A DANÇA E A MUDANÇA DO COMPORTAMENTO - CORE · que serão colocadas no questionário serão...

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MARTA JOSÉ ROCHA DE SOUZA NASCIMENTO A DANÇA E A MUDANÇA DO COMPORTAMENTO Orientador: Prof. Doutor Óscar Conceição de Sousa UNIVERSIDADE LUSÓFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS INSTITUTO DE EDUCAÇÃO Lisboa 2012

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  • MARTA JOS ROCHA DE SOUZA NASCIMENTO

    A DANA E A MUDANA DO

    COMPORTAMENTO

    Orientador: Prof. Doutor scar Conceio de Sousa

    UNIVERSIDADE LUSFONA DE HUMANIDADES E

    TECNOLOGIAS

    INSTITUTO DE EDUCAO

    Lisboa

    2012

  • MARTA JOS ROCHA DE SOUZA NASCIMENTO

    A DANA E A MUDANA DO COMPORTAMENTO

    Dissertao apresentada para a obteno do grau de

    Mestre em Cincias da Educao no Curso de Mestrado

    em Cincias da Educao, conferido pela Universidade

    Lusfona de Humanidades e Tecnologias.

    Orientador: Prof. Doutor scar Conceio de Sousa

    UNIVERSIDADE LUSFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS

    INSTITUTO DE EDUCAO

    Lisboa

    2012

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    Dedicatria

    Dedico este trabalho aos meus entes queridos por sempre estarem ao meu lado me

    apoiando em todas as etapas dessa empreitada, contribuindo de todas as formas para sua

    realizao, em especial a minha me.

    A Vov Caula, Tia Ins e minha Irm Melquira, in memoriam, na certeza de que

    estejam onde estiverem esto sempre comigo, torcendo, apoiando e ajudando.

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    AGRADECIMENTOS

    Primeiramente, tenho e devo agradecer a Deus.

    minha me, que o meu exemplo de vida em muitos setores, ao meu pai

    Cristovo mostrando sempre o quanto quer o meu bem e a toda minha querida famlia

    incluindo cunhados, cunhadas e as coisas lindas da tia.

    Ao meu marido pelo incentivo e fora, fazendo parte da minha grande torcida e a

    Davi meu filho que com seu sorriso sempre me deixa mais calma.

    A todos os professores do Curso de Mestrado, em especial ao Doutor scar

    Conceio de Sousa, pela orientao e compreenso diante das dificuldades e a Coordenadora

    Laura Tereza que acreditou no meu sucesso.

    s alunas e professoras entrevistadas, agradeo pela receptividade e

    disponibilidade em contribuir para esta pesquisa.

    famlia Santa Terezinha, agradeo a pacincia, aos meus queridos alunos tanto

    os que foram no passado quanto os atuais, meus eternos agradecimentos.

    A Professora e amiga Ftima Nascimento pela amizade e apoio nos momentos

    angustiantes desta construo. A amiga Regina por ajudar-me a administrar o tempo

    deixando-me mais tranquila.

    A todos os meus amigos pela torcida e oraes.

    Enfim, dedico a todos que estiveram comigo, me apoiaram e tiveram pacincia

    com a certeza de que eu conseguiria realizar meu sonho. Minha eterna gratido.

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    Resumo

    Este estudo procurou verificar se existe alguma relao entre a dana e a mudana de

    comportamento em dois grupos de alunos que participaram nas aulas de dana em duas

    escolas estaduais da cidade de Aracaju, capital do Estado de Sergipe. Atravs de uma

    pesquisa descritiva com recurso entrevista bem como observao direta, verificamos que a

    maioria das alunas foi convidada pela professora para participar nas aulas de dana e outras

    pelas colegas. Geralmente, nas duas escolas pesquisadas, a dana trabalhada de acordo com

    o calendrio escolar, so ensinados diversos tipos de dana, desde o bal clssico, danas

    orientais, danas folclricas como o frevo e o hip hop, etc., convidadas a seguir uma

    coreografia preparada pela professora, podendo as alunas improvisar alguns passos. Sobre a

    relao entre dana e mudana de comportamento nas escolas pesquisadas positiva, porque

    alm de gostarem de danar e serem incentivadas a estudar, atravs da dana as alunas

    demonstraram extravasar sentimentos, melhoraram a auto-estima, ficaram mais responsveis e

    estreitaram os relacionamentos com os colegas e professores.

    Palavras-chave: Dana, Educao, Comportamento.

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    Abstract

    The study tries to check if there is some relationship between dance and change of behavior in

    two groups of students who took part in dance classes in two public schools in Aracaju,

    capital of Sergipe. Through a descriptive research using the interview resource as well direct

    observation we can see that most of the students was invited by the teacher to participate in

    the dance classes and the others by colleagues. In both schools, the dance has usually

    practiced according to the school calendar, and they learn different kinds of dances, from

    classical ballet, oriental dances, folk dances like frevo and hip hop, etc., the students were

    oriented to follow a choreography prepared by the teacher, but allowing the students to

    improvise some steps. About the relationship between the dance and behavior changes in the

    schools surveyed, it is positive, because besides they like to dance and being pushed over

    studies, thought the dance, the students have shown uncovered feelings, self-esteem, in

    addition they were more responsible and the relationship with colleagues-teachers get more

    closer.

    Key words: Dance, Education, Behavior

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    NDICE

    Introduo..............................................................................................

    1 Enquadramento Terico....................................................................

    1.1 Histria da Dana.......................................................................

    1.1.1Abordagem Conceitual da Dana na Histria...............

    1.2 Dana no Brasil..........................................................................

    1.2.1 O Trabalho com Dana no Brasil...................................

    1.3 Dana e Educao.......................................................................

    1.3.1 Legislao e PCN.............................................................

    1.3.2 A Importncia da Dana na Escola................................

    1.4 Dana: motivao para aprendizagem e mudana de

    Comportamento........................................................................

    2 Problemtica.......................................................................................

    2.1 Objetivos......................................................................................

    2.1.1 Objetivo Geral................................................................

    2.1.2 Objetivos Especficos.....................................................

    3 Metodologia........................................................................................

    3.1 Tipo de Pesquisa........................................................................

    3.2 Sujeitos........................................................................................

    3.3 Instrumentos...............................................................................

    3.4 Procedimentos............................................................................

    4 Apresentao dos Dados/ Anlise dos Dados .................................

    4.1 Alunos Entrevistados.................................................................

    4.1.1 Identificao dos alunos.................................................

    4.1.2 Prtica de dana..............................................................

    4.1.3 Condies para a prtica de dana...............................

    4.1.4 Relao da dana com o corpo......................................

    4.1.5 Influncias da dana no comportamento e no

    interesse pela aprendizagem..........................................

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    4.2 Professores Entrevistados..........................................................

    4.2.1 Caractersticas.................................................................

    4.2.2 Anlise da relao entre dana e comportamento do

    aluno.............................................................................

    4.2.3 Caracterizao das barreiras que dificultam o

    trabalho da dana na escola.........................................

    4.2.4 Caracterizao dos estilos de dana que influenciam

    o comportamento e a aprendizagem...........................

    4.2.5 Relao entre dana e comportamento.........................

    4.3 Registros da Observao...........................................................

    Concluses..........................................................................................

    Referncias Bibliogrficas....................................................................

    Anexo I Guio de entrevista semi-estruturada com alunos...........

    Anexo II Guio de Entrevista semi-estruturada com professores..

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    NDICE DE FIGURAS

    1. Dana no Egito....................................................................................................................11

    2. Esculturas gravadas em cavernas......................................................................................12

    3. Escultura de dana na Antiguidade..................................................................................13

    4. Dana Grega na Antiguidade............................................................................................15

    5. Dana no sculo XVI. Desenho a tinta da Escola Holandesa. Metropolitan

    Museum, Nova Iorque.......................................................................................................17

    6. Dana de camponeses no sculo XV..................................................................................18

    7. Dana de roda, Frana, sculo XV....................................................................................19

    8. Dana na Antiguidade........................................................................................................19

    9. Ballet....................................................................................................................................20

    10. Ballet moderno..................................................................................................................22

    11. Dana do ventre................................................................................................................23

    12. Flamenco...........................................................................................................................24

    13. Tarantela...........................................................................................................................24

    14. Diferentes aplicaes da dana........................................................................................27

    15. Desembarque de africanos...............................................................................................33

    16. Capoeira............................................................................................................................35

    17. Hierarquia de necessidade de Maslow............................................................................57

    18. Regio Nordeste do Brasil................................................................................................72

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    NDICE DE SMBOLOS

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao

    MEC Ministrio da Educao e Cultura

    PCNs Parmetros Curriculares Nacionais

    SMEC Secretaria Municipal de Educao e Cultura

    TICs Tecnologias da Informao e Comunicao

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    INTRODUO

    A dana um fenmeno que sempre se mostrou como expresso humana, seja em

    rituais, como forma de lazer ou como linguagem artstica. Neste sentido, ela uma

    possibilidade de expresso e tambm de comunicao humana que, atravs de dilogos

    corporais e verbais, viabiliza o autoconhecimento, os conhecimentos sobre os outros, a

    expresso individual e coletiva e a comunicao entre as pessoas.

