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O presente artigo discute os supostos da “dissolução da comunidade” e da “ausência de uma identidade mais clara” entre os moradores da aldeia de Beuningen, próxima à cidade de Nij- megen, ao leste da Holanda. Essas hipóteses, an- teriores à minha chegada, estavam expressas no diagnóstico de um projeto sobre Beuningen: 1 tra- tava-se de uma região em processo de transição, o que tornava problemática sua caracterização como uma área rural ou urbana, e que vinha pas- sando por uma diversificação de grupos sociais – dos antigos fazendeiros locais aos moradores mais recentes (em geral, da alta classe média), além de pequenos empresários e habitantes mais antigos (de menor poder aquisitivo) –, configu- rando, segundo o projeto, uma “cultura não uni- forme”, com diferenças quanto às trajetórias em- pregatícias e residenciais, às atitudes diante da vida e até quanto aos hábitos alimentares. Um dos desafios, portanto, era compreender melhor tal dinâmica social, visando à formulação de no- vos estímulos para uma “continuidade cultural” no local, por meio da criação dos elos e cone- xões possíveis entre esses diferentes grupos (cf. Venhuizen e Timmermans, 2000). A idéia de que Beuningen estava se tornado uma “cidade dormi- A DISSOLUÇÃO E A REINVENÇÃO DO SENTIDO DE COMUNIDADE EM BEUNINGEN, HOLANDA * Heitor Frúgoli Jr. * Trabalho apresentado na XXIII Reunião Brasileira de Antropologia, no fórum de pesquisa “Cidades, representações e experiência social”, em Gramado, jun. 2002, e no XXVI Encontro Anual da Anpocs, no grupo de trabalho “Cidade, metropolização e gover- nança urbana”, em Caxambu, out. 2002. Agradeço a Hans Venhuizen, Maureen Timmermans, Piet Sne- laars, Paul Meurs, John Spindler, Selmo Norte, Sonia Kane, Cleisa Rosa e a todos os entrevistados. Sou também grato aos valiosos comentários de Geert Banck e Tony Robben e dos colegas quando da apresentação deste estudo. Artigo recebido em novembro/2002. Aprovado em maio/2003. RBCS Vol. 18 nº. 52 junho/2003

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O presente artigo discute os supostos da

“dissolução da comunidade” e da “ausência de

uma identidade mais clara” entre os moradores

da aldeia de Beuningen, próxima à cidade de Nij-

megen, ao leste da Holanda. Essas hipóteses, an-

teriores à minha chegada, estavam expressas no

diagnóstico de um projeto sobre Beuningen:1 tra-tava-se de uma região em processo de transição,o que tornava problemática sua caracterizaçãocomo uma área rural ou urbana, e que vinha pas-sando por uma diversificação de grupos sociais –dos antigos fazendeiros locais aos moradoresmais recentes (em geral, da alta classe média),além de pequenos empresários e habitantes maisantigos (de menor poder aquisitivo) –, configu-rando, segundo o projeto, uma “cultura não uni-forme”, com diferenças quanto às trajetórias em-pregatícias e residenciais, às atitudes diante davida e até quanto aos hábitos alimentares. Umdos desafios, portanto, era compreender melhortal dinâmica social, visando à formulação de no-vos estímulos para uma “continuidade cultural”no local, por meio da criação dos elos e cone-xões possíveis entre esses diferentes grupos (cf.Venhuizen e Timmermans, 2000). A idéia de queBeuningen estava se tornado uma “cidade dormi-

A DISSOLUÇÃO E A REINVENÇÃO DOSENTIDO DE COMUNIDADE EM BEUNINGEN, HOLANDA*

Heitor Frúgoli Jr.

* Trabalho apresentado na XXIII Reunião Brasileirade Antropologia, no fórum de pesquisa “Cidades,representações e experiência social”, em Gramado,jun. 2002, e no XXVI Encontro Anual da Anpocs, nogrupo de trabalho “Cidade, metropolização e gover-nança urbana”, em Caxambu, out. 2002. Agradeço aHans Venhuizen, Maureen Timmermans, Piet Sne-laars, Paul Meurs, John Spindler, Selmo Norte, SoniaKane, Cleisa Rosa e a todos os entrevistados. Soutambém grato aos valiosos comentários de GeertBanck e Tony Robben e dos colegas quando daapresentação deste estudo.

Artigo recebido em novembro/2002.Aprovado em maio/2003.

RBCS Vol. 18 nº. 52 junho/2003

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tório”2 – sobretudo com a chegada cada vez maisintensa de novos moradores que trabalham emoutras cidades, principalmente Nijmegen – deviaser investigada no sentido de descobrir sua “novaidentidade”. Parte desse diagnóstico, bem comocertos objetivos do próprio projeto a partir doqual se originou esta reflexão serão discutidos aolongo deste artigo, com base na minha pesquisade campo no local.3

Referências teóricas

Antes de entrarmos nos dados etnográficospropriamente ditos, é necessário situar algumasreferências conceituais, sobretudo quanto aotema da comunidade – presente não apenas noprojeto, mas recorrente em vários depoimentos –,já que tal conceito envolve múltiplos sentidos eas críticas quanto ao seu uso em pesquisas já sãode longa data. Como se trata de uma discussãoampla, cabe situar apenas os tópicos essenciais,centrados a princípio no contraponto entre co-munidade e sociedade e, de forma correlata, en-tre campo e cidade.

Desde ao menos os meados do século XIX,época da emergência da sociedade moderna,4

urbana e industrial, o tema da comunidade cons-titui uma espécie de contraponto societário àmodernização. Já na reflexão sociológica dessafase, vários autores analisavam a comunidadesob uma tipologia social marcada em geral porgrupos de pequena escala, que estabeleceriamrelações solidárias, coesas, pessoais, espontâ-neas, cotidianas e permanentes, em que se con-figurariam certas identidades comuns – com aconsciência ou sentimento do “nós”, em oposi-ção aos “outros” – propícias à prática da “vidaem comum” e do associativismo.5

Esse quadro, baseado numa espécie de “nar-rativa da perda”, permitia pensar, por oposição, asvárias faces do mundo moderno em constituição,assinalado por novas formas de organização socialem que vinham predominando as relações formaise de interesse, os acordos contratuais, a lógica domercado, a competição individual e as multidõesurbanas e anônimas (cf. Fernandes, 1973).

Assim como a noção de comunidade se re-vestiu de aspectos idealizados de um passado decerta forma inexistente, o campo também acaboupor assumir sentidos correlatos, numa espécie derecuo imaginário e por vezes bastante conserva-dor – como mostra Raymond Williams no caso daliteratura inglesa da passagem do século XIX parao XX –, a uma vida supostamente mais pacífica,inocente e virtuosa, ante um contexto de mudan-ças aceleradas, marcado pela “tensão de uma so-ciedade cada vez mais intrincada e interdepen-dente” (cf. Williams, 1989 [1973], pp. 11 e 341).6

Boa parte do imaginário da época sobre as cida-des remetia-se então ao vício, à decadência, àsmassas anônimas, cujo temor reforçava por vezescríticas arcaizantes, que pregavam o retorno aocampo ou a pequenas cidades (cf. Schorske,2000, pp. 53-72).

Dessa forma, a tensão entre comunidade –como reconstrução simbólica de um suposto pas-sado perdido – e sociedade moderna tem de cer-ta forma se mantido recorrente até o presente, ob-viamente sob distintas sínteses e ressignificações,tanto no campo das representações sociais, comonas formas concretas com que certos grupos so-ciais buscam se situar e se organizar dentro da ci-dade. Ou seja, a noção de comunidade persistecomo uma espécie de referência simbólica – de-sejada ou imaginada –, mas é preciso também en-focá-la como uma estratégia discursiva articuladaa determinadas práticas concretas, vinculadas, porsua vez, a objetivos políticos, por vezes difusos,em outros casos, bastante definidos. Isso se dápor razões distintas e muitas vezes envolve gru-pos marginalizados e de menor poder aquisitivo –como, por exemplo, migrantes que tentam recriarcomunidades marcadas pela origem comum, oufavelados que tentam se organizar comunitaria-mente, na luta pela obtenção de equipamentosurbanos coletivos (cf. Durham, 1973; Kowarick,2000; Banck, 1998). Mas isso também tem nortea-do, com dinâmicas peculiares e distintas, a busca,por parte de grupos de maior poder aquisitivo, deespécies de comunidades em torno de moradiasnas “bordas” das cidades modernas, ou mesmoem espaços seletivos e auto-segregados no inte-rior da própria cidade.

