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GRADAÇÃO DE AFETIVIDADE NOS FORMATIVOS -INHO (A) E -ZINHO (A) A PARTIR DO ESTUDO DE GRAMATICALIZAÇÃO Carla Maria de Oliveira RESUMO: Este artigo trata dos sufixos derivacionais do grau diminutivo -inho(a) e - zinho(a) e de suas diferentes acepções, a partir de pressupostos teóricos de enfoque da teoria da gramaticalização. A gramaticalização se estabelece no momento em que uma unidade linguística começa a adquirir propriedades de formas gramaticais ou se já possui este estatuto gramatical, tem sua gramaticalidade ampliada. O sufixo -zinho(a), da forma como é usado na oração, pode indicar pejoratividade e o -inho(a), afetividade. PALAVRAS-CHAVE: sufixos diminutivos -inho(a) e -zinho(a), acepções e gramaticalização ABSTRACT: This article deals with the derivational suffix -inho diminutive (a) and - zinho (a) and its different meanings, from the theoretical focus of the theory of grammaticalization and different concepts. The grammaticalization is established at the time a language unit begins to acquire properties of grammatical forms or if you already have this status grammar, has expanded its grammaticality. The suffix -zinho (a) the way it is used in prayer and may indicate pejoratividade -inho (a), affection. KEYWORDS: diminutive suffix -inho (a) and -zinho (a), meanings and grammaticalization Mestranda em Língua Portuguesa pela Universidade Federal Fluminense (UFF).

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GRADAÇÃO DE AFETIVIDADE NOS FORMATIVOS -INHO (A) E -ZINHO (A) A PARTIR DO ESTUDO DE GRAMATICALIZAÇÃO

Carla Maria de Oliveira∗

RESUMO: Este artigo trata dos sufixos derivacionais do grau diminutivo -inho(a) e -

zinho(a) e de suas diferentes acepções, a partir de pressupostos teóricos de enfoque da

teoria da gramaticalização. A gramaticalização se estabelece no momento em que uma

unidade linguística começa a adquirir propriedades de formas gramaticais ou se já

possui este estatuto gramatical, tem sua gramaticalidade ampliada. O sufixo -zinho(a),

da forma como é usado na oração, pode indicar pejoratividade e o -inho(a), afetividade.

PALAVRAS-CHAVE: sufixos diminutivos -inho(a) e -zinho(a), acepções e

gramaticalização

ABSTRACT: This article deals with the derivational suffix -inho diminutive (a) and -

zinho (a) and its different meanings, from the theoretical focus of the theory of

grammaticalization and different concepts. The grammaticalization is established at the

time a language unit begins to acquire properties of grammatical forms or if you already

have this status grammar, has expanded its grammaticality. The suffix -zinho (a) the

way it is used in prayer and may indicate pejoratividade -inho (a), affection.

KEYWORDS: diminutive suffix -inho (a) and -zinho (a), meanings and

grammaticalization

∗ Mestranda em Língua Portuguesa pela Universidade Federal Fluminense (UFF).

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1. INTRODUÇÃO

O presente artigo realiza um estudo sobre os sufixos derivacionais do grau

diminutivo -inho(a) e -zinho(a), e o uso destes, por falantes do português brasileiro,

além de verificar as gradações de afetividade dos formativos, a partir da teoria da

Gramaticalização. Com base em Gonçalves...[et al.] (2007), serão expostos conceitos

sobre Gramaticalização, bem como será analisada a gradação dos sufixos em -inho(a) e

-zinho(a).

O estudo tem o propósito de analisar se há diferença de significados quanto ao uso

dos formativos -inho (a) e -zinho(a); explicar como se manifesta o princípio da Não-

Sinonímia nesses formativos; relacionar os tipos de carga emocional que os sufixos -

inho(a) e -zinho(a) podem veicular; elucidar o uso destes formativos sob o enfoque

funcionalista.

Esta pesquisa é relevante na medida em que provoca questionamentos: a escolha

pelo uso de -inho(a) ou -zinho(a) envolve apenas uma adaptação fonológica, como é

explicado nos compêndios gramaticais? Eles possuem somente acepção de tamanho e

afetividade?

