A crise da zona euro e o sistema financeiro europeu · A crise da Zona Euro e o sistema financeiro...
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A crise da Zona Euro e o sistema financeiro europeu1
Luiz Afonso Simoens da Silva¹
Introdução
Por alguns momentos, após o dia 21 de julho de 2011, pareceu que tinha havido
avanços na questão da periferia da Zona Euro, particularmente na Grécia. Na reunião
dos líderes europeus na Cúpula de Bruxelas daquela data, foi aprovado um pacote
multilateral de socorro financeiro para a Grécia da ordem de € 159 bilhões, que
envolveu empréstimos da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional (FMI),
promessas de privatizações e de renegociação de dívida com os bancos privados. A
Cúpula também prorrogou o vencimento dos empréstimos da Grécia, Irlanda e Portugal
e reduziu as taxas de juros cobradas para aliviar o serviço de suas dívidas.
Mais importante, ao reconhecer que o problema grego era de insolvência, não de
liquidez, os chefes de Estado da região apoiaram o retorno ao crescimento econômico e
garantiram que mesmo que a classificação dos títulos do governo grego passasse a ser
de inadimplência seletiva, os bancos do país não perderiam seu acesso à liquidez2.
Alemães e franceses se imaginaram cada um o responsável pelo que parecia ser
uma vitória contra os mercados. Os franceses, porque o Fundo Europeu de Estabilização
Financeira (EFSF, na sigla em inglês) deixou de ser um instrumento transitório e se
transformou num mecanismo permanente de socorro aos países-membros, passando a
ter acesso a recursos expressivos e ampliando seu poder de intervenção nos mercados de
títulos. Com isso, o EFSF poderia usar esses recursos para proteger os sistemas
bancários em risco de colapso e comprar os títulos dos países problemáticos. Os
alemães, porque impuseram maior centralização fiscal e aprovaram a participação de
investidores privados nos custos do resgate.
E, no entanto, os meses subsequentes se encarregaram de colocar lenha numa
fogueira que se pretendia extinguir. O que se tem visto são os rebaixamentos das
classificações de risco dos papéis das dívidas espanhola e italiana, ameaça de fazer o
mesmo com os papéis da França e dos principais bancos franceses e alemães. Como
consequência, o montante de recursos aprovado para o EFSF, € 440 bilhões, parece ter
ficado pequeno. Em 13 de outubro, cerca de dois meses e meio após a Cúpula de
1 Bolsista do PNPD/Ipea. Trabalho entregue com informações disponíveis até novembro de 2011.
2 Ver Silva (2011:9-10)
2
Bruxelas, a Eslováquia se tornou o último país a aprovar o pacote financeiro, tornando
unânime a decisão. Antes disso, em agosto, o mercado começou a exigir sua escalada
para inimagináveis € 2/3 trilhões.
O centro da discussão está, indubitavelmente, numa queda de braços entre os
governos centrais da Zona Euro e os mercados. Uma síntese de suas diferenças está no
que alguns analistas de mercado têm chamado de loop reverso, o círculo executado
pelos acrobatas aéreos: a crise financeira obrigou os Estados nacionais a aportarem
recursos gigantescos nos sistemas bancários privados, em 2008-2009. De 2010 em
diante, as preocupações monetárias começaram a ser substituídas por temores fiscais: as
economias avançadas dos Estados Unidos e Europa começaram a mostrar um aumento
importante do endividamento público em relação ao PIB e a exibir déficits
orçamentários crescentes. A expectativa, ainda assim, era de que o esforço público seria
capaz de impedir uma recessão grave na economia mundial.
Em 2011, problemas entre os partidos políticos americanos, a agudização da
crise europeia e uma eventual desaceleração da economia chinesa, por conta de
aceleração inflacionária e desequilíbrios no sistema financeiro doméstico, reverteram as
expectativas dos mercados. Estes passaram a acreditar num longo período futuro de
baixo crescimento e que os elevados déficits fiscais se converteram em crise de dívida
soberana. Numa situação em que as nações da Zona Euro estão - prematuramente,
segundo seus críticos - se comprometendo a baixar seus déficits para, no máximo, 3%
dos produtos nacionais, não haveria mais espaço para socorrer bancos e Estados falidos.
Em síntese: crise financeira gerou crise de dívida soberana, cujos Estados nacionais são
chamados, de novo, a socorrer os sistemas financeiros. O loop reverso se completa ou
não se completa por falta de potência nos motores?
O objetivo deste texto é tentar responder a algumas perguntas: afinal, por que a
crise bancária na Zona Euro se agravou? Qual o tamanho do problema, isto é, faltam
recursos para enfrentar a crise? Por que a demora em agir das autoridades europeias? Há
diferenças entre os sistemas financeiros dos Estados Unidos e da Europa? O que fazer?
Sobraram saídas para a Zona Euro?
1. Por que a crise bancária na Zona Euro se agravou no 2º semestre de 2011?
Até o primeiro semestre de 2011, embora a imprensa internacional já falasse da
situação de outras economias periféricas da União Europeia e do próprio sistema
bancário europeu, o foco estava na Grécia que, a despeito de ter assinado um Stand-by
Arrangement com o FMI, era por muitos considerada “a bola da vez”.
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No início do segundo semestre, em julho de 2011, o FMI fez a 4ª. Revisão do
Stand-by Arrangement com a Grécia (IMF Report nº 11/175), que destacava alguns
indicadores macroeconômicos daquele país. A tabela 1 mostra que, à medida que novas
revisões foram feitas, os indicadores pioraram. O PIB e o investimento do país caem a
taxas maiores que as esperadas, o déficit público continua em patamares muito elevados
e persiste o déficit primário, quando o programa depende da geração de um superávit
primário que permita à Grécia honrar sua dívida. A dívida do governo central cresce e
as contas externas continuam fora de controle.
Pior que isso: dados trimestrais levantados pela Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OECD) apontam para números distintos3. A projeção
para o PIB, por exemplo, é de queda de 5,5% para 2011, que é muito superior aos 3,9%
projetados pelo FMI. Isso diminui a possibilidade de que a Grécia consiga cumprir uma
queda do déficit público de 10,4% para 7,6% no ano. A taxa de desemprego anual, em
julho de 2011, estava em 17,6%, superior aos 15,8% projetados pelo FMI para o ano. A
inflação, acumulada em 12 meses em outubro, estava em linha com o projetado pelo
FMI. A taxa de investimento deve diminuir 8,8% no ano. Não é surpreendente a
crescente pressão que os mercados exercem sobre o país.
TABELA 1
INDICADORES SELECIONADOS DA GRÉCIA
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2011 2011
programado¹ programado² projetado²
Taxa de crescimento real PIB % ao ano 5,2 4,3 1,0 -2,0 -4,5 -2,6 -3,0 -3,9
inflação (CPI médio) % ao ano 3,3 3 4,2 1,3 4,7 -0,4 2,4 2,9
Investimento (FBCF) % ao ano 10,6 5,5 -7,5 -11,2 -16,5 -11,8 -7,5 -8,8
Taxa de desemprego % 8,9 8,3 7,7 9,4 12,5 14,6 14,8 15,8
dívida governo central % do PIB 106 105 111 127 143 145 153 166
déficit público (emprést.publ.gov) % do PIB 6,1 6,7 9,8 15,5 10,4 7,6 7,5 7,6
Déficit primário % do PIB 1,5 2,0 4,8 10,3 4,9 -0,9 0,9 0,8
Déficit em conta corrente % do PIB 11,2 14,4 14,7 11,0 10,4 7,1 8,2 8,2
¹/programado na 3a. Revisão do SBA, em março de 2011.
²/ programado na 4a. Revisão do SBA, em julho de 2011.
fontes: Stand-by Arrangements, 3a e 4a Revisões do SBA, de março e julho de 2011.
Em agosto de 2011, começaram a vazar análises do FMI acerca da situação dos
bancos europeus, o que provocou acalorado debate entre a instituição e autoridades
nacionais da Zona Euro e do Banco Central Europeu (BCE). O presidente do BCE,
Claude Trichet (30.08.11: A15), afirmou que testes de estresse revelaram que falharam
apenas oito de noventa bancos europeus - cinco espanhóis, dois gregos e um austríaco -,
por terem menos de 5% de capital de melhor nível.
3 Indicadores colhidos no site da Eurostat em 21.11.2011.
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Em setembro de 2011, quando os bancos já paravam de conceder créditos entre
si, saiu a publicação semestral Global Financial Stability Report, onde o Fundo usou as
cotações dos swaps de risco de crédito (Credit Default Swaps- CDS) para estimar a
perda de valor de mercado dos títulos dos governos da Grécia, Irlanda, Portugal,
Espanha, Itália e Bélgica (FMI/GFSR, set.11: IX). No seu entendimento, a marcação a
mercado dos títulos soberanos dos governos da região teriam rebatimentos importantes
no capital dos bancos europeus, que detêm volumes significativos desses bônus. Como
consequência, o capital desses bancos se reduziria em cerca de € 200 bilhões (US$ 287
bilhões) equivalentes a algo entre 10% e 12% do total. Se a esse montante fossem
somadas as exposições no crédito interbancário, o aumento de capital teria de chegar a €
300 bilhões (US$ 430 bilhões). Em entrevista à revista Der Spiegel (06.09.11),
Christine Lagarde, diretora-gerente do FMI, sugeriu recapitalização bancária,
consolidação fiscal e medidas intensivas de crescimento, ainda que sem explicitar a
forma de compatibilizar tais metas.
Autoridades europeias, governos e BCE, contestaram a abordagem do FMI.
Elena Salgado, ministra das Finanças da Espanha, por exemplo, considerou o FMI
errado em registrar somente prejuízos potenciais, “sem levar em conta os ‘bunds’
alemães, que subiram de preço, existentes em suas carteiras de ativos”. Essa seria a
segunda vez que o FMI teria usado uma metodologia errada. Salgado referia-se ao
relatório de outubro de 2009, “que estimava que os bancos da zona do euro tinham
depreciado apenas US$ 347 bilhões dos US$ 814 bilhões em prováveis prejuízos
decorrentes da crise financeira”. Posteriormente, o Fundo teria revisado os números,
reduzindo-os em 25%, segundo o jornal Valor Econômico (01.09.2011: C2). A tabela 3
adiante, elaborada com base nos relatórios de maio e outubro de 2010, traz números
bastante próximos dos alegados pela ministra espanhola.
É, possivelmente, verdade que a marcação a mercado magnifique as perdas
bancárias, por serem feitas muitas vezes em cima de estimativas de hedge funds. Apesar
das discussões metodológicas, o Global Financial Stability Report do FMI tem sido a
principal publicação a acompanhar e medir os riscos sistêmicos decorrentes da crise
financeira desde 2007 e, consequentemente, tem estimado os potenciais cancelamentos
de créditos “podres” e o esforço necessário de capitalização do sistema financeiro para
diminuir a alavancagem dos bancos.
As estimativas de prejuízos com créditos “podres” no sistema financeiro
americano, feitas pelo FMI, pioraram ao longo do tempo: em abril de 2008, as perdas
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totais seriam de US$ 945 bilhões nos empréstimos e securitizações, no período 2007-
2010; seis meses depois, em outubro de 2008, suas estimativas de cancelamentos (write-
offs) resultantes dessas perdas subiram para U$ 1.405 bilhões; um ano depois, em abril
de 2009, alcançaram US$ 2.712 bilhões. A incorporação dos dados de Europa e Japão
fez com que as perdas totais estimadas subissem para US$ 4.054 bilhões, com os
Estados Unidos respondendo por 67% delas, a Europa por 29% e o Japão por 4%
(tabela 2).
