A Crítica Como Ofício Paula Barcellos

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  • 7/25/2019 A Crtica Como Ofcio Paula Barcellos

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    Wilson Martins

    A crtica como ofcio

    27.08.2005)

    Paula Barcellos

    Nas pginas dos jornais desde 1946, Wilson Martins, aos 84 anos,ainda mantm com vigor sua audcia. No por menos, considerado pormuitos o ltimo grande crtico literrio brasileiro. Com uma longatrajetria refletindo, exaltando e polemizando a literatura poucos tm acoragem de admitir que no acham Nelson Rodrigues isso tudo edezenas de livros publicados, Martins, a partir da prxima edio doIdias, volta a atuar no JB, onde trabalhou por quase duas dcadas. Noretorno, pretende derrubar as idias comuns. Ou como diz: separar otrigo do joio e no o joio do trigo. Rotulado como conservador eextremamente severo, o crtico rebate as generalizaes: S sou conservador na medida em que a literatura conservadora. Nose pode revolucionar a literatura todos os dias admite.

    Como ressalta a seguir, no h mais movimentos que busquemuma nica reformulao. E o fato de surgirem geraes (como a 90e a 00), para Martins, no significa muito. Seria a busca depopularidade, de propor uma novidade que no existe. o incio demuitas polmicas.

    Como o senhor analisa a atual crtica literria publicada naimprensa? Ainda h, de fato, crtica literria?

    Podemos comear por essa idia negativa, mas real, de que acrtica literria como se praticava nos sculo 19 e 20 desapareceudos jornais. Em princpio por falta de espao. A crtica literriapropriamente dita exige um grande desenvolvimento. No bastadizer se o livro bom ou mau, preciso dizer o porqu. nessaargumentao que o crtico necessita de um espao maior. Mas dequalquer maneira se nos detivermos apenas ao final do 19 e incio

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    do 20, a crtica foi representada, digamos, por Jos Verissimo. Foium crtico que se chamava de rodap uma inveno dosfranceses: colocaram o artigo no rodap da pgina, obtendopaginao uniforme e regular, sem quebrar o texto.

    E no sculo 20?

    O grande nome no incio do sculo foi Tristo de Athade (AlceuAmoroso Lima), que comeou fazendo crtica de rodap no O Jornal.Nos anos 40, apareceu um grande nome: o lvaro Lins crticotitular, como se chamava naquele tempo, do Correio da Manh. Foium homem que exerceu uma grande autoridade: seus artigos oulanaram escritores novos, como foi o caso de Guimares Rosa, ques apareceu devido a um artigo do lvaro Lins. Ou ento destruiruns pobres coitados que apareciam com uma literatura inferior.Ainda nos meados de 40, surgiu o Antonio Candido em So Paulo.Mas por pouco tempo foi crtico militante.

    De l para c, o espao da crtica diminuiu na imprensa e a maioriados suplementos apresenta-se como um compndio de resenhas.No se constri nem se destri mais autores. Vive-se um perodo demarasmo. Concorda?

    Nesse trajeto todo, o espao da crtica vem diminuindo eacompanhei essa espcie de depresso crtica. O crtico, costumodizer, precisa separar o trigo do joio e no o joio do trigo. Essa nofundo a funo do crtico. Contra a idia comum, o crtico honesto,srio, tem uma misso mais construtiva de texto. Quanto a reverteressa situao, sinceramente, tenho minhas dvidas porqueentramos numa nova civilizao intelectual, na civilizao daimagem. Os jornais esto hoje preferindo muito mais a imagemsobre o texto, quando a crtica realmente exige a predominncia dotexto sobre a imagem. Tanto que caiu na moda ilustrar o artigo.

    Essa civilizao da imagem, imposta antes de mais nada pelateleviso, informtica, est a para ficar. Por isso a crtica diminuiude tamanho e foi substituda pelas resenhas, muitas superficiais, emtom agradvel. H tambm a idia de dar sempre o lanamento. Os

    jornais recebem releases das editoras e algumas resenhasreproduzem o que vem pronto.

    Desiludido pelo pragmatismo do mercado editorial, alguma vezpensou em largar a crtica?

    No. A uma questo ou de temperamento ou de talento. No

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    sei fazer outra coisa. Ou fao isso ou desapareo. Como dizia ohumorista, sou pago para fazer aquilo de que gosto. Como tenhoum temperamento, no fundo, otimista e enrgico, jamais sofridesalento. E encaro a crtica no como uma obra sublime de

    criao. Mas como um ofcio do dia-a-dia, de uma tarimba literria.Leio o que aparece, escrevo sobre ele. No h nada de teolgico oumetafsico nesse trabalho.

    Por que as universidades privilegiam os ensastas e no investem naformao de crticos?