O artigo apresenta-se estruturado da seguinte forma: na seção 2, será feita uma

exposição sobre o diminutivo, explicação sobre a flexão e derivação e como são

apresentados por alguns autores. A mesma seção trata ainda do uso de -inho(a) e

zinho(a) pelos autores, bem como as diferentes acepções destes formativos. Na seção 3,

serão apresentados os pressupostos teóricos, em que serão trabalhadas as ideias de

Goldberg (1995) para explicar a Gramática das Construções e o Princípio da Não

Sinonímia. Ainda na seção 3, baseado em Gonçalves... [et al.] (2007), serão expostos

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conceitos de gramaticalização. Na seção 4, será feita a apresentação de um continuum

de gradação de afetividade, dos usos dos formativos -inho(a) e -zinho(a), apresentação

dos questionários aplicados. Em seguida, será exposto através dos gráficos, o resultado

do questionário feito com estudantes de idade de 14 a 30 anos, com nível de

escolaridade, médio e superior. Por fim, serão apresentadas as principais conclusões do

estudo.

2. DIMINUTIVOS

2.1. FLEXÃO X DERIVAÇÃO

As gramáticas, de maneira geral, ainda não fizeram uma distinção necessária entre

a flexão e derivação, com características gerais de cada processo. De maneira

tradicional, as gramáticas tratam destes temas relacionados à estrutura de palavras e

estabelecem distinção entre desinência, como elemento indicador de flexão e afixo

(prefixo e sufixo), como elemento de derivação. No artigo em questão, será tratado o

sufixo do grau diminutivo como derivação, na forma como é visto pela maioria dos

autores.

Segundo Basílio (2004: 67) “o fato de a Nomenclatura Gramatical Brasileira

considerar o grau como flexão é devido à influência da gramática clássica, mas apesar

disso, a maior parte dos gramáticos de hoje tende a considerar o grau como derivação”.

Até a década de 1970, as gramáticas normativas classificavam como flexionais

tais formativos, mas, a partir dos anos 1980, algumas reviram a postura, deixando de

descrever o grau em seções destinadas às flexões do nome. As gramáticas escolares

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voltadas para o ensino médio, mesmo as consideradas mais inovadoras, ainda

consideram o grau como uma das flexões dos nomes.

Para Gonçalves (2005: 1), “os livros didáticos, salvo poucas exceções, ainda

arriscam no nivelamento das categorias gênero, número e grau, considerando-as

equivalentes em termos de status morfológico”.

Almeida (1983: 125-126) apresenta as formas diminutivas e aumentativas como

as duas possibilidades de flexão de grau para os substantivos. Em contrapartida, autores

como Basílio (2004: 67), Câmara (2004: 83), Cunha & Cintra (2001: 88), Rocha (2003:

225) e Rosa (1982: 17), entre outros, consideram que se trata de derivação e não de

flexão.

Mattoso (1984: 81) esclarece com base no gramático Varrão, ao abordar sobre

derivatio voluntária (que cria novas palavras), que, “o diminutivo é um processo de

derivação, não de flexão, porque não ocorre de forma obrigatória e sistemática, mas sim

de maneira voluntária, em que a opção do uso será determinada por quem fala”.

2.2. VARIADAS ACEPÇÕES DE -INHO(A) E -ZINHO(A)

Muitos autores trabalham com análises dos sufixos diminutivos, sob perspectivas

diversificadas. Como analisa Gonçalves (2006: 9), o significado do formativo -inho(a) é

determinado pelo contexto sóciointeracional, sendo que esse sufixo conduz a uma carga

emocional variada, emprestando à mensagem maior força comunicativa: pode expressar

dimensão, apreço, desapreço e afeto. O sufixo -inho(a) admite usos bastantes variados e

só pelo contexto, é que poderá ser analisado seu significado, de acordo com a real

intenção do falante.

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Simões (2005: 21) observa que os diminutivos -inho(a) e -zinho(a) mantêm a

categoria sintática da forma, tanto que, ao associá-los a um nome, a um adjetivo, ou a

um advérbio, a categoria é preservada, embora um valor semântico se manifeste na

palavra, seja de dimensão, pejoratividade e intensidade, como em fita – fitinha (nome),

bonito – bonitinho (adjetivo), cedo – cedinho (advérbio).

