As Questões Colocadas Por Franco Moretti Em Relação Ao Romance

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Eis a razão pela qual a crítica literária é estruturalista em qualquer época, por essência ou por destino (2011, p.3). Com essa prerrogativa, Derrida lança o que parece ser o cerne dos problemas espectrais que enfrentamos ainda hoje nos estudos literários, a ideia de uma estrutura formal transcendental apriorísticas governante dos processos deliberativos que determinam a significância de uma determinada obra, seja romance, poesia, peça, novela ou conto, mas como num movimento cíclico e dobradiço, volta-se a si mesmo esquecendo, todavia, da própria coisa literária. Tomando o ponto de vista derridiano, analisaremos os seguintes artigos O romance: história e teoria de Franco Moretti, Novas geografias narrativas de Maria Zilda Ferreira Cury, Romances híbridos e crítica ficcional na narrativa contemporânea latino- americana: o caso de Roberto Bolaño de Rafael Eduardo Gutiérrez Giraldo e Trilhas do Romance Brasileiro da segunda metade do século XX de Antônio Donizeti Pires respectivamente. Nosso intuito será inicialmente verificar se o discurso teórico literário contemporâneo consegue ultrapassar o que parece desembocar em seu fardo histórico: uma ideologia estrutural que não ousa dizer seu nome, segundo, gostaríamos de insistir no uso (quase) conceitual de escritutura tal como eludida por Ludmer pois, e é esta a posição que defendemos, ele permite um maior manejo teórico na compreensão das textualidades recentes na medida em que pluraliza os aspectos discursivos que a Literatura, em especial o romance, parecer-nos-á ter em sua profícua gigantomáquia

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Eis a razo pela qual a crtica literria estruturalista em qualquer poca, por essncia ou por destino (2011, p.3).

Com essa prerrogativa, Derrida lana o que parece ser o cerne dos problemas espectrais que enfrentamos ainda hoje nos estudos literrios, a ideia de uma estrutura formal transcendental apriorsticas governante dos processos deliberativos que determinam a significncia de uma determinada obra, seja romance, poesia, pea, novela ou conto, mas como num movimento cclico e dobradio, volta-se a si mesmo esquecendo, todavia, da prpria coisa literria. Tomando o ponto de vista derridiano, analisaremos os seguintes artigos O romance: histria e teoria de Franco Moretti, Novas geografias narrativas de Maria Zilda Ferreira Cury, Romances hbridos e crtica ficcional na narrativa contempornea latino-americana: o caso de Roberto Bolao de Rafael Eduardo Gutirrez Giraldo e Trilhas do Romance Brasileiro da segunda metade do sculo XX de Antnio Donizeti Pires respectivamente. Nosso intuito ser inicialmente verificar se o discurso terico literrio contemporneo consegue ultrapassar o que parece desembocar em seu fardo histrico: uma ideologia estrutural que no ousa dizer seu nome, segundo, gostaramos de insistir no uso (quase) conceitual de escritutura tal como eludida por Ludmer pois, e esta a posio que defendemos, ele permite um maior manejo terico na compreenso das textualidades recentes na medida em que pluraliza os aspectos discursivos que a Literatura, em especial o romance, parecer-nos- ter em sua profcua gigantomquia As questes colocadas por Franco Moretti em relao ao romance, sua escrita e sua consequente Teoria, nos apresentam uma profcua forma de profuso do objeto literrio. Seu ponto de vista interessantssimo, pois, contra as admoestaes sociolgicas e filosficas prementes nos estudos literrios, o autor aponta o descompasso residente entre a historicidade e lgica interna do romance para com o seu recebimento (ou enclausuramento) pela crtica academicamente orientada. Num compasso inusitado, sua proposta toma como ponto de partida a prosa, estabelecendo os motivos de sua ascenso no ocidente em contrapartida a cultura romanesca chinesa. Tecnicamente a prosa estabeleceria uma composio espao/temporal em torno de processos metonmicos no qual abre uma dimenso por vir, sua estilstica narrativa diversificar-se- do verso pela necessidade da composio de uma memria (de um passado, de um presente, de um futuro) que, por sua vez, estabelece uma segunda nuance que lhe intrnseca, a complexidade centralizadora que estabelece as diversas semnticas hierrquicas, ou as mltiplas camadas de significao que a forma romance adquiriu quando a toma como movimento fulcral de sua estruturalidade.Alertamos o leitor que no ingenuamente que Moretti coloca como ponto fundacional da prosa a dualidade entre narratividade (temporalidade) e a complexidade (espacialidade), implicitamente todo o movimento derridiano que desenvolvido atravs de sua crtica a metafsica ocidental e seu fundamento binrio que retomada. Para ele o romance se desenvolve na tenso, nas margens de seus elementos, que de antemo so polarizadas pela crtica. Uma atitude metodolgica que no alimente a binarizao do romance deveria operar atravs de uma inverso dialtica, assim, o analisar procedural de romances comuns e tomar obras cannicas como marginais. A pergunta seria: essa modificao na posio terica poderia alargar a geografia dos estudos literrios? Poderia ampliar a multitude de seu objeto? Antes de respondermos acompanhemos um pouco mais os desenvolvimentos de Moretti. A tese desenvolvida por Moretti se refere a uma espcie anttese entre a racionalidade burguesa e a persistncia da aventura tal como elencada por ele, isto , de caractersticas de personagens que normalmente no compunham ou que aparentemente no figuram no imaginrio da burguesia nascente. Em outro artigo, O sculo srio (2009), desenvolver um tema que aprofunda essa anlise, configurando a prosificao do romance numa ambiguidade resultante das relaes e reaes pelas quais a narratividade e complexidade se engendram: as bifurcaes e os