    A escolha pela presente temtica deu-se a partir de uma experincia em escola

    pblica, a qual possibilitou a percepo de que os alunos que participavam da dana nas aulas

    de educao fsica mudavam seu comportamento, ficando mais comportados, interessados e

    participativos, bem como ficavam motivados para os estudos. Ser que a dana pode

    melhorar o nvel de percepo do corpo, o nvel de vida das pessoas e das sociedades ou at

    apresentar-se como um caminho para uma maior integrao humana, e, na Educao ter um

    papel preponderante no fortalecimento de uma pedagogia crtica, onde a relao

    prazer/criatividade levem o indivduo a envolver-se como um todo na construo de

    conhecimentos desenvolvendo-se de forma equilibrada?

    Este trabalho se justifica por procurar contribuir para que a dana na escola possa ter

    uma importncia enquanto atividade pedaggica, despertando no aluno uma relao real

    sujeito-mundo, inserindo assim atividades que estimulem para uma relao diante de uma

    ao.

    Tambm relevante por acreditar-se na necessidade de a escola desenvolver uma

    prtica educativa pautada no movimento, a fim de que, conforme esclarecem os autores

    citados, as crianas desenvolvam as habilidades e conhecimentos necessrios para criar,

    modelar e estruturar movimentos em forma de dana expressiva.

    O problema que apesar da dana estar presente em diferentes instncias da sociedade,

    apresentando uma variedade de modalidades e de produes, quando se fala de

    dana/cultura/educao pode-se perceber que ainda persistem concepes obsoletas sobre o

    corpo que dana e onde possvel danar. Qual a relao entre dana e mudana de

    comportamento nas escolas estaduais de Aracaju?

    O objetivo geral deste estudo ser analisar a relao entre dana e mudana de

    percepo e comportamento, em dois grupos de alunos que participam das aulas de dana em

    duas escolas estaduais da cidade de Aracaju. Para que esse objetivo seja atingido, os objetivos

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    especficos sero: registrar o que pensam sobre o corpo, o grupo, a interao entre os alunos

    que frequentam as aulas de dana em duas escolas estaduais da cidade de Aracaju; registrar

    por observaes as eventuais mudanas de comportamento com base numa ficha previamente

    construda; registrar no fim de trs meses as alteraes sobre o que pensam do corpo, do

    grupo e das interaes entre os sujeitos que frequentam as aulas de dana.

    Quanto ao procedimento metodolgico utilizado trata-se de uma pesquisa descritiva,

    centrada nas observaes direta e no recurso s observaes indiretas. Depois da pesquisa

    bibliogrfica realizada e da autorizao para a pesquisa de campo junto direo das escolas,

    o prximo passo foi a observao emprica em duas escolas da rede de ensino pblico em

    Sergipe, localizadas em Aracaju, capital sergipana.

    Sero sujeitos desta pesquisa os alunos de duas turmas que frequentam duas escolas

    estaduais da cidade de Aracaju. Os sujeitos da pesquisa sero 10 alunos escolhidos

    aleatoriamente entre cada uma das turmas. O critrio com respeito a este nmero tem a ver

    com a necessidade da observao. Tambm ser entrevistado um professor de cada escola que

    trabalha com dana.

    Sero utilizados nesta pesquisa dois instrumentos: um direto, a observao e outro

    indireto, o questionrio. A observao durar o tempo da pesquisa (trs meses) e o

    questionrio ser aplicado em dois momentos: incio e trmino dos trs meses. As questes

    que sero colocadas no questionrio sero fundamentadas no quadro terico.

    O estudo est estruturado em cinco partes principais. A primeira parte traz a

    introduo do presente estudo. A segunda, o marco terico que sustenta a pesquisa, abordando

    as temticas: histria da dana; a dana no Brasil; o trabalho com dana; dana e educao,

    legislao e Parmetros Curriculares Nacionais, importncia da dana na escola, motivao

    para aprendizagem e mudana de comportamento.

    A terceira parte do trabalho descreve os objetivos e a metodologia destacando os

    aspectos metodolgicos da pesquisa, a caracterizao do campo de estudo, a populao, a

    amostra, os instrumentos utilizados na coleta de dados, todo procedimento metodolgico e o

    tipo de anlise desenvolvida.

    A quarta parte do trabalho traz os resultados da pesquisa com os alunos e professores

    das escolas pesquisadas, sendo apresentados os dados colhidos na pesquisa de campo,

    confrontando-os com a pesquisa bibliogrfica, com o intuito de analisar a importncia da

    dana na motivao para aprendizagem e mudana de comportamento. E, por fim, as

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    consideraes finais, que retomam alguns pontos cruciais da pesquisa, mostrando tambm a

    sua relevncia.

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    1 ENQUADRAMENTO TERICO

    1.1 Histria da Dana

    A dana tem sua origem em todas as manifestaes sociais e pessoais do ser humano

    desde os tempos mais remotos. Os estudos de Gomes (2000) apontam que antes mesmo da

    descoberta do fogo, o homem j se comunicava atravs de gestos e ritmos. Por essa razo, a

    dana esteve ligada msica, que conforme Brscia (2003), da China ao Egito os povos

    atribuam poderes mgicos msica e dana, todavia, a linguagem corporal antecede a fala,

    sendo um elemento sempre presente na cultura humana.

    Figura 1: dana no Egito Fonte: www.google.com.br

    Ao longo da histria humana, filsofos, psiclogos, enfim, pensadores de todas as

    vertentes do conhecimento teorizaram, escreveram ou falaram da importncia da dana para a

    humanidade. A exemplo, os povos primitivos, em que a dana constitua uma linguagem

    fundamental (Valle, 1995).

    Deheinzelin e Lima (1992), em sua obra O dia a dia do professor, revelam que a

    origem da dana se perde na histria antiga da vida dos homens, tendo seu incio no canto e

    nos ritmos tamborilados em rituais para aumentar as colheitas ou assegurar boas caadas.

    Corroborando com essa afirmao Bregolato (2006, p.73), escreve que [...] a dana nasceu

    http://www.google.com/

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    na expresso das emoes primitivas, nas manifestaes, na comunho mstica do homem

    com a natureza.

    As pesquisas de Fahlbusch (1990), por sua vez, indicam que os primeiros

    documentos sobre a origem pr-histrica dos passos da dana, so decorrentes de descobertas

    das pinturas e esculturas gravadas nas paredes lascadas e polidas das cavernas (Figura 2):

    Figura 2: Esculturas gravadas em caverna Fonte: (BREGOLATO, 2006).

    Bregolato (2006) informa que nesse perodo histrico, o homem que ainda no

    falava, recorreu ao gesto rudimentar para expressar suas emoes e essa expresso ganhou

    significados diferentes na vida do homem primitivo, pois as expresses corporais passaram a

    fazer parte de todos os acontecimentos da vida primitiva, tais como: nascimento, casamento,

    mortes, caa, guerras, iniciao adolescncia, fertilidade e acasalamento, doenas,

    cerimnias tribais, vitrias, paz, sementeira, colheita, festas do sol e da lua.

    Para Verderi (2000), os registros feitos pelo homem atravs de desenhos de figuras

    humanas encontradas nas paredes e tetos das cavernas no paleoltico revelam que o homem j

    danava. O homem primitivo danava por inmeros significados e por tudo que tinha

    significado para ele, fosse por alegria, tristeza, exorcismo de um demnio, casamento ou

    homenagem aos deuses e natureza, sempre em forma de ritual. Por isso, possvel dizer que

    a dana a arte mais antiga que o homem experimentou e a primeira arte a vivenciar o

    nascimento.

    Portanto, desde as inscries rupestres, o homem procurou traduzir o significado dos

    elementos existentes por meio do simbolismo. Ou seja, o homem procurou viver, consciente

    ou no, em uma eterna busca de equilbrio no meio em que vivia, em interao com diferentes

    atividades e materiais, com a natureza, animais e pessoas. Seus gestos constituam um

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    enriquecimento da comunicao entre os indivduos, tocando, afagando, descobrindo,

    gesticulando, sentindo, dando, recebendo ou trocando (Bellini, 2007).

    Os estudos de Deheinzelin e Lima (1992) demonstram que a dana originou-se de

    tentativas do homem de domar aspectos da natureza que consideravam perigosos. Assim, os

    rudos caticos do trovo, das tempestades e dos rugidos de animais eram organizados em

    rituais onde se produziam sons com instrumentos feitos de materiais obtidos de animais

    mortos. Agindo dessa forma, os homens sentiam-se um pouco mais seguros diante das foras

    indomveis da natureza.

    Em todas as circunstncias importantes da existncia a dana representava aquilo que

    j tinha acontecido, do que estava acontecendo ou do que se queria fazer acontecer: as

    relaes sexuais, a caa, a guerra, o ciclo das estaes, a vida e a morte. Em todas essas

    danas, o aspecto e o comportamento dos danarinos seguiam normas de uma linguagem

    ritual feita de gestos, ritmos e de sons, de mscaras, roupas e acessrios variados. Constitua-

    se, assim, uma linguagem sagrada que consistia em evocar imagens e situaes mitolgicas

    nas quais se reconhecia tudo o que de essencial podia acontecer na coletividade (Deheinzelin

    e Lima, 1992).

