A Dinamica Da Violencia Criminal

download A Dinamica Da Violencia Criminal

of 182

Transcript of A Dinamica Da Violencia Criminal

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    1/182

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    INSTITUTO DE GEOCINCIAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA

    DISSERTAO DE MESTRADO

    A DINMICA DA VIOLNCIA CRIMINAL NO ESPAO

    URBANO DE SANTA MARIA-RS

    ELIANE MELARA

    ORIENTADOR: PROF. DR. OSCAR ALFREDO SOBARZO MIO

    PORTO ALEGRE, ABRIL DE 2008

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    2/182

    1

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    INSTITUTO DE GEOCINCIAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA

    A DINMICA DA VIOLNCIA CRIMINAL NO ESPAOURBANO DE SANTA MARIA-RS

    ELIANE MELARA

    Orientador: Prof. Dr. Oscar Alfredo Sobarzo Mio

    Banca Examinadora:

    Profa. Dra. Maria Encarnao Beltro Sposito (PPG emGeografia/UNESP)

    Prof. Dr. lvaro Luiz Heidrich (PPG em Geografia/UFRGS)

    Prof. Dr. Paulo Roberto Rodrigues Soares (PPG emGeografia/UFRGS)

    Dissertao de Mestrado apresentada aoPrograma de Ps-graduao em Geografiacomo requisito para obteno do Ttulo deMestre em Geografia.

    Porto Alegre, Abril de 2008

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    3/182

    2

    Melara, Eliane

    A dinmica da violncia criminal no espao urbano de Santa Maria-

    RS / Eliane Melara - Porto Alegre : UFRGS/PPGEA, 2008.

    [181 f.] il.

    Dissertao (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do

    Sul. Instituto de Geocincias. Programa de Ps-Graduao em Geografia,

    Porto Alegre, RS - BR, 2008.

    1. Geografia. 2. Violncia. 3. Criminalidade. 4. Organizao do

    Espao Urbano. 5. Santa Maria-RS. I. Ttulo.

    _____________________________

    Catalogao na Publicao

    Biblioteca Geocincias - UFRGS

    Renata Cristina Grun CRB10/1113

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    4/182

    3

    D edico este trabalho em mem ria da minha professora Vanda U eda pelo apoio, pela

    confiana que depositou em mim, e pelo carinho com que me recebeu na Ps-graduao.

    Agradeo por voc ter feito parte da minha vida, pela or ientao e am or que me dedicou

    durante as or ientaes no mestrado e tambm durante as conversas am istosas... com certeza

    voc estar sempre comigo, nos meus pensam entos e no m eu corao...

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    5/182

    4

    Agradecimentos__________________________________________________________

    Tenh o muito a agrad ecer... mu itas pessoas fizeram p arte desta difcil e satisfatria caminhada ...

    Primeiramente tenho que agradecer a um a pessoa muito especial, minha querida professora Van daU eda, que apesar de no estar ma is entre ns, deixou saud ades e muitas aes a serem seguida s...

    Agradeo ao meu orientador que me ajudou muito na elaborao deste trabalho, as crticas e sugestes foramimprescindveis para a construo do mesmo...

    Meus pais, Joo e Zelinda Melara merecem todo reconhecimento pelo constante apoio, carinho e tolerncia

    que m e dedicado deste o primeiro dia da minha vida...

    M inha querida irm e meu querido cunhado, Adriane Melara e Fabio Soares Pires , por estarem semprepre se nte s, a ju dando nas ta re fa s da dis se rt a o e ale gra ndo m in ha vid a.. .

    Ao meu namorado, Vinicius Flix e toda sua fam lia, principalmente minha querida sogra, Luci F lix, osquais me proporcionam os melhores momentos nesta rdua e feliz caminhada... Vini... te amo!

    M eus amigos (as ) Circe Dietz, ngela Klein, Antnio Jos Bertuzzi, Jodival M aurcio da C osta, Gutemberg

    Vilhena Silva, Lucilia Gilles, M auricio Scherer, Nola G amalho, G racieli Trentin, Maria M edianeira dosSantos, Elia Righi, Virgnia M ota, Rodrigo Aguiar, Eliane Tibola, Fernando Erthal, Zlia Zaghetto,Waldomiro da Silva Olivo... os quais estiveram presentes em muitos momentos nestes dois ltimos anos,

    cada qua l teve sua importncia, seja nos mom entos de lazer, nas conversas sobre a dissertao, nasdiscusses acadmicas, nas alegrias, nos mom entos tristes, nas caminha das, nos almoos, nos trabalhos de

    camp o, nas fofocas, nas festas...

    M inha madrinha e esposo, Rosa M elara e Vagner, os quais sempre m e deram o m aior apoio para seguir oscaminhos da academia...

    Agradeo a todos os professores que, de alguma forma, contriburam para minha formao profissional...

    Agradeo ao Programa de Ps-graduao da UF RG S por ter apostado nas minhas qualidades enquanto ps-gra duanda, e, es per o te r atingid o os obje tivos es pera dos .. .

    Agradeo ao CNPq pelo apoio financeiro indispensvel para a realizao das atividades desenvolvidas nodecorrer da p esquisa...

    Agradeo a todos que de alguma forma est iveram ou esto relacionados com a minha vida. . .. queles que meajudaram e que gostam de m im.. .

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    6/182

    5

    Hipocrisia ou ingenuidade acreditar que a lei feita para todomu ndo em nom e de todo mundo; que mais prudente reconhecer que

    ela feita por alguns e se aplica a outros; que em princpio ela abriga

    a todos os cidados, mas se dir ige principalmente s classes mais

    num erosas e menos esclarecidas que, ao contrrio do que acontece comas leis polticas ou civis, sua aplicao n o se refere a todos da m esma

    fo rm a; que nos tribunais no a soci edade in teira que ju lg a um de

    seus mem bros, mas uma categoria social encarregada da ordem

    sanciona outra fadada desordem .

    M ichel Foucault

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    7/182

    6

    Resumo__________________________________________________________

    Props-se nesta pesquisa trabalhar a temtica da violncia, delimitando como objeto

    de estudo a violncia criminal no espao urbano. A pesquisa tem como objetivo

    analisar geograficamente a dinmica da violncia criminal no espao urbano de

    Santa Maria-RS, por meio da espacializao dos dados criminais, considerando a

    organizao scio-espacial da cidade. Desse modo, realizou-se um mapeamento de

    crimes por bairro, constatando que a zona central, a zona norte e a zona oesteapresentaram as maiores taxas de criminalidade. Na contextualizao desta

    pesquisa analisou-se que a violncia visvel pode influenciar o modo de vida das

    pessoas e a organizao do espao urbano, assim como o medo da violncia faz

    com que muitas pessoas modifiquem seus hbitos.Em Santa Maria, verifica-se que

    a organizao do espao urbano de forma segregada, em certos casos, pode

    exercer influncia no processo da criminalidade. Alm disso, constatou-se que a

    visibilidade da violncia mais notria sobre as pessoas de baixo poder aquisitivo,

    sendo menos perceptvel entre a populao maior renda. Contudo, tem-se a clareza

    de que a prtica de crimes pode estar vinculada a qualquer estrato social.

    Palavras-chave:

    Violncia Criminalidade Organizao do Espao Urbano

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    8/182

    7

    Abstract__________________________________________________________

    The object of this research is to work with the violence issue, boundering as thestudy object the urban space violence. The research has the objective of analizegeographically the dynamics of criminal violence in the urban space of Santa MariaRS, by means of the spacial treatment of the related considering the social-space ofthis city. In such way we have traced the criminal cartographic distribution on everyneighborhood which came into the conclusion that the central zone, the north zoneand the west zone presented the highest rates of crimes. In this context, we haveseen that the visual violence can interfere in the people lifestyle and urban spaceorganization, in such a way that violence leads people to change their habits. InSanta Maria we saw that the organization of the urban space is done in asegregational way, and some cases can even influence the criminality. We also havedetermined that the violence is more often related to the poor people, being lessrelated to the rich. We also checked that criminal act can be related to any socialclass.

    Key words:Violence criminality - urban space organization

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    9/182

    8

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Localizao da rea urbana do municpio de Santa Maria-RS 18

    Figura 2: Foto da rea urbana do municpio de Santa Maria-RS 19

    Figura 3: Diviso dos bairros da cidade de Santa Maria 20

    Figura 4: Organograma representando os procedimentos metodolgicosutilizados para realizao da pesquisa 23

    Figura 5: Grfico representando o nmero de homicdios entre 2000 e2005 50

    Figura 6: Grfico representando o nmero de leses corporais entre 2000e 2005 51

    Figura 7: Distribuio da populao por bairro da cidade de Santa Maria 64

    Figura 8: reas de ocupao clandestina 67

    Figura 9: Distribuio por bairro dos responsveis pelo domiclio queapresentam uma renda mensal superior a 15 salrios mnimos 69

    Figura 10: Distribuio por bairro dos responsveis pelo domiclio queapresentam uma renda mensal inferior a 2 salrios mnimos 70

    Figura 11: Distribuio por bairro dos responsveis pelo domiclio queapresentam mais de 15 anos de estudo 74

    Figura 12: Distribuio por bairro dos responsveis pelo domiclio queapresentam menos de 3 anos de estudo 75

    Figura 13: Distribuio por bairro dos domiclios ligados rede geral deesgotos 78

    Figura 14: Distribuio por bairro dos domiclios que no esto ligados rede geral de esgoto 79

    Figura 15: Distribuio por bairro dos domiclios que possuem mais de 4banheiros 81

    Figura 16: Distribuio por bairro dos domiclios que no possuembanheiro 82

    Figura 17: Quantidade de ocorrncias criminais registradas nos anos de

    1998 e 2003 86

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    10/182

    9

    Figura 18: Distribuio por bairro do nmero total de ocorrncias criminaisregistradas no ano de 2003 87

    Figura 19: Distribuio dos moradores por bairro que possuem menos de

    29 anos 90

    Figura 20: Distribuio por bairro do nmero de ocorrncias vinculadas aotrfico e consumo de entorpecentes 93

    Figura 21: Distribuio por bairro dos responsveis pelo domiclio que nopossuem rendimento mensal 96

    Figura 22: Organizao do trfico de drogas no Brasil e suas conexescom o exterior (SOUZA, 1996). 98

    Figura 23: Organizao do trfico de drogas em Santa Maria 100

    Figura 24: Distribuio por bairro das ocorrncias vinculadas ao nmerode furtos simples 105

    Figura 25: Distribuio por bairro das ocorrncias vinculadas ao nmerode furto qualificado 107

    Figura 26: Distribuio por bairro das ocorrncias vinculadas ao nmerode roubos 110

    Figura 27: Distribuio por bairro das ocorrncias vinculadas ao nmerode agresses 116

    Figura 28: Distribuio por bairro da densidade de moradores por domiclio 118

    Figura 29: Distribuio por bairro das ocorrncias vinculadas ao nmerode homicdios 122

