A CRISE NO SETOR CANAVIEIRO NA MICRORREGIÃO … · exclusivamente ao melhor rendimento esperado...

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 2367 A CRISE NO SETOR CANAVIEIRO NA MICRORREGIÃO GEOGRÁFICA DE ITUIUTABA (MG): O CASO DO GRUPO JOÃO LYRA LUIZ CARLOS SANTOS DA SILVA ¹ ESTEVANE DE PAULA PONTES MENDES ² Resumo O presente artigo é parte dos resultados do projeto de pesquisa do Curso de Pós- Graduação em Geografia em andamento na UFG - Regional Catalão que vem estudando a dinâmica da agroindústria canavieira na Microrregião Geográfica de Ituiutaba (MG). A crise do capital agroindustrial canavieiro envolvendo o grupo João Lyra com a abertura falência de suas cinco unidades de produção: três em Alagoas e duas na Microrregião Geográfica de Ituiutaba (MG) no início do ano de 2014 gerou sérias dificuldades para os trabalhadores rurais que foram demitidos sem o recebimento dos seus salários e direitos trabalhistas. Muitos desses trabalhadores não conseguem pagar suas contas e comprar alimentos para o seu sustento e de suas famílias. Palavras-chave: Agroindústria; crise; trabalhadores; migração; Ituiutaba. Abstract This article is part of research project results of the Graduate Program in Geography in progress at UFG - Regional Catalan who has been studying the dynamics of the sugar cane industry in the micro-region Geographic Ituiutaba (MG). The crisis in the sugar cane agro-industrial capital involving João Lyra Group with the opening failure of its five production plants: three in Alagoas and two in the Geographic Microregion of Ituiutaba (MG) at the beginning of 2014, generated serious difficulties for rural workers They were dismissed without receiving their salaries and labor rights. Many of these workers can not pay their bills and buy food for their sustenance and their families. Key-words: Agribusiness; crisis; workers; migration; Ituiutaba. _________________ 1 Acadêmico do Curso de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás - Regional Catalão. E-mail de contato: [email protected] ² Docente do Curso de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás - Regional Catalão. E-mail de contato: [email protected]

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A CRISE NO SETOR CANAVIEIRO NA MICRORREGIÃO

GEOGRÁFICA DE ITUIUTABA (MG): O CASO DO GRUPO JOÃO

LYRA

LUIZ CARLOS SANTOS DA SILVA ¹ ESTEVANE DE PAULA PONTES MENDES ²

Resumo O presente artigo é parte dos resultados do projeto de pesquisa do Curso de Pós-Graduação em Geografia em andamento na UFG - Regional Catalão que vem estudando a dinâmica da agroindústria canavieira na Microrregião Geográfica de Ituiutaba (MG). A crise do capital agroindustrial canavieiro envolvendo o grupo João Lyra com a abertura falência de suas cinco unidades de produção: três em Alagoas e duas na Microrregião Geográfica de Ituiutaba (MG) no início do ano de 2014 gerou sérias dificuldades para os trabalhadores rurais que foram demitidos sem o recebimento dos seus salários e direitos trabalhistas. Muitos desses trabalhadores não conseguem pagar suas contas e comprar alimentos para o seu sustento e de suas famílias. Palavras-chave: Agroindústria; crise; trabalhadores; migração; Ituiutaba. Abstract This article is part of research project results of the Graduate Program in Geography in progress at UFG - Regional Catalan who has been studying the dynamics of the sugar cane industry in the micro-region Geographic Ituiutaba (MG). The crisis in the sugar cane agro-industrial capital involving João Lyra Group with the opening failure of its five production plants: three in Alagoas and two in the Geographic Microregion of Ituiutaba (MG) at the beginning of 2014, generated serious difficulties for rural workers They were dismissed without receiving their salaries and labor rights. Many of these workers can not pay their bills and buy food for their sustenance and their families.

Key-words: Agribusiness; crisis; workers; migration; Ituiutaba.