    Figura 3: Escultura de dana na Antiguidade. Fonte: http://www.kazantzakis.org.br/cultura_danca.php

    Verifica-se, portanto, que em todas as esferas da vida do homem na Antiguidade, a

    dana estava presente como forma de manifestao das vivncias humanas e das influncias

    que o mundo lhe apresentava (Verderi, 2000).

    http://www.kazantzakis.org.br/cultura_danca.php

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    Os trabalhos de Ossana (1988, p.74) descrevem sobre os significados e os

    movimentos das danas primitivas:

    A dana da chuva - Para chamar a chuva necessria para saciar a sede e a prpria

    Plantao imitava o trovo mediante o girar no solo acompanhado do rufor de

    tambores e dando golpes na terra. Mas, se necessrio fosse a parada da chuva,

    procurava distanci-la por meio de ventos criados por balanceio rtmico de leques de

    folhas de palmeiras. A dana do sol - Se o que desejava era que o sol brilhasse por

    mais tempo, a fim de dar-lhe maior margem para a colheita, realizava danas ao

    redor de uma fogueira e saltava ou caminhava sobre ela.A dana da lua. Imitava a

    fase da lua para que esta influenciasse sobre as mulheres grvidas.Na Puberdade,

    danava para que essa fora e poder lhe acompanhasse durante sua juventude e

    maturidade como guerreiro,caador,agricultor e progenitor.A dana imitava os

    passos dos Animais com o fim de atra-los miragem do tiro e imitava tambm seu

    acasalamento, para que se multiplicassem as espcies.

    Na dana fazia-se mmica do Combate e a Vitria.Nos sacrifcios danava-se para

    satisfazer os deuses ou ao redor dos ancies para que transmitissem sua sabedoria ou

    ainda ao redor dos enfermos para afugentar seu mal e ao redor dos mortos para que

    seus espritos se afastassem satisfeitos (Com grifo no original).

    Constata-se que a dana era considerada uma linguagem sagrada que consistia em

    evocar imagens e situaes mitolgicas nas quais se reconhecia tudo o que de essencial podia

    acontecer na coletividade (Portinari, 1995).

    Um dado importante que a dana e a msica so atividades existentes desde tempos

    primitivos e, em sua histria, elas aparecem frequentemente associadas. A esse respeito

    Soares (1992) esclarece que:

    [...] a dana uma expresso representativa de diversos aspectos da vida do homem.

    Pode ser considerada como linguagem social que permite a transmisso de

    sentimentos, emoes da afetividade vivida nas esferas da religiosidade, do trabalho,

    dos costumes, hbitos, da sade, da guerra, entre outros aspectos (Coletivo de

    Autores, 1992, p. 84).

    Por sua vez, msica , conforme Brscia (2003, p. 25):

    [...] uma combinao harmoniosa e de expressividade sons e de arte de se exprimir

    por meio de sons, seguindo regras variveis conforme a poca e a civilizao.

    Atravs dessa combinao harmoniosa de sons, a msica funciona como elementos

    de comunicao e identificao dos povos. Decorre da sua funo de transmisso

    cultural entre as diversas geraes desses povos. A msica tem um papel social

    fundamental, pois serve como um elo na transmisso de conhecimentos acumulados

    pelas geraes passadas.

    Os filsofos gregos atribuam um valor muito importante msica, considerando-a

    como um elemento que dava ordem ao Universo, harmonizando o caos inicial do qual o

    mundo foi organizado. A partir dessa concepo, os filsofos relacionavam a msica com a

    matemtica (Vaz, Brito, Vianna, 1998).

    Nilce Helena Gomes (2000) comenta que a msica, no entanto, antecede

    Antiguidade Clssica, estando presentes em rituais, como nascimento, casamentos, morte,

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    recuperao de doenas e fertilidade; mais tarde a partir do desenvolvimento das sociedades,

    ambas passaram a ser utilizadas em adorao aos lderes religiosos.

    A esse respeito, Caminada (1999) enfatiza que o provo grego realizava algumas

    celebraes em honra aos seus lideres religiosos, a exemplo, o deus Dionsio, que era louvado

    com muitas danas nas celebraes de: as Antesterias, festas da colheita; as Grandes

    Dionisacas, festas realizadas no vero; as Dionsias Urbanas, as Dionsias Campestres; e, as

    Linias, festas celebradas durante a primavera e o inverno:

    Figura 4: Dana Grega na Antiguidade.

    Fonte: http://www.kazantzakis.org.br/cultura_danca.php

    Na Grcia os tributos ao corpo estavam impressos nas telas, nos estdios, nos cultos

    e nos monumentos representativos dos deuses. Eram cantados em prosa e verso pelos poetas

    helnicos, no escapando aos espetculos clssicos, como alusivas ao corpo esboavam um

    ensaio para transform-lo em rgo do esprito (Campelo, 1990).

    Portanto, a dana, entendida como uma interpretao de movimentos e ritmos

    inerentes ao ser humano tem uma origem to antiga quanto histria da humanidade. Por

    conta disso, representa uma produo cultural universal e faz parte da histria do homem.

    Assim, possvel inferir que a humanidade e a dana evoluram juntas, em seus

    movimentos, emoes e formas de expresso, transformado e sendo transformados (Verderi,

    2000). Quando o homem se fixou na terra, ou seja, tornando-se sedentrio, as danas sofreram

    algumas modificaes. O homem passou a danar impulsionado por qualquer tema e em

    qualquer ocasio (Caminada, 1999), especialmente, com cunho de uma representao mstica,

    ldica e religiosa (Portinari, 1995).

    http://www.kazantzakis.org.br/cultura_danca.php

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    Corroborando com esse entendimento acrescenta Verderi (2000), que os conceitos de

    dana tambm evoluram advindos das transformaes sociais e culturais, revelando-se

    atravs da histria, de diferentes modos e situaes onde a dana pode ser utilizada.

    Afirma Fahlbusch (1990, p. 15) "[...] a dana servia para manifestar suas emoes e

    expandi-las exteriormente, o homem recorria naturalmente ao movimento, ao gesto [...]". Para

    este autor, a dana era utilizada como forma de comunicao, pois atravs dela

    disseminavam-se as atitudes humanas em relao s conquistas das caas, das guerras, dos

    relacionamentos amorosos e as celebraes das passagens meteorolgicas da Terra.

    Portanto, a dana nasceu da necessidade de expressar, de uma plenitude particular

    do ser, de uma exuberncia instintiva, de um apelo misterioso que atinge at o prprio mundo

    animal (Caminada, 1999).

    Sinteticamente possvel dizer que a dana, em sua origem, se manifestava por meio

    de movimentos que imitam as foras da natureza, por isso ela foi considerada uma

    manifestao naturalista, depois foi evoluindo para expresses mais complexas e

    sincronizadas, sendo acompanhada de uma gradativa estilizao, a sequncia de movimentos

    foi se constituindo numa dana (Caminada, 1999).

    Quando se analisa a histria da dana preciso ter sempre presente duas realidades:

    1. A linguagem gestual mimtica a antiga forma de comunicao do ser humano, podendo remontar a milhares de anos em suas primeiras manifestaes.

    2. As diversas manifestaes de dana que todos os povos guardam, ainda nos dias atuais (Caminada, 1999, p.27).

    Assim, desde os primrdios a dana tem uma representatividade muito grande no

    meio social. Na pr-histria, ela tinha um carter religioso e mstico. Na Antiguidade, os

    povos a utilizaram como forma de comunicao e expresso (Cavasin, 2006).

    No evoluir das formas de danar, a dana foi se misturando no cenrio das antigas

    civilizaes e se diversificando em muitas formas de expresso e interpretao, como bem

    descreve Verderi (2000, p.02):

    A Dana Csmica (Eurpedes 485-406 A.C., se refere etrea dana das estrelas),

    Ilada e Odissia com as danas funerrias, blicas, matrimoniais e agrcolas, a

    Dana de Shiva, as danas para Calgula, Nero e Cmodo, as danas do Imprio

    Chins, e tantas outras presentes na evoluo histrica da humanidade, foram

    deixando atravs dos tempos suas razes e a possibilidade de outras civilizaes

    poderem estud-las ou at mesmo apreci-las.

    Na Idade Mdia se manifestava, na Europa, nas danas populares, nas classes

    aristocrticas, e na corte por meio de espetculos (Bregolato, 2006). J Cavasin (2006)

    entende que, nesse perodo, a dana ainda manteve um certo carter mstico, executada por

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    meio de movimentos acompanhados por cantos, por ocasio das colheitas e para louvar os

    deuses. Somente, mais tarde, incluram acrobacias e mgicas representando as crenas e

    costumes.

    Os estudos sobre a dana na Idade Mdia revelam que durante esse perodo,

    aproximadamente do sculo V at o sculo XIV, o cristianismo tornou-se a fora mais

    influente na Europa. Foram proibidas as danas teatrais, por representantes da Igreja, pois

    algumas delas apresentavam movimentos muito sensuais. Mas os danarinos ambulantes

    continuaram a se apresentar nas feiras e aldeias mantendo a dana teatral viva (Dana na

    idade mdia, 2008).

    Cavasin (2006) comenta que as danas teatrais tinham como objetivo educar o povo

    por intermdio da religio, depois elas assumiram uma finalidade diferente dessa, ou seja,

    passaram a ser utilizados elementos macabros que representavam os demnios. Por essa

    razo, a Igreja censurou de forma austera, reprimindo todas essas manifestaes de dana,

    pois se acreditava que elas homenageavam os demnios utilizando elementos macabros.

    Figura 5: Dana no sculo XVI. Desenho a tinta da Escola Holandesa. Metropolitan Museum,

    Nova Iorque.

    Fonte: http://idademedia.wetpaint.com/page/Dan%C3%A7a

    Mais especificamente no sculo XIV, as associaes de artesos promoviam a

    representao de elaboradas peas religiosas, nas quais a dana era uma das partes mais

    populares. Quando ocorreu a peste negra, o povo cantava e danava freneticamente nos

    cemitrios; eles acreditavam que essas encenaes afastavam os demnios e impediam que os

    mortos sassem dos tmulos e espalhassem a doena. Isto ocorreu no sculo XIV (Dana na

    idade mdia, 2008).