ESTIMATIVAS DE POTENCIAIS CANCELAMENTOS - 2007-2010
posição em abril de 2009
US$ bilhões
em aberto out.08 abr.09 bancos segurad outras¹ % em aberto % do tot
Estados Unidos
empréstimos 13.507 425 1.068 601 53 414 7,9
títulos 13.047 980 1.644 1.002 164 477 12,6
subtotal1 26.554 1.405 2.712 1.603 217 891 10,2 67
Europa
empréstimos 20.759 nd 888 551 44 292 4,3
títulos 3.048 nd 305 186 31 89 10,0
subtotal2 23.807 nd 1.193 737 75 381 5,0 29
Japão
empréstimos 6.569 nd 131 118 7 7 2,0
títulos 789 nd 18 12 2 5 2,3
subtotal3 7.358 nd 149 130 9 12 2,0 4
total (1+2+3) 57.719 nd 4.054 2.470 301 1.284 7,0 100
Percentagem do total de perdas 61 7 32
estim.cancel.de bancos de merc.maduros
em ativos de merc.emergentes 340
potenciais cancel de bcos merc maduros 2.810
¹/ Fannie Mae, Freddie Mac, hedge funds, fundos de pensão e outras instituições financeiras não bancárias.
fonte: Global Financial Stability Report, FMI, abril de 2009: 28
Os bancos respondiam por perdas estimadas de US$ 2.470 bilhões (61% do
total); US$ 1.284 bilhões (32%) para os hedge funds, fundos de pensão e outras
instituições financeiras não bancárias, como a Fannie Mae e a Freddie Mac; e US$ 301
bilhões (7%) para as companhias seguradoras, sem contar com US$ 340 bilhões de
ativos tóxicos de mercados emergentes.
TABELA 3
NECESSIDADE DE CAPITALIZAÇÃO DOS BANCOS
US$ bilhões
EUA Euro area R.Unido Outros¹ Total
posição estimada de capital ao final de 2008:
- cancelamentos informados 510 154 110 70 844
- aumentos de capital 391 243 110 48 792
- perdas líquidas de capital 119 -89 0 22 52
Cenário de cancelamentos futuros 2009/10:
- cancelamentos esperados 550 750 200 125 1.625
- expectativa de lucros retidos 300 600 175 100 1.175
- perdas líquidas de capital 250 150 25 25 450
Exigências de capitalização
- cap.neces.para reduzir alavanc.p/25 vezes 275 375 125 100 875
- cap.neces.para reduzir alavanc.p/17 vezes 500 725 250 225 1.700
¹/ Dinamarca, Islândia, Noruega, Suécia e Suíça
fonte: Global Financial Stability Report, FMI, abril de 2009:34
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Do total de cancelamentos por perdas estimadas, US$ 2.810 bilhões (tabela 2),
os bancos já haviam cancelado cerca de US$ 844 bilhões ou 30%, ao final de 2008
(tabela 3). Os bancos americanos informaram cancelamentos de US$ 510 bilhões, mas
os aumentos de capital foram de somente US$ 391 bilhões, do que resultaram perdas
líquidas de capital de US$ 119 bilhões no seu segmento bancário. Na Zona Euro, teria
havido um ganho líquido na recapitalização bancária da ordem de US$ 89 bilhões. No
Reino Unido, nem ganhos nem perdas de capital. No total, o aumento de capital de US$
792 bilhões não foi suficiente para compensar esses cancelamentos, reduzindo a
capitalização dos bancos em US$ 52 bilhões. Para o período 2009-2010, eram esperadas
novas baixas de US$ 1.625 bilhões em ativos “podres”, por conta do processo de
desalavancagem, e uma expectativa de lucros retidos de US$ 1.175 bilhões, o que traria
nova descapitalização ao setor de mais US$ 450 bilhões.
Por conta disso, o FMI estimava que o capital extraordinário necessário para
reduzir a alavancagem do sistema para 25 vezes, consistente com um capital próprio da
ordem de 4% do total de ativos, exigiria uma injeção de US$ 875 bilhões (43% na
Europa, 31% nos Estados Unidos, 14% no Reino Unido e 11% em outros países
europeus). Se a redução da alavancagem fosse para 17 vezes, com um capital próprio de
cerca de 6% dos ativos, a capitalização adicional terá de ser de US$ 1.475 bilhões (43%
na Europa, 29% nos Estados Unidos, 15% no Reino Unido e 13% em outros países
europeus). Os bancos europeus já eram vistos como os mais descapitalizados, por seu
forte envolvimento com os países da Europa do Leste e com sua própria periferia.
TABELA 4
ESTIMATIVAS DE POTENCIAIS CANCELAMENTOS (EMPRÉSTIMOS E TÍTULOS) - 2007-2010
posição em outubro de 2010
US$ bilhões
estim.canc canc.real canc.adic. estim.canc.2010 % do total diferença
em out.09 (I) 2007Q2/10Q2 2010Q3/10Q4 em out.10 (II) de (II) (III)= (I)-(II)
Bancos dos Estados Unidos 1.025 709 170 879 40 146
Bancos do Reino Unido 604 375 57 432 20 173
Bancos da Área do Euro 813 472 158 630 28 183
Bancos de outros países da Europa¹ 201 82 74 156 7 45
Bancos da Ásia² 166 23 92 115 5 51
Total 2.809 1.661 551 2.212 100 597
¹/ Dinamarca, Noruega, Islândia, Suécia e Suíça.
²/ Austrália, Hong Kong, Japão, Nova Zelândia e Cingapura.
fonte: Global Financial Stability Report, FMI, maio e outubro de 2010.
Na revisão de abril de 2010, as estimativas de cancelamento recuaram, pela
primeira vez, para US$ 2,3 trilhões e na de outubro de 2010, para R$ 2,2 trilhões (tabela
4). Os números mostraram progresso na realização desses cancelamentos: 40% em
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bancos americanos, 28% em bancos da Zona Euro e 20% em bancos do Reino Unido. O
FMI (out.10, p. 13/15) informou que mais de três quartos dos cancelamentos já teriam
sido relatados, faltando apenas informar cancelamentos ou provisões adicionais de US$
551 bilhões, que deveriam ser feitas até o final de 2010.
O ajuste dos sistemas bancários não foi uniforme, porém. Nos Estados Unidos, a
maior fonte de recursos para capitalização veio de oferta pública de ações (63%) e de
capitais privados (23%), com recapitalização governamental de apenas 14%. Na
Europa, refletindo diferenças culturais marcadas, predominou o apoio governamental:
49% no Reino Unido e 53% na Zona Euro. A oferta pública de ações foi,
respectivamente, de 40% e 45%, restando 11% e 2% para outros capitais privados. Com
isso, a razão dos capitais de melhor qualidade, capital próprio do banco sobre os ativos
ponderados pelo risco, subiu nos Estados Unidos de 8,1%, em 2007, para 11%, em
2009; no Reino Unido, de 7,9% para 9,5%; e na Zona Euro, de 8,3% para 10,1%.
Apesar disso, o FMI já detectava um aumento de risco na Zona Euro, depois de
seu relatório de abril de 2010 (FMI/GFSR, out.2010 e set.2011). Apesar dos ajustes
fiscais empreendidos por economias vulneráveis da região, a confiança ainda não teria
sido restaurada e persistiam vulnerabilidades, particularmente ligadas aos riscos
soberanos e a solidez dos sistemas bancários. O transbordamento dos riscos soberanos
para o setor bancário foram amplificados por meio de uma rede de instituições
financeiras altamente interconectadas e alavancadas. Nos Estados Unidos,
desconfianças continuavam a cercar os balanços das companhias e mercados
imobiliários. Como consequência, desde abril de 2010 tem subido o custo da proteção
dada pelos Credit Default Swap (CDS) para as instituições financeiras. Como
consequência de suas vulnerabilidades, os balanços dos bancos permaneciam
fragilizados, particularmente com relação à maturidade de seus passivos. Como
resultado, mais de US$ 4 trilhões de dívida teriam de ser refinanciados nos próximos
dois anos, 2011-2012, mais de 40% dos quais na Zona Euro.
Esses temores se concretizaram com a recente eclosão da crise de dívida
soberana, que aumentou exponencialmente a volatilidade nos preços das ações do setor
bancário. Em setembro de 2011, as autoridades europeias aceleraram os planos de
recapitalização de 16 bancos quase reprovados em testes de estresse: 7 espanhóis, 2
alemães, 2 gregos, 2 portugueses, 1 italiano, 1 de Chipre e 1 da Eslovênia. Suas
proporções de capital próprio sobre ativos ponderados pelo risco giravam em torno de
5% a 6%, de acordo com Masters, Hollinger e Barker (2011: C3).
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Em outubro, o público tomou conhecimento de uma enorme sucessão de
instituições em situação de fragilidade financeira. Os bancos franceses BNP Paribas,
Société Générale e Crédit Agricole mostraram exposição de € 53 bilhões às dívidas
soberanas da Itália, Espanha, Grécia, Portugal e Irlanda. Por conta disso, a agência de
classificação de risco Moody’s ameaçou rebaixar a nota da dívida francesa, segundo o
jornal Valor Econômico (04.10.2011a: C8). Na Inglaterra, Lloyds, Santander UK, Royal
Bank of Scotland e mais nove bancos também expuseram fragilidade, assim como nove
bancos portugueses, aí incluído o Millenium BCP, de acordo com o jornal Folha de
S.Paulo (2011: A24). O Banco Dexia, de propriedade da Bélgica, França e Luxemburgo
sofreu profunda reestruturação, que passou pela venda do Banco Dexia Bélgica para o
governo belga por € 4 bilhões, uma vez que suas necessidades de curto prazo somavam
€ 96 bilhões, conforme o jornal Valor Econômico (04.10.2011b: C8).
Na sequência, foi a vez dos bancos espanhóis Santander, incluídos o Banesto e o
SCF de seu grupo, BBVA, Ibercaja, Kutxa, BBK, Sabadell, Bankinter, Caixabank e
Banco Popular. A S&P calculou de € 296 bilhões a € 313 bilhões em ativos
problemáticos, correspondentes a 16% do crédito ao setor privado espanhol antes da
crise. A Agência Fitch rebaixou a nota de seis bancos, sob a controversa alegação de
que “bancos não devem ser mais bem classificados que os países em que estão
domiciliados”, conforme o jornal Folha de São Paulo (12.10.11: A12). Por último a
agência Fitch rebaixou a nota dos títulos da dívida italiana e a S&P rebaixou a nota de
24 bancos italianos (FSP, 19.10.11: A16).
Em novembro de 2011, o governo espanhol injetou € 1 bilhão no pequeno banco
Valencia (VALOR, 22.11.2011: C10) e a agência S&P (29.11.2011), em comunicado à
imprensa, informou que reviu suas classificações de risco de 37 das maiores instituições
financeiras do mundo e de suas subsidiárias. Dentre elas, os maiores bancos dos Estados
Unidos (Bank of America, Citibank, Morgan Stanley, Mellon, Bank of New York e
Wells Fargo) tiveram notas rebaixadas, enquanto JP Morgan, Bear Stearn e Chase Bank
se mantiveram estáveis. Os bancos alemães Commerzbank, Eurohypo e Deutsche Bank
foram rebaixados, assim como os espanhóis BBVA, Santander e Español de Credito, os
italianos Nazionale del Lavoro e mais três, os japoneses Mizuho e Sumitomo e os suíços
Credit Suisse e UBS. Mantiveram-se estáveis os franceses BNP Paribas, Crédit
Agricole, Société Générale e Crédit du Nord, os ingleses Barclays, HSBC e Lloyds e os
holandeses Rabobank e ING. O Bank of China, os brasileiros Bradesco, Banco do
Brasil e Itaú e o mexicano Banamex também permaneceram com classificação estável.
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Em suma, as contas da Imprensa consultada, que não incluem bancos gregos e
irlandeses, listaram cerca de cem bancos com exposições de cerca de € 463 bilhões a
títulos de dívida soberana ou que tiveram rebaixadas suas notas junto às agências de
classificação de risco.
