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1 A crise da Zona Euro e o sistema financeiro europeu 1 Luiz Afonso Simoens da Silva¹ Introdução Por alguns momentos, após o dia 21 de julho de 2011, pareceu que tinha havido avanços na questão da periferia da Zona Euro, particularmente na Grécia. Na reunião dos líderes europeus na Cúpula de Bruxelas daquela data, foi aprovado um pacote multilateral de socorro financeiro para a Grécia da ordem de € 159 bilhões, que envolveu empréstimos da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional (FMI), promessas de privatizações e de renegociação de dívida com os bancos privados. A Cúpula também prorrogou o vencimento dos empréstimos da Grécia, Irlanda e Portugal e reduziu as taxas de juros cobradas para aliviar o serviço de suas dívidas. Mais importante, ao reconhecer que o problema grego era de insolvência, não de liquidez, os chefes de Estado da região apoiaram o retorno ao crescimento econômico e garantiram que mesmo que a classificação dos títulos do governo grego passasse a ser de inadimplência seletiva, os bancos do país não perderiam seu acesso à liquidez 2 . Alemães e franceses se imaginaram cada um o responsável pelo que parecia ser uma vitória contra os mercados. Os franceses, porque o Fundo Europeu de Estabilização Financeira (EFSF, na sigla em inglês) deixou de ser um instrumento transitório e se transformou num mecanismo permanente de socorro aos países-membros, passando a ter acesso a recursos expressivos e ampliando seu poder de intervenção nos mercados de títulos. Com isso, o EFSF poderia usar esses recursos para proteger os sistemas bancários em risco de colapso e comprar os títulos dos países problemáticos. Os alemães, porque impuseram maior centralização fiscal e aprovaram a participação de investidores privados nos custos do resgate. E, no entanto, os meses subsequentes se encarregaram de colocar lenha numa fogueira que se pretendia extinguir. O que se tem visto são os rebaixamentos das classificações de risco dos papéis das dívidas espanhola e italiana, ameaça de fazer o mesmo com os papéis da França e dos principais bancos franceses e alemães. Como consequência, o montante de recursos aprovado para o EFSF, € 440 bilhões, parece ter ficado pequeno. Em 13 de outubro, cerca de dois meses e meio após a Cúpula de 1 Bolsista do PNPD/Ipea. Trabalho entregue com informações disponíveis até novembro de 2011. 2 Ver Silva (2011:9-10)

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A crise da Zona Euro e o sistema financeiro europeu1

Luiz Afonso Simoens da Silva¹

Introdução

Por alguns momentos, após o dia 21 de julho de 2011, pareceu que tinha havido

avanços na questão da periferia da Zona Euro, particularmente na Grécia. Na reunião

dos líderes europeus na Cúpula de Bruxelas daquela data, foi aprovado um pacote

multilateral de socorro financeiro para a Grécia da ordem de € 159 bilhões, que

envolveu empréstimos da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional (FMI),

promessas de privatizações e de renegociação de dívida com os bancos privados. A

Cúpula também prorrogou o vencimento dos empréstimos da Grécia, Irlanda e Portugal

e reduziu as taxas de juros cobradas para aliviar o serviço de suas dívidas.

Mais importante, ao reconhecer que o problema grego era de insolvência, não de

liquidez, os chefes de Estado da região apoiaram o retorno ao crescimento econômico e

garantiram que mesmo que a classificação dos títulos do governo grego passasse a ser

de inadimplência seletiva, os bancos do país não perderiam seu acesso à liquidez2.

Alemães e franceses se imaginaram cada um o responsável pelo que parecia ser

uma vitória contra os mercados. Os franceses, porque o Fundo Europeu de Estabilização

Financeira (EFSF, na sigla em inglês) deixou de ser um instrumento transitório e se

transformou num mecanismo permanente de socorro aos países-membros, passando a

ter acesso a recursos expressivos e ampliando seu poder de intervenção nos mercados de

títulos. Com isso, o EFSF poderia usar esses recursos para proteger os sistemas

bancários em risco de colapso e comprar os títulos dos países problemáticos. Os

alemães, porque impuseram maior centralização fiscal e aprovaram a participação de

investidores privados nos custos do resgate.

E, no entanto, os meses subsequentes se encarregaram de colocar lenha numa

fogueira que se pretendia extinguir. O que se tem visto são os rebaixamentos das

classificações de risco dos papéis das dívidas espanhola e italiana, ameaça de fazer o

mesmo com os papéis da França e dos principais bancos franceses e alemães. Como

consequência, o montante de recursos aprovado para o EFSF, € 440 bilhões, parece ter

ficado pequeno. Em 13 de outubro, cerca de dois meses e meio após a Cúpula de

1 Bolsista do PNPD/Ipea. Trabalho entregue com informações disponíveis até novembro de 2011.

2 Ver Silva (2011:9-10)

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Bruxelas, a Eslováquia se tornou o último país a aprovar o pacote financeiro, tornando

unânime a decisão. Antes disso, em agosto, o mercado começou a exigir sua escalada

para inimagináveis € 2/3 trilhões.

O centro da discussão está, indubitavelmente, numa queda de braços entre os

governos centrais da Zona Euro e os mercados. Uma síntese de suas diferenças está no

que alguns analistas de mercado têm chamado de loop reverso, o círculo executado

pelos acrobatas aéreos: a crise financeira obrigou os Estados nacionais a aportarem

recursos gigantescos nos sistemas bancários privados, em 2008-2009. De 2010 em

diante, as preocupações monetárias começaram a ser substituídas por temores fiscais: as

economias avançadas dos Estados Unidos e Europa começaram a mostrar um aumento

importante do endividamento público em relação ao PIB e a exibir déficits

orçamentários crescentes. A expectativa, ainda assim, era de que o esforço público seria

capaz de impedir uma recessão grave na economia mundial.

Em 2011, problemas entre os partidos políticos americanos, a agudização da

crise europeia e uma eventual desaceleração da economia chinesa, por conta de

aceleração inflacionária e desequilíbrios no sistema financeiro doméstico, reverteram as

expectativas dos mercados. Estes passaram a acreditar num longo período futuro de

baixo crescimento e que os elevados déficits fiscais se converteram em crise de dívida

soberana. Numa situação em que as nações da Zona Euro estão - prematuramente,

segundo seus críticos - se comprometendo a baixar seus déficits para, no máximo, 3%

dos produtos nacionais, não haveria mais espaço para socorrer bancos e Estados falidos.

Em síntese: crise financeira gerou crise de dívida soberana, cujos Estados nacionais são

chamados, de novo, a socorrer os sistemas financeiros. O loop reverso se completa ou

não se completa por falta de potência nos motores?

O objetivo deste texto é tentar responder a algumas perguntas: afinal, por que a

crise bancária na Zona Euro se agravou? Qual o tamanho do problema, isto é, faltam

recursos para enfrentar a crise? Por que a demora em agir das autoridades europeias? Há

diferenças entre os sistemas financeiros dos Estados Unidos e da Europa? O que fazer?

Sobraram saídas para a Zona Euro?

1. Por que a crise bancária na Zona Euro se agravou no 2º semestre de 2011?

Até o primeiro semestre de 2011, embora a imprensa internacional já falasse da

situação de outras economias periféricas da União Europeia e do próprio sistema

bancário europeu, o foco estava na Grécia que, a despeito de ter assinado um Stand-by

Arrangement com o FMI, era por muitos considerada “a bola da vez”.

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No início do segundo semestre, em julho de 2011, o FMI fez a 4ª. Revisão do

Stand-by Arrangement com a Grécia (IMF Report nº 11/175), que destacava alguns

indicadores macroeconômicos daquele país. A tabela 1 mostra que, à medida que novas

revisões foram feitas, os indicadores pioraram. O PIB e o investimento do país caem a

taxas maiores que as esperadas, o déficit público continua em patamares muito elevados

e persiste o déficit primário, quando o programa depende da geração de um superávit

primário que permita à Grécia honrar sua dívida. A dívida do governo central cresce e

as contas externas continuam fora de controle.

Pior que isso: dados trimestrais levantados pela Organização para Cooperação e

Desenvolvimento Econômico (OECD) apontam para números distintos3. A projeção

para o PIB, por exemplo, é de queda de 5,5% para 2011, que é muito superior aos 3,9%

projetados pelo FMI. Isso diminui a possibilidade de que a Grécia consiga cumprir uma

queda do déficit público de 10,4% para 7,6% no ano. A taxa de desemprego anual, em

julho de 2011, estava em 17,6%, superior aos 15,8% projetados pelo FMI para o ano. A

inflação, acumulada em 12 meses em outubro, estava em linha com o projetado pelo

FMI. A taxa de investimento deve diminuir 8,8% no ano. Não é surpreendente a

crescente pressão que os mercados exercem sobre o país.

TABELA 1

INDICADORES SELECIONADOS DA GRÉCIA

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2011 2011

programado¹ programado² projetado²

Taxa de crescimento real PIB % ao ano 5,2 4,3 1,0 -2,0 -4,5 -2,6 -3,0 -3,9

inflação (CPI médio) % ao ano 3,3 3 4,2 1,3 4,7 -0,4 2,4 2,9

Investimento (FBCF) % ao ano 10,6 5,5 -7,5 -11,2 -16,5 -11,8 -7,5 -8,8

Taxa de desemprego % 8,9 8,3 7,7 9,4 12,5 14,6 14,8 15,8

dívida governo central % do PIB 106 105 111 127 143 145 153 166

déficit público (emprést.publ.gov) % do PIB 6,1 6,7 9,8 15,5 10,4 7,6 7,5 7,6

Déficit primário % do PIB 1,5 2,0 4,8 10,3 4,9 -0,9 0,9 0,8

Déficit em conta corrente % do PIB 11,2 14,4 14,7 11,0 10,4 7,1 8,2 8,2

¹/programado na 3a. Revisão do SBA, em março de 2011.

²/ programado na 4a. Revisão do SBA, em julho de 2011.

fontes: Stand-by Arrangements, 3a e 4a Revisões do SBA, de março e julho de 2011.

Em agosto de 2011, começaram a vazar análises do FMI acerca da situação dos

bancos europeus, o que provocou acalorado debate entre a instituição e autoridades

nacionais da Zona Euro e do Banco Central Europeu (BCE). O presidente do BCE,

Claude Trichet (30.08.11: A15), afirmou que testes de estresse revelaram que falharam

apenas oito de noventa bancos europeus - cinco espanhóis, dois gregos e um austríaco -,

por terem menos de 5% de capital de melhor nível.

3 Indicadores colhidos no site da Eurostat em 21.11.2011.

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Em setembro de 2011, quando os bancos já paravam de conceder créditos entre

si, saiu a publicação semestral Global Financial Stability Report, onde o Fundo usou as

cotações dos swaps de risco de crédito (Credit Default Swaps- CDS) para estimar a

perda de valor de mercado dos títulos dos governos da Grécia, Irlanda, Portugal,

Espanha, Itália e Bélgica (FMI/GFSR, set.11: IX). No seu entendimento, a marcação a

mercado dos títulos soberanos dos governos da região teriam rebatimentos importantes

no capital dos bancos europeus, que detêm volumes significativos desses bônus. Como

consequência, o capital desses bancos se reduziria em cerca de € 200 bilhões (US$ 287

bilhões) equivalentes a algo entre 10% e 12% do total. Se a esse montante fossem

somadas as exposições no crédito interbancário, o aumento de capital teria de chegar a €

300 bilhões (US$ 430 bilhões). Em entrevista à revista Der Spiegel (06.09.11),

Christine Lagarde, diretora-gerente do FMI, sugeriu recapitalização bancária,

consolidação fiscal e medidas intensivas de crescimento, ainda que sem explicitar a

forma de compatibilizar tais metas.

Autoridades europeias, governos e BCE, contestaram a abordagem do FMI.

