A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

112
A Economia Brasileira do Último Quarto A Economia Brasileira do Último Quarto de Século de Século Daví José Nardy Antunes* Introdução: As Raízes Estruturais da Crise da Economia Brasileira Como o objetivo desta tese é tratar da desigualdade social brasileira deste último quarto de século, deve-se mostrar um panorama da economia brasileira no período, que servirá como pano de fundo para a discussão final. O que se pretende é traçar um cenário do que ocorreu com a economia brasileira neste último quarto de século. Isto significa que é preciso primeiro diagnosticar quais eram os seus principais problemas e como estas questões evoluíram ao longo do tempo. Dessa forma, a discussão deve começar pela crise da dívida e seu ajustamento mas isto não significa concordância com o diagnóstico, muito disseminado, de que suas raízes estão fincadas na crise da dívida e na forma que o ajustamento a ela assumiu tanto interna como externamente. Os problemas da economia brasileira são mais profundos e estão ligados à questão da incapacidade de se montar uma estrutura empresarial adequada às necessidades do desenvolvimento 1

Transcript of A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

Page 1: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

A Economia Brasileira do Último Quarto deA Economia Brasileira do Último Quarto de

SéculoSéculo

Daví José Nardy Antunes*

Introdução: As Raízes Estruturais da Crise da

Economia Brasileira

Como o objetivo desta tese é tratar da desigualdade social

brasileira deste último quarto de século, deve-se mostrar um panorama

da economia brasileira no período, que servirá como pano de fundo para

a discussão final. O que se pretende é traçar um cenário do que ocorreu

com a economia brasileira neste último quarto de século. Isto significa

que é preciso primeiro diagnosticar quais eram os seus principais

problemas e como estas questões evoluíram ao longo do tempo.

Dessa forma, a discussão deve começar pela crise da dívida e seu

ajustamento mas isto não significa concordância com o diagnóstico,

muito disseminado, de que suas raízes estão fincadas na crise da dívida

e na forma que o ajustamento a ela assumiu tanto interna como

externamente. Os problemas da economia brasileira são mais profundos

e estão ligados à questão da incapacidade de se montar uma estrutura

empresarial adequada às necessidades do desenvolvimento capitalista

em seu momento histórico específico1. Isto não significa desconsiderar a

importância dos impactos da crise da dívida externa e de seus

desdobramentos mas sim colocá-los numa perspectiva mais apropriada,

em que a própria crise da dívida é vista como manifestação destes

problemas estruturais da acumulação de capital no Brasil.

1* Professor da FACAMP (Faculdades de Campinas) e Pesquisador do CESIT-IE/UNICAMP (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho).

? A este respeito, ver CARDOSO DE MELLO (1982), introdução.

1

Page 2: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

“O capitalismo monopolista de Estado assume no Brasil

características particulares decorrentes da própria

industrialização tardia. De um lado, a estrutura monopolista é

marcada pela existência de um setor produtivo estatal na

indústria de base e pela profundidade do processo de

internacionalização do sistema produtivo, e conseqüentemente

por uma fragilidade congênita do capital monopolista nacional”

(CARDOSO DE MELLO, 1977, p. 16).

Partindo deste ponto de vista, deve-se esmiuçar estes elementos

para se entender a semi-estagnação subseqüente. A articulação

montada no âmbito do nacional-desenvolvimentismo, que ficou

conhecida como o modelo do tripé, funcionou bem para implementar a

indústria pesada no país mas começou a apresentar problemas, que não

eram passíveis de solução sem modificações estruturais importantes. Os

principais problemas eram relacionados com a estrutura de capital das

grandes empresas instaladas no Brasil, nacionais, estatais ou

estrangeiras.

“Copiamos tudo menos o que é essencial: formas de

organização capitalista capazes de assegurar um mínimo de

capacidade autônoma de financiamento e inovação. Nossa

industrialização esteve apoiada sobretudo: 1) na liderança da

empresa multinacional; 2) na grande empresa nacional

produtiva, que tinha um poder financeiro e de inovação frágil e

estava inteiramente desvinculada do sistema bancário nacional,

dedicado, por sua vez, certamente com grande proveito, às

suas funções tradicionais (financiamento de curto prazo às

empresas, crédito ao consumidor, reempréstimo de recursos

externos); 3) na grande empresa estatal situada nos setores de

base (aço, energia, petróleo, telecomunicações)” (CARDOSO DE

MELLO & NOVAIS, 1998, p. 646).

2

Page 3: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

Quer dizer que, da forma como estava montada a indústria

brasileira, era premente a necessidade do redirecionamento da

economia para a continuidade do desenvolvimento capitalista. Naquela

quadratura, a questão central era relativa a quem seria capaz de

assumir o papel de carro-chefe da acumulação de capital na economia

brasileira, i.e., que setor seria capaz de comandar a sua reorientação. A

economia brasileira se encontrava numa encruzilhada, pois o modelo de

industrialização implantado, que exigiu uma divisão de tarefas muito

específica e que foi muito bem-sucedido no que se refere à implantação

dos setores pesados, demandava uma reorganização do tripé em que

ela foi baseada. Não era mais possível manter uma estrutura

segmentada em que a centralização do capital está bloqueada para

qualquer uma das pernas do tripé, em que a conglomeração natural e

necessária a uma economia desta etapa do desenvolvimento capitalista

está impossibilitada. Os fatores que não permitem que este

desenvolvimento avance é que são discutidos em seguida.

Dadas as características do capitalismo monopolista em vigor no

mundo desenvolvido desde o início do século XX, e de acordo com

HOBSON (1894(1985)), a acumulação de capital se baseia cada vez mais

no domínio que as empresas conseguem obter sobre os mercados, já

que esta é forma mais adequada para se ampliar a lucratividade e,

dessa forma, a própria acumulação de capital. Isto significa que a

ampliação da empresa para os outros elos da cadeia produtiva vai se

tornando uma necessidade, já que isto aumenta o domínio da empresa

sobre os seus fornecedores e sobre os seus clientes, o que lhe garante

uma maior parcela do excedente disponível2. Em sendo bem-sucedida, a 2 “Os limites reais à concentração do capital e do trabalho em empresas isoladas, à

diferença do que acontece com unidades fabris isoladas, não se devem, em medida significativa, a considerações de caráter técnico, mas de administração e de mercado. Por essa razão, uma proporção maior das mentes mais capazes, empenhadas na vida empresarial, direciona-se para a experimentação e para a descoberta de métodos administrativos, inclusive organização empresarial e finanças, com o duplo propósito de realizar grandes economias de custo da oferta e, assim, monopolizar ou controlar mercados, a fim de impedir que os ganhos passem para o consumidor, em virtude da concorrência entre os produtores” (HOBSON, 1894, 1985, p. 106).

3

Page 4: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

empresa acaba por criar limites à sua própria expansão na sua cadeia

produtiva, já que a continuidade da expansão dentro do próprio setor

poderia levar a uma queda da lucratividade do mesmo.

“Qualquer forma de capital ‘trustificado’ conduz

necessariamente a uma concentração de capital financeiro que

não pode ser reinvestido dentro da própria indústria

trustificada. Deve expandir-se para fora. Os novos lucros têm

que ser transformados em capital financeiro geral e dirigidos

para a formação e financiamento de outras grandes empresas.

(...) A expansão contínua dos lucros excedentes obriga a busca

de mercados externos, tanto para as mercadorias quanto para

os investimentos diretos e exportação ‘financeira’ de capital”

(TAVARES, 1985, p. XVIII).

Dessa forma, esta conglomeração, ao ser exitosa, tende a se

espraiar para os outros setores da economia assim como para outros

países, já que a fronteira para a utilização do crescente excedente

financeiro está fechada no ramo específico de sua atividade. Esta

internacionalização também se torna uma defesa fundamental da

empresa frente à conjuntura macroeconômica, já que ela pode operar

com receitas em moeda estrangeira e dessa maneira se defender de

movimentos conjunturais através de operações internas a ela, seja

através do comércio exterior, seja através do câmbio. Este movimento

se impõe através da concorrência3, que impõe as determinações

internas da valorização do valor como leis externas das quais não se

pode fugir, sob a pena da exclusão do mercado.

O resultado deste processo é, via de regra, o surgimento de

grandes empresas com enorme potencial financeiro e capazes de

suprirem suas próprias necessidades tecnológicas, o que é em muitos

3 “A concorrência não desaparece mas se amplia com a produção em grande escala. Mais do que isso, os novos métodos de produção à escala ampliam o espaço e o tempo do mercado” (TAVARES, 1985, p. XII).

4

Page 5: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

sentidos dependente desta capacidade financeira4, que permite às

grandes empresas um capacidade de gasto crescente em Pesquisa e

Desenvolvimento (P&D). É importante lembrar que este

desenvolvimento financeiro não pode se desgarrar de sua base real de

acumulação industrial: este avanço financeiro sobre outros setores é

realizado sempre com os excedentes financeiros, que permitem uma

expansão segura ao não colocar em risco a fonte dos próprios

excedentes.

Dentro desta perspectiva, a articulação do tripé colocou bloqueios

à centralização do capital, que se expressaram na pífia conglomeração

das empresas, fundamental para o desenvolvimento capitalista pleno e

para a sua continuidade. Estes bloqueios eram relativos

fundamentalmente ao papel de cada uma das partes no processo de

industrialização, o que, no caso das empresas de capital estrangeiro, se

refletia na incapacidade, do ponto de vista da economia brasileira, de as

empresas se conglomerarem e de se expandirem de acordo com as

exigências do desenvolvimento capitalista nacional.

Não que elas não conseguissem realizar este processo de

conglomeração; o problema, para o desenvolvimento capitalista

nacional, é que este movimento ocorria fora do país. Inclusive, a

estratégia de participação das empresas estrangeiras na economia

brasileira pode ser vista como fruto deste movimento de

transbordamento da acumulação de capital, o que não quer dizer que

tais filiais não possam ser altamente lucrativas e que as mesmas não

realizem vultosos investimentos5. Mas sim que os ganhos advindos da

internacionalização e da conglomeração se restringem às matrizes das

4 O excedente financeiro em questão também pode ser transferido pelas empresas aos bancos, que se tornam responsáveis pela canalização deste excedente para a continuidade do processo de conglomeração, ou pode ser utilizado em operações especulativas por parte das próprias empresas.

5 “A penetração de algumas economias latino-americanas como espaços de acumulação por frações do capital estrangeiro ocorre antes que a industrialização seja o movimento central de nosso desenvolvimento” (MACHADO RIBEIRO DE LESSA & DAIN, 1982/3, 1998, p. 253).

5

Page 6: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

empresas já que as filiais são, na verdade, parte desta estratégia de

conglomeração encabeçada pela sede da empresa, que se expande

fundamentalmente no país de origem, centro de seus interesses mais

profundos e fonte de sua dinâmica cíclica6.

Assim, tais empresas não buscam uma estratégia de

conglomeração agressiva, que lhes permita assumir o papel de

protagonista da acumulação de capital no Brasil: este papel já é

desempenhado no seu país de origem. “A filial, como fração de um bloco

de capital externo, é um instrumento da estratégia de valorização do

bloco como um todo. A penetração é a expressão de um desdobramento

específico da competição intercapitalista. Como fração disporá, para sua

valorização no espaço nacional periférico, dos atributos à disposição do

bloco e procurará cumprir as orientações empresariais que emanem de

seus sistemas de decisão. Mas, como capital que se valoriza em um

espaço nacional, terá sua lógica macrodeterminada pelo dinamismo da

economia capitalista em que penetrou” (MACHADO RIBEIRO DE LESSA &

DAIN, 1982/3, 1998, p. 253). Além disso, em momentos de crise as filiais

servem de colchão de amortecimento das matrizes, através das

operações cambiais e de comércio exterior.

Com relação às empresas privadas de capital nacional, a

problemática é de outra natureza, relativa à estrutura do capital destas

empresas e motivada por fatores de ordem política e social. As

empresas, nunca grandes empresas monopolistas mas quase sempre

familiares, possuem vícios de origem extremamente perniciosos pois ao

serem oriundas da estrutura exportadora colonial e de seus

desdobramentos, estas empresas são marcadas por uma visão estreita

em que, ao não se expor ao risco de ser tomada por seus concorrentes

6 “Finalmente cabe assinalar a importância crucial e habitualmente desconsiderada da relativa fragmentação de interesses das ET (empresas transnacionais), que provêm de países distintos, atuam em setores industriais diferentes, obedecem a uma dinâmica de acumulação diferente e não reagem da mesma forma às conjunturas econômicas favoráveis ou adversas ou a controles e limitações impostos pela política econômica governamental” (SERRA, 1982/3, 1998, p. 85).

6

Page 7: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

já que a propriedade é familiar e ela não está suscetível a tomadas

ainda que hostis, ela também tem a porteira fechada para a

centralização do capital. Ademais, o pacto montado para a formação do

tripé, estabelece uma divisão de esferas de competência em que as

tarefas principais da industrialização cabem ao Estado e à empresa

estrangeira, sendo reservado espaço diminuto dentro da esfera

industrial para o desenvolvimento do capital nacional.

Não que este espaço seja insuficiente para que os capitais

nacionais se valorizem mas é que as suas órbitas de valorização são

grosso modo não-industriais, pouco propícias à criação de um capital

financeiro que tenha pretensões monopolistas. “O Plano de Metas de

Juscelino (...) objetivava implantar no Brasil os setores industriais mais

avançados (...) ou levar adiante indústrias estratégicas, como a do aço,

a do petróleo e a da energia elétrica. A entrada nessas indústrias, que

exigiam um volume de capital inicial verdadeiramente extraordinário e o

domínio de uma tecnologia extremamente complexa, só estava aberta à

grande empresa multinacional ou à grande empresa estatal” (CARDOSO

DE MELLO & NOVAIS, 1998, p. 590).

O capital industrial nacional tinha áreas muito bem delimitadas de

atuação, como o setor de autopeças e a construção civil, compatíveis

com o seu tamanho no momento de implantação da indústria pesada. Já

os capitais estabelecidos na esfera financeira eram incapazes de

fazerem este movimento ao serem excessivamente ligados à esfera

mercantil, sua origem, e alicerçados em ganhos de curto prazo. Ainda

assim, os capitais nacionais fracionados possuem altos ganhos ligados à

“(...) permissividade com os movimentos especulativos, a obliqüidade

patrimonialista, a hipervalorização dos prédios urbanos e rurais, as

inflações seculares, etc. (...) Os capitais nacionais tendem a obter

massas de lucros que ultrapassam sistematicamente as oportunidades

de valorização de suas órbitas” (MACHADO RIBEIRO DE LESSA & DAIN,

1982/3, 1998, pp. 260-261).

7

Page 8: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

A disputa fratricida entre os diversos capitais, que faz parte do

jogo normal de uma economia capitalista e que leva à centralização do

capital é bloqueada: como aqui ela é impedida pois uma empresa não

pode comprar a concorrente, o desenvolvimento capitalista está

bloqueado no que depender do papel das empresas privadas nacionais,

que nunca se tornarão grandes empresas monopolistas. Elas nunca

alçarão vôos mais elevados pois não conseguem acompanhar os

requisitos de tamanho do capital demandados por esta etapa do

desenvolvimento capitalista; dado o bloqueio ao processo de

centralização do capital, sabidamente mais violento e eficiente, a

alternativa que resta às empresas é o processo de concentração do

capital, que é baseado na reinversão do excedente obtido no próprio

empreendimento, o que faz com que os requisitos mínimos de porte do

capital se tornem cada vez mais distantes7.

Nesse sentido, é exemplar o caso da instalação da CSN

(Companhia Siderúrgica Nacional) no primeiro Governo Vargas, em que

nenhum empresário nacional fica com a companhia, a despeito do

interesse governamental na privatização da mesma8, dado o consenso

de que se alguém dominasse a empresa, se tornaria muito mais forte

que o restante do empresariado e romperia o pacto de dominação,

centralizando o capital9. Quer dizer, há uma forte resistência política e 7 Novamente, não é demais lembrar que os capitais nacionais, “pela peculiar

constituição de nosso capitalismo, obtém do político uma fração substancial do excedente geral do sistema” (MACHADO RIBEIRO DE LESSA & DAIN, 1982/3, 1998, p. 261).

8 “Volta Redonda was, finally, a major victory for Getúlio Vargas and the politics of conciliation. (…) Ultimately, however, the decision to conciliate as many interests as possible was made by Vargas. Luis Simões Lopes, the former civil service chief, observed that Vargas was a nationalist who did not believe in State ownership for its own sake. In fact, the President would have preferred a private steel solution” (WIRTH, 1970, pp. 127-128).

9 “A participação direta das empresas estatais não foi apenas um substituto da fragilidade financeira da burguesia local no que tange à capacidade de realizar per se os investimentos pesados – foi também um substituto da ‘não-escolha’ (no sentido de ser um tema pouco presente na agenda do executivo) de ‘campeões industriais’ para liderar os investimentos pesados. E isto não porque todas as frações burguesas e regionais fossem fracas, mas porque muitas eram politicamente fortes demais (senão para conduzir certas, pelo menos para torná-las fora de cogitação)” (ZAHLUTH BASTOS, 2001, p. 223).

8

Page 9: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

social por parte da elite dominante em relação ao funcionamento livre

do capitalismo e de sua conseqüente monopolização, o que impõe uma

barreira aparentemente intransponível à liderança deste setor no

desenvolvimento capitalista brasileiro. Ainda mais se se percebe que o

setor industrial convive com interesses contraditórios do setor financeiro

e do setor exportador, nem sempre afinados com os interesses da

grande empresa nacional, ambos com dinâmicas muito diferenciadas da

industrial.

Em contraposição à situação brasileira em que havia esta série de

interesses a bloquear o processo de centralização do capital, é

importante olhar para o caso da Coréia do Sul onde não havia bloqueios

a este processo, que foi liderado pelo Estado. "In 1961, however, the

field was clear for the assumption of state power. The landed nobility

had been destroyed; the peasantry was less rebellious as a result of a

land reform; and the 'captains of industry' were beholden to the state for

their regeneration. Only workers and students remained as opponents to

military rule. Industrial workers, however, were still only a small portion

of the population. As for the students, their role in an industrialization

based on learning became pivotal. The Hangul generation, the first

generation of students since the nineteenth century to escape education

under the Japanese, came off the streets and into the modern factories

of the 1970s as managers" (p. 52).

Cabe, portanto, analisar a possibilidade de a empresa estatal

assumir a proeminência da acumulação de capital como na Coréia do

Sul, até porque a sua participação no processo de desenvolvimento é

absolutamente essencial e aparenta não padecer de problemas similares

aos apontados no setor privado nacional e estrangeiro. Não pode se

esquecer que a industrialização não é um processo espontâneo, mas sim

o resultado de uma ação efetiva e de um esforço maiúsculo do Estado

brasileiro, dado que o Brasil é um late-late-comer – entra no processo de

9

Page 10: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

industrialização quando as bases técnicas e financeiras já estão

bastante desenvolvidas e complexas.

Se, para um país de industrialização atrasada, já era fundamental

a participação do Estado, no caso brasileiro, de industrialização tardia,

se exige ainda maiores tarefas (SERRA, 1982/3, 1998, p. 82). O

problema é que o Estado tem uma liderança ambígua, no sentido de que

ele é quem comanda as principais decisões de investimento desta

economia, abrindo espaço para que o investimento privado venha a

reboque do seu movimento – reduzindo o risco do investimento privado,

que de outra maneira seria insuportável – ao mesmo tempo em que

possui um papel absolutamente passivo na acumulação de capital, que

se concentra nas mãos da grande empresa estrangeira – que, como já

foi supracitado, não tem interesse em liderar este processo de expansão

capitalista em território estrangeiro.