    Figura 30: Distribuio por bairro dos presos albergados, de acordo com obairro de origem 126

    Figura 31: Grfico representando o total de crimes cometidos pelos presosalbergados 129

    Figura 32: Grfico representando o total de crimes cometidos pelos presosalbergados provenientes do bairro Salgado Filho e do bairro Nova SantaMarta 130

    Figura 33: Localizao dos bairros Juscelino Kubitschek e Nova SantaMarta na cidade de Santa Maria 137

    Figura 34: Foto da Vila Rigo pavimentao precria e falta de bueiros 138

    Figura 35: Foto da Vila Prado pavimentao precria e falta de bueiros 139

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    11/182

    10

    Figura 36: Foto da Vila Jokey Club pavimentao precria 139

    Figura 37: Foto da Vila Cohab Santa Marta infra-estrutura urbana

    satisfatria 140

    Figura 38: Foto do Colgio Marista, na Vila Pr-do-Sol 146

    Figura 39: Foto da Vila Sete de Dezembro ruas encontram-sepavimentadas 146

    Figura 40: Foto da Vila Alto da Boa Vista precrias condies de infra-estrutura urbana 147

    Figura 41: Foto da Vila Marista I precrias condies de infra-estrutura

    urbana 147

    Figura 42: Organograma representando uma sntese da disposio dacriminalidade na cidade de Santa Maria

    157

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    12/182

    11

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1: Nmero de homicdios, leses corporais, roubos e furtos a cada100 mil habitantes 52

    Tabela 2: Populao rural e urbana de Santa Maria 60

    Tabela 3: Nmero de habitantes por bairro 63

    Tabela 4: Nmero de Ocupaes Clandestinas por Bairro 65

    Tabela 5: Situao do escoamento de esgoto em relao ao total dedomiclio de cada bairro

    77

    Tabela 6: Distribuio dos bitos por causas externas no grupo de 20 a 29anos segundo algumas causas 2005 (%) 89

    Tabela 7: Nmero de ocorrncias vinculadas ao trfico e consumo deentorpecentes 92

    Tabela 8: Distribuio de bitos por causas externas (2005) 117

    Tabela 9: Nmero de homicdios a cada 100 mil habitantes das capitais doBrasil 120

    Tabela 10: Nmero de presos por bairro 125

    Tabela 11: Idade e nvel de instruo dos presos albergados 132

    Tabela 12: Cidades beneficiadas pelo PAC 148

    Tabela 13: Caractersticas que representam situao de risco pessoal esocial da criana e do adolescente

    156

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1: Locais beneficiados pelo PAC em Santa Maria 66

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    13/182

    12

    Sumrio__________________________________________________________

    INTRODUO 14

    1. VIOLNCIA E CRIMINALIDADE 25

    1.1. Definio 25

    1.2. Fonte de dados 32

    1.3. O Mito da Marginalidade 34

    1.4. As Prises 38

    2. VIOLNCIA CRIMINAL NO ESPAO URBANO 43

    2.1. A Influncia da Violncia na Organizao do Espao Urbano 43

    2.2. O Trfico de Drogas no Espao urbano 53

    3. O ESPAO URBANO DE SANTA MARIA, CARCATERSTICAS SCIO-

    ECONMICAS E DE INFRA-ESTRUTURA URBANA 59

    4. ANLISE DA VIOLNCIA CRIMINAL NO ESPAO URBANO DE SANTAMARIA. 84

    4.1. Trfico e Consumo de Entorpecentes 89

    4.2. Anlise das Ocorrncias Criminais Contra o Patrimnio 99

    4.2.1. Furto Simples 103

    4.2.2. Furto Qualificado 106

    4.2.3. Roubos 108

    4.3. Anlise das Ocorrncias Criminais Contra a Pessoa 1134.3.1. Agresses 114

    4.3.2. Homicdios 117

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    14/182

    13

    4.4. Espacializao da Origem dos Presos de Santa Maria 124

    5. A DINMICA DA CRIMINALIDADE NO BAIRRO JUSCELINO KUBITSCHEK E

    NO BAIRRO NOVA SANTA MARTA 136

    5.1. O bairro Juscelino Kubitschek 138

    5.2. O bairro Nova Santa Marta 143

    6. SNTESE DA DINMICA CRIMINAL NO ESPAO URBANO DE SANTA MARIA

    155

    CONSIDERAES FINAIS 162

    REFERNCIAS 168

    BIBLIOGRAFIA 176

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    15/182

    14

    INTRODUO__________________________________________________________

    O interesse pela temtica da violnciateve incio ainda na graduao quando

    foram realizadas algumas pesquisas no espao urbano de Santa Maria, Rio Grande

    do Sul (RS). Objetivava-se um estudo sobre a questo da infra-estrutura dos bairros

    da cidade, fazendo um levantamento de dados por vila atravs de trabalho de

    campo baseado em observaes e entrevistas. Destinou-se para realizao dessa

    pesquisa os bairros Camobi e Salgado Filho,1 dois bairros bem diferenciados em

    relao s condies scio-econmicas e de infra-estrutura.

    Dentre os problemas levantados nos bairros, resumidamente pode-se dizer que

    o bairro Camobi, apesar de ser um bairro onde a maioria dos moradores apresentou

    um nvel de renda alto, a maior problemtica vinculou-se a destinao dos esgotos,

    j que o bairro ainda no est ligado rede geral de esgotos da cidade, pois sua

    localizao distante do centro dificulta esse servio. No bairro Salgado Filho, embora

    existam muitos problemas de ordem infra-estrutural, principalmente nas reas

    ocupadas irregularmente um baixo grau de instruo e um baixo nvel de renda ,

    a principal preocupao dos moradores no estava relacionada a essas questes. Otema mais comentado pelos moradores foi problemtica da violncia no bairro.

    Segundo os entrevistados, roubos e agresses ocorriam freqentemente no local.

    Desse modo, adicionou-se s leituras que estavam direcionadas para

    temticas ligadas ao espao urbano e questes de infra-estrutura urbana, tambm

    bibliografias sobre a violncia. O estudo desta temtica foi de tamanha significncia

    que ao escrever o projeto para o mestrado optou-se por dar continuidade a esse

    trabalho de compreenso da violncia, enfocando a sua incidncia no espaourbano. Como os estudos iniciaram na cidade de Santa Maria, elegeu-se este

    espao para dar seqncia pesquisa. Alm disso, os estudos urbanos sobre

    violncia na maioria dos casos destinam-se a cidades de grande porte, logo, a

    importncia de estudar o tema numa cidade de porte mdio, cuja dinmica espacial

    da criminalidade, em teoria, pode se organizar de modo diferenciado.

    1No decorrer deste trabalho observar-se- a localizao desses dois bairros.

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    16/182

    15

    A violncia um fenmeno que afeta a sociedade numa escala global. As

    grandes metrpoles do Brasil sofrem com essa problemtica, entretanto as cidades

    mdias tambm vm apresentando significativos nveis de criminalidade.

    Segundo Lederman & Loayza (1999), a violncia est aumentando em muitos

    locais do mundo, com destaque para a Amrica Latina, o Caribe e a frica

    Subsaariana. Segundo os autores, existe uma crescente preocupao mundial com

    a elevada incidncia criminal e comportamentos violentos. O interesse por essas

    questes justificado pelo fato de que a desenfreada ocorrncia de crimes e

    violncias tem efeitos prejudiciais em relao s atividades econmicas e sobre a

    qualidade de vida de muitos cidados. Desta forma, a violncia e o crime esto

    emergindo como prioridade nas polticas nacionais e nas agendas do mundo todo,embora ainda se conhea pouco sobre os fatores econmicos, sociais, institucionais

    e culturais, as quais so as causas, em alguns pases, para maiores taxas de

    crimes, se comparadas com outros.

    No Brasil, um dos fatores de transformao do espao urbano pode ser

    representado pela dinmica da violncia criminal nas cidades. As classes mais

    abastadas da sociedade, em busca de conforto e segurana, buscam moradias mais

    seguras, localizadas em condomnios fechados.2

    Esse processo vem influenciandona reestruturao do espao urbano, estimulando a problemtica da segregao

    scio-espacial. Nesse sentido, Dornelles (1992) expe que nas cidades vem

    ocorrendo uma forma de segregao que pode ser comparada a um sistema de

    apartheid no assumido, em que a classe mdia-alta passa a viver em condomnios

    e ruas fechadas, sem contato com a realidade.

    Fala-se tambm, que a violncia um argumento utilizado como desculpa para

    a proteo, quando se trata de justificar a edificao de elevados muros paraproteger as pessoas pertencentes s classes de um patamar econmico mais

    elevado das patologias sociais. Estas patologias muitas vezes so associadas

    populao desfavorecida pelo meio social e econmico. Pode-se considerar que

    esta segregao imposta, no deixa de ser um ato de violncia contra a sociedade,

    que no consegue reagir, ou simplesmente no quer pensar nos problemas sociais

    (BOISTEAU, 2005).

    2 Os agentes imobilirios, de certo modo, fazem uso do discurso da violncia e do medo parapersuadir as pessoas a comprar imveis representados pelos condomnios fechados, utilizando-se,muitas vezes, de dados parcialmente verdadeiros para alcanar seus objetivos.

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    17/182

    16

    De acordo com Francisco Filho (2004, p. 27):

    O espao urbano se apresenta como algo complexo, campo onde as

    relaes humanas se estabelecem e cristalizam nas suas formas enas relaes entre elas. nesse espelhamento entre as aes e suadinmica no territrio que surge uma geografia do crime, em quecada ao de quebra da ordem e, conseqentemente, de um ato deviolao dos direitos do cidado, adquire uma dinmica epersonalidade prpria, estabelecendo um conjunto de aes que seinterligam a outros fenmenos urbanos, interferindo e moldando apercepo que cada indivduo passa a ter do espao onde vive,estabelecendo novas texturas e morfologias no crescimento dotecido urbano, como conseqncia final de todo o processo.

    Conforme Flix (1996), a dinmica do crime pode ser um dos fatores detransformao e reorganizao espacial, e, nesse contexto, infere-se a importncia

    da Geografia para o estudo desta temtica. Segundo Flix (1996, p.148):

    [...] a Geografia do Crime no a simples cartografao de reas ousimples mapeamento da criminalidade. Ela tenta compreender ofenmeno de forma global, investigando a significncia de todos osprocessos que levam ao crime, como os ambientais, os scio-econmicos, polticos, culturais, etc. para chegar a percepo de

    reas de ocorrncia.

    nessa contextualizao que se prope trabalhar a temtica violncia ,

    delimitando como objeto de estudo a violncia criminal no espao urbano de Santa

    Maria. A violncia um tema complexo que envolve uma multiplicidade de

    definies, contudo, nesta pesquisa dar-se- um enfoque especial ao estudo da

    violncia criminal.