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    Mesmo com proibies, os povos continuaram a danar em casamentos, celebraes,

    feriados e outras ocasies festivas com danas folclricas, como bem expressa Cavasin

    (2006), a dana chegou a educao da nobreza, tomou novas formas e surgiu diversos estilos,

    gerando uma distino entre nobres e camponeses pelas vestimentas e pelos sapatos. Os

    nobres passavam por um ensino mais especfico de aperfeioamento, chamado de bal

    atualmente.

    Figura 6: Dana de camponeses no sculo XV. Manuscrito da Bibliotheque Nationale de Paris

    Fonte: http://idademedia.wetpaint.com/page/Dan%C3%A7a

    No final da Idade Mdia a dana tornou-se parte de todos os acontecimentos

    comemorativos.

    De acordo com Nanni (2001, p.15), com o virtuosssimo italiano e a finesse

    francesa, a dana que j acadmica, transforma-se em dana teatral, para espetculos,

    estabelecendo, assim, um hiato entre a dana/educao e a dana/arte.

    Figura 7: Dana de roda, Frana, sculo XV. Manuscrito da Bibliothque

    Nationale de Paris.

    Fonte: http://idademedia.wetpaint.com/page/Dan%C3%A7a

    http://idademedia.wetpaint.com/page/Dan%C3%A7ahttp://idademedia.wetpaint.com/page/Dan%C3%A7a

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    Portanto, tanto a Igreja Ortodoxa como a Catlica tentaram combater

    sistematicamente a dana, porm, sem nenhuma possibilidade de sucesso. Ao contrrio, a

    dana foi adaptada aos preceitos religiosos em crculos onde homens e mulheres, sempre

    separados, executavam movimentos solenemente castos e "no temor de Deus" (Cultura Grega,

    2007).

    Figura 8: Dana na Antiguidade. Fonte: http://www.kazantzakis.org.br/cultura_danca.php

    Com o Renascimento, a dana assumiu um carter mais social, com sua introduo

    em festas da nobreza e como forma de entretenimento. Estudos revelam que nesta poca, a

    dana representou importante papel como elemento de formao social, teve o minueto como

    precursor.

    A respeito da importncia do Renascimento na constituio da dana moderna,

    Ossana (1988) esclarece que, nesse perodo, os artistas passaram a ser valorizados, e aparece

    um novo personagem, o mestre da dana. Os mestres montam sequncia de movimentos e

    aparecem os primeiros tratados de coreografias. Surge ento o termo balleto, referindo-se a

    uma composio. Suas composies foram levadas para a Frana e transformadas no ballet

    (Figura 9), gnero que alternava recitativos, canto, msica e dana.

    http://www.kazantzakis.org.br/cultura_danca.php

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    Figura 9: Ballet Fonte: http://3.bp.blogspot.com/_ /s1600-h/lago.jpg

    Cavasin (2006) explica que o estilo modernista exigiu maior aperfeioamento, alm

    de suas competncias educacionais. Essa nova concepo de dana foi fundamentada nos

    princpios filosficos de Rousseau, Marx e Darem, que acreditam que o movimento

    expressivo do homem era capaz de possibilitar a incorporao de outros valores e de atitudes

    e de permitir uma expresso global de seu corpo com todas as suas emoes.

    Os estudos de Fahlbusch (1990) revelam que foi a partir desse momento, que se

    formaram duas correntes de danas que representavam os grupos sociais existentes: uma

    dana para as camadas subalternas da cidade, que perduram como danas folclricas, a outra,

    a dana aristocrtica para as classes mais abastadas, a dana da corte, mais tarde o ballet.

    Bregolato (2006) explica que apesar da separao entre os dois tipos de danas citado

    nos estudos de Fahlbusch (1990), houve muita relao entre elas, uma vez que a dana da

    corte se utilizou de elementos folclricos que ela refez de forma mais graciosa, j a dana

    popular assumiu a elegncia nos movimentos, o que produziu um processo de intercmbio

    entre as danas. Bregolato (2006) cita como danas populares provenientes das aristocrticas,

    as mazurcas, as valsas e as quadrilhas.

    Sendo assim, durante muito tempo os bals foram diverso dos prncipes e cortesos

    e por eles mesmos realizados. Pouco a pouco os bailarinos profissionais substituram a

    nobreza, e os bals passam dos sales aos teatros com espetculo (Bregolato, 2006, p.130).

    Assim, atravs dos sculos, de forma sistemtica, a dana passou a ser submetida a

    regras disciplinares e a assumir o aspecto de uma cerimnia formal, aspecto que gerou uma

    preocupao com a coordenao dos movimentos, anteriormente considerada movimentos

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    naturais e instintivos, e passou a ser chamadas de danas espetaculares (Caminada, 1999).

    Logo, a dana, como atividade humana, sofre:

    [...] o destino das formas e das instituies da existncia social dos homens. Ela

    representou um valor de alta importncia no decorrer do desenvolvimento

    progressivo da humanidade. Passando pela Grcia, por Roma, pelas civilizaes

    orientais, como, China, ndia e Japo e estava diretamente ligada ao teatro e

    religiosidade. Difunde-se para a Europa e na Frana a partir de 1661, onde se

    forma os bals nas cortes e, na Frana de Luis XVI, fundando-se a Academia

    Royale, que assume uma nova postura para a dana, como expresso corporal

    vinculada ao momento histrico vivenciado pela sociedade (PORTINARI, 1995,

    p.17).

    Ossana (1988) analisa as formaes nas danas da corte, originrias dos sculos

    XVII, XVIII e XIX, demonstrando que durante esses sculos, foram as formaes dos

    danarinos primitivos, o circuito, as linhas processionais (colunas) e posteriormente as linhas

    frente a frente de homens e mulheres.

    Mesmo diante de todo processo de transformao que a dana passou, suas

    caractersticas acadmica e clssica, continuam sendo, ainda hoje, as mesmas de sua origem:

    harmonia, simetria, elegncia, graciosidade, amplitude dos movimentos e grande domnio

    fsico (Bregolato, 2006).

    Dannemann (2008, p.02) comenta que:

    Todas essas manifestaes modernas dos sentimentos das diversas regies do mundo

    definiram os campos da arte de danas, englobando as antigas sob o ttulo de danas

    clssicas, caractersticas dos bals, e as modernas sob o ttulo de danas de salo.

    importante destacar que, durante o sculo XIX novos ritmos musicais foram

    surgindo, e com eles, houve o surgimento de novas danas, tais como, a valsa, a polca nos

    sales, e, pouco a pouco a dana social, que foram sendo incorporadas s camadas menos

    privilegiadas, que s tinham acesso apenas s danas populares.

    Ainda no sculo XIX, a danarina Izadora Duncan conseguiu elevar a dana a uma

    nova categoria, proporcionando o nascimento de uma era da dana. Ela se despojou das

    roupagens usadas na dana clssica, e com os ps descalos e o corpo coberto por tnica

    soltas, fez a dana alcanar plenamente a expresso corporal e improvisaes totais, atravs

    de uma concepo de que danar expressar sua vida interior (Bregolato, 2006).

    Mais tarde, com as alteraes sociais, polticas e econmicas advindas das

    transformaes que sofreu o sculo XX, grandes mudanas de comportamento foram se

    agregando s danas sociais que passaram a ser executadas por casais em sales, dando

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    origem a vrios tipos de ritmos, como o tango, o foxtrote, a rumba, o mambo, o bolero,

    samba, salsa, forr, entre outros (Oliveira, 2005).

    Para Bispo (1972), no sculo XX, os franceses e italianos eram considerados os

    mestres do ballet, sendo representado por Marius Petipa (filho do bal romntico). A Bela

    Adormecida foi uma produo musical dessa poca, e em 1905, Michel Fokine (aluno de

    Petipa), influenciado pelas obras de Tolstoi, desenvolveu formas de movimento mais vivas e

    espontneas. Sua concepo foi comprovada por Isadora Duncan que abandonou as

    sapatilhas (Figura 10) e se inspirou em movimentos das antigas civilizaes.

    Figura 10: Ballet moderno

    Fonte: http:/fernandodannemann.recantodasletras.com.br/visualizar.php?dt=9624

    A dana moderna surgiu em 1926 para qualificar os trabalhos da americana Martha

    Grahan. Conforme Bregolato (2006), essa danarina descreve aspectos de grande relevncia,

    tais como: importncia do tronco na dana; a respirao com base na tcnica de dana;

    contrao e relaxamento; incluiu muitos saltos e tcnicas de quedas; manifesto poltico-social

    na dana.

    A partir do sculo XX, a dana ganhou novas conotaes, invadiu novos espaos e

    novos horizontes e, segundo Lia Robatto (1994), passou a ser tratada como uma manifestao

    efmera, podendo ser fixada numa forma permanente como as demais artes. A cada

    apresentao pblica, a dana, foi sofrendo sutis modificaes, e por isso vem contribuindo

    de forma preponderante na formao, manuteno e recriao de elementos da tradio

    cultural de diversas sociedades.

    Barreto (2004) explica que a dana passou a ser considerada um fenmeno que

    sempre se mostrou como expresso humana, seja em rituais, em forma de lazer ou linguagem

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    artstica. Nesse sentido, ela representa uma possibilidade de expresso e tambm de

    comunicao humana que, atravs de dilogos corporais e verbais, viabiliza o

    autoconhecimento, o conhecimento sobre os outros, a expresso individual e coletiva e a

    comunicao entre as pessoas.