Em termos da situação histórica em questão, a tentativa do Estado

de se colocar como o líder do processo de expansão com o II PND (Plano

Nacional de Desenvolvimento) cumprindo o papel da grande empresa

conglomerada do capitalismo monopolista, era inexeqüível. Há várias

razões para isso, algumas de caráter mais estrutural e outras de origens

mais conjunturais. O período imediatamente anterior, o Milagre

Econômico, reforçou o poder dos grupos que já eram dominantes

anteriormente, ou seja, o dos setores de bens de consumo duráveis

(BCD) dominados amplamente pelo capital estrangeiro.

Dessa maneira, era necessária uma modificação radical na

economia no sentido de que os privilégios no acesso ao crédito, por

exemplo, teriam que ser voltados para a expansão da grande empresa

estatal, em detrimento do financiamento aos bens de consumo duráveis,

pois o centro da expansão passaria a ser a empresa estatal não mais a

empresa estrangeira. “(...) Recursos reais financeiros da economia

deveriam ser desviados de suas antigas alocações, para tornar possível

a esse novo personagem, a esse novo conjunto de personagens, realizar

10

Page 11: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

as metas propostas. Essa reassignação, a nível real e a nível financeiro,

exigiria, por conseguinte, que, em paralelo à declaração em pról de

novas prioridades, medidas que comprimissem, que contivessem, que

freassem a expansão dos anteriores setores prioritários” (MACHADO

RIBEIRO DE LESSA, 1977, p. 54).

A própria política das empresas estatais teria que ser modificada,

já que elas fundamentalmente forneciam subsídios às empresas

privadas, nacionais e estrangeiras. Esta foi uma política deliberada de

incentivo aos ganhos privados mas que, dada a problemática

apresentada, eram antagônicos aos interesses do desenvolvimento

capitalista nacional ao impedirem a formação da grande empresa

monopolista privada ou estatal10. O fornecimento de toda a gama de

subsídios às outras pernas do tripé foi danoso pois transferia volumosos

excedentes para setores da economia que eram incapazes de liderar a

reprodução do capital em escala ampliada, o que acabou sendo inócuo

em termos da continuidade do desenvolvimento capitalista.

Se tais subsídios ampliassem a capacidade de geração de

excedentes por partes das empresas que estivessem liderando o

processo, isto seria mais que justificável. Mas como o necessário era que

a grande empresa estatal comandasse a acumulação de capital, este

quadro precisava ser revertido, o que traria ainda mais

descontentamento aos setores relegados a segundo plano, que seriam

achatados por este movimento. “(...) O chamado setor produtivo estatal

não possui autonomia financeira suficiente para saltar à frente e liderar

a expansão futura. Isto porque, desde logo, não há nenhuma articulação

orgânica entre as várias empresas públicas que atuam como oligopólios

10 “Compete ao Estado, dentro de um país como o nosso, realizar os investimentos de base, dar sentido ao processo de acumulação, centralizar os capitais, alterar a estrutura de preços e custos de modo a elevar a taxa de rentabilidade das empresas, garantir demanda às empresas, etc.etc. Em outras palavras, ‘alimentar a vaca’. Compete à empresa privada se situar (...) nas atividades lucrativas, etc. Qual é o bônus adicional? Para a empresa, ela o tem, e o ônus adicional do Estado é receber o epíteto de incompetente, etc. (...) O problema não é tanto o peso do Estado na Economia, mas saber quem se beneficia desse peso” (MACHADO RIBEIRO DE LESSA, 1977, pp. 70-71).

11

Page 12: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

isolados, de modo que não há a possibilidade de uma gestão conjunta

de recursos que permitisse a centralização do capital e sua canalização

para novos investimentos” (CARDOSO DE MELLO & MELLO BELLUZZO,

1982/3, 1998, p. 182).

Sem falar no fato que o redirecionamento da economia também

supunha uma transformação radical do espaço geográfico brasileiro, na

direção uma maior desconcentração espacial, em detrimento do Estado

de São Paulo, a locomotiva do processo até então (MACHADO RIBEIRO

DE LESSA, 1977, p. 60). Em meio a isso, ainda há que se considerar o

apelo ideológico contrário à estatização, sempre mal-vista nas elites

brasileiras, e as contradições entre a política econômica restritiva de

combate à inflação e o II PND, que se baseava num ambicioso plano de

investimentos estatais. Além destes problemas, o que fica claro é que a

economia brasileira precisava de uma grande modificação estrutural que

não podia ser realizada por um Estado ditatorial dominado pelos

interesses econômicos privados que precisavam ser postos de lado. E

mesmo no setor privado, não havia concordância:

“(...) em torno de cada projeto definido pelo Estado, há

que se compor interesses específicos das empresas de cada

segmento. Ocorre que nenhum dos interesses é capaz de se

impor, viabilizando o objetivo fixado pelo Estado. Nestas

circunstâncias, o Estado se vê dardejado por uma onda de

solicitações contraditórias que é incapaz de atender e conciliar”

(CARDOSO DE MELLO, 1977, p. 16).

Visto desta maneira, o desenvolvimento capitalista no Brasil

possuía entraves severos11, o que resultou numa tentativa de continuar

com o crescimento econômico baseado numa estrutura claramente

inadequada para o mesmo e que, posta a impossibilidade de algum 11 “Falaríamos de uma equi-impotência em termos de monopolização como um

detalhe específico da América Latina” (MACHADO RIBEIRO DE LESSA & DAIN, 1982/3, 1998, p. 259).

12

Page 13: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

interesse se impor sobre os outros, levou mais adiante a uma saída

liberal em que a solução da questão ficou a cargo do mercado. A

gravidade destes problemas se apresenta de uma maneira ainda mais

gritante na ausência do financiamento do investimento, fundamental

para a continuidade da acumulação de capital. Esta falha na estrutura

da organização capitalista decorrente dos problemas supracitados levou

a economia brasileira a um impasse no momento anterior ao Milagre

Econômico: sem solução para este problema, a estagnação parecia o

cenário mais provável. Dadas as condições supracitadas, as fontes de

financiamento para a acumulação de capital eram restritas pois é a

própria geração de excedente financeiro por parte das empresas que

provê fundos para novos investimentos o que, no caso brasileiro, era

restringido pela impossibilidade da centralização do capital.

Uma alternativa possível talvez fosse o sistema bancário brasileiro,

mas ele sempre foi muito vinculado às atividades mercantis e não tinha

força suficiente nem interesse em fornecer fundos para tal empreitada.

O mercado de capitais criado pelas reformas financeiras realizadas no

âmbito do PAEG (Plano de Ação Econômica do Governo) se mostrou

incipiente, dada a baixa liquidez das ações e o conseqüente alto custo

do capital – o que, na verdade, apenas revelava outra faceta do

problema da estrutura familiar das empresas: grande parte das

empresas não tinha ações negociadas em bolsa, o que reduzia a liquidez

do mercado como um todo; e mesmo as empresas que possuíam ações

em bolsa, não colocavam o controle da empresa em jogo, o que retirava

boa parte da atratividade deste mercado12.

Frente a estas impossibilidades todas, a única saída disponível que

não se confrontava com nenhum interesse importante estabelecido

naquele momento foi a tomada de créditos no exultante euromercado.

Este mercado de dólares possuía uma enorme liquidez em conjunto com

12 A este respeito ver DAVIDOFF DAS CHAGAS CRUZ (1994), apesar de o autor não considerar adequadamente a importância da questão da centralização do capital bloqueada no Brasil.

13

Page 14: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

prazos e taxas de juros extremamente atraentes13. Dessa maneira, a

opção pelo endividamento externo em euromoedas se torna insopitável:

o financiamento da acumulação de capital era barato e farto vis-à-vis

uma absoluta penúria no que se refere às possíveis fontes de

financiamento internas. Este processo de endividamento externo,

portanto, surgiu como conseqüência destes problemas expostos e, ao se

tornar uma panacéia, introduziu mais um complicador à já delicada

situação existente: ao se tornar descontrolado, o endividamento externo

levou o país à bancarrota14.

Dessa forma, fica patente que os problemas de fundo da economia

brasileira são muito maiores que os relativos ao endividamento externo

e suas danosas conseqüências: os últimos 25 anos são marcados

violentamente pela crise da dívida, mas o problema já claro e premente

do modelo econômico ficou posto de lado. Feitas estas considerações da

mais alta importância, pode-se descer a uma análise mais factual para

se vislumbrar o movimento da economia do período. Tal movimento foi

muito influenciado pela dinâmica dos fluxos de capitais, já que eles

influenciaram decisivamente no quão estrangulada deveria ficar a

economia brasileira ao longo dos últimos vinte e cinco anos.

Tabela 1: Taxa de Crescimento Econômico do Brasil, PorcentagemTabela 1: Taxa de Crescimento Econômico do Brasil, Porcentagem

do PIBdo PIBAno Taxa de Crescimento do PIB %

Média Histórica (1948-1981) 7,11982 0,81983 -2,91984 5,41985 7,81986 7,51987 3,51988 -0,11989 3,21990 -4,3

13 PÁDUA LIMA (1985) debate a questão da formação e expansão do euromercado.14 A discussão do processo de endividamento externo é realizada DAVIDOFF DAS

CHAGAS CRUZ (1984(1999)), especialmente nos capítulos 1 e 2.

14

Page 15: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

1991 1,01992 -0,51993 4,9

Média do Período de Ajustamento (1982-1993)

2,2

1994 5,91995 4,21996 2,71997 3,31998 0,1

Média do Novo Ciclo de Endividamento (1994-1998)

3,2

1999 0,82000 4,42001 1,32002 1,92003 0,52004 4,92005 2,3

Média do Novo Período de Ajustamento (1999-2004)

2,3

Fonte: IBGE.

Não que eles, em algum momento, possibilitassem a volta aos

patamares anteriores de crescimento econômico mas o problema é que

a economia brasileira se tornou refém do endividamento externo e de

seus custosos serviços; toda vez que os fluxos de capital se tornaram

disponíveis, o país voltou a se endividar, conseguindo taxas de

crescimento pouco mais significativas apenas momentaneamente, dado

que o novo ciclo de endividamento e a redução da liquidez internacional,

via de regra, levaram a economia a ficar numa condição ainda pior. Este

movimento é visível nas taxas de crescimento econômico do país: a

média do novo período de ajustamento (2,3% ao ano) é tão medíocre

quanto a do primeiro período de ajustamento (2,2% ao ano); assim como

a taxa de crescimento do último ciclo de endividamento (3,2% ao ano), é

inferior à média histórica do pós-guerra até a crise da dívida (7,1% ao

ano), o que pode ser visto na tabela 1.

15

Page 16: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

A Crise da Dívida Externa e a Primeira Metade da

Década de 80

Com um endividamento externo de volume cada vez mais

esmagador, dado o seu rápido crescimento, o país se tornou presa fácil

de um ajustamento extremamente penoso e unilateral, quando da

eclosão da crise da dívida externa após a moratória técnica do México

em 1982. A situação se mostrava muito complicada pois, desde meados

dos anos 1970, já se configurava como um endividamento Ponzi15. Com

a ruptura no financiamento externo, dado o credit crunch decorrente da

moratória mexicana, a necessidade do ajustamento externo se fez

presente, ainda que a política econômica brasileira já tivesse se

modificado na direção do ajustamento16 que viria com o acordo com FMI

(Fundo Monetário Internacional), exigência dos bancos credores

realizada em conjunto com o corte de crédito – estes passaram a agir

em cartel o qual, no caso do Brasil, tinha como responsável o Citibank17.

O problema é que só se procura o FMI quando se tem problemas

de balanço de pagamentos, dada a dureza das políticas de ajuste do

Fundo, conhecidas por levar os países a recessões profundas, mas ele se

apresentava como a única saída para se manter os pagamentos de

juros, sem o tão necessário financiamento externo – condicionado agora

ao entendimento prévio com o Fundo Monetário. Diga-se de passagem,

o problema se tornava ainda maior dada a miopia com a qual o FMI

15 Charles K. Ponzi foi um famoso estelionatário, de origem ítalo-americana, que conseguiu juntar aproximadamente US$ 10 milhões de dólares na Boston dos anos 20, prometendo, aos investidores em seus títulos, pagar via uma tramóia com taxas de câmbio e selos postais 50% de juros, após 45 dias. Ele pagava os títulos vencidos com o que ele arrecadava com os novos títulos colocados no mercado, i.e., ele pagava dívidas com dívidas ainda maiores. Ele morreu pobre no Brasil, em idos de 1940.

16 Do final de 80 até 82, o país passou por um ajuste voluntário do Balanço de Pagamentos.

17 Os bancos credores, se o governo fizesse o acordo com o Fundo e implementasse as políticas “sugeridas”, emprestariam algum montante de recursos, de forma conjunta, cartelizada. No caso do Brasil, ofertariam o suficiente para termos um superávit na Conta de Capitais.

16

Page 17: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

enxerga os problemas de Balanço de Pagamentos: o diagnóstico é de

que se um país tem um problema deste tipo, é porque ele tem um

excesso de absorção, isto é, vive além de seus meios ao absorver mais

recursos do que dispõe18.

Logo, a solução é a redução do déficit externo, que permite que os

juros sejam saldados, mas isso passa por uma redução da demanda

interna. A miopia deste diagnóstico é patente pois com uma recessão

podem cair as exportações e a atividade interna, só piorando o déficit do

Balanço de Pagamentos, num contexto em que a demanda agregada

está menor (BACHA, 1983, p. 117). Mas na verdade, a questão da miopia

era apenas uma justificativa para a implantação dos verdadeiros

interesses do Fundo, que passavam por uma reversão da balança

comercial, com o único objetivo de facilitar o recebimento dos

pagamentos dos juros por parte dos bancos estado-unidenses. Bom, se

esse era o objetivo, contrações da demanda interna sempre

correspondem a uma melhora rápida da Balança Comercial, o que

significa que a decisão foi acertada, pelo menos do ponto de vista dos

credores19.

Portanto, a orientação geral do ajuste era muito clara: déficit zero no

Balanço de Pagamentos, o que implicava uma Balança Comercial

sensivelmente superavitária. Esta, desde logo, nunca foi uma questão

consensual dentro do país já que a oposição ao regime militar no Brasil 18 A visão do FMI sobre os problemas de endividamento do Terceiro Mundo é baseada

no ajuste monetário do balanço de pagamentos. Segundo este enfoque ortodoxo, desenvolvido por J. J. Polak nos idos de cinqüenta dentro do próprio FMI, um desequilíbrio de balanço de pagamentos é um fenômeno monetário gerado por a economia se encontrar além do pleno emprego. Sendo válidos os pressupostos dos saldos reais constantes e da demanda por moeda como função exclusiva da renda, os agentes com mais encaixes passam a gastar seus novos recursos. Como a oferta interna não pode crescer e o preço é dado internacionalmente, também por suposição, eles passam a demandar mais ativos e bens do exterior. Portanto, o problema do país é que sua absorção de recursos está acima das suas possibilidades e a saída é fazer políticas restritivas para reduzir a demanda agregada (BACHA, 1983).

19 O professor Barros de Castro diria que o grande saldo comercial dos anos 80 foi fruto dos investimentos do II PND, que permitiram o crescimento com o pagamento da dívida externa, via geração de saldos comerciais (BARROS DE CASTRO & PIRES DE SOUZA, 1985). Esta discussão não faz parte do escopo deste trabalho e foi devidamente refutada em MEDEIROS CARNEIRO (1991).

17

Page 18: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

era favorável a uma interrupção ativa dos pagamentos, sendo a

moratória um instrumento de ação política para provocar a renegociação

com os bancos em novas bases (BARROS DE CASTRO & PIRES DE

SOUZA, 1988, p. 94). Afinal de contas, a culpa mais imediata da crise

era da ação unilateral da política monetária estado-unidense. Mas como

o poder ainda estava nas mãos do governo autoritário, foi iniciado o

programa do FMI, que ficou conhecido pela programação ao contrário do

setor externo.

Dado que os bancos definiam o quanto podiam emprestar para países

que cumpriam os acordos realizados com o Fundo, eles acabavam por

determinar também o montante do déficit em transações correntes

possível. Como o déficit em serviços possui certa estabilidade e é

praticamente irredutível, dado os pagamentos de juros, ficava clara qual

era a necessidade do saldo comercial a ser obtido. Como as exportações

podem ser incentivadas mas em última estância são uma venda, não

dependendo de uma decisão soberana do país mas sim das decisões dos

compradores externos, o governo brasileiro deveria apertar a economia

de modo a reduzir as importações no montante equivalente ao déficit da

conta de serviços. E como as importações eram fortemente vinculadas

ao crescimento econômico, ainda mais se se leva em conta a

importância do petróleo no total das mesmas20, eram os grandes bancos

internacionais liderados pelo Citibank que definiam o tamanho da

recessão brasileira.

Diante do sucesso do ajustamento em termos externos, ficava ainda

mais claro que o objetivo do FMI era garantir os fluxos dos serviços da

dívida externa. Todavia, este sucesso estava ancorado em graves

assimetrias que levaram a economia brasileira a um impasse profundo:

em que pese os saldos comerciais enormes, que atingem quase US$ 20

bilhões em 1988 (gráfico 1), a taxa de crescimento econômico se

20 “(...) Quando ocorreu o segundo choque do petróleo (1979-81) o Brasil ainda importava 87% do que consumia deste insumo energético” (BAER, 1993, p. 73).

18

Page 19: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

reduziu fortemente (de 8,84% ao ano nos anos 70 para 1,96% na

primeira metade dos anos 80 – gráfico 2), a taxa de inflação passou a

ser descontrolada (gráfico 3) e o desemprego aberto surgiu como um

novo problema, entre tantos outros da primeira Década Perdida. A

diferença de custo do ajuste externo entre credores e devedores ficou

conhecida como a assimetria externa do processo de ajustamento, dado

que o resultado foi muito desigual, quando se compara o que aconteceu

com os credores vis-à-vis o Brasil.

Nesse sentido, o país arcou com o custo de um ajuste resultante da

desordem econômica internacional, marcada pelo crescimento explosivo

do euromercado, mas as políticas corretivas só implicaram sacrifícios

por parte do Brasil. É claro que, como foi apontado no item anterior,

existiam raízes estruturais complexas que inviabilizavam a formação de

mecanismos de financiamento da acumulação de capital no país, o que

empurrava os agentes internos na direção do endividamento externo.

Mas o que se deseja mostrar é que a crise da dívida não é conseqüência

apenas destes problemas, mas também uma conseqüência dos

desajustes e da crise latente decorrente do fim do acordo de Bretton

Woods.

Gráfico 1: Balança Comercial do Brasil, US$ milhõesGráfico 1: Balança Comercial do Brasil, US$ milhões

19

Page 20: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

-10000

-5000

0

5000

10000

15000

20000

25000

Fonte: Banco Central do Brasil.

Gráfico 2: Taxa de Crescimento do Brasil, Porcentagem do PIBGráfico 2: Taxa de Crescimento do Brasil, Porcentagem do PIB

-10

-5

0

5

10

15

19701971

19721973

19741975

19761977

19781979

19801981

19821983

19841985

19861987

19881989

1990

20

Page 21: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

Fonte: IBGE.

Gráfico 3: Inflação do Brasil, IGP-DI, Porcentagem AnualGráfico 3: Inflação do Brasil, IGP-DI, Porcentagem Anual

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

1600

1800

2000

Fonte: FGV, Conjuntura Econômica.

