A corrida pela alta performance: convergências entre esporte trabalho e consumo nos discursos...
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7/28/2019 A corrida pela alta performance: convergncias entre esporte trabalho e consumo nos discursos miditicos
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A CORRIDA PELA ALTA PERFORMANCE:CONVERGNCIAS ENTRE ESPORTE, TRABALHO E CONSUMO
NOS DISCURSOS MIDITICOS 1
LA CARRERA DE ALTO RENDIMIENTO: CONVERGENCIAS ENTRE ELDEPORTE, EL TRABAJO Y EL CONSUMO EN EL DISCURSO DE LOS
MEDIOS DE COMUNICACIN
THE RACE FOR HIGH PERFORMANCE: CONVERGENCES BETWEENSPORT, WORK AND CONSUMPTION IN MEDIA DISCOURSE
Julia Salgado
Daniel PortugalUFRJ
Resumo
Este artigo tem o objetivo de analisar discursos biogrficos (especialmente a autobiografia deAbilio Diniz), corporativos e miditicos que promovem a prtica de exerccios fsicos (emespecial a corrida) como benficas ao indivduo-trabalhador. Procuramos compreenderalgumas conexes estratgicas que se formam nos discursos, como a associao entre os bem-estares fsico e mental: a corrida ajudaria a aliviar o estresse e a ansiedade acumulados pelaatividade laboral. Numa lgica medicalizante, busca-se remediar os efeitos de um trabalhoinevitavelmente estressante, sugerindo implicitamente que ele pode conviver em harmoniacom o ideal do gozodesde que se tenha acesso a objetos tcnicos ou a prticas teraputicasvariadas. Tambm digna de nota a importncia dada ao suposto ganho cognitivo que os
praticantes tm ao transportar aprendizados do universo do esporte para as esferasprofissionais e pessoais. Finalmente, atentamos para as relaes emergentes entre a prtica de
corrida e o consumo contemporneo.Palavras-chave: corrida, mercado de trabalho, mdia.
1 Trabalho apresentado no GT Comunicao, consumo, trabalho e espacialidades do II Comunicon (CongressoInternacional em Comunicao e Consumo), realizado em So Paulo nos dias 15 e 16 de outubro de 2012.
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Abstract
This article aims to analyze biographical (specially the autobiography of Abilio Diniz),corporative and media speeches that promote the practice of physical exercises (speciallyrunning) as beneficial to the fellow worker. We seek to understand some strategic connectionsformed in those discourses, as the association between physical and mental well-beings:running is supposed to help relieving stress and anxiety accumulated during labor activity.Within a medicalized logic, the effects of an inevitably stressful work are seen as somethingthat can be overcame by means of medical treatment, implicitly suggesting that it may live inharmony with the ideal of enjoymentas long as one has access to varied technical objects ortherapeutic practices. Also noteworthy is the importance given to the supposed cognitiveimprovement originated in the transporting of lessons from the sport universe to the
professional and personal spheres. Finally we look at the relationships between the emergingpractice of running and contemporary consumption.
Key words: running, labor market, media.
Resumen
Este artculo tiene como objetivo analizar los discursos biogrficos (especialmente laautobiografa de Abilio Diniz), de los negocios y de los medios de comunicacin que
promueven lo ejercicio fsico (especialmente correr) como beneficioso para el individuo detrabajo. Buscamos entender algunas conexiones estratgicas que se forman en los discursos,como la asociacin entre los bienestares fsicos y mentales: el correr ayudara a aliviar elestrs y la ansiedad acumulados por la actividad laboral. Dentro de una lgica medicalizada,se busca remediar los efectos de un trabajo inevitablemente estresante, sugiriendoimplcitamente que el puede vivir en armona con el ideal de placer - siempre se tiene acceso alos objetos tcnicos o prcticas teraputicas variadas. Tambin es destacable la importanciaque se da a lo supuesto gano cognitivo que los profesionales tienen de transportar de unaprendizaje de el universo del deporte para el mbito profesional y personal. Por ltimo nosfijamos en las relaciones entre la prctica de carreras y el consumo contemporneo.
Palabras-clave: rendimiento, raza, mercado laboral, medios de comunicacin.
Introduo
Se no Brasil correr e malhar d mais disposio para o trabalho, umapesquisa realizada ao longo de 20 anos em corporaes do mundo todomostra que empregados que praticam esporte tambm ajudam a engordar oscofres das empresas. O Bank of America percebeu um retorno de U$6 paracada U$1 investido em seu programa de promoo de sade. E a PepsiCoconstatou que seu programa de fitness produziu um retorno de 300% doinvestimento.(O Globo, 29 jun. 2003)
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Os argumentos contidos no trecho acima do conta de sensibilizar um dos aspectos
mais caros ao empresariado mundo afora: seu bolso. Convencidos de que o estmulo a hbitos
saudveis e prtica de exerccios fsicos pelos funcionrios capaz de trazer retornos em
termos de produtividade e lucro, lderes de diversas empresas vm implementandoprogramas
de qualidade de vida atravs dos quais os empregados passam a ter acesso prtica de
exerccios fsicos (tais como academias de ginstica, grupos de corrida, aulas de yoga etc.) e a
informaes e cursos (sobre alimentao, estilo de vida, consumo etc.), todos tidos como
importantes qualidade de vida. Objetivos utilitrios (como os j mencionados aumento da
performance e do lucro) se mesclam a objetivos afetivos e simblicos (unio da equipe, bem-
estar e sade do funcionrio), formando um discurso corporativo que se constitui como um
benefcio ao funcionrio, uma suposta ao altrusta da empresa preocupada com a satisfaoe a felicidade de seus colaboradores.