Elena Salgado, ministra das Finanças da Espanha, por exemplo, considerou o FMI

errado em registrar somente prejuízos potenciais, “sem levar em conta os ‘bunds’

alemães, que subiram de preço, existentes em suas carteiras de ativos”. Essa seria a

segunda vez que o FMI teria usado uma metodologia errada. Salgado referia-se ao

relatório de outubro de 2009, “que estimava que os bancos da zona do euro tinham

depreciado apenas US$ 347 bilhões dos US$ 814 bilhões em prováveis prejuízos

decorrentes da crise financeira”. Posteriormente, o Fundo teria revisado os números,

reduzindo-os em 25%, segundo o jornal Valor Econômico (01.09.2011: C2). A tabela 3

adiante, elaborada com base nos relatórios de maio e outubro de 2010, traz números

bastante próximos dos alegados pela ministra espanhola.

É, possivelmente, verdade que a marcação a mercado magnifique as perdas

bancárias, por serem feitas muitas vezes em cima de estimativas de hedge funds. Apesar

das discussões metodológicas, o Global Financial Stability Report do FMI tem sido a

principal publicação a acompanhar e medir os riscos sistêmicos decorrentes da crise

financeira desde 2007 e, consequentemente, tem estimado os potenciais cancelamentos

de créditos “podres” e o esforço necessário de capitalização do sistema financeiro para

diminuir a alavancagem dos bancos.

As estimativas de prejuízos com créditos “podres” no sistema financeiro

americano, feitas pelo FMI, pioraram ao longo do tempo: em abril de 2008, as perdas

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totais seriam de US$ 945 bilhões nos empréstimos e securitizações, no período 2007-

2010; seis meses depois, em outubro de 2008, suas estimativas de cancelamentos (write-

offs) resultantes dessas perdas subiram para U$ 1.405 bilhões; um ano depois, em abril

de 2009, alcançaram US$ 2.712 bilhões. A incorporação dos dados de Europa e Japão

fez com que as perdas totais estimadas subissem para US$ 4.054 bilhões, com os

Estados Unidos respondendo por 67% delas, a Europa por 29% e o Japão por 4%

(tabela 2).

ESTIMATIVAS DE POTENCIAIS CANCELAMENTOS - 2007-2010

posição em abril de 2009

US$ bilhões

em aberto out.08 abr.09 bancos segurad outras¹ % em aberto % do tot

Estados Unidos

empréstimos 13.507 425 1.068 601 53 414 7,9

títulos 13.047 980 1.644 1.002 164 477 12,6

subtotal1 26.554 1.405 2.712 1.603 217 891 10,2 67

Europa

empréstimos 20.759 nd 888 551 44 292 4,3

títulos 3.048 nd 305 186 31 89 10,0

subtotal2 23.807 nd 1.193 737 75 381 5,0 29

Japão

empréstimos 6.569 nd 131 118 7 7 2,0

títulos 789 nd 18 12 2 5 2,3

subtotal3 7.358 nd 149 130 9 12 2,0 4

total (1+2+3) 57.719 nd 4.054 2.470 301 1.284 7,0 100

Percentagem do total de perdas 61 7 32

estim.cancel.de bancos de merc.maduros

em ativos de merc.emergentes 340

potenciais cancel de bcos merc maduros 2.810

¹/ Fannie Mae, Freddie Mac, hedge funds, fundos de pensão e outras instituições financeiras não bancárias.

fonte: Global Financial Stability Report, FMI, abril de 2009: 28

Os bancos respondiam por perdas estimadas de US$ 2.470 bilhões (61% do

total); US$ 1.284 bilhões (32%) para os hedge funds, fundos de pensão e outras

instituições financeiras não bancárias, como a Fannie Mae e a Freddie Mac; e US$ 301

bilhões (7%) para as companhias seguradoras, sem contar com US$ 340 bilhões de

ativos tóxicos de mercados emergentes.

TABELA 3

NECESSIDADE DE CAPITALIZAÇÃO DOS BANCOS

US$ bilhões

EUA Euro area R.Unido Outros¹ Total

posição estimada de capital ao final de 2008:

- cancelamentos informados 510 154 110 70 844

- aumentos de capital 391 243 110 48 792

- perdas líquidas de capital 119 -89 0 22 52

Cenário de cancelamentos futuros 2009/10:

- cancelamentos esperados 550 750 200 125 1.625

- expectativa de lucros retidos 300 600 175 100 1.175

- perdas líquidas de capital 250 150 25 25 450

Exigências de capitalização

- cap.neces.para reduzir alavanc.p/25 vezes 275 375 125 100 875

- cap.neces.para reduzir alavanc.p/17 vezes 500 725 250 225 1.700

¹/ Dinamarca, Islândia, Noruega, Suécia e Suíça

fonte: Global Financial Stability Report, FMI, abril de 2009:34

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Do total de cancelamentos por perdas estimadas, US$ 2.810 bilhões (tabela 2),

os bancos já haviam cancelado cerca de US$ 844 bilhões ou 30%, ao final de 2008

(tabela 3). Os bancos americanos informaram cancelamentos de US$ 510 bilhões, mas

os aumentos de capital foram de somente US$ 391 bilhões, do que resultaram perdas

líquidas de capital de US$ 119 bilhões no seu segmento bancário. Na Zona Euro, teria

havido um ganho líquido na recapitalização bancária da ordem de US$ 89 bilhões. No

Reino Unido, nem ganhos nem perdas de capital. No total, o aumento de capital de US$

792 bilhões não foi suficiente para compensar esses cancelamentos, reduzindo a

capitalização dos bancos em US$ 52 bilhões. Para o período 2009-2010, eram esperadas

novas baixas de US$ 1.625 bilhões em ativos “podres”, por conta do processo de

desalavancagem, e uma expectativa de lucros retidos de US$ 1.175 bilhões, o que traria

nova descapitalização ao setor de mais US$ 450 bilhões.

Por conta disso, o FMI estimava que o capital extraordinário necessário para

reduzir a alavancagem do sistema para 25 vezes, consistente com um capital próprio da

ordem de 4% do total de ativos, exigiria uma injeção de US$ 875 bilhões (43% na

Europa, 31% nos Estados Unidos, 14% no Reino Unido e 11% em outros países

europeus). Se a redução da alavancagem fosse para 17 vezes, com um capital próprio de

cerca de 6% dos ativos, a capitalização adicional terá de ser de US$ 1.475 bilhões (43%

na Europa, 29% nos Estados Unidos, 15% no Reino Unido e 13% em outros países

europeus). Os bancos europeus já eram vistos como os mais descapitalizados, por seu

forte envolvimento com os países da Europa do Leste e com sua própria periferia.

TABELA 4

ESTIMATIVAS DE POTENCIAIS CANCELAMENTOS (EMPRÉSTIMOS E TÍTULOS) - 2007-2010

posição em outubro de 2010

US$ bilhões

estim.canc canc.real canc.adic. estim.canc.2010 % do total diferença

em out.09 (I) 2007Q2/10Q2 2010Q3/10Q4 em out.10 (II) de (II) (III)= (I)-(II)

Bancos dos Estados Unidos 1.025 709 170 879 40 146

Bancos do Reino Unido 604 375 57 432 20 173

Bancos da Área do Euro 813 472 158 630 28 183

Bancos de outros países da Europa¹ 201 82 74 156 7 45

Bancos da Ásia² 166 23 92 115 5 51

Total 2.809 1.661 551 2.212 100 597

¹/ Dinamarca, Noruega, Islândia, Suécia e Suíça.

²/ Austrália, Hong Kong, Japão, Nova Zelândia e Cingapura.

fonte: Global Financial Stability Report, FMI, maio e outubro de 2010.

Na revisão de abril de 2010, as estimativas de cancelamento recuaram, pela

primeira vez, para US$ 2,3 trilhões e na de outubro de 2010, para R$ 2,2 trilhões (tabela

4). Os números mostraram progresso na realização desses cancelamentos: 40% em

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bancos americanos, 28% em bancos da Zona Euro e 20% em bancos do Reino Unido. O

FMI (out.10, p. 13/15) informou que mais de três quartos dos cancelamentos já teriam

sido relatados, faltando apenas informar cancelamentos ou provisões adicionais de US$

551 bilhões, que deveriam ser feitas até o final de 2010.

O ajuste dos sistemas bancários não foi uniforme, porém. Nos Estados Unidos, a

maior fonte de recursos para capitalização veio de oferta pública de ações (63%) e de

capitais privados (23%), com recapitalização governamental de apenas 14%. Na

Europa, refletindo diferenças culturais marcadas, predominou o apoio governamental:

49% no Reino Unido e 53% na Zona Euro. A oferta pública de ações foi,

respectivamente, de 40% e 45%, restando 11% e 2% para outros capitais privados. Com

isso, a razão dos capitais de melhor qualidade, capital próprio do banco sobre os ativos

ponderados pelo risco, subiu nos Estados Unidos de 8,1%, em 2007, para 11%, em

2009; no Reino Unido, de 7,9% para 9,5%; e na Zona Euro, de 8,3% para 10,1%.

Apesar disso, o FMI já detectava um aumento de risco na Zona Euro, depois de

seu relatório de abril de 2010 (FMI/GFSR, out.2010 e set.2011). Apesar dos ajustes

fiscais empreendidos por economias vulneráveis da região, a confiança ainda não teria

sido restaurada e persistiam vulnerabilidades, particularmente ligadas aos riscos

soberanos e a solidez dos sistemas bancários. O transbordamento dos riscos soberanos

para o setor bancário foram amplificados por meio de uma rede de instituições

financeiras altamente interconectadas e alavancadas. Nos Estados Unidos,

desconfianças continuavam a cercar os balanços das companhias e mercados

imobiliários. Como consequência, desde abril de 2010 tem subido o custo da proteção

dada pelos Credit Default Swap (CDS) para as instituições financeiras. Como

consequência de suas vulnerabilidades, os balanços dos bancos permaneciam

fragilizados, particularmente com relação à maturidade de seus passivos. Como

resultado, mais de US$ 4 trilhões de dívida teriam de ser refinanciados nos próximos

dois anos, 2011-2012, mais de 40% dos quais na Zona Euro.

Esses temores se concretizaram com a recente eclosão da crise de dívida

soberana, que aumentou exponencialmente a volatilidade nos preços das ações do setor

bancário. Em setembro de 2011, as autoridades europeias aceleraram os planos de

recapitalização de 16 bancos quase reprovados em testes de estresse: 7 espanhóis, 2

alemães, 2 gregos, 2 portugueses, 1 italiano, 1 de Chipre e 1 da Eslovênia. Suas

proporções de capital próprio sobre ativos ponderados pelo risco giravam em torno de

5% a 6%, de acordo com Masters, Hollinger e Barker (2011: C3).

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Em outubro, o público tomou conhecimento de uma enorme sucessão de

instituições em situação de fragilidade financeira. Os bancos franceses BNP Paribas,

Société Générale e Crédit Agricole mostraram exposição de € 53 bilhões às dívidas

soberanas da Itália, Espanha, Grécia, Portugal e Irlanda. Por conta disso, a agência de

classificação de risco Moody’s ameaçou rebaixar a nota da dívida francesa, segundo o

jornal Valor Econômico (04.10.2011a: C8). Na Inglaterra, Lloyds, Santander UK, Royal

Bank of Scotland e mais nove bancos também expuseram fragilidade, assim como nove

bancos portugueses, aí incluído o Millenium BCP, de acordo com o jornal Folha de

S.Paulo (2011: A24). O Banco Dexia, de propriedade da Bélgica, França e Luxemburgo

sofreu profunda reestruturação, que passou pela venda do Banco Dexia Bélgica para o

governo belga por € 4 bilhões, uma vez que suas necessidades de curto prazo somavam

€ 96 bilhões, conforme o jornal Valor Econômico (04.10.2011b: C8).

Na sequência, foi a vez dos bancos espanhóis Santander, incluídos o Banesto e o

SCF de seu grupo, BBVA, Ibercaja, Kutxa, BBK, Sabadell, Bankinter, Caixabank e

Banco Popular. A S&P calculou de € 296 bilhões a € 313 bilhões em ativos

problemáticos, correspondentes a 16% do crédito ao setor privado espanhol antes da

crise. A Agência Fitch rebaixou a nota de seis bancos, sob a controversa alegação de

que “bancos não devem ser mais bem classificados que os países em que estão

domiciliados”, conforme o jornal Folha de São Paulo (12.10.11: A12). Por último a

agência Fitch rebaixou a nota dos títulos da dívida italiana e a S&P rebaixou a nota de

24 bancos italianos (FSP, 19.10.11: A16).

