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A DIMENSÃO PEDAGÓGICA NO TRABALHO COM A LITERATURA INFANTIL Alessandra Cardozo de Freitas Mestranda em Educação - PPGEd Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN Desde sua origem, a literatura infantil, quer seja em termos de produção como de recepção tem refletido uma função utilitário-pedagógica, que consiste em pedagogizar o literário, visando apenas transmitir informações que conduzam à formação de hábitos e atitudes pelo ser infantil, considerado como ingênuo, frágil e dependente do adulto. Nessa abordagem, a ação pedagógica com a literatura implica em atingir uma finalidade educativa extrínseca ao próprio texto, sendo a criança vista como aprendiz passivo à voz do narrador e do adulto, não havendo possibilidade de respostas alternativas que levem à diversidade de sentidos que a obra literária possa despertar, pois a ênfase está no sentido supostamente unívoco e literal das palavras. Críticas têm sido feitas à ação pedagógica com a literatura respaldada na função utilitário – pedagógica (Zilberman & Lajolo, 1985; Palo & Oliveira, 1986; Amarilha, 1997 entre outros), ressaltando-se, sobretudo, a importância da linguagem em função estética, que constitui a natureza do texto literário (Fiorin & Savioli, 1990). Neste estudo, objetivamos refletir acerca da dimensão pedagógica com a literatura infantil, na perspectiva de uma relação dialética entre o pedagógico e o literário. Para tanto, utilizaremos como corpus de análise dados recolhidos na pesquisa A influência da literatura no processo de alfabetização- UFRN/PPGEd, realizada numa turma de alfabetização, de uma escola pública do município de Natal – RN. Nessa pesquisa, desenvolvemos o total de dez aulas, envolvendo procedimentos de contação e recontação de histórias, do gênero contos de fadas. À título de referencial metodológico à condução do trabalho com o texto literário, nos fundamentamos na experiência de leitura com andaime (Graves & Graves, 1985). Também denominada de experiência de leitura scaffolding, a experiência de leitura com andaime prevê no processo de interação verbal, como na situação de leitura entre professor e aluno, a construção de uma estrutura instrucional, um andaime, que assista o aluno conforme o seu nível de aprendizagem, fazendo-o levar adiante uma tarefa ou atingir uma meta que poderia estar além de seus esforços, caso ele a realizasse sozinho, sem assistência de um mediador. Essa abordagem é constituída por duas grandes fases: a fase de planejamento, na qual são observados aspectos como os sujeitos que participarão da experiência, a seleção do material para leitura e seus propósitos; e a fase de implementação, compreendendo essa os procedimentos de pré – leitura, que incluiu a ativação de conhecimentos prévios e a construção de previsões acerca do material a ser lido; leitura, podendo ser individual ou coletiva e; pós – leitura, o desenvolvimento de atividades acerca da recepção e compreensão do texto trabalhado. A abordagem da experiência de leitura com andaime nos faz retomar o conceito de zona de desenvolvimento proximal, formulado por Vygotsky (1994: 112), Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real , que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob orientação. Essas duas abordagens têm em específico a compreensão da importância da ação colaborativa no processo de ensino-aprendizagem. Ação cuja prática efetiva põe em movimento sequências de desenvolvimento. Ambas também enfatizam a atitude mediadora de um adulto ou companheiro mais experiente.

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A DIMENSÃO PEDAGÓGICA NO TRABALHOCOM A LITERATURA INFANTIL

Alessandra Cardozo de FreitasMestranda em Educação - PPGEd

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

Desde sua origem, a literatura infantil, quer seja em termos de produção como de recepçãotem refletido uma função utilitário-pedagógica, que consiste em pedagogizar o literário, visandoapenas transmitir informações que conduzam à formação de hábitos e atitudes pelo ser infantil,considerado como ingênuo, frágil e dependente do adulto. Nessa abordagem, a ação pedagógicacom a literatura implica em atingir uma finalidade educativa extrínseca ao próprio texto, sendo acriança vista como aprendiz passivo à voz do narrador e do adulto, não havendo possibilidade derespostas alternativas que levem à diversidade de sentidos que a obra literária possa despertar, poisa ênfase está no sentido supostamente unívoco e literal das palavras. Críticas têm sido feitas à açãopedagógica com a literatura respaldada na função utilitário – pedagógica (Zilberman & Lajolo,1985; Palo & Oliveira, 1986; Amarilha, 1997 entre outros), ressaltando-se, sobretudo, a importânciada linguagem em função estética, que constitui a natureza do texto literário (Fiorin & Savioli,1990).