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Tendo em vista esse último caso, é impor-tante ressaltar, com um pequeno recuo histórico,a procura, no plano citadino, de espaços ao mes-mo tempo urbanos, mas a salvo de seus “males”.Já no final do século XVIII tivemos na Inglaterrao desenvolvimento das country villas, primeira-mente nos arredores de Londres, voltadas às clas-ses sociais de maior poder aquisitivo e identifica-das por um certo “estilo de vida” – gentlemanlymanner – à busca de um “retiro” numa segundaresidência, mais próxima da atmosfera “românti-ca” do campo. Já no início do século XX, pode-semencionar as primeiras garden cities inglesas, emque grandes empresas imobiliárias assumiram aconstrução e a administração de verdadeiros bair-ros suburbanos planejados, com casas situadasem ruas sinuosas que cortavam áreas bastante ar-borizadas (cf. Girouard, 1985, pp. 277-284 e 351-353; Marins, 1998, pp. 180-187).7

Já nos Estados Unidos, criaram-se ao longodo século XX os subúrbios, em que uma grandeparcela das classes médias brancas passou a habi-tar para fugir das áreas mais centrais – marcadascada vez mais pela concentração de “problemasurbanos” (no caso, concentrações étnicas, violên-cia e deterioração) –, em busca da casa própriaem bairros apenas residenciais, com pequenadensidade populacional, em áreas distantes dotrabalho – conectadas diariamente graças ao auto-móvel –, o que resultou em vastos espaços queesgarçaram as fronteiras urbanas, sem vida públi-ca significativa, segregados em termos de renda,etnia e estilo de vida (cf. Jackson, 1985).

Para além dessa complexidade, os desdobra-mentos contemporâneos desse fenômeno abremnovas questões também desafiantes. A dinâmicametropolitana mais recente tem acarretado o des-locamento de grupos de razoável poder aquisiti-vo para distintos tipos de áreas de moradia nas“franjas urbanas”, com destaque para as gatedcommunities, presentes em cidades como Los An-geles, São Paulo ou Johannesburgo, marcadas emgeral por fortes sistemas de isolamento, proteçãoe vigilância, decorrentes, de um modo geral, deuma proximidade geográfica tensa entre classessociais e etnias diferenciadas, num contexto mar-cado por altos índices de violência urbana (cf.

Davis, 1990; Caldeira, 2000; Landman, 2000). Issoentretanto não se aplica com precisão ao presen-te caso, pois em Beuningen e, de um modo geral,em outras cidades holandesas, os grupos sociaismais privilegiados não formam espaços isoladospor rígidos sistemas de segurança, uma vez quenão há no país um contexto de desigualdades so-ciais tão flagrantes, além de índices bem menoresde ocorrências violentas, apesar de crescentes (cf.The Economist, 2002).

Em muitos desses novos empreendimentos,deve-se frisar como o próprio mercado imobiliáriotem explorado e mesmo forjado uma idéia positivada “vida em comunidade” aos moradores, incorpo-rando tal tema como estratégia de marketing. Ain-da que essa prática não seja recente, já que se fazpresente ao menos desde certos projetos de gar-den cities (cf. Girouard, 1985, p. 352), é importan-te compreender como ela assume novas formas aolongo do desenvolvimento urbano. É o caso dasatuais edge cities (“cidades de contorno”) dos Esta-dos Unidos, que, dada a proliferação de empregosdo setor terciário moderno nas próprias áreas su-burbanas – como ocorre no sul da Califórnia –, fixaos habitantes nesses locais, na dupla condição demoradores e trabalhadores, e incentiva-os a se or-ganizar comunitariamente para a resolução de seusproblemas, reforçando assim o caráter associativopresente na sociedade norte-americana (cf. Gar-reau, 1991). Tais fenômenos têm acentuado a se-paração desses espaços para com o resto da cida-de, incluindo os movimentos de “desanexaçãourbana”, no qual os moradores vêm se organizan-do, utilizando instrumentos democráticos, masafim de se autonomizar e de acentuar a diferencia-ção e a exclusividade desses territórios com rela-ção aos arredores (cf. Holston e Appadurai, 1996).

Se as oposições costumeiras entre comuni-dade e sociedade devem ser alvo de problemati-zação, de modo correlato deve-se atentar aos con-trapontos aparentemente simples entre o rural e ourbano, tendo em vista a dificuldade recorrenteem separar de forma nítida ambos os planos,como a que foi enfrentada em certos momentosda presente pesquisa. Como abordarei adiante, aEscola de Chicago estabeleceu a partir dos anosde 1920 um claro contraste entre campo e cidade,

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introduzindo o estudo da cultura urbana comoalgo totalmente distinto dos hábitos e herançasrurais, o que influenciou muitos estudos a partirde então. Os cruzamentos entre campo e cidade,entretanto, supõem inúmeras sínteses, pois se atéaqui focalizamos sobretudo fenômenos de absor-ção do “campo” pela “cidade”, em outros contex-tos pode ocorrer justamente o contrário, comomostra Canclini quanto a vários processos ocorri-dos na África, na Ásia e na América Latina – emque se costuma dizer que “as cidades foram inva-didas pelo campo” –, resultando em pontos de in-terseção entre o urbano e o rural que não podemser entendidos em termos de simples oposição(Canclini, 1997, pp. 349-350). Pensando no cená-rio brasileiro,8 um contexto evidentemente distin-to da presente pesquisa, regiões situadas na fron-teira entre o campo e uma urbanização precária,como em São Paulo, já chegaram a ser chamadas,na passagem dos anos de 1970 para os de 1980,de áreas “rurbanas”.

Na França, o termo rurbanisation tem as-sumido um sentido, ao contrário dos casos acima,de “invasão da cidade pelo campo”, dada umanova busca, a partir dos anos de 1970, de um “es-tilo de vida” mais próximo da “atmosfera rural”por parte de setores médios e superiores, nova-mente promovido por grandes empresas imobiliá-rias. De toda forma, tendo em vista o crescenteentrelaçamento entre o rural e o urbano – em vir-tude da forte presença em ambos de sistemas deprodução e distribuição, do setor terciário e dasmodernas formas de comunicação –, prefere-seneste contexto falar, em geral, de uma hegemoniaurbana, em vez da antiga dicotomia rural-urbano(cf. Raulin, 2001, pp. 69-72).9

Cabe ainda abordar um tema não menoscomplexo, relativo aos estudos de comunidade,embora não se pretenda fazer no espaço restritodeste ensaio um balanço dessa produção. Parteda reflexão da antropologia urbana tem sido mar-cada pela preponderância da contraposição entrecampo e cidade, desde a formulação do conti-nuum folk-urbano, a partir do estudo etnográficode Robert Redfield sobre a aldeia mexicana de Te-poztlán (cf. 1974 [1930]), tendo recebido maiorprofundidade teórica em abordagens posteriores

(cf. Redfield 1947, 1953, 1955). Em linhas gerais,uma sociedade do tipo folk constituiria para Red-field uma típica “comunidade”, marcada, de modogeral, por um relativo isolamento, divisão de tra-balho pouco desenvolvida – com um conjunto ra-zoável de atividades comunais –, pequena mobi-lidade tanto física como social e preponderânciada dimensão sagrada e religiosa (cf. Hannerz,1980, pp. 60-61). Isso contrastaria, por sua vez,com o universo urbano delineado por LouisWirth, também da Escola de Chicago, no qual asmarcas predominantes seriam a heterogeneidadede grupos sociais, a densidade de interações so-ciais, o predomínio crescente de relações formaise burocráticas, um maior isolamento individual, anuclearização da família e a secularização (cf.Wirth, 1987 [1938]; Hannerz, 1980; Oliven, 1985).