Em novembro de 2011, o governo espanhol injetou € 1 bilhão no pequeno banco

Valencia (VALOR, 22.11.2011: C10) e a agência S&P (29.11.2011), em comunicado à

imprensa, informou que reviu suas classificações de risco de 37 das maiores instituições

financeiras do mundo e de suas subsidiárias. Dentre elas, os maiores bancos dos Estados

Unidos (Bank of America, Citibank, Morgan Stanley, Mellon, Bank of New York e

Wells Fargo) tiveram notas rebaixadas, enquanto JP Morgan, Bear Stearn e Chase Bank

se mantiveram estáveis. Os bancos alemães Commerzbank, Eurohypo e Deutsche Bank

foram rebaixados, assim como os espanhóis BBVA, Santander e Español de Credito, os

italianos Nazionale del Lavoro e mais três, os japoneses Mizuho e Sumitomo e os suíços

Credit Suisse e UBS. Mantiveram-se estáveis os franceses BNP Paribas, Crédit

Agricole, Société Générale e Crédit du Nord, os ingleses Barclays, HSBC e Lloyds e os

holandeses Rabobank e ING. O Bank of China, os brasileiros Bradesco, Banco do

Brasil e Itaú e o mexicano Banamex também permaneceram com classificação estável.

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Em suma, as contas da Imprensa consultada, que não incluem bancos gregos e

irlandeses, listaram cerca de cem bancos com exposições de cerca de € 463 bilhões a

títulos de dívida soberana ou que tiveram rebaixadas suas notas junto às agências de

classificação de risco.

Em novembro de 2011, porém, os bancos se comprometeram a reduzir seus

ativos em mais de € 775 bilhões, cerca de US$ 1 trilhão, em dois anos, mas a

Autoridade Bancária Europeia (2011: 1-3), o órgão de supervisão bancária europeia,

quer que eles criem um colchão temporário de capital contra exposições em dívidas

soberanas e que estabeleçam outro colchão que permita uma relação de capital próprio

de maior qualidade de 9% até junho de 2012. Neste último caso, o montante estimado

para o volume de capital atingiu € 106,4 bilhões, com ênfase para bancos gregos (€ 30

bilhões), espanhóis (€ 26,2 bilhões), italianos (€ 14,8 bilhões), franceses (€ 8,8 bilhões),

portugueses (€ 7,8 bilhões) e belga (€ 4,1 bilhões), representativos de 86% do total.

O problema é que faltam compradores com capacidade para adquirir os ativos

dos bancos, o que os têm levado a financiarem essas compras. Isso leva a uma enorme

contradição com o propósito original de desalavancagem, porque simplesmente baixa

alguns créditos e aumenta outros, segundo Chassany, Packard e Callanam (2011: C2).

Além disso, como alguns governos da região estão enfrentando custos elevados no giro

de seus títulos, eles têm feito grande pressão para que seus próprios bancos os

comprem, enquanto em outros países têm aumentado muito os empréstimos feitos pelos

bancos domésticos a governos locais e nacionais, segundo Enrich, Muñoz e Kowsmann

(2011: C3).

Nesse mesmo mês, a cúpula do G-20, em Cannes, aprovou a lista de 29 bancos

grandes demais para quebrar, que precisam de reforço de capital para absorver eventuais

perdas: 8 nos Estados Unidos, 4 no Reino Unido, 4 na França, 3 no Japão, 2 na

Alemanha, 2 na Suíça e 1 em cada um dos países Bélgica, Espanha, Holanda, Suécia,

Itália e China (VALOR, 07.11.2011: C10).

1.1. Qual o tamanho do problema?

Sinn (2011:3-4) levantou o volume dos mecanismos de socorro à periferia da

Zona Euro estabelecido desde maio de 2010 (tabela 5). Entre maio de 2010 e junho de

2011, o montante teria alcançado € 816 bilhões, dos quais € 332 bilhões (41%) da União

Europeia, dos fundos de estabilização europeus e do FMI, e € 484 bilhões (59%) com

recursos do BCE. Nestes, está incluído o crédito interbancário automático, para

processamento em tempo real de transferências entre países da União Europeia, que

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cresceu muito depois da crise. Em junho de 2011, Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha

haviam acumulado uma dívida de € 327 bilhões no interbancário, contra um crédito do

Banco Central Alemão (Bundesbank) de € 337 bilhões no mesmo mês4. No mês de

agosto de 2011, o Bundesbank teria feito novo empréstimo ao BCE de € 47 bilhões para

ser repassado a outros países europeus.

TABELA 5

OS FUNDOS DE SOCORRO EUROPEUS

€ bilhões

mai.10/jun.11 % do total potencial após % do total

acrésc. EFSF

Socorro à Grécia, Portugal e Irlanda¹ 332 41 420 25

Garantias (EFSF)² 0 0 780 46

Compras de bônus soberano pelo BCE 157 19 157 9

Passivos Target (apenas Port, Gr, Irl e Espanha)³ 327 40 327 19

Total 816 100 1.684 100

¹/ inclui 1º pacote à Grécia (FMI 30;U.E. 80; EFSF,EFSM 81), Portugal (EFSM e EFSF 78) e

Irlanda (EFSM e EFSF 63)

²/ supondo a expansão do EFSF definido em € 440 bilhões, em 21.07.11

³/ Trata-se do sistema interbancário de pagamentos para processamento em tempo real de transferências entre

países dentro da União Europeia.

fonte: Hans-Werner Sinn, "How to rescue the euro: Ten commandments", VOXeu.org, October 3, 2011.

As estimativas dos fundos de socorro de Sinn sobem a € 1.684 bilhões se os

mecanismos de resgate dos fundos de estabilização aumentarem para € 1.200 bilhões

(71%), que incluem garantias de novas emissões de bônus, mantendo-se inalteradas as

intervenções do BCE em € 484 bilhões (28%). Neste caso, as contribuições da

Alemanha e da França ascenderiam a € 469 bilhões (28%) e a € 324 bilhões (19%),

valores compatíveis com o peso de seus produtos internos brutos na Zona Euro. Para

tornar mais dramático o quadro, Sinn estima que se a Itália quebrar, Alemanha e França

terão de incorrer em passivos de € 522 bilhões e € 364 bilhões, respectivamente. Nesse

caso, seus índices de dívida/PIB subiriam para 103%, em ambos os casos. Para ele, “os

assim chamados programas de resgate podem, de fato, se transformar em canais

incendiários através dos quais o fogo pode se expandir e sufocar todos os orçamentos

públicos na Zona Euro”. Por isso, suas propostas envolvem proibição de novas compras

de bônus governamentais pelo BCE e pelo EFSF e por pagamento dos saldos negativos

no interbancário (Sinn, 2011:5-7).

4 John Whittaker (2011:1), da Lancaster University Management School, chegou a números parecidos

para a dívida intra-sistema europeu derivada de transações externas. Em dezembro de 2010, os passivos

de Irlanda (€ 146, bilhões), Grécia (€ 87,1 bilhões), Portugal (€ 59,9 bilhões) e Espanha (€50,9 bilhões)

somavam € 344 bilhões, representativos de 75% do total das dívidas dos bancos centrais nacionais com

relação ao BCE. Os créditos alemães atingiam a € 325,5 bilhões, os de Luxemburgo a € 68 bilhões e os da

Holanda a € 40,5 bilhões, somando € 434 bilhões (95% do total).

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Outra abordagem parte do levantamento da dívida em circulação, com aberturas

por país e por prazo (tabela 6). Em agosto de 2011, a Zona Euro mostrava um estoque

de € 14.472 bilhões em títulos denominados em euro, 91% dos quais de longo prazo

(46% por instituições financeiras bancárias e não bancárias) e 9% de curto prazo. Grécia

e Irlanda, que já haviam trocado a maior parte de seus títulos de curto prazo por

recursos da UE/EFSF/FMI de longo prazo, mostravam perfil similar, com mais de 90%

dos papeis em prazos mais longos, ainda que na Irlanda 78% destes fossem devidos por

instituições financeiras. Portugal também já estava sob o guarda-chuva de um pacote de

socorro, mas ainda mostrava 16% de suas emissões em curto prazo, preferencialmente

de empresas não financeiras (8%) e do governo (6%). Itália e Espanha, os dois países no

momento sob ataque dos mercados, também mostram uma boa distribuição da dívida

em termos de prazos: 95% e 93% no longo prazo, sendo 39% e 59%, respectivamente,

por instituições financeiras. A situação alemã segue a tendência de mostrar mais de 90%

da dívida no longo prazo, com 44% junto a instituições financeiras. O perfil mais

vulnerável em termos de prazos é o da França. Sua dívida tem forte componente (18%)

concentrado no curto prazo, sendo que 10% de instituições financeiro-monetárias. No

longo prazo, estão 82%, o menor percentual da amostra.

TABELA 6

TÍTULOS DE DÍVIDA DENOMINADOS EM EURO EM CIRCULAÇÃO EM AGOSTO DE 2011

€ bilhões correntes

Zona Euro Grécia Irlanda Portugal Itália Espanha Alemanha França

Curto prazo 1.351 18 71 49 135 115 190 540

Instit financ-monetárias (IFM) 461 2 26 3 0 18 38 291

Outras empresas financeiras 108 0 44 1 0 8 15 8

Empresas não-financeiras 78 0 0 26 0 0 15 25

Governo central 678 17 1 20 135 89 118 198

Outro governo geral 26 0 0 0 0 0 4 17

Longo prazo 13.121 336 690 260 2.568 1.538 2.814 2.393

Instit financ-monetárias (IFM) 3.995 75 71 88 839 434 1.132 732

Outras empresas financeiras 2.623 4 529 43 216 544 172 196

Empresas não-financeiras 625 0 1 15 81 16 80 286

Governo central 5.388 257 90 114 1.404 483 1.131 1.092

Outro governo geral 490 0 0 1 29 61 298 87

Total 14.472 355 761 309 2.703 1.652 3.004 2.932

% do total Zona Euro Grécia Irlanda Portugal Itália Espanha Alemanha França

Curto prazo 9 5 9 16 5 7 6 18

Instit financ-monetárias (IFM) 3 0 3 1 0 1 1 10

Outras empresas financeiras 1 0 6 0 0 0 0 0

Empresas não-financeiras 1 0 0 8 0 0 1 1

Governo central 5 5 0 6 5 5 4 7

Outro governo geral 0 0 0 0 0 0 0 1

Longo prazo 91 95 91 84 95 93 94 82

Instit financ-monetárias (IFM) 28 21 9 28 31 26 38 25

Outras empresas financeiras 18 1 69 14 8 33 6 7

Empresas não-financeiras 4 0 0 5 3 1 3 10

Governo central 37 72 12 37 52 29 38 37

Outro governo geral 3 0 0 0 1 4 10 3

Total 100 100 100 100 100 100 100 100

fonte: European Central Bank - EUROSYSTEM, 05.10.11.

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A tabela 7 é um subproduto da tabela 6 e tem a finalidade de destacar números

alternativos aos de Sinn, mencionados anteriormente. Se forem tomados somente os

títulos de dívida de curto prazo em euro, o que abarca o período de um ano para sua

maturação, as necessidades de recursos para a Grécia, Irlanda, Portugal, Itália e Espanha

somam € 388 bilhões. A Alemanha, com € 190 bilhões, não apresenta maiores

problemas, mas a França sim, porque seus € 540 bilhões são de emissão de instituições

financeiro-monetárias e do governo central.

TABELA 7

TÍTULOS DE DÍVIDA DE CURTO PRAZO EM EURO

Agosto de 2011

total percentagem IFM¹ percentagem Gov.Central percentagem

€ bilhões do total € bilhões do total € bilhões do total

Grécia 18 2 2 1 17 3

Irlanda 71 6 26 7 1 0

Portugal 49 4 3 1 20 3

Itália 135 12 0 0 135 23

Espanha 115 10 18 5 89 15

subtotal 388 35 49 13 262 45

Alemanha 190 17 38 10 118 20

França 540 48 291 77 198 34

total 1.118 100 378 100 578 100

¹/ IFM = instituições financeiro-monetárias

fonte: European Central Bank - EUROSYSTEM, 05.10.11.