Nas gramáticas, de modo geral, os autores fazem menção aos sufixos -inho (a) e -

zinho (a), como formativos que indicam dimensão pequena. Celso Cunha (1979: 109-

110) apresenta uma lista dos principais sufixos diminutivos empregados em português,

além de explicar a origem dos sufixos -inho e -ino, provenientes do latim -inus. O autor

comenta sobre a dificuldade pela escolha do uso de -inho(a) e -zinho(a) e acrescenta

que, às vezes, a seleção se dá pelo ritmo da frase.

Para Ezarani (1989, p.52) “particularmente o substantivo assume função

diminutiva em sininhos, função positiva (o que agrada) em fazendinha e função

pejorativa em simpatiquinho”.

Além da divisão básica entre a diminuição do tamanho e a diminuição avaliativa.

Basílio chama atenção para a distinção entre a “função denotativa” e a “função

expressiva” do diminutivo.

A função denotativa (denominadora) do diminutivo pode ser observada nos seguintes exemplos: cafezinho, tesourinha, salgadinho, colherinha. Por outro lado, cita formações, nas quais a diminuição das dimensões do referente pode ser acompanhada de vários graus de expressividade, por exemplo: livrinho, pedacinho, vidrinho, moedinha. Essa função expressiva do diminutivo fica ainda mais evidente nos seguintes exemplos, nos quais a diminuição das dimensões deixa inteiramente de ser relevante: Será que você pode me dar uma mãozinha aqui? e É só preciso que você me dê um empurrãozinho. Pode ter ainda função de caráter discursivo, sendo de um lado, usado como um elemento de atenuação como em: Preciso de sua atenção. Pode me dar um momentinho só? Por outro lado, pode expressar afetividade como em: Eu fiz um franguinho especial para você? (BASÍLIO, 2004: 70).

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A autora explica que o sufixo -inho(a), principal elemento formador do

diminutivo, alterna com o -zinho(a), este, sendo usado quando a base termina em

consoante, ditongo ou vogal acentuada como em paizinho, mãezinha, florzinha,

lençolzinho, tatuzinho. Além disso, -inho(a) e -zinho(a) parecem ser complementares, já

que -zinho (a) é utilizado em ambientes fonológicos em que -inho não é usado. Porém,

não se trata de uma restrição absoluta, pois no caso de ditongação há variações

regionais, como em painho e mainha; algumas terminadas em [r] ocorrem em -inho (a),

como colherinha, florinha e formações em -zinho (a) podem alternar com formações em

-inho (a), como em brinquedinho/brinquedozinho, Glorinha/Gloriazinha, etc.

Além disso, Basílio (2004: 72) considera “a característica ‘mais desconcertante’

do -zinho o fato de a sua adição não impedir a flexão de gênero e número na palavra

base”.

De fato, observa-se que com o sufixo -zinho o radical preserva a sua

independência apresentando flexão de gênero e número o que não acontece com -inho,

por exemplo: bonzinho – boazinha, coraçãozinho – coraçõezinhos. Essa posição

contraria a noção geral segundo a qual não existe flexão interna à derivação, e é este um

dos motivos para a polêmica questão de que -zinho deve ser considerado como um

sufixo independente, que é a posição adotada por Villalva (2000: 323), ou como uma

variante alomórfica de -inho, defendida por Câmara (1973: 44) e Cunha & Cintra (2001:

91).

Bechara (1999: 140) aborda a dimensão significativa do uso dos diminutivos de

acordo com “o caráter intencional do falante, fora da ideia de tamanho, as formas

diminutivas podem traduzir nosso desprezo, a nossa crítica, sentido pejorativo e a idéia

de pequenez associa-se à de carinho”.

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Portanto, devido à complexidade da interpretação semântica das palavras em que

aparecem os sufixos -inho(a) e -zinho(a), por atribuírem valor de dimensão, de

intensidade, de afetividade, de pejoratividade, deve-se admitir que esses valores são

indicados pelo juízo de valor, expresso pelo locutor referente ao conteúdo semântico da

forma base.

Há também formas na língua que se cristalizaram pelo uso e são meramente

formais, não encerrando ideia de diminuição, tais como: folhinha, bondinho, escolinha.

Neste artigo serão trabalhadas as acepções de afetividade e pejoratividade dos sufixos

mencionados.

3. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

3.1. A GRAMÁTICA DAS CONSTRUÇÕES

O trabalho que mais contribuiu para a formulação de um modelo de análise da

Gramática das Construções foi o de Goldberg (1995), tendo como objeto de estudo,

construções envolvendo verbos e sua estrutura argumental. A autora estabeleceu outro

princípio: que os valores semânticos de uma sentença podem estar relacionados com

padrões sintáticos específicos. Dessa forma, a partir da Gramática das Construções, a

relação entre forma (tanto no sentido lexical quanto sintático) e significado é mais

integrada do que se acredita.

Para Nascimento (2006: 24), “a língua é um grande continuum, sem fronteiras

precisas entre morfologia, sintaxe, semântica e pragmática, sendo que a principal função

da linguagem é expressar significados”. A gramática em si é simbólica e significativa. O

autor explica a contribuição para a Gramática das Construções.

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As construções formam uma rede e são ligadas entre si por relações de herança, como uma construção procedendo de outra, com características específicas, sendo que essas relações são regidas por alguns princípios: da Motivação Maximizada, do Poder Expressivo Maximizado, da Economia Maximizada e da Não-Sinonímia, princípio da Não Sinonímia, se duas construções são sintaticamente distintas (leia-se, aqui, o “sintaticamente” por “formalmente”), devem ser semântica ou pragmaticamente distintas. Corolário A – se duas construções são sintaticamente distintas e semanticamente sinônimas, então elas têm de ser pragmaticamente distintas. Corolário B – se duas construções são sintaticamente distintas e pragmaticamente sinônimas, então elas têm de ser semanticamente distintas (GOLDBERG, 1995 apud NASCIMENTO, 2006: 40).

Partindo para uma análise de acordo com o princípio da Não-Sinonímia,

Colorários A e B, as duas construções abaixo, em cada exemplo, são formalmente

distintas e, por isso mesmo, acredita-se, devem ser semanticamente distintas

(apresentam sentidos diferentes) e pragmaticamente sinônimas ou vice-versa:

semanticamente idênticas e pragmaticamente diferentes.

A menininha é um amor de pessoa.

Aquela meninazinha além de ser teimosa, é insuportável.

Nos exemplos, as formas menininha e meninazinha são diferentes, porém são

semanticamente distintas e pragmaticamente sinônimas.

3.2. GRAMATICALIZAÇÃO E DIFERENTES CONCEPÇÕES

Nos anos 70, o funcionalismo foi conceituado por vários autores como o estudo

do uso da língua que buscava explicar as proporcionalidades observadas nesse uso, a

partir da constatação das condições discursivas em que o mesmo se verificava e o termo

função, definia-se, como a tarefa, o papel.

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Para os funcionalistas, os universais linguísticos ocorrem da universalidade de

usos, bem como sua aquisição acontece das necessidades comunicativas e de suas

habilidades.

Givon (1979 apud NOBRE, 2008) considera que no funcionalismo tudo começa

sem regularidade e depois se converte em norma.

Tudo nasce no discurso e morre na morfofonologia. Tudo começa sem regularidade alguma de uso, exatamente por estar no seu começo, mas se regulariza com o uso, na repetição, que passa a exercer uma pressão tal que faz com que o que no começo era casuístico se fixe e se converta em norma. O resultado das pressões de uso, bem como a transformação progressiva da formulação “nova” numa formulação que passa a ser sentida como “normal”, no sentido de comum, é inconsciente para os usuários da língua.

Pode-se trazer esta definição para o uso dos sufixos -inho(a) e -zinho(a), pois o

que até o momento não tinha muita regularidade de uso, logo passou a ser usado em

variados contextos comunicativos pelos falantes. Na verdade, estes formativos nas

gramáticas, somente eram considerados com acepções de dimensão e carinho,

atualmente, alguns autores já passaram a considerar outros sentidos para tais sufixos. Já

o -zinho(a) passou a ser mais utilizado e não somente para quando a base termina em

vogal, consoante ou vogal acentuada.

Para trabalhar com esses sufixos, sob o âmbito da gramaticalização, que é um

enfoque funcional, foi necessária uma breve introdução ao funcionalismo. Portanto, a

gramaticalização é definida como um processo em que a estrutura gramatical é

modificada por pressões de similaridade estreita entre os contextos comunicativos em

que é utilizada.