Mas o discurso corporativo no , nem de longe, o nico a entoar salvas de louvor
prtica esportiva entre trabalhadores. A mdia, agindo num ciclo que consiste em alimentar
crises de referncia para, logo em seguida, oferecer caminhos de suposta transposio dessas
crises, recorrentemente aborda o assunto em tons pedaggicos, fazendo uso de recursos j
bem conhecidos: divulgao de pesquisas cientficas que, embora geralmente dbias e
inconclusivas, supostamente atestam os benefcios da prtica de exerccios fsicos ao serhumano; declaraes de autoridades e especialistas no assunto, alm dos gurus e experts
miditicos; depoimentos e relatos de indivduos comuns, mas que geralmente so escolhidos
pelos exemplos edificantes que representam. Alm da mdia oficial, o culto performance
esportiva tambm invade outra mdia: as pginas das biografias e autobiografias de homens de
sucesso que relatam, atravs de seus exemplos reais, como a prtica do esporte os ajudou a
vencer nos negcios e na vida.2 Nesta rede de discursos mltiplos, porm muitas vezes
convergentes, possvel perceber algumas conexes estratgicas que se formam.A primeira delas diz respeito associao entre os bem-estares fsico e mental: a
prtica de esportes ajudaria a liberar o hormnio cortisol, em teoria responsvel por aliviar o
2 Um influente exemplo nacional de tal subjetividade empreendedora e esportiva alm de Abilio Diniz, cujabiografia analisaremos neste artigo Eike Batista, que relata em sua autobiografia O X da questo: Gosto depraticar esportes, correr, nadar. Sou apaixonado pela velocidade, por carros e lanchas. Fui campeo brasileiro,americano e mundial de offshore. Em 2006, conclui a travessia das 220 milhas nuticas entre Santos e Rio deJaneiro em 3h01min47s, recorde mundial at hoje no superado. (BATISTA, 2011, p. 19).
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estresse e a ansiedade acumulados pela atividade laboral. Numa lgica medicalizante 3, tpica
da cena contempornea, busca-se remediar os efeitos de um trabalho inevitavelmente
estressante4, sugerindo implicitamente que ele pode conviver em perfeita harmonia com o
ideal do gozo desde que se tenha acesso a objetos tcnicos ou a prticas teraputicas
variadas. Associada a esta primeira conexo, notvel, em diversos discursos, a importncia
dada ao suposto ganho cognitivo que os praticantes tm ao transportar um aprendizado do
universo do esporte como a superao de limites, a tenacidade diante dos desafios, o
planejamento de metas, o gosto pela vitriapara as esferas profissionais, pessoais e sociais.
Finalmente, relevante perceber que tal movimento de valorizao da atividade fsica se
reflete nas arenas de consumo, uma vez que seus praticantes tornam-se um novo mercado de
nicho especialmente se pensarmos nos corredores, cada vez mais vidos a consumir aexperincia que participar de uma maratona (e, obviamente, todos os recursos necessrios
para isso).
Este artigo tem o objetivo de analisar alguns discursos corporativos, miditicos e
autobiogrficos que promovem a prtica de exerccios fsicos (em especial a corrida),
atentando sempre para os implcitos e subentendidos, as brechas da linguagem (CASAQUI,
2011, p. 200). Exaltada em suas vantagens e facilidades, a prtica de corrida vem se
mostrando cada vez mais visvel ao transbordar as espacialidades privada e corporativa,invadindo ruas e parques das cidades com os grupos de corrida empresariais que levam as
marcas de suas empresas, no peito, para as corridas do dia-a-dia e das competies. Para
imprimir um corte analtico importante, propomos examinar diversos discursos sociais de
estmulo corrida tendo como fio condutor a autobiografia de Abilio Diniz, Caminhos e
3Ao falar em logica medicalizante queremos fazer referncia ao novo estatuto moral da sade (incluindo a
sade mental) como bem a ser compulsoriamente perseguido pelos sujeitos atravs de meios tecnomdicosdiversos. O carter compulsrio da moral medicalizante pode ser constatado por qualquer pessoa acima dos
quarenta anos que decida no fazer check-ups peridicos, exerccios fsicos, dieta ou utilizar medicamentospreventivos no apenas o indivduo em questo provavelmente se sentir culpado por no fazer nenhumadessas coisas, como seus amigos e familiares provavelmente no se cansaro de aconselh-lo enfaticamente amudar suas atitudes. Tal lgica medicalizante seria mais ampla que o processo de farmaceuticalizao damedicina e, especialmente, do tratamento psquico. Para uma reflexo mais detalhada sobre farmaceuticalizao,ver o artigoA felicidade qumica e pode ser vendida? (PORTUGAL; VAZ, 2012). Interessa observar, de todomodo, a ntima conexo entre a noo de que o tratamento psquico deve ser realizado, cada vez mais, pelaadministrao de medicamentos e a noo de que a corrida e outros esportes deixam as pessoas mais felizesdevido liberao de endorfina ou outros hormnios (veremos adiante como tal noo aparece frequentementeem diversos enunciados contemporneos), pois o pressuposto de fundo das duas noes a de que um estadosubjetivo pode ser reduzido a substratos materiais manipulveis.4 Questionar o porqu de um trabalho inevitavelmente estressante no parece estar na pauta da grande mdia, doslivros de autoajuda ou autobiografias.