A tabela 8 mostra o montante de recursos disponíveis para socorro a países em

dificuldades financeiras. O FMI tinha, em agosto de 2011, uma capacidade de

comprometimento futuro (FCC, na sigla em inglês) de € 221 bilhões para socorro a seus

países-membros, não apenas os da Europa. O EFSF foi criado com € 440 bilhões, mas

estima-se que, após as intervenções já feitas na periferia da Zona Euro, restem-lhe

acesso a € 218 bilhões. No total das duas instituições, € 439 bilhões.

TABELA 8

DISPONIBILIDADE FINANCEIRA PARA SOCORRO

agosto de 2011

FMI DES bilhões

Recursos não comprometidos¹ 279

(+) aportes dos países-membros em até um ano 7

(-) repagamentos de empréstimos em até um ano 0

(-) saldo prudencial 40

(=) capacidade de comprometimento futuro (FCC)² 246

FMI/EFSF € bilhões

FCC/FMI³ 221

EFSF/EU disponibilidade estimada4 218

Total de FMI e EFSF 439

¹/ total dos recursos utilizáveis menos os comprometidos, mas ainda não

desembolsados.

²/ A FCC (Forward Commitment Capacity) é uma medida dos recursos

disponíveis para novos empréstimos.

³/ 1 DES = € 1,113740 em 31.08.11

4/ A partir dos números de Sinn (tabela 5)

fontes: European Central Bank - EUROSYSTEM, 05.10.11, FMI e EFSF.

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Sinn (tabela 5) levantou os recursos já comprometidos em programas europeus

de socorro: € 816 bilhões, dos quais € 484 bilhões em compras de bônus

governamentais pelo BCE e dívidas no mercado interbancário. O autor estimou algumas

promessas futuras, que envolvem, fundamentalmente, um aumento do EFSF em € 780

bilhões para garantir as emissões de dívidas soberanas dos Estados-membros. A isso se

deve somar € 440 bilhões dos programas usuais do EFSF, o que totaliza € 1.200 bilhões.

Esses recursos não existem, por enquanto. A promessa de um EFSF de € 1.000 bilhões,

declarada na reunião do G-20 em Cannes, ainda não conta com recursos objetivos.

As disponibilidades efetivas no FMI e EFSF não devem superar os € 439

bilhões explicitados na tabela 7. Isso é pouco mais que o necessário para cobrir as

necessidades de refinanciamento dos títulos de curto prazo da Grécia, Irlanda, Portugal,

Itália e Espanha, no montante de € 388 bilhões (tabela 6). Um processo de contágio que

atinja a França com força seria suficiente para deixar as instituições multilaterais e

regionais sem recursos para enfrentá-lo.

Os problemas maiores, no entanto, estão no fato de que os investidores estão se

retraindo de todos os títulos de dívida da Zona Euro, não apenas dos papeis de curto

prazo, particularmente da Itália e Espanha. A tabela 5 mostra que a dívida total em

títulos da Itália chega a € 2.703 bilhões e a da Espanha a € 1.652 bilhões, somando €

4.355 bilhões. Deste total, os títulos soberanos da Itália montam a € 1.539 bilhões e os

da Espanha a € 572 bilhões, somando € 2.111 bilhões. As estimativas dos mercados de

que o EFSF deveria ter pelo menos € 2.000 bilhões parecem ter levado em conta o total

das dívidas soberanas desses dois países.

1.2. Por que a demora em agir das autoridades europeias?

Fenômenos complexos implicam múltiplas explicações. Há críticas de cunho

político e de caráter econômico, que remontam ao próprio processo de constituição da

União Europeia. Pode-se, também, afirmar que as hesitações dos governos europeus se

explicam por um aprisionamento mental a políticas de consolidações fiscais associadas

a uma “ideologia da dor”, a ser infligida a “governos irresponsáveis”. Há, no entanto,

uma questão estrutural a ser considerada na próxima seção.

Na esfera política, encontra-se Brendan Greeley (2011: A11). Sua argumentação

se prende a uma perda de sentido de solidariedade e compromisso, que predominou nos

anos que viram a reunificação alemã e a criação da União Europeia. Os líderes da

época, Helmut Kohl e François Mitterrand, tomados por um profundo sentido de acerto

com o passado, comandaram o Tratado de Maastricht de 1992, que criou a figura

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jurídica da União Europeia. Por isso, os questionamentos quanto a inconsistências

econômicas teriam sido, liminarmente, postos de lado por Kohl, para quem “o euro não

diz respeito à economia. Nem mesmo diz respeito à política. Diz respeito à paz”.

Pode-se afirmar que, passada essa época de profunda consciência das dores das

recorrentes guerras no Continente, o mundo estaria novamente dominado por ímpetos

individualistas, que jogam a favor da fragmentação e não da cooperação. É como se a

humanidade conseguisse passar muita informação, mas pouca consciência, às novas

gerações, de forma que estas teriam de sofrer suas próprias dores, num eterno “Suplício

de Sísifo”.

Numa chave política e econômica encontra-se José Luís Fiori (2011: A15). Na

esfera econômica, falta “um Tesouro europeu com capacidade unificada de tributar e

emitir dívidas, junto com um BC capaz de atuar como emprestador de última instância,

em todos os mercados, garantindo a liquidez dos atuais títulos soberanos nacionais que

deveriam ser extintos e substituídos por um único título público unificado para toda a

zona do euro”. Politicamente, há sinais de fragilidade e fragmentação da Europa. Os

cenários futuros costumam se dedicar a calcular os brutais prejuízos econômicos, mas

“pouco se fala dos custos intangíveis do fracasso europeu no campo das ideias, dos

valores e dos grandes sonhos e símbolos que movem a humanidade. Um verdadeiro

impacto atômico sobre duas pilastras fundamentais do pensamento moderno: a crença

na viabilidade contratual de um governo ou governança mundial; e a aposta na

possibilidade cosmopolita, de uma federação ou confederação de repúblicas, pacíficas,

harmoniosas, e sem fronteiras ou egoísmos nacionais [...] O problema grave e insanável

é que a falência do ‘contratualismo’ e do ‘cosmopolitismo’, deixa os europeus sem mais

nenhum sonho ou utopia coletiva”.

Há, também, vários autores que apontam erros derivados de viés ideológico.

Charles Wyplosz (2011: C8), um expert em questões monetárias e da integração

europeia, fala de sua inquietação com a falta de arsenal das autoridades monetárias e

com a indecisão das autoridades políticas. O fundamental é o BCE decidir até onde vai

intervir. Ele tem de garantir totalmente as dívidas públicas, porque, se mostrar medo,

pode haver a explosão da dívida italiana, espanhola e do sistema bancário. Há muita

tensão no mercado interbancário, a mesma situação de 2008. Em 2008, o governo

americano salvou a AIG e o governo alemão salvou o Deutsche Bank. Agora, os

próprios governos estão ameaçados. Talvez € 200 bilhões sejam suficientes para

recapitalizar os bancos, segundo o FMI (GFSR, set.11: IX), mas o calendário eleitoral

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na Europa, com eleições na França e na Alemanha, faz com que as políticas não

mudem. “Todos esses planos de austeridade são um erro total, uma política ruim num

momento ruim. É uma repetição dos anos 30, quando os governos quiseram adotar

rapidamente restrições orçamentárias. Os países estão em pânico com a dívida pública e

eles têm razão. “Mas a resposta não é austeridade, e sim garantir a dívida pública e

estimular o crescimento”.

Wolf (2011: A11) segue a mesma trilha. Ele lembra que déficits fiscais ajudam a

desalavancar o setor privado. Isso ocorreu entre 2008-2009, quando os governos

ampliaram o déficit, enquanto o setor privado “conteve seus gastos brutalmente”. A

reação dos governos europeus no momento atual é oposta, por que o mundo

desenvolvido já estaria cometendo o erro japonês de conter prematuramente os gastos,

mas numa escala mais perigosa porque global. Além disso, a Alemanha com seu

superávit estrutural em conta corrente tem de financiar os déficits de suas contrapartes.

Por fim, uma polêmica derivou da edição virtual de 17 de setembro de 2011 da

revista The Economist. Ela publicou um editorial denominado “How to save the euro”,

onde é defendida a hipótese de que os programas de resgate precisavam levar em conta

quatro questões. A primeira é tornar claro quais países estão ilíquidos e quais estão

insolventes, dando cobertura aos governos solventes e reestruturando a dívida daqueles

que nunca poderão pagá-la. A segunda é manter em pé os bancos europeus para

assegurar que eles resistam a uma parada de pagamentos (default). A terceira é libertar a

política macroeconômica da Zona Euro de sua obsessão com cortes orçamentários e

assumir uma agenda de crescimento. A quarta, finalmente, entende que a Zona Euro

precisa começar um processo de reestruturação do sistema, que impeça novas crises.

A última questão envolve novos tratados e aprovação por parlamentos e

eleitores, mas as três primeiras teriam que ser decididas rapidamente. Segundo o

editorial, tem de haver o “claro propósito de que os governos europeus e o BCE ajam

em conjunto para por um fim ao círculo vicioso de pânico, em que a fraqueza das

finanças públicas, a fragilidade dos bancos e as preocupações acerca de baixo

crescimento se realimentam umas às outras”. A Grécia está insolvente, mas a Itália e a

Espanha são solventes e só enfrentam problemas de liquidez. Estas últimas estão sob

ataque não porque suas finanças deterioraram, mas porque os investidores temem que

elas sejam forçadas a suspender os pagamentos de suas dívidas. O editorial faz uma

exortação: “Sra. Merkel, é tempo de explicar as escolhas [...] Diga isso de forma clara

para seus eleitores”.

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Os números de Sinn (2011:1-3) foram levantados para criticar o editorial de The

Economist. Seus argumentos talvez reflitam bem as posições dominantes na Alemanha.

Ele não aceita que a causa real da crise repouse em falta de credibilidade e que os países

periféricos necessitem de estímulo fiscal para superar seus problemas. Nesse sentido, os

programas de socorro seriam necessários para criar uma parede à prova de fogo ao redor

dos governos solventes da Europa. Ele defende que o cerne da crise na Zona Euro está

em desequilíbrios de balanço de pagamentos, cujas soluções exigem ajustamento real de

preços e salários nos países periféricos. Esses desequilíbrios teriam surgido por meio de

fluxos de crédito públicos e privados baratos, que alimentaram uma bolha inflacionária

que aumentou os preços dos imóveis, bônus governamentais, bens e salários até 2007. O

resultado foi o aparecimento de grandes déficits em conta corrente e níveis de dívida

externa que os investidores privados não têm sido capazes de financiar ou refinanciar

desde 2008. O problema, em última análise, teria a ver com perda de competitividade

dessas economias e a solução passaria por redução de preços e salários, para reduzir o

déficit externo e atrair novos capitais internacionais.

Resumindo, as análises feitas acerca do tamanho do problema indicam que é

realmente difícil convencer os eleitores de países credores a aceitar como inevitável um

aumento de compras de títulos pelo BCE e de dar crédito crescente nos mercados

interbancários da Europa. A posição aqui explicitada, porém, é que insistir no discurso

da urgência de empreender processos de consolidação fiscal é contraproducente. O

caminho que está sendo trilhado, sobretudo em função das posições da Alemanha, pode

ser a síntese perfeita para o desastre, porque, dado o grau de perda de credibilidade da

dívida da Zona Euro, os recursos disponíveis para socorro são claramente insuficientes e

alguma coisa precisa ser feita para separar insolventes de ilíquidos.

Aumentar recursos orçamentários ou de organismos internacionais para combate

à crise não é tarefa simples, por conta da deterioração das finanças públicas, como é o

caso do aumento nas relações percentuais dívida/PIB. Além disso, por mais que eles

fossem aumentados, no momento seriam insuficientes para aplacar o temor de calote

dos investidores. Por isso, críticas como as feitas pela The Economist derivam da

constatação de que é muito tarde para se pensar em recursos orçamentários e, ainda que

pareça contraditório, muito cedo para se propor consolidação fiscal. Na impossibilidade

de retorno ao crescimento, a solução repousa em política monetária e creditícia. O BCE

tem de continuar atuando, inclusive com mais energia, para evitar que os títulos de

dívidas soberanas atinjam níveis críticos.

