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A COORPERAÇÃO ENTRE O MUSEU NACIONAL DE HISTÓRIA NATURAL E O BRASIL A PESQUISA ARQUEOLÓGICA Trajetória presente / perspectivas futuras Prof. Dr. Arno Alvarez Kern

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A COORPERAÇÃO ENTRE O MUSEU NACIONAL DE HISTÓRIA

NATURAL E O BRASIL

A PESQUISA ARQUEOLÓGICATrajetória presente / perspectivas futuras

Prof. Dr. Arno Alvarez Kern

Jean-Baptiste Debret: A “Missão Cultural Francesa” de 1816

A história da cooperação com a França se inicia após a vinda da corte portuguesa para o Brasil. Necessidades culturais novas surgiram no momento em que o Rio de Janeiro tornou-se a sede do Reino Unido, em 1815.

A Missão Cultural Francesa de 1816, composta por artistas e artífices, trouxe para o Brasil um pintor extraordinário, Jean-Baptiste Debret: um naturalista e uma testemunha ativa que retratou a flora, a fauna de nossa natureza tropical, bem como os representantes das múltiplas etnias que compunham a diversificada sociedade brasileira colonial.

Uma extraordinária documentação científica iconográfica produzida por ele ainda hoje nos auxilia nos estudos etnográficos dos tipos sociais e dos elementos de sua cultura material. Sobre a biodiversidade brasileira se abria um novo olhar, atento aos detalhes e curioso em relação aos nossos particularismos.

Botocudos pré-históricos

Guaranishistóricos

Debret nos documenta iconograficamente algumas das etnias cuja cultura material foi muito mais tarde encontrada pela pesquisa arqueológica

brasileira.

Desde 1950 o casal Emperaire desenvolve suas pesquisas nos sítios arqueológicos brasileiros. Devem ser lembrados por terem dado início a uma nova “Missão Francesa” ao Brasil, com uma atuação tão importante na arqueologia quanto é atualmente a de Debret para a História da Arte Brasileira. Até meados de 1970, Madame Emperaire desenvolve inúmeras atividades pioneiras de pesquisa e de formação intelectual de muitos dos arqueólogos brasileiros desta época. Os grupos de pescadores e coletores marinhos dos sambaquis do litoral tiveram um tratamento científico e a aplicação das melhores metodologias. Aprofundou-se o debate da contemporaneidade entre o homem e a fauna extinta. Foi promovido o estudo das representações rupestres. Annette Laming-Emperaire foi uma figura ímpar, pelas suas diversificadas e valiosas pesquisas no incipiente campo da arqueologia pré-histórica brasileira.

Annette Laming-Emperaire e José Emperaire: uma “Missão Francesa” arqueológica no Brasil.

Annette Laming-Emperaire teve um grande destaque nas pesquisas arqueológicas que se desenvolviam sobre a arte pré-histórica na Europa. Enquanto nos 50 a equipe de Leroi-Gourhan fazia um monumental inventário de todas as pinturas, gravuras e esculturas da arte franco-cantábrica, Madame Emperaire redigia sua tese de doutorado sobre os aspectos teóricos voltados para o significado desta arte, cujos exemplares podia observar também no Brasil, nas cavernas e abrigos rupestres do Paraná e Minas Gerais.

• A grande contribuição de Laming-Emperaire foi a noção de que a arte pré-histórica desempenhou uma importante função social. De maneira metafórica, ela concebeu as representações pré-históricas como um reflexo ideológico das sociedades, de seus conflitos e de suas dificuldades. Os homens do passado procuraram fixar sobre a matéria suas impressões fugidias, suas crenças e seus pensamentos. Segundo ela, os mais antigos ensaios artísticos foram as primeiras mensagens conscientes transmitidas a nós do mais profundo das idades.

• As idéias de Laming-Emperaire devem também ser consideradas importantes mensagens e contribuições conscientes que nos chegam, vindas das primeiras décadas do pós-guerra e que marcam uma época: a dos primeiros passos da pesquisa arqueologia brasileira [1].

•[1] LAMING-EMPERAIRE, A. L’Archéologie Préhistorique. Paris, Ed. Du Seuil, 1966. p. 6-7. KERN, Arno Alvarez. « As práticas e as reflexões arqueológicas de Annette Laming-Emperaire ». Arqueologia (N° Especial), Curitiba, v. 4, p. 87-99,2007.

• No Brasil Central, as pesquisas franco-brasileiras tiveram con-tinuidade com as relações institucionais estabelecidas entre a Universidade de São Paulo e o Muséum National d’Histoire Naturelle de Paris. A coor-denação dos trabalhos estáatualmente a cargo de Levy Figuti (M.A.E. – USP, São Paulo), de Águeda Vialou e Denis Vialou (M.N.H.N – C.N.R.S., Paris), com a participação de inúmeros pesquisadores brasileiros, da França e de outras nacionalidades.