    Utilizou-se o termo criminal para caracterizar o tipo de violncia que ser

    enfocado neste trabalho, sendo que, a expresso criminal derivada da palavra

    crime.Assim, ser dada nfase queles crimesque constam na Lei (Cdigo Penal).

    Para a anlise da violncia criminal na cidade, recorreu-se aos dados vinculados

    principalmente s ocorrncias criminais registradas no espao urbano de Santa

    Maria, enfocando a sua espacializao nos bairros da cidade. Trata-se de estudar

    um tipo de violncia, denominado neste trabalho como violncia criminal, j que os

    crimes institudos pelo Cdigo Penal no deixam de representar uma modalidade de

    violncia.

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    18/182

    17

    Apesar desse estudo estar preocupado com a identificao dos lugares de

    ocorrncia dos crimes, sabe-se da importncia de considerar, como colocado por

    Flix (1996), os processos sociais, econmicos, polticos, os conflitos de classe, as

    formas de percepo, etc. Nesse sentido, de acordo com Flix (1996), a Cincia

    Geogrfica vem procurando contribuir para a anlise da violncia. Segundo essa

    autora:

    [...] se a Geografia est ou no conseguindo explicarconvenientemente as causas do crime aplicado, ainda prematuroafirmar. O que parece importante que ela est investindo tempo eenergia na compreenso de tpicos muito explorados por vriascincias, especialmente Sociologia e Criminologia, mas abordados

    ainda timidamente pela Geografia como avaliao das variveisdemogrficas no estudo da gnese criminal (FLIX, 1996, p. 164).

    Assim, a problemtica desta pesquisa consiste no mapeamento da

    criminalidade no espao urbano de Santa Maria, considerando, para a anlise dessa

    espacializao, variveis sociais, econmicas, de infra-estrutura urbana e questes

    de percepo. A anlise da organizao espacial da cidade e dos padres espaciais

    da violncia, associados a outras dimenses da qualidade de vida urbana, permite

    uma melhor compreenso do fenmeno.Deve-se salientar que a organizao social e espacial urbana tambm pode, de

    certa forma, influenciar na produo de violncias. A segregao scio-espacial e a

    excluso social so fatores que podem contribuir para a ocorrncia de alguns tipos

    de violncia, como o caso do trfico de drogas, onde a pobreza torna-se funcional

    para o seu funcionamento.

    Para a realizao desta pesquisa definiu-se como rea de estudo o espao

    urbano de Santa Maria-RS (Figuras 1 e 2). A proposta vincula-se numa anlisesobre a violncia criminal nos bairros da cidade. De acordo com a Lei Municipal N

    2770/86, de 02 de setembro de 1986, a cidade era composta por 24 bairros.

    Entretanto, no ano de 2006, com a implantao do novo Plano Diretor, de acordo

    com a Lei Complementar n 042, de 29 de dezembro de 2006, o espao da cidade

    foi dividido em oito Regies Administrativas e 41 bairros. Optou-se por realizar este

    trabalho levando em considerao a diviso territorial de 1986, j que a maior parte

    dos dados pesquisados foram originados de um perodo temporal anterior ao ano de2006 (Figura 3).

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    19/182

    Figura 1: Localizao da rea urbana do municpio de Santa Maria-ROrg.: MELARA, E., 2008

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    20/182

    Figura 2: Foto da rea urbana do municpio de Santa Maria-RSOrg.: MELARA, E., 2008

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    21/182

    Figura 3: Diviso dos bairros da cidade de Santa Maria

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    22/182

    21

    A pesquisa tem como objetivo geral analisar a dinmica da violncia criminal

    no espao urbano de Santa Maria-RS, atravs da espacializao dos dados

    criminais, considerando a organizao espacial da cidade e suas caractersticas

    sociais, econmicas e de infra-estrutura urbana.

    Especificamente objetiva-se:

    Caracterizar os bairros da cidade, considerando questes sociais,

    econmicas e de infra-estrutura.

    Espacializar os dados criminais no espao urbano de Santa Maria.

    Analisar a dinmica da criminalidade na cidade, considerando as

    caractersticas scio-econmicas e de infra-estrutura urbana.

    Para realizar este trabalho, foram utilizados os seguintes procedimentos

    terico-metodolgicos:

    Levantamento de um referencial bibliogrfico da problemtica em foco,

    trabalhando temticas vinculadas violncia e organizao do espao urbano.

    Levantamento de dados da Brigada Militar, relacionados quantidade de

    crimes registrados nos anos de 1998 e 2003. Para a espacializao dos dados

    foram utilizadas as informaes referentes ao ano de 2003. Destacaram-se para

    este estudo as seguintes modalidades de crimes, vinculados s ocorrnciascriminais (de acordo com o Cdigo Penal, 1997 ver Anexo):

    a) Contra a pessoa:

    - Homicdio

    - Leso corporal (agresses)

    b) Contra o patrimnio

    - Furto simples e furto qualificado

    - Roubod) Trfico e consumo de entorpecentes

    Em relao a esses dados, importante destacar a dificuldade de obt-los. Na

    Delegacia Policial Regional de Santa Maria (3 Regio Policial) estariam registradas

    todas as ocorrncias criminais da cidade, j que neste local so agrupados os dados

    das ocorrncias criminais de todas as delegacias da cidade. A permisso para

    acessar os dados era destinada somente aos funcionrios da delegacia referida,

    contudo, os mesmos no possuam tempo disponvel para realizar estelevantamento, j que para ter acesso aos endereos das ocorrncias, deveria ser

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    23/182

    22

    verificada, cada ocorrncia no sistema computacional, o que demandaria muito

    tempo. Dessa forma, depois de uma visita Brigada Militar, constatou-se que esta

    instituio possua o registro das ocorrncias por bairro do ano de 1998 at 2003.

    Eles tinham desenvolvido um programa para mapeamento da criminalidade na

    cidade, mas devido a problemas de investimentos governamentais, o trabalho no

    foi continuado aps 2003.

    Deve-se salientar que a Brigada Militar se disps a contribuir para a pesquisa,

    fornecendo todos os dados que possuam. Dessa forma, utilizaram-se para o

    trabalho os dados de 2003, organizados pela Brigada Militar.

    Levantamento de dados fornecidos pela Delegacia Penitenciria Regional de

    Santa Maria em relao aos presos detidos no Albergue Estadual de Santa Maria.3Coleta de dados do Censo Demogrfico do IBGE de 2000, sobre variveis

    demogrficas e scio-econmicas: populao, renda, instruo e questes de infra-

    estrutura urbana.

    Elaborao de mapas, grficos e tabelas, a fim de quantificar e espacializar

    as informaes obtidas, utilizando-se de aplicativos como o Adobe Illustrator CS2,

    Corel Draw 11 e Arc Gis 9.1.

    Consulta s informaes criminais nos principais jornais da cidade: Dirio deSanta Maria e A Razo, verificando as reportagens mais importantes sobre a

    violncia na cidade.4

    Realizao de conversas informais com alguns delegados da cidade,

    agentes penitencirios e funcionrios da Prefeitura Municipal: Secretaria de

    Assistncia Social e Direitos Humanos, Secretaria de Assuntos de Segurana

    Pblica, Secretaria de Habitao e Regularizao Fundiria e funcionrios

    responsveis pelo Programa de Acelerao do Crescimento (PAC).Trabalhos de campo nos bairros Juscelino Kubitschek e Nova Santa Marta,

    com a realizao de conversas informais junto aos moradores.

    Anlises e snteses das questes abordadas e redao dos diversos tpicos

    da dissertao.

    3Os dados foram fornecidos pela Delegacia da Penitenciria Regional de Santa Maria, sendo dados

    atuais (maio de 2007), com o foco sobre o endereo dos presos, a fim de verificar de qual bairro opreso proveniente. Os dados incluem cerca de 317 detentos, considerando tambm qual o crimecometido por cada um deles.4Verificaram-se reportagens desde 1999 at 2007.

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    24/182

    23

    Na Figura 4, visualiza-se um esquema sistematizando os procedimentos

    metodolgicos utilizados para a realizao da pesquisa.

    Figura 4: Organograma representando os procedimentos metodolgicos utilizados pararealizao da pesquisa

    Org.: MELARA, E., 2008

    A estruturao da dissertao organiza-se em seis captulos. No primeiro

    trabalha-se a temtica da violncia sobre um prisma terico, comentando questes

    de definio dos termos violncia e criminalidade e sobre a tipologia criminal que

    ocorre no espao. Tambm so abordadas as questes das fontes de dadoscriminais, relacionadas a ocultao ou distores das informaes. Estuda-se ainda

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    25/182

    24

    neste captulo o assunto relacionado violncia e sua associao com a pobreza,

    as crticas de muitos tericos sobre esta proposio, e, seguindo nesta perspectiva,

    o estudo direcionado para a questo das prises.

    No segundo captulo aborda-se sobre a influncia da violncia no espao

    urbano, versando sobre a problemtica da propagao do medo e da sensao de

    insegurana modificando os hbitos das pessoas e a organizao do espao

    urbano. Comenta-se tambm acerca da influncia da organizao espacial urbana

    no aumento ou na reduo da criminalidade.

    No terceiro captulo realiza-se um estudo do espao urbano de Santa Maria,

    analisando-se a organizao espacial da cidade atravs da espacializao de

    informaes vinculadas s questes scio-econmicas e de infra-estrutura urbana.No quarto captulo analisado a dinmica criminal no espao urbano de Santa

    Maria, atravs da espacializao dos dados criminais. Os dados foram mapeados

    considerando a diviso de bairros da cidade. Para a realizao desta anlise foi

    avaliada a caracterizao scio-espacial da cidade, identificando os tipos de crimes

    e as possveis relaes com variveis scio-econmicas.

    O quinto captulo dedicado ao estudo dos bairros Juscelino Kubitschek e

    Nova Santa Marta, em conseqncia das altas taxas de criminalidade apresentadase evidenciadas nas anlises realizadas no decorrer da pesquisa.

    O sexto captulo apresenta uma sntese da dinmica criminal na cidade de

    Santa Maria.

    Por ltimo, apresentam-se as consideraes finais que sintetizam as anlises

    realizadas durante a pesquisa sobre a dinmica da violncia criminal no espao

    urbano de Santa Maria, o diagnstico dos bairros onde a criminalidade est mais

    presente, ou mesmo onde a violncia mais visvel. Alm disso, avaliado ainfluncia da organizao do espao urbano no processo da violncia e a influncia

    da criminalidade na organizao espacial das cidades.

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    26/182

    25

    1. VIOLNCIA E CRIMINALIDADE__________________________________________________________

    1.1. Definio

    Odalia (1983) afirma que o ato agressivo, ou mesmo uma ao homicida

    apresenta-se como uma primeira impresso do que violncia. Contudo, o termo

    violncia abrange um grande nmero de elementos. Est ligada privao, e privar

    significar tirar, destituir, despojar, desapossar algum de alguma coisa. De acordo

    com o autor, a violncia hoje pode ser considerada como uma forma de expressar o

    inconformismo radical em relao s imperfeies da sociedade.