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Escolhas (DINIZ, 2004), na qual o executivo do maior grupo varejista brasileiro e ferrenho
praticante de esportesd a sua receita de equilbrio para uma vida mais feliz. Mais do que
um escrito puramente autobiogrfico, trata-se de um misto de textos biogrfico, de autoajuda
e manual de conduo. Algo como um guia de vida, no qual o autor faz uso de sua trajetria,
recheada de percalos e superaes, para construir-se historicamente como exemplo e, com
isso, ajudar mais gente a seguir a trilha da felicidade (idem, p. 14). As demais referncias,
extradas de revistas, sites, jornais, foram utilizadas apenas na medida em que nos permitiam
generalizar para a grande mdia algumas orientaes discursivas presentes na autobiografia de
Abilio Diniz. O nico critrio na seleo de tais referncias, alm da sua compatibilidade
discursiva com nosso referencial condutor, foi temporal utilizamos apenas referncias
publicadas j no sculo XXI.Usar uma biografia como fio que conduz a anlise de mltiplos discursos de estmulo
prtica esportiva entre trabalhadores justifica-se pela semelhana da retrica utilizada nessas
obras (autobiogrficas) e na grande mdia. Tendo geralmente indivduos singulares como
exemplos de subjetividade e prxis ideais, esses discursos constroem uma trajetria de
aprimoramento pessoal calcado em modelos exteriormente prescritos, e no internamente
emergentes. Assim, as escritas de si para utilizar o termo de Foucault (1992)
contemporneas no parecem ser o lugar de fermentao de uma inquietao produtiva, capazde gerar um genuno aperfeioamento pessoal, mas to somente a plataforma de exposio de
vitrias e sucessos conquistados, o suporte que demonstra a prpria superao. O recurso de
encorajar uma prtica a partir de exemplos reais de sofrimento, superao e sucesso tnica
comum s autobiografias de grandes empresrios, como Abilio invade as reportagens de
revistas, jornais e programas de TV. Impossvel resistir pardia e no sugerir que os
modelos ali expostos transformam-se em auspiciosos caminhos para as escolhas dos
indivduos.
Sofrimento, superao e sucesso
Tenho tido sucesso. Claro que sim. Mas meu caminho foi repleto dedificuldades e o xito s foi alcanado com determinao e disciplina. Nome queixo. Tenho certeza de que o crescimento do ser humano muitomaior no sofrimento do que na felicidade (idem, p. 12).
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Desta maneira, Abilio Diniz justifica, logo nas primeiras pginas de sua autobiografia
com tonalidade de texto de autoajuda, o motivo que o levou a publicar um livro. No alto de
seus 68 anos (na ocasio de lanamento do livro; hoje ele tem 75), Diniz argumenta ter
passado e superado experincias negativas suficientes para fazer dele uma espcie de
conselheiro de vida. Seus leitores teriam a oportunidade de aprender com seus erros e, assim,
sofrer menos. Paradoxalmente, o homem que no acredita em crescimento pessoal sem
alguma dose de sofrimento oferta a seus leitores um caminho de redeno e xito privado de
penrias.
A histria narrada por Abilio relata um perodo de aproximadamente sessenta anos
(dos 8 aos 68 anos) pontuado por dois marcantes momentos de superao. O primeiro
acontece por volta dos 12 anos, quando o filho de padeiro baixinho, gordinho, filho nico atos 7 anos passa de presena invisvel numa escola a alvo de escrnio e agresses fsicas em
outra. A primeira superao a se fazer teria origem no bullyingsofrido na infncia, no colgio
Anglo-Latino: No me lembro exatamente como, mas foi naquela poca que tomei uma
deciso: nunca mais voltaria a apanhar de ningum. Jamais voltaria a me acanhar diante das
ameaas que sofresse. Dali em diante, quem me ameaasse receberia o troco (idem,p. 26)
A partir desta primeira metamorfose, na palavra do prprio executivo, emergiu um
novo sujeito, pleno em autoestima, autoconfiana, mas tambm certo distanciamento afetivo.Passei a me admirar e, mais do que isso, a me considerar indestrutvel. Ao mesmo tempo, me
tornei introspectivo e distante das pessoas. Cada vitria me tornava um pouco mais auto-
suficiente [sic] (idem, p. 27). O texto segue elencando as conquistas profissionais e
esportivas adquiridas ao longo da juventude e fase adulta5. Economista, empreendedor e
executivo de uma grande rede varejista, membro do Conselho Monetrio Nacional;
tricampeo de motonutica, vice-campeo de automobilismo e de levantamento de pesos,
ferrenho praticante de futebol, corrida, natao, polo, ciclismo... O menino que haviasuperado o excesso de peso e a hostilidade alheia se tornava um pleno vencedor, encarnando o
modelo maior de sucesso contemporneo: empreendedor de sucesso e tambm esportista de
alta performance. Segundo ele, sua arrogncia e intolerncia aumentavam mesma proporo
de seus xitos e vitrias.
5 Muito pouco falado da sua vida pessoal e das conquistas afetivas.
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Ao final da dcada de 1970 seu pai decide repartir, quase igualmente, a rede de
supermercados entre os herdeiros. Descontente com a deciso6, Abilio se afasta do grupo e
passa a dividir seu tempo entre a administrao do seu quinho nos negcios e o novo
trabalho como membro do Conselho Monetrio Nacional, em Braslia. Esse era o primeiro
indcio de uma leva de sofrimentos e dificuldades que o conduziria segunda grande
superao de sua vida. O racha na famlia, causado pelas discusses sobre o comando da
empresa, seria seguido de seu sequestro, em dezembro de 1989. Aos sete dias de crcere num
cubculo subterrneo se somaria, ainda, o quase falimento do Grupo Po de Acar, em 1990.