    Bellini (2007) traa uma diferena entre a anatomia das danas tradicionais do

    Oriente e do Ocidente. Segundo essa autora, o Oriente especializou-se em danas um tanto

    lnguidas, nas quais a movimentao dos ps est subordinada a intrincados movimentos da

    parte superior do corpo, especialmente a cabea, o pescoo e as mos (Figura 11).

    Figura 11: dana do ventre

    Fonte: www.google.com.br

    J as danas tradicionais do Ocidente so o oposto das orientais em quase todos os

    aspectos. So energticas, musculares e, como frequncia, rpidas, exigindo um intrincado

    trabalho de ps, como no flamenco (Figura 12), nas danas africanas de todos os tipos, nas

    tarantellas (figura 13) e outros tipos de dana da Europa Meridional e da Amrica Latina.

    Nestas regies destaca-se a parte inferir do corpo, a parte superior no tem tanta importncia

    (Bellini, 2007)

    http://www.google.com/

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    Figura 12: Flamenco Figura 13: Tarantela

    Fonte: www.google.com.br Fonte: www.google.com.br

    Atualmente, a dana existe como uma expresso prpria do ser humano, e uma

    manifestao cultural que se transformou ao longo dos tempos em seus diversos aspectos,

    estabelecendo uma comunicao dinmica, significativa entre corpo e movimento (Tolocka e

    Verlergia, 2006, p. 18).

    As danas na contemporaneidade so consideradas aquelas que os jovens,

    principalmente, mais gostam de danar, como exemplo Discoteque Music Dance

    caracterizada pelo som mecanizado, tendo como uma de suas influncias de origem, a msica

    dos Beatles. O ritmo mecanizado se desenvolveu em duas correntes: Rock pesado do tipo

    Heavy Metal outra mais popular com ritmos mais suaves (Bregolato, 2006).

    Outras danas contemporneas citadas por Bregolato (2006, p. 45) so:

    O Reggae (de origem jamaicana, o passo caracterstico desta dana o saltito

    executado de forma solta. Bob Marley o grande precursor deste estilo de msica e

    dana); o Rap (Dana de Rua se compe de seqncia de passos realizados com

    muita rapidez, giros, malabarismos no cho e saltos. No h instrumento musical, e

    o ritmo marcado por sons realizados por vocalistas), tango argentino; o maxixe, o

    samba e o baio do Brasil; o fox-trote, o swing e o rock norte-americanos; a rumba,

    do Mxico e de Cuba; o bolero, dana regional da Andaluzia, Espanha; a conga, o

    mambo, entre outras.

    Portanto, a dana denota a capacidade de expressar-se atravs dos movimentos,

    provocando uma interao do homem com ele mesmo e com a sociedade. Assim, infere-se

    que ela uma das mais antigas manifestaes de atividades rtmicas expressivas corporais.

    Com base nos aspectos descritos, verifica-se que a dana esteve presente em diversas

    civilizaes desde as mais antigas at as contemporneas, em cada poca e pas, recebeu uma

    significao e valor e com o tempo foram sendo modificados. Entre os primitivos, as danas

    http://www.google.com.br/

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    eram simblicas e executadas a partir de necessidades diversificadas, como atrair a favor da

    divindade em benefcio de determinada atividade humana, por isso, tantos tipos de dana

    quantos objetivos diferentes foram surgindo. Na atualidade, com vrias alteraes, a dana

    evolui gradativamente, pela descoberta de seus valores e benefcios para o corpo.

    Por isso, a dana deve ser valorizada na forma individual e corporal de cada pessoa,

    respeitando a maneira prpria de se expressar, rompendo os preconceitos e as discriminaes.

    1.1.1 Abordagem conceitual da dana na Histria

    Apesar de vrios estudos, uma conceituao sobre dana ainda comporta uma

    diversidade de aspectos que muitos estudiosos no conseguiram investigar, explorar e

    entender seu significado e sentido em contexto social.

    Para Dannemann (2008), a dana uma das expresses dos sentimentos humanos e

    figura ao lado da msica e da poesia desde o incio da humanidade. , essencialmente, um

    conjunto de movimentos rtmicos de todo o corpo, ou de parte dele, para exprimir as prprias

    emoes para divertimento, ou para desenvolvimento de alguma atividade.

    Portanto, considera-se dana uma expresso representativa de diversos aspectos da

    vida do homem. Na concepo de Gis (2004), compreendida como atividade humana,

    veculo de comunicao do mistrio, do conhecido ao desconhecido, em que os corpos se

    apresentam carregados de sentidos e intenes. Expresses livres, naturais de tatos, arte de

    to pura cultura, de riquezas, tradies e valores que se transformam no tempo e no espao

    (Gis, 2004, p. 10).

    Completa o autor citado que a dana arte quando transmite:

    [...] o sensvel e o inteligvel pela esttica do movimento; quando leva corpos a

    viajar nas idias que emanam dos movimentos, ao mesmo tempo em que induz

    outros corpos a apreciar, refletir e sentir essas idias para alm do simples

    movimento, como fatos e realidades que devem e podem ser transformados (Gis

    2004, p. 12).

    Dessa maneira, entende-se a dana como a "capacidade de transformar qualquer

    movimento em arte" (Fahlbusch, 1990, p.01). A dana traduz toda a essncia humana

    mostrando atravs dos movimentos, os sentimentos humanos e a vivncia do momento

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    histrico. com ela que o homem perpetua sua histria, seus costumes e lendas. Por conta

    disso, representa a arte do movimento e a partir dela pode-se demonstrar papis sociais e

    tambm desempenhar relaes dentro de uma sociedade, como afirma Nanni (1995), a dana

    " emoo, e a emoo a essncia do homem".

    No documento do SMEC (Brasil, 1997), considera-se a dana como uma forma

    artstica e esttica de construo de conhecimento. Ela vista com modo especfico de

    manifestao da atividade criativa do ser humano pelo e com o movimento corporal em

    interao com o meio scio-cultural num dado momento histrico.

    A dana uma das raras atividades humanas em que o homem encontra-se

    totalmente engajado: corpo, alma, movimento e emoo. Essa atividade artstica tem o

    poderoso dom de transformar o homem, elevar sua auto-estima e favorecer a integrao

    consigo e com o outro. Dessa forma, a dana pode se constituir instrumento para a quebra de

    preconceitos, atravs da constatao de que todos so capazes de se expressar usando o corpo

    e o movimento como referencial permanente, como eixo de sua percepo existencial no

    mundo (Brasil, 1997).

    Pela sua importncia, a dana no pode ser encarada como privilgio daqueles que

    considerados como "capazes", precisa ser vista como mais uma forma de captar a prpria

    vida, traduzindo-a em movimento, pois a "presena do corpo" a primeira instncia para

    passar condio de cidados completos e diferenciados. A prtica do movimento

    instrumento capaz de possibilitar que as potencialidades humanas ganhem forma, que o

    isolamento e as diferenas culturais e sociais sejam quebrados e superados (Idem).

    Assim, a sociedade como um todo, quando as entidades e as organizaes

    constitudas compreenderem, efetivamente, o alcance e a importncia da confluncia entre

    arte e educao.

    Para Marques (2003), a dana no um amontoado de emoes que permite que as

    pessoas se "auto-expressem", "desanuviem as tenses", "sintam o ntimo da alma", mas sim

    uma forma de arte, engajada com o sentimento cognitivo e no somente com o sentimento

    afetivo ou o liberar de emoes (Reid, 1981). por meio dos corpos, danando, que os

    sentimentos cognitivos se integram aos processos mentais e que se pode compreender o

    mundo de forma diferenciada, ou seja, artstica e esttica.

    Jacqueline Robinson (1978 apud Strazzacappa, 2001), elaborou um diagrama onde

    indica de forma clara a gnese e as diferentes aplicaes da dana no mundo contemporneo.

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    Na rvore de Robinson como na parte mais alta e central se situam a magia, a dana

    contempornea, a educao, o lazer e o teatro. Ao redor do tronco principal, com uma diviso

    para a recreao e outra para o espetculo, esto as danas populares. Robinson fez esta

    diviso, a fim de descrever as manifestaes das danas que podem ser a expresso de uma

    comunidade, como rito ou jogo, e ainda serem exploradas atravs de espetculos. H ainda as

    manifestaes populares consideradas "puras", ou seja, que no perderam seu carter original

    de rito, que Robinson localizou num tronco parte, entre a recreao e a expresso,

    chamando-o de danas primitivas (Strazzacappa, 2001)

    Figura 14: Diferentes aplicaes da Dana

    Fonte: (Strazzacappa, 2001).

    Numa tentativa de atualizar esta rvore, Strazzacappa (2001), acrescenta muitas

    outras danas: danas populares, que tambm conquistaram os espaos dos cursos de dana de

    salo ao lado das imortais, valsa, tango e bolero. As danas provenientes de regies e pases

    especficos, como a dana do ventre, a dana flamenca, o sapateado americano e irlands (to

    em voga atualmente) e as danas de rua (ou street dance), poderiam ser introduzidas como um

    galho que se inicia nas expresses culturais (folclricas) e se ramifica tanto para o campo

    profissional do espetculo, quanto para a rea de recreao (amadora). A exemplo das danas

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    de rua. Elas tiveram origem nos guetos negros norte-americanos, como forma de protesto, e

    ganharam adeptos no mundo todo. Como o rap, o funk e o break, muitas dessas danas j

    saram das ruas e invadiram as academias e palcos teatrais.