Neste estudo, objetivamos refletir acerca da dimensão pedagógica com a literatura infantil,na perspectiva de uma relação dialética entre o pedagógico e o literário. Para tanto, utilizaremoscomo corpus de análise dados recolhidos na pesquisa A influência da literatura no processo dealfabetização- UFRN/PPGEd, realizada numa turma de alfabetização, de uma escola pública domunicípio de Natal – RN. Nessa pesquisa, desenvolvemos o total de dez aulas, envolvendoprocedimentos de contação e recontação de histórias, do gênero contos de fadas. À título dereferencial metodológico à condução do trabalho com o texto literário, nos fundamentamos naexperiência de leitura com andaime (Graves & Graves, 1985).

Também denominada de experiência de leitura scaffolding, a experiência de leitura comandaime prevê no processo de interação verbal, como na situação de leitura entre professor e aluno,a construção de uma estrutura instrucional, um andaime, que assista o aluno conforme o seu nívelde aprendizagem, fazendo-o levar adiante uma tarefa ou atingir uma meta que poderia estar além deseus esforços, caso ele a realizasse sozinho, sem assistência de um mediador. Essa abordagem éconstituída por duas grandes fases: a fase de planejamento, na qual são observados aspectos comoos sujeitos que participarão da experiência, a seleção do material para leitura e seus propósitos; e afase de implementação, compreendendo essa os procedimentos de pré – leitura, que incluiu aativação de conhecimentos prévios e a construção de previsões acerca do material a ser lido; leitura,podendo ser individual ou coletiva e; pós – leitura, o desenvolvimento de atividades acerca darecepção e compreensão do texto trabalhado.

A abordagem da experiência de leitura com andaime nos faz retomar o conceito de zona dedesenvolvimento proximal, formulado por Vygotsky (1994: 112),

Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real , que se costumadeterminar através da solução independente de problemas, e o nível dedesenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas soborientação.

Essas duas abordagens têm em específico a compreensão da importância da açãocolaborativa no processo de ensino-aprendizagem. Ação cuja prática efetiva põe em movimentosequências de desenvolvimento. Ambas também enfatizam a atitude mediadora de um adulto oucompanheiro mais experiente.

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Dos dados recolhidos na pesquisa anteriormente referida, selecionamos alguns episódios dassituações de pré-leitura e pós-leitura desenvolvidas durante a sétima aula, em 16 de outubro de2000. O conto de fadas escolhido para essa aula foi Os músicos de Bremen, narrativa recolhida datradição oral alemã pelos irmãos Grimm e traduzida para o português por Dante Pignatari, sendo otexto final de Maria Heloisa Penteado.

Os músicos de Bremen narra o encontro entre quatro animais – o burro, o cachorro, o gato eo galo – que durante anos e anos serviram aos seus donos, mas que, em virtude da velhice,perderam suas forças e percebendo que seus donos planejam matá-los, decidem fugir em direção aBremen, onde pensam ganhar a vida como músicos. Porém, no caminho, eles encontram uma casahabitada por um bando de ladrões. Os animais expulsam os ladrões duas vezes seguidas e, com acasa desabitada, desistem de ir para Bremen e ficam morando lá.

Para trabalharmos esse conto, definimos como objetivos: 1) incentivar os alunos a fazeremprevisões acerca da história a partir da leitura e discussão sobre o seu título; 2) estimular as criançasa reconstituírem a sequência narrativa através do procedimento da recontação. No tocante aosprocedimentos metodológicos, determinamos os seguintes passos, conforme a abordagem daexperiência de leitura por andaime: pré – leitura, propor ao grupo refletir acerca do título do conto –Os músicos de Bremen – que músicos serão esses? O que significa a palavra Bremen?; leitura,contar a história utilizando ilustrações ampliadas; e, pós – leitura, discussão e recontação do conto apartir das ilustrações.

Analisaremos primeiramente episódios da situação de pré-leitura.(01) PP: A história + que nós vamos ouvir hoje + se chama + os músicos de Bremen + vamos

pensar nesse título os músicos de Bremen + que músicos serão esses? O que significa a palavraBremen? ((uma criança atrapalha trocando de cadeira no círculo)) / quem serão os músicos deBremen? ((silêncio))

Diante do silêncio estabelecido, a pesquisadora-professora questiona às crianças sobre oconceito de músico.(02) PP: Alguém aqui sabe o que é músico?(03) Melki: Não(04) Sujeito não identificado: Músico?(05) Bru: Músico eu sei que que tem na Angélica(06) Sujeito não identificado: Cantor(07) Verô: Cantora.