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1.3. Há diferenças entre os sistemas financeiros dos Estados Unidos e da

Europa?

Independente das análises anteriores, uma questão estrutural se destaca: há

diferenças entre os sistemas financeiros de crédito na Europa e o sistema financeiro de

mercado dos Estados Unidos.

Assis Moreira (2011: C10) cita estimativas do Instituto Internacional de

Finanças (IIF, na sigla em inglês) que mencionaram que os bancos europeus mantêm €

3 trilhões de títulos de dívida de governos durante a crise de papeis de dívida soberana,

que representam cerca de 8% de seus ativos globais. Os bancos dos Estados Unidos, por

sua vez, têm apenas US$ 428 bilhões (3,2% dos ativos totais) de exposição: US$ 163

bilhões (1,2%) em títulos do Tesouro americano e US$ 265 bilhões (2%) em títulos de

dívida estrangeira, onde apenas uma parte seria em papeis de dívida soberana.

Veron (2011:3) afirma que a dificuldade em levar bancos à falência e

reestruturar o setor bancário se deve, basicamente, ao fato de que os bancos são,

comparativamente ao tamanho de suas economias, muito maiores na Europa que na

América. Ele cita dados de 2009 do Banco de Compensações Internacionais (BIS), onde

os ativos agregados dos três maiores bancos representavam 406% do PIB na Holanda,

336% no Reino Unido, 334% na Suécia, 250% na França, 189% na Espanha, 121% na

Itália e 118% na Alemanha. No Japão, porém, essa relação não ia além de 92% do PIB

e, apenas, 43% do PIB nos Estados Unidos.

Explicação para isso se deve à constatação de que os bancos universais europeus

cumprem um papel maior na intermediação financeira, uma vez que, nos Estados

Unidos, intermediários financeiros não bancários e mercado de capitais fornecem uma

proporção maior do total de capital e crédito. Além disso, os bancos europeus se

expandiram agressivamente na esfera internacional, ainda que suas atividades sejam

apoiadas pelos pagadores de tributos no país de origem. Na média, os maiores bancos

europeus têm 57% de suas atividades no exterior, no resto da Europa e do mundo em

proporções iguais, enquanto a média americana não supera 22%.

Para analisar esses tipos de afirmação, é necessário retroagir aos anos 1980, em

que o desenvolvimento dos mercados de capitais apresentou características marcantes.

Por essa época, houve a emergência de investidores institucionais, começou a se ampliar

rapidamente a negociação com derivativos e firmou-se tendência de universalização dos

bancos, por meio da emissão de notas promissórias e bônus nos mercados

internacionais.

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A emergência dos investidores institucionais pode ser aferida pelo crescimento

dos fundos de pensão, das companhias de investimento e das companhias de seguro.

Tomando em consideração os mercados dos Estados Unidos, Reino Unido, Japão e

Alemanha, Cardim de Carvalho et ali (2007: 294-295) já apontavam para um forte

crescimento dos fundos de pensão entre os anos 1980-1990: cerca de sete vezes em

valor, medido em bilhões de dólares. O mesmo ocorreu com as companhias de

investimento, que multiplicaram seus recursos por quatro vezes, em igual período. Os

desempenhos mais agressivos ocorreram nos três primeiros países.

TABELA 9

ATIVOS ADMINISTRADOS POR INVESTIDORES INSTITUCIONAIS¹

US$ trilhões 1995 2000 2005 2006 2007 2008 2009

Fundos de investimentos 6 12 18 22 25 21 24

companhias de seguro 8 10 16 18 20 18 20

fundos autônomos de pensão 7 11 14 17 18 13 16

outros investidores institucionais 0 0 0 1 0 0 0

Total 22 34 49 57 63 53 60

% do total 1995 2000 2005 2006 2007 2008 2009

Fundos de investimentos 29 36 37 38 40 39 40

companhias de seguro 37 31 33 32 32 35 33

fundos autônomos de pensão 33 32 29 29 28 25 26

outros investidores institucionais 2 1 0 1 0 1 1

Total 100 100 100 100 100 100 100

% PIB 1995 2000 2005 2006 2007 2008 2009

Fundos de investimentos 30 53 60 68 72 56 69

companhias de seguro 38 46 54 57 58 50 58

fundos autônomos de pensão 34 48 47 52 51 36 46

outros investidores institucionais 3 2 2 2 2 2 2

Total 103 148 162 178 182 143 174

¹/ Dados agregados de dezessete países da OCDE.

fonte: Global Financial Stability Report - GFSR/IMF, September 2011, capítulo 2, pg. 3.

A tabela 9 atualiza os números relativos aos ativos administrados por

investidores institucionais domiciliados em dezessete países da OCDE, para alguns anos

das décadas de 1990-2000, com base em levantamentos do FMI. Partindo de 1995,

quando esses ativos somavam US$ 22 trilhões, o montante cresceu para US$ 60

trilhões, em 2009. No primeiro daqueles anos, as companhias de seguro lideravam a

participação relativa no total (37%), seguidas pelos fundos de pensão (33%) e pelos

fundos de investimento (29%). No ano 2000, os fundos de investimento ultrapassaram

as companhias de seguro e os fundos de pensão, posição que mantiveram ao longo de

toda a década. Como percentagem do PIB, verifica-se o forte acréscimo total dos 103%

de 1995 para os 174% de 2009. Vale lembrar que um dos motivos da carência atual de

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liquidez nos bancos europeus deriva da retração de recursos dos fundos de investimento

americanos, como reflexo da crise.

TABELA 10

ATIVOS FINANCEIROS DE INVESTIDORES INSTITUCIONAIS¹

US$ bilhões constantes de 2000 1995 2000 2005 2.006 2007

Total da OECD (17)² 21.286 32.997 40.329 nd nd

França 878 1.736 2.310 2.564 2.581

Alemanha 971 1.887 2.271 2.401 2.422

Reino Unido 2.007 3.051 3.397 nd nd

Japão 4.386 4.952 7.229 7.565 nd

Estados Unidos 11.223 18.074 20.908 22.761 24.220

% PIB 1995 2000 2005 2.006 2007

Total da OECD (17)² 110 147 152 163 nd

França 76 131 160 174 171

Alemanha 56 99 116 119 117

Reino Unido 162 210 207 nd nd

Japão 99 106 145 148 nd

Estados Unidos 141 185 191 203 211

¹/ inclui companhias de investimento, de seguros, fundos de pensão e outras poupanças institucionais

²/ exlui países com dados não disponíveis ou não comparáveis entre 1995-2005

fonte: Gonnard, E, Kim E.J and Ynesta, I, Recent Trends on Instutional Investors Statistics, OECD, 2008.

Estudo da OCDE abre esses números para os países que a integram. A tabela 10

mostra uma evolução interessante para os primeiros cincos anos da década de 2000. Em

termos de participação percentual no PIB, já se percebe que Estados Unidos, Reino

Unido e Japão mostram forte participação em ativos financeiros, ao mesmo tempo em

que a Alemanha continua a ter uma participação mais discreta. A França, porém,

aumentou sua posição a ponto de ultrapassar o Japão.

TABELA 11

MONTANTES EM ABERTO (ESTOQUE) DE DERIVATIVOS NO MUNDO

US$ bilhões

1991 2000 2005 2006 2007 2008 2009 2010

transacionados em bolsas (futuros e opções) 3.519 14.215 21.619 25.670 79.078 57.744 73.118 67.947

transacionados em balcão 4.679 95.199 284.819 415.183 595.738 598.147 603.900 601.048

dos quais Credit Default Swaps (CDS) - - 13.908 28.650 57.894 41.883 32.693 29.898

total 8.199 109.414 306.438 440.853 674.816 655.891 677.018 668.995

fonte: BIS Quarterly Review, Ago.1996, Dec.2001, Dec.2009,Dec.2010 e Sep.2011.

A outra grande característica do processo de abertura econômica a partir dos

anos 1980 foi a introdução de inovações financeiras, como a securitização e a

negociação em derivativos, que estiveram na raiz da crise financeira iniciada em 2007.

A tabela 11 mostra o forte crescimento dos derivativos e a participação dos CDS, que

cresceu até 2007 e declinou a partir de então. O crescente custo dos derivativos de

crédito tem servido de base para análise da exposição ao risco dos bancos europeus. A

especulação de hedge funds nesse mercado parece estar na raiz da resistência de vários

governos da Zona Euro em aceitar esse instrumento como base para cálculo da

capitalização necessária do sistema financeiro europeu.

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Paralelamente às inovações financeiras e à emergência dos investidores

institucionais, ocorreu uma tendência à universalização dos bancos. Crescentemente,

eles foram diminuindo a participação do crédito tradicional, em favor da emissão de

títulos de curto prazo, notas promissórias em especial, e de médio e longo prazo, como

notas e bônus.

TABELA 12

ESTOQUE DE DIREITOS DOS BANCOS NO EXTERIOR

Por país de origem do tomador, em final de período

US$ bilhões

1995 2000 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Todos os países 2.410 7.859 21.330 27.038 33.957 30.425 30.457 30.221

Bancos europeus nd nd 14.511 18.583 23.238 20.611 19.456 18.261

França 56 611 1.779 2.615 3.694 3.671 3.773 3.138

Alemanha 204 1.395 2.795 3.542 4.428 3.604 3.302 2.998

Reino Unido 123 565 2.469 3.096 3.846 3.618 3.644 3.942

Japão 366 944 1.655 1.854 2.295 2.308 2.428 2.691

Estados Unidos 400 413 1.029 1.334 1.712 1.463 2.493 2.869

% do total 1.995 2.000 2.005 2.006 2.007 2.008 2.009 2.010

Todos os países 100 100 100 100 100 100 100 100

Bancos europeus nd nd 68 69 68 68 64 60

França 2 8 8 10 11 12 12 10

Alemanha 8 18 13 13 13 12 11 10

Reino Unido 5 7 12 11 11 12 12 13

Japão 15 12 8 7 7 8 8 9

Estados Unidos 17 5 5 5 5 5 8 9

% do PIB 1.995 2.000 2.005 2.006 2.007 2.008 2.009 2.010

Todos os países 8 24 47 55 61 50 53 48

Bancos europeus nd nd 105 127 137 112 119 112

França 4 46 83 116 143 129 143 122

Alemanha 8 74 101 122 133 99 100 91

Reino Unido 11 38 108 127 137 135 167 175

Japão 7 20 36 43 52 47 48 49

Estados Unidos 5 4 8 10 12 10 18 20

fonte: BIS Quarterly Review, diversos nºs (tabela 9B)

A tabela 12 trata das posições de crédito dos bancos no exterior. Na sua primeira

parte, ela mostra que o crédito cresceu 13 vezes em dólares correntes, entre 1995-2010,

para o conjunto dos bancos que informam suas posições ao BIS. Os bancos da França

aumentaram seus saldos no exterior em 56 vezes, seguidos pelos bancos do Reino

Unido (32), Alemanha (15), e Japão (7), na mesma magnitude que os bancos dos

Estados Unidos (7). Mais importante: como percentagem do total, desde a segunda

metade dos anos 2000, os bancos europeus respondem por mais de 60% do crédito,

contra 9% para o Japão e 9% para os Estados Unidos. Os bancos da França, Alemanha e

Reino Unido emprestam mais que os dos Estados Unidos e Japão. Isso fica mais

evidente ainda como proporção do PIB: em 2010, o estoque global de crédito equivalia

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a 48% do PIB, mas a 112% nos bancos europeus (175% no Reino Unido, 122% na

França e 91% na Alemanha). No Japão não ia além de 49% do PIB e a, somente, 20%

do PIB nos Estados Unidos. Importa mencionar, porém, que esses créditos são feitos a

governos, instituições financeiras e empresas.