Em novembro de 2011, porém, os bancos se comprometeram a reduzir seus
ativos em mais de € 775 bilhões, cerca de US$ 1 trilhão, em dois anos, mas a
Autoridade Bancária Europeia (2011: 1-3), o órgão de supervisão bancária europeia,
quer que eles criem um colchão temporário de capital contra exposições em dívidas
soberanas e que estabeleçam outro colchão que permita uma relação de capital próprio
de maior qualidade de 9% até junho de 2012. Neste último caso, o montante estimado
para o volume de capital atingiu € 106,4 bilhões, com ênfase para bancos gregos (€ 30
bilhões), espanhóis (€ 26,2 bilhões), italianos (€ 14,8 bilhões), franceses (€ 8,8 bilhões),
portugueses (€ 7,8 bilhões) e belga (€ 4,1 bilhões), representativos de 86% do total.
O problema é que faltam compradores com capacidade para adquirir os ativos
dos bancos, o que os têm levado a financiarem essas compras. Isso leva a uma enorme
contradição com o propósito original de desalavancagem, porque simplesmente baixa
alguns créditos e aumenta outros, segundo Chassany, Packard e Callanam (2011: C2).
Além disso, como alguns governos da região estão enfrentando custos elevados no giro
de seus títulos, eles têm feito grande pressão para que seus próprios bancos os
comprem, enquanto em outros países têm aumentado muito os empréstimos feitos pelos
bancos domésticos a governos locais e nacionais, segundo Enrich, Muñoz e Kowsmann
(2011: C3).
Nesse mesmo mês, a cúpula do G-20, em Cannes, aprovou a lista de 29 bancos
grandes demais para quebrar, que precisam de reforço de capital para absorver eventuais
perdas: 8 nos Estados Unidos, 4 no Reino Unido, 4 na França, 3 no Japão, 2 na
Alemanha, 2 na Suíça e 1 em cada um dos países Bélgica, Espanha, Holanda, Suécia,
Itália e China (VALOR, 07.11.2011: C10).
1.1. Qual o tamanho do problema?
Sinn (2011:3-4) levantou o volume dos mecanismos de socorro à periferia da
Zona Euro estabelecido desde maio de 2010 (tabela 5). Entre maio de 2010 e junho de
2011, o montante teria alcançado € 816 bilhões, dos quais € 332 bilhões (41%) da União
Europeia, dos fundos de estabilização europeus e do FMI, e € 484 bilhões (59%) com
recursos do BCE. Nestes, está incluído o crédito interbancário automático, para
processamento em tempo real de transferências entre países da União Europeia, que
10
cresceu muito depois da crise. Em junho de 2011, Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha
haviam acumulado uma dívida de € 327 bilhões no interbancário, contra um crédito do
Banco Central Alemão (Bundesbank) de € 337 bilhões no mesmo mês4. No mês de
agosto de 2011, o Bundesbank teria feito novo empréstimo ao BCE de € 47 bilhões para
ser repassado a outros países europeus.
TABELA 5
OS FUNDOS DE SOCORRO EUROPEUS
€ bilhões
mai.10/jun.11 % do total potencial após % do total
acrésc. EFSF
Socorro à Grécia, Portugal e Irlanda¹ 332 41 420 25
Garantias (EFSF)² 0 0 780 46
Compras de bônus soberano pelo BCE 157 19 157 9
Passivos Target (apenas Port, Gr, Irl e Espanha)³ 327 40 327 19
Total 816 100 1.684 100
¹/ inclui 1º pacote à Grécia (FMI 30;U.E. 80; EFSF,EFSM 81), Portugal (EFSM e EFSF 78) e
Irlanda (EFSM e EFSF 63)
²/ supondo a expansão do EFSF definido em € 440 bilhões, em 21.07.11
³/ Trata-se do sistema interbancário de pagamentos para processamento em tempo real de transferências entre
países dentro da União Europeia.
fonte: Hans-Werner Sinn, "How to rescue the euro: Ten commandments", VOXeu.org, October 3, 2011.
As estimativas dos fundos de socorro de Sinn sobem a € 1.684 bilhões se os
mecanismos de resgate dos fundos de estabilização aumentarem para € 1.200 bilhões
(71%), que incluem garantias de novas emissões de bônus, mantendo-se inalteradas as
intervenções do BCE em € 484 bilhões (28%). Neste caso, as contribuições da
Alemanha e da França ascenderiam a € 469 bilhões (28%) e a € 324 bilhões (19%),
valores compatíveis com o peso de seus produtos internos brutos na Zona Euro. Para
tornar mais dramático o quadro, Sinn estima que se a Itália quebrar, Alemanha e França
terão de incorrer em passivos de € 522 bilhões e € 364 bilhões, respectivamente. Nesse
caso, seus índices de dívida/PIB subiriam para 103%, em ambos os casos. Para ele, “os
assim chamados programas de resgate podem, de fato, se transformar em canais
incendiários através dos quais o fogo pode se expandir e sufocar todos os orçamentos
públicos na Zona Euro”. Por isso, suas propostas envolvem proibição de novas compras
de bônus governamentais pelo BCE e pelo EFSF e por pagamento dos saldos negativos
no interbancário (Sinn, 2011:5-7).
4 John Whittaker (2011:1), da Lancaster University Management School, chegou a números parecidos
para a dívida intra-sistema europeu derivada de transações externas. Em dezembro de 2010, os passivos
de Irlanda (€ 146, bilhões), Grécia (€ 87,1 bilhões), Portugal (€ 59,9 bilhões) e Espanha (€50,9 bilhões)
somavam € 344 bilhões, representativos de 75% do total das dívidas dos bancos centrais nacionais com
relação ao BCE. Os créditos alemães atingiam a € 325,5 bilhões, os de Luxemburgo a € 68 bilhões e os da
Holanda a € 40,5 bilhões, somando € 434 bilhões (95% do total).
11
Outra abordagem parte do levantamento da dívida em circulação, com aberturas
por país e por prazo (tabela 6). Em agosto de 2011, a Zona Euro mostrava um estoque
de € 14.472 bilhões em títulos denominados em euro, 91% dos quais de longo prazo
(46% por instituições financeiras bancárias e não bancárias) e 9% de curto prazo. Grécia
e Irlanda, que já haviam trocado a maior parte de seus títulos de curto prazo por
recursos da UE/EFSF/FMI de longo prazo, mostravam perfil similar, com mais de 90%
dos papeis em prazos mais longos, ainda que na Irlanda 78% destes fossem devidos por
instituições financeiras. Portugal também já estava sob o guarda-chuva de um pacote de
socorro, mas ainda mostrava 16% de suas emissões em curto prazo, preferencialmente
de empresas não financeiras (8%) e do governo (6%). Itália e Espanha, os dois países no
momento sob ataque dos mercados, também mostram uma boa distribuição da dívida
em termos de prazos: 95% e 93% no longo prazo, sendo 39% e 59%, respectivamente,
por instituições financeiras. A situação alemã segue a tendência de mostrar mais de 90%
da dívida no longo prazo, com 44% junto a instituições financeiras. O perfil mais
vulnerável em termos de prazos é o da França. Sua dívida tem forte componente (18%)
concentrado no curto prazo, sendo que 10% de instituições financeiro-monetárias. No
longo prazo, estão 82%, o menor percentual da amostra.
TABELA 6
TÍTULOS DE DÍVIDA DENOMINADOS EM EURO EM CIRCULAÇÃO EM AGOSTO DE 2011
€ bilhões correntes
Zona Euro Grécia Irlanda Portugal Itália Espanha Alemanha França
Curto prazo 1.351 18 71 49 135 115 190 540
Instit financ-monetárias (IFM) 461 2 26 3 0 18 38 291
Outras empresas financeiras 108 0 44 1 0 8 15 8
Empresas não-financeiras 78 0 0 26 0 0 15 25
Governo central 678 17 1 20 135 89 118 198
Outro governo geral 26 0 0 0 0 0 4 17
Longo prazo 13.121 336 690 260 2.568 1.538 2.814 2.393
Instit financ-monetárias (IFM) 3.995 75 71 88 839 434 1.132 732
Outras empresas financeiras 2.623 4 529 43 216 544 172 196
Empresas não-financeiras 625 0 1 15 81 16 80 286
Governo central 5.388 257 90 114 1.404 483 1.131 1.092
Outro governo geral 490 0 0 1 29 61 298 87
Total 14.472 355 761 309 2.703 1.652 3.004 2.932
% do total Zona Euro Grécia Irlanda Portugal Itália Espanha Alemanha França
Curto prazo 9 5 9 16 5 7 6 18
Instit financ-monetárias (IFM) 3 0 3 1 0 1 1 10
Outras empresas financeiras 1 0 6 0 0 0 0 0
Empresas não-financeiras 1 0 0 8 0 0 1 1
Governo central 5 5 0 6 5 5 4 7
Outro governo geral 0 0 0 0 0 0 0 1
Longo prazo 91 95 91 84 95 93 94 82
Instit financ-monetárias (IFM) 28 21 9 28 31 26 38 25
Outras empresas financeiras 18 1 69 14 8 33 6 7
Empresas não-financeiras 4 0 0 5 3 1 3 10
Governo central 37 72 12 37 52 29 38 37
Outro governo geral 3 0 0 0 1 4 10 3
Total 100 100 100 100 100 100 100 100
fonte: European Central Bank - EUROSYSTEM, 05.10.11.
12
A tabela 7 é um subproduto da tabela 6 e tem a finalidade de destacar números
alternativos aos de Sinn, mencionados anteriormente. Se forem tomados somente os
títulos de dívida de curto prazo em euro, o que abarca o período de um ano para sua
maturação, as necessidades de recursos para a Grécia, Irlanda, Portugal, Itália e Espanha
somam € 388 bilhões. A Alemanha, com € 190 bilhões, não apresenta maiores
problemas, mas a França sim, porque seus € 540 bilhões são de emissão de instituições
financeiro-monetárias e do governo central.
TABELA 7
TÍTULOS DE DÍVIDA DE CURTO PRAZO EM EURO
Agosto de 2011
total percentagem IFM¹ percentagem Gov.Central percentagem
€ bilhões do total € bilhões do total € bilhões do total
Grécia 18 2 2 1 17 3
Irlanda 71 6 26 7 1 0
Portugal 49 4 3 1 20 3
Itália 135 12 0 0 135 23
Espanha 115 10 18 5 89 15
subtotal 388 35 49 13 262 45
Alemanha 190 17 38 10 118 20
França 540 48 291 77 198 34
total 1.118 100 378 100 578 100
¹/ IFM = instituições financeiro-monetárias
fonte: European Central Bank - EUROSYSTEM, 05.10.11.
A tabela 8 mostra o montante de recursos disponíveis para socorro a países em
dificuldades financeiras. O FMI tinha, em agosto de 2011, uma capacidade de
comprometimento futuro (FCC, na sigla em inglês) de € 221 bilhões para socorro a seus
países-membros, não apenas os da Europa. O EFSF foi criado com € 440 bilhões, mas
estima-se que, após as intervenções já feitas na periferia da Zona Euro, restem-lhe
acesso a € 218 bilhões. No total das duas instituições, € 439 bilhões.
TABELA 8
DISPONIBILIDADE FINANCEIRA PARA SOCORRO
agosto de 2011
FMI DES bilhões
Recursos não comprometidos¹ 279
(+) aportes dos países-membros em até um ano 7
(-) repagamentos de empréstimos em até um ano 0
(-) saldo prudencial 40
(=) capacidade de comprometimento futuro (FCC)² 246
FMI/EFSF € bilhões
FCC/FMI³ 221
EFSF/EU disponibilidade estimada4 218
Total de FMI e EFSF 439
¹/ total dos recursos utilizáveis menos os comprometidos, mas ainda não
desembolsados.
²/ A FCC (Forward Commitment Capacity) é uma medida dos recursos
disponíveis para novos empréstimos.