Como se sabe, os trabalhos de Oscar Lewis(1951 e 1965) criticaram de maneira contundente ocontinuum folk-urbano e a todas as suas decorrên-cias, abrindo com isso novas perspectivas na antro-pologia urbana. Sua etnografia, realizada dezesseteanos depois na mesma Tepoztlán, contrapôs-se àidéia de uma comunidade homogênea, isolada esuficientemente integrada, ao dar visibilidade a vá-rios conflitos internos – ligados, entre outros, à prá-tica política e à posse da terra – além de admitirmudanças em curso, embora não necessariamentevinculadas à urbanização. Nesse sentido, a idéia deuma mudança cultural progressiva do pólo docampo para o da cidade deveria ser substituídapela noção de uma crescente ou decrescente hete-rogeneidade dos elementos culturais inerentes àprópria comunidade, evitando-se assim um ap-proach evolucionista, ainda que numa crítica mar-cada por outros limites inerentes ao enfoque cultu-ralista. Mesmo a idéia de contatos primários epessoais, que predominariam na cultura folk, pode-riam ser contrapostos por um razoável grau de for-malismo e impessoalidade, antes creditados porRedfield e Wirth principalmente ao contexto da“cultura urbana” (cf. Hannerz, 1980).10

Apesar dessas críticas, vários estudos de co-munidade posteriores padeceram de novos pro-blemas, advindos sobretudo de uma perspectivaculturalista ainda problemática. Mesmo tendo au-

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xiliado a definir contextos etnográficos mais pre-cisos e a propiciar abordagens mais sistemáticas,baseadas em pesquisas de campo detalhadas queampliaram o conhecimento sobre tais realidadessociais, muitos estudos de comunidade carecemde uma articulação mais consistente entre o con-texto pesquisado e a totalidade social mais ampla,além de não contemplarem claramente os temasda mudança social e dos conflitos (cf, Woort-mann, s. d.). Como aponta Woortmann, uma dassuperações desses impasses residiria em definirproblemas mais claros, em vez da busca incertade um isolado empírico articulado internamentepor uma suposta totalidade integrada (Idem, p.112). Para além dos problemas apontados, sobre-tudo quanto à posição funcionalista não só da “in-tegração das partes no todo”, mas também da“presença da totalidade nas partes”, que obscure-cem uma compreensão plena da relação dos con-textos estudados com a realidade mais ampla, Du-rham também alerta para a falta de umaproblematização mais delineada nos estudos decomunidade no que diz respeito à relação entresujeito e objeto, com a produção de um conheci-mento bastante colado às “representações nati-vas”. Isso, entretanto, levou a que determinadosestudos antropológicos posteriores construíssem,por assim dizer, abordagens etnográficas aindainspiradas no funcionalismo, mas com interpreta-ções de cunho marxista – dada inclusive a cres-cente politização dos grupos pesquisados –, coma utilização de conceitos apenas alusivos numaperspectiva muito marcada por “deslizes semânti-cos” (cf. Durham, 1986), que gerou novos proble-mas para a disciplina.

É oportuno mencionar, nesse sentido, a im-portância da obra Os estabelecidos e os outsiders,de Elias e Scotson (2000 [1965]), estudo de umapequena cidade no interior da Inglaterra na passa-gem dos anos de 1950 para os de 1960, relativa-mente homogênea – sem nítidas diferenças declasse social, inserção profissional ou origem étni-ca –, mas com uma configuração de poder que de-limitava uma forte separação entre dois grupos –os “antigos” (moradores a partir das décadas de1920 e 1930) e os “novos” (inicialmente imigrantes

que ocuparam uma nova área a partir dos anos de1930 e, depois, vários desabrigados da SegundaGuerra Mundial). Essa demarcação baseou-se emcritérios de tempo de moradia e de inserção nasredes tradicionais de solidariedade, que funda-mentavam uma hierarquia classificatória excluden-te para com os moradores mais recentes – os “fo-rasteiros” –, estigmatizados de várias formas. Talabordagem mostra como certos tipos de integra-ção comunitária se articulam diretamente com for-mas específicas de coerção e opressão, ou seja, háaqui uma originalidade ao se estabelecer nexosentre certos fundamentos simbólicos da formaçãode um senso de comunidade ou de pertencimen-to com estratégicas políticas de dominação de umgrupo “coeso” sobre outros grupos “menos coe-sos”, com uma clara “configuração de poder”.

No caso de Beuningen, ainda que em circuns-tâncias muito distintas, ocorre também uma espéciede conflito, mais brando e menos explícito, entre osmoradores mais velhos e os mais recentes, aindaque sejam os últimos que detenham, nesse contex-to, maior poder aquisitivo e estejam mais organiza-dos coletivamente. Isso tem levado a embates queno plano discursivo remetem, no caso dos antigosmoradores, a uma dimensão utópica situada numpassado em que realmente teria existido uma “coe-são comunitária, cooperativa e solidária”, em parteperdida devido à chegada dos novos habitantes; es-ses últimos, entretanto, estão mais “coesos” e orga-nizam-se de forma bastante pragmática, tambémacionando a existência de uma (nova) comunidade,voltada à obtenção de recursos e benefícios queatendem a interesses bastante particulares e que im-põem uma perda à aldeia como um todo, ou seja,uma comunidade muito fundada numa diferençaque se acentua com relação aos demais grupos lo-cais, como se verá a seguir.

Estudo de caso: Beuningen, Holanda

Consolidação da urbanização e mercado imobiliário: os novos moradores

Há vinte anos atrás, a população das quatroaldeias da região, situadas a oeste de Nijmegen –

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Weurt, Beuningen, Ewijk e Winssen (que juntasformam o município de Beuningen) –, era de apro-ximadamente 16 mil habitantes, com uma médiade 5 pessoas por casa e cerca de 200 fazendeiros,numa área ainda basicamente agrícola. Hoje essapopulação saltou para 26 mil (num crescimentoacima de 60% em duas décadas), com uma médiade 2,5 moradores por casa (as moradias aumenta-ram em 225% no mesmo período) e uma reduçãopara apenas cinqüenta fazendeiros (25% do núme-ro anterior), que enfrentam sucessivas crises e sãocada vez mais dependentes de subsídios governa-mentais).11 Configura-se, também em termos demo-gráficos, uma área em transição para um contextourbano ou, em outras palavras, para uma determi-nada hegemonia urbana.

A aldeia de Beuningen vem sendo a princi-pal responsável por esse aumento populacional.Há duas décadas ocorreu o primeiro crescimentoimobiliário na região, fruto então da ação do Es-

tado, que construiu milhares de casas populares,atraindo uma parcela da população mais pobrede Nijmegen, que passou a conviver com a popu-lação rural local. Na década de 1990, entretanto,deu-se um novo ciclo de crescimento com umadinâmica distinta, já que vinculada a um processomais amplo de diminuição da participação do po-der público na área habitacional e fortalecimentodo papel do mercado imobiliário, com a constru-ção de casas mais caras, destinadas a um públicode maior poder aquisitivo.12

Assim, se o primeiro ciclo de crescimentoestava articulado ao II Plano Nacional de Desen-volvimento Espacial, de 1966, no qual o governoholandês “[...] anunciou uma política para criarnovas moradias principalmente nas periferias eem ‘cidades-satélites’ em volta dos grandes cen-tros urbanos”, o segundo ciclo guarda relaçãocom o IV Plano, de 1988, viabilizado por coali-zões entre a direita e a esquerda e mais voltadoàs demandas de consumo e investimento das clas-ses médias, quando então “[...] a participação dopoder público na habitação diminui. Uma casa,anteriormente uma ‘honra ao mérito’, transfor-mou-se – do ponto de vista econômico – em mer-cadoria e objeto de especulação” (Van Dijk,1999/2000, pp. 9-10).

Em Beuningen, isso acarretou a vinda, a par-tir de 1990, de novos residentes, a maioria declasse média alta – 80% vindos da região de Nij-megen (cidade que tem por volta de 150 mil ha-bitantes) e os demais de outros locais num raio de50 km –, para habitar os bairros De Haaghe, DenBalmend e De Beuningse Plas. Esse grupo de no-vos moradores – cujas casas abarcam 70% dasconstruções locais dos últimos dez anos – podeser considerado o principal responsável por umasérie de mudanças na aldeia, além da introduçãode novas redes de relações sociais.13

Naquela região, muitos iniciaram nos anosde 1990 o que em inglês é conhecido como hou-sing career, investindo seja em casas cujo valoraumenta sensivelmente ao longo dos anos, sejaem compras e vendas sucessivas, para se chegara um padrão habitacional mais elevado.14 Obser-va-se nesses novos empreendimentos residen-ciais uma curiosa síntese das regras ainda estipu-

Vista aérea da aldeia de Beuningen, com o condomínio

Beuningse Plas no primeiro plano e o Rio Waal ao fun-

do (foto extraída de Beeldkwaliteitsplan Gemeente

Beuningen, 1995, p. 5).