Como explicam Gonçalves et al (2007: 15), a constante renovação do sistema

linguístico devido ao surgimento de novas funções para formas já existentes e de novas

formas para funções já existentes traz à tona a noção de “gramática emergente”. O

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autor, pautando-se em Hopper (1987), entende a gramática das línguas como constituída

de partes, cujo estatuto vai sendo negociado na fala, não podendo, em princípio, ser

separado das estratégias de construção do discurso. Com base no que foi exposto, pode-

se verificar que não há gramática como produto acabado, mas em constante

gramaticalização.

Esta teoria pode ser associada, também, aos sufixos -inho(a) e -zinho(a), pois

pode-se dizer que para os sufixos -inho(a) e zinho(a) existam novas funções para formas

já existentes. Embora estes formativos já existam, alguns autores reviram sua postura e

passaram a atribuir a estes sufixos, outras acepções, como de intensidade,

pejoratividade, afetividade, além daquela de tamanho, que adotavam anteriormente.

Desta maneira, o que se pode constatar em algumas gramáticas, é que há uma

nova função para eles, além do uso do sufixo -zinho(a) ter se tornado mais recorrente

entre os falantes, adquirindo outras funções. A opção por um ou outro sufixo vai sendo

negociada na fala de acordo com a necessidade do falante, quando quiser dar a sua

construção um tom pejorativo, apreciativo, de tamanho, etc.

Para alguns autores a gramaticalização pode ser paradigma, se o estudo da língua

focalizar a maneira como formas gramaticais surgem e como são utilizadas; ou

processo, se atentar na identificação e análise de itens que se tornam mais gramaticais.

Pode ser, ainda, observada de duas perspectivas: diacrônica, se o estudo estiver voltado

para como as formas gramaticais surgem e se desenvolvem na língua, ou sincrônica, se

estiver voltada para a identificação de graus de gramaticalidade que uma forma

linguística desenvolve a partir de deslizamentos funcionais a ela conferidos pelo uso da

língua, portanto sob um direcionamento discursivo-pragmático.

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A gramaticalização se estabelece no momento em que uma unidade linguística

começa a adquirir propriedades de formas gramaticais ou se já possui este estatuto

gramatical, tem sua gramaticalidade ampliada.

Em relação à proposta do estudo pode-se dizer, por exemplo, que os sufixos -

inho(a) e -zinho(a) estão em processo de gramaticalização, pois apesar do sufixo -inho

ser uma forma gramaticalizada, passou a ter variadas acepções, o que tornou sua

gramaticalidade ampliada. Acrescenta-se ao sufixo -inho(a), o formativo -zinho(a) que

está adquirindo propriedades gramaticais, pois está fazendo parte dos usos em contextos

comunicativos em que não era utilizado, de acordo com o propósito do falante.

Portanto, o sufixo -zinho(a) que era usado somente quando a base terminava em

consoante, ditongo ou vogal acentuada como em paizinho, florzinha, tatuzinho, como

explica Basílio (2004), passou a ser usado em outros contextos dependendo da intenção

do falante, por exemplo ao optar por menininha ou meninazinha.

Segundo Gonçalves et al. (2007: 17), com o objetivo de tornar a exposição

didática, “é suficiente, por ora, entender a gramaticalização como as alterações de

propriedades sintáticas, semânticas e discursivo-pragmáticas de uma unidade linguística

que promovem a alteração em seu estatuto categorial”.

No que diz respeito ao processo de mudança, alguns autores pesquisam a

gramaticalização, tendo como ponto de partida o discurso até chegar à morfossintaxe.

Givon (1979), por exemplo, defende a existência de um processo cíclico: discurso >

sintaxe > morfologia > morfofonêmica > zero.

Em relação aos estágios de mudança, a redução fonológica costuma vir a eles

associada. O que acontece é que uma forma fonte perde traços semânticos na direção de

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um conceito mais abstrato, como o das relações gramaticais, porque perde material

fonológico.

Sobre a redução fonológica argumenta-se que:

A repetição de uma forma desempenha um papel importante nas seguintes mudanças, que ocorrem durante o processo: a perda da transparência semântica que acompanha a separação entre os componentes da construção gramaticalizada e seus congêneres lexicais permite o uso da forma em novos contextos com novas associações pragmáticas, levando à mudança semântica; a autonomia da forma de uso frequente torna-a mais enraizada na língua. (BYBEE 2003 apud GONÇALVES et al. 2007: 35).