TABELA 13

Títulos de dívida

montante em circulação em US$ bilhões

1995 2000 2005 2006 2007 2008 2009 2010

instrumentos do mercado monetário 133 494 650 875 1.137 1.132 932 916

(+)bônus e notas 2.671 5.883 13.960 17.574 21.599 22.732 26.079 26.772

(=) títulos internacionais de dívida 2.803 6.377 14.610 18.449 22.736 23.864 27.011 27.688

emitidos por governos 680 1.257 1.421 1.626 1.858 1.879 2.265 2.417

instituições financeiras 1.038 3.813 11.100 14.350 17.970 18.900 20.887 20.822

empresas 776 926 1.545 1.886 2.249 2.427 3.059 3.557

(+) títulos domésticos de dívida 24.704 29.811 45.474 50.286 57.501 58.583 63.406 67.154

emitidos por governos 15.610 18.036 22.144 24.009 26.772 29.448 34.088 38.960

instituições financeiras¹ 9.093 7.769 18.070 20.530 24.391 23.374 23.121 21.522

empresas¹ 4.006 5.260 5.747 6.338 5.761 6.197 6.672

(=) total 27.507 36.188 60.085 68.734 80.237 82.447 90.417 94.841

% emitida por governos 59 53 39 37 36 38 40 44

instituições financeiras 37 32 49 51 53 51 49 45

empresas 3 14 11 11 11 10 10 11

¹/ em 1995, os títulos domésticos eram separados apenas por setor privado e setor público, sem discriminar instituições financeiras e empresas

fonte: BIS Quarterly Review, Ago.1996, Dez.2001, Dez.2009,Dez.2010 e Set.2011.

As tabelas 13 e 14 mostram um quadro distinto, quando se trata de aferir o

montante e a participação relativa de alguns países em operações de mercado de

capitais, que caracterizam os sistemas financeiros de mercado. Cardim de Carvalho et

ali (2005: 298) afirmam que “em nenhum outro setor da atividade econômica o

processo de globalização avançou tanto quanto no setor financeiro”. Seus números

mostram a grande velocidade com que foi criado um mercado internacional em bônus e

ações. As transações com esses ativos nos Estados Unidos passaram de 8% do PIB em

1980, para 213% do PIB em 1997; em iguais períodos, de 7% do PIB para 253% do PIB

na Alemanha; e de 8% do PIB para apenas 96% do PIB no Japão, devido à crise

financeira doméstica nos anos 1990.

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TABELA14

EMISSÕES DE TÍTULOS DOMÉSTICOS E INTERNACIONAIS

bônus e instrumentos do mercado monetário pela residência do emissor

montantes em circulação

US$ bilhões 1995 2000 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Todos os países 27.507 36.188 60.085 68.734 80.237 82.447 90.417 94.841

França 804 1.394 2.806 3.408 4.371 4.382 4.987 5.168

Alemanha 1.284 2.596 3.534 4.099 5.603 4.741 4.954 5.363

Reino Unido 396 1.464 2.904 3.747 3.842 4.657 5.329 4.782

Japão 1.876 6.377 8.511 8.554 9.214 11.239 11.692 14.154

Estados Unidos 4.296 16.260 24.089 26.356 30.324 29.835 31.006 32.535

% do total 1995 2000 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Todos os países 100 100 100 100 100 100 100 100

França 3 4 5 5 5 5 6 5

Alemanha 5 7 6 6 7 6 5 6

Reino Unido 1 4 5 5 5 6 6 5

Japão 7 18 14 12 11 14 13 15

Estados Unidos 16 45 40 38 38 36 34 34

% PIB 1995 2000 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Todos os países 93 112 132 139 144 135 157 151

França 51 105 131 151 169 154 189 202

Alemanha 51 137 128 141 168 130 150 163

Reino Unido 34 99 127 153 137 174 244 213

Japão 36 137 187 196 210 230 232 259

Estados Unidos 58 163 191 197 216 209 222 224

fonte: BIS Quarterly Review, Ago.1996, Dez.2001, Dez.2009,Dez.2010 e Set.2011.

Excluindo as ações e incluindo os instrumentos de curto prazo do mercado

monetário, a tabela 13 computou o estoque dos títulos internacionais e domésticos de

dívida. Ela permite visualizar a tendência à internacionalização das transações com

instrumentos dos mercados de capitais: os títulos internacionais de dívida cresceram dez

vezes, entre 1995-2010, e apenas três vezes os títulos domésticos de dívida. A

participação relativa de alguns países no estoque desses papeis coloca os Estados

Unidos na vanguarda (34% em 2010), ainda que essa posição seja cadente (tabela 14).

Bem abaixo dele vem o Japão (15%), Alemanha (6%), França (5%) e Reino Unido

(5%). A última parte da tabela mostra a participação desses títulos em termos de

percentagem do PIB. Japão, Estados Unidos e Reino Unido lideram, seguidos de perto

pela França (202%) e pela mais distante Alemanha (163%).

Em síntese, os primeiros sinais de criação de um sistema financeiro de mercado

apareceram em 1960 nos Estados Unidos e Canadá, com o início de transações com

notas promissórias (commercial papers). Esse mercado se desenvolveu na França em

1985, no Reino Unido em 1986, no Japão em 1987 e na Alemanha em 1991, conforme

Cardim de Carvalho (2007:255). O processo tomou velocidade na década de 1980, com

a emergência de investidores institucionais e com uma série de inovações financeiras,

que favoreceram a universalização dos bancos e a internacionalização das transações

nos mercados de capitais.

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A liderança desse processo de passagem dos tradicionais sistemas financeiros de

crédito para os sistemas financeiros de mercado ficou com os Estados Unidos, seguido

pelo Reino Unido e Japão. Sistemas financeiros europeus, como França e Alemanha, só

avançaram mais celeremente com a unificação monetária. Nos sistemas financeiros de

crédito, o banco tem responsabilidade jurídica com o depositante e com o tomador do

crédito. Nos sistemas financeiros de mercado, o banco atua como uma espécie de

agente estruturador de operações. Apesar de se constituírem, em volume, nos maiores

mercados de crédito e de capitais, os bancos dos Estados Unidos apresentam uma menor

dependência relativa de operações de crédito captadas juntos aos sistemas financeiros

doméstico e internacional, com relação aos bancos europeus. Consequentemente, há

evidências de que sua exposição e seu risco de crédito são menores. Este é um dos

motivos de fundo que diferenciam a situação atual dos bancos americanos e a dos

bancos europeus.

2. O que fazer?

Algumas críticas mencionadas em seções anteriores já apontam para os rumos

que a região deveria seguir. Nesta, retoma-se o tema, tendo em conta que os canais de

negociação para acelerar o crescimento econômico estão congestionados. Restam,

portanto, medidas na esfera da política monetária e creditícia que enfrentem o ataque

especulativo no curto prazo, enquanto se tenta avançar nas espinhosas questões do

aprofundamento da integração fiscal. No geral, os temas na mesa passam por emissão

de título público unificado para os países usuários do euro, monetização das dívidas

nacionais pelo BCE, recapitalização bancária e alavancagem de recursos do EFSF.

A Comissão Europeia anunciou, em 23 de novembro de 2011, um plano para a

criação de um bônus com garantias de todos os países da Zona Euro, para restaurar a

confiança na dívida soberana de seus Estados-membros. O estudo apresenta três

modelos: o mais amplo prevê a emissão de “bônus de estabilidade”, que, se aprovado,

levará à troca total dos bônus nacionais pelo novo eurobônus. Esta opção forçaria

extensas alterações nos tratados da União Europeia e, consequentemente, demandaria a

aprovação de todos os governos da Zona Euro, após referendos nacionais.

Alternativamente, poderia ser introduzida uma versão mais restritiva, com garantias

limitadas; e, por último, haveria uma emissão conjunta, mas a garantia dos títulos seria

dada pelo país tomador do dinheiro e não pelo bloco, de acordo com Marinheiro (2011:

A20). O assunto tem encontrado apoio de países – França, Itália e Espanha – e de

líderes regionais. A Alemanha tem descartado a questão, liminarmente, porque entende

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que ele não resolve a crise de dívida soberana na Europa. Na visão de algumas de suas

autoridades, os eurobônus só podem se tornar viáveis num estágio posterior de

desenvolvimento do projeto europeu, com a transferência de soberania nacional para um

nível supranacional, segundo Quentin Peel (2011).

Outro ponto é a responsabilidade do BCE. Paul De Grauwe (2011: 1-7) afirma a

fragilidade da Zona Euro ante as forças do contágio, em função de os mercados de

bônus governamentais serem extremamente vulneráveis numa união monetária. A razão

para tanto é que os governos da união monetária emitem dívida em uma moeda

“estrangeira”, sob a qual não têm qualquer controle. Em casos assim, só um banco

central da Zona Euro poderia exercer o papel de emprestador de última instância, isto é,

de garantir a liquidez dos detentores dos bônus. O BCE tem cumprido esse papel, seja

através de compra direta de bônus soberanos, seja indiretamente aceitando estes bônus

como garantia nos fornecimentos de liquidez ao sistema.

As pressões para que o BCE pare de fazê-lo têm sido grandes. Os tratados atuais

o obrigam a se relacionar exclusivamente com outros bancos centrais, não com

Tesouros nacionais. O BCE se valeu de um artifício para fugir a essa regra que engessa

sua atuação. Ele passou a fazer essas operações para defender o funcionamento dos

mercados e, com isso, o mecanismo de transmissão de sua política monetária para a

economia do bloco, de acordo com Mesquita (2011: B8). Este autor sugere a opção de o

BCE dar oferta ilimitada de liquidez aos bancos por prazos de um a dois anos e de se

utilizar do swap de moedas do BCE com o Federal Reserve, que constitui oferta similar

em dólares. O mesmo está valendo para seis bancos centrais – Estados Unidos, Europa,

Canadá, Suíça, Inglaterra e Japão –, que decidiram criar programas de swaps bilaterais

temporários em qualquer uma de suas moedas (VALOR, 01.12.11: C1).

O presidente do Bundesbank, Jens Weidmann, por exemplo, tem rejeitado,

categoricamente, o direito de o BCE atuar como emprestador de última instância para os

governos, o que ele já vem fazendo ao comprar as dívidas de diversos países da região.

Para Weidmann, há um perigoso processo de monetização das dívidas públicas

nacionais. Os governos são os principais responsáveis pelas garantias à estabilidade

financeira, não os bancos centrais. Os passos futuros não deveriam ir além do já

acertado: a Grécia deve cumprir o plano de resgate, ao invés de questioná-lo, e a Itália

sofre de crise aguda de confiança, que somente seu governo pode resolver, de acordo

com Atkins & Sandbu (2011: C2). O programa de compra de bônus governamentais

pelo BCE já teria custado € 195 bilhões desde maio de 2010 e os alemães alegam não

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querer emitir um sinal equivocado para os políticos e criar inflação por meio da

impressão de moeda, segundo Carnegy, Peel & Burgis (2011: C2).

De Grauwe (2011: 2-5) descarta os três tipos de crítica que, usualmente são

feitos ao papel de emprestador de última instância dos bancos centrais: possibilidade de

o banco central perder dinheiro; risco moral envolvido no processo; e risco de inflação.

No primeiro caso, porque diferentemente de outras companhias de seguro um banco

central não tem de se preocupar com perdas eventuais, porque o foco deve estar voltado

sempre à manutenção da estabilidade. No segundo, porque o risco de que as garantias

estimulem o endividamento por parte de governos irresponsáveis não é um problema

para bancos centrais. O jeito correto de tratar do risco moral é impor regras que

constranjam os governos a não emitir dívida. Aos bancos centrais idealmente caberia

fornecer recursos apenas aos governos com problemas de liquidez. Ocorre que nem

sempre é fácil distinguir entre crises de liquidez e de solvência. De qualquer forma, o

melhor seria separar essas duas questões: o “fornecimento de liquidez deveria ser

executado por um banco central e a governabilidade do risco moral por outra instituição,

o supervisor [bancário]”. A conclusão lógica, neste caso é que a unificação política deve

avançar para que haja controle efetivo sobre os déficits e as dívidas governamentais (DE

GRAUWE, 2011: 5). No terceiro, porque sua intervenção comprando títulos públicos

aumenta a base monetária, mas não necessariamente o estoque de moeda. Em períodos

de crise financeira, esses dois agregados monetários se tornam desconectados e o

aumento da base monetária não implica, forçosamente, a aceleração dos preços.