Não pode se esquecer que os bancos internacionais estabelecidos

na Europa, ao operar com moedas estrangeiras, estavam livres da

regulamentação imposta tanto pelos bancos centrais dos seus países de

origem como dos bancos centrais dos países em que eles estavam

efetivamente instalados, o que lhes abria possibilidades de expandir o

crédito a seu bel prazer – uma operação de risco elevado mas que trazia

compensações extraordinárias21. Ao longo de toda a década de 70, eles

fizeram políticas absolutamente inconseqüentes de expansão do crédito,

já que a concentração dos empréstimos a poucos países se tornava

crescente, comprometendo fortemente o patrimônio dos mesmos frente

a poucos agentes, ainda que isso fosse compensado com o aumento dos

spreads22.21 PÁDUA LIMA (1985) analisa a expansão do crédito sem regulamentação, a

formação da taxa de juros, prazos e outros detalhes das operações altamente lucrativas dos bancos participantes. Ver, principalmente, o capítulo 4.

22 Esta política era totalmente contrária aos princípios do risco crescente e da boa gestão bancária. Ver PORTELA FILHO (1988), capítulo 1 e também NOGUEIRA BATISTA JR. (1983), parte I.

21

Page 22: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

Portanto, a culpa pela situação não é apenas dos mal-resolvidos

problemas estruturais da economia brasileira, mas também dos bancos

emprestadores, sem falar no fato de que os Bancos Centrais envolvidos

na regulamentação dos mercados em que tais bancos atuavam não

fizeram nada frente à clara ampliação dos riscos. Contudo, no momento

em que ocorreu a crise, os bancos se defenderam através do governo

estado-unidense e do FMI, o que significou o repasse de todo o ônus

para os devedores23. Não houve redução do montante do

endividamento, não houve redução da taxa de juros24, não houve

ampliação dos prazos de pagamento, não houve políticas expansivas

deliberadas por parte dos países credores que visassem à absorção das

exportações brasileiras, não houve uma mínima margem de manobra e

de tempo para que se realizasse este ajuste draconiano25.

Quando se observa o que ocorreu dentro da economia brasileira,

percebe-se que houve uma segunda assimetria neste processo de

ajustamento já que os grandes grupos privados passaram

absolutamente ilesos por ele, sendo alguns até muito beneficiados,

enquanto o setor público sofreu as mais graves conseqüências. Essa

discussão remete necessariamente ao processo de estatização da dívida

externa pois como já foi demonstrado anteriormente, a inexistência de

financiamento ao investimento, determinada pelo desenvolvimento

capitalista deformado pela impossibilidade da centralização de capital

dentro do país, impôs o caminho – aparentemente fácil e sem riscos – do

endividamento externo às empresas privadas, principalmente

estrangeiras, no período do Milagre Econômico.

23 Sobre o processo de renegociação dos débitos externos, ver BAER (1993), capítulo 2.

24 As taxas de juros eram baseadas no sistema conhecido como roll-over, no qual eram flutuantes já que acompanhavam as variações da Libor (taxa de juros básica do mercado londrino, London Interbank Offer Rate) ou da Prime Rate (taxa básica dos Estados Unidos), o que impunha a sua repactuação a cada 3 ou 6 meses. Quer dizer, quando o Federal Reserve eleva bruscamente as suas taxas de juros, o serviço da dívida externa aumenta abruptamente.

25 Ver PORTELA FILHO (1988) para uma análise mais detalhada do assunto, capítulos 1 e 2.

22

Page 23: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

Desta feita, o estoque de passivos com o exterior que começou a

se formar no final da década de 60 era majoritariamente privado, porém

chegou aos anos 80 quase que todo estatizado. A primeira fase deste

processo de estatização ocorreu com a implantação do II PND pois o

esforço do Estado Brasileiro para reorientar a economia brasileira pôde

não ter obtido o sucesso almejado mas demandou um elevado volume

de investimento enquanto durou. Isto significa que os pagamentos de

juros realizados pelas empresas privadas foram financiados pela nova

dívida externa obtida pelas empresas estatais que estavam realizando

os investimentos referentes ao II PND, ocorrendo um crescimento da

participação relativa do Estado nesse estoque – a estatização da dívida

via fluxo26.

Uma segunda fase ficou marcada pela transferência de

titularidade da dívida externa contraída pelo setor privado, em que a

dívida terminou inteiramente absorvida pelo Estado. Com a criação de

mecanismos de incentivo à captação externa, notadamente a Instrução

nº. 432 e a Circular nº. 230, abriu-se a possibilidade de, em um

momento de crise, se transferir a dívida em dólares para o Banco

Central do Brasil, mediante o pagamento da mesma em cruzeiros27. O

BACEN se tornava então o responsável pelos pagamentos de juros e do

principal, ainda que a empresa pudesse em tese retirar esse depósito no

futuro.

Só que o problema externo em que a economia brasileira estava

envolvida levou o então ministro da Fazenda Delfim Netto a realizar uma

maxidesvalorização cambial, com o intuito de melhorar a posição do

26 DAVIDOFF DAS CHAGAS CRUZ (1995), item III.27 Tais mecanismos tinham o objetivo de incentivar a captação de recursos externos,

ao transferir o risco cambial para o Estado, num momento em que a sua necessidade era premente para a manutenção do fluxo de pagamentos de juros. No início, esse mecanismo não foi muito utilizado, dado que se seguia uma política de minidesvalorizações periódicas. É importante lembrar, de qualquer forma, que o diferencial de juros interno-externo era um grande incentivo às captações externas para aplicações nos títulos públicos, sendo um dos fatores responsáveis pela introdução da Ciranda Financeira. MOURA DA SILVA (1979) discute estas questões mais a fundo.

23

Page 24: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

balanço de pagamentos brasileiro. “Estranhamente”, os depósitos

remunerados em moeda estrangeira (DRME) ligados à Instrução nº. 432,

às vésperas desta maxidesvalorização, cresceram rapidamente; mais

interessante ainda é perceber que pouco após isto, ocorreu o choque

dos juros nos EUA28. O impacto da desvalorização cambial em

associação com a elevação dos juros, foi devastador para o setor público

já que este esquema resultou numa deterioração extremamente pesada

das finanças públicas29.

E essa situação se complicou ainda mais com o ajuste recessivo

que se aplicou em seguida, sob o comando do FMI. Ora, como já foi

exposto, para se gerar saldos na magnitude exigida foi requerida uma

política econômica que solapava constantemente os próprios

fundamentos do Estado brasileiro, mostrando que na verdade a saída

apresentada pelo FMI e aceita pelo país, era uma não-saída ao provocar

uma brutal contração da economia, que levava a um círculo vicioso. As

políticas ativas de câmbio e juros utilizadas para levar o país a se ajustar

eram nefastas por que as desvalorizações cambiais e os juros elevados

levavam a uma aceleração da inflação, o que corroía o valor real da

arrecadação de impostos ao mesmo tempo em que reduzia as receitas

governamentais na outra ponta pari passu com a perda de efeito da

desvalorização cambial – o que exigia uma nova rodada desvalorizações

cambiais e aumento dos juros via dívida pública crescente.

28 DAVIDOFF DAS CHAGAS CRUZ (1995), item IV.29 Há ainda uma terceira fase no processo de estatização da dívida, denominada de

estatização via depósitos de projetos. Ela surgiu no bojo das negociações com o Fundo Monetário e era o dinheiro que o cartel dos bancos aceitava emprestar ao país. O dinheiro, de prazo razoavelmente curto e custo elevado, ficava depositado no BC à espera de tomadores finais. Enquanto isso, BC arcava com os compromissos dos Depósitos de Projetos. Desde logo, o setor privado fugia do endividamento, como será apresentado mais à frente no texto. Mas as Estatais espremidas pelo peso do ajuste que tinham que realizar, num momento em que precisavam ainda colaborar com a política de combate à inflação traçada pelo governo, tomavam estes recursos até por não haver outra opção disponível a elas: as tarifas e preços públicos eram cada vez menores em termos reais; a receita operacional estava 10% abaixo da de 1980 em 83/85 e o crédito local estava bloqueado assim como o externo, à exceção deste disponível no Banco Central (DAVIDOFF DAS CHAGAS CRUZ, 1995).

24

Page 25: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

“As reiteradas tentativas de desvalorização real do câmbio e as

medidas de sustentação da paridade por meio das minidesvalorizações

diárias provocaram o crescimento, em termos reais, do estoque da

dívida externa sob a responsabilidade do setor público” (MELLO

BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA, 2002, p. 14). Este ajustamento

externo ainda tinha o problema de demandar uma grande renúncia

fiscal com o intuito de fomentar a exportação30, o que infligiu um outro

fardo a ser carregado por um setor público alta e rapidamente

endividado que possuía receitas em queda e despesas em rápida

ascensão, por todos os fatores apontados.

Como o Estado também não podia se financiar pela emissão

monetária, dada a já presente explosão da inflação e a necessidade de

se restringir o crescimento econômico, o único caminho que lhe restou

foi a emissão de dívida interna31. Mas por crescer aceleradamente, a

dívida pública foi sofrendo sensível piora no seu perfil, dadas as

sucessivas reduções de prazo e aumentos dos juros, que implicavam

aumento do gasto público financeiro. Postos estes fatores, já era

possível perceber que tal ajustamento não levava à superação da crise

mas só a sua ampliação. Tudo isso resultou num crescimento

avassalador da dívida pública, que não resolveu os problemas anteriores

todavia criou mais um32.

A partir deste ponto, os problemas estruturais da economia

brasileira passaram a ser acompanhados pela dívida externa, pelas

políticas de ajustamento e pela dívida interna. Esta precisa ter alguns

pontos elucidados, principalmente a respeito de quem se beneficiava

30 Da qual fazem parte os subsídios providos pelas empresas estatais, que são obrigadas a realizarem este sacrifício também em prol da contenção da inflação.

31 “Já foi visto que a aquisição das divisas se faz num contexto de total constrangimento fiscal-financeiro das entidades públicas – queda da carga tributária, redução real de preços e tarifas, desaparecimento da poupança governamental, corte de investimentos etc (sic) – implicando a ampliação da dívida interna a juros reais crescentes” (DAVIDOFF DAS CHAGAS CRUZ, 1995, p. 140).

32 A este respeito, ver DAVIDOFF DAS CHAGAS CRUZ (1995) e NOGUEIRA BATISTA JR. & MELLO BELLUZZO (1992), especialmente o texto de MELLO BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA (1992).

25

Page 26: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

dela. A dívida pública interna, possibilidade aberta pela criação da

correção monetária no âmbito do PAEG através da instituição da

correção monetária, se iniciou com o acúmulo de reservas oriundo do

primeiro impulso ao endividamento (DAVIDOFF DAS CHAGAS CRUZ,

1984, 1999, p. 19).

Ao longo dos anos 70, ela foi inflada rapidamente com as políticas

econômicas contraditórias que acentuavam a diferença entre os

sistemas financeiros real e nominal existentes na economia brasileira,

que engendraram a Ciranda Financeira33. “O ajustamento determinou

um agravamento progressivo da situação financeira do setor publico.

Isto porque foi se ampliando, ao longo do tempo, o hiato entre os fluxos

de receita derivados do poder fiscal e dos ativos do governo, de um

lado, e, de outro, os compromissos nascidos dos passivos acumulados

pelo Estado. Nessas condições, foi inevitável a expansão do

financiamento através da dívida pública interna” (MELLO BELLUZZO &

GOMES DE ALMEIDA, 2002, p. 15).

Quando se olha para o movimento do setor privado, o que se

percebe é que, ocorreu com ele o oposto: dada a perspectiva de

recessão duradoura, as empresas passaram a se defender reduzindo o

endividamento da maneira mais rápida possível – o que ampliou o

movimento de fuga da dívida externa, que se configurou como um

movimento de fuga de qualquer espécie de endividamento, tanto pelo

elevado custo do endividamento como pela falta de horizonte para

investimentos. “Esse enorme desequilíbrio do setor público foi, no

entanto, condição para o reequilíbrio corrente e patrimonial do setor

privado” (MELLO BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA, 2002, p. 16).

A atuação do Estado explica o fato de o processo de ajustamento

não ter resultado em uma centralização do capital de grandes

proporções num setor privado com grande dívida externa mas,

concomitantemente, ela criou um descompasso entre a acumulação de

33 A este respeito ver MOURA DA SILVA (1979).

26

Page 27: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

capital e a acumulação de direitos sobre a riqueza financeira, por parte

tanto dos empresários como dos rentistas (pp. 97-98).

Em face da brutal recessão determinada pela política de

ajustamento, a queda do lucro geral da economia, em seu sentido

macroeconômico, foi inevitável34. Isto levou os agentes privados a

repensarem seus planos de investimento, buscando dessa forma reduzir

o seu nível de endividamento, frente à nova situação de queda da

produção corrente. Mas isto também significou que qualquer tentativa

de redução do endividamento por parte de todos os agentes desta

economia era impossível, dado que resultaria num endividamento

involuntário por parte dos mesmos. Algumas empresas,

microeconomicamente falando, poderiam obter êxito, “(...) mas isso só

seria possível à custa do aprofundamento da ‘dívida forçada’ das outras”

(MELLO BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA, 2002, p. 107). Aí é que entrou

o papel do Estado Brasileiro: ao realizar um ajuste irracional, do ponto

de vista de seus interesses e dos interesses do país como um todo, o

Estado criou a possibilidade de, através dos seus pagamentos de juros

via superávit comercial do setor privado, manter a acumulação de

capital interna num cenário de queda do investimento.

“Do ponto de vista patrimonial, isso permitiu a formação

de posições líquidas credoras em favor do setor empresarial, o

que seria impossível nas condições em que se combinavam o

recuo do investimento privado e a reversão do déficit primário

do setor público. As condições do ajustamento impuseram Jpe

(os juros pagos pelo setor público ao exterior) como ‘excedente’

privado e como ‘déficit’ do setor público, originário, em boa

medida, da estatização da dívida com o exterior. Foi isso que

34 “A economia capitalista não dispõe de mecanismos ‘automáticos’ e endógenos, capazes de compensar a queda do lucro macroeconômico. (...) A ‘correção’ da queda do lucro agregado só pode ocorrer se um ‘agente externo’ tomar decisões de gasto (...) É o caso do gasto público e das intervenções de ‘última estância’ do Banco Central” (MELLO BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA, 2002, p. 101).

27

Page 28: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

impediu o endividamento involuntário ou ‘forçado’ das

empresas, permitindo o sucesso das decisões tomadas no

âmbito das empresas de cortar gastos, contrair despesas e

postergar ou cancelar novas inversões para defender o lucro

líquido e assim melhorar a posição credora/devedora do setor

privado” (MELLO BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA, 2002, pp.

106-107).

Quer dizer, a ação pública de defesa dos interesses privados

permitiu uma saída do endividamento para o setor privado ao mesmo

tempo em que gerou um excedente líquido importante que não poderia

ser reinvestido, dada a situação e as expectativas. Mas este excedente

poderia ser valorizado com facilidade pela dívida pública, o que tornou o

setor privado, como um todo, rentista e patrimonialista. Entretanto, a

conseqüência disto foi um aumento da incerteza ligada à precariedade

da situação cambial, à alta e crescente inflação e à crise fiscal e

financeira do Estado.

Dessa forma, se percebe que a dívida interna do setor público foi

realizada majoritariamente com o setor privado, que se tornou

crescentemente líquido, dentre o qual se destacavam os setores

exportadores, ganhadores de benesses expressivas para realizarem a

venda externa de suas mercadorias. Em se olhando a questão mais de

perto, vê-se que havia um novo e importante canal de transferência de

recursos do setor público para o setor privado exportador.

A situação parecia completamente ilógica, pois o setor público

subsidiava fortemente a geração de divisas e reaparecia, no momento

seguinte, comprando as próprias divisas que subsidiou a preço de

mercado com emissões de dívida pública. O fato do setor público não ser

exportador impunha este problema: o Estado precisava comprar divisas

para pagar a dívida externa, num cenário em que, não bastasse a

elevação dos juros externos, ocorria uma importante deterioração dos

28

Page 29: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

termos de troca. Como foi explicitado, os juros jogaram um papel

decisivo para a criação do saldo comercial, levando o Governo Militar a

também consolidar definitivamente a Ciranda Financeira: comprava

dólares a juros altos, criando uma gigantesca dívida interna35.

A forma como se deu o ajuste das contas externas, via estatização

da dívida não era necessariamente o único caminho disponível para o

encaminhamento da resolução da crise da dívida externa de 1982.

Quando se olha para o caso sul-coreano, o que se percebe é um

movimento na direção oposta a este, ou seja, ocorreu uma privatização

da dívida externa sul-coreana pouco percebida e discutida pela literatura

sobre o assunto. O Estado sul-coreano transferiu seus bancos estatais,

altamente endividados no euromercado, para os chaebol num processo

extremamente positivo para a continuidade do seu desenvolvimento

econômico.

A Coréia do Sul, quarto maior devedor do mundo atrás apenas do

Brasil, do México e da Argentina, se utilizava de um mecanismo de

captação de recursos semelhante à Resolução nº. 63 do Banco Central

brasileiro. O sistema financeiro local, fortemente controlado pelo Estado

seja via regulamentações, seja via propriedade direta sobre os maiores

bancos, tomava recursos no euromercado e os reemprestava às

empresas locais que não tinham acesso ao mercado internacional. É

certo que no direcionamento dos empréstimos havia uma preferência

deliberada do Estado nacionalista sul-coreano pela indústria química e

pesada e pelos setores exportadores, algo visto como inexplicável e/ou

equivocado por boa parte da literatura sobre o assunto36.

Quando da eclosão da crise da dívida, o governo sul-coreano,

também fez um acordo com o Fundo Monetário Internacional que, entre 35 DAVIDOFF DAS CHAGAS CRUZ (1995), item VI.36 Sobre a falta de entendimento sobre a preferência do Estado sul-coreano pela

indústria química e pesada, as distorções alocativas no sistema financeiro e a pretensa importância de capital humano sul-coreano, ver CHO & COLE (1986), DORNBUSCH & PARK & COLLINS & CORBO (1987) e SACHS & WILIAMSON (1985). Sobre o importante papel do Estado sul-coreano na industrialização, ver MARDON (1990) e CUMINGS (1989).

29

Page 30: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

outras exigências, incluía a liberalização financeira e comercial por parte

dos sul-coreanos e também a privatização dos bancos de propriedade

estatal37. Como não houve interesse pela aquisição dos bancos por parte

do sistema financeiro internacional, o Estado sul-coreano transferiu a

propriedade dos bancos para os principais grupos exportadores, os

conhecidos chaebol, que eram os principais beneficiários da tomada de

recursos no euromercado38.

Ao fazer isso, a Coréia do Sul conseguiu uma mais que satisfatória

solução da crise da dívida como mostram os dados sobre o seu

crescimento econômico: de 1981 a 1986, a economia sul-coreana

cresceu 8,7% ao ano (DORNBUSCH & PARK & COLLINS & CORBO, 1987,

p. 393). Os chaebol, agora donos dos bancos foram obrigados a

realizarem um movimento ainda maior de extroversão, em que as

exportações se tornaram uma prioridade absoluta dada a necessidade

de dólares para o pagamento da dívida externa39. Passado o momento

crítico imediato, o aumento das exportações proporcionou uma

vantagem crescente para as mesmas empresas pois os seus indicadores

de solvência só melhoravam com o passar do tempo – a relação

endividamento/exportações e a relação endividamento/capacidade

produtiva eram cadentes e acabaram por impulsionar ainda mais o

37 CHO & COLE (1986), AGHEVLI & MÁRQUEZ-RUARTE (1985) e KIM (1993).38 “The chaebol had a strong presence in this industry (heavy industries) and so were

the largest beneficiaries of the loans” (KIM, 1993, p. 241). Ver também (CHO & COLE, 1986).

39 A participação das exportações no PIB, que já era de elevados 30,6% em média no período 1974-1980, passou para 38,6% do PIB sul-coreano no período 1981-1986 (DORNBUSCH & PARK & COLLINS & CORBO, 1987, p. 393).