preenchimentos. A primeira se constitui nas diversas formas de mudanas, rupturas ou reviravoltas pelas quais a narrativa se modifica e a trama se desdobra, a segunda enfatizar no o elemento fantstico, mas, sobretudo, a continuidade que cristaliza os processos narrativos. de suma importncia apreendermos a transio da funo-narrador no romance europeu. Moretti afirma que enquanto a forma clssica do narrador se localiza num plano que diferencia a sua funcionalidade e as dos personagens-objeto, isto , o leitor tem pura conscincia em que dimenso, plano e configurao a cena relatada e contada, j o romance ps XIX no qual o seu principal expoente, ou acontecimento discursivo Madame Bovary de Flaubert, inaugura o discurso indireto livre em que elementos subjetivos e objetivos no so mais passveis de uma diferenciao pragmtica. A metamorfose entre essas duas tcnicas no ilustra a genialidade, nem autonomia de qualquer escritor, mas uma mudana correlativa aos regimes discursivos modernos. Em Vigiar e Punir, Foucault comea por fazer uma genealogia da subjetividade do homem moderno, para ele haveramos de sermos capazes de desdobrar os efeitos reguladores que a matriz do poder moderno produz: a individuao produtiva das novas tecnologias polticas. Se classicamente o Panptico, o lugar externo que vigia todos os lugares, d lugar, agora, a uma auto-vigilncia individual, ou seja, o prprio sujeito em si seu prprio carrasco, se autocensura, se toma como o prprio objeto. Para Moretti o romance do sculo XIX ilustra perfeitamente essa transio, no mais o narrador Panptico que tudo sabe e tudo v, mas a invaso da prpria subjetividade do personagem que redistribui a funo narrativa, expondo e analisando seus desejos, uma forma de vigilncia muito mais intimista e complexa. Seria o tomar a si mesmo enquanto objeto, desenvolver uma escrita de si, propor o entrelaamento entre realidade fico uma mera prtica disciplinar? O subjetivismo que paira na literatura brasileira contempornea e defendida por tericas como Diana Klinger um prolongamento da doscilizao iniciada na modernidade? As escrituras esto mais prximas prticas de si helnicas ou da hiperindividuao normatizadora de nossos contemporneos?El Discurso vazio (2006) de Mario Levrero parece-nos muito mais apontar o capital punitivo da narrativa do que uma expresso subjetiva, uma escrita de si. O romance se constitui atravs de uma escritura que relata o cotidiano de uma vida, porm torturada pelos prprios pensamentos que esto em constante viglia sobre si. Logo de incio o texto pretende-se se fazer incluir como um dirio ntimo, mas o que encontramos uma forma de escrita dividida em exerccios que nos remetam muito mais as estratgias modernas disciplinares, de controle do pensamento, da reflexo de sua tessitura sua esttica. Estamos longe do paradigma heideggeriano da linguagem enquanto a casa do ser, ela, na verdade, de maneira imagtica se apropria pela amargura, pela anlise minuciosa das ideias, que no nos dizem nada, no objetivam nada, doravante, expe o carter hiperblico e minimalista da prpria linguagem. A noo de psicose controlada aludida vrias vezes no decorrer da narrativa o anlogo da interface das internalizaes provocadas pelas analticas punitivas tal como presentificada por Foucault (1997). Me vuelvo cada vez ms rgido e autoritario, tratando de mantener aunque se ala aparncia de uma estrutura psquica. Pero el torbellino crece, y me arrasta (p.163)Podemos ampliar esse diagnstico literrio se nos detivermos tambm no livro de Cecillia Giannetti (2007), Lugares que no conheo, pessoas que nunca vi. A claustrofobia dessa escritura exorbitante, ao mesmo tempo em que a proposta do romance aparentemente se mostre dentro do quadrante do subjetivismo psicolgico, encontramos um cruzamento entre tcnica narrativa do Eu entremeada a uma anatomia literria se seu prprio despedaamento. A narratividade tensionada em quatro perspectivas: a primeira uma arquitetura da subjetivao na qual formula-se os espaos em que as personagens enclausuram-se; a segunda o controle repetitivo das atividades em que o cotidiano reiteradamente constitudo sem transformaes, sem modificaes substanciais; a terceira a prpria serializao do tempo num primeiro momento se mostra como fragmentos, contudo, a lgica e a racionalidade de um eterno presente que se formula; a quarta a composio de todos elementos, a subjetivao elevada da narrativa, o encarceramento espacial e a presentificao do tempo cria um romance no qual a narrativa uma lngua-parasita, um tomar-se a si mesmo como objeto, um efeito que Nietzsche descreveu como a essncia da m-conscincia, da autopunio, quero morrer nesse duplex equivale a Gosto de Branco ou Gelo nas paredes (p.69), retumbantemente o niilismo que impregna o texto. O principal personagem a negao, a falta de vivncia, uma falta vida vivida, uma subjetividade que no fosse fruto do encarceramento da prpria linguagem. Ser que no haveramos de mudar da escrita de si para uma espcie de tortura de si que as formas literrias evidenciam?Foucault nos ensina que o processo disciplinar longe de perscrutar um impiedoso, grandioso e prolixo centro de ao, deve sim seguir a tendncia da humildade, isto , ele esta no esprito de finnesse, nos locais mais sutis e, quando possvel e necessrio, invisvel. Na fabricao de indivduos dceis, a prtica do exame reorganiza e rearticula os processos responsveis pela vigilncia o olhar e punitivas os diversos exercidos na microfsica do poder devendo se por como num campo de vigilncia que exerce sua influncia numa rede de anotaes escritas; comprometendo-os em toda uma quantidade de documentos que os captam e os fixos. Os procedimentos de exame so acompanhados imediatamente de um sistema de registro intenso e de acumulao documentria. Um poder da escrita uma pea fundamental nas engrenagens da disciplina (1997, p. 157).