    Moraes (1981) conceitua que violncia est em tudo o que capaz de imprimir

    sofrimento ou destruio do corpo humano, bem como o que pode degradar ou

    causar transtornos sua integridade psquica. Segundo o autor, violentar o homem

    arranc-lo da sua dignidade fsica e mental.

    Alguns autores preferem falar em violncias, a fim de abarcar todas formas de

    definio, e fenmenos relacionados violncia:

    Uma outra viso, ou discurso sobre as violncias, seria um discursoanaltico, que exige um distanciamento crtico em relao aos valorese juzos que muitas vezes guiam os pesquisadores sem que eles seapercebam disso. Neste discurso analtico, deve-se perceber apluralidade dos fenmenos que caem dentro do rtulo de violncia.Por este ponto de vista, mais adequado falar de violncias:violncia urbana, rural, simblica, cognitiva, fsica, instrumental,subjetiva, policial, intrafamiliar, domstica, de gnero, esportiva,grupal, de massa, militar, blica, entre muitas outras (CHAGASRODRIGUES, p. 30-31, 2006).

    De acordo com Dornelles (1992), a violncia criminal apenas uma das formas

    de expresso da violncia nas grandes cidades. Segundo o autor, o crime no um

    fenmeno igual em todas as sociedades e em todos os momentos da histria. A

    criminalidade no Brasil vincula-se a diversos fatos: fraudes da Previdncia Social,

    pssima distribuio de renda, mortalidade infantil, acidentes de trnsito, entre

    outros. No entanto, normalmente a mdia, o Estado e a populao tendem a

    relacionar a problemtica da violncia com a figura do criminoso comum,

    estereotipando determinados indivduos como criminosos.

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    27/182

    26

    Segundo Boisteau (2005) em cada sociedade o crime se expressa de uma

    forma diferenciada e tratado conforme as normas locais. Um ato ser percebido

    como violento ou no violento em funo das normas da cidade, do pas. Por

    exemplo, a violncia sul-americana, a violncia colombiana, a violncia francesa,

    constituem como delitos e aes distintas, cada uma qualificada de acordo com as

    normas institudas em cada sociedade, sendo que a reao pblica perante o

    comportamento violento varia de acordo com o espao no qual se manifesta.

    Uma distino de fundamental importncia para este estudo aquelaentre violncia e crime. Crime qualquer infrao a lei. , portanto,um julgamento de uma ao com base em argumentos legais.

    Considerar a violncia como sinnimo de crime reduzir discussoapenas queles atos que a lei prev. A violncia uma noo maisampla e mais sutil. Alm disso, a confuso no se justifica tambmpelo fato de que nem todos os crimes so necessariamente violentos(MELGAO, 2005, p.17).

    Souza (2005) expe que a violncia ao mesmo tempo geral e especfica e

    tambm pode ser trabalhada numa viso de escala. Para o autor, a violncia pode

    estar relacionada a problemas como a pobreza e o desemprego, a falncia ou

    corrupo das/nas instituies de represso e punio (polcias, instituiesprisionais, sistema judicirio), a crise de valores do mundo contemporneo e de

    instituies sociais como a famlia. Todos estes problemas podem ser identificados

    como violncias que geram outras violncias, as quais tm uma abrangncia

    nacional e internacional. Segundo o autor esses fatos emergem e operam em escala

    local e tem a ver com decises ou processos que vo desde a dinmica do sistema

    mundial capitalista at polticas macroeconmicas nacionais.

    Lus Eduardo Soares, MV Bill & Celso Athayde (2005), citados por ChagasRodrigues (2006), analisam que existe uma certa dificuldade de conceituar a

    violncia e analisar os fenmenos e fatos que esto vinculados a ela. Para os

    autores a palavra violncia guarda muitos sentidos diferentes, podendo representar:

    [...] agresso fsica, um insulto, um gesto que humilha, um olhar quedesrespeita, um assassinato cometido com as prprias mos, umaforma hostil de contar uma histria despretensiosa, a indiferenaante o sofrimento alheio, a negligncia com idosos, a deciso

    poltica que gera conseqncias sociais nefastas, a desvalorizaosistemtica dos filhos por seus pais ou das mulheres por seusmaridos, as presses psicolgicas exercidas no contexto de

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    28/182

    27

    interaes opressivas, a orientao econmica que se abate sobresetores da populao como um desastre da natureza, e a prprianatureza, quando transborda seus limites normais e provocacatstrofes (SOARES, MV BILL & ATHAYDE, 2005, p.245-246 apudCHAGAS RODRIGUES, 2006, p. 32).

    Violncia e crime so termos abrangentes e complexos. Na discusso

    realizada anteriormente observa-se que existem autores que categorizam crime

    como algo sancionado pela lei, enquanto que violncia, uma expresso mais

    abrangente. Outros consideram tanto o termo crime, como o termo violncia,

    expresses que agrupam vrios significados. Existem autores que utilizam a

    expresso crime violento, considerando os crimes contra pessoa agresses e

    homicdios , como tais.

    Pode-se avaliar que todo crime uma violncia, afetando as pessoas, seja de

    forma fsica, moral ou psquica. Neste trabalho considerou-se como violncia alguns

    tipos de crimes ponderados pela lei, fruto das ocorrncias criminais: homicdio, leso

    corporal, roubo, furto e trfico de drogas. importante colocar que esses crimes, ou,

    essas violncias, muitas vezes so conseqncias de outras violncias, e, outras

    vezes, funcionam como causas para outras formas de criminalidade.

    Para Raufer & Haut (1997), a criminalidade est passando por transformaes.De uma criminalidade caracterizada por regras e princpios, passou-se

    progressivamente para uma criminalidade afetiva, instintiva, violenta, e,

    aparentemente, irracional. Dependendo do tipo de crime, da vtima, do agressor, do

    local, difcil interpretar as causas. Essas mudanas nas propriedades da

    criminalidade tm como conseqncia uma alterao da percepo da sociedade

    sobre a segurana. Se a delinqncia sempre foi uma preocupao da populao,

    atualmente est no centro dos assuntos que preocupam, tornando-se um elementorecorrente dos discursos polticos e um desafio nas campanhas eleitorais.

    Souza (2005) afirma que essa dificuldade de entender a dinmica criminal se

    d pelo fato de que existem tipos de crimes especficos e cada tipo apresenta uma

    dinmica prpria, em cada espao no qual se manifesta. De acordo com o autor,

    difcil comparar determinados crimes e as circunstncias de sua ocorrncia. O autor

    exemplifica atravs de um questionamento: como comparar um crime cometido por

    um marido ciumento, integrante da classe mdia-alta, com o roubo praticado por um

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    29/182

    28

    adolescente de rua, armado com um caco de garrafa, contra um motorista de um

    carro parado no sinal fechado?

    Para Cerqueira & Lobo (2004) entender os motivos que levam as pessoas a

    cometer crimes tambm pode ser considerado como uma questo difcil de

    compreender. Os autores colocam outro questionamento sobre os motivos que

    levam as pessoas a cometerem crimes: como explicar, ou entender que, num

    mesmo espao, numa mesma comunidade, estejam vivendo na mesma famlia dois

    irmos gmeos, e, um deles resolva entrar para o mundo do crime, enquanto que o

    outro prefira seguir o caminho da legalidade?

    Mesmo analisando a dificuldade de compreenso das diversas formas que se

    manifesta violncia, alguns autores tentam organizar uma tipificao da mesma.Moser (2006) coloca que esta tipificao pode ser categorizada como: violncia

    social, econmica, institucional ou poltica. A violncia social refere-se violncia

    tnica, disputas territoriais, violncia entre grupos, violncia contra mulher, abuso

    infantil. A violncia econmica manifestada por um ganho material associado a

    crimes de rua, roubos, assaltos incluindo mortes, trfico de drogas entre outros. A

    violncia institucional est vinculada a instituies do estado, bem como polcia e o

    sistema judicirio, escolas, hospitais, empresas de vigilncia. E a violncia poltica,est relacionada ao poder poltico, incluindo guerrilhas, conflitos militares,

    assassinatos polticos, entre outros fatos.

    Nessa mesma perspectiva, Odalia (1983) faz uma categorizao similar,

    classificando como: violncia institucionalizada (a fome, a misria, a segregao

    espacial, a excluso social, os problemas de trnsito, o desemprego, a discriminao

    racial, entre outros); violncia poltica (um assassinato poltico, a invaso de um pas

    por outro, a legislao eleitoral que frauda a opinio pblica, a corrupo,determinadas leis, etc.) e violncia revolucionria (que tambm pode ser

    considerada poltica greves, organizao de estudantes.).

    Rosenberg (1999) subdivide a violncia de duas formas: violncia contra si

    mesmo e violncia interpessoal. A violncia contra si mesmo est relacionada ao

    suicdio ou a tentativa de suicdio. A violncia interpessoal subdivide-se em violncia

    familiar (abuso de crianas, abuso contra o companheiro e abuso contra pessoa

    idosa), violncia entre jovens, assdio sexual, violncia de grupo e violncia

    econmica.

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    30/182

    29

    No livro Violncia e cidade organizado por Renato Raul Boschi, Oliven

    (1982) faz algumas consideraes sobre a criminalidade no Brasil, relacionando o

    tipo de infrator com o tipo de crime (crimes institucionalizados na Lei). O autor

    concluiu que, em geral, cerca da metade dos criminosos de cor branca, mas

    existem algumas variaes significantes. Segundo Oliven, estelionato, txicos e

    crimes contra a pessoa apresentam maiores concentraes de brancos, indicando

    forte contribuio negra para o roubo e o furto, carreiras criminais de baixo prestgio.

    Isso pode ser explicado, por exemplo, pelo fato de que o crime organizado, como o

    trfico, a corrupo poltica, os crimes do colarinho branco, queima de arquivo, entre

    outros tem os seus dirigentes entre a populao mais rica e mais instruda da

    sociedade, o que acontece com maior freqncia entre as pessoas de cor branca.Ao passo que, pequenos furtos e roubos so praticados por pessoas que, na maioria

    dos casos, so pobres e, muitas vezes, de cor negra.

    De acordo com uma pesquisa realizada por Flix (1996) a ocorrncia de

    determinados tipos de crimes em determinadas reas do espao geogrfico leva em

    considerao alguns pontos. Segundo a autora, certas manifestaes espaciais so

    similares facilitando a aplicao de estratgias preventivas. Conforme os estudos

    realizados, foi observado que algumas ocorrncias criminais apresentam as maiorestaxas de incidncia nas reas centrais das cidades, que os crimes de propriedade

    tem maior ocorrncias nas reas mais ricas do espao urbano, que nas reas mais

    pobres e nas zonas rurais mais freqente a ocorrncia de crimes contra pessoa,

    que a vulnerabilidade do ambiente pode provocar maior atrao de crimes.