_________________ 1 Acadêmico do Curso de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás - Regional

Catalão. E-mail de contato: [email protected] ² Docente do Curso de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás - Regional Catalão. E-mail de contato: [email protected]

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Introdução

O presente artigo propõe a analisar as causas da atual crise no setor agroindustrial canavieiro na microrregião de Ituiutaba, com atenção especial a crise enfrentada pelo Grupo João Lyra detentor de cinco agroindústrias canavieiras, três no estado de Alagoas e duas na Microrregião Geográfica de Ituiutaba e como tem afetado milhares de trabalhadores migrantes piauienses no período da safra de 2012/2013 que, sob a promessa de altos ganhos salariais, deixaram seu estado de origem e migraram para trabalharem no corte manual da cana-de-açúcar nas usinas Triálcool, localizada no município de Canápolis e Vale do Paranaíba, no município de Capinópolis. A produção da cana-de-açúcar, uma das primeiras atividades de importância econômica no Brasil e a mais antiga desenvolvida no país, é basicamente destinada à indústria do açúcar e do álcool. Dentre os produtos agrícolas destinados à indústria, a cana-de-açúcar destaca-se pela tradição, relevância socioeconômica, função energética e pela distribuição geográfica por todo o país (VIEIRA, 1999). A consolidação da agroindústria canavieira como um dos mais modernos complexos agroindustriais do país, a incorporação de novos conceitos gerenciais, o aperfeiçoamento da matéria-prima e o acesso à tecnologia de equipamentos, que possibilitou o aumento da eficiência produtiva e a redução dos custos de produção, se devem em grande parte ao Proálcool, pois durante a vigência desse Programa o Estado tutorou o desenvolvimento do setor, via financiamentos subsidiados e vantagens creditícias. (THOMAZ JÚNIOR, 2002).

Segundo indicadores do IBGE de janeiro de 2013, a produção nacional de cana-de-açúcar este ano está estimada em 715 333 588 toneladas, um crescimento de 6,0% em relação ao ano anterior. Este aumento deve-se exclusivamente ao melhor rendimento esperado para este ano, já que a lavoura foi bastante atingida pela falta de chuva em 2012. O rendimento médio esperado de 76 947 kg/ha é 7,4% superior ao apurado no ano passado.

O aumento da safra deste ano será importante para a recuperação do setor, que ainda sente os efeitos da crise mundial. Além disso, o reajuste no preço da gasolina proporciona maior competitividade ao álcool hidratado para os carros bicombustíveis. O governo também anunciou o aumento do álcool anidro na gasolina que passou de 20% para 25% a partir de maio. Em relação ao açúcar, o aumento da oferta mundial reduziu os preços no mercado externo, o que pode influenciar no destino dado à produção.

São Paulo continua sendo o maior produtor nacional, sendo responsável por 53,5% da produção que deve alcançar 382,9 milhões de toneladas. O rendimento médio deve crescer 13,0%, enquanto a área destinada à colheita deve encolher 4,6% devido às dificuldades enfrentadas pelo setor nos últimos 2 anos, sendo estes climáticos e econômicos. Em Minas Gerais, o crescimento da produção (7,1%) ocorre em função da maior área a ser colhida (9,2%), fato que ocorre pelo surgimento de novas usinas no estado no últimos 3 anos. No Paraná, o crescimento da estimativa da produção alcança 12,7%, refletindo a expectativa

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de melhoria da produtividade esperada em função das condições climáticas, o que não ocorreu em 2012.

Observamos que o grande crescimento da produção no setor, principalmente entre as safras de 2004/2005 e 2010/2011, quando houve uma elevação de 50,08% no volume de processamento da cana-de-açúcar em relação à produção de açúcar e etanol nesse mesmo período, o acréscimo correspondeu a 45,2% e 79,6%, respectivamente. Porém, essa tendência se alterou na safra de 2011/2012, quando houve uma diminuição do volume de produção em relação à expansão territorial do cultivo de cana. Vale lembrar que nesse período entre as safras de 2004/2005 e 2010/2011, o setor passou por uma crise financeira onde Segundo Mendonça et. al (2012, p. 5),