No essa a experincia que se tem ao degustar nesses casos especficos as textualidades supracitadas? No estaramos muito mais prximo desse poder da escrita enquanto fonte disciplinar de doscilizao e fabricao dos indivduos formadores do niilismo contemporneo do que das escritas de si como prtica de subjetivao de uma liberdade? Captar o momento da literarutura a partir desse ltimo prisma um erro e retrocesso terico catastrfico, j que seria retribuir, mais uma vez, uma aura mstica, bergsoniana e romntica a Literatura, numa palavra: a autonomia. Qual a provvel sada e custo tericos para esses impasses? Esses percalos entre o romance e a burguesia, seu regime disciplinar? Para Moretti (2009) a literatura hoje careceria de um terceiro elemento, a aventura. A estratgia do autor implica que para ultrapassar os dualismos por ele elencados discurso objetivo contra o discurso indireto, bifurcao versus preenchimento, clssico versus moderno o tom aventuresco que, em sua tica, compe a prosa e recorta todos os gneros da forma narrativa romance deve ser valorizado. Contra a sobriedade e o realismo que a ideologia burguesa imps a escritura, transformando-a em Literatura, afim de que o literrio apenas a refletisse seu cotidiano. Entretanto esse entusiasmo j no final do prprio texto reapropriado, em vez de retraduzir o prenncio de uma tentativa crtica, o prprio Moretti no sabe aonde e em que lugar colocar o romance, a favor ou contra o sistema, punitivo ou redentor, normatizador ou resistente, e por que isso! Por que tamanha ambiguidade e aporias? Por que Moretti ao tentar vislumbrar novos ares e novas geografias para a Teoria do Romance acaba por territorializ-la? Talvez, apenas talvez, os crticos atuais, com excees de poucos, escandiram a provocao que permeia o que Barthes chamou de escritores sem Literaturas, Derrida e a escritura que leva a diferena, Ludmer e a ps-autonomia. Cury, numa anteviso a Moretti, reflete sobre as caractersticas que constituem o chamado romance brasileiro contemporneo. E aqui que o confronto entre os dois se faz interessante: se para o ltimo o realismo sbrio foi uma necessidade esttica formada pela burguesia para o seu prprio consumo, isto , uma Literatura que trouxesse em seu bojo marcas de sua vida e de seu ideal no clamor reiterativo de uma identificao; para a primeira, no contexto tupiniquim, essa caracterstica o trao distintivo de sua contemporaneidade e subverso, o realismo de denncia, a Literatura como anatomia poltica da sociedade e de seu projeto excludente. A pergunta que devemos fazer para quem essa literatura escrita, que tipo de demanda ela visa cumprir e atender! O da prpria burguesia que de forma orfeica pleiteia-se atingir. O quadro parece animador, pois que alm de uma Literatura crtica, haveria uma guinada tica dentro da esttica da narrativa brasileira. As constantes desterritorializaes, as escritas de si entremeadas de subjetivismo, elevariam a Literatura a sua funo de abrir espao a alteridade, ao outro, refletindo sobre o papel do intelectual na sociedade, muitas vezes como um fora-de-lugar que permite de forma extremamente messinica levar os marginalizados ao centro, a terra prometida. Esse parece ser tambm a posio defendida por Pires, para o autor, em sua compreenso dos novos paradigmas do romance brasileiro julga-se insuficiente as cannicas posies Tericas tal como a de Alfredo Bosi derivadas do Estruturalismo de Lucien Goldman, pois em sua atualidade ele apresenta-se como marcado pela forte fragmentao narrativa e a pluralidade espao temporal. A palavra de ordem ruptura, ruptura com as formas clssicas, misturas de gneros, inoculao de uma escrita jornalstica, superao do realismo, mas reflexo, espelho sempre crtico do perodo social da qual fruto, da qual filho. interessante o quanto a prpria interpretao do estado atual do romance brasileiro por Pires, muito alm de demonstrar sua complexidade, est em volta de uma compreenso do contemporneo permeado pela j esgotada crtica ps-moderna da liquidez do mundo que acompanha os processos literrios e seus congneres. Inquieta-nos o motivo pelo qual de suma importncia que por mais lquida e fugaz sempre a sombra do realismo que o romance deve representar. Por qu? Talvez a resposta seja: a teoria do romance nunca foi moderna. De acordo com a proposta de Bruno Latour o ps-modernismo a tentativa ltima de levar a cabo o projeto modernista e que retumbou num grande fracasso pois a separao entre natureza e cultura, sujeito e objeto, teoria e empirismo, faz ainda parte do fundamento epistemolgico das cincias humanas em geral e no ingenuamente que tanto Pires, como Cury, afim de demonstrar as grandes rupturas do romance acabam por sutur-las ao realismo que dever-se-ia ultrapassar.Resumamos, portanto, o que seria o panorama do Romance brasileiro: ele tico, socialmente engajado e esteticamente comprometido com os marginalizados. Cury no faz outra coisa do que Todorov e Compagnon, no contexto cannico europeu, que sintomaticamente anunciar um desejo extra-literrio, um desejo do terico da literatura e de sua crtica. Coloquemos