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ladas pelo Estado – de herança modernista –quanto ao formato geral das residências, comuma certa flexibilidade – ante as demandas domercado – no que diz respeito à disposição devários componentes da casa ou mesmo quanto àescolha de alguns modelos de moradia, permitin-do-se a intervenção de arquitetos contratados in-dividualmente para projetarem alguns espaçosdomésticos, porém dentro das diretrizes geraisdo plano, o que ajuda compor uma determinadasegmentação, numa espécie de paisagem “pós-moderna” peculiar. O condomínio BeuningsePlas, projetado em 1988 e em fase final de cons-trução na época da pesquisa, contava em meadosde 2001 com aproximadamente 450 casas, comprevisão final do dobro desse número, nos trêsanos posteriores. Embora com poder aquisitivomaior do que a média dos moradores locais, osresidentes dali eram vistos pelos empreendedo-res como que formando uma mixed community– constituída por especialistas, médicos, técnicos,

professores universitários, jogadores profissionaisde futebol e outros –, não considerados assim umgrupo top, que ainda se pretendia atrair para a re-gião da aldeia vizinha de Ewijk, com a oferta fu-tura de casas ainda maiores e mais luxuosas.15

Mesmo que a diferença social e econômicaentre os novos e os antigos residentes não sejagrande – como no caso brasileiro dos condomí-nios residenciais situados em áreas periféricas16 –,o grau de interação desse novo grupo com a co-munidade já existente é efetivamente muito bai-xo. Alguns residentes mais antigos queixam-seque os novos moradores não têm quaisquer preo-cupações com as origens históricas e com a pre-servação da natureza da região – questão crucialna Holanda, em função da necessidade do con-trole constante do nível das águas dos rios da re-gião em épocas de chuva17 –, constituindo-se umaespécie de elite não comprometida com a aldeia.

Contraste arquitetônico: moradia tradicional e residên-

cias “pós-modernas” em Beuningen (fotos de Heitor

Frúgoli Jr.).Fundos de quintal no condomínio Beuningse Plas: a

busca recreativa da natureza (foto de Heitor Frúgoli Jr.).

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Segundo um desses moradores, somente a amea-ça de ocorrência, há seis anos atrás, de uma gran-de inundação da área, com riscos aos diques dorio Waal (ao norte de Beuningen), despertou anova população para esses temas, reforçando umprovérbio mais recente que, diante do declínio dotradicional espírito de cooperação holandês, “sóas tragédias parecem aproximar as pessoas”.18

Outros residentes, todavia, reconhecem queos novos moradores não dispõem de tempo paraestabelecer vínculos em Beuningen, já que pas-sam a maior parte dos dias úteis no local de tra-balho, a maioria em Nijmegen, e apenas pernoi-tam na aldeia,19 preferindo gozar o fim-de-semanaem casa ou em atividades de recreação locais.20

Isso reitera e amplia um outro modo, já referido,de a população local caracterizar a região como“cidade-dormitório”, ou seja, a visão de “cidade-lazer”, em que a natureza é antes tudo encaradaem termos recreacionais.21

Isso não resume, entretanto, a visão que opróprio grupo dos mais recentes residentes – amaioria, como já foi referido, com empregos de altarenda – tem a respeito de sua inserção no local. Se-gundo um dos porta-vozes dos moradores do Beu-ningse Plas, quando em 1997 as primeiras casas fo-ram ocupadas, sentia-se a necessidade de umaorganização comunitária para fortalecimento inter-no, ante a demanda por uma série de melhorias.22

A propósito, é interessante frisar como muitas vezesum tipo de organização comunitária surge não emfunção das promessas dos empreendedores imobi-liários, mas para dialogar com os mesmos em po-sição de força, por compromissos não cumpridosou por demandas concretas.23 Isso levou à criaçãode um comitê formado por 222 moradores paranegociações tanto com o governo local comocom os construtores em torno de itens como ob-tenção de licenças para construções adicionais,compromissos quanto a novos equipamentos pú-blicos, muros adicionais, sistema de aquecimento,segurança em geral, proteção para as criançascom relação à água etc. Segundo Merks, um dosrepresentantes desse comitê, logo que os primei-ros moradores vieram para aquela área, “ainda sóhavia vacas no entorno”. Durante um certo perío-do, cerca de 25 pessoas atuaram de forma ativa

pela obtenção desses equipamentos urbanos, sen-do que no momento da entrevista, anos depois, amobilização estava bem menor. Ao que parece,há um certo grau de sociabilidade entre os vizi-nhos, embora somente se observe uma mobiliza-ção mais visível quando estão em jogo interessesdiretos dos moradores. Para eles, a natureza cir-cundante constitui um inegável fator de atração, epretende-se que esse condomínio seja o mais bo-nito local de moradia de toda a área, mas, na rea-lidade, esses moradores têm muito pouco interes-se por questões mais abrangentes ligadas àecologia. Tal evidência revela-se inclusive na falade Merks sobre uma fábrica de incineração delixo das cercanias, criticada por muitos pela polui-ção diária, mas que não incomodaria os morado-res desse bairro, já que “o vento leva o mau chei-ro, durante a maior parte do ano, para outradireção”.24

Nesse sentido, enquanto se fala do enfraque-cimento dos laços comunitários tradicionais, osmoradores mais recentes vêm constituindo, da suaforma e em prol de interesses particulares, umaoutra espécie de comunidade, bastante exclusivis-ta e pouco preocupada com temas mais abrangen-tes. Ainda que não seja uma gated community,25

há certas práticas e valores compartilhados que seassemelham a esse tipo de comunidade.

Outras práticas e representações comunitáriasem Beuningen: os laços tradicionais em jogo

Há outros sinais de uma crescente urbaniza-ção, ou suburbanização, visíveis na constataçãoda fragilidade ou da dissolução dos assim chama-dos antigos laços comunitários. Atualmente, nosencontros da Fundação de Trabalho Social e Cul-tural local, é difícil definir atividades voltadas ademandas comuns ou consensuais da população,dada a crescente diversificação de interesses, típi-ca de contextos urbanos.26 Vários moradores maisantigos – os dorpelingen (aldeões) – costumamdizer, desorientados, que “Beuningen não é maisBeuningen”, e as autoridades locais, vez por ou-tra, lembram que “uma sociedade é mais do queapenas nossas casas”. Muitos fazendeiros do lu-gar, por outro lado, afirmam que “Beuningen ain-

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A DISSOLUÇÃO E A REINVENÇÃO DO SENTIDO DE COMUNIDADE... 115

da é a terra deles”. É corrente também a idéia deque, por um século, a igreja católica tivera um pa-pel importante no que diz respeito à manutençãodo senso de comunidade, num local onde aindahoje mais de 90% da população é católica (nãonecessariamente praticante) e cerca de 7 a 8% éprotestante,27 ainda que, segundo Reichelt – quetrabalha há vinte anos nessa Fundação e é seuatual coordenador –, desde a década de 1960 essainfluência venha se diluindo. Outros dizem queantigamente a comunidade local se organizava,por exemplo, em torno de festas, como o carna-val, mas não foi possível averiguar a dimensãodessa prática, tampouco as razões de seu declí-nio. Muitas das atividades promovidas pela Fun-dação, dada a carência de subsídios públicos,28

dependem do envolvimento sobretudo de mulhe-res em trabalho voluntário. Nos últimos quinzeanos, entretanto, tem aumentado sensivelmente aentrada feminina no mercado de trabalho, mesmoem áreas como essas.29 Constata-se um certo inte-resse, quanto aos adultos, em atividades ligadas àmúsica folclórica30 e ao teatro amador.31 Obser-vam-se, assim, práticas comunitárias pontuais eesparsas, permeadas por um discurso que remetemuitas vezes a um passado áureo e mais ativo eque reivindica a “verdadeira Beuningen” aos anti-gos moradores.