Os alunos retoman experiências vivenciadas através de programas televisivos aoexpressarem o significado que a palavra músico tem para eles. Nos turnos 05 a 07, podemosperceber como a fala de uma criança repercute sobre a fala das demais, de modo que há umacomplementação da primeira informação – Músico eu sei que tem na Angélica (Bru); na Angélicatem cantor (Sujeito não identificado); na Angélica tem cantora também (Verô). Dessas trêsconstruções deduz-se que músico é aquele que canta e que aparece na televisão. Há portanto, umaprimeira noção do conceito de músico vinculada aos programas televisivos. Percebendo esse fato, apesquisadora-professsora, de modo a instigar a reflexão por parte dos alunos, questiona:(08) PP: Só é músico quem canta? (silêncio) Quem toca violão é músico?(09) Crianças: É(10) PP: Músico é quem toca + quem canta e quem escreve músicas /.../

Há nessa situação a ampliação de um conceito através da atitude da pesquisadora-professora,tanto nos questionamentos dirigidos às crianças quanto na menção à uma concepção maisabrangente de músico, fato que é ilustrado por uma criança./.../(20) Lan: o meu pai toca violão, é músico.

Nesses termos podemos nos questionar: que trabalho com a literatura pode estar presentenesse episódio? A resposta a essa questão nos faz considerar que a ação didática com o literáriodeve anteceder e suceder o seu encontro com a prática social, as experiências de vida dos leitores ououvintes de uma história. Intercalar o literário ao vivido é sobretudo explorar a dimensão de

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envolvimento, imprescindível à atenção e à concentração na leitura de uma história. Oenvolvimento não é algo linear nem tampouco restrito ao tempo e lugar onde possa acontecer aleitura. Ele implica em considerar lugares concretos, como a casa onde mora um pai que tocaviolão, sendo portanto músico; experiências diversificadas, como a audiência aos programas de TVetc.

Esses aspectos nos colocam diante do imprevisível na ação pedagógica com a literatura. Seretomarmos os objetivos da aula, não observaremos nenhuma menção à exploração do conceitomúsico, mas sim a expressão Os músicos de Bremen. No entanto, o contexto de interação, em que osilêncio foi elemento chave, levou-nos a questionar, relativizar e expandir um conceito, cujoreferente até o momento era a televisão. Segundo Lajolo (1982: 38), a linguagem parece tornar-seliterária quando instaura um universo, um espaço de interação de subjetividades (autor e leitor).Acrescentamos ao espaço de subjetividades descrito pela autora a relação dos leitores entre si, comodemonstra o episódio de pré-leitura anteriormente citado.

Após esse momento de incitação à leitura do conto Os músicos de Bremen, narramos ahistória, utilizando para tanto ilustrações ampliadas, retiradas do livro Contos de Grimm. Após anarração da história, realizamos a seção de pós- leitura, ocasião em que as crianças expressaramsatisfação em ter ouvido o conto, elegendo como personagem de maior destaque o burro./.../(21) PP: Quem gostou dessa história?(22) Crianças: eu::(23) Mar: eu gostei da parte do burro(24) Verô: eu gostei dessa parte (( a aluna aponta para a primeira ilustração, na qual aparece o

burrro))/.../

A preferência pelo personagem do burro tem haver com o papel que ele desempenha nahistória. O burro exerce um comportamento de liderança para com os demais animais. É ele quemconvida-os a ir para Bremen; quem elabora o plano para expulsar os ladrões e quem é chamadopelos amigos de Mestre. Ele é, portanto, o protagonista da história. A seleção feita pelas criançasaponta para um aspecto importante em relação ao trabalho com a literatura, mais especificamentecom a audição de histórias por crianças ainda não alfabetizadas. Esse aspecto diz respeito asaprendizagens desencadeadas ao ouvir histórias. Nesse episódio percebemos o que as criançasaprendem acerca dos personagens, diferenciando-os dos demais.