    Num estudo desenvolvido em Chicago, Brown (1982 apud FLIX, 1996)

    analisando a dinmica criminal em espaos diferenciados de acordo com sua

    tipificao, constatou que os crimes contra a pessoa, o crime desarmado ou crimesde no-profissionais, como o praticado por pessoas pobres, e muitas vezes por

    negros ou adolescentes criminosos no-profissionais, tendem a ocorrer em locais

    onde a vtima e o agressor estejam prximos espacialmente, e que sejam

    pertencentes a uma mesma classe social. J os crimes contra o patrimnio, o

    armado, o cometido por brancos, adultos e criminosos profissionais ocorrem em

    locais mais distantes da residncia do criminoso, e normalmente entre pessoas de

    classe sociais diferentes.

    A autora coloca tambm que, a delinqncia no campo ou em regies menos

    desenvolvidas parece ser violenta, no caso de ser mais freqente o crime de morte,

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    31/182

    30

    o praticado contra a pessoa, como para salvar a honra (passionais). Na cidade, a

    delinqncia mais planejada e organizada, segundo Flix (1996, p. 152):

    Atualmente, a violncia praticada nas cidades, em especial nasgrandes metrpoles, como So Paulo e Rio de Janeiro, praticadauma violncia planejada e intelectual, mas tambm extremamentesanguinria, como as chacinas e todo tipo de morte provocada porgrupos organizados como os de extermnio, de trfico de drogas etc.Geralmente, nas zonas com maior desenvolvimento urbano-industrialdestacam-se as taxas de crimes de propriedade (falsificao,trapaa, roubo, seqestro, etc).

    Pelos estudos de Flix (1996) verifica-se de uma forma geral, os crimes que

    ocorrem com mais freqncia nas reas mais pobres, ou nas zonas mais rurais, so

    crimes contra pessoa. J nas zonas mais ricas, o crime contra propriedade tem

    maior evidncia. Nas reas urbanas, destacam-se tanto os crimes contra pessoa,

    como tambm os crimes contra propriedade. Em relao vtima e agressor, na

    maioria dos casos de crimes violentos (contra pessoa) observa-se que este ocorre

    entre pessoas prximas e da mesma classe social, geralmente de classe baixa. Os

    crimes de propriedade tendem a ocorrer mais entre pessoas de classe sociais

    diferentes, e que esto distantes no espao. Mas essas consideraes dependemmuito das especificidades dos locais de ocorrncia, dos tipos de crimes praticados,

    das pessoas e bens envolvidos. Como ser visto no decorrer da pesquisa, no

    espao urbano Santa Maria, os crimes contra propriedade tambm apresentam

    nmeros elevados entre as pessoas pobres, que esto prximas e pertencem

    mesma classe social, pois a dinmica criminal nesta cidade obedece a outros

    padres de causa para anlise.

    No estudo da temtica da violncia muitos autores escrevem sobre o quepoderiam ser pensadas como causas da violncia. Segundo Cano & Soares (2002

    apud CERQUEIRA & LOBO, 2004, p. 236), possvel distinguir as diversas

    abordagens sobre as causas do crime:

    a) teorias que tentam explicar o crime em termos de patologiaindividual; b) teorias centradas no homo economicus, isto , no crimecomo uma atividade racional de maximizao do lucro; c) teorias que

    consideram o crime como subproduto de um sistema social perversoou deficiente; d) teorias que entendem o crime como umaconseqncia da perda de controle e da desorganizao social na

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    32/182

    31

    sociedade moderna; e e) correntes que defendem explicaes docrime em funo de fatores situacionais ou de oportunidades.

    Segundo Felix (2002) as grandes cidades tornam-se locais privilegiados paradesencadear desintegrao dos laos sociais, caracterizada por diferenas, intrigas,

    ostentaes e iniqidades, assim como pelo anonimato e perda de identidade.

    Nessa perspectiva, Mello Jorge et al (1997) consideram que a ocorrncia de

    homicdios nos espaos urbanos pode estar relacionada com alguns fatores

    existentes nesses locais, como: a concentrao populacional elevada, muitas

    pessoas dividindo o mesmo espao, desigualdades scio-econmicas entre as

    pessoas, iniqidade na sade, impessoalidade nas relaes, alta competio entre

    os indivduos e grupos sociais, fcil acesso a armas de fogo, violncia policial, abuso

    de lcool, impunidade, trfico de drogas, estresse social, baixa renda familiar,

    formao de quadrilhas, entre outros fatores.

    Em relao densidade populacional, Francisco Filho (2004) expe que um

    aspecto perceptvel da caracterstica do comportamento urbano est relacionado a

    um ambiente com altas taxas de ocupao territorial. Tm-se indivduos convivendo

    com outros indivduos em grande nmero e muito prximos uns dos outros. Este fato

    gera uma certa tensoque estabelece um comportamento caracterstico do homem

    urbano. Nesta anlise, podemos falar no somente de prdios localizados um do

    lado do outro, ou das favelas, com barracos sobrepostos uns por cima dos outros,

    mas tambm do excesso de pessoas num mesmo espao. Mes, irmos, padrastos,

    todos dividindo o mesmo cmodo, cozinhando, dormindo, descansando no mesmo

    local. Associados a falta de espao, tem-se a falta de emprego, de comida, locais

    insalubres, e inicia um processo de tenso que, muitas vezes, pode desencadear

    atos criminosos, como uso abusivo de drogas e lcool, agresses ou at homicdios.

    Em muitas periferias pobres, ou mesmo em muitas favelas, o ambiente

    favorece um tipo de tenso, uma vez que se observa ao redor uma triste visibilidade:

    casas mal acabadas, lixo jogado pelos becos, no existe calamento, poeira

    quando tem muito sol, e lama quando chove, o esgoto corre a cu aberto, agresses

    e tiroteios ocorrem freqentemente.

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    33/182

    32

    1.2. Fontes de dados

    Muitos pesquisadores utilizam, freqentemente, fontes de dados para a

    realizao de seus estudos. Nas pesquisas direcionadas para questes de violncia

    urbana tambm importante a utilizao de dados. Por isso, faz-se necessrio que

    saibamos das limitaes que estas fontes trazem para a realizao de pesquisas,

    muitas vezes contornando para determinados resultados, os quais no so de todo

    verdadeiros.

    Flix (1996) afirma que, em muitos casos, as pessoas no registram os crimes

    dos quais formam vtimas, seja por descrena na instituio, falta de provas, no

    considerar o fato importante ou medo de represlia. Conforme a autora, os registroscriminais podem limitar o objetivo da investigao para uma pequena proporo da

    criminalidade, podendo direcionar interpretaes de que sejam os pobres os

    maiores criminosos.

    A autora coloca tambm que:

    [...] Os registros estatsticos variam no tempo-espao e estocondicionados aos procedimentos policiais e polticos e s regras de

    interpretao. Desse modo, uma multiplicao de delitos podesignificar mais esforos por parte da polcia ou maior eficincia dostribunais, ao invs de aumento real (FLIX, 2002, p. 98).

    Segundo a autora a deciso de efetuar um registro de ocorrncia criminal varia

    conforme o estrato social e cultural dos envolvidos e a tipologia criminal. Os crimes

    vinculados violncia domstica, por exemplo, raramente so comunicados,

    especialmente quando a vtima e/ou o agressor so de classe mdia-alta, visto que

    estas pessoas esto preocupadas com a preservao da reputao antes de efetuaruma ocorrncia desse tipo. J os crimes que envolvem prejuzos materiais, exceto

    os de pequena relevncia, como furtos simples, so conhecidos e registrados,

    principalmente quando h cobertura de seguros.

    Acrescentando ao assunto, Raufer & Haut (1997) afirmam que certos crimes

    so subestimados pelas vtimas, por razes vinculadas ao medo das represlias, ao

    pudor, em relao s violncias sexuais ou a uma verdadeira ausncia de vontade.

    Numerosas infraes no so reveladas porque o prejuzo econmico sofrido mnimo. Certas pessoas no revelam as infraes das quais foram vtimas porque

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    34/182

    33

    no tm mais confiana nas autoridades, pois no crem mais na eficcia das foras

    de polcia ou as instituies judiciais. Algumas pessoas consideram determinados

    delitos no importantes, como por exemplo, algazarras noturnas, degradaes, por

    isso estes no so reportados a polcia.

    Cardia, Adorno & Poleto (2003) afirmam que as estatsticas de homicdios

    podem apresentar problemas. Segundo os autores, os dados produzidos pelo

    Ministrio da Sade e os produzidos pelas Secretarias Estaduais da Segurana

    Pblica so bem diferenciados, fazendo com que a consulta a cada um deles tende

    a se obter resultados distintos, contribuindo na dificuldade do tratamento objetivo e

    preciso das informaes.

    Segundo esses autores, os dados do Ministrio da Sade tm como fonteprimria de informao o registro do atestado de bito. Essa fonte de informao

    permite conhecer a causa da morte e as caractersticas sociais da(s) vtima(s),

    entretanto no possvel ter acesso s informaes relacionadas ao(s)

    agressor(es). Em relao aos dados fornecidos pela Secretaria de Estado da

    Segurana Pblica foram verificadas pelos autores muitas outras limitaes. Por

    exemplo, a questo das elevadas cifras negras, a interveno de critrios

    burocrticos de avaliao e desempenho administrativo, as negociaes paralelasentre vtimas, agressores e autoridades, a implementao de determinadas polticas

    de segurana pblica que, conjunturalmente, privilegiam a conteno de uma outra

    modalidade delituosa (CARDIA, ADORNO & POLETO, 2003).

    Ainda na viso desses autores os registros das ocorrncias criminais so as

    informaes mais completas, visto que podem reunir elementos sobre o tipo de

    crime, possvel agressor, vtima e o local onde aconteceu o crime. No entanto, existe

    uma enorme dificuldade de acesso a essas informaes, j que para aceder aosdados preciso consultar um a um os Boletins de Ocorrncia e os Inquritos

    Policiais instaurados. Esse fato se traduz num impedimento para os pesquisadores,

    em funo do trabalho manual que deve ser dedicado para verificar cada ocorrncia,

    e, soma-se a isso, as dificuldades de acesso fonte, pois em muitas delegacias

    somente os funcionrios da instituio so autorizados para fazer esse

    procedimento, que demanda muito tempo para sua realizao, e muitas vezes,

    esses no tm disponibilidade para isso.

    Melgao (2005) acrescenta que preciso ter em mente que a polcia, muitas

    vezes, age a partir de esteretipos na hora de abordar um suspeito, dando maior

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    35/182

    34

    visibilidade aos crimes relacionados populao pobre e negra. Segundo o autor, as

    estatsticas super-representam crimes cujas vtimas so de bairros ricos e sub-

    representam aqueles nos quais as vtimas so de bairros pobres, ao mesmo tempo

    em que super-estimam a quantidade de agressores relacionados com esteretipos

    de pobreza e sub-estimam os praticantes de crimes da classe mdia-alta.