Em outra direção, o discurso policial sobreo aumento do número de ocorrências em Beu-ningen é revelador de uma faceta distinta da or-ganização comunitária local.32 Segundo Seerden,chefe do corpo policial local, tal índice vem cres-cendo porque, entre outros fatores, o controlesocial exercido pela coesão comunitária está di-minuindo, ou seja, se antes um acontecimentoum pouco mais grave podia ser mediado e resol-vido pela própria vizinhança, hoje, num contex-to de maior anonimato, necessita muito mais deintervenção policial.33

Quanto aos jovens, as atividades associativasmais recorrentes ocorrem nos esportes, com aprática do futebol, basquete e hóquei. Adolescen-tes da região costumam se queixar da falta depontos de encontro ou de atividades de lazer,com exceção das esportivas. Como não há quasenada para se fazer em Beuningen, por vezes ocu-

pam as ruas e, por causa do barulho que incomo-da os mais velhos, acabam ocasionalmente atrain-do a atenção da polícia.34 Ademais, não há esco-las secundárias em Beuningen, o que faz com quea socialização escolar se dê apenas em Nijmegen,cidade que também constitui um ponto de encon-tro dos jovens nos fins de semana, em bares e dis-cotecas. Isso acarreta, por vezes, o aumento deconsumo de álcool e de drogas leves, vendidasem oito coffee shops dessa cidade, além de envol-vimentos, bastante raros, em atos de delinqüên-cia.35 Nesse sentido, há um projeto do municípiode transformar parte do pequeno shopping a céuaberto de Beuningen em uma espécie de centrocultural, na tentativa de criar pólos de convivên-cia que concorram com os já existentes em Nijme-gen.36 De um modo geral, os moradores parecemconcordar com a necessidade de se criar espaçospara o público juvenil, com a ressalva de que issonão seja perto de suas casas.37

Assim, procurando mapear as diversas re-presentações locais sobre o tema “comunidade”,pude observar, durante minha curta estadia emBeuningen, que não há realmente o mesmo graude coesão, inclusive política, entre os habitantesmais antigos, comparando com o que já foi obser-vado sobre os novos residentes. Há casos de mo-radores mais conectados às origens históricas daregião, com uma visão crítica a respeito do recen-te desenvolvimento urbano na área, que apontama falta de um debate mais consistente sobre os ru-mos da ocupação na cidade, a crise agrícola, aperda gradativa de espaços abertos e públicos,a necessidade de se diferenciar o compromissocom o meio ambiente de uma visão da naturezacomo simples objeto de recreação e, por fim, umadiscussão da dependência do poder local aos no-vos empreendimentos imobiliários. Mas em virtu-de da debilidade dos laços sociais, essa posturanão se traduz em ação política, são apenas movi-mentos pontuais e sem continuidade.38

A questão da ecologia em Beuningen:o Groen Links

A única fazendeira que entrevistei em Beu-ningen tem um perfil talvez atípico em relação

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aos “moradores rurais”, já que possui uma fazen-da de gado com preocupações ecológicas, é for-mada em psicologia e trata, recebendo subsídiosdo governo, ex-dependentes de droga, que traba-lham voluntariamente na fazenda.39 Ainda quenão tenha sido possível aferir o perfil social deoutros fazendeiros, isso já é por si só revelador dacomplexidade que envolve o que pode ser consi-derado hoje o âmbito rural, no que diz respeitoaos inúmeros elos que esse meio mantém com ocontexto urbano.

Quanto às atividades comunitárias, o fatomais significativo é a participação dessa fazendei-ra no partido Groen Links, situado mais à esquer-da do espectro político e que defende propostasecológicas e ambientais. Contudo, esse partidonão tem uma grande ressonância social em ter-mos de engajamento da população local,40 mes-mo por parte da parcela mais preocupada comtemas ambientais.41

No prognóstico do Groen Links, toda a áreaa oeste de Nijmegen – onde está o município deBeuningen – constituirá nos próximos 25 anos, sehouver desenvolvimento econômico, uma grandeaglomeração de moradias e atividades industriais,com ausência de “áreas verdes”.42 Isso inclusive jáé uma realidade na aldeia da Weurt, vizinha a Nij-megen, próxima a uma área industrial e tambémao rio Waal, onde circulam muitos navios diaria-mente, por vezes com cargas perigosas. Em re-cente pesquisa, o partido constatou que 80% des-sa aldeia tem problemas advindos da poluiçãoindustrial, o que justifica ela ser conhecida comothe impossible village.43 Teme-se que, a longo pra-zo, se configure um quadro urbano ainda mais“dramático” em toda a região, já que está previs-to, ademais, a construção de um novo parque in-dustrial ao norte de Weurt, na margem oposta dorio Waal, que incluirá uma nova estrada entreWeurt e Beuningen, a ser conectada a um centrode transporte multimodal. Além disso, várias áreasrurais de Beuningen deverão estar completamen-te ocupadas por casas de alto padrão, com a jámencionada previsão de futuras moradias na re-gião vizinha de Ewijk, reforçando a alteração nacomposição social da população local e apontan-

do, por conseguinte, para o possível acirramentode sua “desintegração social”.44

Ainda segundo os membros do Groen Links,despertar a curiosidade sobre a natureza e desen-volver programas educacionais em torno da pre-servação ambiental é uma tarefa necessária e viá-vel na região, além de, potencialmente, poderaproximar os novos e os antigos residentes.45 Háentretanto obstáculos a serem superados, pois deum modo geral cada distrito tem sua própria esco-la, o que dificulta o contato entre os filhos dos no-vos residentes e os filhos dos antigos moradores.46

Embora a agenda vinculada à ecologia en-contre dificuldades para mobilizar a populaçãono sentido de uma organização comunitáriamais efetiva, pode-se afirmar a existência deum movimento ecológico na região, com práti-ca e discurso voltados para a defesa de temasambientais e que abriga tanto pessoas ligadasao “campo” quanto à “cidade”. Ainda que pos-sa representar, de certo modo, uma forma deresistência ao tipo de desenvolvimento urbanoem curso na região, o Groen Links talvez nãose fortaleça justamente por representar umacorrente, por assim dizer, “anti-urbana”. Pordefender a manutenção de “áreas verdes”, opartido é contra, por exemplo, certos investi-mentos produtivos,47 o que, de um lado, pre-servaria muitas regiões de um impacto ambien-tal destrutivo, mas, em última instância,poderia posicioná-las na contramão de um pro-cesso em curso – a urbanização do país.

Esse tema evidentemente exigiria um maioraprofundamento, pois também diz respeito às re-presentações que sobretudo fazendeiros e novosmoradores constroem sobre suas relações com anatureza. Em geral, os fazendeiros afirmam queexploram os recursos naturais em benefício da so-ciedade, o que legitima inclusive a utilização defertilizantes químicos, pesticidas, tratores e meca-nização da produção. Em contrapartida, os quevêm da cidade em busca do “campo” têm fre-qüentemente concepções românticas de uma na-tureza “intocada”, dotada de valor intrínseco, ouentão de “um campo como nos velhos tempos”,com fertilizantes naturais, uso de arados etc.48

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Breves apontamentos sobre as propostas urbanísticas do poder local

Se, como vimos, os antigos moradores e ou-tras forças locais não conseguem superar determi-nadas divergências no sentido da construção deuma articulação mais consistente em termos polí-ticos, o poder local, por sua vez, parece estar cen-trado basicamente no fornecimento de infra-estru-tura para os novos empreendimentos imobiliários.Seguindo de certa forma uma tendência nacional,optou-se por uma política habitacional voltadapara organizar e aperfeiçoar a implantação das ca-sas de médio e alto padrão – prática ideologica-mente identificada como a preocupação com“qualidade”, em vez de “quantidade” –, além deincrementar os arredores com uma ênfase inegá-vel ao lazer, que considera a natureza um espaçode recreação. Como propostas para o futuro, o po-der local pretende incentivar edificações reconhe-cíveis e identificáveis para evitar a padronização tí-pica dos subúrbios, procurando, além disso,“desfuncionalizar” as regiões, ou seja, impedir queBeuningen se torne apenas um local de moradia.Para isso, a criação de empregos é essencial, pormeio do incentivo ao incremento de atividades co-merciais ou então de uma aposta, num futuro maislongínquo, nos assim chamados “escritórios den-tro de casa”. Embora tais medidas façam parte doplano diretor, há muitos obstáculos práticos, maso principal problema reside na perspectiva de sealcançar apenas resultados duvidosos: sem entrarno mérito de todos os aspectos envolvidos, cabeobservar que não basta uma arquitetura “arrojada”ou “diferenciada” para evitar padronizações subur-banas49 e que, quanto à emergência de novos em-pregos, os chamados “escritórios em casa” tende-riam a privilegiar os novos residentes, reforçandoassim a diferenciação social que se observa emtoda região.50

Comentários finais

Num quadro em permanente mudança, comtransições de uma paisagem rural para um con-texto urbano e com fortalecimento do mercado

em detrimento do Estado, aqueles que mais sebeneficiam por esse processo – os novos residen-tes – são justamente os que têm conseguido se or-ganizar para fazer valer suas demandas diante dopoder local, o qual, aliás, muito já tem feito emfavor desses interesses. Em outras palavras, essesgrupos são mais capazes de articular, nesse con-texto, uma espécie de comunidade mais visível,qual seja, a de proprietários que valorizam os in-teresses privados, definidos em torno da casa edos arredores mais imediatos, sempre mais im-portantes que a cidade como um todo.