    Portanto, considera-se dana uma expresso representativa de diversos aspectos da

    vida do homem, sendo uma das possveis formas de expresso mais autntica do ser humano,

    capaz de demonstrar concepes sociais, culturais, polticas, econmicas e intelectuais.

    Todavia, apesar da dana estar presente em diferentes instncias da sociedade,

    apresentando uma variedade de conceitos e de produes, quando se fala de

    dana/cultura/educao, pode-se perceber que ainda persistem concepes obsoletas sobre o

    corpo, dana e movimento.

    Para Freitas (2004), o corpo humano ocidental concebido como um corpo

    anatomista, esfacelado, desintegrado, com diferentes regies que se articulam e cada uma

    delas sob o domnio de uma especialidade do conhecimento. No entanto,

    O homem seu corpo e, quando age no mundo, age como uma unidade. Nessa ao

    no se separam o movimento do brao do piscar dos olhos, dos batimentos

    cardacos, dos desejos, das angstias, Igualmente, nela no se v apenas a atuao

    determinante e massificadora ideologias, da mesma forma como o homem no pode

    ser reduzido s determinaes ideolgicas [...] (Freitas, 2004, p. 111).

    Na concepo do autor citado, o corpo remete possibilidade do ser engajar-se em

    uma existncia. No se pode apropriar-se dele como se apropria de um objeto ou de uma

    ideia; ao contrrio, o corpo que, no movimento intencional de dirigir-se ao mundo traz para si

    os objetos e incorpora-os.

    Sendo assim, o que caracteriza o homem no a existncia exclusiva do esprito nem

    tampouco a presena de um corpo material, mas sim so as relaes dialticas entre o corpo, a

    alma e o mundo no qual se manifestam relaes que transformam o corpo humano numa

    corporeidade, ou seja, numa unidade expressiva da existncia (Freitas, 2004).

    Portanto, o corpo no termina nos limites que a anatomia e a fisiologia lhe impem

    (Freitas, 2004), mas sim se estende por meio da cultura, dos costumes, das roupas e dos

    instrumentos criados pelo homem, conferindo um significado e sua utilizao passa por um

    processo de aprendizagem construtor de hbitos. Por conta disso, o corpo supera a concepo

    tradicional de corpo biolgico e atinge a dimenso da cultura. Alm disso, aprende, cria

    significados, que no pode estar rigidamente fixado a concepes educacionais, como bem

    enfatiza Merleau-Ponty (1971 apud Freitas, 2004), na dialtica do concreto e do abstrato, do

    real e do virtual, do necessrio e dos possveis, que o movimento se manifesta.

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    Nesse sentido a corporeidade torna-se elemento essencial para a dana, j que atravs

    dela, desenvolve-se a capacidade de compreender e usar o corpo expressivamente, os

    sentimentos e a razo. Assim, o treinamento corporal voltava-se muito mais s questes

    estruturais do movimento, procurando fazer que o sujeito se tornasse consciente das relaes

    entre o seu corpo e o espao, das diferenas rtmicas, da fluncia, experimentando essas

    descobertas no apenas no mbito das ideias, mas tambm segundo a prpria experincia

    prtica. Para tanto, se faz preciso construir um modo de danar capaz de conter todas as

    possibilidades do corpo (Mommensohn e Petrella, 2006).

    De acordo com Calazans (2003) fica explcito que movimentar e danar representa

    uma parte fundamental, estrutural e processual da possibilidade de desenvolvimento do ser

    humano. Cada um deles aponta para uma direo que, em princpio, parece se distanciar do

    outro, mas, ao serem percebidos dentro de um espectro mais abrangente, formam um leque,

    uma teia que envolve o organismo como um todo. Em cada um deles est o dinamismo e a

    concretude da vida, o crescimento.

    Para Strazzacappa e Morandi (2006), a dana pode exercer um importante papel, no

    que se refere a ampliar as possibilidades e as formas de compreender e do sujeito se relacionar

    com seu prprio imaginrio, com o de outras pessoas e com este mundo, construdo por

    imagens.

    Segundo Mommensohn e Petrella (2006), o corpo o instrumento de comunicao

    do homem no mundo, e por intermdio dele que, se recebem e emitem-se informaes, de

    fora e de dentro de cada pessoa. De modo geral, o corpo foi compreendido como elemento

    acessrio no processo educativo, e essa compreenso ainda predominante no contexto atual.

    Como enfatiza Arajo (2003), na dana como em qualquer atividade fsica no

    necessrio um corpo perfeito, seguindo os padres sociais como classe social, idade e etnia, o

    importante podermos expressar e se comunicar danando, enfatizando a aceitao, a

    valorizao e a crena de que diferentes corpos criam diferentes danas.

    A dana deve ser trabalhada como um processo de enriquecimento cultural

    formando valores sociais, morais, ticos e estticos. Havendo um dilogo entre os sujeitos,

    provocando um ambiente de reflexo e de troca de ideias.

    De acordo com os autores ora citados no referido texto ficam ntidas as diversas

    conceituaes/definies referentes dana e suas consequncias para um campo de

    aprendizagem privilegiada. uma forma de arte composta pelo corpo e seus movimentos,

    possibilitando a capacidade de expressar a corporeidade dos movimentos, sua expresso e

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    plasticidade, a ideia de que o corpo alm de ocupar espao, desejos e interagir com as coisas

    da natureza, necessrio assimilar experincias, informaes, incorporando atividades e

    adquirindo valores.

    Portanto, a dana um sistema com propriedades prprias, que quando relacionada

    entre si gera propriedades da prpria relao, emergindo e propiciando formao necessria

    para aperfeioar os processos cognitivos, motor e scio-afetivo, despertando interesse para

    adquirir conhecimentos com reflexes.

    1.2 Dana no Brasil

    Historicamente, o Brasil foi colonizado e explorado pela nao Portuguesa. Ao

    chegarem ao Brasil, os portugueses legitimaram-se como donos desta terra, definindo os

    rumos aos povos nativos que aqui habitavam.

    Segundo Rodrigues (2003) os portugueses encontraram uma populao dispersa em

    vrias tribos, e atribuiu a esse povo a denominao de ndios. Nesse contexto, em face do

    estgio evolutivo de povo, somado ausncia de instituies polticas e jurdicas para

    represent-los, os portugueses impuseram sua cultura, religio e leis nova colnia.

    Uma estratgia para catequizar os novos povos foi ao dos padres jesutas, que

    utilizaram recursos pedaggicos e para alcanar tamanho objetivo, recorreram msica e

    dana.

    O que h de mais antigo, com referncia a utilizao da dana no Brasil encontra-se

    em escritos sobre Jos de Anchieta, que descreve o trabalho com a msica para catequizar os

    ndios. Conforme Tinhoro (2001, apud Rodrigues, 2003), o padre Jos de Anchieta em umas

    das casas de ensino na Bahia, ouvia os meninos ndios fazerem suas danas portuguesa,

    com tambores e violas, como muita graa como se fossem meninos portugueses. Conclua

    Anchieta por ser relaxada, remissa e melanclica, a terra, tudo se leva em festas, cantar e

    folgar.

    Jos de Anchieta ensinava aos pequeninos ndios a cantar, danar e a tocar

    instrumentos de corda e sopro, com tanto aproveitamento, que era de grande

    admirao aos portugueses, o que punha em brios os alunos da escola superiores

    que, no querendo ficar em plano inferior, resolveram dedicar-se a este assunto

    (Jeandot, 2005, p.12).

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    Todos os jesutas ensinavam msicas s crianas e jovens, no s na catequese, como

    tambm para ensinar a ler e a contar, em folguedos, os jogos e ainda os instrumentos de corda

    e de sopro. Essa msica era na base do gregoriano e, entre as formas preferidas de ensino

    estavam os Autos (Jeandot, 2005).

    Os brancos e indgenas tinham oportunidade de cantar e danar em estilo diferente

    dos modelos religiosos criados pelos jesutas para promover a catequese ou tradicionalmente

    presos ao calendrio das festas da Igreja importada de Portugal (Muller, 2004).

    Muller (2004) explica que mesmo com a atuao dos missionrios jesutas, alguns

    povos indgenas, como o caso do Tupi-guarani, nunca deixaram de realizar seus rituais

    xamansticos1. Na verdade, os ndios incrementaram na luta pela sobrevivncia. Oforahai o

    nome genrico dado s prticas rituais realizadas para promover a experincia do encontro

    csmico entre o mundo dos humanos e o dos espritos. O objetivo garantir a vida, seja

    atravs da transmisso da substncia vital que cura os pacientes do ritual Marak, seja atravs

    da ao propiciatria que garante a caa e a boa colheita.

    Ao lado dos rituais xamansticos, um longo ciclo de cerimnias e rituais

    cosmognicos, isto , performances cnicas dos mitos de origem instauradores da

    ordem do cosmo, completam o repertrio da vida ritual dos Asurin. A dana, linguagem do corpo em movimento, organizado esteticamente pela coreografia e pelo canto vocal, ocupa lugar fundamental no desempenho ritual. Homens e mulheres danam. No ritual xamanstico Marak, o xam dana acompanhada das

    mulheres uiratsimb e do wanapy, espcie de produtor e coadjuvante do xam. Ele

    responsvel pela instalao do espao onde ser desenvolvido o ritual, delimitado

    pelos objetos sagrados (Muller, 2004, p. 128).