³/ 1 DES = € 1,113740 em 31.08.11
4/ A partir dos números de Sinn (tabela 5)
fontes: European Central Bank - EUROSYSTEM, 05.10.11, FMI e EFSF.
13
Sinn (tabela 5) levantou os recursos já comprometidos em programas europeus
de socorro: € 816 bilhões, dos quais € 484 bilhões em compras de bônus
governamentais pelo BCE e dívidas no mercado interbancário. O autor estimou algumas
promessas futuras, que envolvem, fundamentalmente, um aumento do EFSF em € 780
bilhões para garantir as emissões de dívidas soberanas dos Estados-membros. A isso se
deve somar € 440 bilhões dos programas usuais do EFSF, o que totaliza € 1.200 bilhões.
Esses recursos não existem, por enquanto. A promessa de um EFSF de € 1.000 bilhões,
declarada na reunião do G-20 em Cannes, ainda não conta com recursos objetivos.
As disponibilidades efetivas no FMI e EFSF não devem superar os € 439
bilhões explicitados na tabela 7. Isso é pouco mais que o necessário para cobrir as
necessidades de refinanciamento dos títulos de curto prazo da Grécia, Irlanda, Portugal,
Itália e Espanha, no montante de € 388 bilhões (tabela 6). Um processo de contágio que
atinja a França com força seria suficiente para deixar as instituições multilaterais e
regionais sem recursos para enfrentá-lo.
Os problemas maiores, no entanto, estão no fato de que os investidores estão se
retraindo de todos os títulos de dívida da Zona Euro, não apenas dos papeis de curto
prazo, particularmente da Itália e Espanha. A tabela 5 mostra que a dívida total em
títulos da Itália chega a € 2.703 bilhões e a da Espanha a € 1.652 bilhões, somando €
4.355 bilhões. Deste total, os títulos soberanos da Itália montam a € 1.539 bilhões e os
da Espanha a € 572 bilhões, somando € 2.111 bilhões. As estimativas dos mercados de
que o EFSF deveria ter pelo menos € 2.000 bilhões parecem ter levado em conta o total
das dívidas soberanas desses dois países.
1.2. Por que a demora em agir das autoridades europeias?
Fenômenos complexos implicam múltiplas explicações. Há críticas de cunho
político e de caráter econômico, que remontam ao próprio processo de constituição da
União Europeia. Pode-se, também, afirmar que as hesitações dos governos europeus se
explicam por um aprisionamento mental a políticas de consolidações fiscais associadas
a uma “ideologia da dor”, a ser infligida a “governos irresponsáveis”. Há, no entanto,
uma questão estrutural a ser considerada na próxima seção.
Na esfera política, encontra-se Brendan Greeley (2011: A11). Sua argumentação
se prende a uma perda de sentido de solidariedade e compromisso, que predominou nos
anos que viram a reunificação alemã e a criação da União Europeia. Os líderes da
época, Helmut Kohl e François Mitterrand, tomados por um profundo sentido de acerto
com o passado, comandaram o Tratado de Maastricht de 1992, que criou a figura
14
jurídica da União Europeia. Por isso, os questionamentos quanto a inconsistências
econômicas teriam sido, liminarmente, postos de lado por Kohl, para quem “o euro não
diz respeito à economia. Nem mesmo diz respeito à política. Diz respeito à paz”.
Pode-se afirmar que, passada essa época de profunda consciência das dores das
recorrentes guerras no Continente, o mundo estaria novamente dominado por ímpetos
individualistas, que jogam a favor da fragmentação e não da cooperação. É como se a
humanidade conseguisse passar muita informação, mas pouca consciência, às novas
gerações, de forma que estas teriam de sofrer suas próprias dores, num eterno “Suplício
de Sísifo”.
Numa chave política e econômica encontra-se José Luís Fiori (2011: A15). Na
esfera econômica, falta “um Tesouro europeu com capacidade unificada de tributar e
emitir dívidas, junto com um BC capaz de atuar como emprestador de última instância,
em todos os mercados, garantindo a liquidez dos atuais títulos soberanos nacionais que
deveriam ser extintos e substituídos por um único título público unificado para toda a
zona do euro”. Politicamente, há sinais de fragilidade e fragmentação da Europa. Os
cenários futuros costumam se dedicar a calcular os brutais prejuízos econômicos, mas
“pouco se fala dos custos intangíveis do fracasso europeu no campo das ideias, dos
valores e dos grandes sonhos e símbolos que movem a humanidade. Um verdadeiro
impacto atômico sobre duas pilastras fundamentais do pensamento moderno: a crença
na viabilidade contratual de um governo ou governança mundial; e a aposta na
possibilidade cosmopolita, de uma federação ou confederação de repúblicas, pacíficas,
harmoniosas, e sem fronteiras ou egoísmos nacionais [...] O problema grave e insanável
é que a falência do ‘contratualismo’ e do ‘cosmopolitismo’, deixa os europeus sem mais
nenhum sonho ou utopia coletiva”.
Há, também, vários autores que apontam erros derivados de viés ideológico.
Charles Wyplosz (2011: C8), um expert em questões monetárias e da integração
europeia, fala de sua inquietação com a falta de arsenal das autoridades monetárias e
com a indecisão das autoridades políticas. O fundamental é o BCE decidir até onde vai
intervir. Ele tem de garantir totalmente as dívidas públicas, porque, se mostrar medo,
pode haver a explosão da dívida italiana, espanhola e do sistema bancário. Há muita
tensão no mercado interbancário, a mesma situação de 2008. Em 2008, o governo
americano salvou a AIG e o governo alemão salvou o Deutsche Bank. Agora, os
próprios governos estão ameaçados. Talvez € 200 bilhões sejam suficientes para
recapitalizar os bancos, segundo o FMI (GFSR, set.11: IX), mas o calendário eleitoral
15
na Europa, com eleições na França e na Alemanha, faz com que as políticas não
mudem. “Todos esses planos de austeridade são um erro total, uma política ruim num
momento ruim. É uma repetição dos anos 30, quando os governos quiseram adotar
rapidamente restrições orçamentárias. Os países estão em pânico com a dívida pública e
eles têm razão. “Mas a resposta não é austeridade, e sim garantir a dívida pública e
estimular o crescimento”.
Wolf (2011: A11) segue a mesma trilha. Ele lembra que déficits fiscais ajudam a
desalavancar o setor privado. Isso ocorreu entre 2008-2009, quando os governos
ampliaram o déficit, enquanto o setor privado “conteve seus gastos brutalmente”. A
reação dos governos europeus no momento atual é oposta, por que o mundo
desenvolvido já estaria cometendo o erro japonês de conter prematuramente os gastos,
mas numa escala mais perigosa porque global. Além disso, a Alemanha com seu
superávit estrutural em conta corrente tem de financiar os déficits de suas contrapartes.
Por fim, uma polêmica derivou da edição virtual de 17 de setembro de 2011 da
revista The Economist. Ela publicou um editorial denominado “How to save the euro”,
onde é defendida a hipótese de que os programas de resgate precisavam levar em conta
quatro questões. A primeira é tornar claro quais países estão ilíquidos e quais estão
insolventes, dando cobertura aos governos solventes e reestruturando a dívida daqueles
que nunca poderão pagá-la. A segunda é manter em pé os bancos europeus para
assegurar que eles resistam a uma parada de pagamentos (default). A terceira é libertar a
política macroeconômica da Zona Euro de sua obsessão com cortes orçamentários e
assumir uma agenda de crescimento. A quarta, finalmente, entende que a Zona Euro
precisa começar um processo de reestruturação do sistema, que impeça novas crises.
A última questão envolve novos tratados e aprovação por parlamentos e
eleitores, mas as três primeiras teriam que ser decididas rapidamente. Segundo o
editorial, tem de haver o “claro propósito de que os governos europeus e o BCE ajam
em conjunto para por um fim ao círculo vicioso de pânico, em que a fraqueza das
finanças públicas, a fragilidade dos bancos e as preocupações acerca de baixo
crescimento se realimentam umas às outras”. A Grécia está insolvente, mas a Itália e a
Espanha são solventes e só enfrentam problemas de liquidez. Estas últimas estão sob
ataque não porque suas finanças deterioraram, mas porque os investidores temem que
elas sejam forçadas a suspender os pagamentos de suas dívidas. O editorial faz uma
exortação: “Sra. Merkel, é tempo de explicar as escolhas [...] Diga isso de forma clara
para seus eleitores”.
16
Os números de Sinn (2011:1-3) foram levantados para criticar o editorial de The
Economist. Seus argumentos talvez reflitam bem as posições dominantes na Alemanha.
Ele não aceita que a causa real da crise repouse em falta de credibilidade e que os países
periféricos necessitem de estímulo fiscal para superar seus problemas. Nesse sentido, os
programas de socorro seriam necessários para criar uma parede à prova de fogo ao redor
dos governos solventes da Europa. Ele defende que o cerne da crise na Zona Euro está
em desequilíbrios de balanço de pagamentos, cujas soluções exigem ajustamento real de
preços e salários nos países periféricos. Esses desequilíbrios teriam surgido por meio de
fluxos de crédito públicos e privados baratos, que alimentaram uma bolha inflacionária
que aumentou os preços dos imóveis, bônus governamentais, bens e salários até 2007. O
resultado foi o aparecimento de grandes déficits em conta corrente e níveis de dívida
externa que os investidores privados não têm sido capazes de financiar ou refinanciar
desde 2008. O problema, em última análise, teria a ver com perda de competitividade
dessas economias e a solução passaria por redução de preços e salários, para reduzir o
déficit externo e atrair novos capitais internacionais.
Resumindo, as análises feitas acerca do tamanho do problema indicam que é
realmente difícil convencer os eleitores de países credores a aceitar como inevitável um
aumento de compras de títulos pelo BCE e de dar crédito crescente nos mercados
interbancários da Europa. A posição aqui explicitada, porém, é que insistir no discurso
da urgência de empreender processos de consolidação fiscal é contraproducente. O
caminho que está sendo trilhado, sobretudo em função das posições da Alemanha, pode
ser a síntese perfeita para o desastre, porque, dado o grau de perda de credibilidade da
dívida da Zona Euro, os recursos disponíveis para socorro são claramente insuficientes e
alguma coisa precisa ser feita para separar insolventes de ilíquidos.
Aumentar recursos orçamentários ou de organismos internacionais para combate
à crise não é tarefa simples, por conta da deterioração das finanças públicas, como é o
caso do aumento nas relações percentuais dívida/PIB. Além disso, por mais que eles
fossem aumentados, no momento seriam insuficientes para aplacar o temor de calote
dos investidores. Por isso, críticas como as feitas pela The Economist derivam da
constatação de que é muito tarde para se pensar em recursos orçamentários e, ainda que
pareça contraditório, muito cedo para se propor consolidação fiscal. Na impossibilidade
de retorno ao crescimento, a solução repousa em política monetária e creditícia. O BCE
tem de continuar atuando, inclusive com mais energia, para evitar que os títulos de
dívidas soberanas atinjam níveis críticos.
17
1.3. Há diferenças entre os sistemas financeiros dos Estados Unidos e da
Europa?
Independente das análises anteriores, uma questão estrutural se destaca: há
diferenças entre os sistemas financeiros de crédito na Europa e o sistema financeiro de
mercado dos Estados Unidos.
Assis Moreira (2011: C10) cita estimativas do Instituto Internacional de
Finanças (IIF, na sigla em inglês) que mencionaram que os bancos europeus mantêm €
3 trilhões de títulos de dívida de governos durante a crise de papeis de dívida soberana,
que representam cerca de 8% de seus ativos globais. Os bancos dos Estados Unidos, por
sua vez, têm apenas US$ 428 bilhões (3,2% dos ativos totais) de exposição: US$ 163
bilhões (1,2%) em títulos do Tesouro americano e US$ 265 bilhões (2%) em títulos de
dívida estrangeira, onde apenas uma parte seria em papeis de dívida soberana.