A crise financeira mundial trouxe mudanças significativas para a agroindústria canavieira em relação ao padrão de expansão que se delineou nos anos anteriores. Diversas usinas tomaram empréstimos baratos em dólar, aproveitando a valorização do real, para especular com derivativos cambiais. Com a reversão dessa tendência e a valorização do dólar em relação à moeda brasileira, muitas usinas quebraram. O setor somou um prejuízo de mais de r$ 4 bilhões. As empresas deixaram de investir, por exemplo, na renovação de canaviais, tratos culturais e adubação para manter a elevação dos níveis de produtividade. Por essa razão, em janeiro de 2012, o governo brasileiro liberou r$ 4 bilhões somente para a renovação dos canaviais. Além da queda na produtividade, podemos observar a internacionalização monopolista do setor, o aumento da necessidade de créditos subsidiados, a expropriação de pequenos produtores e indígenas e a consequente substituição de lavouras alimentares.

Segundo a autora, a crise que afetou os países de todo o mundo, teve no

setor agroindustrial brasileiro, impactos econômicos relevantes porque foi responsável pela quebra de várias agroindústrias canavieiras em várias regiões do país. E isso gerou além dos impactos econômicos e redução e/ou estagnação da produção de cana, obrigando o estado a intervir, liberando altas somas de dinheiro através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para recuperar a economia desse setor, como também os impactos sociais, uma vez que muitos trabalhadores empregados nessas agroindústrias canavieiras perderam seus empregos e seus salários, passando por várias dificuldades financeiras, entre elas, a escassez de alimentos, ameaça de despejos de suas casas em função do atraso dos salários, entre outras situações penosas.

Desta forma, o artigo se divide em dois itens; no primeiro iremos analisar a expansão da cana-de-açúcar na Microrregião Geográfica de Ituiutaba, a partir dos anos 1990 até o ano 2014. No segundo, investigaremos a crise mundial no setor agroindustrial canavieiro, em especial a crise nas agroindústrias canavieiras do Grupo João Lyra instaladas nessa Microrregião, destacando as consequências da mesma na vida dos cortadores de cana, destacando também as greves no canavial e o fechamento de rodovias federais como a BR 365 no ano de 2012

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como forme de pressionar a empresa e o poder público a resolver o problema da falta de pagamento dos seus salários.

Expansão da agroindústria canavieira na Microrregião Geográfica

de Ituiutaba

A agricultura no Brasil vem passando por profundas transformações com a entrada do capital externo, ganhando maior impulso a partir da década de 1990, pois essas transformações já vinham acontecendo desde a década de 1960 com o modelo neoliberal adotado nesse período o que fez aumentar a produção de monoculturas em grande escala voltada ao mercado externo, dentre essas vem ganhando destaque a cana-de-açúcar fruto da modernização da agricultura, principalmente na d e suas implicações gerando conflituosas relações de trabalho existente no meio rural brasileiro onde essa fonte primária é para obtenção do etanol, visto a mudança da matriz energética que ocorreu a passos largos após a crise do petróleo ocorrida no ano de 1973 o que gerou a partir de então novos meios para obtenção de energia onde o etanol se consolidou como uma das principais fontes para se obter a mesma. Segundo Barros (2007),

A partir dos anos 1990, a expansão da cana-de-açúcar no Brasil está diretamente relacionada ao prelúdio de um novo modelo energético, mediante a existência de uma conjuntura mundial voltada ao desenvolvimento de fontes renováveis de energia, devido à escassez das reservas de petróleo e as preocupações com o aquecimento global. É aí que os combustíveis “limpos” estão entre as apostas para a diminuição da dependência do petróleo, uma vez que a queima dos combustíveis fósseis lançam dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, aumentando a poluição e o efeito estufa. (BARROS, 2007, p. 50).

O autor destaca que a questão energética toma novos rumos, e o Brasil

passa a ser o alvo preferido para a sustentação deste novo modelo em função da sua vocação para a produção de etanol como uma energia limpa e que ganha destaque no cenário mundial.