    Os rituais xamansticos tm sua origem e razes histricas nos ensinamentos

    milenares que, atravs da tradio de tribos indgenas foram sendo passadas at os dias de

    hoje. Os xams esto abertos para o aprendizado daquilo que realmente so e os tornam

    capazes de elevar a conscincia e nos relacionarmos com outras realidades e dimenses, assim

    como manter plena e perfeita harmonia com a natureza, possibilitando a total integrao de

    seus corpos fsico, mental, emocional e espiritual (Souza, 2001).

    Sendo assim, segundo Barros (2005), a msica e a dana, inerentes cultura

    indgena, foram muito exploradas pelos jesutas, como estratgias pedaggicas e de

    comunicao.

    1 Para Giddens (2000), smbolos e rituais religiosos esto freqentemente integrados cultura material e artstica

    da sociedade. Em culturas pequenas, no existe um sacerdcio profissional, mas h sempre certos indivduos que se especializam no conhecimento de prticas religiosas. Dentre esses indivduos, merece destaque, o xam. O

    Xam um indivduo que se acredita seja capaz de controlar espritos ou foras sobrenaturais por meio de

    rituais. Geralmente, os xams so basicamente feiticeiros, ento lderes religiosos, sendo geralmente consultados

    por indivduos que estejam descontentes com o que os rituais religiosos da comunidade oferecem.

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    Os religiosos perceberam que vrios recursos eram utilizados nas festas e rituais,

    sobretudo para destacar a fala dos pajs, como o marac, adornado com penas e

    pintado de vermelho. A fim de impressionar mais os crdulos irmos da tribo, os

    pajs pintavam nos maracs olhos, narizes e, por vezes mesmo, abriram-lhe um

    orifcio no lugar da boca, por onde profetizavam. Era uma forma de combinar signos

    e mensagens: a fala, a msica, os gestos e a encenao (Beltro, 2001, p. 93).

    Foram esses recursos que, de forma criativa e adaptativa, os missionrios comearam

    a utilizar para catequizar os ndios, desde o ensino dos rudimentos lingusticos,

    aperfeioando-as at atingir o teatro. Na dana, a msica era imprescindvel. No teatro,

    Anchieta usou-a intensamente, pois muito agradava os nativos, acostumados a us-la at

    mesmo nos rituais religiosos (Barros, 2005).

    No entender de Camiu (1977, p.73), nesse cenrio, a msica religiosa passou a fazer

    parte do ensino deliberadamente, j que tudo obedecia finalidade de preparar executantes

    para as cerimnias da Igreja. Com isso, os jesutas implantaram uma poltica musical visando

    unificao de uma sociedade, nos moldes europeus.

    Sendo assim, a msica tornou-se mensageira da doutrina crist, conforme Fernandes

    (1995), ela tornou-se uma frmula de exorcizar o desconhecido: a morte, o mal, a influncia

    dos astros e das foras da natureza. A partir dos ensinamentos dos padres jesutas, os ndios

    abandonavam as palavras cabalsticas de suas canes e aprenderam o canto gregoriano.

    Nesse contexto,

    Manuel da Nbrega via nas msicas e danas indgenas, alm de um meio de

    comunicao e aculturao, apenas maneiras e costumes diferentes, mas no opostos

    religio crist e com isso contemporizando com eles, tornou-se um instrumento,

    um meio. Para facilitar o acesso aos nativos, quer para a comunicao do Evangelho,

    quer para atra-los escola de ler e escrever (Barros, 2005, p. 02).

    Complementando, Almeida (1995) enfatiza que a msica, no perodo colonial, era

    utilizada para ensinar aos ndios o catecismo catlico. Os jesutas dispunham de tcnicas

    efetivas de musicalizao para aculturar ndios e negros, formalizando assim o ensino de

    msica para os escravos.

    Portanto, os ndios vivendo com os padres jesutas tornaram-se meio e mensagem na

    comunicao de uma civilizao crist, que marcaria indelevelmente a cultura brasileira, entre

    os meios de comunicao usados pelos jesutas, seguindo uma ordem prtica, podem-se

    destacar os estudos lingusticos, musical, coregrafo e teatral. A aquisio do conhecimento

    lingustico foi o ponto de partida para o exerccio catequtico-pedaggico a que se

    destinavam. Com isso, abria-se um leque de alternativas, como a msica, a dana e o teatro,

    que se inter-complementavam, assegurando o alcance dos objetivos pretendidos (Souza,

    2001).

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    importante destacar a habilidade dos jesutas quanto compreenso que possuam

    da afinidade da psicologia com a pedagogia e as artes. Anchieta revelou essa compreenso no

    transcorrer do desenvolvimento de suas atividades apostlico-educativas, sempre subsidiadas

    pelos recursos artsticos e ldicos (Barros, 2005).

    Outro povo que teve grande influncia na formao cultural do Brasil foram os

    negros africanos, uma vez que aqui se instalaram como escravos, no exercendo influncia

    alguma nas instituies polticas e jurdicas do pas (Rodrigues, 2003).

    No cenrio da produo colonial em proveito das metrpoles, o escravo africano era

    uma mercadoria cuja compra e venda, tornaram-se to lucrativas que seu trfico,

    principalmente para a Amrica, foi por cerca de trs sculos uma das principais fontes de

    acumulao de capital em Portugal, na Inglaterra e na Holanda (Campos e Dolhnikoff, 1997).

    De acordo com Assis (2004), h uma estimativa de que, somente no Brasil foram

    desembarcados cerca de 3 milhes e 500 mil africanos do sculo XVI ao XIX. Esse

    extraordinrio nmero veio de vrias regies da frica, em especial da Guin, de

    Moambique, do Congo e, principalmente, de Angola, (Figura 15) pas onde estavam

    localizados dois dos principais portos de embarque de escravos: Luanda e Benguela.

    Figura 15 Desembarque de africanos

    Fonte: (Campos e Dolhnikoff, 1997).

    Para Mamigonian (2003), as rotas do trfico de escravos para o Brasil tiveram

    abordagem pioneira no trabalho de Pierre Verger, onde demonstrou a estreita ligao

    comercial entre os portos de Salvador e os do Golfo do Benin, na Costa Ocidental Africana

    entre os sculos XVII e XIX, relao que se traduziu em intenso trfico de escravos e

    mercadorias, em intercmbio cultural, relaes familiares dos dois lados do Atlntico e at a

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    adoo de hbitos e prticas brasileiros naquela regio da frica, graas ao que Verger

    batizou de refluxo, a volta de africanos alforriados com suas famlias e dependentes. Tal

    relao comercial privilegiada foi favorecida pela proximidade geogrfica das duas regies e

    alimentada pelo estabelecimento de sociedades entre comerciantes e traficantes dos dois lados

    do Atlntico. A peculiaridade deste ramo do trfico de escravos determinou a superioridade

    numrica dos africanos da Costa Ocidental iorubs, tapas, hausss, jejes na composio

    tnica da populao africana da Bahia.

    Estudos revelam que os escravos trazidos da frica, em sua maioria, se converteram

    ao catolicismo, mesmo assim algumas religies de origem africana conseguiram sobreviver,

    atravs de prtica secreta (Jensen, 2001; Pierucci, 1996; Prandi, 2006; Dias, 2005; Gevegir,

    2006; Maia, 2005). Nas senzalas, longe dos senhores de escravos, eles realizavam os rituais

    para cultuar seus orixs.

    Conforme Jensen (2001), os padres catlicos passaram a batizar os escravos e

    ordenavam que eles deveriam participar da missa e dos sacramentos. Todavia, apesar das

    instituies escravagistas e da Igreja Catlica Romana, foi possvel aos escravos comunicar,

    transmitir e desenvolver sua cultura e tradies religiosas.

    Igualmente aos ndios, os negros escravos trazidos da frica tambm foram

    catequizados por meio da msica, da dana, da pedagogia e das artes. E de igual modo,

    encontraram formas de cultivar suas razes, fossem na religio, na dana, na msica ou na

    culinria.

    Os estudos de Prandi (2006); Dias (2005); Gevegir (2006) e Maia (2005) revelam que

    durante a escravido toda cultura negra foi reprimida, principalmente se tivesse uma conotao de

    luta, por isso os negros foram adicionando instrumentos musicais e msicas que falavam de

    deuses africanos, reis das tribos, fatos acontecidos na roda no dia a dia, como os sofrimentos dos

    escravos e entre outros.

    Nas senzalas havia tradies culturais, religiosas e artsticas diversas, e segundo

    Santana (2004) essas tradies se misturaram s danas cerimoniais, guerreiras e competitivas

    e, danas litrgicas ao som de instrumentos de percusso que desempenhavam um papel de

    grande relevncia nas terras de origem dos escravos, ou seja, na frica.

    Sendo assim, a permanncia da africanidade atravs do habitus da cultura negra se

    revelou em manifestaes afro-brasileiras, como a capoeira (Figura 16), o afox, o samba, o

    frevo, o maracatu, o tambor de crioula que, embora praticadas em Estados diferentes

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    possuam caractersticas diferentes nas formas e nos ritmos, apresentam a hibridao dos trs

    elementos que formavam a civilizao subsahariana no Brasil (Souza, 2001).

    A dana afro-brasileira se revelou atravs da permanncia de elementos simblicos

    que ao longo da histria da cultura africana e de sua difuso no Brasil vm ritualizando

    crenas; ressignificando saberes; expressando, mantendo e recriando costumes ancestrais.

