada uma

    mistura de atendimento presencial em horrios pr-definidos atravs da escolha do estudante e

    materiais impressos, os quais caracterizavam os elementos que compunham a modalidade a

    distncia. Para tanto, contaram com trs professoras-tutoras que trabalharam nas seguintes

    reas do conhecimento: Cincias Matemticas e suas tecnologias, Cdigos de Linguagens e

    suas tecnologias e Scio-histrica e suas tecnologias.Para as autoras do artigo Alternativas didticas atuais na EJA/EAD Conscincia de

    Mundo cada vez mais pessoas que no conseguiriam freqentar um modelo de educao

    presencial vm procurando a Educao a Distncia como alternativa. Afirmam ainda que, a

    modalidade EAD tem propiciado ao educando maior responsabilidade em relao aos seus

    estudos, gerando maior autonomia dos sujeitos e os tornando cada vez mais ativos no seu

    processo de aprendizagem, uma vez que so eles quem escolhem e determinam seu ritmo de

    estudo.

    4. Concluso

    A partir das discusses apresentadas pode-se perceber que atualmente a Educao a

    Distncia tem sido vista como uma forma de acesso educao em variados nveis de ensino

    e que tende a crescer ainda mais, sendo inclusive, parte constitutiva das legislaes

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    educacionais vigentes. A aceitao da EAD por parte dos educandos se d, na maioria das

    vezes, pela flexibilidade de horrios e organizao do tempo para o estudo, o que para os

    sujeitos da EJA tambm tido como ponto positivo.

    necessrio destacar, no entanto, que o modelo de Educao a Distncia apresentado

    como uma alternativa ao acesso escolarizao de jovens, adultos e idosos, espalhados por

    todo o Brasil, deve se pautar pela qualidade. Qualquer modalidade educacional que se

    pretenda elevar o nvel de escolaridade do povo brasileiro tem que se preocupar com a

    formao deste enquanto cidado, e no apenas como decodificador de linguagens ou detentor

    de um diploma. O acesso educao deve garantir aos educandos elementos que os permitam

    reconhecer seus direitos e deveres na sociedade, assim como se perceber como agente

    transformador e sujeito histrico.

    Sendo assim, podemos perceber que a Educao a Distncia se apresenta como uma

    possibilidade de garantir acesso educao queles que tiveram esse direito negado durante

    sua vida, o que no so poucos no Brasil. No entanto, assim como foi ressaltado no parecer

    referente resoluo das Diretrizes Operacionais de EJA de 2008 aprovado pela Cmara de

    Educao Bsica do Conselho Nacional de Educao, questes como a estrutura e

    financiamento devem ser observadas. Especialmente no que tange estrutura desses cursos,

    devem ser analisados os suportes oferecidos para os educandos para que eles realmente

    alcancem as habilidades pretendidas.

    Referncias:

    BELLONI, M.L. (2002) Ensaio Sobre Educao a Distncia no Brasil. Educao &Sociedade, ano XXIII, no 78, Abril.BRANCO, Adylles C., CHIANDOTTI, Guiomar A. G. e ROCHA, Rosineide M. Preparandopara o ENCCEJA/EAD - Ilha Diana Monte Cabro Caruara. Disponvel em:www.abed.org.br/congresso2008/tc/59200864841PM.pdf

    CORREIA, Mariana, ESPNDOLA, Karen e PELLEGRINI, Ieda. Alternativas didticasatuais na EJA/EAD conscincia de mundo. Disponvel em:www.senacead.com.br/anais/encontro08/leda_1220979360.pdf. Acesso em: 15/03/2010COURA, Isamara G. M.(2007) A terceira idade na Educao de Jovens e Adultos:expectativas e motivaes. UFMG .(Dissertao de Mestrado)GALVO, Ana Maria de O. e SOARES, Lencio Jos Gomes.(2004) Histria daalfabetizao de adultos no Brasil. In: ALBUQUERQUE, Eliana Borges C. e LEAL, TelmaFerraz (Orgs.) A alfabetizao de jovens e adultos em uma perspectiva de letramento. BeloHorizonte: Autntica, p.27-58.

    GIOVANETTI, Maria Amlia. G. de C.(2006) A formao de educadores de EJA: o legado

    da Educao Popular. In: SOARES, Lencio J. G., GIOVANETTI, M. A. G. de C. e GOMES,N. L.(Orgs.)Dilogos na educao de jovens e adultos. Belo Horizonte: Autntica, 2 ed.

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    PARECER CNE/CEB/11/2000 SOBRE AS DIRETRIZES CURRICULARES PARAEDUCAO DE JOVENS E ADULTOS. Disponvel em: www.mec.gov.br Acesso em:23/01/2010

    PARECER CNE/CEB N 23/2008 SOBRE AS DIRETRIZES OPERACIONAIS DE EJAAPROVADO PELA CMARA DE EDUCAO BSICA DO CONSELHO NACIONALDE EDUCAO CNE APROVADO EM 8 DE OUTUBRO DE 2008. Disponvel em:www.mec.gov.br. Acesso em: 12/03/2010.

    1O termo est entre aspas, pois acreditamos no haver, necessariamente, apenas uma faixa etria quecorresponda idades destinadas escolarizao.2Os nomes dos entrevistados apresentados aqui so fictcios.3O parecer foi aprovado em 2008 e aguarda homologao.4TelEduc- Nome da plataforma utilizada para desenvolvimento do projeto.