A expansão da cana-de-açúcar na microrregião geográfica de Ituiutaba a partir da década de 1990 está atrelada às transformações na agricultura do Brasil com a entrada do capital externo principalmente com o modelo neoliberal adotado nesse período, o que deu impulso a produção de monoculturas em grande escala voltada ao mercado externo, dentre essas vem ganhando destaque a cana-de-açúcar fruto da modernização da agricultura, formação e ampliação do capital agroindustrial canavieiro vêm gerando também sérios problemas como a precarização nas relações de trabalho, ou seja, o trabalhador é explorado de forma brutal onde ele é obrigado a cortar várias toneladas de cana por dia – caso contrário é mandado embora porque não cortou a quantidade de cana estabelecida pela empresa. Essa exploração do trabalhador pelas agroindústrias canavieiras tem como meta o aumento da produção de etanol, uma vez que este tem se valorizado no mercado internacional em vista da mudança da matriz energética que ocorreu a passos largos após a crise do petróleo ocorrida no ano

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de 1973, o que gerou a partir de então novos meios para obtenção de energia onde o etanol se consolidou como uma das principais fontes para se obter a mesma.

O gráfico 1 evidencia a expansão da cana-de-açúcar no Brasil a partir da década de 1990 até o ano de 2013, destacando principalmente, a região Centro-Sul do país como a região que mais expandiu sua produção de cana liderada pelos estados de São Paulo e Minas Gerais e Goiás. Em seguida podemos destacar que a região Nordeste ainda se mantém em 2º lugar com destaque para os estados de Alagoas e Pernambuco. Vale destacar também que, historicamente, o Nordeste é a região pioneira na produção de cana-de-açúcar no Brasil, onde essa cultura se tornou por vários séculos a base econômica do país.

Gráfico 1 – Produção de cana de açúcar (t) no Brasil -1990-2013

Fonte: IBGE– Produção Agrícola Municipal de 1990-2013. Org. Silva, L.C.S., 2013

O Estado de Minas Gerais se consolidou como o vice-líder do setor

agroindustrial canavieiro. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) O Estado de Minas Gerais produziu em 2010, cerca de 60.603.247 milhões de toneladas de cana-de-açúcar resultado da implantação de diversas usinas no território mineiro. Minas Gerais conta segundo dados da UDOP (União dos Produtores de Bioenergia) com 48 unidades instaladas e13 projeto, conta também com 3 unidades de Biodiesel e projetos de mais 8 a serem instaladas.

O Triângulo Mineiro é a região de maior produção do estado de Minas Gerais, produzindo, na safra 2012/2013, 77%do açúcar do estado, acompanhado da cana-de-açúcar que atingiu 69%, enquanto o etanol foi responsável por 64% da produção como se verifica na figura 1.

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Figura1- Mapa da Produção no Estado de Minas Gerais. 2013

Fonte: SIAMIG/SINDAÇÚCAR/MG

A Microrregião Geográfica de Ituiutaba vem atraindo usinas do setor, entre elas a BP (British Petroleum), que se instalou nessa região com a aquisição da Companhia Nacional de Açúcar e Álcool (CNAA) a partir do ano de 2011. Nessa usina, o corte de cana-de-açúcar é mecanizado com sua produção voltada ao mercado externo.

Além da BP encontram-se na Microrregião supracitada as usinas Lajinha Indústria- S/A- Unidade Triálcool incorporada ao Grupo João Lyra em 1988 situada no município de Canápolis, Companhia Energética Vale do São Simão (Unidade I), pertencente ao Grupo Andrade situada no município de Santa Vitória, Laginha Agro Industrial S/A- unidade Vale do Paranaíba, situada em Capinópolis adquirida pelo Grupo João Lyra em 2001.

Crise no setor agroindustrial canavieiro e o impacto socioeconômico na vida dos trabalhadores migrantes piauienses residentes na cidade de Ituiutaba.