outra pergunta: ser esse o desejo do texto, possvel fazer a coisa escritural escrever em si e para si? No deveramos questionar o desejo da teoria antes de nos perguntarmos sobre o desejo da escritura? Ser a teoria a face disciplinar e normatizadora que transforma a escritura em Literatura! No essa a revelao que Ludmer visa ao escrever satiricamente sobre a ps-autonomia em literatura? Infelizmente, por mais que Cury no pretenda nenhuma grande sntese criadora que demarque epistemologicamente os sistemas ou razes da textualidade brasileira, sua postura no passa de um lugar comum, poderamos at arriscar: faz conjunto com o Esprito de uma poca. Na anlise que Giraldo faz de Bolao, outra perspectiva apresentada. Contra a arte traumtica ou hiper-realismo que inunda os basties da Teoria na incansvel busca pelo real, o processo de escritura esvaneceria os limites entre realidade e fico, entre teoria e objeto literrio. A novidade trazida por Bolao, e sua tendncia na Amrica do sul, constituiria na multiplicao e ambiguidades entre as posies binrias estabelecidas institucionalmente. Contudo, devemos lembrar que essa disposio, essa metamorfose de lugares no interior do texto no em absoluto inaugurada pela Literatura e nem constitui uma subverso ou modificao de paradigma, o prprio estruturalismo de Claude Lvi-Strauss j h muito tempo prefigura essa mistura. O que seria, portanto, Tristes trpicos que narra a viagem do prprio Lvi-Strauss seno esse limite entre fico, realidade e relato etnogrfico, ou mesmo em seu monstruoso empreendimento a tetralogia as Mitolgicas que para o antroplogo no passa de mais um mito, mais uma vertente ou variao mtica, assim, no possuindo pretenso alguma em analisar objetivamente e friamente a mitologia desmistificando-a. Ser que a radicalidade da escritura no reside e nem residir no debate ad infinitum entre realidade e fico, mas, no contexto, talvez no faa mais nenhum sentido discuti-lo. Assim, pelos autores estudados, a escritura sempre recolocado em termos binrios, os estudos literrios por mais que se esforcem parecem sempre desejar (re)centrar a escritura. Devemos forar um-para-alm da Literatura, o que implica em retomarmos, na histria da teoria, como nasce a problemtica da escritura afim de a dotarmos de sua radicalidade.Em O grau zero da Escrita, Barthes prope estabelecer uma diferena entre o processo escritural e seu surgimento e a Literatura. O texto Literrio Inicialmente compreendido como a expresso histrica do perodo clssico pelo qual refleti-a como um quadro a prpria realidade s podendo ser apreendida como corolrio ideolgico da emergente classe burguesa que substitura nobreza. Literatura e sua instituio seria uma prtica coloraria do advento da burguesia noo de representabilidade do referente, isto , a escrita uma forma de representar e materializar a ideia, a linguagem nada mais do que a cpia do real, a do signo ligado a coisa a ser significada, expressando apenas os aspectos de uma esttica e tica que a interessava impor e reiterar. A escritura, por sua vez, o rompimento dessa metafsica que sustentaria os processos literrios, com o advento da escritura a prpria literatura que questionada, uma escritura sem literatura. A Literatura de acordo com Barthes o projeto de normatizao e disciplinamento das revolues constante que o processo escritural demanda, o sculo XX foi extremamente profcuo em tentar definir epistemolgica e esteticamente a substancia textual, atribuindo-lhe um fim e uma utilidade, essa lio que Todorov e Compagnon parecem no compreender, a crise permanente em literatura seu princpio e sua imanncia. O projeto barthesiano vincula-se a um ideal de literatura partilhado por escritores como Kafka, Flaubert, Mallarm e Proust, pois que detentores da tradio moderna da escritura, apontam os impasses sobre quem fala na obra literria e seus estorvos. Kafka e seu narrador impessoal j seria uma vitria sobre do ele sobre o eu. Dessa forma, a experincia literria coincide com a dimenso da alteridade da prpria linguagem, na qual a impessoalidade marca definitiva, o autor deve ser portanto reduzido a nada, sua extino corresponderia ao fim da fora paternalista e totemista que impem um respeito as intenes artificialmente forjadas no campo da legalidade. factual como a proposio barthesiana da Literatura como simulacro da vida burguesa vai ao encontro daquilo que Foucault em As Palavras e as Coisas: uma arqueologia das cincias humanas () refere-se a episteme clssica que comanda as prprias relaes entre linguagem e seu referente. Para Foucault, a linguagem apenas reflexo dos objetos, mediando, doravante, os vnculos entre o homem e a natureza, a Literatura, tal como pensada por Barthes faz parte tambm de uma reflexo e ordenamento da realidade. A Literatura linguagem representativa nulificada e condicionada por aspectos ideologizantes que definem seu eidos e seu telos. A crtica literria seria o sintoma da formao estigmatizante de uma tradio que atravs de relaes de poder institui o que pode pertencer a instituio literria e o que est fora, digamos o que habita a sua periferia.