30

Page 31: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

crescimento das empresas e do país40, propiciando um ajuste virtuoso à

crise da dívida.

Quando se volta os olhos novamente para o que ocorreu no Brasil,

a questão do equívoco do ajustamento fica ainda mais clara dado que o

enorme sacrifício exigido ao país resultou num crescimento da dívida

externa mesmo com os enormes pagamentos de juros realizados (tabela

2). Quer dizer, o esforço brutal realizado pelo país, pelo Estado e pela

população mais empobrecida especificamente, não levou à solução da

crise da dívida.

De 1982 a 1986, um período de cinco anos, as políticas de

ajustamento externo levaram o país a pagar em juros (US$ 55.747

milhões) o equivalente ao total da dívida externa do país em 1979 (US$

55.803 milhões), ano do choque dos juros que detonou a crise da dívida

em 1982. Ainda assim, o montante total da dívida externa em 1986 era

de US$ 111.203 milhões. Não é que a adoção das medidas duras, porém

necessárias, trariam de volta os fluxos de capital tão desejados e a

normalidade econômica de antes. Estas medidas não só não

solucionaram o problema como ainda o intensificaram, num contexto de

crescente deterioração das condições econômicas do país, cuja marca

foi a inflação, discutida a seguir.

40 Sobre os precedentes históricos de renegociação de dívidas externas, ver BIGGS (1987) e PORTELA FILHO (1988). Segundo MELLO BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA (2002), item 1.3 do capítulo 3, se os juros pagos ao exterior não fossem de responsabilidade estatal mas sim privada, o setor privado perderia esta fonte de geração de excedente ao mesmo tempo em que teria que realizar os cortes de despesas e de novos investimentos, aumentando o seu endividamento “forçado”. Isto levaria a “(...) explosão do endividamento privado. As elevadas taxas de juros internas e externas, as desvalorizações do câmbio e os limites impostos ao crédito doméstico – medidas centrais do ‘ajustamento’ – tenderiam a agravar a queda em Gk (gasto capitalista), seguindo-se nova rodada de endividamento para o conjunto das empresas. Isso poderia tornar insuportáveis os riscos dos devedores (o risco empresarial de não-cumprimento dos compromissos financeiros) e dos credores. Nesse caso, o sistema bancário seria contaminado por uma deterioração da qualidade dos seus ativos. Uma crise geral só seria evitada se a política de ajustamento alterasse rapidamente sua orientação” (p. 114). Isto quer dizer que, dada a forma como foi realizado o ajustamento, não havia outras opções: era necessária a estatização da dívida e todas as políticas adotadas, inclusive o déficit do setor público. Se os juros externos fossem pagos com um superávit primário, as condições do setor privados seriam agravadas pela redução ainda maior da demanda efetiva.

31

Page 32: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

Tabela 2: Dívida Externa do Brasil e Despesas com Juros noTabela 2: Dívida Externa do Brasil e Despesas com Juros no

ExteriorExteriorA Dív

ida Externa Despe

sas com Juros(U

S$ milhões)(US$

milhões)1

9706.240 284

1971

8.284 344

1972

11.464 489

1973

14.857 840

1974

20.032 1.370

1975

25.115 1.863

1976

32.145 2.091

1977

37.951 2.462

1978

52.187 3.344

1979

55.803 5.348

1980

64.259 7.457

1981

73.963 10.305

1982

85.487 12.551

1983

93.745 10.263

1984

102.127 11.449

1985

105.171 11.239

1986

111.203 10.245

1987

121.188 9.319

1988

113.511 10.591

1989

115.506 10.937

1990

123.439 10.868

Fonte: Banco Central do Brasil.

A Inflação dos anos 80 e o Plano Cruzado

A partir de 1983, com o Brasil passando a transferir para o exterior

“(...) mais de 5% do PIB e a cerca de 40% das exportações de bens e

serviços não-fatores” (NOGUEIRA BATISTA JR., 1987, p. 11), a

desorganização da economia brasileira acabou por engendrar um

32

Page 33: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

Regime de Inflação Alta (FRENKEL, 1979): conseqüência de um ambiente

econômico extremamente incerto pois o setor público não possuía nem

um mínimo de solvência, a crise cambial era iminente, a atividade

econômica se contraía, o emprego diminuía e a inflação ia saindo do

controle em conseqüência das sucessivas desvalorizações41. É

importante dar relevo à inflação porque nos anos 80 ela possuía um

caráter diferente, ligado à crescente instabilidade e ao estreitamento do

raio de manobra da gestão monetária.

Tal regime se diferencia de um regime de inflação baixa porque

naquele o mecanismo de fixação de preços se modifica na direção da

flexibilização dos mark-ups, dado o aumento da incerteza na economia.

“A experiência (e a intuição) sugerem que, sob inflação em aceleração,

o risco de capital supere o de renda” (CARDIM DE CARVALHO, 1990, p.

77). Os produtores como um todo são obrigados, pela racionalidade

econômica, a correr o risco de perder renda por aumentar

excessivamente os preços em detrimento do risco, inaceitável, de

perder o seu capital, caso o seu reajuste de preços seja inferior à taxa

de inflação verificada ex post. Isto os levaria a sofrer uma perda frente à

alternativa de não-venda de um produto – que se configuraria em um

investimento em estoques – que, ainda que seu retorno não fosse o

melhor possível, não seria uma perda. Sempre os produtores vão

preferir errar ao fixar preços mais altos, dada a dispersão dos preços

relativos, e esta tendência, vista no tempo, será de uma inflação

aceleracionista pois, se é melhor errar para cima que errar para baixo,

vai se errando os aumentos dos preços cada vez mais para cima, ainda

mais se a incerteza quanto ao futuro se eleva. Portanto, é imanente a

este mecanismo a aceleração da inflação.

41 Para uma análise mais aprofundada da inflação ver, além de FRENKEL (1979), TAVARES & MELLO BELLUZZO (1986), CARDIM DE CARVALHO (1990) e KANDIR (1989). Para outras visões, LOPES (1988), BRESSER-PEREIRA & NAKANO (1986) e LARA RESENDE (1986).

33

Page 34: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

Dado o ajustamento supracitado, o setor privado doméstico ficou

numa situação muito privilegiada graças ao aumento do grau de

monopólio, resultado da maior restrição às exportações. Isto levou ao

que ficou conhecido como financeirização dos preços. Para entender

este mecanismo de formação de preços é preciso que faça uma

diferenciação importante, que é relativa ao mercado para o qual se

produz, i.e., em relação ao uso do ativo, se ele é usado para a produção

doméstica ou se ele é usado para a exportação. A diferença mais

importante e marcante é o fato de que a produção voltada para a

exportação tem um maior grau de certeza com relação à rentabilidade e

ao risco, dado que é indexada pelo câmbio: seus preços possuem certa

independência em relação aos condicionantes do mercado interno, a

indexação cambial garantia que no mínimo os seus preços seriam

reajustados de acordo com os índices internos de preços e a

periodicidade dos reajustes era menor que qualquer outra, dado o

regime de minidesvalorizações. E, com a aceleração da inflação, as

variações imprevistas que ocorrem durante o período de produção

também estão mais controladas pela indexação cambial (MELLO

BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA, 2002, capítulo 4, item 2).

Além disso, “a estratégia empresarial predominante pautou-se por

reduzir os investimentos, sobretudo os de ampliação ou nova

capacidade, o que tinha um significado importante: preservar certa

escassez do capital global para defender o seu grau de utilização.

Habilitou-se então ao benefício das vantagens de proteção da produção

para o mercado externo para compor um nível médio mais baixo de

risco nas decisões de produção, resguardando-se da instabilidade da

economia doméstica pela graduação, na margem, do direcionamento

dos ativos entre a produção interna e para o mercado externo” (MELLO

BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA, 2002, p. 171).

Para se produzir para o mercado interno, passa-se a incluir uma

taxa de risco sobre o rendimento esperado nos mark-ups, que ajuda a

34

Page 35: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

flexibilizá-los para cima ainda mais, para se garantir que a rentabilidade

interna seja equivalente à externa, já que o uso do ativo para a

produção interna tem um risco muito maior: a indexação é tida como

inferior e as vendas não resultavam em dólares. “Nessas condições,

sobressai o poder dos detentores dos ativos de exportação. A crise da

dívida e a concentração no Estado dos compromissos de pagamento de

juros ao exterior transformou este poder em poder privado (porque era

predominantemente privada a posse dos ativos de exportação) e, mais

ainda, virtualmente um poder de monopólio ante o Estado devedor”

(MELLO BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA, 2002, p. 177). Assim, o

Estado estava preso à relação câmbio-juros prevalecente naquele

momento, já que para os detentores dos dólares ambos (câmbio e juros)

apresentam certa complementaridade42. Sendo assim, a referência-

padrão de ajuste do preço dos bens se torna a taxa de juros nominal de

curto prazo, dada a interligação entre o câmbio e o juros e os

diferenciais de risco e rentabilidade de uso do ativo para a exportação

ou para a produção local43.

Fica claro que a indústria, numa situação destas, fica em

compasso de espera, se sustentando numa estratégia defensiva, frente

às incertezas, calcada em investimentos na Ciranda Financeira e em

42 “Durante a segunda metade dos anos 80, foi possível, em alguns momentos, retardar o câmbio para assim refrear de imediato uma aceleração inflacionária. Mas então as taxas de juros tenderam a subir e o potencial inflacionário retardado pela medida deu o ar da graça um pouco mais à frente, mediante o agravamento da crise financeira do Estado e do aumento dos preços de oferta dos produtos pressionados pelo maior custo de crédito. Também se pretendeu, em algumas ocasiões, restringir a liquidez interna dos exportadores e reduzir as taxas de juros de curto prazo. Nesse caso, surgiam pressões para acelerar as desvalorizações cambiais, porquanto não era possível (ou a política econômica não desejava) suportar reduções do saldo comercial e do nível de reservas. A pressão inflacionária, nesse caso, viria do outro lado e a política econômica depararia com outro problema: o de como enfrentar as prováveis reações dos rentistas (digamos, dos rentistas não-exportadores) ante os mais baixos níveis de liquidez e de taxa de juros)” (MELLO BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA, 2002, p. 179).

43 “Estamos chamando a atenção para o fato de que, na economia brasileira, a formação de preços dos bens se adaptou para impedir que uma crise de liquidação de ativos refletisse integralmente as ‘forças de mercado’. (...) Nessa economia, a negação do valor da moeda foi necessária para afirmar o valor da riqueza, do lucro e até de rendas do trabalho assalariado” (MELLO BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA, 2002, pp. 174-175).

35

Page 36: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

aumentos de preços. A mudança para um novo paradigma de produção,

baseado na microeletrônica, na automação flexível integrada e numa

revolução nos processos de trabalho, passou ao largo da economia

(SUZIGAN, 1992). À falta de perspectivas de expansão da demanda

também se soma a idéia de manter certa escassez que permitisse

regular o grau de utilização das plantas, o que contribuiu para tolher a

modernização do parque industrial: sem perspectivas de crescimento da

produção, ninguém pensava em investir, ainda mais com o

desproporcional poder de mercado de que gozavam as empresas, do

qual a prova cabal era a própria inflação e o poder de elevação dos

mark-ups.

Destarte, a década de 1980 significou um enorme potencial de

acumulação de lucros para as empresas, que se aproveitaram de uma

situação muito confortável pois não precisavam investir em inovações

para continuarem a dominar um mercado mais que cativo e, no caso de

serem exportadoras, ainda tinham o monopólio da verdadeira liquidez,

que podiam usar contra o conjunto da sociedade (MELLO BELLUZZO &

GOMES DE ALMEIDA, 2002, p. 181).

Quando se olha para a situação das empresas líderes na primeira

metade da década, o que se vê é uma grande redução do nível de

endividamento, mark-ups bastante mais elevados, despesas financeiras

declinantes e taxas de lucro superiores às existentes no período pré-

recessão44. A melhora da situação da empresas foi claramente

conseqüência da possibilidade de flexibilizar os mark-ups e da

recomposição do seu endividamento possibilitada pela ação pública. “O

ajuste privado, ao processar-se contra o setor público – obrigado a

absorver enormes desequilíbrios financeiros e a perder as principais

fontes de financiamento de seus investimentos – e contra o mercado

interno – restringido progressivamente pela corrosão dos rendimentos

44 Estes dados todos são apresentados e analisados por MELLO BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA (2002), capítulo 5.

36

Page 37: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

assalariados causada pela inflação e pela natureza defensiva da

estratégia empresarial –, transformou-se ele mesmo numa ‘causa’ do

estado depressivo das expectativas de longo prazo” (MELLO BELLUZZO

& GOMES DE ALMEIDA, 2002, p. 221).

Estes fatores confirmam o apontado anteriormente, ao mostrar

uma situação das empresas até melhor que a do momento pré-crise da

dívida, também em conseqüência de uma nova inserção das mesmas no

sistema financeiro, já que agora elas passam a aplicar os seus

excedentes líquidos na dívida pública interna. Os investimentos

financeiros das empresas líderes, i.e., os ativos financeiros como

porcentagem do total dos ativos da empresa, passaram de uma média

de 20% no período 1978-80 para uma média de 50% em 1985, no caso

da empresas nacionais; e de 14 % em 1978-80 para 51% entre as

estrangeiras. Um avanço extraordinário, que fica marcado pela forte

presença dos rendimentos provenientes de juros (MELLO BELLUZZO &

GOMES DE ALMEIDA, 2002, p. 229).

Este assunto inevitavelmente traz à tona a questão dos bancos no

processo de ajuste, já que eles têm uma importância inequívoca neste

processo, já que possuem uma capacidade ímpar de retirar vantagens

de situações de instabilidade. O que se constatou na realidade, é que os

bancos passavam por uma fase de grande bonança através de lucros

até então inimagináveis45, a despeito do país estar navegando na mais

terrível recessão do pós-guerra. Com o fim da pior fase do ajustamento,

os superlucros continuaram a crescer no setor privado em geral e

especialmente nos bancos.

Esta era uma situação paradoxal já que os bancos, numa situação

de recessão, deveriam perder depósitos ao mesmo tempo em que a

concessão de crédito também deveria se retrair; mas como o Estado se

45 “Em valores reais, o lucro auferido (lucro líquido declarado) pelos grandes bancos privados nacionais em seu conjunto foi, no período de 1981-83, mais que o dobro do resultado do triênio 1978-80” (MELLO BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA, 2002, p. 242).

37

Page 38: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

responsabilizou por assumir o “endividamento forçado”, os bancos

rapidamente puderam aplicar os seus fundos nos títulos da dívida

pública de taxas de juros elevadas. “Somente entre 1979 e 1984, vale

dizer durante a mais grave recessão econômica já presenciada e em

simultâneo a uma rapidíssima ‘desmonetização’ da economia, o número

de agências bancárias aumentou de 9,5 mil para 12,3 mil, pouco menos

de 30%” (MELLO BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA, 2002, p. 245). É um

feito extraordinário, que foi realizado com o intuito de captar o mais

rapidamente possível os recursos disponíveis, com o intuito de se

aproveitar da alta inflação e das altas taxas de juros. Havia ainda a

opção de se realizar empréstimos para o setor público diretamente, via

empréstimos bancários a empresas e órgãos estatais. Era um bom

negócio, na medida em que a retração do crédito em geral era grande,

pois o setor público era considerado de menor risco. Juntamente, estes

dois processos levaram o setor financeiro a ser o setor mais beneficiado

pelas políticas de ajustamento e pela crise da dívida, ainda com mais

destaque que o próprio setor exportador.

No que se refere aos seus impactos sobre a sociedade como um

todo, o que se percebe é um agravamento das desigualdades. “A

distribuição de renda é (...) afetada, à medida que, na ausência de

controle de preços, o poder de reação de firmas a pressões inflacionárias

é sempre superior ao dos trabalhadores. Estes estabelecem suas

demandas a partir de suas expectativas de preços. Já para as firmas, os

salários acordados são um dado a partir do qual sua política de preços é

estabelecida” (CARDIM DE CARVALHO, 1990, p. 70). Além disso, o

mercado de trabalho atravessou um período sui generis em que a sua

estrutura, baseada num crescimento acelerado do emprego urbano, se

manteve a despeito do menor dinamismo e do crescimento da

informalidade. Com todo o ocorrido em consequência da crise da dívida,

o que se viu foi uma profunda estagnação econômica, com grande

redução das taxas de investimento privadas e públicas, que levaram a

38

Page 39: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

uma subsequente redução da demanda de mão-de-obra e o

conseqüente aparecimento do desemprego aberto, além do crescimento

da informalidade no mercado de trabalho.

Como a economia estava ainda mais fechada ao exterior e a

firmas se mantinham numa estratégia defensiva – que significava a

ausência de novos investimentos mas ao mesmo tempo também não

levava a uma reestruturação industrial que reduzisse o emprego de

maneira acelerada – isto proporcionou certa estabilidade do volume de

emprego. Quer dizer, nos anos 80 como um todo o que se viu foi uma

manutenção da estrutura do emprego do período anterior, mas com a

ausência do crescimento acelerado. Isto significou também uma corrida

constante na direção da recomposição das perdas inflacionárias, que se

intensificaram no decorrer da década ao mesmo tempo em que a falta

de emprego nos grandes centros se tornava um fenômeno corriqueiro,

favorecendo o crescimento da informalidade e da rotatividade

(ANDRADE BALTAR, DEDECCA & HENRIQUE, 1996). Entretanto, a idéia

de que o crescimento econômico acelerado eliminaria a pobreza e

induziria naturalmente à melhoria das condições de vida da população,

através da inserção social pelo mercado de trabalho – em voga ao longo

dos anos 70 – estava sepultada.

Pode-se dizer então que os problemas que afligiram a economia

brasileira nos anos 80 podem ser demarcados em diversos níveis, todos

correlacionados fortemente: a questão do bloqueio extra-econômico à

centralização do capital que impedia o desenvolvimento financeiro pleno

e a estruturação adequada do capital monopolista, pode ser colocada

como a raiz do problema do desenvolvimento capitalista brasileiro,

sendo a questão do desenvolvimento tecnológico também debitada em

grande parte nesta conta. Este problema, associado aos desarranjos

internacionais decorrentes do fim de Bretton Woods, levou ao

endividamento externo que impôs uma longa e ainda não resolvida

estagnação, resultante da crise e das políticas adotadas desde então. O

39

Page 40: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

resultado da crise e as exigências de seu ajustamento levaram à

disparada da inflação, ao crescimento insopitável da dívida pública, à

estagnação da capacidade produtiva e a um agravamento das questões

sociais decorrentes destes problemas: aumento da concentração da

renda, da pobreza e do desemprego.

Se se percebe que a problemática é esta, fica mais fácil de

entender as tentativas de recolocar a economia brasileira nos trilhos e

as soluções propostas, não necessariamente implantadas, que juntavam

tanto soluções para o combate imediato à inflação como medidas

direcionadas a estabelecer mecanismos de financiamento à acumulação

de capital. Fica clara aqui a necessidade de medidas que combatessem

o problema da precária situação econômica do país. Para se resolver o

problema da inflação, por exemplo, era necessário a reversão de pelo

menos parte das políticas de ajustamento implantadas, de forma a se

estabilizar os preços do câmbio e dos juros, assim como ampliar as

bases de financiamento do Estado. Tal como já foi apresentada, a saída

apontada pelo FMI e utilizada até então só solapava ainda mais o

Estado, tanto pelo lado das receitas, como pelo lado das despesas. A

volta do crescimento era essencial por diversos fatores, já que só assim

seria possível modificar os mecanismos de formação de preços em vigor

na economia, controlar à dinâmica da dívida pública, reconstruir as

bases financeiras do Estado, reativar o investimento público e o privado,

minorar os impactos sociais do ajustamento e, mais importante ainda,

iniciar as tratativas que poderiam levar à solução dos problemas

estruturais do Brasil.