A crise financeira mundial ocorrida em 2008 trouxe sérios problemas financeiros para as agroindústrias canavieiras no Brasil. Para Mendonça at. al (2012, p.20),

O ciclo de crescimento mais recente da indústria canavieira durou de 2003 até a crise financeira de 2008. Neste período, as empresas contaram com créditos privados em dólar e, principalmente, com empréstimos do BNDES. O setor também utilizava mecanismos financeiros, como derivativos cambiais, para compor seus lucros. Os impactos da crise de 2008/2009 combinaram a impossibilidade de acessar créditos para rolagem de dívidas com prejuízos com derivativos cambiais. Muitas usinas faliram, o que aprofundou o processo de aquisições e fusões com empresas multinacionais.

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Segundo a autora, a partir do momento em que a crise se instala, a

dificuldade de conseguir empréstimos torna-se um grande problema para as agroindústrias canavieiras uma vez que estas não conseguem avançar no processo de expansão da cana-de-açúcar até então em curso. Ainda segundo Mendonça at. al (2012, p. 20-21),

A crise se refletiu na queda da produção de cana-de-açúcar na safra 2011/2012. Com a redução da produção de etanol, em 2011 o Brasil teve de importar etanol de milho dos estados unidos. Este fato tem importante simbolismo, já que o Brasil vendeu uma imagem internacional de que se tornaria a “arábia saudita do etanol”. O principal argumento das usinas para justificar a queda na produtividade foi a incapacidade de investirem na renovação de canaviais, em adubação e tratos culturais. Uma forma de compensar a diminuição desses investimentos foi a expansão territorial do monocultivo de cana. Apesar da crise, o BNDES continuou a financiar as usinas e, no início de 2012, disponibilizou uma linha de crédito subsidiado para a renovação de canaviais no montante de r$ 4 bilhões.

A crise de 2008 causou de imediato a queda da produção de cana-de-

açúcar no Brasil obrigando-o a importar etanol de milho dos Estados Unidos. Esse fato evidenciou de forma clara que o setor agroindustrial canavieiro enfrentava um momento de estagnação no seu processo produtivo, uma vez que já não era possível captar recursos e obrigando-o a importar etanol de milho dos Estados Unidos. Esse fato evidenciou de forma clara que o setor agroindustrial canavieiro enfrentava um momento de estagnação no seu processo produtivo, uma vez que já não era possível captar recursos e investimentos que lhe permitisse continuar com a expansão, até então, vista. É de fundamental importância observar que apesar das denúncias, das falências e inadimplência, o BNDES¹, através do um programa BNDES Prorenova que tem como meta incentivar a produção de cana-de-açúcar por meio de financiamentos à renovação dos canaviais antigos e à ampliação da área plantada, continua a financiar a agroindústria canavieira. As empresas argumentam que a disponibilidade de créditos é insuficiente e pressionam o estado para receber mais subsídios, dada sua incapacidade de reprodução sem o entrelaçamento com o sistema financeiro. Mesmo com a ajuda através de empréstimos pelo banco estatal BNDES, muitas agroindústrias entraram em colapso financeiro sendo obrigadas a abrir falência ou entrarem na justiça com pedido de recuperação judicial que foi o caso do Grupo João Lyra², em 2008.

Esse grupo, com sede no Estado de Alagoas, possui cinco usinas de grande porte: Laginha, Uruba e Guaxuma, em Alagoas, além da Triálcool e Vale do Paranaíba, em Minas Gerais. Juntas, estas são responsáveis por uma produção de mais de 300 mil metros cúbicos de álcool e de mais de 6,5 milhões de sacas de açúcar dos tipos VHP, cristal e refinado.

A crise financeira no Grupo João Lyra desencadeou uma série de problemas desde calotes aos fornecedores de cana até atrasos no pagamento dos salários dos trabalhadores cortadores de cana, motivo de várias paralisações

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e greves nos canaviais das agroindústrias Triálcool, situada no município de