Esta a consequncia: a forma literria pode doravante provocar os sentimentos existenciais que esto atados ao interior vazio de todo objeto: sentido do inslito, familiaridade, repugnncia, complacncia, uso, homicdio. H cem anos que toda escrita assim um exerccio de domesticao ou de repulsa em face dessa Forma-Objeto que o escritor fatalmente encontra em seu caminho, que ele tem de olhar, enfrentar, assumir, e que jamais pode destruir-se a si mesmo como escritor (2004, p.5).

A escritura aponta justamente para o esvaziamento das formas tradicionais de transmisso comunicativa universal que habita e habitava o escritor clssico como testemunho do universal para se tornar uma conscincia infeliz (p.4). Ela deve ser em nossa opinio considerada um acontecimento na ordem do discurso, desestabilizando, por conseguinte, as proposies cannicas que ligam a linguagem a natureza, s podendo ser elipticamente observada em ato. Assim, o processo escritural s passvel de efetividade a partir de uma mutao epistemolgica sem precedentes na Histria do pensamento ocidental: a dissoluo das relaes homeostticas entre as palavras e as coisas, entre a linguagem e a natureza. O nascimento da escritura consubstancial a inveno do homem enquanto ser duplo emprico-transcendental, e esse dado no nos deve passar desapercebido. A inveno do homem para Foucault s pode ser realizada pelo deslocamento da linguagem enquanto representao do real para o real da representao enquanto linguagem, isto , a prpria representao o objeto e reluz a positividade do domnio das cincias humanas. Se no perodo clssico o simulacro da realidade a pressuposio onto-teleolgica da Literatura, a representao da linguagem literria que se torna objeto, se questionar como a Literatura, no interior de sua linguagem, representa a face emprica das esferas humanas: o trabalho, a vida e a linguagem. As teorias literrias, em sua totalidade e sistematicidade, enfatizaro, a depender de seu momento histrico, a Literatura enquanto representao da Vida, enquanto representao do Trabalho e enquanto representao da Linguagem.A primeira esboa-se na tendncia que enumeramos com as abordagens de Todorov e Compagnon, a literatura vida, ensina sobre ela. Aqui estes autores no fazem mais do que acompanhar toda tendncia reinante no humanismo na medida em que os gnios e as grandes obras literrias nos libertam da cotidianeidade vivenciada por ns, nos livrando de uma espcie de mediocridade desumanizadora que nos toma, a Literatura representao da potncia vivificadora. A segunda desemboca em toda relao que circunscreve os vrios polos entre Literatura e Trabalho, seja no polo em que a literatura serviria como recurso denunciador das condies alienantes e massificantes que os processos econmicos e polticos engendram suas populaes, seja na apropriao que esses mesmos processos determinam a produo literria, estamos diante de toda a crtica social desenvolvida pela escola de Frankfurt que vai de Benjamin a Adorno. Por ltimo, a literatura enquanto problema eminente de representao de sua prpria linguagem, nos quais os processos formais internos ao texto numa tradio que vai do Estruturalismo e a excede no New Criticism. Entretanto, dentro desse domnio da representao, na qual o homem toma a si mesmo como objeto que vive, trabalha e fala, existe uma zona espectral, um espao de desconhecimento, do que Foucault chama de impensvel que resulta justamente nos limites que a representao possui em abarca-la. Assim, nossa hiptese que o que Foucault chama de impensvel co-representante do que Barthes, Blanchot e Derrida chamaram de escritura que se relaciona ambiguamente com a Literatura e a sua Teoria enquanto unidade discursiva de determinada poca, na qual formula e produz seus prprios objetos literrios sendo constantemente confrontados com a dimenso que justamente a excede, a nega e a transforma.Foucault afirma em Linguagem e Literatura (2001) que o acontecimento discursivo em Mallarm determina novos modos de reagrupao e rearticulao da literariedade, na medida em que o plano da escritura (no sentido barthesiano e derridiano) que o problema deve ser posto: Foucault diferencia linguagem enquanto sistema transparente de signos; a obra como cristalizao enigmtica de signos; e a literatura que no se reduz a obra, muito menos a linguagem. A literatura, e aqui devemos estar atentos pois se trata da literatura moderna que se inicia no sculo XIX, uma tenso e um limite entre obra, linguagem, autor e seu