    Pode-se inferir que existem diferenas entre os diversos tipos de crimes contra

    o patrimnio, por exemplo, o volume de dinheiro e o valor dos crimes de colarinho

    branco so bem superiores aos roubos e furtos comuns e cotidianos praticados pela

    populao de classe mdia-baixa. Assim como nos outros crimes, existem muitas

    diferenas que devem ser pensadas, por exemplo, crimes contra pessoa, no caso

    agresses. Podem ocorrer muitas agresses, mas essas so diferentes conforme ograu de prejuzos fsicos e morais, as causas, os envolvidos quem so as vtimas e

    agressores, de qual classe social os motivos etc.

    Nesta pesquisa, a utilizao de dados sobre violncia criminal fez-se

    necessria para construo da mesma. A maior parte das informaes oriunda das

    ocorrncias criminais. Entretanto, como foi verificado no texto apresentado, sabe-se

    das limitaes desses dados, no podendo consider-los como uma fonte conclusiva

    para o trabalho.

    1.3. O Mito da Marginalidade

    Normalmente os grupos mais pobres so facilmente estigmatizados como

    suspeitos de atos de vandalismo e banditismo. A violncia, em muitos casos,

    relacionada a uma classe caracterizada como os pobres.Zaluar (1999) nos da um exemplo sobre porque no se pode concluir que a

    misria leva violncia. Segundo a autora os nveis salariais no Sudeste da sia

    so incrivelmente baixos, os operrios no tm direito trabalhistas como os operrios

    brasileiros e, no entanto, os nveis de crimes violentos no aumentaram como no

    Brasil. Outro exemplo que a autora coloca em relao Europa: na Inglaterra e na

    Frana do sculo XIX quando a misria era uma realidade visvel nas ruas de suas

    cidades, a taxa de homicdio no passava de dois por cada 100 mil habitantes.

    Em relao a isso, Zaluar (1999) coloca que essa associao entre pobreza e

    crime existe h muito tempo. As instituies ligadas polcia e justia sempre

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    36/182

    35

    direcionaram suas acusaes para esteretipos criados contra as pessoas da classe

    baixa. Segundo a autora muitos crimes so praticados por pessoas da classe mdia-

    alta, mas pouco o conhecimento sobre tais fatos. As atividades criminosas

    organizadas, ligadas ao trfico de drogas ilegais, aos assaltos profissionais e

    seqestros, enriquecem muito uns poucos, os quais transferem seus milhes para

    algum dos muitos parasos fiscais da economia globalizada. Mas, como as

    investigaes no esto direcionadas para este tipo de criminoso difcil saber, ou

    no se quer saber, onde os muitos milhes arrecadados nos crimes de elevado valor

    econmico no Brasil foram parar, ao passo que, muitos jovens pobres, alm de no

    lucrarem com o negcio, perdem a placidez na vida, em conflitos com outros

    traficantes, ou com a polcia.Segundo Flix (1996) justifica-se a tese de associao entre pobreza e a

    criminalidade pelo fato de determinadas variveis criminolgicas concentrarem-se ou

    apresentarem maior visibilidade em regies de baixo nvel scio-econmico.

    Conforme a autora, essa tese muito contestada em razo das distores nos

    dados oficiais e a prpria ao das agncias oficiais de controle e represso do

    crime. Os delitos contra a propriedade cometidos por indivduos de classe baixa so

    tratados pelos tribunais com mais severidade que os cometidos pela classe mdia-alta.

    Foucault (1994) lembra que o delinqente se distingue do infrator pelo fato de

    no ser tanto o seu ato criminoso, mas sim, a sua vida, a sua condio scio-

    econmica, o que mais o caracteriza. Conforme o autor, as estatsticas, a polcia, o

    sistema judicirio, em muitos casos, procuram mais por delinqentes do que por

    infratores, a priso, o processo, depende da classe social.

    Muitos autores vm trabalhando esta idia como o mito da marginalidade. Emmuitos casos as periferias das cidades so estigmatizadas como locais insalubres e

    violentos. As favelas so os territrios urbanos que mais sofrem com esse estigma.

    De acordo com Souza (2005) muitas pessoas, sejam da classe alta, mdia ou at

    mesmo da classe baixa, criam esteretipos em relao os moradores favelados.

    Apresentam uma ideologia que esses seriam economicamente parasitrios,

    culturalmente desajustados, pois, muitos deles, recm-chegados do campo,

    vivenciaram pouco a pouco a cidade e no se adaptariam muito bem vida urbana,

    e politicamente perigosos porque, potencialmente subversivos. Segundo Souza

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    37/182

    36

    (2005), contrariando estas hipteses, vrios estudos realizados na dcada de 19705,

    concluem que: os moradores das favelas no podem ser considerados parasitrios,

    porque so imprescindveis economia urbana, como mo-de-obra abundante e

    barata: de operrios, porteiros, empregadas domsticas, auxiliar de pedreiro, etc.;

    no possvel caracteriz-los como desajustados, pois na verdade se adaptam

    rapidamente as grandes cidades e acabam conhecendo-a at melhor que os

    integrantes da classe designada como os ricos; e no plausvel afirmar que

    sejam revoltados politicamente, pois muitos deles trocam votos e apoio poltico por

    benefcios materiais ou promessas, e acabam votando em candidatos e partidos

    conservadores, contra seus prprios interesses e objetivos.

    Perlman (1977, p. 235) coloca que:

    [...]os esteretipos vigentes quanto marginalidade social, cultural,econmica e poltica so claramente desmentidos pela realidade.Existem fortes evidncias a comprovar que os favelados no somarginais, mas de fato integrados na sociedade, ainda que nummodo que vai contra os seus prprios interesses. Certamente no seencontram separados do sistema, ou sua margem, mas esto a eleestreitamente ligados de uma forma muitssima assimtrica.Contribuem para o seu rduo trabalho, suas elevadas esperanas, e

    sua lealdade, mas no tiram proveito dos bens e servios do sistema.Eu sustento que os moradores da favela no so econmica epoliticamente marginais, mas so explorados e reprimidos; que noso social e culturalmente marginais, mas so estigmatizados eexcludos de um sistema social fechado. No so passivamentemarginais em termos de suas prprias atitudes e comportamento, aocontrrio, esto sendo ativamente marginalizados pelo sistema epela poltica oficial.

    O que no comentado pela mdia que a maior parte das vtimas da

    violncia so pessoas da classe baixa. Por exemplo, em relao ao trfico dedrogas, muitos so os jovens pobres que perdem suas vidas na disputa por bocas

    de fumo, ou em confrontos com a polcia. Alm disso, pode-se comentar tambm

    das pessoas que convivem na mesma rea que os traficantes, como por exemplo,

    muitos moradores das favelas, avaliando que, em muitos casos o comportamento da

    maioria dos favelados se ope ao praticado no trfico, mas, mesmo assim precisam

    conviver com a criminalidade desencadeada pelo trfico de drogas.

    5PERLMAN, J. O mito da Marginalidade: favelas e poltica no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Paz eTerra, 1981 (1977); KOWARICK, L. A espoliao urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979 (citadospor SOUZA, 2005).

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    38/182

    37

    Existem muitos casos que as diferenas sociais, a falta de emprego, a

    segregao scio-espacial podem ser fatores indutores de determinadas violncias.

    Francisco Filho (2004) nos coloca uma pergunta: Ser que a violncia algo

    pertencente a uma classe prpriado fenmeno urbano ou a materializao de um

    processoque comea com a sociedade altamente segregada e excluda do espao

    urbano, passa pela pobreza e termina na agresso ao indivduo, num processo de

    causa e conseqncia?

    Nessa perspectiva, Guareschi et al(2005, p. 50) afirma que:

    Conforme Soares (1999), pobreza e desigualdade podem ou noestar associados violncia, pois tudo depende do tipo de violncia,do contexto intersubjetivo e cultural do qual falamos. Estaperspectiva aponta para o conceito de vulnerabilidade social, quetem como um de seus efeitos o rompimento da ligao hegemnicaarbitrria realizada entre pobreza e violncia. A noo devulnerabilidade social remete a uma situao de desvantagem social,que diz respeito articulao de recursos materiais e simblicos paradar conta de uma demanda social, cultural, econmica, que temcomo desdobramento possvel a produo de um sujeito exposto aorisco; entendida como uma posio de fragilidade ou desvantagemde sujeitos ou grupos frente ao acesso s condies de promoo egarantia de seus direitos de cidadania.

    Desta forma torna-se invivel a relao pobreza e criminalidade, pois existe

    todo um processo de excluso do ser humano, antes que esse torne-se um pobre

    violento,alm de que a visibilidade dos fatos violentos caem normalmente sobre os

    mesmos esteretipos, isto , os pobres. A segregao scio-espacial urbana pode

    se caracterizar como um tipo de violncia, o desemprego tambm pode ser

    considerado um tipo de violncia, desvios de verbas pblicas realizadas por polticos

    milionrios, o controle do trfico que est nas mos de pessoas que detm o poderpoltico e econmico, entre outros, representam diferentes formas de violncia, que

    podem desencadear outras formas de expresso da criminalidade.

    Muitas violncias se manifestam, ou apresentam maior visibilidade nas reas

    mais pobres, ou entre as pessoas de classe baixa. Por exemplo, a violncia gerada

    pelo trfico de drogas envolve tambm muitas pessoas da classe mdia-alta,

    entretanto, na mdia, focado o trfico nas favelas, como se esse problema

    comeasse ali e terminasse ali mesmo. So violncias maiores que vm gerandooutras formas de violncia, que so praticadas por pessoas de classe baixa, a qual

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    39/182

    38

    segue estigmatizada pela mdia e pela sociedade, como pessoas violentas. Alm

    disso, estas acabam sofrendo outro tipo de violncia, quando so encarceradas nos

    presdios. So o resultado de um processo de excluso de um sistema que no abre

    espao para todos.

    1.4. As prises

    As prises so instituies criadas para o encarceramento dos excludos pelo

    sistema. Como comenta Streck (1999), o sistema capitalista atual vigente, ao mesmo

    tempo em que cria os excludos, utiliza-se das prises para puni-los, segreg-los,enfim, exclu-los definitivamente num sistema institucional fechado.

    No seu livro Vigiar e Punir, Foucault (1994) fala da histria das prises.

    Segundo o autor a priso surgiu para controlar a sociedade e as pessoas.