Este estudo de caso pode ser relacionadocom outras pesquisas sobre a busca de “ambien-tes campestres” por setores médios e altos das so-ciedades européias, já que há evidências de fenô-menos similares em curso não só na Holanda, mastambém em outros países, como França, Alema-nha, Suíça e Portugal. Dessa forma, é plausívelconsiderar a idéia de um processo socioculturalmais abrangente – levando em conta obviamenteas distintas configurações de cada caso –, envol-vendo especialmente grupos de classe média ealta que vêm se deslocando dos grandes centrosurbanos para espaços onde as dimensões urbanae rural estão razoavelmente entrelaçadas. Esse tipode migração é acompanhado por um discurso ouum imaginário fortemente marcado tanto pela crí-tica a aspectos negativos da cidade, como pelabusca de maior contato com uma “natureza” idea-lizada e, ademais, a existência de terrenos maisbaratos e a perspectiva de uma rápida valorizaçãoimobiliária podem compensar o ônus do desloca-mento cotidiano para o trabalho A mudança demodo de vida tem em vista sobretudo o lazer e arecreação, além de maior visibilidade e poder queesses grupos adquirem no novo espaço, organi-zando-se de forma comunitária para a defesa deseus interesses.51

Quanto aos grupos sociais e às instituiçõesmais antigas de Beuningen, observa-se, de umlado, a nostalgia de uma organização comunitáriaque, caso tenha realmente existido, já não há maisno presente. Isso, entretanto, exigiria um estudomais aprofundado, pois também é aceitável a hipó-tese de que se trata de uma memória coletiva viva,decorrente de graus significativos de convivência e

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coesão no passado, mas que hoje não mais repre-sentaria capitais social e cultural valiosos.52

De outro lado, as divergências políticas tam-bém impedem os antigos moradores de se organi-zarem para discutir os problemas e transformar seusvalores em práticas concretas, malgrado o surgi-mento de um tipo de movimento ecológico quetenta traduzir certas insatisfações em ações de re-sistência, mas que não consegue muita adesão emvirtude de uma concepção de não intervenção nanatureza que dá sentido à sua ação, mas que entraem conflito com outras representações sociais so-bre o tema.

A experiência propiciada por esta pesquisasuscitou a idéia de que a tentativa de se resgatara identidade ou o sentido de comunidade de umpovoado, típica de contextos tradicionais e situa-da em planos imaginários, precisa ser definitiva-mente repensada mesmo em contextos como oda presente abordagem, marcados por uma urba-nização incipiente. É preciso contemplar na aná-lise os conflitos existentes entre os diversos gru-pos sociais, cujo tempo de moradia, composiçãosocial e formas de coesão interna vêm definindoas práticas e sobretudo os discursos da popula-ção, revelando os embates por posições sociaisprivilegiadas em regiões que estão em fase demudança, como a estudada nesta pesquisa.

O tema da comunidade recoloca-se como umproblema nesse novo contexto, visto que o desen-volvimento da urbanização não significa a dissolu-ção desse conceito, mas uma mudança de perspec-tiva. A noção de comunidade persiste como umaestratégia discursiva, articulada a determinadas prá-ticas concretas, ambas vinculadas, por sua vez, aobjetivos políticos.

Estamos habituados a considerar extrema-mente positiva a organização política de comuni-dades, sobretudo quando se trata de gruposoriundos das classes populares. Contudo, não sedeve perder de vista que essa estratégia discursi-va pode estar sendo usada e acionada por gruposmais privilegiados, cuja coesão interna lhes con-fere maior visibilidade, garantindo a esses gruposo pronto atendimento de suas demandas, em de-trimento de outros interesses legítimos em jogo.

Nesse caso, estamos diante de um contextourbano efetivamente heterogêneo – o que nãoquer dizer que essa não seja também uma carac-terística do meio rural, mas sob outros ângulos –,assentado sob uma perspectiva plural de comuni-dade. Talvez o principal desafio nesse contextoseja evitar que uma comunidade específica dete-nha o monopólio das representações e das práti-cas sociais. Isso só é possível, evidentemente,com o desenvolvimento de uma esfera públicamais consistente, que permita estabelecer a comu-nicação e o debate entre as distintas posições,buscando romper os “muros simbólicos” que mar-cam a sociedade diversificada, a qual gradativa-mente vem se desenvolvendo em Beuningen.

NOTA

1 Trata-se de um projeto de arte pública, que visa à

intervenção em espaços no sentido de explicitar as-

pectos urbanos e sociais problemáticos e de apon-

tar soluções inovadoras, envolvendo a colaboração

multidisciplinar. Para mais detalhes, cf. Venhuizen e

Timmermans (2000) e Meurs (2001).

2 A expressão assume aqui um sentido muito distinto

do que representa no Brasil. Entre nós, também ex-

pressa a idéia de cidades desertas, porém pobres,

sem infra-estrutura ou em processo de decadência.

3 Este texto, que se originou parcialmente do relató-

rio de pesquisa traduzido para o holandês e publi-

cado na internet (Frúgoli Jr., 2001a), baseia-se, por-

tanto, em trabalho de campo realizado durante uma

semana de visitas e contatos com vários moradores

locais, ao final de março de 2001, numa consultoria

para o projeto “The invention of the wetland mo-

del”, organizado pelo Bureau Venhuizen, sob os

auspícios da Fundação Van Weurt tot Deest. Apesar

da grande coleta de dados que foi feita durante pes-

quisa, um estudo em profundidade exigiria mais

tempo, para se poder analisar outros aspectos sig-

nificativos do universo abordado e de seu cotidia-

no. Todavia, os encontros e, sobretudo, as entrevis-

tas com pessoas de diferentes grupos e instituições,

além da minha condição distanciada de estrangeiro,

permitiram-me reunir um razoável conhecimento

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sobre a realidade local. Cabe ainda comentar que,

ante o olhar europeu sobre países colonizados ou

periféricos, não deixa de ser curiosa a possibilidade

de um antropólogo brasileiro lançar seu olhar sobre

o contexto holandês, o que em parte foi possível

graças à tradição de intercâmbios na Holanda.

4 Dada a amplitude do tema, ver os termos enfoca-

dos por Berman (1986). Para uma crítica do concei-

to, cf. Latour (1999).

5 A esse respeito, ver Fernandes (1973) e, sobretudo,

os artigos de Tönnies (1973 [1887]) e Weber (1977

[1921]). Para as problematizações levantadas poste-

riormente, ver Wirth (1973 [1933]).

6 Por outro lado, a relação entre campo e cidade não

pode ser compreendida sem a contemplação de ou-

tras relações. Williams ressalta que o termo metró-

pole designava tanto uma grande cidade industrial

do século XIX (em contraponto às áreas rurais),

como as relações entre os países que se situam no

centro do poder econômico, político e cultural, e os

países subdesenvolvidos, ou seja, já era um concei-

to que abarcava relações de poder não só decorren-

tes do crescimento urbano, assim como de posições

de domínio no contexto internacional (1989 [1973],

pp. 374-375).

7 Como mostra Marins, o projeto original de Ebene-

zer Howard, pioneiro na criação das garden cities,

“era uma proposta de habitação suburbana para

classes médias e pobres, idealizada para atenuar as

precárias condições de moradia das grandes metró-

poles industriais inglesas”, ainda que, de um modo

geral – como se pode ver no caso de São Paulo –,

os bairros inspirados nas “cidades-jardins” não te-

nham sido efetivamente destinados aos mais pobres

(1998, pp. 181-187).

8 Neste contexto são claras as continuidades entre os

plano rural e urbano, se atentarmos, por exemplo,

para como esse tema foi discutido pelo pensamen-

to social brasileiro. Basta mencionarmos a ênfase de

Gilberto Freyre na “urbanização do patriarcalismo”

como uma das chaves explicativas da dinâmica cul-

tural de nossas cidades (cf. Freyre, 1961 [1936]).

9 Nesse caso, o espaço rural seria definido sobretudo

como um modo particular de utilização do espaço

e de vida social (cf. Kayser, 1990, p. 29).

10 Essa crítica encontra-se aprofudada numa aborda-

gem posterior, desta vez enfocando o modo de vida

de migrantes camponeses que viviam em áreas peri-

féricas da Cidade do México (Lewis, 1965), o que le-

vou o autor a tecer novas críticas, então centradas

nos pressupostos de Wirth quanto à cultura urbana.

Em linhas gerais, a comunidade formada por esses

grupos estava razoavelmente integrada à vida urba-

na e compunha redes familiares extensas e relativa-

mente estáveis, ao contrário do que se esperava

quanto a um suposto processo de “desorganização

social” que marcaria a vida urbana inicial desses gru-

pos. Ademais, a vida religiosa continuava fortalecida,

era recorrente a utilização do sistema de compradaz-

go – predominante no campo – em várias práticas in-

formais de sobrevivência e, por fim, muitos ainda re-

corriam ao uso de ervas e crenças domésticas no

combate às doenças (cf. Oliven, 1985, pp. 16-18).