Na pós – leitura, mais uma vez podemos perceber o vínculo entre literatura e prática social.Vinculação essa estabelecida na interação entre os sujeitos (pesquisadora-professora e os alunos ) eo texto literário./.../(43) PP: Olha só pessoal + esses animais todos estavam fugindo de seus donos + porque eles já

não eram mais jovens + e iam ser mortos + vocês acham que eles fizeram certo? (silêncio)(44) Lan: Não.(45) Verô: Eu acho./.../(47) Bru: porque eles fugiram do seu dono.(48) PP: Mas por que os animais fugiram dos seus donos?(49) Crianças: Porque queria matar(50) Bru: E queria + deixar o gato na chuva e o cachorro + botar pra caçar e + e a galinha ((o

galo)) botar pra matar./.../(52) Jona: (e o gato tava fugindo porque não ia pegar mais rato)(53) PP: Isso Jona. Verô disse que eles fizeram certo.(60) PP: Será que o fato deles estarem velhos impediria-os de trabalhar e viver?(61) Sujeito não identificado: Trabalhar não pode

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(62) Verô: Tia + minha mãe tava doente + aí é veio o homem do trabalho dela + e chamou ela pratrabalhar porque a mulher do trabalho tava com o olho inchado + aí foi buscar mainha no carro.

(63) PP: Sua mãe foi trabalhar mesmo doente?(64) Verô: Não::: Porque ela tava com gripe + aí foi chamar ela / aí Socorro chamou ela/ você

pode ir para o trabalho? + Aí mainha disse eu posso + mas eu estou gripado/ mas ela foi./.../(72) PP: Será que essa história pode acontecer de verdade?(73) Crianças: Pode(74) PP: Mas só com animais?(75) Bru: (Não) pode acontecer com pessoas + com adultos + com crianças e animais também.

Nesses episódios as crianças, orientadas pela leitura do conto e pela mediação dapesquisadora-professora, emitem suas impressões acerca do narrado (turnos 44, 45 e 47) ; retomameventos da sequência narrativa (turnos 49, 50 e 52); expressam experiências de vida (62 e 64), assimcomo projetam a história para o mundo real (73 e 75).

Essas categorias, que vão surgindo na situação de interação com o literário, têm comofundamento a experiência do dizer e do dizer-se, como também, a postura de um mediador que, nãodeterminando antecipadamente o que os alunos devem expressar, como nas fichas de leitura ou nosexercícios de interpretação veiculados nos manuais didáticos, tem um comportamento de escuta,trazendo à tona a socialização de saberes e experiências entre as crianças.

Emitir suas opiniões sobre o narrado é aprender a se posicionar como leitor, não só dapalavra escrita, mas também da oralizada e da expressa por imagens. Conferir à criança a posição deleitor, mesmo antes do domínio do código alfabético, é assegurar-lhe o seu papel de sujeitopensante. A pergunta Vocês acham que eles fizeram certo?, exige que o ouvinte refaça o trajeto donarrado, focalizando o antes e o depois das ações executas pelos personagens. Essa pergunta podeparecer simplista, mas pressupõe do sujeito o estabelecimento de relações temporais. Sendo atemporalidade uma das características definidoras da narrativa, questionar as crianças sobre ela étorná-la elemento de aprendizagem, no sentido de uma ação deliberada a partir do literário.

Outra característica central na estrutura narrativa é a relação de causalidade, que envolve oporquê de determinado evento ocorrer, resultando na reflexão acerca do encadeamento das açõesnarrativas. Nos turnos 50 e 52, o porquê, instaurado pela pesquisadora-professora levou os alunosBru e Jona a rememorarem eventos da sequência narrativa. Já para a aluna Verô, o mesmo porquê,reformulado, suscitou a relação texto-vida, aparecendo nessa associação um outro elemento quepode prejudicar as pessoas no exercício de suas funções: a doença. Observamos assim, que osalunos se posicionaram diferentemente em suas respostas; para Jona e Bru o movimento foi do textoao contexto de interação, enquanto que para Verô o movimento foi do texto para a vida. Nessestermos, em nome da função utilitário-pedagógica para com a literatura infantil, deveríamosidentificar qual das relações estabelecidas pelos alunos é a correta?

Partimos do pressuposto de que a ação em nome do sentido unívoco não é adequada,principalmente na relação da criança com a literatura, pois exclui da relação sujeito-texto o seucaráter mais peculiar: a diversidade, que resulta das diferentes leituras e experiências de vida assimcomo dos sentidos que cada leitor atribui aos fatos vividos ou imaginados através da leitura.Possivelmente, outras crianças e até mesmo Bru e Jona tenham passado pela experiência de suasmães estarem doentes. No entanto, para Verô essa experiência mostrou-se mais significativa, alémde ter servido de estratégia de inserção da aluna na situação interdiscursiva estabelecida nomomento de pós-leitura. De acordo com Smith (1989: 29), Muitos conjuntos de relações cognitivasimportantes, são representações mentais de lugares e cenas, aos quais estamos familiarizados.Ainda segundo esse autor, o conjunto desses e outros fatores forma a nossa teoria de mundo, que é afonte de toda nossa compreensão. Nesse sentido, afirmamos que a aluna fez uso de sua teoria demundo, mais particulamente de uma cena do seu cotidiano familiar, estabelecendo uma relaçãocognitiva com o texto literário.