pblico.Dentro do debate entre escritura e literatura, devemos elencar a problemtica em torno do Autor da obra literria. A funo-autor uma fico discursiva e seu, mas se trata de uma fico necessria, contudo, esse regime tanto em Foucault quanto em Barthes apresentam nuances especficas, pois que Barthes se apresenta como um romntico ao avesso na medida em que o Romantismo apregoava a ideia de genialidade, de autonomia, de liberdade ao autor, Barthes inverte retirando a soberania do autor e recolocando-a no leitor que detm a fora de significao da totalidade da obra. A morte do autor, texto que retoma especificamente este problema a crtica endereada ao romantismo de Trufou quando lanou o livro-manifesto a Poltica do autor (1947). Retomando uma citao de Samuel Beckett O que importa quem fala, algum disse, o que importa quem fala a prtica literria moderna marcada pela indiferena quanto as motivaes do autor. Diferente de Barthes, a trajetria foucaultiana distingue o indivduo real, emprico, e a funo-autor nico objeto de sua explanao. Para ele, a cultura ocidental produziu performaticamente essa funo no intuito de delimitar os sentidos e circulaes das operaes de sentido, da livre circulao da fico, da decomposio, da reformulao literria. Entretanto, o problema colocado por Foucault ainda multifacetado na medida em que o mesmo defini a literatura como um problema metalinguistco escrever no sentido literrio, situar a repetio no mago da obra. A problemtica da escritura de fundamental importncia para a crtica do pensamento cannico eurocntrico estabelecido pelo filsofo argelino Jacques Derrida. Em seu texto Fora e Significao existe uma explanao que reside num processo de prolegmenos para uma crtica da crtica literria, isto , o objeto de anlise derridiano se concentra numa extraordinria violncia desconstrutiva pela forma tal qual se constitua a teoria literria em especial a estruturalista. A questo reside, portanto, no exame minucioso das relaes entre a coisa literria e a crtica estruturalista. O texto dividido em dois momentos, o primeiro no exame da melancolia que habita o seio da crtica, o segundo tomando o livro de Jean Rousset, Forme e Significacion como modus operantes do domnio estrutural. O estruturalismo por virtude e defeito um Borges teortico. O ltimo fechado em torno de um movimento epocal de Livros e bibliotecas que se remete a si mesmo no infinito de seu Aleph, a metalinguagem borgeana, o estruturalismo em seu aspecto mais conservador se transfigura no Ultraestruturalismo: um mtodo preocupado apenas e somente com o prprio mtodo, com suas prprias condies de inteligibilidade, meio pelo qual a prpria letra que esvanecida, a prpria escritura que rebaixada em prol de uma sede obsessiva pela constncia normas formais, pela geometria, pela lgica e racionalidade que preexiste como um deus ex machina a literariedade. O processo de constituio da Literatura um objeto forjado no bere da metafsica ocidental que, incorporada ao estruturalismo, no diz absolutamente nada da fora, do mpeto, ou melhor da tenso que a escritura enquanto grafismo literrio rompe enquanto diferena. O ultraestruturalismo denunciado por Derrida apenas um anagrama que ilustra que o seu procedimento, muito aqum de ter sido superado pela teoria contempornea, fundacional quanto a teoria literria que, transformando-se numa espcie de filosofia da Literatura (como a epistemologia a filosofia da cincia que completamente prescindvel, a primeira, para o esprito da segunda como afirma Gaston Bachelard), necessita repetida e reiteradamente da busca entelquia e teleolgica de seu sentido, de sua origem, de sua estrutura, de sua autonomia. O pathos da teoria literria ironicamente residir-se-ia na melancolia ensaiada por sua incapacidade de separar-se da literatura, o seu grande desejo!

A forma fascina quando j no se tem a fora de compreender a fora no seu interior. Isto , a fora de criar. Eis a razo pela qual a crtica literria estruturalista em qualquer poca, por essncia e por destino. Ignorava-o, compreende-o agora, pensa-se a se prpria no seu conceito, no seu sistema e no seu mtodo. Sabe-se doravante separada da fora da qual por vezes se vinga mostrando com profundidade e gravidade que a separao a condio da obra e no apenas do discurso sobre a obra. Explica-se assim esse tom profundo, pathos melanclico perceptvel nos grifos de triunfo da habilidade tcnica ou da sutileza matemtica que por vezes acompanham certas analises estruturais (p.3-4).