Estes trs penosos acontecimentosbriga familiar, sequestro e iminncia de uma bancarrota
seriam os insumos para uma segunda transformao pessoal, agora muito mais profunda e
duradoura:
Humildade. Essa a palavra-chave em torno da qual se organiza todo oprocesso de mudana pelo qual passei nos ltimos anos. Nada disso, claro,aconteceu de uma hora para outra. No houve uma noite mgica em que fuidormir arrogante para acordar humilde. Foi um processo de aprendizadolongo e muitas vezes doloroso. [...] Um processo de busca doautoconhecimento e da construo de uma auto-estima [sic] diferentedaquela que experimentei quando me tornei bom de briga. justamente esseprocesso de mudana e de melhoria da qualidade de vida que eu pretendotratar nesse livro. [...] A inteno neste livro compartilhar com as pessoas
as lies que aprendi aps superar momentos de extrema tenso (idem, p.43-44)
Superao, como se percebe, a tnica do livro. Nesta e em outras construes
discursivas7, a superao , quase invariavelmente, precedida de algum sofrimento ou
dificuldade do indivduo. Os vieses da vida atuariam, assim, como propulsores atitude de
superao que, por sua vez, quando bem empreendida, tem grandes chances de resultar em
sucesso. Em enunciaes que trazem a marca de um ascetismo leigo prximo daquele
identificado por Weber (2004), legitima-se a noo de que o caminho para o sucesso deve serrduo e penoso, repleto de provaes e superaes: sofrer, portanto, importante; superar-se
indispensvel. O elemento responsvel por transformar sofrimento em superao e, com
6O fato de eu ter dado o sangue pela empresa e de ter contribudo muito mais do que qualquer um de meusirmos para a expanso do Po de Acar no me conferia qualquer vantagem dentro da sociedade (DINIZ,2004, p. 33).7Superao pessoal e GATORADE so os combustveis perfeitos para a melhor experincia durante a prova,diz trecho do publieditorial da Gatorade na revista Maratona Caixa da Cidade do Rio de Janeiro, distribuda em
julho de 2012, como forma de promover o evento.
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isso, alcanar o sucesso , segundo Abilio e diversos discursos miditicos, a disciplina. A
disciplina, fora que nos impede de desviar do caminho que traamos para ns mesmos
(DINIZ, 2004, p. 50), seria elemento indispensvel para transformar um modo de vida errante
e ocasional em uma trajetria predeterminada vitria e ao sucesso.
No relato de Abilio, o mpeto para superar o bullying e a baixa autoestima veio
predominantemente do esporteum esporte que enquanto tonificava o corpo, afiava o perfil
competitivo necessrio ao mundo dos negcios. A segunda e mais recente superao envolveu
outros fatores alm da performance fsica. Os traumas pessoais, familiares e financeiros o
teriam feito refletir a respeito de sua existncia, e assim chegar a seis elementos, segundo ele
complementares entre si e essenciais qualidade de vida:
Percebi, ao longo desse processo, que a vida pode ser muito melhor quandoconseguimos levar em conta seis fatorestodos eles essenciais.Os trs primeiros dizem respeito sade fsica. Nossa possibilidade deproteg-la e de refor-la aumenta muito a partir do instante em quepassamos a nos dedicar a uma atividade fsica regular e bem orientada; domomento em que olhamos com mais ateno para aquilo que comemos epara a forma de nos relacionar com os alimentos; e, finalmente, da hora emque nos damos conta de que uma srie de fatores causadores do stress esto(sic) inteiramente sob nosso controle. Cabe a ns mant-los distncia.Os outros trs fatores dizem respeito maneira de nos colocar no mundo. Oprimeiro deles o autoconhecimento, a importncia de estarmos sempre
olhando para dentro de ns mesmos; o segundo o amor, um sentimento quetraz muito mais benefcios, e que deve ser muito mais praticado do que odio; o ltimo trata da importncia e da necessidade de nos relacionarmoscom a grande fora ordenadora do universo Deus por meio da f e daespiritualidade (idem, p. 48-49).
A partir da o livro assume definitivamente a forma de um manual de conduta
pragmtico e espiritual, com cada um dos seis elementos protagonizando um captulo diverso.
Ao final, o leitor ainda contemplado com o Manual do Abilio, guia recheado com
programas, planilhas, tabelas e dicas que vo do treinamento fsico ao espiritual, da
alimentao ideal ao controle de estresse. Destrinchar todo o contedo do livro ainda que
uma tarefa tentadorano o objetivo deste artigo. Mas fazendo, a partir daqui, a ponte com
os discursos corporativos e miditicos, interessa-nos compreender as relaes estabelecidas
entre a prtica de exerccios fsicos (a corrida, em especial) e o desempenho profissional.
Desempenhos fsico e profissional
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Falo de esporte com entusiasmo porque ele sempre foi para mim, desde aadolescncia, uma fonte de bem-estar e alegria. Mais at: foi um instrumentoque me ajudou a moldar uma auto-estima [sic] to firme quanto minhamusculatura. (idem, p. 61).
O primeiro dos seis fatores essenciais qualidade de vida, segundo Abilio, a
atividade fsica. No captulo dedicado a ela o empresrio descreve como a prtica intensa de
exerccios fsicos foi importante, e mesmo necessria, para ele se tornar o homem que . A
descrio dos prazeres obtidos com o esporte nos faz imaginar um interlocutor viciado pelas
sensaes provenientes da liberao de endorfina algo que se repete em muitos relatos
miditicos de praticantes de esportes8. A droga esportiva no estaria em dissintonia com as
demais drogas contemporneas, que mais do que propiciar experincias de introspeco,
como naquelas da dcada de 1960, ofertam aumento de performance e ostentao de si. Mas o
vcio, aqui, ganha conotao inteiramente positiva: suas mais de trs horas dirias de
exerccio9 so objeto de orgulho para ele e de admirao para seus funcionrios, que pontuam
seu texto com depoimentos. Como o da secretria executiva Sonia Ponzini: Posso dizer que
minha mudana de vida se deu porque fui influenciada por ele [Abilio] e pelo seu exemplo.