É nesse sentido que surge o Plano Cruzado. Ele ficou marcado

mais pelo combate à inflação pelo congelamento de preços e salários do

que pelas modificações estruturais propostas. Na montagem da

estratégia de ataque aos problemas, o congelamento de preços foi

utilizado como a medida central de combate à inflação, mas os seus

objetivos e propostas não se restringiam ao mero congelamento de

40

Page 41: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

preços e salários46. O próprio congelamento de salários foi realizado de

maneira a favorecer os setores menos privilegiados da sociedade

brasileira: baseado nos valores salariais dos últimos 6 meses, ele foi

realizado em conjunto com um abono de 8% para todos os assalariados,

exceção feita aos que recebiam o salário mínimo já que estes receberam

16% de abono47.

Ainda nesta mesma direção foram tomadas medidas importantes

como o fim da indexação via ORTN (Obrigações Reajustáveis do Tesouro

Nacional), que se tornou a fixa OTN (Obrigações do Tesouro Nacional) e

a tablita, que visava a uma adequação dos contratos em vigor, que

ainda trariam a inflação dos meses anteriores. “Para as empresas que

promoveram os ajustes acima descritos, o Plano Cruzado significou uma

abrupta e surpreendente paralisação dos processos defensivos

desenvolvidos, cujos frutos começavam a colher. Esse ponto é

importante porque é contrário ao senso comum – difundido na época –

que afirmava a neutralidade dos efeitos do plano. Não existiu esta

neutralidade em termos da distribuição da renda, ou da distribuição da

riqueza do público (entre riqueza real e financeira), tampouco em

termos dos ativos, passivos e operações bancárias ou, ainda, da

rentabilidade das empresas. Pelo menos a princípio, o plano representou

um bloqueio arbitrário dos benefícios propiciados pelos ajustes das

empresas” (MELLO BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA, 2002, pp. 229-

230).

O efeito sobre a inflação foi muito forte já que o seu nível se

estabeleceu em torno de 16,5% ao ano – na escalada em que ela se

encontrava, chegaria aos 400% ao ano. O boom de consumo foi muito

significativo, já que resultava dos efeitos conjuntos do abono salarial, do

46 A respeito dos detalhes do Plano Cruzado, ver BAER (1993), capítulo 3. Sobre os bastidores, ver SARDENBERG (1987).

47 Foi instituída ainda uma política salarial que garantia que, se a inflação dos últimos 3 meses fosse maior que 20%, seria “disparado o gatilho” e os salários receberiam o reajuste referente a tal inflação, além de se manter os dissídios já obtidos (BAER, 1993).

41

Page 42: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

consumo reprimido por anos de recessão e da volta do crédito com juros

reais relativamente baixos. Deixado funcionar dessa maneira, o Plano

Cruzado levava a uma reversão do ajustamento externo realizado, já

que o crescimento da demanda interna significava uma redução do

saldo comercial, tanto pela queda do excedente exportável como pelo

aumento das importações, e, portanto, a impossibilidade de se manter o

pagamento de juros aos credores internacionais com os portentosos

saldos comerciais. Este foi um dilema que se colocou rapidamente: com

a economia voltando a crescer rapidamente, o ajustamento externo

estava acabado, dada a pressão da demanda interna; se se

bloqueassem as importações na tentativa de evitar a redução do saldo

comercial, o desabastecimento apareceria e o ágio se tornaria

generalizado, trazendo de volta a espiral de inflação-desvalorizações

cambiais.

Portanto, esta disjuntiva tinha que ser acompanhada por políticas

que resolvessem as questões mais profundas já explicitadas, quais

sejam: a questão da dívida externa e a do financiamento do

investimento. Se tais medidas não fossem tomadas o rápido crescimento

daquele momento terminaria numa nova crise inflacionária e num

estrangulamento cambial de grandes proporções. Necessitava-se,

naquele momento, de uma solução para o constrangimento externo

provocado pelos débitos acumulados no bojo da dívida externa ao

mesmo tempo em que se fazia premente o estabelecimento de

mecanismos que permitissem à economia retomar a acumulação de

capital via investimento produtivo, o que requeria a criação de bases

para o financiamento do investimento tanto público como privado.

Um dos problemas aqui era a renegociação dos termos da dívida

externa, de forma que isto não constrangesse mais o crescimento da

economia brasileira. Dada a tática dos credores, de dividir os devedores

ao mesmo tempo em se cartelizavam sob os auspícios do FMI, era muito

42

Page 43: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

difícil de se obter concessões por parte deles48. Como parte deste

esforço de assegurar melhores condições para o crescimento da

economia brasileira, foi decretada uma moratória por tempo

indeterminado para forçar os credores a aceitarem novos moldes para

os pagamentos. A idéia seria alongar a dívida ao mesmo tempo em que

se colocaria um teto aos pagamentos do serviço da dívida. Mas o

momento em que foi realizada já era muito complicado, dado que as

pressões de demanda generalizaram o ágio e, mais importante ainda, o

governo não se interessava àquela altura por tomar medidas que

ferissem interesses sociais importantes.

Com o objetivo de atacar os problemas de financiamento, foram

propostas a criação do FND (Fundo Nacional de Desenvolvimento) e a

holding das estatais. O FND era um fundo parafiscal, que financiaria o

investimento público e privado com recursos de longo prazo e baixo

custo; para isso, foi criado um empréstimo compulsório, restituível em 3

anos, sobre as compras de automóveis, combustíveis, moeda

estrangeira e passagens aéreas. Ele tanto serviria para conter a

demanda interna, diminuindo ainda que pouco a pressão do consumo

interno sobre o balanço de pagamentos, como funcionaria como fonte

de financiamento ao investimento produtivo para, dessa maneira, dar

continuidade ao crescimento econômico sustentado.

Já a holding das estatais significaria uma saída para o problema já

exposto no primeiro item deste capítulo por CARDOSO DE MELLO &

MELLO BELLUZZO (1982/3(1998)): “(...) O chamado setor produtivo

estatal não possui autonomia financeira suficiente para saltar à frente e

liderar a expansão futura. Isto porque, desde logo, não há nenhuma

articulação orgânica entre as várias empresas públicas que atuam como

oligopólios isolados, de modo que não há a possibilidade de uma gestão

conjunta de recursos que permitisse a centralização do capital e sua

48 BAER (1993), capítulo 2, discute as negociações com os credores e as táticas empregadas por eles.

43

Page 44: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

canalização para novos investimentos” (p. 182). Com a holding, este

problema estaria sanado pois o capital estaria centralizado e o

excedente financeiro poderia ser direcionado para novos investimentos.

Destarte, os problemas ocasionados pela implementação do Plano

Cruzado – com os bancos estado-unidenses no front externo e com o

setor privado internamente, afastado do lucro fácil resultante do

ajustamento e submetido agora aos controles administrativos impostos

pelo congelamento de preços – foram fortes demais para um governo

interessado apenas em se aproveitar da popularidade resultante de

haver acabado momentaneamente com a inflação e pouquíssimo

interessado em apoiar mudanças estruturais que dessem fôlego ao

processo de desenvolvimento econômico. Dada a falta de apoio político,

foi abortada a única tentativa séria e conseqüente de se resolver os

problemas estruturais da economia brasileira e, dessa forma, promover

o seu relançamento. A experiência do fracasso do Plano Cruzado

mostrou que a solução dos impasses da economia brasileira é muito

difícil politicamente, dado que todos os interesses relevantes das elites

brasileiras são contemplados de alguma forma pelo ajustamento e seus

juros elevados – exceção feita, evidentemente, à população em geral

que arca com as conseqüências da falência do Estado e do baixo

crescimento econômico.

O problema é que o ajustamento à dívida externa impulsionou

ainda mais um movimento já crescente nos anos 70: o do ganho fácil

financeiro nas costas do Estado Brasileiro. A partir da crise da dívida, ele

será a única possibilidade de composição dos diversos interesses das

elites brasileiras, que já viviam em desacordo desde o início dos anos

70. É certo que na década de 90 parte dos impasses foram resolvidos

através do mercado, mas sempre soldados pelo ganho financeiro: com a

introdução das reformas neoliberais, as forças de mercado são liberadas

para agir, resolvendo parte dos impasses através da eliminação de

produtores mas a nova onda de internacionalização da economia

44

Page 45: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

contraditoriamente favoreceu o crescimento do rentismo na sociedade

brasileira, ao transformar empresários em rentiers. Dessa maneira, a

submissão da economia às desventuras da conjuntura internacional que

já vinham travando a economia desde a crise da dívida só foi

aprofundada.

Depois do Plano Cruzado, medidas heterodoxas de combate à

inflação como o congelamento de preços foram regularmente tomadas

ao mesmo tempo em que perdiam cada vez mais a eficácia, o que foi o

caso do Plano Bresser e do Plano Verão. A inflação disparou ainda mais

(tabela 3) já que o cenário ficou muito pior com perdas de reservas e os

crescentes desequilíbrios externo e financeiro do setor público. Com

Maílson da Nóbrega de ministro da Fazenda, a política econômica do

“arroz com feijão” mostrava exatamente o objetivo do ajustamento: a

inflação saiu de 1035,5% 1988 para 1782,9% em 1989 mas o saldo

comercial cobriu as necessidades de pagamentos de juros. A dívida

pública interna chegou a patamares inimagináveis e a massa de riqueza,

aliás, de direitos sobre a riqueza, cresceu tornando qualquer movimento

brusco de enorme potencial disruptivo (gráfico 4).

Tabela 3: Taxa de Inflação do Brasil, IGP-DI,Tabela 3: Taxa de Inflação do Brasil, IGP-DI,

em Porcentagemem PorcentagemAno Taxa de Inflação

1980 110,2

1981 95,2

1982 99,7

1983 211,0

1984 223,8

1985 235,1

1986 65,0

1987 416,0

1988 1037,5

1989 1782,9

1990 1476,7

1991 480,2

1992 1157,8

1993 2708,2

1994 1093,9

45

Page 46: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

Fonte: FGV, Conjuntura Econômica.

Gráfico 4: Dívida Pública Interna do Brasil, Porcentagem do PIBGráfico 4: Dívida Pública Interna do Brasil, Porcentagem do PIB

0

5

10

15

20

25

30

35

40

1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994

Fonte: Banco Central do Brasil.

Em relação aos entraves que obstaculizavam o desenvolvimento

capitalista brasileiro, o que se vê é que a situação se tornou ainda mais

difícil pois o setor produtivo estatal ficou completamente imobilizado

pela crise e por seu ajustamento, que empurrou o setor privado,

nacional e estrangeiro, na direção de estratégias defensivas em termos

produtivos, o que o tornou basicamente um rentista – isto significa que

46

Page 47: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

não havia nenhum setor com condições de dar prosseguimento ao

processo, dado que a acumulação financeira sobre o Estado não

permitia a formação de uma base industrial mais forte – o que ampliava

a distância entre os capitalismos avançados e as empresas

estabelecidas no país, ancoradas numa acumulação fictícia de capital.

Com o Estado imobilizado e com a acumulação privada alicerçada

em ganhos financeiros sobre o Estado, o processo de conglomeração

empresarial necessário estava estancado. Nessas condições, os

requisitos necessários para a continuidade do desenvolvimento ficaram

obliterados por dois fatores adicionais: o elevado endividamento externo

que exigiu elevadas transferências de recursos ao exterior e que ao

mesmo tempo implicaram ausência de crescimento econômico e

tolheram qualquer perspectiva de novos investimentos por parte do

setor privado. Dessa forma, medidas estruturais que visassem a

modificar a situação em prol da retomada do crescimento econômico

através da solução dos problemas do desenvolvimento capitalista

brasileiro, saíram de cena, dada a incapacidade do Estado Brasileiro – e

dos outros estados latino-americanos – de enfrentarem os interesses dos

bancos estrangeiros e mais ainda, por causa da “(...) resistência à

mudança dos grupos enriquecidos da sociedade” (MELLO BELLUZZO &

GOMES DE ALMEIDA, 2002, p. 17).

No início da década seguinte, a situação pouco se alterou. Mas

com a reinserção financeira da periferia, alguns dos problemas

existentes se agravaram. Pode-se dizer que temos três momentos

distintos desde o início dos anos 90. Um primeiro momento, que

antecedeu a reinserção nos circuitos financeiros internacionais e vai,

grosso modo, até 1994 – claramente uma continuidade da década

anterior. Após esta fase, passou-se para um momento em que o

endividamento externo se acelerou novamente, graças à reincorporação

do país aos mercados financeiros internacionais. Este período foi

marcado por entradas maciças de capitais de curto prazo numa primeira

47

Page 48: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

hora, que foram complementados por capitais de risco (IDE) ao longo do

tempo, principalmente a partir de 1996. O Novo Ciclo de Endividamento,

em um sentido mais estrito, perdurou até 1998 e foi seguido por uma

nova fase, o Novo Ajustamento Externo (1999 em diante), em que a

ainda mais elevada dependência dos mercados financeiros

internacionais foi sua marca distintiva e a volta dos superávits

comerciais o seu sintoma mais visível. O Novo Ajustamento Externo é

uma continuidade do período anterior, apesar de a situação se mostrar

muito mais delicada que a de então.

O início dos anos 90, dessa maneira, deve ser considerado como

parte da década de 80, no sentido de que os seus primeiros anos são

uma continuação do período em que o país foi obrigado a gerar

significativos superávits comerciais e a conviver com altas taxas de

inflação e semi-estagnação. Em relação aos anos 80, a situação se

modificou em termos políticos já que em 1989 foi realizada a primeira

eleição presidencial desde os anos 60: a possibilidade de mudanças era

muito clara, dadas as candidaturas lançadas. A maioria dos candidatos

com chances de vitória era ligada à esquerda e tinham fortes restrições

às políticas de ajustamento realizadas até então, exceção feita a um

oportunista que se aproveitou da apreensão das classes médias e altas

quanto à possibilidade desta vitória.

A eleição de Fernando Collor marcou o início da mudança de rumo

do país, ao tocar reformas liberalizantes que se contrapunham a tudo

que vinha sendo realizado até então: liberalização comercial e

financeira, privatizações, reforma do Estado com a sua conseqüente

diminuição, entre outras políticas de clara orientação liberal. Na

verdade, este movimento já havia ocorrido nos outros países latino-

americanos mas as resistências a ele no Brasil sempre foram mais

significativas, até porque o Brasil foi o país que mais avançou no

processo de desenvolvimento capitalista na América Latina e estas

48

Page 49: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

medidas claramente impunham perdas aos setores ligados ao

desenvolvimento.

O cenário internacional foi marcado por uma nova expansão dos

mercados financeiros internacionais, que serviu de álibi às reformas

liberais implementadas desde então. Mais que isso, este novo ciclo de

expansão financeira internacional levou a um aprofundamento das

ligações entre o mercado financeiro nacional e o internacional. Dessa

maneira, a reinserção externa dos países latino-americanos foi muito

menos um resultado de políticas internas dos países com a intenção

deliberada de atrair capital, do que da globalização financeira e de seu

resultado mais visível, a enorme abundância de capitais voláteis em

busca de valorização elevada49. Esta confluência de interesses internos-

externos resultou na aplicação do Consenso de Washington50. Após uma

década de incertezas e desorganização das economias latino-

americanas, o conjunto de políticas do Consenso aparecia como uma

panacéia: era a forma pela qual os países em desenvolvimento

conseguiriam superar a crise externa, crescer sustentadamente e se

desenvolver economicamente. Bastava seguir à risca o receituário de

reformas liberalizantes: abertura comercial e financeira, diminuição do

tamanho do Estado e privatizações.

Dessa forma, o Brasil se reinseriu no sistema financeiro

internacional através das usualmente altas e atrativas taxas de juros. O

risco elevado de se investir em países que estavam em crises decenais e

cheios de instabilidade política não eram barreiras às entradas destes

capitais de curto prazo (gráfico 5), principalmente pelo fato de seu

montante ser uma parcela pequena das carteiras de investimento dos

seus possuidores (MARGARIDO, 1999). Esta enxurrada de capitais

externos de curto prazo à América Latina, foi motivada em grande parte

pela diversificação de portfolio dos investidores institucionais e

49 Até porque a existência destas políticas não conseguiria atrair nenhum capital nos pós-crise da dívida de 1982. Ver MARGARIDO (1997), principalmente cap. 1, item 1.3.

50 Ver WILLIAMSON (1990).

49

Page 50: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

permitida pelos movimentos pretéritos de desregulamentação e

desintermediação financeira das economias centrais (RAMOS, 1998).

Mas o caso do Brasil difere de outros países, para o bem e para o

mal, porque o Consenso só foi plenamente implantado mais

tardiamente, i.e., o Brasil demorou mais a fazer as reformas

liberalizantes que davam (e dão) as garantias necessárias à livre

entrada e saída de capitais. A política de juros altos também cumpriu o

seu papel porque permitiu a acumulação de reservas internacionais, que

foi essencial para a estratégia de ancoragem cambial que foi adotada

ainda no fim do governo Itamar pelo candidato à presidência Fernando

Henrique Cardoso. O Plano Real e as reformas constitucionais

promovidas por FHC foram a consolidação do modelo neoliberal, em que

a aparente melhora da situação econômica do país agora sem a inflação

descontrolada escondia a regressão econômica e social que avançava

ainda mais com o novo ciclo de endividamento externo.

Gráfico 5: Fluxos de Capitais Externos, em US$ milhõesGráfico 5: Fluxos de Capitais Externos, em US$ milhões

-20000

0

20000

40000

60000

80000

100000

120000

140000

Financiamentos -3512 4004,7 2332,2 3282,7 4352,9 4576,0 6827,5 19778,0 19284,0 11524,0 7972,0

Empréstimos em moeda -968 4408,2 8079,5 11030,6 8755,8 15879,6 28085,1 34905,0 58096,0 43360,0 37072,0

Investimentos Estrangeiros em Carteira 578,9 3808,0 14465,6 12929,1 54046,8 10372,2 22021,7 10907,9 18582,2 3542,4 8650,8

Investimento Direto Líquido 988,8 1102,2 2061,0 1290,9 2149,9 4405,1 10791,7 18992,9 28855,6 28578,4 32779,2

Total -922,33 15314,1 28930,3 30526,3 71299,4 37227,9 69722 86580,8 126816 89003,8 88474

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Fonte: Banco Central do Brasil.

50

Page 51: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

O Novo Ciclo de Endividamento Externo e o Plano

Real

A implantação do Plano Real representou um marco na década

pois ele marcou o fim da inflação ao mesmo tempo em que levou o país

a um boom de consumo de bens supérfluos, financiado com um grande

e novo endividamento externo. A avassaladora liquidez internacional

que invadiu o país tornou possível o crescimento do déficit de

Transações Correntes sem se dificultar o financiamento do Balanço de

Pagamentos em oposição ao que ocorria até então. A estabilização dos

preços, ainda que associada a taxas de juros relativamente elevadas, foi

a detonadora do referido boom de consumo, que elevou um pouco as

taxas de crescimento, mas não permitiu nenhuma reativação do

investimento na economia brasileira nem tratou dos problemas

estruturais do país. Mas os juros elevados, associados à valorização

cambial e à elevada abertura comercial daquele momento, marcaram

uma expansão do consumo que não encadeou efeitos sobre o

investimento na economia brasileira e desestruturaram o mercado de

trabalho que ainda havia resistido às dificuldades dos anos 80.