• As pesquisas se desenvolveram a partir de 1983 no município de Rondonópolis (sítios arqueológicos da Cidade de Pedra) e no de Jangada (sítio arqueológico de Santa Elina), no sul do estado do Mato Grosso.

Uma nova Missão Arqueológica Francesano Brasil: a equipe do MNHN.

• È o sítio arqueológico que evidencia atualmente a mais antiga ocupação humana (Pleistoceno) localizada no centro do continente sul-americano. É o único sítio no Brasil que comprova a convivência do homem há 25 mil anos e há dez mil anos com a preguiça gigante (megatério).

• A pesquisa “conjuga conhecimento de especialistas em vários domínios científicos para conhecer o contexto natural e cultural em que o homem pré-histórico vivia; retraça por meio de seus vestígios, o seu modo de vida, e compreende suas reações ao meio ambiente igual ou diferentes do atual e suas interações com este” (A. Vialou).

O sítio arqueológico de Santa Elina

Cidade de Pedra: uma centena de metros quadradosde formações rochosas às margens do Rio Vermelho:130 sítios arqueológicos com abundantes pinturas e raras gravuras

Uma íntima simbiose entrea arte rupestre e paisagens

• Pesquisa desenvolvida na região sul do Brasil evidenciou os sítios relacionados ao povoamento da região desde a última glaciação. Muitos deste sítios evidenciaram a arte pré-histórica com manifestações variadas: gravuras, pinturas e esculturas. São os testemunhos da existência de numerosos grupos humanos em paisagens muito distintas produzindo uma cultura material variada e uma arte rica em significados.

• Os resultados são apresentados anualmente no MNHN, em Paris.

Parcerias com outras instituições: o povoamento do Rio da Prata e a arte pré-histórica sul-brasileira.

• A proposta deste encontro entre pesquisadores franceses e brasileiros não se situa à margem das relações interinstitucionais, mas pretende se firmar na realidade viva e hoje em dia constantedas mudanças que marcam a pesquisa em nossos dois países. Temos como objetivo suplantar as inquietudes e dúvidas que podem criar obstáculos às novas problemáticas que atualmente emergem.

• Não se trata aqui nem de oportunidade para comemorações, nem de um balanço exaustivo. Como autores e atores das atividades conjuntas desenvolvidas, temos possibilidades de desenvolver umadiscussão séria sobre a trajetória presente e as perspectivas futuras da cooperação franco-brasileira nos campos de atuação do MNHN.

Reflexões e propostas sobre a cooperação científica França/Brasil

:””

• A pesquisa desenvolvida pelos pesquisadores do MNHN na área da arqueologia tem sido uma parceria frutífera com os pesquisadores brasileiros, principalmente com a USP, mas não exclusivamente. Envolve os alunos de pós-graduação e de graduação de diversas instituições, possibilitando a sua participação em um grupo internacional de pesquisa da maior importância e tradição na área.

• Estas missões arqueológicas pontuais do MNHN tem uma duração de algumas semanas ( 4 a 8) durantes as férias do verão europeu. Entretanto, suas atividades de campo e de laboratório permitiram aos pesquisadores franceses conhecer melhor a realidade brasileira e difundir no Brasil a pesquisa francesa.

• Para o Brasil, a França tem sido em muitas áreas uma boa alternativa para a pesquisa conjunta e uma cooperação científica digna deste nome, sobretudo no campo da arqueologia. A França representa para nós um país latino e europeu. Por ser europeu e latino, abre ao Brasil ótimas possibilidades de acesso ao organismos de pesquisa e às universidades, com o apoio cultural e financeiro da Comunidade Européia.

Reflexões e propostas sobre a cooperação científica França/Brasil

• Graças à pesquisa desenvolvida pelo MNHN na área da arqueologia tem sido uma parceria frutífera com os pesquisadores brasileiros, principalmente mas não exclusivamente a USP, e com os alunos de pós-graduação e de graduação de diversas instituições, possibilitando a sua participação em um grupo internacional de pesquisa da maior importância.

Aspectos positivos do intercâmbio bilateral de conhecimentos, estabelecido

entre as equipes envolvidas:

• Nas etapas iniciais, as Missões Francesas tinham relações assimétricas nas suas relações com a jovem ciência arqueológica brasileira. Recentemente, este panorama mudou. Uma dos motivos foi o a possibilidade de jovens pesquisadores brasileiros serem acolhidos na França para a realização um aperfeiçoamento no campo da pesquisa e doutorados em arqueologia. Mas devemos destacar também o desenvolvimento rápido da pós-graduação brasileira. Atualmente as equipes de pesquisa são efetivamente muito mais cooperativas e funcionam em bases igualitárias.