Canápolis e Vale do Paranaíba, no município de Capinópolis e o fechamento da

BR 365 em junho de 2012. O bloqueio dessa rodovia na tarde do dia 18 de junho

de 2012 foi a forma que os trabalhadores encontraram para pressionar o

empresário João Lyra a o ministério público do trabalho a resolverem o problema,

pois vários trabalhadores canavieiros, principalmente, os trabalhadores migrantes

piauienses que são não trazidos pela empresa, são os mais prejudicados com

esse atraso nos salários, pois, como tem família na cidade, ficam a mercê da

empresa que não lhes oferece condições dignas de trabalho e de sobrevivência, o

que tem gerado a precarização das relações de trabalho. Segundo Martins

(2002),

No limite, a superexploração se manifesta sob a forma de escravidão, em particular, quando os mecanismos culturais e ideológicos do auto-engano, da ilusão igualitária nas relações de trabalho, são corroídos pela

_________________________

¹ O BNDES criou um novo programa para incentivar a produção de cana-de-açúcar por meio de financiamentos à

renovação dos canaviais antigos e à ampliação da área plantada.

² Grupo João Lyra, 2013. Disponível em: http://www.grupojl.com.br

realidade crua da superexploração, da exploração do trabalho como extorsão e privação. Nesse momento, o trabalhador pode tomar consciência de que é escravo e se rebelar contra sua condição [...] Já não tem força coativa o capataz ideológico e invisível que o trabalhador regular, no processo racional de produção e de trabalho, carrega em sua consciência. Esse capataz precisa, então, ser personificado por alguém que torne a coação visível, a repressão dolorosa, alguém que personifique o medo. (MARTINS, 2002, p. 156-157).

Desta forma, vale mencionar que os trabalhadores ao aderirem às greves e manifestações para conseguirem receber seus salários atrasados, são coagidos pela usina e muitos são demitidos. Além de lutarem pelos seus direitos, são ameaçados pela empresa de que não serão recontratados na safra seguinte sob a justificativa de que esses trabalhadores são “arruaceiros e bagunceiros”.

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Foto 1- Protesto dos trabalhadores contra o atraso dos salários nas agroindústrias canavieiras Triálcool e Vale do Paranaíba do Grupo João Lyra na BR 365 no município de Ituiutaba-MG no

mês de junho de 2012. Autor : silva, 2012.

A foto 1 mostra a revolta de trabalhadores nos constantes atrasos dos

salários, são obrigados chamar a atenção do poder público por meio desse atos pacíficos e justos, uma vez que estão lutando pelo direito de sobrevivência, pelo direito de receberem pela venda da sua força de trabalho. Segundo relato de um trabalhador que estava na manifestação: a água e a energia já foram cortadas o homem dono da casa foi quem ligou por conta dele e nós tamos devendo pra ele e comida nós não temos mais além disso temos dois meses de aluguel atrasados. Outro trabalhador que também estava na manifestação assim descreveu sua situação: estou com dois meses de aluguel atrasados e doido pra libere nós pra ir pra casa porque não dá pra ficar aqui passando fome na terra dos outros. Quero que liberem nosso salário pra gente ir embora pro Piauí.” O dia tá passando e a gente com fome em casa e tem que comprar a massa de cuscuz que é mais barato e já mandei vender as galinhas que eu tinha no Piauí para poder eu ir pra casa, Vou embora e vou dar baixa no meu estado”. Esses relatos reforçam o momento de desespero dos trabalhadores que, além de estarem passando necessidades em função dos atrasos dos seus salários, sofrem também por não poderem voltar para seus estados, pois se sentem desiludidos e decepcionados com tal situação de descaso por parte da empresa e também do ministério público do trabalho que deveriam agir de forma mais eficiente na resolução dos problemas do atraso dos salários desses trabalhadores que, pelos relatos, já estavam insuportáveis.

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Foto 3- Protesto dos trabalhadores contra o atraso dos salários nas agroindústrias canavieiras Triálcool e Vale do Paranaíba do Grupo João Lyra em junho de 2012 no

município de Ituiutaba. Autor: silva, 2012.

Segundo Mendonça (2002, p.1),

Pensar geograficamente a relação metabólica entre o homem e a natureza e suas configurações sócio-territoriais significa perceber uma nova sociabilidade construída a partir da relação capital x trabalho. A reestruturação produtiva do capital processada nos últimos 20 anos do século XX, portadora de novas formas de produção e de trabalho resultou em alterações profundas no processo de acumulação e (re) produção de capitais e em uma verdadeira metamorfose nas relações de trabalho, com conseqüências danosas para os trabalhadores, bem como para os movimentos sindical e operário, e para a classe trabalhadora de forma geral.