Via o quanto ele era disciplinado, como conseguia manter suas rotinas de treinos dirios e
pensei: Vou fazer tambm (idem, p. 78). Ou do garom da diretoria do Po de Acar,
Irenaldo Cunha: Se ele leva a srio, quem sou eu para no levar tambm? (idem,p. 78).
O questionamento do garom exemplifica bem a construo subjetiva erguida em
torno de empresrios e esportistas de alto rendimento, como Abilio Diniz. Isso porque ele
encarna a figura do empresrio de sucesso, rico e bem de vida, mas que nem por isso deixa de
ser incansvel no trabalho prova disso ter reerguido o Po de Acar das cinzas,
devolvendo-o o posto de maior grupo varejista do pas. Como ele mesmo diz em seu livro,
8
[...] o bem-estar que invade nosso corpo aps o exerccio cumprido e que, desde ento, no conseguem maisviver sem ele (Diniz, 2004,p. 58). De todos os vcios que eu tenho fumo, caf, comida, sexo[a corrida] onico que me faz to bem (narrao do programa GloboNews Sade de 05 jun. 2012, um de uma srie dedicada prtica de corrida. Disponvel em: . Acesso em: 22 jun. 2012). Quando cheguei ao Km19, comecei a sentir os efeitos da endorfina! Fiquei pilhada, eufrica, feliz! Olha, gente... nunca experimenteinenhuma substncia ilcita na vida, mas confesso que nesse momento achei que estava na maior onda!! Ria pornada e por tudo! (depoimento de uma atleta amadora sobre sua participao na Maratona do Rio no blog Pulso,do Globo. Disponvel em: . Acesso em: 28 jul. 2012.9 Sua prtica diria de exerccios dividida em trs perodos: uma hora de atividades aerbias antes do caf damanh; 45 minutos de musculao e alongamento antes do almoo e mais de uma hora de algum esporte decompetio, como o squash, antes do jantar.
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poderia ter pensado como tantas outras pessoas e desistido, abandonado tudo, seguido outro
caminhoo que certamente, com os seus contatos, no seria tarefa difcil. Mas em tons nada
humildes, ele contesta essa alternativa: No quero parecero Super-homem, mas, com toda
sinceridade, minha cabea funcionou na direo oposta das pessoas que tinham esse tipo de
opinio (idem,p. 64). Assim, essa personificao da resilincia, disciplina e perseveranao
empresrio bem sucedido que, com muita disciplina, administra uma agenda atribulada e um
trabalho estressante com uma dedicao quase religiosa ao exerccio fsico serve de
exemplo para os quase 150 mil funcionrios do Po de Acar10. Encarnandopor que no?
a figura de [re]comeo (EHRENBERG, 2010), aquele capaz de fazer-se a si mesmo
(idem, p. 53) independente de sua origem ou herana, Ablio uma demonstrao do possvel,
o empresrio de sua prpria vida, empreendendo no trabalho e no corpo. Para ele, h umaestreita relao entre as duas esferas.
A lgica desta relao a de que os exerccios resultam em ganhos no apenas fsicos,
mas tambm psquicosuma partida de squash ou de qualquer outro esporte de competio
tem o poder de tirar da cabea as preocupaes e as tenses naturais do trabalho (DINIZ,
2004, p. 69-70, grifo nosso)e cognitivosO esporte ensina. Competir, treinar arduamente,
sofrer com as derrotas, superar os maus resultados. Essas experincias tm um impacto
profundo na formao de uma pessoa (O segredo dos campees, Revista Voc S/A, 05 jan.2010). Assim, contribuiriam para o enfrentamento dos mal-estares e das dificuldades
provenientes do trabalho rduo. Numa prtica j constante de nossa sociedade contempornea,
no h qualquer questionamento do por que ou da necessidade de um trabalho que cause tanto
estresse. Ao invs disso, lana-se mo do esporte como um remdiotalvez mais saudvel do
que ansiolticos, antidepressivos e tranquilizantes, mas que no deixa de ser apenas um
paliativo, um atenuante diante de uma rotina de trabalho que, como se percebe, naturalizada
como devendo ser cada vez mais intensa (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009).No questionar a existncia e a permanncia de um mercado de trabalho
essencialmente desgastante ao indivduo no impede o empresrio de se orgulhar em dizer
que sua companhia uma das empresas brasileiras que mais reconhece a importncia da
atividade fsica na vida de seus colaboradores (DINIZ, 2004, p. 60). Obviamente, os
10 E agora, tambm, aos alunos do curso de Liderana 360 - Abilio Diniz, da FGV/SP, que desde 2010 faz usoda sua histria de vida para ensinar conceitos de liderana, negociao, administrao do tempo e qualidade devida. Disponvel em: . Acesso em: 27 jul. 2012.