Veron (2011:3) afirma que a dificuldade em levar bancos à falência e
reestruturar o setor bancário se deve, basicamente, ao fato de que os bancos são,
comparativamente ao tamanho de suas economias, muito maiores na Europa que na
América. Ele cita dados de 2009 do Banco de Compensações Internacionais (BIS), onde
os ativos agregados dos três maiores bancos representavam 406% do PIB na Holanda,
336% no Reino Unido, 334% na Suécia, 250% na França, 189% na Espanha, 121% na
Itália e 118% na Alemanha. No Japão, porém, essa relação não ia além de 92% do PIB
e, apenas, 43% do PIB nos Estados Unidos.
Explicação para isso se deve à constatação de que os bancos universais europeus
cumprem um papel maior na intermediação financeira, uma vez que, nos Estados
Unidos, intermediários financeiros não bancários e mercado de capitais fornecem uma
proporção maior do total de capital e crédito. Além disso, os bancos europeus se
expandiram agressivamente na esfera internacional, ainda que suas atividades sejam
apoiadas pelos pagadores de tributos no país de origem. Na média, os maiores bancos
europeus têm 57% de suas atividades no exterior, no resto da Europa e do mundo em
proporções iguais, enquanto a média americana não supera 22%.
Para analisar esses tipos de afirmação, é necessário retroagir aos anos 1980, em
que o desenvolvimento dos mercados de capitais apresentou características marcantes.
Por essa época, houve a emergência de investidores institucionais, começou a se ampliar
rapidamente a negociação com derivativos e firmou-se tendência de universalização dos
bancos, por meio da emissão de notas promissórias e bônus nos mercados
internacionais.
18
A emergência dos investidores institucionais pode ser aferida pelo crescimento
dos fundos de pensão, das companhias de investimento e das companhias de seguro.
Tomando em consideração os mercados dos Estados Unidos, Reino Unido, Japão e
Alemanha, Cardim de Carvalho et ali (2007: 294-295) já apontavam para um forte
crescimento dos fundos de pensão entre os anos 1980-1990: cerca de sete vezes em
valor, medido em bilhões de dólares. O mesmo ocorreu com as companhias de
investimento, que multiplicaram seus recursos por quatro vezes, em igual período. Os
desempenhos mais agressivos ocorreram nos três primeiros países.
TABELA 9
ATIVOS ADMINISTRADOS POR INVESTIDORES INSTITUCIONAIS¹
US$ trilhões 1995 2000 2005 2006 2007 2008 2009
Fundos de investimentos 6 12 18 22 25 21 24
companhias de seguro 8 10 16 18 20 18 20
fundos autônomos de pensão 7 11 14 17 18 13 16
outros investidores institucionais 0 0 0 1 0 0 0
Total 22 34 49 57 63 53 60
% do total 1995 2000 2005 2006 2007 2008 2009
Fundos de investimentos 29 36 37 38 40 39 40
companhias de seguro 37 31 33 32 32 35 33
fundos autônomos de pensão 33 32 29 29 28 25 26
outros investidores institucionais 2 1 0 1 0 1 1
Total 100 100 100 100 100 100 100
% PIB 1995 2000 2005 2006 2007 2008 2009
Fundos de investimentos 30 53 60 68 72 56 69
companhias de seguro 38 46 54 57 58 50 58
fundos autônomos de pensão 34 48 47 52 51 36 46
outros investidores institucionais 3 2 2 2 2 2 2
Total 103 148 162 178 182 143 174
¹/ Dados agregados de dezessete países da OCDE.
fonte: Global Financial Stability Report - GFSR/IMF, September 2011, capítulo 2, pg. 3.
A tabela 9 atualiza os números relativos aos ativos administrados por
investidores institucionais domiciliados em dezessete países da OCDE, para alguns anos
das décadas de 1990-2000, com base em levantamentos do FMI. Partindo de 1995,
quando esses ativos somavam US$ 22 trilhões, o montante cresceu para US$ 60
trilhões, em 2009. No primeiro daqueles anos, as companhias de seguro lideravam a
participação relativa no total (37%), seguidas pelos fundos de pensão (33%) e pelos
fundos de investimento (29%). No ano 2000, os fundos de investimento ultrapassaram
as companhias de seguro e os fundos de pensão, posição que mantiveram ao longo de
toda a década. Como percentagem do PIB, verifica-se o forte acréscimo total dos 103%
de 1995 para os 174% de 2009. Vale lembrar que um dos motivos da carência atual de
19
liquidez nos bancos europeus deriva da retração de recursos dos fundos de investimento
americanos, como reflexo da crise.
TABELA 10
ATIVOS FINANCEIROS DE INVESTIDORES INSTITUCIONAIS¹
US$ bilhões constantes de 2000 1995 2000 2005 2.006 2007
Total da OECD (17)² 21.286 32.997 40.329 nd nd
França 878 1.736 2.310 2.564 2.581
Alemanha 971 1.887 2.271 2.401 2.422
Reino Unido 2.007 3.051 3.397 nd nd
Japão 4.386 4.952 7.229 7.565 nd
Estados Unidos 11.223 18.074 20.908 22.761 24.220
% PIB 1995 2000 2005 2.006 2007
Total da OECD (17)² 110 147 152 163 nd
França 76 131 160 174 171
Alemanha 56 99 116 119 117
Reino Unido 162 210 207 nd nd
Japão 99 106 145 148 nd
Estados Unidos 141 185 191 203 211
¹/ inclui companhias de investimento, de seguros, fundos de pensão e outras poupanças institucionais
²/ exlui países com dados não disponíveis ou não comparáveis entre 1995-2005
fonte: Gonnard, E, Kim E.J and Ynesta, I, Recent Trends on Instutional Investors Statistics, OECD, 2008.
Estudo da OCDE abre esses números para os países que a integram. A tabela 10
mostra uma evolução interessante para os primeiros cincos anos da década de 2000. Em
termos de participação percentual no PIB, já se percebe que Estados Unidos, Reino
Unido e Japão mostram forte participação em ativos financeiros, ao mesmo tempo em
que a Alemanha continua a ter uma participação mais discreta. A França, porém,
aumentou sua posição a ponto de ultrapassar o Japão.
TABELA 11
MONTANTES EM ABERTO (ESTOQUE) DE DERIVATIVOS NO MUNDO
US$ bilhões
1991 2000 2005 2006 2007 2008 2009 2010
transacionados em bolsas (futuros e opções) 3.519 14.215 21.619 25.670 79.078 57.744 73.118 67.947
transacionados em balcão 4.679 95.199 284.819 415.183 595.738 598.147 603.900 601.048
dos quais Credit Default Swaps (CDS) - - 13.908 28.650 57.894 41.883 32.693 29.898
total 8.199 109.414 306.438 440.853 674.816 655.891 677.018 668.995
fonte: BIS Quarterly Review, Ago.1996, Dec.2001, Dec.2009,Dec.2010 e Sep.2011.
A outra grande característica do processo de abertura econômica a partir dos
anos 1980 foi a introdução de inovações financeiras, como a securitização e a
negociação em derivativos, que estiveram na raiz da crise financeira iniciada em 2007.
A tabela 11 mostra o forte crescimento dos derivativos e a participação dos CDS, que
cresceu até 2007 e declinou a partir de então. O crescente custo dos derivativos de
crédito tem servido de base para análise da exposição ao risco dos bancos europeus. A
especulação de hedge funds nesse mercado parece estar na raiz da resistência de vários
governos da Zona Euro em aceitar esse instrumento como base para cálculo da
capitalização necessária do sistema financeiro europeu.
20
Paralelamente às inovações financeiras e à emergência dos investidores
institucionais, ocorreu uma tendência à universalização dos bancos. Crescentemente,
eles foram diminuindo a participação do crédito tradicional, em favor da emissão de
títulos de curto prazo, notas promissórias em especial, e de médio e longo prazo, como
notas e bônus.
TABELA 12
ESTOQUE DE DIREITOS DOS BANCOS NO EXTERIOR
Por país de origem do tomador, em final de período
US$ bilhões
1995 2000 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Todos os países 2.410 7.859 21.330 27.038 33.957 30.425 30.457 30.221
Bancos europeus nd nd 14.511 18.583 23.238 20.611 19.456 18.261
França 56 611 1.779 2.615 3.694 3.671 3.773 3.138
Alemanha 204 1.395 2.795 3.542 4.428 3.604 3.302 2.998
Reino Unido 123 565 2.469 3.096 3.846 3.618 3.644 3.942
Japão 366 944 1.655 1.854 2.295 2.308 2.428 2.691
Estados Unidos 400 413 1.029 1.334 1.712 1.463 2.493 2.869
% do total 1.995 2.000 2.005 2.006 2.007 2.008 2.009 2.010
Todos os países 100 100 100 100 100 100 100 100
Bancos europeus nd nd 68 69 68 68 64 60
França 2 8 8 10 11 12 12 10
Alemanha 8 18 13 13 13 12 11 10
Reino Unido 5 7 12 11 11 12 12 13
Japão 15 12 8 7 7 8 8 9
Estados Unidos 17 5 5 5 5 5 8 9
% do PIB 1.995 2.000 2.005 2.006 2.007 2.008 2.009 2.010
Todos os países 8 24 47 55 61 50 53 48
Bancos europeus nd nd 105 127 137 112 119 112
França 4 46 83 116 143 129 143 122
Alemanha 8 74 101 122 133 99 100 91
Reino Unido 11 38 108 127 137 135 167 175
Japão 7 20 36 43 52 47 48 49
Estados Unidos 5 4 8 10 12 10 18 20
fonte: BIS Quarterly Review, diversos nºs (tabela 9B)
A tabela 12 trata das posições de crédito dos bancos no exterior. Na sua primeira
parte, ela mostra que o crédito cresceu 13 vezes em dólares correntes, entre 1995-2010,
para o conjunto dos bancos que informam suas posições ao BIS. Os bancos da França
aumentaram seus saldos no exterior em 56 vezes, seguidos pelos bancos do Reino
Unido (32), Alemanha (15), e Japão (7), na mesma magnitude que os bancos dos
Estados Unidos (7). Mais importante: como percentagem do total, desde a segunda
metade dos anos 2000, os bancos europeus respondem por mais de 60% do crédito,
contra 9% para o Japão e 9% para os Estados Unidos. Os bancos da França, Alemanha e
Reino Unido emprestam mais que os dos Estados Unidos e Japão. Isso fica mais
evidente ainda como proporção do PIB: em 2010, o estoque global de crédito equivalia
21
a 48% do PIB, mas a 112% nos bancos europeus (175% no Reino Unido, 122% na
França e 91% na Alemanha). No Japão não ia além de 49% do PIB e a, somente, 20%
do PIB nos Estados Unidos. Importa mencionar, porém, que esses créditos são feitos a
governos, instituições financeiras e empresas.
TABELA 13
Títulos de dívida
montante em circulação em US$ bilhões
1995 2000 2005 2006 2007 2008 2009 2010
instrumentos do mercado monetário 133 494 650 875 1.137 1.132 932 916
(+)bônus e notas 2.671 5.883 13.960 17.574 21.599 22.732 26.079 26.772
(=) títulos internacionais de dívida 2.803 6.377 14.610 18.449 22.736 23.864 27.011 27.688
emitidos por governos 680 1.257 1.421 1.626 1.858 1.879 2.265 2.417
instituições financeiras 1.038 3.813 11.100 14.350 17.970 18.900 20.887 20.822
empresas 776 926 1.545 1.886 2.249 2.427 3.059 3.557
(+) títulos domésticos de dívida 24.704 29.811 45.474 50.286 57.501 58.583 63.406 67.154
emitidos por governos 15.610 18.036 22.144 24.009 26.772 29.448 34.088 38.960
instituições financeiras¹ 9.093 7.769 18.070 20.530 24.391 23.374 23.121 21.522
empresas¹ 4.006 5.260 5.747 6.338 5.761 6.197 6.672
(=) total 27.507 36.188 60.085 68.734 80.237 82.447 90.417 94.841
% emitida por governos 59 53 39 37 36 38 40 44
instituições financeiras 37 32 49 51 53 51 49 45
empresas 3 14 11 11 11 10 10 11
¹/ em 1995, os títulos domésticos eram separados apenas por setor privado e setor público, sem discriminar instituições financeiras e empresas
fonte: BIS Quarterly Review, Ago.1996, Dez.2001, Dez.2009,Dez.2010 e Set.2011.