    Objetivava-se repartir os indivduos, fix-los e distribu-los espacialmente, classific-

    los, tirar deles o mximo de tempo e o mximo de foras, treinar seus corpos,

    codificar seus comportamentos, constituir sobre eles um saber que se acumula e

    que se centraliza.De acordo com o autor, os mecanismos punitivos teriam como papel trazer

    mo-de-obra adicional e constituir um tipo de escravido. Com o feudalismo, e numa

    poca em que a moeda e a produo esto pouco desenvolvidas, a punio estava

    relacionada aos castigos corporais, sendo o corpo na maior parte dos casos o nico

    bem acessvel os suplcios. A manufatura penal aparecia com o desenvolvimento

    da economia do comrcio. Mas com o sistema industrial exigia-se um mercado de

    mo-de-obra livre, dessa forma, o trabalho obrigatrio diminuiria no sculo XIX nosmecanismos de punio e seria substitudo por uma deteno com fim corretivo as

    prises.

    A priso moderna se caracteriza pela privao da liberdade e quantificao

    temporal. Segundo Alencar (2002) este tipo de instituio surge sem dar

    significncia discusso sobre que espao este e suas implicaes impostas na

    forma de vida das pessoas que transgrediram a lei, a importncia foi dada em

    relao ao tempo. De acordo com a autora a pena de priso um produto da

    sociedade capitalista:

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    40/182

    39

    [...] no capitalismo, o trabalhador considerado livre; ele oferecerno mercado a sua mercadoria sua fora de trabalho. Como todamercadoria, o tempo que determinar o valor dela (ele a vende porhora, dia, semana ou ms). Assim, o que se constitui em bem dotrabalhador, e aparece como possibilidade dele acumular ouascender socialmente, o seu trabalho. Se ele pago pelo tempo detrabalho, ao ser sentenciado pena de priso suprimido dele essetempo para vender sua fora de trabalho. assim que a puniorecai sobre o tempo, porque este valor, o bem que o trabalhadorpossui (ALENCAR, 2002, p. 31).

    Segundo a autora as prises surgiram para alojar aquele grupo de indivduos

    que se encontravam fora do mercado do trabalho e das regras da sociedade. Eram

    caracterizados como homens pobres, vagabundos, doentes, criminosos,

    camponeses expulsos de suas terras e prioritariamente, os loucos. Atualmente, nas

    prises brasileiras, observa-se que o trabalho no muito valorizado, mas ainda so

    presas as pessoas, que, como diz a autora, esto fora do mercado de trabalho e do

    convvio social, na sua maioria, pessoas pobres.

    Como tambm mencionado por Foucault, duas pessoas de classes sociais

    diferentes podem praticar um determinado crime, contra o patrimnio, por exemplo,

    analisando que esses aconteceriam em instncias diferenciadas no que se refere ao

    volume de dinheiro e valor do bem roubado, sendo o crime praticado pela pessoa declasse mdia-alta tenha efeitos muito mais graves sobre a sociedade, entretanto,

    dificilmente o praticante desse crime seria acusado ou preso, ao passo que o

    criminoso da classe designada como pobre, mesmo sendo o bem roubado de

    pouco valor a priso sempre se faz necessria. Dessa forma analisa-se que as

    instituies de segurana e de justia, e mesmo a sociedade, esto julgando a

    pessoa que praticou crime e a classe social a qual pertence, e no o ato criminoso.

    Nesta perspectiva Foucault (1994, p. 243) afirma que :

    Hipocrisia ou ingenuidade acreditar que a lei feita para todo mundoem nome de todo mundo; que mais prudente reconhecer que ela feita por alguns e se aplica a outros; que em princpio ela abriga atodos os cidados, mas se dirige principalmente s classes maisnumerosas e menos esclarecidas que, ao contrrio do que acontececom as leis polticas ou civis, sua aplicao no se refere a todos damesma forma; que nos tribunais no a sociedade inteira que julgaum de seus membros, mas uma categoria social encarregada daordem sanciona outra fadada desordem.

    Nesse sentido, Streck expe que:

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    41/182

    40

    [...] Paulo Srgio Pinheiro, analisando a crise do sistemapenitencirio brasileiro, diz que fcil apontar os usurios habituaisdas prises no pas: os clientes das prises, dos internatos, dos

    orfanatos, dos reformatrios, dos manicmios so as classespopulares, o proletariado e o subproletariado. E acentua: Para umobservador que de repente desembarcasse no Brasil, poderiaparecer que, exceto rarssimas excees de alguns pequenosburgueses encarcerados, a delinqncia atributo de uma ssociedade. Dados resultantes de pesquisa realizada pelaprocuradora da Repblica, Ela Castilho, do conta de que, de 1986 a1995, somente 5 dos 682 supostos crimes financeiros apurados peloBanco Central resultaram em condenaes em primeira instncia naJustia Federal. A pesquisa revela, ainda, que nove dos 682 casosapurados pelo Banco Central tambm sofreram condenaes nostribunais superiores. Porm e isso de extrema relevncia nenhum dos dezenove rus condenados por crime do colarinhobranco foi para a cadeia. A pesquisa ressalta que o nmero de 682casos apurados extremamente pequeno em face dos milhares decasos de crimes de colarinho branco que ocorrem todo ano no pas(STRECK, 1999, p. 461).

    Nesta contextualizao Wacquant (2001) coloca que, nos Estados Unidos, por

    exemplo, existe o que se pode chamar de uma criminalizao da pobreza. Para o

    autor, a criminalidade no est relacionada apenas aos incivilizados que se

    multiplicam em um bairro, dando visibilidade violncia, acarretando assim sua

    decadncia, mas tambm considera que o declnio econmico e a segregao scio-

    espacial que alimentam os distrbios de rua, desestabilizando a estrutura social local

    e minando as oportunidades de vida das populaes. [...] esta suposta exploso

    de violncia urbana dos jovens cados numa suposta e recente delinqncia de

    excluso que motiva ou serve de pretexto para a deriva para o tratamento penal

    da misria (WACQUANT, 2001, p. 69).

    Contrariamente imagem cor-de-rosa projetada pelas mdiasnacionais e suas dceis sucursais no exterior, os americanosdesafortunados tampouco podem se apoiar no mercado de trabalhopara melhorar suas condies de vida. [...] os ndices dedesemprego ultrapassam 30 a 50% nos bairros segregados dasgrandes cidades (WACQUANT, 2001, p. 79).

    Neste sentido, Bicudo (1994) afirma que a condenao penal caracterizada

    por uma pena criminal vazia de contedo, sendo um procedimento injusto, que visasobretudo o aniquilamento fsico e psquico do encarcerado. O sistema carcerrio

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    42/182

    41

    brasileiro caracterizado pela superlotao, no qual, muitas vezes os presos so

    espancados ou mortos covardemente pela polcia ou pelos seus companheiros de

    cela. Nesse contexto, as rebelies so freqentes e a atuao das tropas de choque

    tambm, agredindo e atirando nos presos. Desta maneira importante salientar que,

    a cadeia no educa, no socializa, apenas destri e aniquila. Quando o preso tem a

    oportunidade de se inserir na sociedade novamente, encontra-se ainda mais

    marginalizado, enfrenta o preconceito, e normalmente volta prtica criminal,

    facilitando sua reincidncia priso. Sobre isso Foucault (1994, p. 234) acrescenta

    que as prises no diminuem as taxas de criminalidade, pelo contrrio, podem

    aument-las, multiplic-las, transform-las, a quantidade de crimes e criminosos

    permanece instvel, ou, ainda pior, aumenta.Assim, preciso pensar sobre a constituio da penalidade moderna, onde o

    tempo se destaca como um fator essencial para se pensar a prpria instituio.

    Alencar (2002) afirma que no preciso muitas argumentaes para saber que as

    pessoas que cumprem pena, ao sarem da priso, dificilmente conseguem se

    reintegrar ao mercado de trabalho.

    O que entra em questo com a pena de priso uma sentenageralmente infinita, porque a pessoa que cumpre pena no ter maisoportunidade de vender seu bem, sua mercadoria. [...] A formade penalidade moderna o tempo de priso, esse tempo que tempo de vida perdido (ALENCAR, 2002, p. 37).

    De acordo com Wacquant (2001), os EUA optaram pela criminalizao da

    misria, assim como o Brasil. Contudo, o autor coloca que existem pases que esto

    buscando alternativas para solucionar este problema.

    A Europa est numa encruzilhada, confronta com uma alternativahistrica entre, de um lado, h um tempo, o encarceramento dospobres e o controle policial e penal das populaes desestabilizadaspela revoluo do trabalho assalariado e o enfraquecimento daproteo social que ela requer e, de outro lado, a partir de agora, acriao de novos direitos do cidado tais como o salrio desubsistncia, independentemente da realizao ou no de umtrabalho, a educao e a formao para a vida, o acesso efetivo moradia para todos e a cobertura mdica universal , acompanhadade uma reconstruo efetiva das capacidades sociais do Estado. [...]Dessa escolha depende o tipo de civilizao que ela pretendeoferecer a seus cidados (WACQUANT, 2001, p.151).

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    43/182

    42

    O aprisionamento das classes menos favorecidas social e economicamente

    tambm evidenciado nesta pesquisa. Os dados pesquisados e analisados

    permitem observar que, na cidade de Santa Maria, os detentos, na sua grande

    maioria, so provenientes de bairros caracterizados por uma quantidade elevada de

    pessoas com um baixo nvel de renda e um baixo nvel de instruo, o que assinala

    sua condio scio-econmica. Tambm so caracterizados por estarem

    desempregados ou empregados em profisses de baixos salrios. Na cidade de

    Santa Maria percebido que a visibilidade dos crimes dada sobre as classes

    menos favorecidas do espao urbano. As prises da sociedade brasileira, assim

    como a priso de Santa Maria tende a ser direcionada para as classes classificadas

    como os pobres, como j explicitado por Foucault (1994). As prises, asnormativas do Cdigo Penal, as instituies de justia foram criadas por uns e

    aplicadas a outros, ao invs de atingir toda sociedade brasileira. Como colocado por

    Wacquant (2001), existe uma criminalizao da pobreza.

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    44/182

    43

    2. VIOLNCIA CRIMINAL NO ESPAO URBANO__________________________________________________________

    2.1. A Influncia da Violncia na Organizao do Espao Urbano

    No Brasil, como no mundo inteiro, parece que o medo um trao cada vez

    mais marcante da vida contempornea. Entretanto, importante salientar que as

    aes violentas se caracterizam por ser cada caso diferente do outro. Em alguns

    lugares o medo se associa principalmente criminalidade comum, isto , assaltos,

    furtos, agresses domsticas, enquanto em outros tambm pode estar vinculada aoterrorismo ou violncia de raiz religiosa ou tnica (SOUZA, 2005).