    Isso perceptvel no meio universitrio. A crtica tem umcompromisso com a atualidade, com o que vai aparecendo. J oensaio literrio muito mais extenso e tem interesse pelos autoresdo passado. Os ensastas universitrios gostam muito de escreversobre Machado de Assis, Jos de Alencar. o caminho da facilidade,o ensasta est percorrendo um terreno seguro. As idias j estoprontas, os pensamentos crticos j se estabilizaram. De forma queno fundo uma boa parte desses ensaios ou so minuciosos demais arespeito de pontos pouco fundamentais ou apenas repetem aquiloque j se sabe. No caso de Guimares Rosa, h uma bibliotecasobre ele. Mas s uns quatro ou cinco livros realmente valem apena.

    A escassez de crticos militantes pode prejudicar a culturabrasileira?

    Acho que sim, mas talvez seja suspeito para diz-lo. O que estacontecendo o seguinte: o leitor no mais provocado pararefletir. O crtico literrio escrevia contra uma obra ou contra umautor e movimentava um grupo de leitores contrrios ao crtico ouao autor. Isso estimulava a reflexo crtica. A resenha puramenteinformativa, no provoca pensamento mais profundo. A minha idia,

    ao contrrio, esta: a primeira funo do crtico desafiar o leitor apensar como ele ou contra ele.

    O senhor defende a idia de geraes literrias, tal como estosendo difundidas as chamadas 90 e 00?

    Acho isso como uma espcie de superficialidade do esprito. Aidia de gerao tem um certo sentido em anlise literria, mas noque se diz a longo prazo. Uma gerao literria s se modifica numprazo que, segundo os autores, varia entre 15, 20, 30 anos. A hdiferenas profundas. De ano para ano, apenas pela diferena da

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    data de nascimento dos autores, no significa nada. Qual adiferena de qualidade ou de natureza entre a literatura de 1960 e1965? No h. um pouco da busca do que chamaria depopularidade: a idia de propor uma novidade que no existe.

    O senhor identifica traos comuns na literatura brasileiracontempornea?

    Na literatura em geral no h caractersticas comuns. Hojeestamos vivendo aquela famosa situao de que cada um por si eDeus contra todos. A idia de que cada escritor quer renovaralguma coisa sozinho. No h idia de movimento, nem de gruposhomogneos como era clssico em tempos antigos. Tirandomovimentos superficiais que no duram mais do que 3, 4 anos,realmente a idia grupal desapareceu. H muito mais individualismona criao literria do que anteriormente.

    H um gnero literrio em evidncia no momento?

    Ainda de maneira meio vaga, o gnero que est predominando o romance. A poesia tem uma imensa produo, mas de umasubpoesia que no vai ficar na histria da literatura. O que temaparecido so bons romancistas. E diria, antes, bons romances. Soobras que tambm continuam isoladas, de forma que essa idia demovimento desapareceu.

    O que o senhor mais observa na produo nacional: a compreensodo pas ou estilo do autor?

    Vamos colocar na tica do romance. O romance que est correndoatualmente tem as temticas mais variadas. H romances de cunhohistrico, outros mais enigmticos. Desse ponto de vista, no sepode dizer que h uma ligao direta entre literatura e realidade.

    Mas fica claro que a realidade de forma sutil est agindo naliteratura. No a literatura, o autor que est imerso numuniverso, no Brasil. E, indiretamente, a cabea do autor filtra arealidade que resulta na obra. Ainda h uma preocupao, mesmoque vaga, com temas ligados histria do Brasil, s camadaspopulares. H um sentimento de realidade, mesmo que no sejamrealistas no sentido direto da palavra.

    Seria a permanncia de um regionalismo, mas de carteruniversal?

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    preciso notar que o perodo de 30 foi excepcional nele mesmo.Coincidiu com o aparecimento de uma ideologia poltica esquerdistae o surgimento de numerosos escritores chamados do nordeste quetraziam aquela temtica local. Essa espcie de unificao da

    temtica, do estilo e da viso literria foi excepcional naqueletempo. Agora preciso notar que o chamado romance nordestinofoi escrito no Rio de Janeiro. Autores de Pernambuco, da Bahia, doCear, mas que, na verdade, escreviam no Rio de Janeiro. Elesestavam refletindo uma ideologia urbana, a ideologia polticadaquele momento. A literatura como documento social, mas semprede um ponto de vista urbano. Os nordestinos, digamos comuns, noviam o mundo desta maneira. Quem viam eram os escritoreseducados literariamente e com leituras internacionais, que viamessa realidade de fora. Essa que a verdade. Seja Jorge Amado,Graciliano Ramos, no fundo, so homens de cidade, viveram seustemas locais, mas transpondo-os para um plano literrio que jestava acima da realidade material de todo o dia.