A falta de autorização de o BCE atuar como emprestador de última instância nos

mercados de bônus governamentais é que estaria na raiz da criação do EFSF e de seu

sucessor ESM (European Stabilization Mechanism), previsto para 2013. O problema

com essas instituições, que dependem de recursos orçamentários para sua capitalização,

é que elas não têm a credibilidade para conter as forças do contágio. Mesmo que seus

recursos sejam dobrados ou triplicados, os mercados não ficarão satisfeitos. “Só um

banco central que pode criar montantes ilimitados de dinheiro pode fornecer tal

garantia” (DE GRAUWE, 2011: 5).

Veron (2011a: 1-2) afirma que a fragilidade do sistema bancário europeu

persiste desde 2007-2008, ao contrário do sistema financeiro americano, que resolveu

seus problemas em 2009. A incapacidade de suas autoridades levou a uma sequência de

interações entre as crises de dívida soberana e as crises bancárias, que se alimentaram

mutuamente. Para romper com esse círculo vicioso, ele propõe quatro pontos:

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federalismo fiscal na Zona Euro, que assegure as exigências da união monetária;

federalismo bancário, isto é, criar uma estrutura para a política bancária no nível

europeu; uma revisão das instituições da Zona Euro para dar suporte aos federalismos

fiscal e bancário; no curto prazo, enquanto não se completam os três pontos anteriores,

expandir instrumentos de intervenção no setor bancário. Essas medidas devem fornecer

recursos aos países ilíquidos e planos de reestruturação aos países insolventes.

Veron (2011b: 1-2) retoma a questão do federalismo bancário e apresenta

argumentos acerca de uma supervisão bancária que se aproxima de De Grauwe. Sua

crítica se dirige aos fortes e multifacetados laços que permanecem entre os sistemas

bancários nacionais e os Estados-membros da União Europeia. Esses laços estariam no

centro da dinâmica de contágio e impedem a emergência de um mercado financeiro

europeu realmente unificado. Eles precisam ser cortados e substituídos por uma

estrutura supranacional com credibilidade para conduzir a política bancária. Embora

uma Autoridade Bancária Europeia (EBA, na sigla em inglês) tenha sido formalmente

estabelecida em 24 de novembro de 2010, é preciso dar a ela autoridade de resolução e

supervisão sobre todas as instituições de crédito e os países-membros precisam

concordar em desmantelar todos os mecanismos que impedem fusões além das

fronteiras nacionais, de modo que a consolidação regional possa avançar. Esse último

ponto é polêmico, ainda que vários países da Europa Central e do Leste e, também, a

Bélgica e Finlândia já tenham cortado os vínculos com seus sistemas bancários por

meio de sua venda a grupos estrangeiros. A maior parte dos países da Europa Ocidental,

porém, continua se opondo à internacionalização de seus bancos, “em aparente negação

do risco moral que essa proteção cria”.

George Soros (2011: A15) propôs algumas medidas, na mesma chave destacada

pela The Economist, em que se devem separar os insolventes dos ilíquidos. Os

insolventes – Grécia, Portugal e, talvez, Irlanda – podem sair do euro, em algum

momento. É preciso uma preparação para essa hipótese, de modo a evitar um colapso

financeiro da Zona Euro: os depósitos bancários precisam ser protegidos; alguns bancos

em países inadimplentes têm de ser mantidos em funcionamento para evitar colapso

econômico; o sistema bancário europeu tem de ser recapitalizado e colocado sob

supervisão europeia e não nacional; e os títulos governamentais emitidos por outros

países da Zona Euro têm de ser protegidos do contágio. Um programa dessa natureza é

muito caro, de forma que só se tornaria possível com um novo tratado que

transformasse o EFSF em um Tesouro propriamente dito. O pressuposto para implantar

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27

essas medidas é, aparentemente, insuperável: convencer a opinião pública alemã de que

não existe a opção entre dar e não dar apoio ao euro. “Esse é um erro grave. O euro

existe e os ativos e passivos do sistema financeiro mundial estão tão mesclados em

função da moeda comum que seu colapso poderia causar uma implosão além da

capacidade das autoridades alemãs – ou de qualquer outra – de contê-la”.

Belluzzo (2011: A13) concordou com Soros. Enquanto as autoridades europeias

não se entenderem a respeito da criação de um Tesouro comum, três providências

deveriam ser tomadas para acalmar os mercados: “1) os bancos seriam colocados sob a

direção do Banco Central Europeu (BCE) em troca de garantias temporárias e

permanente capitalização; 2) o BCE obrigaria os bancos a manter as linhas de crédito e

os empréstimos existentes; 3) o BCE permitiria o refinanciamento temporário a baixo

custo de países como Espanha e Itália”. Para ele, “a crise da dívida soberana europeia é,

sobretudo, uma crise grave do sistema bancário europeu, com reverberação nos bancos

americanos”.

Nouriel Roubini (2011: B7), finalmente, coloca a questão em termos de

recuperação da produtividade da periferia da Zona Euro. Seu diagnóstico baseia-se no

histórico de desequilíbrios externos dentro da região. De um lado, estariam países

gastadores (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha), cujo consumo superou sua

renda e que acumularam déficits em conta corrente crescentes. O núcleo da Zona Euro,

formado por países poupadores (Alemanha, Holanda, Áustria e França) acumulou

superávits externos crescentes. Além disso, o euro se fortaleceu muito depois de 2002 e,

para enfrentar a competitividade externa, particularmente chinesa, o custo da mão de

obra na Alemanha cresceu menos que a produtividade, ao contrário do ocorrido na

periferia, onde o custo da mão de obra subiu.

A saída para esse impasse passaria por uma “reflação simétrica” para restaurar o

crescimento e a competitividade da periferia. Entenda-se por esta expressão uma

inversão das tendências históricas, por meio de compras crescentes de produtos dos

países deficitários pelos países superavitários. As propostas de Roubini passam,

também, por um relaxamento significativo da política monetária do BCE; por apoio

institucional a economias que enfrentem falta de liquidez, mas não sejam insolventes;

por uma considerável desvalorização do euro, que permita transformar os déficits em

conta corrente em superávits; e em medidas de estímulo fiscal nos países centrais que

compensem a austeridade imposta à periferia.

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28

Como o euro é uma moeda flutuante, a forma mais viável para conseguir a sua

desvalorização passa, exatamente, por monetização expressiva por parte do BCE, o que

faz parte das propostas de Roubini.

2.1. Sobraram saídas para a Zona Euro?

O segundo semestre de 2011 tornou claro que há, pelo menos, quatro diferentes

tipos de problema a enfrentar. Há um problema nas contas públicas de países

insolventes e de países ilíquidos, o que facilita que os mercados ataquem os títulos de

dívida soberana da Itália e Espanha, respingando nos países mais estáveis, até mesmo

nos “sacrossantos” bunds alemães. Há uma crise no sistema financeiro europeu, que

precisa acelerar o processo de desalavancagem. Os mesmos mercados atacam os papeis

de bancos europeus, cujas estruturas de financiamento os tornam muito maiores que os

americanos, em termos relativos ao tamanho de seus produtos internos brutos. Há um

problema monetário, porque o BCE tem limites a sua função de emprestador de última

instância. Há um problema de desequilíbrio cambial, que não permite aos países

periféricos reencontrar níveis adequados de competitividade.

No primeiro caso, parece prematura a busca de equilíbrio fiscal. O ponto central

da solução da crise deveria ser colocado na manutenção de gastos que sustentassem o

nível da atividade econômica, como ocorreu em 2009. Um relaxamento das políticas

fiscais, com abandono dos programas de austeridade, não parece possível por conta da

visão dominante nas economias mais fortes da Zona Euro. A crise da dívida soberana

levou-as a contraírem seus gastos e a se comprometerem com as metas definidas pelo

Tratado de Maastrich (1992) para déficit e dívida pública. Nessa altura, é bom registrar

que essas metas somadas ao foco unidirecional do BCE no controle inflacionário e fatos

estruturais, como o envelhecimento da população, que sobrecarrega os sistemas de

pensão, e rigidezes nos mercado de trabalho, acabaram por impor um viés

anticrescimento na Zona Euro, de acordo com Cohen (2011: 8).

É possível, também, que essa decisão tenha sido influenciada pelas evidências

coletadas por Reinhart e Rogoff (2011: 1676-1706), que afirmam que aumentos de

dívida externa antecedem crises bancárias e que estas precedem crises de dívida

soberana. Eles argumentam que, em larga medida devido ao colapso das receitas, a

razão dívida pública/PIB sobe até por volta de 86% nos três anos que se seguem a uma

crise financeira sistêmica, colocando-se no estágio de sofrer reduções em suas notas de

classificação de risco ou, no caso mais extremo, suspender pagamentos (default).

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Não se deve negar as enormes dificuldades que as economias avançadas

enfrentam. O déficit nominal como proporção do PIB previsto para 2011 é de 6,2% na

Zona Euro, 10% nos Estados Unidos, 9,3% no Reino Unido e 8,9% no Japão. A razão

percentual dívida/PIB no Japão atingiu 183,5%, em 2009. Em 2010, ela foi de 183,5%

no Reino Unido e de 85,4% na Zona Euro (estimada em 88%, em 2011). Nos Estados

Unidos foi de 61,3%, mas a S&P (05.08.2011) rebaixou sua classificação de longo

prazo diante de riscos políticos e de crescente carga da dívida. A estimativa da agência é

que a dívida líquida do governo geral americano será de 74% em 2011, 79% em 2015 e

85% até 2021. Pode-se, no entanto, afirmar que fosse a Zona Euro constituída como

uma união fiscal, sua situação não seria dramática frente às demais economias

avançadas, como querem as forças do mercado. Em outras palavras, Estados Unidos,

Japão e Reino Unido não estão enfrentando o mesmo tipo de ataque especulativo, por

serem estados federados, que tomam crédito em suas próprias moedas.

Esvaziado o discurso do estímulo ao crescimento, a região apresenta indicadores

econômicos que apontam para recessão em 2012 e baixo crescimento depois do

próximo ano (tabela 15). Restrições fiscais limitam novos aportes ao EFSF, que surgiu

como uma alternativa à expansão monetária, mas cujos recursos estão muito aquém das

necessidades de rolagem de dívidas soberanas de longo prazo. Elevar os € 440 bilhões

para € 1 trilhão, como anunciado pelo G-20 na Cúpula de Cannes em novembro de 2011

é mera retórica, porque implicaria aumento das razões percentuais dívida/PIB para bem

além das metas que os países-membros da Zona Euro querem cumprir. O FMI também

não dispõe de margem suficiente de manobra, porque nada foi decidido nesse sentido

naquela Cúpula. Com isso, após os programas de socorro para os países periféricos

insolventes, fica difícil esperar novos estímulos fiscais, por meio do EFSF.