    Dependendo do pas, estado ou cidade, as aes violentas so mostradas pela

    mdia como sendo causadas pelas classes menos favorecidas economicamente, o

    que tende a ser tomado como verdade pelo senso comum, sendo que somente

    algumas pessoas tendem a filtrar os acontecimentos que lhes so reportados. Um

    trabalho desenvolvido pelo Instituto de Criminologia de Paris explora esta questo

    do medo, da mdia e a distoro dos fatos. Segundo Raufer & Haut (1997) ateleviso regularmente desacreditada e criticada quando trata do assunto

    violncia. A forma como a mdia expe os problemas das periferias pobres pela

    televiso contribui para veicular uma imagem negativa das cidades, acentuando o

    sentimento de excluso e de temor sentido pela populao. Fazendo passar as

    atividades legais que acontecem nos bairros pobres para fatos excepcionais,

    construindo uma imagem distorcida destas zonas falando sobre fatos como:

    violncia, gangs, droga, guetos, circulao de armas, etc. Aquelas pessoas quepossuem como nico meio de informao este tipo de veculo informacional tendem

    a sentir mais medo, por acreditar no que lhes passado.

    Glassner (2003) escritor norte-americano em seu livro Cultura do Medo,

    faz algumas colocaes importantes a respeito desta questo. Segundo o autor, o

    mundo ocidental, o americano, os EUA esto vivendo numa cultura do medo. O

    autor constata que em muitos casos existe uma propagao do medo e da violncia,

    que nem sempre ocorrem. Est sendo investido muito dinheiro pblico e/ou

    privado no combate de uma violncia, sem ter certeza do alcance da problemtica

    da violncia. Nessa perspectiva, o autor coloca um exemplo: nos Estados Unidos,

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    45/182

    44

    enquanto so gastas fortunas para proteger crianas de perigos que poucas delas

    enfrentam (pedofilia, por exemplo), aproximadamente 11 milhes de crianas no

    tem seguro sade, 12 milhes esto subnutridas e as taxas de analfabetismo esto

    aumentando.

    O medo da violncia um assunto relevante que vem sendo discutido

    atualmente. Nas cidades, muitos atores da sociedade vm utilizando-se do discurso

    da violncia para aumentar o seu poder econmico. No que a violncia nas cidades

    no exista, mas, muitas vezes, o discurso do medo e da violncia vem sendo

    colocado na sociedade de uma forma exacerbada, e sendo utilizado para chegar a

    determinados objetivos. Os agentes imobilirios e a mdia so exemplos de atores

    econmicos que podem desenvolver o potencial de disseminar o medo.No espao urbano a expresso do medo torna-se mais visvel, modificando a

    estrutura espacial e os modos de vida das pessoas. Conforme Souza (2005, p. 102):

    [...] A cidade do medo, a fobpole, , precisamente a grandecidade. Antes smbolo de civilizao, de passeios ao ar livre empraa em parques e em meio a monumentos e chafarizes, deconcentrao de cultura e civilizao, as grandes cidades vo setornando lugares onde, cada vez mais, o mais sensato parece ser

    ficar em casa, assistindo a um vdeo na segurana (cada vez maisrelativa) do lar. Muros, cercas eletrificadas, guaritas com vigiasarmados, cancelas para fechar ruas (no s ruas particulares, masat mesmo logradouros pblicos!), cmeras de TV: quem pode, fazda residncia um verdadeiro bunker, ou passa a morar em umcondomnio exclusivo, ou vai para o interior, para uma cidademenor, em busca de paz e tranqilidade. Como se tudo issoadiantasse...

    Para Francisco Filho (2004, p. 6-7) os moradores das grandes metrpoles,

    esto divididos diariamente entre duas questes:

    Quem vive nas grandes metrpoles, atualmente, depara-se no dia-a-dia com uma situao aparentemente paradoxal: se por um ladoviver em reas urbanas ter a garantia de acesso a toda umaestrutura de apoio vida, por outro lado h a sensao de que ascondies geradas nessa estrutura sufocam e oprimem cada cidadonum constante estado de agresso. Vm tona discusses sobrequalidade de vida nos centros urbanos, e percebe-se que essaqualidade, dependendo dos valores em jogo, muito relativa. Numasociedade segregada social, econmica e espacialmente, o acesso qualidade de vida, num primeiro momento, est diretamenterelacionado classe a que pertence cada cidado e,conseqentemente, sua capacidade de compra das benesses que a

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    46/182

    45

    cidade oferece. Em princpio, se o cidado tem acesso a uma boaeducao, a um sistema de sade eficiente, dispe de toda umainfra-estrutura de lazer, tem uma fonte de renda estvel, pode-seafirmar que tem uma boa qualidade de vida. O que acontece, narealidade, que essas benesses presentes nas grandes cidades nogarantem que cada cidado no fique exposto a uma situao diriade stress e angstia. Certamente muitos fatores contribuem paraisso, mas a exposio violncia , sem dvida, um dos maioresfatores que contribuem para a queda da qualidade de vida nasgrandes cidades. A violncia faz com que no se desfrute dasqualidades que um grande centro oferece, e os cidados vo aospoucos se encastelando em seus refgios, cada vez maistransformados em fortalezas, que os afastam da sociedade e ostransformam, por conseguinte, em portadores de atitudessegregacionistas. Talvez seja nisso que os cidados urbanos setransformaram: numa massa de indivduos segregados em seus

    mundos, isolados em ilhas, como por exemplo, os condomnios.

    Analisa-se que a violncia e o medo so alguns fatores que influenciaram e

    influenciam essa nova reestruturao das cidades representadas pelos condomnios

    fechados. Alm deles, percebe-se outras formas segregacionistas no espao

    urbano, tais como: os shopping centers, as favelas, as grades, os muros, os

    sistemas de segurana so caractersticas dessa nova cidade. E a mdia tende a

    agravar essa condio do medo, mostrando todos os dias nos noticirios atos

    violentos, dando uma maior visibilidade da violncia existente (FRANCISCO FILHO,

    2004).

    Segundo Glassner (2003) em algumas pesquisas realizadas durante trs

    dcadas, verificou-se que as pessoas que obtm a maioria das informaes apenas

    sob um prisma televisivo apresentam maior tendncia do que outras de acreditar que

    o lugar onde vivem inseguro. Ao mesmo tempo em que, tendem a acreditar que os

    ndices de criminalidade esto aumentando e superestimar a probabilidade de se

    tornar vtimas da violncia.

    Nesse contexto, essas pessoas tendem a se proteger mais, comprando mais

    fechaduras, alarmes e armas. Tendem a aceitar e inclusive a apoiar medidas

    repressivas como o aumento das prises, a insero da pena de morte, de

    sentenas mais duras, medidas que no reduzem o crime, mas, por outro lado, no

    deixam de dar votos aos polticos (GLASSNER, 2003).

    Para Rifiotis (1999), citado por Chagas Nogueira (2006), diante das

    reportagens apresentadas pela mdia, cria-se uma impresso de que a violncia estaumentando, contudo, o que est crescendo, principalmente, a visibilidade dos

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    47/182

    46

    fenmenos associados a ela. Rifiotis (1999) no texto sobre violncia policial,

    considerando o caso da Favela Naval (Diadema, So Paulo) realizou um estudo

    sobre matrias publicadas aps a divulgao do caso pela Rede Globo de

    Televiso, no dia 31 de maro de 1997, nos jornais Folha de So Paulo (FSP) e O

    Estado de So Paulo (OESP), constatando que:

    Tomando como referencial o caso da Favela Naval identificamosuma matriz que circunscreve o seu leitor-modelo: a ambigidade. Asua indignao frente violncia policial mostrada na televiso no um princpio, mas uma afirmao parcial que depende de umoperador que a condio de trabalhador da vtima. Conferenteou mecnico (sic), a vtima fatal no apenas um cidado morto

    pela polcia. Simbolicamente, opera-se a identificao da premissadas classes perigosas e a construo da imagem da favela com umlugar onde se desenrola mais um drama; a rua Naval passa a ser aFavela Naval. a violncia policial passa a ser vista como umafonte sem controle se deslocando contra a populao pobre. O quedeveras j vinha acontecendo h anos. Trata-se, portanto, de umaindignao modulada. O mesmo se pode afirmar da volpia punitivaque a acompanha: condenao expeditiva. a operao simblicade construo ao mesmo tempo da inocncia da vtima, mas tambma resposta ao leitor-modelo que se pergunta contra quem os policiaisagiram, distinguindo se eram ou no criminosos. Pressupondo que aprtica policial tenha como atribuio definir a culpabilidade, que

    cabe justia. a imagem do suspeito que tratado comocriminoso, sem respeito ao princpio da inocncia pressuposta atque a justia estabelea a condenao (RIFIOTIS, 1999, p. 39).

    Analisando o exposto pelo autor percebe-se que, muitas vezes, a imprensa tem

    a tendncia de estereotipar a ao policial, condenando a violncia desencadeada

    por ela, dando visibilidade a determinados fatos, em detrimento de outros. Ao

    mesmo tempo, essa ao policial desmedida contra a populao pobre justificada

    quando ela direcionada para criminosos suspeitos, j que os moradores das

    favelas normalmente so tratados como suspeitos dos crimes que ali acontecem.

    como se determinados instrumentos da mdia e a viso de determinadas pessoas da

    sociedade no soubessem diferenciar, por exemplo, um integrante de uma quadrilha

    do trfico de um trabalhador assalariado que mora na favela. E, mesmo que

    tivessem a capacidade de efetuar essa diferenciao, ser que saberiam analisar a

    contexto pelo qual levou determinado morador a se integrar a uma quadrilha do

    trfico?

  • 7/24/2019 A Dinamica Da Violencia Criminal

    48/182

    47

    O medo e a necessidade de proteo crescente esto se refletindo no espao,

    transformando todo o desenho das cidades. Segundo Flix (1996) os espaos

    urbanos esto se modificando, diminuindo a acessibilidade. Por um lado, as classes

    mais abastadas da sociedade utilizam-se de meios para proteo das patologias

    sociais, sendo que uma dessas patologias est relacionada a violncia. Surgem,

    desse modo, modalidades residenciais que tentam oferecer o mximo de segurana

    com guaritas, circuitos fechados de TV, porteiros eletrnicos, especialmente na

    forma de condomnios fechados. Por outro lado, deve-se analisar que, quanto mais

    difcil for o acesso, mais aprimoradas sero as tcnicas utilizadas para a prtica dos

    crimes.

    Sobre a organizao do espao urbano Souza (1996) afirma que, em muitoscasos, o discurso da segurana est presente na produo do espao urbano, no

    qual se manifestam novas tendncias da produo imobiliria, com novos estilos

    arquitetnicos, um novo paradigma urbanstico e uma nova cultura urbana.

    Analisando esse assunto Souza (1996, p. 54) acrescenta que:

    Os condomnios exclusivos so o smbolo mximo do que se podedesignar como auto-segregao, o qual representa o contraponto da

    segregao induzida (que se refere basicamente aos loteamentosirregulares das periferias urbanas e s favelas; no caso, asegregao induzida pela pobreza, pelo menor poder aquisitivo,que fora uma parcela considervel da populao a morar emespaos quase desprovidos de infra-estrutura, negligenciados peloestado e at mesmo insalubres).

    Comple