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objetivos puramente utilitrios do estmulo prtica esportivacomo a diminuio das faltas
dos empregados, o consequente aumento da produtividade e os imensos descontos obtidos no
seguro de sade corporativo11 restam apenas implcitos nos discursos corporativos, que
exaltam principalmente a associao entre os bem-estares fsico e psquico:
Criado em 1992, quando pouco ou quase nada se falava a respeito dequalidade de vida no mundo corporativo, o Po de Acar Clube, o primeiroclube-empresa do Pas especializado em treinamento de corrida ecaminhada, serve de modelo de referncia para outras empresas queresolveram mais tarde adotar programas internos de qualidade de vida paramelhorar a sade de seus colaboradores e combater o sedentarismo. Hoje oprograma, que promove treinos de corrida e caminhada regularmente etambm atividades como natao e hidroginstica, conta com a participaode 3 mil colaboradores, todos auxiliados por profissionais especializados nas
reas de Educao Fsica e Nutrio. Alm da participao em corridas detodo o Brasil, o clube j marcou presena com seus colaboradores em vrioseventos internacionais expressivos, como Maratona de Nova York (seteanos), Maratona e Meia Maratona da Disney (dois anos) e, maisrecentemente, Maratona e Meia maratona de Paris (quatro anos).12
A corrida de rua, segundo esporte mais popular no Brasil 13, tornou-se o carro chefe
dos programas de exerccio fsico de grande nmero de empresas. As razes so bastante
simples: uma atividade barata, que exige parcos investimentos iniciais os maiores
investimentos seriam de ordem comportamental (como disciplina, organizao,
determinao), e no financeira. flexvel, podendo cada um adequar o treino aos seus
horrios e disponibilidades. Finalmente uma atividade acessvel a todos medida que as
ruas e os parques pblicos so o grande palco de ao. Como resultado, os grupos de corrida
de rua, em sua maioria compostos por colaboradores das mais diversas empresas, proliferam
pas afora. Segundo a reportagem Como a corrida influencia na carreira?, publicada na
Revista Exame em 12 de julho de 2012:
O esporte tem atualmente cerca de 4 milhes de praticantes no Brasil.Considerando as maratonas, meia maratonas e provas de rua de baixaquilometragem (5 quilmetros, por exemplo), h mais de 600 eventos por
11 Segundo resoluo da Agncia Nacional de Sade (ANS), os descontos podem chegar a 30% do valor doplano. Disponvel em: e .Acesso em: 27 jul. 2012.12 Disponvel em: . Acesso em: 27 jul. 2012.13 Disponvel em: . Acesso em: 27 jul. 2012.
http://www.grupopaodeacucar.com.br/responsabilidade-socioambiental/qualidade-de-vida/iniciativas-6.htmhttp://www.grupopaodeacucar.com.br/responsabilidade-socioambiental/qualidade-de-vida/iniciativas-6.htmhttp://www.grupopaodeacucar.com.br/responsabilidade-socioambiental/qualidade-de-vida/iniciativas-6.htmhttp://www.grupopaodeacucar.com.br/responsabilidade-socioambiental/qualidade-de-vida/iniciativas-6.htm -
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ano, 200 deles s na cidade de So Paulo. [...].A atividade ajuda a amenizarou controlar fatores como obesidade, estresse, diabetes e colesterol. Correr,enfim, torna o sujeito mais saudvel. H tambm quem aproveite os treinos eas provas de rua para trocar cartes, captar clientes e at mudar deemprego.14
Praticar um exerccio fsico e ainda implementar o networkprofissional o que prope
a Corporate Run15, competio realizada h oito anos em So Paulo e h cinco no Rio de
Janeiro. Com o mega slogan Competio saudvel, confraternizao, network, oportunidades
de negcios, sade, bem-estar e qualidade de vida, energia e bom humor, a corrida rene
equipes empresariais, com quatro funcionrios cada, competindo em nome das suas
corporaes. De grupos de mdia (O Globo, Revista poca, O Dia, Record, Band News,
Estado de SP) a bancos e grupos de investimento (Bradesco, UBS, Deutsche Bank, BB Previ,Citi Bank); de montadoras de veculos (Honda, Peugeot/Citroen, Toyota) a indstrias
farmacuticas (Merk, Norvartis, Pfizer); de empresas de grande porte (Vale, Petros, EBX,
Coca Cola, IBM) at pequenas organizaes (Comlurb, Bope, Grupo dos Fuzileiros Navais,
Metr Rio). Em 2011, a etapa do Rio de Janeiro reuniu mais de 6 mil corredores, enquanto
em So Paulo cerca de 9 mil correram por suas empresas. Para estimular a competio
saudvel, o site do evento ainda oferece a oportunidade das equipes travarem desafios entre
si. Os inscritos podem, assim, desafiar outra equipe de sua prpria empresa ou tambm umaequipe de empresa alheia, transformando a disputa interna entre equipes em mais uma fonte
de superao de limites, competio e conquista de vitria para os participantes.
Isso nos leva a outro ponto interessante que emerge na anlise dos discursos que
relacionam a prtica esportiva alta performance profissional: trata-se do tipo de aprendizado
obtido nas quadras e nas pistas, e como ele pode ser benfico ao indivduo que o transporta
para outras arenas da vida, tal qual a profissional ou a pessoal. O comprometimento em
praticar um esporte de maneira assdua e diligente demandaria, mesmo do atleta amador, o
planejamento e o estabelecimento de metas, um cronograma de tarefas e aes, o
desenvolvimento da habilidade de lidar com situaes inusitadas, de presso ou
competitividade. Por outro lado, com o progresso esportivo surgiria no indivduo o gosto pela
ao, competio, vitria e superao dos prprios limites. Como possvel perceber, o lxico
14 Disponvel em: . Acesso em: 26 jul.2012.15 Disponvel em: . Acesso em: 27 jul. 2012.
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utilizado para descrever as aes esportivas amplamente similar quele de derivao blica
que vem sendo empregado no universo corporativo, e, como resultado, os aprendizados do
sujeito-esportista servem para empoderar o sujeito-empreendedor (de si, de sua empresa, de
seu trabalho). A prtica esportiva torna-se, portanto, um sistema de condutas de si que
consiste em implicar o indivduo na formao de sua autonomia e de sua responsabilidade
(EHRENBERG, 2010, p. 18).
exatamente o que destaca a matria O segredo dos campees, da revista Voc S/A,
em janeiro de 2010. A partir dos exemplos de ex-atletas profissionais, a reportagem atesta
como a experincia esportiva ajuda a obter alto desempenho na carreira. Aprender a reagir
aps uma derrota o que osgurus do managementchamam de resilincia; estar sempre
preparado para lidar com o inesperado; valorizar uma oportunidade e lutarao mximo paraaproveit-la, afinal todo mundo foi reserva e sabe o quanto vale ser chamado pelo tcnico.