Aplicando esta teoria ao uso dos sufixos -inho(a) e zinho(a), verifica-se que o

sufixo -inho(a) está sendo usado com novas acepções, em novos contextos, com novas

associações pragmáticas, levando à mudança de sentido. Já em relação ao sufixo -

zinho(a), o seu uso mais frequente fez com se tornasse mais enraizado na língua, a fusão

da consoante z ligada ao -inho, fez com que o falante expressasse por exemplo, uma

acepção pejorativa no contexto comunicativo e não somente para fazer uma ligação com

a base, quando esta terminava em consoante, ditongo ou vogal acentuada.

4. ANÁLISE DOS DADOS

4.1 CONTINUUM DE AFETIVIDADE

Graus de afetividade + INHO (a) ZINHO (a) – |-------------------------------------|------------------------- -----|----------------------------------| Afetividade Neutro Afetividade (Mais afetivo e Diminutivo (Menos afetivo e menos pejorativo) Sem diminutivo mais pejorativo) MENININHA BONDINHO MENINAZINHA

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O continuum acima está representado em graus de afetividade, em que os sufixos

-inho(a) e -zinho(a) têm acepções de afetividade tanto positiva quanto negativa. No

centro do continuum, encontra-se o uso de palavras que, embora estejam com o sufixo

diminutivo, não possuem tal valor, pois já se cristalizaram com o uso, por exemplo,

escolinha, folhinha.

Após a realização do questionário com estudantes de 14 a 30 anos, com níveis de

escolaridade médio e superior, verificou-se que o uso do sufixo -inho(a) está associado à

acepção mais afetiva e menos pejorativa, ao passo que o -zinho(a) está ligado ao sentido

de menor afetividade e maior pejoratividade.

4.2 QUESTIONÁRIOS APLICADOS

Informante – Nome: Sexo: Idade: Grau de escolaridade:

A) Complete a sentença com uma das palavras entre parênteses:

1) Esta --------------------------- é insuportável. (menininha, meninazinha, outras variações____________).

2) Reservei um ---------------------- para atender ao aluno atencioso.

(momentinho, momentozinho, outras variações______________).

3) A prova estava ---------------------- que tirei uma nota baixa. (muito difícil, dificílima, difiçona, outras variações____________).

4) Ele é um -------------------------- que pouco me ajuda financeiramente.

(maridinho, maridozinho, outras variações_______________).

5) A ----------------------------- de Pedro gosta muito de ajudar ao próximo. (cunhadinha, cunhadazinha, outras variações_______________).

6) Aquela ------------------------- é um amor de pessoa. (menininha, meninazinha,

meninona, outras variações____________).

7) A sala tornou-se um -------------------------- aconchegante. (espacinho, espaçozinho, outras variações___________).

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8) A filha de João é ---------------------------, parece uma jogadora de basquete.

(altíssima, muito alta, altona, outras variações).

9) O meu vizinho tem um(a) --------------------------, dois cômodos. (casinha, casebre, casa pequena, outras variações______________).

10) A minha ---------------------- gosta de fazer intrigas. (cunhadazinha,

cunhadinha, outras variações____________________).

11) Sempre reservo um -------------------- (para os alunos desinteressados). (momentinho, momentozinho, outras variações______________).

12) O meu -------------------------------- preocupa-se muito comigo. (maridinho,

maridozinho, outras variações_______________).

13) O depósito de bebidas, além de garrafas tem um -------------------- cheio de ratos. (espacinho, espaçozinho, outras variações___________).

14) Mas o meu ------------------------ só me traz problemas, além de ser mentiroso.

(namoradinho, namoradozinho, outras variações_____________).

15) Ela contou-me uma ------------------------- para descontrair. (mentirinha, mentirazinha, outras variações____________).

16) Naquela rua -------------------------- ocorreu um acidente de carro gravíssimo.

(estreitinha, estreitazinha, outras variações_____________).

17) A ----------------------------- que a professora deu contribuiu para que os alunos fizessem uma boa prova. (ajudinha, ajudazinha, outras variações____________).

18) Lauro falou uma ------------------ que denegriu a imagem de Joana.

(mentirinha, mentirazinha, outras variações_____________).

19) Parece que a ------------------------- do prefeito em nada contribuiu para a melhoria da saúde no município. (ajudinha, ajudazinha, outras variações_______________).