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TABELA 15

INDICADORES ECONÔMICOS

ALEMANHA unidade 2008 2009 2010 2011p 2012e 2013e

PIB real var % anual 1,1 -5,1 3,7 2,9 0,8 1,5

taxa de desemprego var % anual 7,5 7,8 7,1 6,1 5,9 5,8

IPC harmonizado var % anual 2,8 0,2 1,2 2,4 1,7 1,8

saldo em conta corrente % PIB 6,2 5,8 5,8 5,1 4,4 4,2

resultado governo geral % PIB -0,1 -3,2 -4,3 -1,3 -1,0 -0,7

dív.bruta do gov.geral % PIB 66,7 74,4 83,2 81,7 81,2 79,9

FRANÇA unidade 2008 2009 2010 2011p 2012e 2013e

PIB real var % anual -0,1 -2,7 1,5 1,6 0,6 1,4

taxa de desemprego var % anual 7,8 9,5 9,8 9,8 10,0 10,1

IPC harmonizado var % anual 3,2 0,1 1,7 2,2 1,5 1,4

saldo em conta corrente % PIB -1,9 -2,1 -2,2 -3,2 -3,3 -3,0

resultado governo geral % PIB -3,3 -7,5 -7,1 -5,8 -5,3 -5,1

dív.bruta do gov.geral % PIB 68,2 79,0 82,3 85,4 89,2 91,7

ITÁLIA unidade 2008 2009 2010 2011p 2012e 2013e

PIB real var % anual -1,2 -5,1 1,5 0,5 0,1 0,7

taxa de desemprego var % anual 6,7 7,8 8,4 8,1 8,2 8,2

IPC harmonizado var % anual 3,5 0,8 1,6 2,7 2,0 1,9

saldo em conta corrente % PIB -2,9 -2,0 -3,5 -3,6 -3,0 -2,3

resultado governo geral % PIB -2,7 -5,4 -4,6 -4,0 -2,3 -1,2

dív.bruta do gov.geral % PIB 105,8 115,5 118,4 120,5 120,5 118,7

ESPANHA unidade 2008 2009 2010 2011p 2012e 2013e

PIB real var % anual 0,9 -3,7 -0,1 0,7 0,7 1,4

IPC harmonizado var % anual 4,1 -0,2 2,0 3,0 1,1 1,3

saldo em conta corrente % PIB -9,6 -5,1 -4,5 -3,4 -3,0 -3,0

resultado governo geral % PIB -4,5 -11,2 -9,3 -6,6 -5,9 -5,3

dív.bruta do gov.geral % PIB 40,1 53,8 61,0 69,6 73,8 78,0

GRÉCIA unidade 2008 2009 2010 2011p 2012e 2013e

PIB real var % anual -0,2 -3,2 -3,5 -5,5 -2,8 0,7

taxa de desemprego var % anual 7,7 9,5 12,6 16,6 18,4 18,4

IPC harmonizado var % anual 4,2 1,3 4,7 3,0 0,8 0,8

saldo em conta corrente % PIB -17,9 -14,3 -12,3 -9,9 -5,4 -4,4

resultado governo geral % PIB -9,8 -15,8 -10,6 -8,9 -7,0 -6,8

dív.bruta do gov.geral % PIB 113,0 129,3 144,9 162,8 198,3 198,5

IRLANDA unidade 2008 2009 2010 2011p 2012e 2013e

PIB real var % anual -3,0 -7,0 -0,4 1,1 1,1 2,3

IPC harmonizado var % anual 3,1 -1,7 -1,6 1,1 0,7 1,2

saldo em conta corrente % PIB -5,6 -2,9 0,5 0,7 1,5 1,8

resultado governo geral % PIB -7,3 -14,2 -31,3 -10,3 -8,6 -7,8

dív.bruta do gov.geral % PIB 44,3 65,2 94,9 108,1 117,5 121,1

PORTUGAL unidade 2008 2009 2010 2011p 2012e 2013e

PIB real var % anual 0,0 -2,5 1,4 -1,9 -3,0 1,1

taxa de desemprego var % anual 8,5 10,6 12,0 12,6 13,6 13,7

IPC harmonizado var % anual 2,7 -0,9 1,4 3,5 3,0 1,5

saldo em conta corrente % PIB -12,6 -10,8 -9,7 -7,6 -5,0 -3,8

resultado governo geral % PIB -3,6 -10,1 -9,8 -5,8 -4,5 -3,2

dív.bruta do gov.geral % PIB 71,6 83,0 93,3 101,6 111,0 112,1

ZONA EURO unidade 2008 2009 2010 2011p 2012e 2013e

PIB real var % anual 0,4 -4,2 1,9 1,5 0,5 1,3

taxa de desemprego var % anual 7,6 9,6 10,1 10,0 10,1 10,0

IPC harmonizado var % anual 3,3 0,3 1,6 2,6 1,7 1,6

saldo em conta corrente % PIB -1,5 -0,3 -0,4 -0,6 -0,5 -0,3

resultado governo geral % PIB -2,1 -6,4 -6,2 -4,1 -3,4 -3,0

dív.bruta do gov.geral % PIB 70,1 79,8 85,6 88 90,4 90,9

fonte: European Economic Forecast - Autumn 2011, European Economy 6:2011 (provisional version)

No segundo caso, crise bancária, observa-se que, pressionados pelas autoridades

reguladoras, os bancos procuram contornar as necessidades de capitalização, que

implicariam aportes de capital num momento em que o valor de suas ações está

deprimido, por meio da venda de ativos problemáticos. Para enfrentar situações como

essas, os depósitos bancários precisariam ser protegidos e bancos em países

inadimplentes teriam de ser mantidos em funcionamento para evitar colapso econômico,

como propôs Soros (2011: A15). Na mesma chave, valem as propostas de Belluzzo

(2011: A13), para quem deveria haver um acordo entre autoridade monetária e bancos.

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Estes ficariam subordinados ao BCE, que lhes daria garantias temporárias e de

permanente capitalização, além de refinanciamento temporário a baixo custo a países

com problemas de liquidez. Em troca dessa ampla cobertura, os bancos seriam forçados

a manter as linhas de crédito e os empréstimos existentes.

No longo prazo, é consenso que a salvação da Zona Euro depende de caminhar

no rumo de uma “federalização” das políticas econômicas. Aproveitando esse consenso

de avanços na integração regional, o problema dos bancos europeus deveria receber o

mesmo tratamento. Estruturalmente, faz sentido a crítica de Veron (2011”a” e “b”) de

que, a par de um federalismo fiscal, deveria ser buscado um federalismo bancário, com

a extinção dos laços existentes entre os principais sistemas bancários - como o alemão,

o francês e o italiano - e os respectivos Estados nacionais, representados pelo bancos

centrais nacionais. Um exemplo desses laços está nas tentativas de alguns governos da

região em rolar seus títulos de dívida junto a seus bancos e no aumento em curso dos

empréstimos feitos pelos bancos domésticos a governos locais e nacionais. A

regulamentação que impede fusões além das fronteiras nacionais deveria ser

desmantelada para que pudesse existir um sistema financeiro verdadeiramente

unificado. Além disso, os bancos europeus deveriam ficar subordinados a uma única

autoridade bancária supranacional, a já existente Autoridade Bancária Europeia (EBA),

cujos poderes seriam reforçados.

No terceiro caso, o trato da questão monetária tem sido o de mais difícil

enfrentamento. Muito embora o BCE esteja atuando na monetização das dívidas

soberanas e no aumento de liquidez do sistema bancário, ele não consegue dar garantias

ilimitadas a esses segmentos ou ao EFSF. A Alemanha resiste aos clamores para que

seja usada política monetária expansionista pelo BCE e não aceita a emissão de um

eurobônus, que seja garantido por todos os países da região5. Sua receita para o curto

prazo é a de exigir que os países insolventes, como a Grécia, cumpram rigorosamente os

planos aprovados de reestruturação de dívida e os ilíquidos, como a Itália, aprovem

medidas fiscais internas que recomponham a credibilidade externa junto aos

investidores. No longo prazo, ela propõe maior unificação fiscal, de modo a restringir

gastos “irresponsáveis”, que impedem a disciplina das políticas econômicas.

5 Segundo Cohen (2011:12), a crise de 2008 poupou a Europa da especulação nos mercados de moedas,

mas os mercados desviaram sua atenção para os títulos de dívida soberana, atacando os países-membros

mais fracos, isto é, a periferia da Zona Euro. Se tivesse havido um eurobônus, apoiado pelo crédito da

parceria coletiva, isto é, se os mercados de dívida pública tivessem sido unificados desde o começo, a

periferia não teria sido submetida a esses ataques.

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No último caso, desequilíbrio cambial, Roubini (2011: B7) propõe uma

“reflação simétrica” aos países da Zona Euro. No passado, “países gastadores”

apresentaram desequilíbrios externos para “países poupadores”, notadamente por conta

de suas perdas de competitividade. No momento atual, essa equação deveria ser

invertida com apoio dos países superavitários aos deficitários e com expressivo

relaxamento da política monetária do BCE. O objetivo seria o de recuperar a

competitividade dos países periféricos, o que só pode ser conseguido com

desvalorização da moeda regional. Como o euro é uma moeda flutuante, sua

desvalorização só pode se dar por monetização expressiva por parte do BCE. Para De

Grauwe (2011: 5), os impactos inflacionários daí decorrentes são incertos e, mesmo que

sejam significativos, eles teriam impacto menor que a atual situação de paralisia, que

pode levar à ruptura da Zona Euro.

Note-se que, entre novembro de 2008 e outubro de 2011, o euro apresentou

grande volatilidade, mas sua valorização real média mensal foi de somente 1,8%, com

relação ao dólar: desvalorização real média de 1,3% entre os períodos nov08-out09 e

nov09-out10, mas valorização real média mensal de 3,2% entre os períodos nov09-

out10 e nov10-out11. O gráfico 1 mostra que o euro estava relativamente desvalorizado

em novembro de 2008, quando a crise afetava fortemente o dólar. A reação dos

mercados foi a de valorizá-lo ao longo do ano de 2009, quando a moeda europeia

atingiu um pico em novembro. O advento da crise grega trouxe nova desvalorização

com o vale sendo atingido em junho de 2010. Nova valorização se seguiu com pico em

abril de 2011, antes que a crise atual estivesse clara. Depois, nova tendência baixista.

1,2732

1,4914

1,2209

1,4455

1,3712

1,1000

1,1500

1,2000

1,2500

1,3000

1,3500

1,4000

1,4500

1,5000

nov/08 dez

jan/09 fev

mar abr

mai

jun jul

ago

set

out

nov

dez

jan/10 fev

mar abr

mai

jun jul

ago

set

out

nov

dez

jan/11 fev

mar abr

mai

jun jul

ago

set

out

nov

Gráfico 1Taxa de Câmbio Média Nominal

Euro/USD

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A “reflação simétrica” de Roubini parece estar muito distante de se tornar viável,

assim como a desvalorização do euro é só uma hipótese, embora não descartável. Se a

Europa tiver de, contra a vontade de suas economias centrais, monetizar

significativamente a região, é possível que o euro caia a ponto de recuperar parte da

competitividade da região, ainda que tenha de aceitar um “período inflacionário”.

Restam portas abertas? Aparentemente não, ao menos no estímulo ao

crescimento, no combate aos desequilíbrios cambiais e nas políticas fiscais. O caminho

mais viável, talvez o único, parece ser o das políticas monetárias. Foi por ele que, no

último dia de novembro, os bancos centrais da Europa, Estados Unidos, Japão, Suíça,

Inglaterra e Canadá se comprometeram a garantir a liquidez em dólares na Europa, uma

evidência de que a tensão nos mercados financeiros está próxima de seu limite

(VALOR, 01.12.2011: C1).

Por isso tudo, dar por acabado um texto como esse seria uma temeridade. Se, a

cada dia, chovem as mais desencontradas especulações a respeito do futuro da Europa, o

melhor é buscar refúgio em quem mantém um olho na História. Greeley (2011: A11),

por exemplo, enfatizou a busca da paz como objetivo da construção da União Europeia,

que foi atingida por meio de um espírito de solidariedade que parece ter-se perdido com

o passar dos anos. Na mesma linha, Fiori (2011: A15) ressaltou a perda de valores, de

“intangíveis” na sua expressão. Chegou-se ao ponto em que valores parecem nada mais

representar e que mercados tudo podem. E os mercados restringem o crédito,

ameaçando reviver 2008, aumentam os rendimentos exigidos das instituições em crise,

bloqueiam avanços a práticas desregulamentadoras e mudam governos.

Por esse prisma, que envolve governos carentes de liderança e democracias

apequenadas pela relativa marginalização política de boa parte de seus povos, a União

Europeia parece destinada a acabar. Difícil imaginar retorno à solidariedade perdida

entre periferia e “Povos do Norte”. É mais fácil pensar em ressentimentos,

estranhamentos, em todo um passado que a integração pretendeu superar. É possível,

entretanto, que o fim da União não seja decretado, ainda que membros possam ser

amputados. Não importa; grande parte do mau já foi feito. Provavelmente, muitos anos

passarão até que Zona Euro possa reencontrar caminhos evolutivos consentâneos com a

proposta original de uma União Europeia. Por ora, o que fica é a certeza de que grandes

projetos, como a afirmação do euro como moeda alternativa ao dólar, foram postergados

para as calendas. Mau sinal!

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34

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