As tabelas 13 e 14 mostram um quadro distinto, quando se trata de aferir o
montante e a participação relativa de alguns países em operações de mercado de
capitais, que caracterizam os sistemas financeiros de mercado. Cardim de Carvalho et
ali (2005: 298) afirmam que “em nenhum outro setor da atividade econômica o
processo de globalização avançou tanto quanto no setor financeiro”. Seus números
mostram a grande velocidade com que foi criado um mercado internacional em bônus e
ações. As transações com esses ativos nos Estados Unidos passaram de 8% do PIB em
1980, para 213% do PIB em 1997; em iguais períodos, de 7% do PIB para 253% do PIB
na Alemanha; e de 8% do PIB para apenas 96% do PIB no Japão, devido à crise
financeira doméstica nos anos 1990.
22
TABELA14
EMISSÕES DE TÍTULOS DOMÉSTICOS E INTERNACIONAIS
bônus e instrumentos do mercado monetário pela residência do emissor
montantes em circulação
US$ bilhões 1995 2000 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Todos os países 27.507 36.188 60.085 68.734 80.237 82.447 90.417 94.841
França 804 1.394 2.806 3.408 4.371 4.382 4.987 5.168
Alemanha 1.284 2.596 3.534 4.099 5.603 4.741 4.954 5.363
Reino Unido 396 1.464 2.904 3.747 3.842 4.657 5.329 4.782
Japão 1.876 6.377 8.511 8.554 9.214 11.239 11.692 14.154
Estados Unidos 4.296 16.260 24.089 26.356 30.324 29.835 31.006 32.535
% do total 1995 2000 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Todos os países 100 100 100 100 100 100 100 100
França 3 4 5 5 5 5 6 5
Alemanha 5 7 6 6 7 6 5 6
Reino Unido 1 4 5 5 5 6 6 5
Japão 7 18 14 12 11 14 13 15
Estados Unidos 16 45 40 38 38 36 34 34
% PIB 1995 2000 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Todos os países 93 112 132 139 144 135 157 151
França 51 105 131 151 169 154 189 202
Alemanha 51 137 128 141 168 130 150 163
Reino Unido 34 99 127 153 137 174 244 213
Japão 36 137 187 196 210 230 232 259
Estados Unidos 58 163 191 197 216 209 222 224
fonte: BIS Quarterly Review, Ago.1996, Dez.2001, Dez.2009,Dez.2010 e Set.2011.
Excluindo as ações e incluindo os instrumentos de curto prazo do mercado
monetário, a tabela 13 computou o estoque dos títulos internacionais e domésticos de
dívida. Ela permite visualizar a tendência à internacionalização das transações com
instrumentos dos mercados de capitais: os títulos internacionais de dívida cresceram dez
vezes, entre 1995-2010, e apenas três vezes os títulos domésticos de dívida. A
participação relativa de alguns países no estoque desses papeis coloca os Estados
Unidos na vanguarda (34% em 2010), ainda que essa posição seja cadente (tabela 14).
Bem abaixo dele vem o Japão (15%), Alemanha (6%), França (5%) e Reino Unido
(5%). A última parte da tabela mostra a participação desses títulos em termos de
percentagem do PIB. Japão, Estados Unidos e Reino Unido lideram, seguidos de perto
pela França (202%) e pela mais distante Alemanha (163%).
Em síntese, os primeiros sinais de criação de um sistema financeiro de mercado
apareceram em 1960 nos Estados Unidos e Canadá, com o início de transações com
notas promissórias (commercial papers). Esse mercado se desenvolveu na França em
1985, no Reino Unido em 1986, no Japão em 1987 e na Alemanha em 1991, conforme
Cardim de Carvalho (2007:255). O processo tomou velocidade na década de 1980, com
a emergência de investidores institucionais e com uma série de inovações financeiras,
que favoreceram a universalização dos bancos e a internacionalização das transações
nos mercados de capitais.
23
A liderança desse processo de passagem dos tradicionais sistemas financeiros de
crédito para os sistemas financeiros de mercado ficou com os Estados Unidos, seguido
pelo Reino Unido e Japão. Sistemas financeiros europeus, como França e Alemanha, só
avançaram mais celeremente com a unificação monetária. Nos sistemas financeiros de
crédito, o banco tem responsabilidade jurídica com o depositante e com o tomador do
crédito. Nos sistemas financeiros de mercado, o banco atua como uma espécie de
agente estruturador de operações. Apesar de se constituírem, em volume, nos maiores
mercados de crédito e de capitais, os bancos dos Estados Unidos apresentam uma menor
dependência relativa de operações de crédito captadas juntos aos sistemas financeiros
doméstico e internacional, com relação aos bancos europeus. Consequentemente, há
evidências de que sua exposição e seu risco de crédito são menores. Este é um dos
motivos de fundo que diferenciam a situação atual dos bancos americanos e a dos
bancos europeus.
2. O que fazer?
Algumas críticas mencionadas em seções anteriores já apontam para os rumos
que a região deveria seguir. Nesta, retoma-se o tema, tendo em conta que os canais de
negociação para acelerar o crescimento econômico estão congestionados. Restam,
portanto, medidas na esfera da política monetária e creditícia que enfrentem o ataque
especulativo no curto prazo, enquanto se tenta avançar nas espinhosas questões do
aprofundamento da integração fiscal. No geral, os temas na mesa passam por emissão
de título público unificado para os países usuários do euro, monetização das dívidas
nacionais pelo BCE, recapitalização bancária e alavancagem de recursos do EFSF.
A Comissão Europeia anunciou, em 23 de novembro de 2011, um plano para a
criação de um bônus com garantias de todos os países da Zona Euro, para restaurar a
confiança na dívida soberana de seus Estados-membros. O estudo apresenta três
modelos: o mais amplo prevê a emissão de “bônus de estabilidade”, que, se aprovado,
levará à troca total dos bônus nacionais pelo novo eurobônus. Esta opção forçaria
extensas alterações nos tratados da União Europeia e, consequentemente, demandaria a
aprovação de todos os governos da Zona Euro, após referendos nacionais.
Alternativamente, poderia ser introduzida uma versão mais restritiva, com garantias
limitadas; e, por último, haveria uma emissão conjunta, mas a garantia dos títulos seria
dada pelo país tomador do dinheiro e não pelo bloco, de acordo com Marinheiro (2011:
A20). O assunto tem encontrado apoio de países – França, Itália e Espanha – e de
líderes regionais. A Alemanha tem descartado a questão, liminarmente, porque entende
24
que ele não resolve a crise de dívida soberana na Europa. Na visão de algumas de suas
autoridades, os eurobônus só podem se tornar viáveis num estágio posterior de
desenvolvimento do projeto europeu, com a transferência de soberania nacional para um
nível supranacional, segundo Quentin Peel (2011).
Outro ponto é a responsabilidade do BCE. Paul De Grauwe (2011: 1-7) afirma a
fragilidade da Zona Euro ante as forças do contágio, em função de os mercados de
bônus governamentais serem extremamente vulneráveis numa união monetária. A razão
para tanto é que os governos da união monetária emitem dívida em uma moeda
“estrangeira”, sob a qual não têm qualquer controle. Em casos assim, só um banco
central da Zona Euro poderia exercer o papel de emprestador de última instância, isto é,
de garantir a liquidez dos detentores dos bônus. O BCE tem cumprido esse papel, seja
através de compra direta de bônus soberanos, seja indiretamente aceitando estes bônus
como garantia nos fornecimentos de liquidez ao sistema.
As pressões para que o BCE pare de fazê-lo têm sido grandes. Os tratados atuais
o obrigam a se relacionar exclusivamente com outros bancos centrais, não com
Tesouros nacionais. O BCE se valeu de um artifício para fugir a essa regra que engessa
sua atuação. Ele passou a fazer essas operações para defender o funcionamento dos
mercados e, com isso, o mecanismo de transmissão de sua política monetária para a
economia do bloco, de acordo com Mesquita (2011: B8). Este autor sugere a opção de o
BCE dar oferta ilimitada de liquidez aos bancos por prazos de um a dois anos e de se
utilizar do swap de moedas do BCE com o Federal Reserve, que constitui oferta similar
em dólares. O mesmo está valendo para seis bancos centrais – Estados Unidos, Europa,
Canadá, Suíça, Inglaterra e Japão –, que decidiram criar programas de swaps bilaterais
temporários em qualquer uma de suas moedas (VALOR, 01.12.11: C1).
O presidente do Bundesbank, Jens Weidmann, por exemplo, tem rejeitado,
categoricamente, o direito de o BCE atuar como emprestador de última instância para os
governos, o que ele já vem fazendo ao comprar as dívidas de diversos países da região.
Para Weidmann, há um perigoso processo de monetização das dívidas públicas
nacionais. Os governos são os principais responsáveis pelas garantias à estabilidade
financeira, não os bancos centrais. Os passos futuros não deveriam ir além do já
acertado: a Grécia deve cumprir o plano de resgate, ao invés de questioná-lo, e a Itália
sofre de crise aguda de confiança, que somente seu governo pode resolver, de acordo
com Atkins & Sandbu (2011: C2). O programa de compra de bônus governamentais
pelo BCE já teria custado € 195 bilhões desde maio de 2010 e os alemães alegam não
25
querer emitir um sinal equivocado para os políticos e criar inflação por meio da
impressão de moeda, segundo Carnegy, Peel & Burgis (2011: C2).
De Grauwe (2011: 2-5) descarta os três tipos de crítica que, usualmente são
feitos ao papel de emprestador de última instância dos bancos centrais: possibilidade de
o banco central perder dinheiro; risco moral envolvido no processo; e risco de inflação.
No primeiro caso, porque diferentemente de outras companhias de seguro um banco
central não tem de se preocupar com perdas eventuais, porque o foco deve estar voltado
sempre à manutenção da estabilidade. No segundo, porque o risco de que as garantias
estimulem o endividamento por parte de governos irresponsáveis não é um problema
para bancos centrais. O jeito correto de tratar do risco moral é impor regras que
constranjam os governos a não emitir dívida. Aos bancos centrais idealmente caberia
fornecer recursos apenas aos governos com problemas de liquidez. Ocorre que nem
sempre é fácil distinguir entre crises de liquidez e de solvência. De qualquer forma, o
melhor seria separar essas duas questões: o “fornecimento de liquidez deveria ser
executado por um banco central e a governabilidade do risco moral por outra instituição,
o supervisor [bancário]”. A conclusão lógica, neste caso é que a unificação política deve
avançar para que haja controle efetivo sobre os déficits e as dívidas governamentais (DE
GRAUWE, 2011: 5). No terceiro, porque sua intervenção comprando títulos públicos
aumenta a base monetária, mas não necessariamente o estoque de moeda. Em períodos
de crise financeira, esses dois agregados monetários se tornam desconectados e o
aumento da base monetária não implica, forçosamente, a aceleração dos preços.
A falta de autorização de o BCE atuar como emprestador de última instância nos
mercados de bônus governamentais é que estaria na raiz da criação do EFSF e de seu
sucessor ESM (European Stabilization Mechanism), previsto para 2013. O problema
com essas instituições, que dependem de recursos orçamentários para sua capitalização,
é que elas não têm a credibilidade para conter as forças do contágio. Mesmo que seus
recursos sejam dobrados ou triplicados, os mercados não ficarão satisfeitos. “Só um
banco central que pode criar montantes ilimitados de dinheiro pode fornecer tal
garantia” (DE GRAUWE, 2011: 5).