20) A estrada é tão ---------------------, que só passa um carro por vez. (estreitinha,

estreitazinha, outras variações______________).

21) O --------------------------- da minha filha é um amor de pessoa. (namoradinho, namoradozinho, outras variações_____________).

B) Marque a frequência de uso das palavras de acordo com a legenda abaixo:

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(P) Pouca frequência (M) Muita frequência (N) Não usa

( ) caminha ( ) baixinha ( ) canetinha ( ) historiazinha ( ) desconfiadinha ( ) bainho ( ) camazinha ( ) bonitinho ( ) alegrinha ( ) camazinha ( ) beijinho ( ) homenzinho ( )filhinho ( ) escolinha ( ) telhadozinho ( ) simpaticozinho ( ) magrozinho ( ) paizinho ( ) mãezinha ( ) bonitozinho ( ) alegrezinha ( ) mainha ( ) espertinha ( ) Mariinha ( ) professorazinha ( ) magrinho ( ) queridazinha ( ) Mariazinha ( ) simpatiquinho ( ) magrinho ( ) folhinha ( ) espertazinha ( ) brinquedinho ( ) vidrinho ( )desconfiadazinha ( ) banhozinho ( ) espertíssima ( ) rapidinho ( ) marmitinha grandinho ( ) apartamentozinho( ) agorinha ( ) pimentinha ( ) apartamentinho ( ) argumentinho ) ( ) rapidinho ( ) criancinha ( ) professorinha ( ) alegrinha ( ) grandinho ( ) queridinha ( ) cestinha ( ) comidinha ( ) aulinha ( ) comidazinha ( ) aulazinha ( ) feinho ( ) aumentozinho ( ) devagarinho ( ) feiozinho ( ) pequenininha ( ) devagarzinho ( ) pequeninazinha ( ) folhinha ( ) santozinho ( ) escolazinha ( )argumentozinho ( ) aumentinho ( ) painho ( ) santinho banhozinho ( ) historinha ( ) bondinho ( ) canetazinha ( ) pimentazinha

4.3 ANÁLISE DOS TESTES – GRÁFICOS

O objetivo é verificar o comportamento dos diminutivos dos questionários

aplicados, a fim de se visualizar as acepções dos sufixos -inho(a) e -zinho(a) recolhidos

a partir do teste, feito com 40 informantes, 20 homens e 20 mulheres, com idade de 14 a

30 anos. Sendo participantes que têm o grau de escolaridade diferenciado: 10 homens e

10 mulheres que possuem nível superior e 10 homens e 10 mulheres com nível médio.

O questionário foi distribuído aleatoriamente para os estudantes e foi solicitado que

respondessem as questões.

Os valores no eixo y do gráfico equivalem à porcentagem.

0

10

20

30

40

50

Homem - nívelsuperior

Homem - nívelmédio

Mulher - nívelsuperior

Mulher - nívelmédio

-inho (a) e -zinho (a)1. Afetividade

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No gráfico um, constata-se que o uso do -inho(a) e -zinho(a) é mais elevado entre

as mulheres do nível superior e médio, que receberam respectivamente 29% e 48%. Em

menor proporção, os homens com nível superior, com 10 % e de nível médio, com 13%.

Como não houve ocorrência para o sufixo -zinho (a) afetivo, o gráfico de

afetividade dos formativos -inho (a) e zinho (a), será igual ao do sufixo -inho

afetividade.

O gráfico dois, apresenta a pejoratividade dos sufixos -inho(a) e -zinho(a) e

verifica-se que as mulheres ainda continuam com um percentual mais elevado em

relação aos homens. As mulheres com nível superior e médio receberam

respectivamente 41% e 36%. Ao passo que, os homens com nível superior, com 14 % e

de nível médio, com 9%.

0

10

20

30

40

50

Homem - nívelsuperior

Homem - nívelmédio

Mulher - níve lsuperior

Mulher - níve lmédio

- inho (a ) e -zinho (a)

2. Pejoratividade

0

10

20

30

40

50

Homem - ní velsuper io r

Ho mem - ní velméd io

M ulher - ní velsuper io r

M ulher - ní velméd io

-inho (a)3. Afetividade

Page 17: (a) e -zinho

O gráfico três é idêntico ao primeiro, pois não houve a ocorrência de -zinho(a)

afetivo.