    Assim, notria em muitas danas afro-brasileiras a permanncia de instrumentos, de

    movimentos, de rituais que vm sendo transmitidos desde pocas dos antigos batuques

    africanos (Alves, 2003).

    Figura 16: Capoeira

    Fonte: http://dancas-africanas.blogspot.com

    Mais tarde, houve uma fuso entre os ritmos tradicionais com a forma de danar

    importada da sociedade europia, em que este tipo de dana era praticada nas cortes, nos

    sales nobres e da burguesia dando origem a outros ritmos danantes (Danas Africanas,

    2008).

    Portanto, a dana africana foi recriada no Brasil, nas diferentes pocas e regies,

    visto que esse legado ganhou novos significados e expresses. As danas afro-brasileiras

    presentes na cultura popular se expressam em vrios ritos: na rua, na sala, no terreiro, no

    mbito do sagrado ou profano, como: sambas nas suas inmeras modalidades (de roda, rural,

    enredo, cano, reggae, partido alto, rock, entre outros), maculel, afox, ax baiano, danas

    do Reinado de Nossa Senhora do Rosrio, (congos, Moambique, catops, marujos,

    http://dancas-africanas.blogspot.com/

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    manguaras, pastorinhas, candombls), folia de Reis, Umbanda, Candombl (dana dos

    orixs), jongo, batuque, capoeira e muitos outros (Santana, 2004).

    Santana (2004) descreve sucintamente algumas danas brasileiras de origem

    africana:

    SAMBA - O samba uma dana popular originada de ritmos, danas sociais e

    religiosas dos negros africanos que se fundiu s danas e cantos sagrados dos

    indgenas brasileiros e que foi levado para a Bahia pelos escravos enviados para

    trabalhar nas plantaes de acar. Esses batuques eram executados na zona rural.

    Aos poucos a batida sutil e as diferenas de interpretao levaram o samba a ser

    danando nos cafs e eventualmente at nos sales, dessa forma e o samba urbano

    nasceu e se desenvolveu no Rio de Janeiro, no incio do sculo XX incorporando

    outros gneros da poca como Polca, Maxixe, Lundu e o Xote etc.

    SAMBA DE RODA - uma dana que os negros do Congo e de Angola trouxeram

    para o Brasil e consiste em geral de se fazer uma grande roda em cujo centro um s

    danarino ou par, faz evolues e depois de muitos requebros da uma umbigada em

    outro danarino de sexo diferente, que vai por sua vez para o centro, e assim

    sucessivamente.

    LUNDU - Dana de origem africana que teve seu esplendor no Brasil em fins do

    sc. XVIII e comeo do sc. XIX. Dos meados do sc. XIX em diante, cano

    solista, influenciada pelo lirismo da modinha e freqentemente de carter cmico.

    MOAMBIQUE - Bailado guerreiro de origem negra, sem enredo, ao som de

    instrumentos de percusso, semelhante s danas de combate das congadas, e no

    qual o ritmo marcado com entrechoques de bastes. Comum nos estados

    brasileiros de Minas Gerais, So Paulo e Gois.

    MARACATU - Dana de origem africana, evoca os cortejos reais dos soberanos

    negros, com rei, rainha, damas do pao e baianas, protegidos por um grande "Plio"

    (semelhante a um gurda-sol), ricamente enfeitado. Os participantes movem o corpo

    imitando o movimento do mar, ao som de bombos, chamados alfaias, taris,

    gongus e ganzs.

    CAPOEIRA - Os historiadores falam sobre o bero da capoeira, que pode ser rural

    ou urbano. Uns enxergam seu nascimento no campo, entre grandes plantaes de

    cana e engenhos de acar onde as clareiras abertas no mato serviriam de canal para

    fuga dos escravos e espaos para o lazer.

    Durante muito tempo, as manifestaes culturais afro-brasileiras produzidas por

    negros escravizados e seus descendentes foram desprezadas e perseguidas, j que j no

    faziam parte da cultura europia. Somente mais tarde, no final sculo XIX, essas

    manifestaes foram ganhando mais visibilidade.

    Sobre essa questo cometa Prandi (2006) que as manifestaes culturais afro-

    brasileiras passaram a ter grande visibilidade e muitos smbolos da

    identidade do Brasil. Alm disso, essas manifestaes so produtos de exportao e

    povoam o imaginrio, como os argentinos e uruguaios, e se expandem mais alm, buscando

    terras europias, estabelecendo-se em vrios pases europeus. De igual modo, Pierucci (1996)

    enfatiza que as manifestaes religiosas afro-brasileira viraram cultura: samba, carnaval,

    feijoada, acaraj, despacho, jogo de bzios, entre outros. Portanto, deixaram de se misturar na

    cultura profana, fazendo parte, hoje, da alma brasileira.

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    Marco Aurlio Luz (1992) enfatiza que a cultura negra em tempos ps-modernos

    apresenta reflexes sobre as diferenas tnicas e as trajetrias dos diferentes grupos culturais e

    sociais que fazem parte da nossa cidade, do Brasil e de outros povos, e que devem ser

    valorizados nos seus modos especficos de produo e expresso.

    1.2.1 O trabalho com dana no Brasil

    Historicamente, a rea de dana tem sido marcada pela falta de profissionais

    qualificados para ensin-la no Brasil. Frequentemente deixada a cargo de professores com

    formao em Pedagogia, Educao Fsica ou Educao Artstica que, na maioria dos casos,

    no tem experincia e/ou reflexo pedaggica com a dana, ela constantemente vem sendo

    escolarizada e descaracterizada enquanto arte. Outro problema srio, decorrente e ao mesmo

    tempo fator deste primeiro, a insipincia e o atraso da bibliografia especfica da rea de

    dana em portugus em relao s discusses internacionais (Kunz, 1998).

    Recentemente muito tem se discutido sobre a dana e sua introspeco no espao

    escolar, a melhor forma desta disciplina ser ensinada e desenvolvida, bem como os benefcios

    e as qualidades que a mesma proporciona no ambiente da escola. Contudo, apesar da evoluo

    deste debate ainda possvel observar o grande descaso que a dana vem sofrendo na rede de

    ensino brasileira.

    A dana um fenmeno que sempre se mostrou como expresso humana, seja em

    rituais, como forma de lazer ou como linguagem artstica. Neste sentido, ela uma

    possibilidade de expresso e tambm de comunicao humana que, atravs de dilogos

    corporais e verbais, viabiliza o autoconhecimento, os conhecimentos sobre os outros, a

    expresso individual e coletiva e a comunicao entre as pessoas (Brasil, 1997, p.58).

    Pensando na dana como uma manifestao humana no mundo, possvel dizer que

    ela uma maneira de vivenciar a corporeidade, integrando o sensvel e o racional, o

    pensamento e a ao, no corpo que o ser que dana expressa e comunica.

    O ensino de dana renasceu em forma de mundo, criado e danado pelo grupo como

    um todo, simbolizando a integrao, um vir-a-ser histrico harmnico dentro da diferena.

    Mundo que se transformou no decorrer da composio, transformao inerente a toda

    proposta pedaggica. A elaborao da coreografia do mundo pressupe uma anlise profunda

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    de seu significado semntico em diversas abordagens pedaggicas para o ensino de dana

    dentro do contexto escolar (Marques, 2006).

    A maioria dos estudos referentes ao ensino da dana tambm se concentra,

    basicamente, em questes relativas ao campo das artes visuais. Como nesse campo o ensino j

    vem se dando h mais tempo, os problemas referentes ao seu processo educacional possuem

    ampla discusso e reflexo, o que no acontece com as outras linguagens e especificamente

    com a dana. Desta forma, essas linguagens ainda tm um grande caminho a percorrer,

    lutando para se impor e deparando com os problemas que somente surgiro quando

    efetivamente elas estiverem inseridas no contexto escolar.

    Neste contexto, a dana, segundo Marques (2006), tem uma "necessidade pedaggica"

    de determinar objetivos, contedos, procedimentos e avaliao, formando assim tcnicas e

    procedimentos que so aplicadas em qualquer escola, elas tentam garantir a unidade de

    pensamento, de corpos, de ao, facilitando assim o trabalho do professor, pois essas tcnicas

    no exigem conhecimento especfico, elaborado e articulado na rea de arte e tampouco

    experincia artstica criativa.

    Diversos autores j afirmaram que a dana muito mais que um exerccio,

    divertimento ou passatempo social. O processo de ensino/aprendizagem deve considerar o

    aluno como um corpo que no foi programado no s para imitar, e que ele s estar satisfeito

    e plenamente realizado em sua corporeidade, a partir do momento em que estiver participando

    ativamente das atividades e podendo explorar sua criatividade espontaneamente, rompendo as

    limitaes do seu corpo, descobrindo as coisas maravilhosas, que podem ser realizadas

    atravs dos seus movimentos.

    Nesta perspectiva, cabe tambm ao professor a tarefa de atingir os objetivos

    propostos para a Educao Fsica estando sempre interferindo e favorecendo na evoluo de

    fatos, conceitos, procedimentos, valores e atitudes para, a partir da, promover a formao de

    pessoas sensveis, aptas a atuarem nas inmeras situaes que a vida lhes oferece. Este deve

    sempre estar atualizado no que rege ao ensino atual. Deve atuar de forma dinmica em que

    seus agentes (professor e aluno) possam estar numa mutualidade, aprendendo e ensinando.

    Para alcanar a perspectiva descrita, existem contedos que geralmente so includos

    nos programas e objetivos das aulas de dana, mas que, embora possam ser trabalhados e

    atingidos por essas prt