11 Entrevista com o conselheiro municipal da cultura e

planejamento urbano, Guus van der Heijden, per-

tencente ao Partido Democrata-Cristão (Christen

Democratisch Appèl – CDA), em 26/3/2001. Todas

as entrevistas ou foram feitas em inglês, ou traduzi-

das do holandês para o inglês e vice-versa, por

Hans Venhuizen e Maureen Timmermans.

12 Entrevista com Van der Heijden (26/3/2001), cit., e

com Piet Snellaars, diretor do Departamento de Pla-

nejamento Espacial de Beuningen e secretário da

Fundação Van Weurt tot Deest, em 27 e 28/3/2001.

13 Cf. dados fornecidos por Snelaars em entrevista (27

e 28/3/2001), cit., e por entrevista com um dos por-

ta-vozes dos proprietários do condomínio Beuning-

se Plas, Robert Merks, gerente de vendas da indús-

tria de semicondutores, que trabalha em Nijmegen,

em 28/3/2001.

14 Em Beuningen, uma casa no valor de Df 200 mil (US$

77,8 mil) podia chegar a valer, quatro anos depois, Df

350 mil (US$ 136,1 mil). Na época da pesquisa, uma

casa em estilo “pós-moderno”, com área de 500 m2,

custava por volta de Df 600 mil (US$ 233,4 mil) (en-

trevista com Snelaars, 27 e 28/3/2001, cit.).

15 O custo dessas construções estava, na época, na fai-

xa dos Df 1 milhão (US$ 389,1 mil) (entrevista com

Snelaars, 27 e 28/3/2001, cit., e com Guido Wouter-

son, planejador urbano do Departamento de Plane-

jamento Espacial de Beuningen, em 28/3/2001).

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16 Refiro-me aqui sobretudo ao “modelo Alphaville”,

analisado por Caldeira (2000), atualmente em fase

de expansão nacional e internacional. Cf. Folha de

São Paulo, 13/1/2002, p. 1. cad. Imóveis.

17 Quase 25% do território holandês, área que abriga

cerca de 60% da população, está abaixo do nível do

mar. Grandes extensões do território foram con-

quistadas de zonas onde, antigamente, só existia

água (cf. www.holandahoje.com.br). Isso ajuda a

definir a peculiaridade tanto da natureza, como do

meio rural na Holanda.

18 Entrevista com Ecco Smith, engenheiro que trabalha

em Nijmegen, em 28/3/2001. Ele é porta-voz de um

grupo que critica os novos desenvolvimentos espa-

ciais em Beuningen.

19 Morar numa cidade e trabalhar em outra tem se tor-

nado corriqueiro na Holanda, dadas as pequenas

distâncias entre os grandes centros urbanos do país.

Cf. entrevista com Paul Meurs, em Frúgoli Jr. e Car-

tum (2000).

20 Existe um projeto para a construção de um lago

de 50 hectares com um pequeno porto, para o

uso de barcos, natação no verão, esqui no inverno,

pesca etc. Embora seja de acesso público, está pre-

visto uma conexão com o condomínio Beuningse

Plas, o que seria muito útil para os moradores, já

que eles usam barcos nos pequenos canais que li-

gam os fundos de quintais (entrevista com Snelaars,

27 e 28/3/2001, cit.).

21 Entrevista com Smith (28/3/2001), cit., com Snelaars

(27 e 28/3/2001), cit., e conversa informal com

Hans Venhuizen, coordenador do presente projeto.

22 Entrevista com Merks (28/3/2001), cit.

23 Foi o que ocorreu, por exemplo, no caso da Cele-

bration, uma comunidade totalmente planejada pela

Disney Corporation na Flórida, na qual os morado-

res tiveram muitos problemas com a empresa res-

ponsável pela construção das casas – atrasos na en-

trega ou vários defeitos de fabricação –, além de

regras inflexíveis arbitrando sobre detalhes como

possíveis mudanças nas fachadas que pudesse alte-

rar os estilos existentes. Essas circunstâncias leva-

ram então à criação de uma associação local de

proprietários, para fortalecê-los na dura negociação

com o setor imobiliário e com a própria Disney (cf.

Ross, 1999 apud Frúgoli Jr., 2001b).

24 Sobre a possibilidade da construção de um poço de

escavação de areia de 500 hectares ao sul de Wins-

sen, que se ligaria a um porto no rio Waal para

transporte do material, com inegáveis impactos am-

bientais, a posição também é explícita: “Sendo ho-

nesto, eu não estou nem aí, não me importo. Se isso

não está bem diante da nossa porta, nós não nos

importamos tanto” [“To be honest, I don’t give a

shit, I don’t care. If it’s not directly on the doorstep,

we don’t care so much”] (entrevista com Merks, tra-

dução do autor, 28/3/2001, cit.).

25 Na gated community configura-se um contexto de

violência urbana, o que é relativizado pelos dados

numéricos sobre criminalidade em Beuningen – em

geral, baixos em número absoluto, ainda que não

necessariamente em número relativo. Houve, por

exemplo, 370 arrombamentos e furtos de veículos

em 1999, além do roubo de 230 bicicletas, importan-

te meio de transporte no país (entrevista com Joop

Seerden, chefe do corpo policial de Beuningen, con-

cedida em 29/3/2001), o que, numa população de

26 mil habitantes, representa uma ocorrência para

cada setenta pessoas no período de um ano. Em Ba-

rueri, onde está situado o condomínio Alphaville,

houve, por exemplo, 889 furtos e roubos de veícu-

los em 2001 (cf. Sammogini, 2002, p. 5), mas a po-

pulação é de aproximada 208 mil habitantes, e, por-

tanto, tem-se uma relação de uma ocorrência para

cada 233 pessoas, no mesmo período. De toda for-

ma, essas estatísticas não permitem generalização,

ainda mais porque, nos crimes contra a pessoa, hou-

ve, em 2000, cinco estupros e somente um assassi-

nato em Beuningen (há quem diga que na Holanda

o assassinato de Pim Fortuyn, polêmico líder políti-

co ligado à extrema direita, em 6/5/2002, teria sido

o primeiro crime político no país após o assassinato

de Guilherme de Orange, no século XVI). Foram

também registrados 130 arrombamentos de casas em

1999, o que, provavelmente, levou a um aumento

do consumo de câmeras e dispositivos de seguran-

ça. Ainda assim, nenhuma menção mais explícita à

questão da violência apareceu nos depoimentos,

com exceção do discurso policial (entrevista com

Seerden, 29/3/2001, cit.).

26 É importante frisar que essa diversificação não se

articula, no caso de Beuningen, a nenhuma comu-

nidade ou enclave étnico significativo e visível, ao

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A DISSOLUÇÃO E A REINVENÇÃO DO SENTIDO DE COMUNIDADE... 121

contrário do que vem ocorrendo nos principais cen-

tros urbanos holandeses, com a presença, entre ou-

tros, de turcos e marroquinos, além dos suriname-

ses, antilhanos e caboverdianos (cf. Sansone, 1991).

Entretanto, a política holandesa de dar asilo a uma

grande parcela de refugiados, alocando-os em vá-

rias regiões do país, com assistência e acompanha-

mento por um período de dois anos, tornou regu-

lar o número de refugiados que aflui todo ano para

a região de Beuningen. Calcula-se que na época

houvesse por volta de 75 refugiados de origens ét-

nicas variadas que viviam no município de Beunin-

gen (apenas 0,2% da população total): entre 1995 e

1996 predominaram os bósnios; de 1997 a 1999,

cerca de 30% dos que chegaram à região eram cur-

dos do Iraque; e nos últimos cinco anos, presen-

ciou-se um número significativo de africanos da So-

mália e do Zaire (entrevista com Ramona, que

trabalha na Fundação de Refugiados de Beuningen,

em 29/3/2001). Em 2000, 43.890 pessoas solicitaram

asilo à Holanda, número suplantado apenas pelo

Reino Unido e pela Alemanha em toda a Europa

(cf. Folha de São Paulo, 20/2/2001, p. A11).

27 São números distintos da média nacional, em que

34,5% são católicos e 26,9%, protestantes (cf. Rossi,

2002, p. A13).

28 O orçamento anual da Fundação de Trabalho Social

e Cultural era, na época, de Df 80 mil (US$ 31,1 mil).