No mundo das empresas, voc luta pela oportunidade dessa maneira. Todos esses
aprendizados seriam eficazmente aproveitados pelo empreendedor de si, que deve agir no
sentido de desenvolver e aprimorar as competncias que valorizem seu biocapital, enquanto
abandone os hbitos que o depreciem (FOUCAULT, 2008a). No preciso, portanto, ser um
ex-atleta profissional para obter, na carreira, as vantagens competitivas doutrinadas pelo
esporte:
O mundo do trabalho vive uma competio constante, como ocorre noesporte. A diferena, dizem os ex-atletas, que para praticar esporte de altodesempenho existe o treino dirio, que d fora, resistncia, confiana epoder de recuperao. No mundo do trabalho, voc compete, mas no treina,diz Ricardo. Com isso, voc no se recupera de forma adequada, o que fazseu desempenho cair. Para manter-se em alta profissionalmente, faa comoos esportistas: treine o corpo e a mente. Voc precisa cuidar da sade paraser executivo, diz Lus Guilherme.16
Consumindo a experincia maratona
O instante em que cruzei a linha de chegada foi, sem dvida, um dos maisemocionantes da minha vida. Tive a impresso de que tudo o que eu fizeraem matria de esportes, no fundo, no fundo, havia sido apenas umapreparao para aquela conquista. Vitria, essa a palavra.
16 Disponvel em: . Acesso em: 18 jul. 2012.
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Independentemente da posio em que eu tenha terminado a prova, eu mesentia um vencedor. E era mesmo (DINIZ, 2004, p. 57).
Desta forma, Ablio Diniz descreve a experincia que teve ao completar sua primeira
maratona, a de Nova York de 1994. Momento inesquecvel, sensao de euforia, sentimento
de vitria. Descries como esta so cada vez mais comuns em reportagens que falam da
participao de atletas amadores em maratonas mundo afora. O denominador comum aos
depoimentos , novamente, a superao de si. Levar o corpo ao limite durante as mais de
quatro horas ininterruptas de corrida, mas mesmo assim dominar os cansaos fsico e mental
seria o grande barato de uma turma denominada como sendo da endorfina (O Globo, 21 jul.
2012).
Valeu a pena cada treino, cada dor, cada momento de preparao... asensao de percorrer os 42,2k realmente uma coisa de outro mundo!Energia positiva, alegria, conquista, superao.. Vale muito a pena!!!!17Cabea decidida, comea a jornada pelos muitos quilmetros que culminaronos 175 metros finais e o prtico de chegada. Emoo e lgrimas compemo cenrio da superao, assim como as bolhas e dores que vo tentar (semsucesso) tirar a sensao de que voc capaz de tudo.18
Depoimentos como estes explicariam no apenas a disseminada dedicao pessoal em
comprometer-se com uma atividade que exige tamanhos esforos fsicos e psquicos, mas
tambm os investimentos financeiros que a prtica empenha. No obstante a ubqua
mensagem de que a corrida seria um esporte barato e democrticodemandando to somente
um par de tnis e uma via pblica , surge uma mirade de produtos e servios disposio
dos corredores obstinados em aprimorar seu desempenho nas pistas. Esse correcorre
movimenta anualmente 4 bilhes de reais por ano (sic), gerando receita para companhias de
vesturio, tnis, suplementos vitamnicos e equipamentos para corrida, como relgio.19 Mas
no s. No citada pela reportagem, as viagens para participar de maratonas ao redor do
mundo proliferam como novo nicho a ser explorado pelas agncias de turismo. Das
maratonas familiares, como a clssica da Disney, chegando ao disputado quinteto da World
17 Disponvel em: . Acesso em: 27 jul. 2012.18 Disponvel em . Acesso em: 26 jul. 2012.19Disponvel em: . Acesso em: 26 jul.
2012.
http://oglobo.globo.com/blogs/pulso/posts/2011/07/20/maratona-do-rio-depoimento-de-eugenia-del-vigna-guga-393521.asphttp://oglobo.globo.com/blogs/pulso/posts/2011/07/20/maratona-do-rio-depoimento-de-eugenia-del-vigna-guga-393521.asphttp://revistacontrarelogio.com.br/materia/corra-uma-maratona-voce-vai-sofrer-mas-vai-adorar/http://revistacontrarelogio.com.br/materia/corra-uma-maratona-voce-vai-sofrer-mas-vai-adorar/http://exame.abril.com.br/carreira/noticias/corre-corre-de-negocioshttp://exame.abril.com.br/carreira/noticias/corre-corre-de-negocioshttp://revistacontrarelogio.com.br/materia/corra-uma-maratona-voce-vai-sofrer-mas-vai-adorar/http://revistacontrarelogio.com.br/materia/corra-uma-maratona-voce-vai-sofrer-mas-vai-adorar/http://oglobo.globo.com/blogs/pulso/posts/2011/07/20/maratona-do-rio-depoimento-de-eugenia-del-vigna-guga-393521.asphttp://oglobo.globo.com/blogs/pulso/posts/2011/07/20/maratona-do-rio-depoimento-de-eugenia-del-vigna-guga-393521.asp -
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Marathon Majors (Berlim, Chicago, Nova York, Boston e Londres), o turismo esportivo, e
aqui especificamente aquele voltado a maratonas, cresce vertiginosamente no Brasil.