Pelo gráfico quatro, percebe-se a pejoratividade do formativo -zinho(a) é elevado

em mulheres que têm nível superior, com 50%, seguido de 32% entre as mulheres com

nível médio. No entanto, apesar de ser menos freqüente, o uso deste sufixo entre os

homens, o percentual é maior entre os de nível superior em relação aos de nível médio,

respectivamente, 11% e 7%.

05

10152025303540

Homem - nívelsuperior

Homem - nívelmédio

Mulher - nívelsuperior

Mulher - nívelmédio

-inho (a)5. Pejoratividade

0

10

20

30

40

50

Homem - nívelsuperior

Homem - nívelmédio

Mulher - nívelsuperior

Mulher - nívelmédio

-z inho (a)4. Pejoratividade

Page 18: (a) e -zinho

O gráfico cinco apresenta a pejoratividade do sufixo -inho(a), entre homens e

mulheres do nível superior e médio. Pode-se constatar que o uso do formativo pelas

mulheres de nível médio, 39%, é maior do que o das mulheres de nível superior, com

32%. Da mesma forma, os homens com o nível médio, 16%, fazem uso do formativo

de maneira mais recorrente que os homens de nível superior, 13%.

Finalmente, o gráfico seis desta sequência apresenta o uso dos sufixos -inho(a) e

zinho(a) pelos informantes de uma maneira geral, e suas acepções pejorativas e afetivas.

Portanto, constata-se que o sufixo -inho(a) afetivo é bem mais recorrente, com 50%, no

entanto, não houve ocorrência do formativo -zinho(a) afetivo. Em relação à

pejoratividade dos sufixos, o -inho(a) teve 22% e o -zinho(a) apresentou 28%.

5. CONCLUSÃO

Pelo que foi discutido ao longo do artigo e apresentado nos gráficos, a partir do

questionário feito com os informantes, constata-se que a explicação das gramáticas

tradicionais e de alguns autores citados, em relação ao uso do -inho(a) e do -zinho(a)

carece de uma descrição mais detalhada.

0

10

20

30

40

50

-inho (a) afe tivo-zinho (a) afe tivo -inho (a)pe jorativo

-zinho (a)pe jorativo

6. -Inho (a) e -zinho (a)

Page 19: (a) e -zinho

Como foi dito anteriormente no decorrer do trabalho, os sufixos -inho(a) e -

zinho(a) estão em processo de gramaticalização, pois apesar do sufixo -inho ser uma

forma gramaticalizada, passou a ter variadas acepções, o que tornou sua gramaticalidade

ampliada. Acrescenta-se ao sufixo -inho(a), o formativo -zinho(a) que está adquirindo

propriedades gramaticais, pois está fazendo parte dos usos em contextos comunicativos

em que não era utilizado, de acordo com o propósito do falante. Portanto, o sufixo -

zinho(a) que era usado somente quando a base terminava em consoante, ditongo ou

vogal acentuada como em paizinho, florzinha, tatuzinho, passou a ser usado em outros

contextos dependendo da intenção do falante, por exemplo ao optar por menininha ou

meninazinha.

A partir do questionário realizado e dos gráficos, foi verificado que a opção de

uso de um ou de outro sufixo está associada à situação comunicativa, ao contexto em

que o formativo está inserido e com a real intenção do falante.

A pesquisa mostrou que é mais recorrente o uso do sufixo -inho(a) entre as

construções de maior afetividade e que a opção pelo formativo -zinho(a) está associada

à acepção de maior pejoratividade. Muitas vezes, o formativo -inho(a) também é

utilizado com sentido pejorativo, porém com mais frequência entre os falantes com

nível médio. Nota-se também que para o sufixo -zinho(a) com sentido afetivo, não

houve ocorrência.

O trabalho constatou que o sufixo -inho(a) é mais usado pelos homens e mulheres

do nível médio, no entanto as mulheres com nível superior também utilizam tal

formativo, porém com menos frequência. Contudo, é mais notável a ocorrência do

formativo -zinho(a) pelos homens e mulheres com nível superior. Percebe-se também

Page 20: (a) e -zinho

que as mulheres que apresentam o nível médio também usam o formativo -zinho(a),

porém com menor frequência, se comparada às mulheres com nível superior.

Recebido em setembro de 2009

Aprovado em outubro de 2009

6. REFERÊNCIAS

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Page 21: (a) e -zinho

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