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O certo ou o errado no trabalho com a literatura infantil devem ser substituídos pelos termos:cooperação e expansão de sentido. Cooperar, no sentido de possibilitar a liberdade de expressão e atroca de idéias entre as crianças, ou seja, instaurar o espaço de interdiscursividade. Quanto aexpansão, essa demanda do educador a competência para perceber o que da fala de cada sujeitopode servir para oportunizar um novo olhar para o texto, ou em específico para o tema abordado nanarrativa. Em nossa experiência na sétima aula, retomamos o aspecto expansão posteriormente,quando afirmamos:

PP: Bem + nessa história os animais não podiam servir mais aos seus donos por causa da idade + edescobriram que poderiam ganhar a vida como músicos + mas como Verô falou + contou ahistória de sua mãe + doenças também podem prejudicar as pessoas nos seus trabalhos + Ficadoente gente grande ou pequena + como disse Bru + essa história pode acontecer com crianças+ adultos e animais.

Acreditamos que compete à educação escolar proporcionar horizontes de perspectivas,através de recursos diversos, entre os quais ressaltamos a atividade de discussão a partir da leiturado texto literário. Conforme Amarilha (1996: 23), (...) quando o leitor discute sua interpretação dotexto com outros leitores, ele poderá se deparar com evidências discrepantes ou informações novase aí, então, ele experimenta o conflito cognitivo. Para que o conflito cognitivo ocorra, se faznecessário romper com a concepção de literatura infantil enquanto instrumento pedagógicomoralizador, concebendo-a como instrumento pedagógico aberto, para uma reflexão sobre o texto esobre a vida de forma mais ampla. Isto implica em estarmos diante de um conceito bem maisabrangente do fenômeno literário, cuja linguagem não se fecha em si mesma, porque considera-se,hoje, que contém uma função social que é provocar a reflexão no leitor (Yunes, Pondé, 1989:44).

A discussão envolve o questionar, sendo a dinâmica mais peculiar a do tipo pergunta eresposta. Na pesquisa, observamos que a pergunta teve um papel estruturante no ato de reflexão,seja através da ativação dos conhecimentos prévios como da articulação entre texto e vida.

A análise dos episódios de pré-leitura e pós-leitura descritos neste trabalho, evidencia oquanto a ação pedagógica, devidamente orientada e sistematizada, incide na relação da criança coma linguagem literária, proporcionando a ampliação de seus conhecimentos, isso em virtude de umaprática pedagógica que tem como fundamento a aprendizagem da criança do e com o texto literário,num processo que inclui a interlocução e a heterogeneidade na construção de sentido.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARILHA, Marly. Estão mortas as fadas. Rio de Janeiro: Vozes, 1997 – Natal: EDUFRN._______. Alice que não foi ao país das maravilhas. In: Educação e Leitura. Natal; EDUFRN –

Editora da UFRN, 1996.FIORIN, José Luís, SAVIOLI, Platão. Texto literário e não literário. In: Para entender o texto:

leitura e redação. São Paulo: Ática, 1990.GRAVES, Michel F, Graves, Bonnie B. The scaffolded reading experience: a flexible framenwork

for helping students get the most out texte. In: Reading, UK: Blackwell Publishers e TheUnited Kingdon Reading Association. V. 29, n. 1, Apr. 1995. P. 29 – 34.

LAJOLO, Marisa, ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira: histórias e histórias. SãoPaulo: Ática, 1985.

LAJOLO, Marisa. O que é literatura? São Paulo: Brasiliense, 1982.PALO, Maria José, OLIVEIRA, Maria Rosa. Literatura infantil: voz de criança. São Paulo: Ática,

1986.SMITH, Frank. Compreendendo a leitura: uma análise psicolinguística da leitura e do aprender a

ler. 3. ed. Porto Alegre. Artes Médicas, 1991VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 5. ed. São Paulo. Martins Fontes,1994.

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YUNES, Eliana, PONDÉ, Glória. Leituras e leituras da literatura infantil. São Paulo: FTD,1989.