Os pacotes mais em conta, como os que tm destinos nacionais ou na Amrica do
Sul, no saem por menos de mil reais. J os suprassumos dos maratonistas (Berlim, Boston,
NY e Londres) chegam a custar dez mil reaisvalor obviamente facilitado pelos benefcios
do crdito parcelado. As ofertas de viagens para participar de uma maratona se multiplicam e
diversificam, com destinos exticos como Mumbai, Seul e Ilha de Pscoa. Tudo para agradar
o praticante que aqui se transforma em consumidor de experincia. No texto de apresentao
oficial da Maratona da Disney20 (traduo nossa), por exemplo, lemos:
Imagine um fim de semana de corridas em que cada milha est repleta de
diverso Disney. Junte-se a ns para um fim de semana de corridasmgicas e memorveis [...] que percorre os quatro parques temticos daDisney. Complete tudo com amigos e medalhas de Mickey Mouse. Vocseria, bem, um pateta em perd-la!
Estimulado social e profissionalmente a inserir a prtica de corrida em sua vida, o
indivduo que se transforma em atleta amador no escapa interpelao do consumo. Se
pudermos pensar, portanto, em toda esfera criada em torno da corrida como um grande
dispositivo de poderque produziria corpos disciplinados e cada vez mais produtivos , tal
dispositivo teria como efeito (ou como consequncia do processo perptuo depreenchimento
estratgico, na formulao de Foucault, 2008b, p. 245) o consumo, eficaz em reutilizar
afetividades, desejos e emoes germinadas na prtica da e no discurso sobre a corrida para
estimular a venda de bebidas tnicas, roupas, tnis, relgios e viagens. Assim, o trabalho, que
serviu como propulsor prtica de corrida, pode aparecer tambm como a condio de sua
possibilidade, como afirma o mdico Paulo Rodrigues revista Pulso, encarte do Globo
dedicado corrida: O esporte s no mais importante do que o trabalho na minha vida
porque ele [trabalho] que sustenta o esporte (Pulso, O Globo, 23 mar. 2012)21
.
Concluso
20 Disponvel em . Acesso em: 31 jul. 2012.21 Disponvel em: . Acesso em: 31 jul. 2012.
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Transformada em atividade fsica da moda pela imensa popularidade que agrega, a
corrida de rua vem sendo absorvida, nas duas ltimas dcadas, pelo universo empresarial. A
facilidade de sua prtica e a visibilidade de marca que proporciona so, juntamente com o
aumento de lucro e produtividade e a reduo dos custos em seguros mdicos, os motivos que
levam diversas empresas a investirem nos grupos de corrida como benefcios de um plano de
qualidade de vida corporativo. Os discursos de sua promoo sejam eles corporativos,
miditicos ou pessoais insistem em apresentar a prtica de corrida como panaceia aos
problemas naturalmente decorrentes de um mercado de trabalho positivamente legitimado
como competitivo, estressante e incessantemente desafiador ao sujeito. A superao de si
aprendida nas pistas passa a ser, hoje, indispensvel ao indivduo intencionado a sobreviver
num mercado de trabalho cuja nica certeza est na constante competio.
Referncias
BATISTA, E. O X da questo. Rio de Janeiro: Sextante, 2011.
BOLTANSKI, L.; CHIAPELLO, E. O novo esprito do capitalismo. So Paulo: MartinsFontes, 2009.
CASAQUI, V. Trabalho, consumo e a produo da felicidade. In: FREIRE FILHO, J. ePINTO COELHO, M.G (orgs.). A promoo do capital humano: mdia, subjetividade e onovo esprito do capitalismo. Porto Alegre: Sulina, 2011.
DINIZ, A. Abilio Diniz, caminhos e escolhas: o equilbrio para uma vida mais feliz. Rio deJaneiro: Elsevier, 2004.
EHRENBERG, A. O culto da performance. So Paulo: Idias & Letras, 2010.FOUCAULT, M. O nascimento da biopoltica. So Paulo: Martins Fontes, 2008a.
__________. Microfsica do poder. Rio de Janeiro, Graal, 2008b.
__________. A escrita de si. In: _____. O que um autor? Lisboa: Vega, 1992.
PORTUGAL, D.; VAZ, P. A felicidade qumica e pode ser vendida? As dimenses ticas emercadolgicas da razo farmacutica. In: Encontro Anual da Comps, jun. 2012, Juiz deFora. Disponvel em: . Acesso em: 25nov. 2012.
WEBER, M. A tica protestante e o esprito do capitalismo. So Paulo: Companhia dasletras, 2004
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Original recebido em: 30/10/2012Aceito para publicao em: 03/12/2012
Resumo do Autor
Julia Salgado Mestre emComunicao e Cultura pelaEscola de Comunicao da UFRJ.Atualmente Doutoranda pelamesma instituio, na linha de
pesquisa Mdias e MediaesSocioculturais.
Daniel Portugal Mestre em
Comunicao e Prticas deConsumo pela ESPM/SP.Atualmente Doutorando emComunicao e Cultura pelaEscola de Comunicao da UFRJ,
pela linha de pesquisa Mdias eMediaes Socioculturais.