Diante disto, o portentoso saldo comercial positivo de década e

meia, contrapartida dos serviços da dívida externa, acabou e foi mais

que compensado pelo volume de capitais de curto prazo que aportavam

aqui, num momento de grande euforia com a estabilização. Parecia que,

desta vez, o Brasil estava entrando para o mundo civilizado,

abandonando tanto a recessão como o crescimento inflacionário; as

importações baratas, o crescimento econômico, a estabilização

monetária eram mudanças significativas que haviam ocorrido. E para

quem tomava o temporário como permanente, o acompanhamento dos

51

Page 52: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

números do Balanço de Pagamentos era muito animador assim como no

último ciclo de endividamento: de 1993 a 1995 as Transações Correntes

modificaram sua trajetória de oscilação ao redor de zero e ficaram muito

deficitárias mas mesmo assim o superávit do Balanço de Pagamentos

aumentou (tabela 4). Quer dizer, o Brasil do Real parecia um outro país:

cheio de produtos importados baratos, viagens ao exterior baratas,

crédito externo barato; tudo isso financiado pela abundância de capitais

externos que era dada como permanente, visto o novo padrão dos

mesmos fluxos. “Após uma década de inflação, estagnação e impotência

do Estado atolado em crise financeira, delineava-se então um plano que

prometia não somente desenvolvimento econômico sem inflação, mas

também justiça social com a eliminação de privilégios e cartórios”

(BARBOSA DE OLIVEIRA, 1995, p. 12).

Tabela 4: Balança Comercial, Transações Correntes e Balanço deTabela 4: Balança Comercial, Transações Correntes e Balanço de

PagamentosPagamentos

(US$ Bilhões)(US$ Bilhões)Ano 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Balança

Comercial 10.752 10.580 15.239 13.299 10.467 -3.466 -5.599 -6.753 -6.575 -1.199 -698

Bal. Transações

Correntes -3.784 -1.408 6.109 -676 -1.811

-

18.384

-

23.502

-

30.452

-

33.416

-

25.335

-

24.225

Bal. Pagamentos481 -369 14670 8709 7215 12919 8666 -7907 -7970 -7822 -2262

Fonte: Banco Central do Brasil.

A restrição externa à qual estava submetida a economia brasileira

nos anos 80, que exigia superávits comerciais que financiassem uma

economia sem acesso aos mercados financeiros internacionais, foi

retirada pelas novas formas de financiamento externo; mas os seus

impactos econômicos e sociais não foram devidamente levados em

consideração. Os fluxos reabriram a possibilidade da economia

brasileira de, ao se endividar ainda mais externamente, retomar o

crescimento econômico, ainda que às custas de um aprofundamento do 52

Page 53: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

problema que levou o país à estagnação no início da década anterior. Se

este processo tivesse, como nos anos 70, levado a um aumento da taxa

de investimento e a um relançamento da economia, os males teriam

sido muito menores, dado que a estagnação teria sido deixada para trás,

abrindo a possibilidade de se avançar na solução dos verdadeiros

problemas, que se apresentariam com mais intensidade. Como foram

criados novos problemas, ficou ainda mais difícil de vislumbrar as suas

raízes estruturais.

A questão da inflação, problema epidérmico, foi solucionada por

uma ancoragem cambial mais flexível baseada na moeda indexada51. A

URV (unidade de referência de valor) serviu, fundamentalmente, para

que os salários fossem convertidos ordenadamente e de forma a não

pressionar os custos, daí a importância do mecanismo da URV no

combate à inflação: ele permitiu que os salários também tivessem o seu

mecanismo de formação de preço modificado – ficaram congelados por

lei por um ano52. E desde então, aboliu-se a idéia de política salarial:

como tudo tinha que ser liberalizado frente a um passado

intervencionista e atrasado, depois de um ano congelados, os salários

passaram a ser definidos de acordo com as forças de mercado – eles só

não poderiam ter reduções nominais. Mas, com o baixo efeito

multiplicador do pequeno crescimento baseado em importações, os seus

efeitos sobre o mercado de trabalho foram: uma queda consistente dos

rendimentos do trabalho, um aumento significativo do desemprego e um

enorme incremento da informalidade, sepultando definitivamente a

estrutura que havia sobrevivido à década anterior.

No que se refere aos outros preços da economia, o que se percebe

é que eles continuaram a subir, ainda que momentaneamente. No caso

dos setores de bens comercializáveis, a convergência para o preço do

agora concorrente produto estrangeiro ocorreu mais rapidamente. Isso

51 Esta discussão pode ser vista em LARA RESENDE (1983) e ARIDA (1983).52 A discussão a respeito das etapas do Plano Real e de seus detalhes é encontrada

em BACHA (1997) e PAULANI (1997).

53

Page 54: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

se deu através da âncora cambial, que nada mais foi que o

estabelecimento de um teto para a cotação do dólar em termos da

moeda local: com a fixação do câmbio, o mecanismo de formação de

preços (mark-ups flexíveis) do setor tradeable teve que ser revertido

dado que o aumento da concorrência, propiciado pela entrada de

produtos importados estabeleceu qual era o limite da remarcação dos

preços.

A abertura financeira, dessa forma, foi uma condição sine qua non

para a mudança do cenário macroeconômico ao possibilitar a entrada

dos capitais externos que financiaram os déficits externos, naquele

momento de grande liquidez internacional. Assim como a abertura

comercial que, associada ao câmbio com teto fixo e crescentemente

valorizado pela inflação residual, modificou o mecanismo de formação

dos preços da economia ao estabelecer um limite ao aumento de todos

os preços dos produtos comercializáveis produzidos internamente. Ou

seja, com a entrada maciça de concorrentes estrangeiros via importação

a preços cada vez mais competitivos, financiados com juros menores e

prazos mais extensos, o produtor local passou a ver o preço do

concorrente estrangeiro como parâmetro, não mais a taxa de juros de

curto prazo.

Quanto aos setores não-comercializáveis, a regra de formação de

preços se manteve a mesma da década de 80 por mais tempo, dado que

o setor não concorria diretamente com a produção estrangeira. Foi só

com a contínua transferência de renda em seu favor que o processo foi

estancando, já que os seus aumentos de preços deixaram de ser

sancionados pelos demandantes e passaram a enfrentar restrições

quanto à elevação dos seus preços, até porque o seu domínio sobre os

mercados era e é muito restrito – os não-comercializáveis em geral são

os setores de serviços não-especializados, onde é muito incomum a

existência de setores oligopolizados com força suficiente para manter tal

processo de transferência de renda em curso – é neste mesmo setor que

54

Page 55: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

se concentravam as empregadas domésticas, que em alguns casos até

para a Europa foram, símbolos da propalada melhora na distribuição de

renda durante o início do Plano Real. Dessa forma, o seu mecanismo de

formação de preços também teve que se modificar: foi nesta conjunção

que se assentou a essência do Plano Real e boa parte de suas

conseqüências sobre o balanço de pagamentos e a estrutura produtiva.

Estas medidas tiveram impactos importantes sobre a estrutura

produtiva do país, estagnada havia mais de uma década, que podem ser

divididos em dois tipos, de certa forma interligados: um relacionado com

a internacionalização da economia e outro com a continuidade da

estagnação num contexto de câmbio valorizado e abertura comercial

ampla. Em relação ao primeiro impacto, deve-se salientar a importância

do Investimento Externo Direto (IED): em 1996 ele se aproximou da casa

dos US$ 10 bilhões (ver gráfico 6) e daí em diante passou a ser

relevante também para o financiamento do setor externo do período.

Isto significa que a internacionalização da economia passou por uma

nova onda, tanto por causa das privatizações como pelas fusões &

aquisições (F&A). O programa de privatizações do governo brasileiro

fazia parte das políticas neoliberais em implementação e, com a

deterioração das contas externas – resultado do aumento das

importações e da própria internacionalização da economia –, passou a

ser uma prioridade atrair recursos externos que as financiassem. Com

relação à aquisição de empresas privadas já existentes, este movimento

vinha alicerçado no baixo preço dos ativos e na constatação equivocada

de que o câmbio quase fixo era algo permanente.

Segundo seus defensores, este tipo de capital, tido como de

melhor qualidade por ser menos volátil, além de financiar o balanço de

pagamentos quando da sua entrada, proporcionaria novos investimentos

produtivos, aumentaria a competitividade e a eficiência da indústria

local vis-à-vis a do resto do mundo sendo que, num segundo momento,

geraria exportações que continuariam a financiar o balanço de

55

Page 56: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

pagamentos (MENDONÇA DE BARROS & GOLDENSTEIN, 1997). Como os

interesses das grandes empresas transnacionais no Brasil são

fundamentalmente relacionados com o mercado interno, elas

exportaram apenas quando o mercado interno não estava

correspondendo às expectativas de crescimento da demanda ou quando

isto coube nas suas estratégias mundiais (LAPLANE & SARTI, 1997).

Ainda que houvesse um significativo aumento das exportações, como o

coeficiente de importação destas empresas cresceu mais e era bem

maior que o coeficiente de exportação, o problema de balanço de

pagamentos não foi sanado por esta via53.

Quanto à criação de novos ativos produtivos, que gerariam muitos

dos efeitos benéficos como empregos, introdução de novas tecnologias,

externalidades à indústria como um todo, o IED deixou a desejar já que

o seu valor absoluto nesta modalidade só ultrapassou US$2 bilhões uma

vez (gráfico 6). A transferência de controle acionário foi o principal na

sua composição ao longo do tempo fosse para privatizações, fosse para

fusões e aquisições. Mas ainda caberiam efeitos positivos da parte deste

IED, a saber: a introdução de inovações tecnológicas, de processo, de

gerenciamento, entre outras. Só que com a globalização produtiva, as

suas pretensas vantagens desapareceram pois não se colocaram metas

quanto ao desenvolvimento local de mão-de-obra e a pesquisa científico-

tecnológica, o que levou as empresas transnacionais a só se

aproveitarem do acesso à mão-de-obra barata e aos benefícios fiscais

(FURTADO, 1999).

53 Para se exportar mais seria necessário importar mais. Isto fica claro nos dados elaborados por MESQUITA MOREIRA (1999).

56

Page 57: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

Gráfico 6: Investimento Externo Direto (US$ milhões), porGráfico 6: Investimento Externo Direto (US$ milhões), por

modalidade*modalidade*

0

5000

10000

15000

20000

25000

30000

35000

40000

45000

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

IED para Privatizações IED para Fusões e Aquisições(F&A) IED para Novos Ativos

Fonte: Banco Central do Brasil e SOBEET.

* A mensuração das subcategorias do IED é aproximada dado que há outras modalidades nas

quais o investimento direto também é realizado, como a conversão de empréstimos em IED.

Além do mais, com a globalização produtiva, as estratégias destas

empresas se modificaram: abandonou-se a utilização de plantas

multidomésticas e passou-se a produzir as partes, os componentes e a

montagem do produto final em apenas alguns lugares específicos no

mundo; então, o IED se tornou um investimento sem grandes efeitos

encadeadores e multiplicadores para o local onde ele foi realizado

(LAPLANE & SARTI, 1998). Mas a entrada do IED no Brasil, ligada

principalmente às privatizações, foi quase que inteiramente realizada

em setores non-tradeables, o que significou que, apesar de estes

investimentos financiarem o setor externo quando da sua entrada, o IED

57

Page 58: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

passou a “desfinanciar” o balanço de pagamentos via das remessas de

lucros e dividendos no médio e no longo prazo, aumentando a

dependência dos fluxos financeiros externos (LAPLANE & SARTI, 1997).

Então, pode-se dizer que o processo de desnacionalização

regressiva da estrutura produtiva teve efeitos danosos para o próprio

financiamento externo. Como também a produção foi se concentrando

em partes específicas do processo em termos internacionais, a

crescentemente internacionalizada indústria localizada no Brasil passou

por uma especialização regressiva em que a cesta de mercadorias

produzidas e exportadas pelo país ficou marcada principalmente pelas

commodities industriais (COUTINHO, 1997).

A junção dos determinantes externos – globalização produtiva –

com os fatores internos à economia brasileira foi explosiva para o tecido

industrial. A este movimento se juntou o rápido avanço das importações

que, nas condições em que se encontrava o país, levou a uma ainda

maior desestruturação do setor industrial, dificultando ainda mais as

possibilidades de conglomeração. Com a abertura comercial agressiva, a

indústria, que vivia num contexto de grande proteção frente à

concorrência estrangeira, passou a enfrentar uma grande pressão

competitiva, ainda mais numa situação de câmbio valorizado e juros

internos elevados. Isto tornou uma substantiva desnacionalização do

parque produtivo inevitável, colaborando sobremaneira com a

especialização regressiva. O saldo deste processo de desnacionalização

em um contexto de abertura comercial e financeira com o câmbio

valorizado foi um significativo crescimento das remessas de lucros,

dividendos e juros ao exterior pari passu com uma regressão da

estrutura industrial em prol de uma especialização que também

incrementou a dependência de importações.

Dessa forma, os resultados do Plano Real foram muito negativos

para a solução das questões mais profundas com as quais o país se

debate desde os anos 70, já que a regressão industrial num contexto de

58

Page 59: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

baixo crescimento favoreceu uma ainda maior internacionalização do

parque produtivo. O interessante é perceber que, apesar da

desestruturação do pacto anteriormente existente, não se caminhou

para uma solução adequada. Como o capital estrangeiro, por motivações

supracitadas, não se interessa por avanços no processo de

monopolização do capital no exterior, a solução dos entraves à

monopolização não foi realizada. A privatização das grandes empresas

estatais tampouco permitiu o surgimento de conglomerados nacionais,

dado que também foram vendidos ao capital estrangeiro.

Mas a deterioração da balança de transações correntes causada

pelo boom de consumo estava longe de ter uma solução definitiva, a

despeito do volume de capital de risco vindo do exterior – o que só

relembrou o país que a sua situação externa continuava precária. A

partir da crise do México de dezembro de 1994, ficou claro que o nível

de atividade da economia teria que ser controlado de maneira estrita

também pelo fato de que um déficit de transações correntes muito

elevado era considerado como um fator de exacerbação do risco de

ataques especulativos à moeda nacional.

Já em 1997, as coisas se complicaram de maneira definitiva pois,

enquanto o déficit de transações correntes continuava subindo

velozmente (tabela 4), o contexto internacional favorável sofria um novo

revés: a crise dos países asiáticos. A fuga para a qualidade, dado o

medo de uma moratória generalizada dos mercados emergentes,

afugentou os capitais de curto prazo do mundo todo: a aparente

estabilidade não era tão sólida assim. Com a enorme dependência de

influxos de capital da economia brasileira, as taxas de juros precisavam

ser estratosféricas tanto para reduzir ainda mais a atividade econômica

e com isso a dependência de financiamento externo como para

compensar o risco da aplicação de recursos num país que poderia ser a

próxima “bola da vez” (gráfico 7).

59

Page 60: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

Gráfico 7: Taxa de Juros do Brasil Diária, SELIC, Porcentagem AnualGráfico 7: Taxa de Juros do Brasil Diária, SELIC, Porcentagem Anual

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

Fonte: Banco Central do Brasil.

Com a moratória da Rússia em 1998, o fim deste ciclo de

endividamento estava decretado pois apesar de o ritmo de deterioração

das transações correntes ter diminuído, seu valor absoluto era muito

grande (US$ 33.416 milhões) e o risco percebido se tornou muito

elevado, tornando o novo salto dos juros praticamente inócuo (gráfico

7). A rápida deterioração das reservas brasileiras levou o governo a

assinar um acordo, tido como preventivo, com o FMI para evitar que o

país entrasse em moratória técnica mas mesmo com este acordo, que

permitiu uma saída ordenada dos capitais externos aqui aplicados, a

manutenção de um câmbio valorizado ficou totalmente insustentável,

dada a escassez de divisas e o aprofundamento da necessidade de

financiamento externo.

Gráfico 8: Dívida Pública Interna, Porcentagem do PIB, e ReservasGráfico 8: Dívida Pública Interna, Porcentagem do PIB, e Reservas

Internacionais do Brasil, Conceito de CaixaInternacionais do Brasil, Conceito de Caixa

60

Page 61: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

10

15

20

25

30

35

40

45

1991 01

1991 08

1992 03

1992 10

1993 05

1993 12

1994 07

1995 02

1995 09

1996 04

1996 11

1997 06

1998 01

1998 08

1999 03

1999 10

2000 05

2000 12

0

10000

20000

30000

40000

50000

60000

70000

80000

Dívida Interna Reservas Internacionais

Fonte: Banco Central do Brasil.

No que se refere à dívida pública interna, há que se dizer que este

novo endividamento externo levou a um crescimento muito significativo

da dívida interna também resultado da: inconseqüente luta pela

manutenção do câmbio valorizado, da própria desvalorização cambial de

1999 e de sua própria dinâmica financeira. A necessidade de sustentar

juros altos para atrair capitais e segurar o nível de atividade da

economia em um patamar sustentável pelos influxos, fez a dívida

interna ter uma escalada muito veloz (gráfico 8). Como as taxas

permaneceram elevadas, o acúmulo de reservas internacionais

resultante foi também significativo e pode ser visto como o primeiro

fator de relevo a impulsionar o aumento do endividamento interno

(gráfico 8). Só que o problema foi magnificado pelas crises da Ásia e da

Rússia: a dívida pública definitivamente disparou e sofreu uma sensível

piora de perfil, já que a maior parte dela voltou a ser pós-fixada e o

restante passou a ser indexado ao dólar, tudo ancorado em altos juros

para evitar a desvalorização cambial.

61

Page 62: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

Quanto às finanças governamentais propriamente ditas, após a

crise de 1982 o Estado esteve permanentemente sob crise fiscal. Com a

estabilização da economia, as receitas do setor público aumentaram, já

que a remonetização da economia e a maior carga tributária devida ao

miniboom de consumo permitiram que o início do Real fosse mais

tranqüilo. O fim da inflação também deu cabo do efeito Oliveira-Tanzi54,

o que ajudou e muito as finanças públicas. Só que, a partir daí, os juros

se tornaram o componente principal a deteriorar as contas

governamentais. Em 1994-1995, como foi dito, a situação não era

preocupante pois o Estado estava se financiando tranquilamente e a

dívida pública estava estabilizada. Mas com a necessidade, diversas

vezes repetida, de elevar os juros para conter o déficit de transações

correntes e atrair capitais, o componente financeiro do déficit público foi

se tornando cada vez mais significativo e proeminente.

Aliás, depois de 1994, as necessidades primárias de financiamento

sempre foram muito próximas a zero, sendo o elevado déficit público

nominal quase que de inteira responsabilidade dos gastos com juros

(gráfico 9). Em relação ao período anterior, o que fica claro é que os

juros foram o símbolo da continuidade com toda a política de

ajustamento realizada até o Plano Real: a impossibilidade de reduzir os

juros e de relançar o crescimento da economia brasileira foram as

marcas mais evidentes da crise em que a economia mergulhou no início

da década de 80. Mesmo com a abundante liquidez existente no

período, os juros tiveram que ser elevados para manter a atividade

econômica sob controle e para atrair os capitais externos. Quer dizer,

mesmo com um cenário externo favorável, as condições do ajustamento

foram muito precárias e a facilidade do financiamento da situação

externa era ilusória.

54 É uma redução da arrecadação governamental decorrente da aceleração da inflação. Como os reajustes de impostos se dão em tempos maiores que o tempo de arrecadação, quando a inflação se acelera, a arrecadação fiscal em termos reais diminui. Ver OLIVEIRA (1967) e TANZI (1978).

62

Page 63: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

Gráfico 9: Necessidades de Financiamento do Setor PúblicoGráfico 9: Necessidades de Financiamento do Setor Público

Nominal e Juros Nominais Pagos pelo Setor Público (Milhões de ReaisNominal e Juros Nominais Pagos pelo Setor Público (Milhões de Reais

Correntes)Correntes)

R$ 40.000,00

R$ 50.000,00

R$ 60.000,00

R$ 70.000,00

R$ 80.000,00

R$ 90.000,00

R$ 100.000,00

R$ 110.000,00

R$ 120.000,00

R$ 130.000,00

R$ 140.000,00

1994 1995 1996 1997 1998 1999

NFSP Nominal Juros Nominais

Fonte: Banco Central do Brasil.