• B) A partir das pesquisas conjuntas, estas relações simétricas e equilibradas favorecem a transferência de saberes, de experiências, de modernização tecnológica, bem como uma discussão epistemológica importantíssima nos territórios da metodologia e da teoria, bem como da história das ciências.

• C) Podemos hoje buscar em conjunto soluções, discutir os novos desafios enfrentados pelos pesquisadores. Por exemplo: ultrapassar as barreiras administrativas, definindo e estabelecendo também acordos bilateriais por convênios escritos, para institucionalizar os convênios reais já existentes.

• A partir da análise da trajetória presente, podemos nos interrogar sobre o futuro da pesquisa. Uma avaliação seguida de um olhar para as possíveis proposições é sempre importante. Devemos nos interrogar nesta oportunidade sobre o destino da pesquisa arqueológica nos quadros das relações França – Brasil. Muitas podem ser as proposições para uma discussão. No campo da arqueologia, poderíamos destacar duas das mais importantes, sem excluir as demais:

• A) Como relação interdisciplinar: um reforço à relação interdisciplinar entre, por exemplo, a geologia (os relevos e os episódios paleo-climáticos do passado), a paleontologia (a fauna do passado), a arqueologia (as realizações técnicas e artísticas do homem no passado).

• B) Como eixo de pesquisa: a diversidade dos grupos étnicos no passado arqueológico e as sua adaptações culturais às paleopaisagens do pleistoceno final e do holoceno.

Proposições

• O desenvolvimento da educação de pós-graduação recente no Brasil éaltamente positiva, mas não é a única variável para garantir um bom desenvolvimento qualitativo e quantitativo da pesquisa conjunta.

• A) Primeiramente, ele se complementa com o apoio dos órgãos financeiros e institucionais definida em uma política nacional e local de apoio à pesquisa.

• B) Em segundo lugar, a definição de um potencial da pesquisa nacional e uma pesquisa tornada “brasileira”, ou seja, crescimento rápido de uma pesquisa voltada para objetos e fins brasileiros, com o estabelecimento de questionários científicos relacionados a problemáticas brasileiras.

• C) Finalmente, o fortalecimento e/ou ampliação das redes de investigadores (orientandos e orientadores) e de laboratórios é de fundamental importância para a melhoria qualitativa e quantitativa da pesquisa que se faz em nosso país, bem como a sua difusão social na internet: www.proprata.com.br .

Exemplo: o processo de neolitização

e a domesticação

do milho:

Exemplo: uma pesquisa sobre plantas domesticadas que se

“abrasileira”, em uma temática Tupi-guarani.

As linhas gerais que podem guiar neste estudo proposto são as transformações das paleopaisagens e a sua relação com o processo de povoamento pré-histórico: um fenômeno de longa-duração relacionado à: fauna, flora, clima, relevo, caçadores, coletores, pescadores e horticultores. O ponto de partida pode ser a realização de uma síntese, tendo como bases documentais as informações arqueológicas e históricas existentes atualmente. Diversas podem ser as temáticas abordadas, dentre as quais se poderiam destacar os processos adaptativos dos grupos pré-históricos com as paleopaisagens em mudança, os padrões de subsistência, as fontes de matérias primas, as tipologias dos artefatos (líticos, ósseos, cerâmicos), a arte rupestre, as cronologias, as relações de conflito ou de integração sociocultural e étnica.

Transgressões e regressões marinhas

A ocupação e o povoamento podem ser explicados, ao longo dos milênios, desde o momento que os primeiros caçadores aqui chegaram, até as investidas colonizadoras dos grupos horticultores Tupi-Guarani e o processo de europeização provocado pelos povos ibéricos (portugueses, espanhóis), franceses, etc.

A realização deste imenso panorama, em uma perspectiva diacrônica e sincrônica, é necessário principalmente tendo em vista a gama de resultados no atual estado em que se encontram as pesquisas. Reconstituir este longo processo tem como ponto de partida o princípio de que este é um dos objetivos da Arqueologia, graças aos seus estudos realizados com a biodiversidade e em relação ao homem do passado, a partir das evidências da cultura material remanescentes. Mesmo que restem ainda muitas etapas das pesquisas a serem realizadas, antes de uma versão definitiva, as análises diacrônicas globais como esta são necessárias, como forma de levar à sociedade brasileira o seu passado histórico renovado cientificamente.

Muito Obrigado.