Veron (2011a: 1-2) afirma que a fragilidade do sistema bancário europeu
persiste desde 2007-2008, ao contrário do sistema financeiro americano, que resolveu
seus problemas em 2009. A incapacidade de suas autoridades levou a uma sequência de
interações entre as crises de dívida soberana e as crises bancárias, que se alimentaram
mutuamente. Para romper com esse círculo vicioso, ele propõe quatro pontos:
26
federalismo fiscal na Zona Euro, que assegure as exigências da união monetária;
federalismo bancário, isto é, criar uma estrutura para a política bancária no nível
europeu; uma revisão das instituições da Zona Euro para dar suporte aos federalismos
fiscal e bancário; no curto prazo, enquanto não se completam os três pontos anteriores,
expandir instrumentos de intervenção no setor bancário. Essas medidas devem fornecer
recursos aos países ilíquidos e planos de reestruturação aos países insolventes.
Veron (2011b: 1-2) retoma a questão do federalismo bancário e apresenta
argumentos acerca de uma supervisão bancária que se aproxima de De Grauwe. Sua
crítica se dirige aos fortes e multifacetados laços que permanecem entre os sistemas
bancários nacionais e os Estados-membros da União Europeia. Esses laços estariam no
centro da dinâmica de contágio e impedem a emergência de um mercado financeiro
europeu realmente unificado. Eles precisam ser cortados e substituídos por uma
estrutura supranacional com credibilidade para conduzir a política bancária. Embora
uma Autoridade Bancária Europeia (EBA, na sigla em inglês) tenha sido formalmente
estabelecida em 24 de novembro de 2010, é preciso dar a ela autoridade de resolução e
supervisão sobre todas as instituições de crédito e os países-membros precisam
concordar em desmantelar todos os mecanismos que impedem fusões além das
fronteiras nacionais, de modo que a consolidação regional possa avançar. Esse último
ponto é polêmico, ainda que vários países da Europa Central e do Leste e, também, a
Bélgica e Finlândia já tenham cortado os vínculos com seus sistemas bancários por
meio de sua venda a grupos estrangeiros. A maior parte dos países da Europa Ocidental,
porém, continua se opondo à internacionalização de seus bancos, “em aparente negação
do risco moral que essa proteção cria”.
George Soros (2011: A15) propôs algumas medidas, na mesma chave destacada
pela The Economist, em que se devem separar os insolventes dos ilíquidos. Os
insolventes – Grécia, Portugal e, talvez, Irlanda – podem sair do euro, em algum
momento. É preciso uma preparação para essa hipótese, de modo a evitar um colapso
financeiro da Zona Euro: os depósitos bancários precisam ser protegidos; alguns bancos
em países inadimplentes têm de ser mantidos em funcionamento para evitar colapso
econômico; o sistema bancário europeu tem de ser recapitalizado e colocado sob
supervisão europeia e não nacional; e os títulos governamentais emitidos por outros
países da Zona Euro têm de ser protegidos do contágio. Um programa dessa natureza é
muito caro, de forma que só se tornaria possível com um novo tratado que
transformasse o EFSF em um Tesouro propriamente dito. O pressuposto para implantar
27
essas medidas é, aparentemente, insuperável: convencer a opinião pública alemã de que
não existe a opção entre dar e não dar apoio ao euro. “Esse é um erro grave. O euro
existe e os ativos e passivos do sistema financeiro mundial estão tão mesclados em
função da moeda comum que seu colapso poderia causar uma implosão além da
capacidade das autoridades alemãs – ou de qualquer outra – de contê-la”.
Belluzzo (2011: A13) concordou com Soros. Enquanto as autoridades europeias
não se entenderem a respeito da criação de um Tesouro comum, três providências
deveriam ser tomadas para acalmar os mercados: “1) os bancos seriam colocados sob a
direção do Banco Central Europeu (BCE) em troca de garantias temporárias e
permanente capitalização; 2) o BCE obrigaria os bancos a manter as linhas de crédito e
os empréstimos existentes; 3) o BCE permitiria o refinanciamento temporário a baixo
custo de países como Espanha e Itália”. Para ele, “a crise da dívida soberana europeia é,
sobretudo, uma crise grave do sistema bancário europeu, com reverberação nos bancos
americanos”.
Nouriel Roubini (2011: B7), finalmente, coloca a questão em termos de
recuperação da produtividade da periferia da Zona Euro. Seu diagnóstico baseia-se no
histórico de desequilíbrios externos dentro da região. De um lado, estariam países
gastadores (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha), cujo consumo superou sua
renda e que acumularam déficits em conta corrente crescentes. O núcleo da Zona Euro,
formado por países poupadores (Alemanha, Holanda, Áustria e França) acumulou
superávits externos crescentes. Além disso, o euro se fortaleceu muito depois de 2002 e,
para enfrentar a competitividade externa, particularmente chinesa, o custo da mão de
obra na Alemanha cresceu menos que a produtividade, ao contrário do ocorrido na
periferia, onde o custo da mão de obra subiu.
A saída para esse impasse passaria por uma “reflação simétrica” para restaurar o
crescimento e a competitividade da periferia. Entenda-se por esta expressão uma
inversão das tendências históricas, por meio de compras crescentes de produtos dos
países deficitários pelos países superavitários. As propostas de Roubini passam,
também, por um relaxamento significativo da política monetária do BCE; por apoio
institucional a economias que enfrentem falta de liquidez, mas não sejam insolventes;
por uma considerável desvalorização do euro, que permita transformar os déficits em
conta corrente em superávits; e em medidas de estímulo fiscal nos países centrais que
compensem a austeridade imposta à periferia.
28
Como o euro é uma moeda flutuante, a forma mais viável para conseguir a sua
desvalorização passa, exatamente, por monetização expressiva por parte do BCE, o que
faz parte das propostas de Roubini.
2.1. Sobraram saídas para a Zona Euro?
O segundo semestre de 2011 tornou claro que há, pelo menos, quatro diferentes
tipos de problema a enfrentar. Há um problema nas contas públicas de países
insolventes e de países ilíquidos, o que facilita que os mercados ataquem os títulos de
dívida soberana da Itália e Espanha, respingando nos países mais estáveis, até mesmo
nos “sacrossantos” bunds alemães. Há uma crise no sistema financeiro europeu, que
precisa acelerar o processo de desalavancagem. Os mesmos mercados atacam os papeis
de bancos europeus, cujas estruturas de financiamento os tornam muito maiores que os
americanos, em termos relativos ao tamanho de seus produtos internos brutos. Há um
problema monetário, porque o BCE tem limites a sua função de emprestador de última
instância. Há um problema de desequilíbrio cambial, que não permite aos países
periféricos reencontrar níveis adequados de competitividade.
No primeiro caso, parece prematura a busca de equilíbrio fiscal. O ponto central
da solução da crise deveria ser colocado na manutenção de gastos que sustentassem o
nível da atividade econômica, como ocorreu em 2009. Um relaxamento das políticas
fiscais, com abandono dos programas de austeridade, não parece possível por conta da
visão dominante nas economias mais fortes da Zona Euro. A crise da dívida soberana
levou-as a contraírem seus gastos e a se comprometerem com as metas definidas pelo
Tratado de Maastrich (1992) para déficit e dívida pública. Nessa altura, é bom registrar
que essas metas somadas ao foco unidirecional do BCE no controle inflacionário e fatos
estruturais, como o envelhecimento da população, que sobrecarrega os sistemas de
pensão, e rigidezes nos mercado de trabalho, acabaram por impor um viés
anticrescimento na Zona Euro, de acordo com Cohen (2011: 8).
É possível, também, que essa decisão tenha sido influenciada pelas evidências
coletadas por Reinhart e Rogoff (2011: 1676-1706), que afirmam que aumentos de
dívida externa antecedem crises bancárias e que estas precedem crises de dívida
soberana. Eles argumentam que, em larga medida devido ao colapso das receitas, a
razão dívida pública/PIB sobe até por volta de 86% nos três anos que se seguem a uma
crise financeira sistêmica, colocando-se no estágio de sofrer reduções em suas notas de
classificação de risco ou, no caso mais extremo, suspender pagamentos (default).
29
Não se deve negar as enormes dificuldades que as economias avançadas
enfrentam. O déficit nominal como proporção do PIB previsto para 2011 é de 6,2% na
Zona Euro, 10% nos Estados Unidos, 9,3% no Reino Unido e 8,9% no Japão. A razão
percentual dívida/PIB no Japão atingiu 183,5%, em 2009. Em 2010, ela foi de 183,5%
no Reino Unido e de 85,4% na Zona Euro (estimada em 88%, em 2011). Nos Estados
Unidos foi de 61,3%, mas a S&P (05.08.2011) rebaixou sua classificação de longo
prazo diante de riscos políticos e de crescente carga da dívida. A estimativa da agência é
que a dívida líquida do governo geral americano será de 74% em 2011, 79% em 2015 e
85% até 2021. Pode-se, no entanto, afirmar que fosse a Zona Euro constituída como
uma união fiscal, sua situação não seria dramática frente às demais economias
avançadas, como querem as forças do mercado. Em outras palavras, Estados Unidos,
Japão e Reino Unido não estão enfrentando o mesmo tipo de ataque especulativo, por
serem estados federados, que tomam crédito em suas próprias moedas.
Esvaziado o discurso do estímulo ao crescimento, a região apresenta indicadores
econômicos que apontam para recessão em 2012 e baixo crescimento depois do
próximo ano (tabela 15). Restrições fiscais limitam novos aportes ao EFSF, que surgiu
como uma alternativa à expansão monetária, mas cujos recursos estão muito aquém das
necessidades de rolagem de dívidas soberanas de longo prazo. Elevar os € 440 bilhões
para € 1 trilhão, como anunciado pelo G-20 na Cúpula de Cannes em novembro de 2011
é mera retórica, porque implicaria aumento das razões percentuais dívida/PIB para bem
além das metas que os países-membros da Zona Euro querem cumprir. O FMI também
não dispõe de margem suficiente de manobra, porque nada foi decidido nesse sentido
naquela Cúpula. Com isso, após os programas de socorro para os países periféricos
insolventes, fica difícil esperar novos estímulos fiscais, por meio do EFSF.