Assim, observamos que se existe alguém que é prejudicado quando uma agroindústria canavieira entra em crise, é o trabalhador, pois o estado intervém em favor do grande capitalista e, nesse caso, o capitalista agroindustrial canavieiro. Esta situação revela claramente que o estado está a serviço do grande capitalista e não ao lado do trabalhador que, por vender sua força de trabalho, tem na superexploração de sua força de trabalho a mais-valia que é responsável pelo lucro exorbitante dessas agroindústrias canavieiras, conforme demonstra Santos (2009).

O capitalismo, entendido como categoria de interpretação histórica, constitui um sistema em que a força de trabalho transforma-se em mercadoria, sendo comprada e vendida como qualquer objeto de troca. Esta situação viabiliza-se pela concentração dos meios de produção nas mãos de uma classe – os capitalistas que produzem o seu capital, com a

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exploração de outra classe - a dos trabalhadores, que destituídos dos meios de produção, vendem sua força de trabalho, como fonte de subsistência. (SANTOS, 2009, p.41).

Neste sentido, é urgente repensar a lógica do capital enquanto um sistema que tem na exploração do trabalhador, sua fonte de lucro, sua capacidade de reprodução e de perpetuação.

Algumas considerações

A expansão da cana-de-açúcar na microrregião geográfica de Ituiutaba a partir da década de 1990 promoveu mudanças significativas acentuadas no campo e na cidade mudando sua paisagem. No campo observou-se o avanço da cana-de-açúcar nas áreas até então, ocupadas por pastagens de gado, dando uma nova reconfiguração na paisagem rural desta região. Na cidade as mudanças se deram com a chegada de vários migrantes oriundos do nordeste, principalmente do estado do Piauí, que vieram para o corte manual da cana-de-açúcar iludidos pela promessa de obterem altos ganhos nas lavouras de cana das agroindústrias canavieiras instaladas na região como a Triálcool e a Vale do Paranaíba, ambas pertencentes ao empresário João Lyra.

Mas a crise mundial de 2008 interrompeu esse círculo de expansão da produção de cana-de-açúcar no Brasil e em Minas gerias, gerando sérios problemas financeiros gerando falências de várias dessas agroindústrias canavieiras espalhadas por todo o território nacional. Assim, o Estado interveio nesse setor com a liberação de vultosos investimentos na forma de empréstimos em longo prazo como forma de “socorrer” essas agroindústrias canavieiras para que elas retomassem sua expansão. Mas nem todas conseguiram sobreviver a essa crise -, como foi o caso do Grupo João Lyra. Sem conseguir saldar suas dívidas resultando constantes atrasos dos salários dos trabalhadores, eclodiram várias greves e paralisações no sentido de pressionar o empresário e o ministério público a dar uma resposta aos trabalhadores. O pior aconteceu quando, em 2013, a Comarca de Coruripe (AL) decretou a falência do Grupo João em função do não cumprimento de um acordo de recuperação judicial que teria a finalidade de parcelar as dívidas com os trabalhadores e credores do grupo. Em julho deste ano em uma reunião com os credores e o sindicato rural de Alagoas decidiram por vender duas usinas do grupo para o pagamento de salários atrasados e alguns credores. Quem mais tem sofrido com essa crise nas agroindústrias canavieiras são os trabalhadores que tem seus salários atrasados comprometendo sua vida e de sua família pela escassez de alimentos.

A crise do capital agroindustrial canavieiro na Microrregião Geográfica de Ituiutaba é o reflexo direto de uma crise nacional que tem afetado os empresários desse setor, mas os mais penalizados com essa crise com certeza é o trabalhador que conta apenas com a sorte, pois a justiça do trabalho e os sindicatos dos trabalhadores rurais que deveriam atuar com firmeza em defesa desses trabalhadores, simplesmente os abandonam a sorte e ao desespero.

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