29 Com isso não se diz mais na Holanda expressões

como “viúvas verdes” ou “alcoólatras de sherry”,

atribuídas às esposas que antes ficavam sozinhas

nos lares e, de certa forma, “presas” nas aldeias

(com base em comentários de Geert Banck, da Uni-

versidade de Utrecht, ao presente trabalho).

30 Há uma fanfarra de Beuningen, fundada em 1934 e,

ao que parece, ainda ativa nos dias de hoje.

31 Cf. entrevista com Will Reichelt, coordenador da

Fundação de Trabalho Social e Cultural de Beunin-

gen, em 29/3/2001.

32 Ver a análise dos dados disponíveis em nota prévia.

33 A noção de comunidade é novamente acionada,

pautada aqui na idéia da necessidade de um “po-

liciamento orientado ou em parceria com a comu-

nidade”. Essa idéia já havia sido formulada há cin-

co anos como parte da política holandesa na área

da segurança, e passou a ser considerada neces-

sária também em Beuningen, já que, segundo o

chefe do corpo policial, a polícia estaria atuando

com equipamentos e recursos humanos insufi-

cientes, ao dispor de apenas um carro e quarenta

policiais para as quatro aldeias (entrevista com

Seerden, 29/3/2001, cit.).

34 Entrevista com Reichelt (29/3/2001), cit., e com Sne-

laars, (27 e 28/3/2001), cit. Segundo Seerden (entre-

vista em 29/3/2001, cit.), houve, em 1999, 240 quei-

xas contra distúrbios juvenis à ordem, número que

caiu para 130 em 2000, sendo que cerca de 70% des-

sas queixas se concentram na aldeia de Beuningen.

35 Entrevista com Reichelt (29/3/2001), cit., e com

Seerden (29/3/2001), cit. Como afirma Sansone,

“Hoje em dia nos Países Baixos o termo coffee-shop

refere-se a uma lanchonete sem licença de funcio-

namento, embora tolerada, geralmente de proprie-

dade informal e dirigida por um grupo de jovens.

As coffee-shops giram em torno da venda e do uso

de drogas leves [toleradas no país] e, de certo

modo, funcionam como pequenos clubes de assis-

tência a jovens” (1991, pp. 131-132).

36 Entrevista com Van der Heijden (26/3/2001), cit.

37 Entrevista com Snelaars (27 e 28/3/2001), cit.

38 Por vezes observa-se uma mobilização como, por

exemplo, a formação de uma comissão de oito mo-

radores de aldeias próximas – sobretudo acadêmi-

cos –, representando sessenta habitantes das cerca-

nias, para dialogar com o governo a respeito da

instalação do poço de escavação de areia ao sul de

Winssen. A mobilização visava a minimizar futuros

impactos ambientais que a construção e o funciona-

mento do poço inevitavelmente acarretariam (entre-

vista com Smith, 28/3/2001, cit.).

39 Com base em entrevista com Marlies Hermans, em

28/3/2001. Essa fazendeira é vista por alguns como

uma pessoa “esquisita”, talvez pelo fato de lidar

com drogados, ou nas palavras de alguns morado-

res da cidade, pelo costume de “comer numa mesa

suja” ou por “estar sempre mal-cheirosa”. Trata-se

de um tipo de construção estigmatizante que lem-

bra as observações de Norbert Elias (1990 [1939])

quanto à adoção de hábitos “civilizados” como de-

marcação de distinções sociais, nesse último caso

entre habitantes da cidade e do campo.

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40 Na época, a média nacional de eleitores do partido

era 7%, sendo a maioria de elevado nível educacio-

nal (universitários, educadores, médicos etc.).

41 Entrevista com Franz Houben, dirigente local do

partido político Groen Links, em 29/3/2001.

42 Trata-se de áreas onde não há planejamento de ati-

vidades, com exceção das regiões próximas aos di-

ques, protegidas pelo Estado (entrevista com Hou-

ben, 29/3/2001, cit.).

43 Entrevista com Houben (29/3/2001), cit., e com

Wouterson (28/3/2001), cit.

44 Entrevista com Houben (29/3/2001), cit.

45 Idem, ibidem.

46 Idem, ibidem.

47 A comissão que negociou com o governo sobre a

construção do poço de areia na região foi criticada

pelo dirigente local do Groen Links, Franz Houben,

por não ter combatido com mais vigor esse futuro

empreendimento industrial (entrevista com Houben

Houben, 29/3/2001, cit.).

48 Sou grato aos comentários de Tony Robben (Uni-

versidade de Utrecht) a esse respeito.

49 Ver, por exemplo, como as chamadas “paisagens pós-

modernas” não deixam de apresentar certos aspectos

homogeneizantes (cf. Frúgoli Jr., 2000, pp. 178-203).

50 Entrevista com Snelaars (27 e 28/3/2001), cit., e Van

der Heijden (26/3/2001), cit. Para Guido Wouterson –

da equipe de planejamento urbano de Beuningen,

que viera há um ano com a família da pequena ci-

dade de Leiden, em busca de melhor qualidade de

vida –, em Beuningen “o mundo agrícola estava

praticamente desaparecendo na região” e o “urba-

no e o rural seriam mundos separados” (entrevista

com Wouterson (28/3/2001), cit.).

51 Nesse sentido, foi esclarecedora a fala de Catherine

Bidou-Zachariasen (2002) no XXVI Encontro Anual

da Anpocs, quando comentou brevemente as pes-

quisas que realizou na França sobre o uso do espa-

ço urbano pelas novas classes médias. Em particu-

lar, em um estudo de caso sobre os significados da

organização associativa de um grupo de novos mo-

radores num pequeno vilarejo, a autora mostra que

esses moradores buscam reinventar tanto o espaço

urbano, como o papel político que desempenham

no local.

52 Agradeço novamente os comentários de Geert

Banck a respeito desse tema.

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A DISSOLUÇÃO E A REINVENÇÃODO SENTIDO DE COMUNIDADEEM BEUNINGEN, HOLANDA

Heitor Frúgoli Jr.

Palavras-chaveComunidade e sociedade; Rural e ur-bano; Mudança sociocultural.

A cidade de Beuningen conta, junto aoutros três povoados próximos, comuma população de 26 mil habitantes.Essa região sofreu um primeiro ciclode crescimento há duas décadas, pro-movido pelo Estado, e passa, atual-mente, por uma nova expansão imo-biliária no interior de um processomais amplo de diminuição do papeldo poder público na habitação e defortalecimento do mercado. Combase em uma breve pesquisa de cam-po na cidade, o autor analisa certosconflitos sociais ali existentes, comênfase crítica no conceito de comuni-dade e em contrapontos entre os pla-nos rural e urbano, discutindo os sig-nificados que essas noções adquiremno presente caso.

DISSOLUTION AND REINVEN-TION OF THE SENSE OF COMMU-NITY IN BEUNINGEN, HOLLAND

Heitor Frúgoli Jr.

Key wordsCommunity and society; Rural andurban; Sociocultural change.

The village of Beuningen and threeother adjacent settlements havearound 26 thousands inhabitants to-day. A first cycle of urban growth,promoted by the State, occurred ap-proximately twenty years ago in thearea, which has recently been pas-sing through a new real estate ex-pansion, as part of a broad processmarked by the diminishing publicpolicy on inhabitation and the mar-ket consolidation in the housingfield. Based on a brief field research,the article analyzes some current so-cial conflicts, critically emphasizingthe concept of community and somecounterpoints between the rural andurban dimensions, discussing themeanings that such notions have ac-quired in the present case.

LA DISSOLUTION ET LA RÉINVEN-TION DU SENS DE COMMUNAUTÉÀ BEUNINGEN, HOLLANDE

Heitor Frúgoli Jr.

Mots-clésCommunauté et société; Rural et ur-bain; Changement socio-culturel.

La région formée par la ville de Beu-ningen et trois autres villages voisinsregroupe 26 mil habitants. Cette ré-gion a déjà subit un premier cycle decroissance, promu par l´État, il y avingt ans, et passe par une nouvelleexpansion de l’immobilier dans le ca-dre d’un processus plus large de ren-forcement du marché, avec la produc-tion de maisons plus chères, ce qui aattiré une partie de la classe moyennetravaillant dans la ville voisine de Nij-megen, à la recherche d’un contactplus étroit avec “la campagne” et “lanature”. À partir d’une brève étude surle terrain, j’analyse certains conflits so-ciaux présents, fondés essentiellementsur une critique du concept de com-munauté et sur les oppositions entreles plans rural et urbain, tout en dis-cutant les sens que de telles notionsacquièrent dans ce cas précis.