30
TABELA 15
INDICADORES ECONÔMICOS
ALEMANHA unidade 2008 2009 2010 2011p 2012e 2013e
PIB real var % anual 1,1 -5,1 3,7 2,9 0,8 1,5
taxa de desemprego var % anual 7,5 7,8 7,1 6,1 5,9 5,8
IPC harmonizado var % anual 2,8 0,2 1,2 2,4 1,7 1,8
saldo em conta corrente % PIB 6,2 5,8 5,8 5,1 4,4 4,2
resultado governo geral % PIB -0,1 -3,2 -4,3 -1,3 -1,0 -0,7
dív.bruta do gov.geral % PIB 66,7 74,4 83,2 81,7 81,2 79,9
FRANÇA unidade 2008 2009 2010 2011p 2012e 2013e
PIB real var % anual -0,1 -2,7 1,5 1,6 0,6 1,4
taxa de desemprego var % anual 7,8 9,5 9,8 9,8 10,0 10,1
IPC harmonizado var % anual 3,2 0,1 1,7 2,2 1,5 1,4
saldo em conta corrente % PIB -1,9 -2,1 -2,2 -3,2 -3,3 -3,0
resultado governo geral % PIB -3,3 -7,5 -7,1 -5,8 -5,3 -5,1
dív.bruta do gov.geral % PIB 68,2 79,0 82,3 85,4 89,2 91,7
ITÁLIA unidade 2008 2009 2010 2011p 2012e 2013e
PIB real var % anual -1,2 -5,1 1,5 0,5 0,1 0,7
taxa de desemprego var % anual 6,7 7,8 8,4 8,1 8,2 8,2
IPC harmonizado var % anual 3,5 0,8 1,6 2,7 2,0 1,9
saldo em conta corrente % PIB -2,9 -2,0 -3,5 -3,6 -3,0 -2,3
resultado governo geral % PIB -2,7 -5,4 -4,6 -4,0 -2,3 -1,2
dív.bruta do gov.geral % PIB 105,8 115,5 118,4 120,5 120,5 118,7
ESPANHA unidade 2008 2009 2010 2011p 2012e 2013e
PIB real var % anual 0,9 -3,7 -0,1 0,7 0,7 1,4
IPC harmonizado var % anual 4,1 -0,2 2,0 3,0 1,1 1,3
saldo em conta corrente % PIB -9,6 -5,1 -4,5 -3,4 -3,0 -3,0
resultado governo geral % PIB -4,5 -11,2 -9,3 -6,6 -5,9 -5,3
dív.bruta do gov.geral % PIB 40,1 53,8 61,0 69,6 73,8 78,0
GRÉCIA unidade 2008 2009 2010 2011p 2012e 2013e
PIB real var % anual -0,2 -3,2 -3,5 -5,5 -2,8 0,7
taxa de desemprego var % anual 7,7 9,5 12,6 16,6 18,4 18,4
IPC harmonizado var % anual 4,2 1,3 4,7 3,0 0,8 0,8
saldo em conta corrente % PIB -17,9 -14,3 -12,3 -9,9 -5,4 -4,4
resultado governo geral % PIB -9,8 -15,8 -10,6 -8,9 -7,0 -6,8
dív.bruta do gov.geral % PIB 113,0 129,3 144,9 162,8 198,3 198,5
IRLANDA unidade 2008 2009 2010 2011p 2012e 2013e
PIB real var % anual -3,0 -7,0 -0,4 1,1 1,1 2,3
IPC harmonizado var % anual 3,1 -1,7 -1,6 1,1 0,7 1,2
saldo em conta corrente % PIB -5,6 -2,9 0,5 0,7 1,5 1,8
resultado governo geral % PIB -7,3 -14,2 -31,3 -10,3 -8,6 -7,8
dív.bruta do gov.geral % PIB 44,3 65,2 94,9 108,1 117,5 121,1
PORTUGAL unidade 2008 2009 2010 2011p 2012e 2013e
PIB real var % anual 0,0 -2,5 1,4 -1,9 -3,0 1,1
taxa de desemprego var % anual 8,5 10,6 12,0 12,6 13,6 13,7
IPC harmonizado var % anual 2,7 -0,9 1,4 3,5 3,0 1,5
saldo em conta corrente % PIB -12,6 -10,8 -9,7 -7,6 -5,0 -3,8
resultado governo geral % PIB -3,6 -10,1 -9,8 -5,8 -4,5 -3,2
dív.bruta do gov.geral % PIB 71,6 83,0 93,3 101,6 111,0 112,1
ZONA EURO unidade 2008 2009 2010 2011p 2012e 2013e
PIB real var % anual 0,4 -4,2 1,9 1,5 0,5 1,3
taxa de desemprego var % anual 7,6 9,6 10,1 10,0 10,1 10,0
IPC harmonizado var % anual 3,3 0,3 1,6 2,6 1,7 1,6
saldo em conta corrente % PIB -1,5 -0,3 -0,4 -0,6 -0,5 -0,3
resultado governo geral % PIB -2,1 -6,4 -6,2 -4,1 -3,4 -3,0
dív.bruta do gov.geral % PIB 70,1 79,8 85,6 88 90,4 90,9
fonte: European Economic Forecast - Autumn 2011, European Economy 6:2011 (provisional version)
No segundo caso, crise bancária, observa-se que, pressionados pelas autoridades
reguladoras, os bancos procuram contornar as necessidades de capitalização, que
implicariam aportes de capital num momento em que o valor de suas ações está
deprimido, por meio da venda de ativos problemáticos. Para enfrentar situações como
essas, os depósitos bancários precisariam ser protegidos e bancos em países
inadimplentes teriam de ser mantidos em funcionamento para evitar colapso econômico,
como propôs Soros (2011: A15). Na mesma chave, valem as propostas de Belluzzo
(2011: A13), para quem deveria haver um acordo entre autoridade monetária e bancos.
31
Estes ficariam subordinados ao BCE, que lhes daria garantias temporárias e de
permanente capitalização, além de refinanciamento temporário a baixo custo a países
com problemas de liquidez. Em troca dessa ampla cobertura, os bancos seriam forçados
a manter as linhas de crédito e os empréstimos existentes.
No longo prazo, é consenso que a salvação da Zona Euro depende de caminhar
no rumo de uma “federalização” das políticas econômicas. Aproveitando esse consenso
de avanços na integração regional, o problema dos bancos europeus deveria receber o
mesmo tratamento. Estruturalmente, faz sentido a crítica de Veron (2011”a” e “b”) de
que, a par de um federalismo fiscal, deveria ser buscado um federalismo bancário, com
a extinção dos laços existentes entre os principais sistemas bancários - como o alemão,
o francês e o italiano - e os respectivos Estados nacionais, representados pelo bancos
centrais nacionais. Um exemplo desses laços está nas tentativas de alguns governos da
região em rolar seus títulos de dívida junto a seus bancos e no aumento em curso dos
empréstimos feitos pelos bancos domésticos a governos locais e nacionais. A
regulamentação que impede fusões além das fronteiras nacionais deveria ser
desmantelada para que pudesse existir um sistema financeiro verdadeiramente
unificado. Além disso, os bancos europeus deveriam ficar subordinados a uma única
autoridade bancária supranacional, a já existente Autoridade Bancária Europeia (EBA),
cujos poderes seriam reforçados.
No terceiro caso, o trato da questão monetária tem sido o de mais difícil
enfrentamento. Muito embora o BCE esteja atuando na monetização das dívidas
soberanas e no aumento de liquidez do sistema bancário, ele não consegue dar garantias
ilimitadas a esses segmentos ou ao EFSF. A Alemanha resiste aos clamores para que
seja usada política monetária expansionista pelo BCE e não aceita a emissão de um
eurobônus, que seja garantido por todos os países da região5. Sua receita para o curto
prazo é a de exigir que os países insolventes, como a Grécia, cumpram rigorosamente os
planos aprovados de reestruturação de dívida e os ilíquidos, como a Itália, aprovem
medidas fiscais internas que recomponham a credibilidade externa junto aos
investidores. No longo prazo, ela propõe maior unificação fiscal, de modo a restringir
gastos “irresponsáveis”, que impedem a disciplina das políticas econômicas.
5 Segundo Cohen (2011:12), a crise de 2008 poupou a Europa da especulação nos mercados de moedas,
mas os mercados desviaram sua atenção para os títulos de dívida soberana, atacando os países-membros
mais fracos, isto é, a periferia da Zona Euro. Se tivesse havido um eurobônus, apoiado pelo crédito da
parceria coletiva, isto é, se os mercados de dívida pública tivessem sido unificados desde o começo, a
periferia não teria sido submetida a esses ataques.
32
No último caso, desequilíbrio cambial, Roubini (2011: B7) propõe uma
“reflação simétrica” aos países da Zona Euro. No passado, “países gastadores”
apresentaram desequilíbrios externos para “países poupadores”, notadamente por conta
de suas perdas de competitividade. No momento atual, essa equação deveria ser
invertida com apoio dos países superavitários aos deficitários e com expressivo
relaxamento da política monetária do BCE. O objetivo seria o de recuperar a
competitividade dos países periféricos, o que só pode ser conseguido com
desvalorização da moeda regional. Como o euro é uma moeda flutuante, sua
desvalorização só pode se dar por monetização expressiva por parte do BCE. Para De
Grauwe (2011: 5), os impactos inflacionários daí decorrentes são incertos e, mesmo que
sejam significativos, eles teriam impacto menor que a atual situação de paralisia, que
pode levar à ruptura da Zona Euro.
Note-se que, entre novembro de 2008 e outubro de 2011, o euro apresentou
grande volatilidade, mas sua valorização real média mensal foi de somente 1,8%, com
relação ao dólar: desvalorização real média de 1,3% entre os períodos nov08-out09 e
nov09-out10, mas valorização real média mensal de 3,2% entre os períodos nov09-
out10 e nov10-out11. O gráfico 1 mostra que o euro estava relativamente desvalorizado
em novembro de 2008, quando a crise afetava fortemente o dólar. A reação dos
mercados foi a de valorizá-lo ao longo do ano de 2009, quando a moeda europeia
atingiu um pico em novembro. O advento da crise grega trouxe nova desvalorização
com o vale sendo atingido em junho de 2010. Nova valorização se seguiu com pico em
abril de 2011, antes que a crise atual estivesse clara. Depois, nova tendência baixista.
1,2732
1,4914
1,2209
1,4455
1,3712
1,1000
1,1500
1,2000
1,2500
1,3000
1,3500
1,4000
1,4500
1,5000
nov/08 dez
jan/09 fev
mar abr
mai
jun jul
ago
set
out
nov
dez
jan/10 fev
mar abr
mai
jun jul
ago
set
out
nov
dez
jan/11 fev
mar abr
mai
jun jul
ago
set
out
nov
Gráfico 1Taxa de Câmbio Média Nominal
Euro/USD
33
A “reflação simétrica” de Roubini parece estar muito distante de se tornar viável,
assim como a desvalorização do euro é só uma hipótese, embora não descartável. Se a
Europa tiver de, contra a vontade de suas economias centrais, monetizar
significativamente a região, é possível que o euro caia a ponto de recuperar parte da
competitividade da região, ainda que tenha de aceitar um “período inflacionário”.
Restam portas abertas? Aparentemente não, ao menos no estímulo ao
crescimento, no combate aos desequilíbrios cambiais e nas políticas fiscais. O caminho
mais viável, talvez o único, parece ser o das políticas monetárias. Foi por ele que, no
último dia de novembro, os bancos centrais da Europa, Estados Unidos, Japão, Suíça,
Inglaterra e Canadá se comprometeram a garantir a liquidez em dólares na Europa, uma
evidência de que a tensão nos mercados financeiros está próxima de seu limite
(VALOR, 01.12.2011: C1).
Por isso tudo, dar por acabado um texto como esse seria uma temeridade. Se, a
cada dia, chovem as mais desencontradas especulações a respeito do futuro da Europa, o
melhor é buscar refúgio em quem mantém um olho na História. Greeley (2011: A11),
por exemplo, enfatizou a busca da paz como objetivo da construção da União Europeia,
que foi atingida por meio de um espírito de solidariedade que parece ter-se perdido com
o passar dos anos. Na mesma linha, Fiori (2011: A15) ressaltou a perda de valores, de
“intangíveis” na sua expressão. Chegou-se ao ponto em que valores parecem nada mais
representar e que mercados tudo podem. E os mercados restringem o crédito,
ameaçando reviver 2008, aumentam os rendimentos exigidos das instituições em crise,
bloqueiam avanços a práticas desregulamentadoras e mudam governos.
Por esse prisma, que envolve governos carentes de liderança e democracias
apequenadas pela relativa marginalização política de boa parte de seus povos, a União
Europeia parece destinada a acabar. Difícil imaginar retorno à solidariedade perdida
entre periferia e “Povos do Norte”. É mais fácil pensar em ressentimentos,
estranhamentos, em todo um passado que a integração pretendeu superar. É possível,
entretanto, que o fim da União não seja decretado, ainda que membros possam ser
amputados. Não importa; grande parte do mau já foi feito. Provavelmente, muitos anos
passarão até que Zona Euro possa reencontrar caminhos evolutivos consentâneos com a
proposta original de uma União Europeia. Por ora, o que fica é a certeza de que grandes
projetos, como a afirmação do euro como moeda alternativa ao dólar, foram postergados
para as calendas. Mau sinal!
34
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