Contra a melancolia de toda a teoria literria e de seu objeto A Literatura, Derrida ope a angustiante e preocupante escritura que esta muito longe de possuir em seu domnio uma positividade fundante, mas muito pelo contrrio, sua associao esta ligada a disseminao valorativa que irrompe com uma fora, tal qual a sua brutalidade devida, que o prprio estatuto de seu objeto que a crtica deve repensar: o seu objeto prprio, j que o nada no objeto, antes a maneira como esse nada em si se determina ao perder-se (p.9). Aqui est simplesmente a chave que ininterruptamente os tericos como Antnio Candido parecem desconhecer: a face irruptiva da escritura. Em a Formao da Literatura Brasileira (1999), Candido aposta na possibilidade de sistematizar a histria da literatura brasileira, organizar seu patrimnio, estabelecendo nesse gesto uma poltica da identidade nacional (no estaramos aqui diante de um perfeito exemplo do que Eric Hobsbawm chamou de tradies inventadas, no o prprio Candido que cria a posteriori uma prtica discursiva chamada de Literatura Brasileira que por assim dizer institui sua autonomia esttica, poltica e autoral frente a outras tendncias literrias, circunscrevendo um lugar simblico dos temas abordados bem como daquilo que pode ser nomeado institucionalmente de Literatura e brasileira.) que desconhece a fugacidade de seu prprio objeto, ou seja, sua prpria historicidade, no a que tradicionalmente se pratica quando na composio matricial corpus literrio em diversas matrizes epistemolgicas, ontolgicas, metodolgicas, ticas, estticas e polticas, mas, sobretudo a impossibilidade que ela experimenta de alguma vez ser no presente (p.18), o que implica uma postura bastante subversiva quanto ao trato literrio, pois que faz-se necessrio uma nova crtica da economia textual que escape ao sistema cannico literrio j cristalizado em sua perspectiva. A escritura para Derrida a face anmala da Literatura, seu ratio patologizante que mobiliza a metafsica ocidental repressora. A ps-autonomia da Literatura de Ludmer no seria um acontecimento que reatualiza o movimento derridiano quando, logo de incio ope escritura a Literatura, e essa escritura a literatura ps-autonoma, doravante, que nasce dela mas no clama por reconhecimento institucional e metafsico! Investiguemos um poucos mais outras nuances do desconstrucionismo de Derrida para que nosso argumento apresente tons mais slidos, ou talvez essa palavra seja demasiado forte, digamos significativos. em Gramatologia que Jacques Derrida estabelece os contornos possveis para a elucidao do tema da escritura e ps-autonomia em Ludmer, delimitando sua potencialidade (quase) conceitual, bem como poltica e econmica de seu debate. Derrida ilustra inicialmente o problema que assentou todo o pensamento ocidental, a binarizao que constitui a racionalidade de sua metafsica, tendo como consequncia o rebaixamento (ou recalcamento) da escritura como mera representao grfica da fala. Esse diagnstico estar presente em vrios fundadores da modernidade: na Lingustica de Ferdinand de Saussure, na Antropologia de Claude Lev-Strauss e a Filosofia Jean-Jacques Rousseau. De acordo com Derrida indicar-se-ia na verdade que os saberes modernos no operaram uma ruptura definitiva com a metafsica em prol de uma maior cientifizao, mas escandiram seus problemas epistemolgicos e, com isso, so tambm devedores da Necessidade da manifestao da verdade enquanto presena. O fonologocantrismo fundado na fala plena, na razo que exclui a diferncia, deve ser portanto desconstrudo, apresentando suas aporias.

Utilizado pela primeira vez por Jacques Derrida em 1967 na Gramatologia, o termo desconstruo foi tomado da arquitetura. Significa a deposio decomposio de uma estrutura. Em sua definio derridiana, remete a um trabalho do pensamento inconsciente (isso se desconstri), e que consiste em desfazer, sem nunca destruir, um sistema de pensamento hegemnico e dominante. Desconstruir de certo modo resistir tirania do Um, do logos, da metafsica (ocidental) na prpria lngua em que enunciada, com a ajuda do prprio material deslocado, movido com fins de reconstrues cambiantes (DERRIDA & ROUDINESCO, 2004, p.9).

Para Derrida, Saussure ao constituir a noo de signo enquanto positividade fundadora do domnio cientfico da lingustica, por lado destri reproduz a proposta platnica quando o divide em significado (conceito) e significante (imagem acstica), enfatizando que o signo s pode ser estudado na dimenso da fala na qual residiria sua originalidade sendo, portanto, a escrita como mera imitao (cpia) platnica. A destruio da lgica metafsica est em ratificar suas prprias aporias, isto , s possvel desconstruir a metafsica no seio da prpria metafsica, assim, em Saussure que se d as prprias condies possibilidade de sua desconstruo que, ironicamente, residem as condies de impossibilidade de total pertencimento ao logocentrismo. Derrida ir opor ao signo lingustico o (quase) conceito de rastro que indica especialmente a ambiguidade, tenso e limite no cerne da teoria do signo saussuriano. Um exemplo disso, consiste no livro A farmcia de Plato no qual Derrida faz referncia ao Pharmakon que ao mesmo tempo cura e veneno, nem s conota o bem, nem s conota o mal.Ao se deter na obra de Lvi-Strauss, Derrida ir operar a desconstruo da noo de estrutura a partir do problema de sua centralidade, ou seja, a tradio estruturalista determinava dois modos de composio da mesma, o centro da estrutura que geraria sua prpria periferia, abrindo e reestabelecendo metafisicamente oposies entre o dentro e o fora, entre o lugar simblico masculino do universal da Lei e o lugar objetal feminino de troca exogmica, entre a cultura e entre a natureza. Derrida, em sua crtica, evidencia para o lugar propriamente descentrado, nem externo e nem interno, que a estrutura possibilita, mas que num gesto de retorno metafsico a esconde. Esse gesto acaba por abalar a centralidade de um domnio, cedendo s margens uma importncia no desmonte do arcabouo logocntrico. O que Derrida chama de escritura a abertura no interior dos discursos que possibilitam a desarticulao dos lugares antes tidos como no questionveis, no caso da Literatura, a emergncia de rastros que indiquem a diferena, j a nvel cannico ou no cannico. A escritura se coloca contra e ao mesmo tempo em favor da Literatura j que ela transformao permanente, uma crise criativa, trazendo a letra perifrica para o cnone e marginalizando o clssico initerruptamente.Dentro dessa idia de abalo do centro em detrimento das "diferenas", podemos pensar, por exemplo, que a Desconstruo abriu espao para que se realizassem os estudos de literatura emergentes ou de grupos minoritrios, algo que contribuiu, ainda, para o grande xito dos Estudos Culturais. Isso significou uma abertura revolucionria nos estudos literrios, como ideologia democrtica e no preconceituosa. Vemos, ento, que a Desconstruo proporcionou significativos abalos no interior das Cincias Humanas e, por conseguinte, no interior dos discursos sobre a Literatura, ao promover a decomposio e re-configurao desses mesmos discursos, de dentro e de fora, detonando, assim, a tranquilidade dos discursos heterclitos.