O que fica patente desta análise é que enquanto o setor público,

nos anos 80, foi esmagado pelo peso do caminho escolhido para

solucionar o problema do endividamento externo – que, no fundo, residia

na necessidade de sustentar pagamentos de juros e amortizações da

dívida externa a qualquer custo – após o Plano Real, ele de novo está de

mãos atadas, impossibilitado de solucionar os problemas que um novo

ciclo de endividamento externo lhe impôs via elevados pagamentos de

juros desta crescente dívida interna55. Novamente, fica claro que os 55 Um fator que também precisa ser lembrado aqui e que alivia, ainda que muito

pouco a pressão sobre o setor público detentor de ativos privatizáveis, foi a venda destes para a iniciativa privada. A transferência de controle propiciou um sensível aumento nas receitas do vendedor mas teve um efeito muito efêmero já que, por exemplo, a Companhia Vale do Rio Doce, uma das mais importantes estatais e a maior empresa exportadora do país, proporcionou com sua venda uma receita de R$ 3,46 bi, em maio de 1997 (DIESP, 2004, p. 36). Mas o gasto mensal com juros do ano de sua

63

Page 64: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

problemas brasileiros de fundo são os mesmos da década anterior, só

que, dado que ocorreu uma modificação no cenário internacional, eles

se manifestam de forma diferenciada e refletem a deterioração de

contínuos anos de crise e reformas liberalizantes.

Vê-se, de todo o exposto, que a segunda metade dos anos 90,

aparentemente, apresentou uma instabilidade diferente da dos anos 80 -

início dos anos 90 já que esta era vinculada a um forte processo

inflacionário. Mas uma análise mais detida do período como um todo e

de suas múltiplas facetas mostra que o problema de fundo continuava

sem solução a vista; ainda com o crescimento da dependência dos

capitais externos. Destarte, o novo período de ajustamento iniciado com

a desvalorização cambial de janeiro de 1999 foi e é marcado mais

claramente por uma volta à situação da década de 80, só que agora

ancorada num conjunto diferenciado de política econômica: os

superávits primários, as metas de inflação e o câmbio flutuante – e, tal

como na década de 80, patrocinado pelo Fundo Monetário Internacional.

O crescimento econômico passou a depender ainda mais que nos

anos 80 de variações da liquidez internacional, dado o mais alto nível de

endividamento externo, agora acompanhado também de uma grande

internacionalização da economia: o somatório da dívida externa com o

Investimento Direto Externo se elevou fortemente (gráfico 10),

aumentando a necessidade de remuneração do capital externo

internalizado através do pagamento de juros, dividendos e lucros. E,

aliado a estas dificuldades externas, tem-se um problema também

oriundo do mix de políticas empregado: as metas de inflação apertadas

impuseram um garrote muito forte ao crescimento já que, dada a

dependência dos fluxos externos, a instabilidade da taxa de câmbio se

tornou inevitável, o que impactou fortemente a taxa de inflação,

impondo um crescimento do PIB ainda mais aquém das necessidades do

venda foi de R$ 3,75 bi de acordo com os Boletins do Banco Central, isto é, a sua venda não cobriu nem o equivalente a um mês de pagamento de juros.

64

Page 65: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

país, mesmo quando a liquidez internacional voltou com toda a sua

exuberância.

Gráfico 10: Dívida Externa do Brasil (US$ mi), Investimento DiretoGráfico 10: Dívida Externa do Brasil (US$ mi), Investimento Direto

do Exterior no Brasil (IDE – US$ mi) e Somatório IDE + Dívida Externado Exterior no Brasil (IDE – US$ mi) e Somatório IDE + Dívida Externa

(US$ mi)(US$ mi)

0

50000

100000

150000

200000

250000

300000

350000

400000

450000

500000

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

Investimento Direto Externo IDE (US$ mi) Dívida Externa (US$ mi) IDE + Dívida Externa (US$ mi)

Fonte: Banco Central do Brasil.

Só que esta situação, além dos problemas expostos, não resolveu

o impasse do desenvolvimento capitalista brasileiro ao não favorecer a

emergência de nenhum agente capaz de avançar com o tão necessário

processo de monopolização do capital. O Estado, com o desmonte

65

Page 66: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

neoliberal, se tornou um agente pouco ligado à atividade produtiva, o

que significa que o arranjo anterior, que sustentou o processo de

industrialização foi desfeito. Este era um efeito desejado das medidas

tomadas, que levariam o setor privado ao papel de protagonista do

desenvolvimento, nacional ou estrangeiro. A preferência foi concedida

ao setor privado estrangeiro, dada a necessidade de divisas, o que é

percebido pelo processo intenso de desnacionalização da estrutura

produtiva estatal e privada; mas esta mesma preferência não só não

levou ao avanço do processo de desenvolvimento capitalista como não

foi capaz de relançar a economia brasileira.

Como o capital estrangeiro permaneceu e permanece ligado à

lógica de sua matriz e como a economia brasileira não conseguiu se

desvencilhar do peso da transferência de recursos ao exterior nem

muito menos criar mecanismos adequados de financiamento do

investimento, os investimentos produtivos foram mantidos apenas no

nível do estritamente necessário à manutenção da produção corrente, o

que se mostrou insuficiente para elevar a taxa de investimento da

economia brasileira e dar início a um novo ciclo de crescimento. Como

ainda se tem, associado a estes fatores, uma política de ajustamento

baseada em juros elevados, o caráter rentista existente até então se

manteve. Quer dizer, a mudança realizada pelas reformas neoliberais

não foi nem é capaz de engendrar um novo ciclo de investimentos, dada

a precariedade da situação externa da economia brasileira; que dirá

então, capaz de prover um setor líder capaz de assumir o primazia do

processo de acumulação produtiva, num cenário em que os ganhos

financeiros são elevados, líquidos e certos vis-à-vis ganhos produtivos

submetidos a um risco insuportável por parte dos agentes privados56.56 A este respeito, mutatis mutantis, a situação é semelhante à apresentada por

CARDOSO DE MELLO & TAVARES (1985) em relação aos bloqueios ao desenvolvimento da indústria pesada pré-1930: “Obviously we must look elsewhere for an explanation of investment preferences. It should be noted that in the last two decades of the last century, during the ‘second industrial revolution’, the capital goods industry underwent a profound technological transformation that led to the creation of immense economies of scale that required both higher initial investments and a larger minimum scale of

66

Page 67: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

No que se refere ainda à necessidade do financiamento da

acumulação de capital, os recursos de longo prazo que entrariam no

país e a solucionariam não apareceram. A profunda ligação que se

estabeleceu com os mercados financeiros internacionais não propiciou a

entrada de recursos de longo prazo pois, além de a economia não entrar

numa rota de crescimento sustentável, o risco cambial era e é muito

elevado para ser viável a internalização de recursos que não voltados

para a arbitragem de curto prazo.

O Novo Processo de Ajustamento

A desvalorização cambial de janeiro de 1999 não resolveu nenhum

dos grandes problemas do país, mas ela marcou a mudança estrutural

do saldo comercial, agora novamente às voltas com a necessidade dos

superávits comerciais – de certa forma rememorando a virada do saldo

comercial de 1981.

Gráfico 11: Balança Comercial do Brasil, US$ milhõesGráfico 11: Balança Comercial do Brasil, US$ milhões

operation for profitable production. For Brazil, this change introduced almost insoluble problems related to the concentration and centralization of capital, while investment risks assumed formidable proportions. Finally, and equally important, the technology of heavy industry was not available on the international market” (p. 119) (grifo do autor).

67

Page 68: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

-10000

10000

30000

50000

70000

90000

110000

130000

Balança Comercial Importações Exportações

Fonte: Banco Central do Brasil.

A análise dos números da Balança Comercial a partir de 1999 em

diante mostra uma enorme reversão de seu valor (gráfico 11). Mas esta

reversão, num primeiro momento (1999), foi baseada numa enorme

redução das importações, decorrente tanto do baixo crescimento como

da elevada desvalorização cambial ocorrida desde então. A partir de

então, a desvalorização cambial e o crescimento mundial, notadamente

dos EUA e da China, foram os fatores primordiais para a obtenção do

saldo comercial. Mas o importante a destacar são os limites desta

situação já que mesmo num cenário de grande liquidez internacional,

sem crises internacionais e de forte demanda pelos produtos brasileiros

o resultado é pífio: baixo crescimento econômico tanto na comparação

com as médias históricas brasileiras quanto na comparação com os

países em desenvolvimento, alta taxa de desemprego e estagnação do

investimento.

68

Page 69: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

Isto é conseqüência da nova e necessária articulação de política

econômica necessária tanto à sustentação do precário equilíbrio

externo, num contexto de crescente liberalização financeira, como para

manter plausível a manutenção dos crescentes direitos à riqueza

financeira abrigados na dívida interna. Esta frágil situação é ancorada no

tripé câmbio flexível - metas de inflação baixas - superávits primários

elevados. Isto decorre de o país ter exaurido suas reservas

internacionais antes da desvalorização do câmbio em janeiro de 1999;

como o Estado ficou sem condições de regular minimamente a taxa de

câmbio, ela foi obrigada a flutuar.

Entretanto, o câmbio é uma variável-chave aqui pois, como as

exportações brasileiras são fundamentalmente commodities agrícolas ou

industriais e produtos semi-acabados, ele tem um papel fundamental

tanto para assegurar a rentabilidade dos produtores locais como para

atrair demandantes, já que nestes mercados o preço é mais importante

que em mercados especializados, com alto valor tecnológico, em que

existem poucos produtores para as mercadorias desejadas.

Quando o câmbio está subvalorizado, ele é um fator de propulsão

dos mais importantes para as exportações brasileiras; ao mesmo tempo

se constitui como uma proteção importante ao mercado interno ao

interpor uma barreira às importações, forçando alguma reversão no

processo de dessubstituição de importações ocorrido com o Plano Real,

se mantido estável nesta posição desvalorizada. Nesse sentido, o

crescimento econômico tenderia a multiplicar mais os seus efeitos

internamente; em contrapartida, ele fragiliza fortemente a situação das

empresas localizadas no Brasil e endividadas no exterior, já que as

mesmas têm que suportar um peso proporcionalmente maior em moeda

local. No caso da empresas privatizadas, fortemente ligadas aos setores

de infra-estrutura, este problema se apresenta ainda mais grave já que

sua compra foi financiada com captações externas próprias ou via

BNDES e as mesmas não geram receita em moeda forte. Para as

69

Page 70: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

empresas estrangeiras, a situação também é ruim pois a possibilidade

de se remeter lucros fica muito dificultada em relação ao rendimento

esperado anteriormente: com a grande desvalorização do câmbio, o

montante em dólares a ser remetido fica sensivelmente diminuído.

Numa situação em que o câmbio está valorizado, a problemática

se inverte: as exportações passam a ficar menos rentáveis e com menor

aceitação no exterior ao mesmo tempo em que as importações e as

viagens internacionais se tornam mais baratas e acessíveis aos

produtores e consumidores brasileiros, inclusive reduzindo o impacto do

gasto público ou privado sobre a economia. Mas ele tem efeitos muito

positivos sobre o endividamento externo, que diminui em reais, além de

dar uma enorme contribuição ao controle da inflação, nos termos do que

ocorreu no Plano Real.

Por isso, este período é muito mais delicado que a década de 80: a

necessidade de superávits comerciais para sustentar o pagamento das

obrigações externas faz com que o nível de atividade tenha que ser

muito baixo: como não se conseguiu recuperar a taxa de investimento

da economia, o crescimento do saldo comercial ocorre em detrimento do

mercado interno, tal como ocorria nos anos 80 (NOGUEIRA BATISTA JR.,

1987). Quando a situação internacional é muito favorável, isto é, a

demanda internacional por produtos brasileiros é elevada, pode-se

crescer um pouco mais dado que o investimento em setores

exportadores, como o agronegócio, responde rapidamente aos

aumentos da demanda.

Outro fator importante a se levar em conta é a liquidez dos

mercados financeiros internacionais: se ela se encontra em expansão, o

país pode se endividar novamente através de um aumento das

captações externas ou via um crescimento dos investimentos de

portfolio no país. O que é importante salientar é que, diferentemente do

que ocorreu ao longo dos anos 90, a entrada de capitais de curto prazo

não necessariamente significa incremento das reservas internacionais

70

Page 71: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

em poder do Banco Central já que o câmbio não é mais centralizado e a

liberalização financeira se expandiu significativamente. Ou seja, a

acumulação de reservas foi pequena, ainda mais em comparação com o

que ocorreu nos outros países da América Latina e da Ásia (gráfico 12).

Se se adiciona a estes desenvolvimentos um contexto de elevada e

crescente abertura financeira ao exterior, percebe-se que o controle

sobre o câmbio fica muito restringido, o que pode ser visto no gráfico

13.

Gráfico 12: Reservas Internacionais (US$ bi), Países SelecionadosGráfico 12: Reservas Internacionais (US$ bi), Países Selecionados

Fonte: BIANCARELLI (2004).

Gráfico 13: Taxa de Câmbio Real do Brasil*Gráfico 13: Taxa de Câmbio Real do Brasil*

71

Page 72: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

80

90

100

110

120

130

140

150

160

170

1999 01

1999 06

1999 11

2000 04

2000 09

2001 02

2001 07

2001 12

2002 05

2002 10

2003 03

2003 08

2004 01

2004 06

2004 11

2005 04

2005 09

2006 02

Fonte: IPEA.

* Calculada pelo expurgo do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) e dos Índices de Preços por

Atacado (IPAs) dos 16 mais importantes parceiros comerciais do Brasil da série nominal de taxa de câmbio

(R$ / US$), ponderada pela participação de cada parceiro na pauta do total das exportações brasileiras em

2001.

Esta disjuntiva impacta diretamente a inflação, já que os preços se

tornaram muito mais sensíveis ao câmbio, seja pela crescente

participação de partes e componentes importados, seja pela própria

participação dos produtos importados na cesta de consumo dos

residentes, seja pelo impacto que o câmbio possui sobre os contratos

das empresas privatizadas57. Como a acumulação de capital está

atravancada a mais de um quarto de século por uma articulação peculiar

que implica constante crescimento da dívida pública, as empresas e os

agentes econômicos em geral possuem sua riqueza cada vez mais na

forma de títulos públicos, em detrimento de ativos reais. Mas esta

57 As empresas privatizadas, ao possuírem cláusulas contratuais que permitem aumentos dos seus preços de acordo com os índices de inflação mais suscetíveis às variações cambiais, ficam com seus investimentos protegidos em relação em moeda internacional. Isto empurra os preços dos serviços públicos privatizados para cima quando o câmbio se desvaloriza e impacta a inflação ainda mais.

72

Page 73: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

riqueza é muito frágil, dado que qualquer instabilidade não-antecipada

e/ou não-garantida por contrato como, por exemplo, aumentos

inesperados da inflação – p.ex. advindos de choques cambiais

inesperados e não absorvíveis – corroem seu valor real e ameaçam a

própria existência desta riqueza financeira.

Gráfico 14: Pagamentos de Juros Nominais do Setor PúblicoGráfico 14: Pagamentos de Juros Nominais do Setor Público

(Milhões de Reais Correntes)(Milhões de Reais Correntes)

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005S10

20000

40000

60000

80000

100000

120000

140000

160000

180000

200000

Fonte: Banco Central do Brasil

A maneira de sustentar a inflação baixa numa conjuntura como

esta é, neste arranjo, possível somente com taxas de juros elevadas.

Isto porque somente com juros elevados é possível ao mesmo tempo

coibir os aumentos de preços decorrentes das variações do câmbio – ao

manter um cupom cambial elevado, a atração de capitais externos

interessados na arbitragem possibilita a redução da instabilidade e a

valorização cambial, o que só não funciona em momentos de crises de

confiança – pari passu com a manutenção de um nível baixo de

atividade que dificulta o repasse de aumentos de custos para os preços.

Mas esta política de juros altos possui um custo muito elevado, que é o

contínuo aumento do patamar dos pagamentos de juros (gráfico 14).

73

Page 74: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

Ainda mais num contexto em que a dívida interna, que já vinha

crescendo rapidamente, deu um salto com o impacto da desvalorização

cambial sobre a parcela da dívida indexada ao dólar (gráfico 8).

Desta forma, o apoio da política fiscal através de um superávit

primário razoável é imprescindível, para que seja possível amenizar o

impacto dos juros sobre as finanças públicas ao mesmo tempo em que

se espantam os temores a respeito sustentabilidade do próprio arranjo

de política econômica. Com a utilização contínua deste arranjo ao longo

do tempo, os superávits primários precisam necessariamente crescer ao

longo do tempo para que eles sejam capazes de fazer face aos

crescentes pagamentos de juros (gráfico 15). A estabilidade da dívida

pública interna só se materializaria na realidade se o setor público fosse

capaz de realizar um superávit primário equivalente aos pagamentos de

juros. Mas isto é muito difícil de ser alcançado na medida em que

qualquer instabilidade interna ou externa poderia requerer um aumento

dos juros o que, sem sombra de dúvida demandaria um novo aumento

do superávit das contas públicas capaz de compensar o novo aumento

no dispêndio financeiro do setor público.

Em tese, este arranjo possui limites ligados à diminuição do gasto

público, seja porque a diminuição do mesmo inviabiliza o próprio

funcionamento das funções básicas do Estado, seja porque pode levar a

economia a uma rota recessiva em que os cortes adicionais de gastos

por parte do setor público só levam a uma queda da arrecadação e,

inevitavelmente, a uma diminuição do superávit fiscal num círculo

vicioso semelhante ao que ocorreu na Argentina logo antes do fim do

regime de conversibilidade no início dos anos 2000.

Gráfico 15: Superávit ou Déficit do Setor público, Em % do PIBGráfico 15: Superávit ou Déficit do Setor público, Em % do PIB

74

Page 75: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

-10

-5

0

5

10

15

20

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Superávit (-) ou Déficit (+) Primário do Setor Público (% do PIB) Superávit (-) ou Déficit (+) Nominal do Setor Público (% do PIB)

Juros Nominais (% do PIB)

Fonte: Banco Central do Brasil.

Este imbroglio fica mais claro ainda quando se olha para a

situação da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF). Ela tem, em geral,

uma flutuação maior que a do PIB em termos reais mas mostra

claramente, o mesmo movimento (gráfico 16). Se for feita uma

desagregação da Formação Bruta de Capital Fixo, atendo-se à

importância do Setor público, o que se nota é que quando cai a FBCF do

Setor público, a FBCF do país cai também (gráfico 17). Este movimento é

muito importante pois se percebe que quando o volume da FBCF do

Setor público volta a crescer em termos correntes, o mesmo acontece

com a FBCF total. O que comprova a tese de que o “ajuste fiscal”

promovido a partir dos problemas cambiais do fim de 1998 – e

sistemático desde então – é um dos principais, fatores que mantém a

economia crescendo a taxas medíocres, o que se articula muito bem aos

objetivos da política econômica em vigor.

Gráfico 16: Variação Anual Real do PIB e da FBCFGráfico 16: Variação Anual Real do PIB e da FBCF

75

Page 76: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

-1,0

0,0

1,0

2,0

3,0

4,0

5,0

6,0

7,0

-10,0

-5,0

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

PIB Variação Real (% do PIB) 1,0 -0,5 4,9 5,9 4,2 2,7 3,3 0,1 0,8 4,4 1,3 1,9 0,5 4,9 2,3

Formação Bruta de Capital Fixo Var. RealPIB(% do PIB)

9,0 -8,6 14,3 13,0 8,1 2,8 8,3 -0,6 -7,6 10,0 -1,1 -4,3 -2,4 7,5 -2,7

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Fonte: IBGE – Sistema de Contas Nacionais.

Gráfico 17: FBCF e FBCF do Setor público, em Reais CorrentesGráfico 17: FBCF e FBCF do Setor público, em Reais Correntes

0,00

10000000,00

20000000,00

30000000,00

40000000,00

50000000,00

60000000,00

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

0,00

50000000,00

100000000,00

150000000,00

200000000,00

250000000,00

300000000,00

350000000,00

Capital Formação Bruta Nominal do Setor Público Capital Formação Bruta Nominal

Fonte: IBGE – Sistema de Contas Nacionais

76

Page 77: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

Evidentemente, esta percepção da importância do investimento

público não é novidade nos estudos sobre a economia brasileira. Desde

o processo de industrialização dos idos dos 1950 já estava claro que o

crescimento da economia brasileira tinha que ser puxado pelo

investimento público, já que ele era e ainda é a melhor garantia para os

investimentos privados – ainda que hoje sua influência seja

“aparentemente” menor. Numa economia instável e repleta de

problemas estruturais típicos de um desenvolvimento capitalista tardio

como a brasileira, nenhum agente privado (nacional ou estrangeiro) é

capaz de suportar os riscos de realizar grandes investimentos que

possuam prazos de maturação longos (CARDOSO DE MELLO & TAVARES,

1985).

Os investimentos privados só são realizados quando eles têm a

garantia de que o investimento público já foi iniciado. Ao serem feitos os

investimentos públicos, este novo gasto garante demanda aos

investidores privados ao gerar novas oportunidades para que estes

abocanhem uma maior participação no agora maior volume de lucro

macroeconômico (BELLUZZO & SILVA, 2002, cap. 03). Se não há

perspectivas de crescimento elevado, é muito difícil que se consiga

elevar a taxa de investimento, ainda mais se se percebe que a profunda

interligação com o mercado financeiro internacional não gerou um

suprimento adequado de financiamento de longo prazo, virtualmente

inexistente desde o fim do ciclo de endividamento dos anos 70.

Chega-se, portanto, a uma situação em que a estagnação

detonada pela crise da dívida externa de 1982 não vê perspectivas de

solução ao longo dos últimos 25 anos, dado o arranjo que sustenta a o

precário equilíbrio externo e os direitos sobre uma enorme riqueza

financeira sob a forma de títulos públicos. O mais grave desta situação é

que os problemas vão se acumulando e a regressão econômica e social,

objeto do próximo capítulo, se aprofunda ainda mais. Da 8ª economia do

77

Page 78: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

mundo e dos sonhos de grande potência, sobraram um economia em

crescimento lento – em relação à média histórica, às necessidades do

país e mesmo em termos de comparação com os outros países da

América Latina (tabela 5), onde nos últimos três anos o país cresceu

abaixo da média – e uma proliferação de problemas sociais associados a

uma enorme dívida pública que não foi conseqüência de nenhum grande

programa de investimentos nem de nenhuma ampliação dos benefícios

sociais.

Tabela 5: Crescimento do PIB dos Países da América Latina,Tabela 5: Crescimento do PIB dos Países da América Latina,

PorcentagemPorcentagemPaís ou Região 2000 2001 2002 2003 2004 2005* Média

América Latina 4,0 0,3 -0,8 2,0 5,9 4,3 2,6Argentina -0,8 -4,4 -10,9 8,8 9,0 7,3 1,5

Bolívia 2,5 1,7 2,4 2,8 3,6 3,5 2,8Brasil 4,4 1,3 1,9 0,5 4,9 2,3 2,6

Chile 4,5 3,4 2,2 3,7 6,1 6,0 4,3Colômbia 2,9 1,5 1,9 4,1 4,1 4,0 3,1

Costa Rica 1,8 1,1 2,9 6,5 4,2 3,0 3,3Cuba 6,1 3,0 1,5 2,9 3,0 5,0 3,6

Equador 2,8 5,1 3,4 2,7 6,9 3,0 4,0El Salvador 2,2 1,7 2,2 1,8 1,5 2,5 2,0Guatemala 3,6 2,3 2,2 2,1 2,7 3,0 2,7

Haiti 0,9 -1,0 -0,5 0,5 -3,8 3,0 -0,2Honduras 5,7 2,6 2,7 3,5 5,0 4,5 4,0

México 6,6 0,0 0,8 1,4 4,4 3,6 2,8Nicarágua 4,2 3,0 0,6 2,3 5,1 4,0 3,2

Panamá 2,7 0,6 2,2 4,3 6,2 4,5 3,4Paraguai -3,3 2,1 0,0 3,8 4,0 2,8 1,6

Peru 2,9 0,2 4,9 4,0 4,8 5,5 3,7R. Dominicana 8,1 3,6 4,4 -1,9 2,0 3,5 3,3

Uruguai -1,4 -3,4 -11,0 2,2 12,3 6,2 0,8Fonte: CEPAL (2005)

78

Page 79: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

BibliografiaBibliografia

AGHEVLI, Bijan B. & MÁRQUEZ-RUARTE, Jorge. A Case of

Successful Adjustment: Korea’s Experience During 1980-84. Occasional

Paper, nº 39. Washington: FMI, 1985.

AMSDEN, Alice H. Asia's Next Giant. Oxford: Oxford University

Press, 1989.

ANDRADE BALTAR, Paulo E. & DEDECCA, Claudio S. & HENRIQUE,

Wilnês. Mercado de Trabalho e Exclusão Social no Brasil. In: BARBOSA

DE OLIVEIRA, Carlos A. & LEVI MATTOSO, Jorge E. Crise e Trabalho no

Brasil. Campinas: Fecamp/Scritta, 1996.

ARIDA, Pérsio. Neutralizar a Inflação, Uma Idéia Promissora. In:

REGO, José M. (org.) Inflação Inercial, Teorias sobre Inflação e o Plano

Cruzado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.

BACHA, Edmar. Prólogo para a 3ª Carta. In: FÓRUM DA GAZETA

MERCANTIL. FMI x Brasil: a Armadilha da Recessão. São Paulo: Gazeta

Mercantil, 1983.

BACHA, Edmar. Plano Real: Uma Avaliação. In: MERCADANTE

OLIVA, Aloísio. (org.) O Brasil Pós-Real. Campinas: UNICAMP, 1997.

BAER, Mônica. O Rumo Perdido: A Crise Fiscal e Financeira do

Estado Brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Boletim do Banco Central. Brasília:

vários números.

BARBOSA DE OLIVEIRA, Carlos A. O Real e o Mito. Revista ADUSP,

São Paulo, abril de 1995.

BARROS DE CASTRO, Antônio & PIRES DE SOUZA, Francisco E. A

Economia Brasileira em Marcha Forçada. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

1985.

79

Page 80: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

BARROS DE CASTRO, Antônio & PIRES DE SOUZA, Francisco E. O

Saldo e a Dívida. Revista de Economia Política, volume 08, n°. 02, São

Paulo, abril-junho de 1988.

BIANCARELI, André M. Economias Emergentes: No Balanço das

Ondas. In: CECON. Política Econômica em Foco, nº. 04, Suplemento nº.

02, Campinas, maio-outubro de 2004.

BRESSER-PEREIRA, Luís C. & NAKANO, Yoshiaki. Inflação e

Recessão. São Paulo: Brasiliense, 1986.

CARDIM DE CARVALHO, Fernando J. Alta Inflação e Hiperinflação:

Uma Visão Pós-Keynesiana. Revista de Economia Política, volume 10, n°.

04, São Paulo, outubro-dezembro de 1990.

CARDOSO DE MELLO, João M. O Estado Brasileiro e os Limites da

“Estatização”. Ensaios de Opinião, volume 05, Rio de Janeiro, 1977.

CARDOSO DE MELLO, João M. O Capitalismo Tardio: Contribuição à

Revisão Crítica da Formação e Desenvolvimento da Economia Brasileira.

São Paulo: Brasiliense, 1982.

CARDOSO DE MELLO, João M. Conseqüências do Neoliberalismo.

Economia e Sociedade, nº. 01, Campinas, agosto de 1992.

CARDOSO DE MELLO, João M. & MELLO BELLUZZO, Luiz G.

(1982/1983) Reflexões Sobre a Crise Atual. In: MELLO BELLUZZO, Luiz G.

& COUTINHO, Renata (orgs.) Desenvolvimento Capitalista no Brasil:

Ensaios Sobre a Crise - vol. 01. Campinas: Instituto de Economia da

UNICAMP, 1998.

CARDOSO DE MELLO, João M. & NOVAIS, Fernando A. Capitalismo

Tardio e Sociabilidade Moderna. In: MORITZ SCHWARCZ, Lilia. História da

Vida Privada no Brasil - vol. 4. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

CARDOSO DE MELLO, João M. & TAVARES, Maria da C. The

Capitalist Export Economy in Brazil 1884-1930. In: CORTÉS-CONDE,

Roberto & HUNT, Shane J. The Latin American Economies: Growth and

the Export Sector 1880-1930. Nova Iorque: Holmes & Meier, 1985.

80

Page 81: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

CARVALHO, Carlos E. Bloqueio de Liquidez e Estabilização. O

Fracasso do Plano Collor. Campinas: IE/UNICAMP, Tese de

Doutoramento, 1996.

CEPAL. Estudio Económico de América Latina y el Caribe, 2004-

2005. Santiago: CEPAL, 2005.

CHO, Yoon J. & COLE, David C. The Role of the Financial Sector in

Korea’s Structural Adjustment. Korean Development Institute Working

Paper, nº. 8607, Seul, dezembro de 1986.

COUTINHO, Luciano. A Especialização Regressiva: Um Balanço do

Desempenho Industrial Pós-Estabilização. In REIS VELLOSO, João P. (org.)

Brasil: Desafios de um País em Transformação. Rio de Janeiro: José

Olympio, 1997.

CUMINGS, Bruce. The Abortive Abertura: South Korea in the Light

of Latin America Experience. New Left Review, nº. 173, Londres, janeiro-

fevereiro de 1989.

DAVIDOFF DAS CHAGAS CRUZ, Paulo R. (1984) Dívida Externa e

Política Econômica: A Experiência Brasileira nos Anos 70. Campinas:

Instituto de Economia da UNICAMP, 1999.

DAVIDOFF DAS CHAGAS CRUZ, Paulo R. Notas Sobre o

Financiamento de Longo Prazo na Economia Brasileira do Após Guerra.

Economia e Sociedade, nº. 03, Campinas, dezembro de 1994.

DAVIDOFF DAS CHAGAS CRUZ, Paulo R. Endividamento Externo e

Transferência de Recursos Reais ao Exterior: Os Setores Público e

Privado na Crise dos Anos Oitenta. Nova Economia, volume 05, nº. 01,

Belo Horizonte, agosto de 1995.

DIESP. Indicadores DIESP, nº. 100, São Paulo, maio-julho de 2004.

DORNBUSCH, Rudiger & PARK, Yung C. & COLLINS, Susan M. &

CORBO, Vittorio. Korean Growth Policy. Brookings Papers on Economic

Activity, nº. 02, vol. 1987, Washington, 1987.

FRENKEL, Roberto. Decisiones de Precio en Alta Inflación.

Desarrollo Económico, vol. 19, Buenos Aires, outubro-dezembro de 1979.

81

Page 82: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

FURTADO, João. Mundialização, Reestruturação e Competitividade:

A Emergência de um Novo Regime Econômico e as Barreiras às

Economias Periféricas. Estudos CEBRAP, nº. 53, São Paulo, 1999.

HOBSON, John A. (1894) A Evolução do Capitalismo Moderno: Um

Estudo da Produção Mecanizada. São Paulo: Nova Cultural, 1985.

KANDIR, Antônio. A Dinâmica da Inflação. São Paulo: Nobel, 1989.

KIM, Eun M. Contradictions and Limits of a Developmental State:

With Illustrations of the South Korean Case. Social Problems, vol. 40, nº.

02, maio de 1993.

LAPLANE, Mariano F. & SARTI, Fernando. Investimento Direto

Estrangeiro e a Retomada do Crescimento Sustentado nos Anos 90.

Economia e Sociedade, nº. 08, Campinas, junho de 1997.

LAPLANE, Mariano F. & SARTI, Fernando. Novo Ciclo de

Investimentos e Especialização Produtiva. In: REIS VELLOSO, João P.

(org.). O Brasil e o Mundo no Limiar do Novo Século. Rio de Janeiro: José

Olympio, 1998.

LARA RESENDE, André. A Moeda Indexada: Uma Proposta Para

Eliminar a Inflação Inercial. In: REGO, José M. (org.) Inflação Inercial,

Teorias sobre Inflação e o Plano Cruzado. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

1986.

LOPES, Francisco. O Choque Heterodoxo. Rio de Janeiro: Campus,

1988.

MACHADO RIBEIRO DE LESSA, CARLOS F. T. Visão Crítica do II PND.

Revista Tibiriçá, nº. 06, São Paulo, junho de 1977.

MACHADO RIBEIRO DE LESSA, CARLOS F. T. & DAIN, Sulamis.

(1982/1983) Capitalismo Associado: Algumas Referências Para o Tema

Estado e Desenvolvimento. In: MELLO BELLUZZO, Luiz G. & COUTINHO,

Renata (orgs.) Desenvolvimento Capitalista no Brasil: Ensaios Sobre a

Crise - vol. 01. Campinas: Instituto de Economia da UNICAMP, 1998.

82

Page 83: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

MARDON, Russell. The State and the Effective Control of Foreign

Capital: The Case of South Korea. World Politics, vol. 43, nº. 01, outubro

de 1990.

MARGARIDO, Sérgio P. Fluxos de Capitais para a Economia

Brasileira na Primeira Metade da Década de 90: Construção de Novos

Vínculos Financeiros Externos e Emergência de Novos Riscos. Campinas:

IE/UNICAMP, Dissertação de Mestrado, 1997.

MEDEIROS CARNEIRO, Ricardo. Crise, Estagnação e Hiperinflação.

Campinas: IE/UNICAMP, Tese de Doutoramento, 1991.

MELLO BELLUZZO, Luiz G. & GOMES DE ALMEIDA, Júlio S. A Crise

da Dívida e suas Repercussões sobre a Economia Brasileira. In:

NOGUEIRA BATISTA JR., Paulo & MELLO BELLUZZO, Luiz G. (orgs.) A Luta

Pela Sobrevivência da Moeda Nacional. São Paulo: Paz e Terra, 1992.

MELLO BELLUZO, Luiz G. & GOMES DE ALMEIDA, Júlio S. Depois da

Queda: A Economia Brasileira da Crise da Dívida aos Impasses do Real.

Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

MENDONÇA DE BARROS, José R. & GOLDENSTEIN, Lídia. Avaliação

do Processo de Reestruturação Industrial Brasileiro. Revista de Economia

Política, vol. 17, nº. 02, São Paulo, abril-junho de 1997.

MESQUITA MOREIRA, Maurício. Estrangeiros em uma Economia

Aberta: Impactos Recentes Sobre Produtividade, Concentração e

Comércio Exterior. Texto para Discussão BNDES, nº. 67, Rio de Janeiro,

1999.

MOURA DA SILVA, Adroaldo. Intermediação Financeira no Brasil:

Origens, Estrutura e Problemas. São Paulo: FIPE/USP, mimeo, 1979.

NOGUEIRA BATISTA JR., Paulo. Mito e Realidade na Dívida Externa

Brasileira. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1983.

NOGUEIRA BATISTA JR., Paulo. Formação de Capital e

Transferência de Recursos ao Exterior. Revista de Economia Política,

Volume 07, nº. 01, São Paulo, janeiro-março de 1987.

83

Page 84: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

NOGUEIRA BATISTA JR., Paulo & MELLO BELLUZZO, Luiz G. A Luta

Pela Sobrevivência da Moeda Nacional. São Paulo: Paz e Terra, 1992.

OLIVEIRA, Julio H. G. Money, Prices and Fiscal Lags: A Note on

Dynamics of Inflation. Banca Nazionale del Lavoro Quarterly Review, nº.

82, setembro de 1967.

PÁDUA LIMA, Maria L. L. M. O Euromercado e a Expansão do

Capital Financeiro Internacional. Campinas: UNICAMP, Dissertação de

Mestrado, 1985.

PAULANI, Leda M. Teoria da Inflação Inercial: Um Episódio Singular

na História da Ciência Econômica no Brasil? In: LOUREIRO, Maria R.

(org.) 50 anos de Ciência Econômica no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes,

1997.

PORTELA FILHO, Petrônio. A Moratória Soberana: A Alternativa do

Confronto Externo: Seus Custos, Perspectivas e Mitos. São Paulo: Alfa-

Omega, 1988.

PORTELA FILHO, Petrônio. Plano Brady: da Retórica à Realidade.

Estudos Econômicos, volume 24, nº. 01, São Paulo, janeiro-abril de 1994.

RAMOS, ANA P. Uma Avaliação das Fontes de Financiamento

Externo da Economia Brasileira nos Anos 90. Economia & Tecnologia, nº.

01, janeiro-março de 1998.

SACHS, Jeffrey D. & WILLIAMSON, John. External Debt and

Macroeconomic Performance in Latin America and East Asia. Brookings

Papers on Economic Activity, nº. 02, vol. 1985, Washington, 1985.

SARDENBERG, Carlos A. Aventura e Agonia: Nos Bastidores do

Cruzado. São Paulo: Companhia da Letras, 1987.

SERRA, José C. (1982/1983) Ciclos e Mudanças Estruturais na

Economia Brasileira do Pós-Guerra. In: MELLO BELLUZZO, Luiz G. &

COUTINHO, Renata (orgs.) Desenvolvimento Capitalista no Brasil:

Ensaios Sobre a Crise - vol. 01. Campinas: Instituto de Economia da

UNICAMP, 1998.

84

Page 85: A Economia Brasileira do Último Quarto de Século

SUZIGAN, Wilson. A Economia Brasileira Após uma década de

Estagnação. Economia e Sociedade, nº. 01, Campinas, agosto de 1992.

TANZI, Vito. Inflation and the Measurement of Fiscal Deficit. IMF

Staff Papers , nº. 04, vol. 34, Washington, setembro de 1978.

TAVARES, Maria da C. Apresentação. In: HOBSON, John A. A

Evolução do Capitalismo Moderno: Um Estudo da Produção Mecanizada.

São Paulo: Nova Cultural, 1985.

TAVARES, Maria da C. & MELLO BELLUZZO, Luiz G. Uma Reflexão

sobre a Natureza da Inflação Contemporânea. In: REGO, José M. (org.)

Inflação Inercial, Teorias sobre Inflação e Plano Cruzado. Rio de Janeiro:

Paz e Terra, 1986.

TAVARES, Maria da C. Ajuste e Reestruturação nos Países Centrais:

A Modernização Conservadora. Economia e Sociedade, nº. 1, Campinas,

agosto de 1992.

TURNER, Philip. Capital Flows in the 1980’s: A Survey of Major

Trends. BIS Economic Papers, nº. 30, Basiléia, abril de 1991.

WILLIAMSON, John. Latin American adjustment: how much has

happened? Washington: Institute for International Economics, 1990.

WIRTH, John D. The Politics of Brazilian Development 1930-1954.

Stanford: Stanford University Press, 1970.

ZAHLUTH BASTOS, Pedro P. A Dependência em Progresso:

Fragilidade Financeira, Vulnerabilidade Comercial e Crises Cambiais no

Brasil (1890-1954). Campinas: IE/UNICAMP, Tese de Doutoramento,

2001.

85