Onde se situaria, no contexto do debate francs, a proposta de Josefina Ludmer sobre as literaturas ps-autnomas na Amrica Latina? Se Barthes e Foucault questionaram a funo do autor em seu campo de inteligibilidade da obra, Ludmer inclui e desloca o problema para pensarmos da funo-autor para a funo-literariedade. Aqui, a primeira considerao a se fazer considerar a definio de autonomia. No conjunto de sua escrita, a literatura era considerada uma esfera autnoma da prxis humana, isto , como uma lgica que prescindia das relaes econmicas e culturais que possui em seu pice a esttica do sublime em Kant. sempre interessante no esquecermos que autonomia, bem como autenticidade e identidade compe o triangulo do humanismo moderno, que tinha como baluarte pensar o homem como imagem e semelhana de Deus j que ele senhor de si (sempre autnomo), autntico (seus atos so sempre verdadeiros) e idntico a si mesmo (sua essncia universal, independente do contexto histrico). Quando Ludmer aponta para a ps-autonomia, em nossa compreenso, o ultrapassamento do papel da literatura enquanto fundada nos aspectos teolgicos constituintes do humanismo. O questionamento do espao, do tempo, do mesmo, do pblico, do privado, do outro, da fico, da realidade, da verdade e da mentira propriamente falando o vazio de que se ocupa a literatura ps-autnoma. Temos, portanto, uma tenso e ambivalncia que habita a escritura. Tiago Guilherme Pinheiro utiliza um termo para se referir ao diagnstico de poca de Ludmer que cabe aqui uma anlise: a topologia. A cincia topolgica tem como principal objeto o estudo do espao numa perspectiva no euclidiana, traduzindo, enquanto o ltimo estuda o espao como composto de uma consistncia tridimensional existindo um dentro (espao interno) e um fora (espao externo) de maneira puramente mtrica e quantitativa, a topologia se interessa por figuras geomtricas que subvertem o estudo tradicional euclidiano, no qual impossvel delimitarmos um dentro e um fora, o externo e o interno, forma e contedo, e, qui, o cannico e o no-cannico. Estamos muito prximos da proposta do livro Literatura de viaje, de Humboldt a Baudrillard (2001). Ottmar Ette refere-se ao fenmeno especfico que movimento espacial no apenas da literatura, mas tambm do prprio leitor. Os constantes deslocamentos, modificaes que estabelecemos no cotidiano, a esttica de nossa prpria recepo da obra ocasiona uma diversidade interpretao e reinterpretao da leitura, assim, a depender de nossa posio a escritura adquiri formas mltiplas e disseminativas de significados e sentidos. Estaramos diante de uma literatura em movimento na qual os textos adquirem novas tessituras quando repensados em contextos outros dos quais foram concebidos. Essa proposta leva ao extremo a concepo de ps-autonomia de Ludmer, pois a depender um texto j considerado cannico ou clssico pode adquirir, no movimento mesmo da leitura, aspectos especialmente diferenciais, abrindo novas possibilidades de significao. Os estudos literrios deveriam se ocupar tambm das relaes estabelecidas entre escritores e os espaos literrios construdos atravs das constantes trocas sociais que incluem a lngua, a cultura, a poltica e os espaos econmicos. Seu diagnstico que as literaturas so composies eminentemente transculturais por que subvertem continuamente as esferas fixas compostas em identidades e gneros, assim como a prpria noo entre passada, presente e futuro ou centro e periferia. Segundo Ette, os estudos literrios esto implicados na dimenso de uma sincronicidade diria na qual a prpria ideia de cnone literrio, seja na Europa, seja nas Amricas que modificada, pois no so mais universalmente validas como capacidade valorativa transcendental. Faz-se necessrio, por tanto, os estudos literrios transponham os limiares de suas fronteiras nacionais, continentais, territoriais e temporais; excedam os limites entre as histrias literrias, de seus gneros e de suas culturas.