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Logic, Language and Knowledge. Essays on Chateauriand’s Logical Forms Walter A. Carnielli and Jairo J. da Silva (ed Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 17, n. 2, p. 199-223, jul.-dez. 2007. CDD: 149.7 A Construção da Regra IV das “Regras para Direção do Espírito” sob uma Perspectiva da “Mathesis Universalis” ÉRICO ANDRADE Universidade Federal de Pernambuco RECIFE, PE [email protected] Resumo: Tomar a Regra IV como a junção – sem o aval de Descartes – de dois textos distintos passou a ser um lugar comum na literatura sobre aquele texto. Seria necessário explicar a distinção entre os textos recorrendo à outra importante distinção: entre mathesis universalis e método. Com efeito, nosso artigo tenta pôr em questão essa interpretação clássica na medida em que pretende mostrar que a revisão que se opera no seio da matemática torna-a menos uma ciência das grandezas abstratas que um método que constrange as ciências a instituir a ordem e a medida em seus estudos. Em outras palavras, pode-se pensar que a discussão sobre a matemática em que se ocupa a Regra IV tem como objetivo uma universalização das operações de ordem e medida, em detrimento de uma compreensão da matemática como ciência das grande- zas abstratas. Assim, defenderemos que a Regra IV ocupa-se de um único problema: a instituição de um método universal. Devemos considerá-la então como um único texto. Palavras-chave: Mathesis universalis. Método, Regra IV. Ciência. Matemática. 1. Introduction O anuncio do método na Regra IV a põe em um lugar de particu- lar destaque no conjunto das demais regras das Regulae ad Directionem Inge- nii (doravante: Regras). Será justamente na sua epígrafe que o termo metho- dus aparecerá no texto das Regras com intuito de subordinar toda investi- gação científica à determinação, prévia, de suas regras: o método é necessário na busca da verdade (la méthode est <absolument> nécessaire pour la recherche de la

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Logic, Language and Knowledge. Essays on Chateauriand’s Logical Forms Walter A. Carnielli and Jairo J. da Silva (ed

Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 17, n. 2, p. 199-223, jul.-dez. 2007.

CDD: 149.7

A Construção da Regra IV das “Regras para Direção do Espírito” sob uma Perspectiva da “Mathesis Universalis” ÉRICO ANDRADE Universidade Federal de Pernambuco RECIFE, PE

[email protected] Resumo: Tomar a Regra IV como a junção – sem o aval de Descartes – de dois textos distintos passou a ser um lugar comum na literatura sobre aquele texto. Seria necessário explicar a distinção entre os textos recorrendo à outra importante distinção: entre mathesis universalis e método. Com efeito, nosso artigo tenta pôr em questão essa interpretação clássica na medida em que pretende mostrar que a revisão que se opera no seio da matemática torna-a menos uma ciência das grandezas abstratas que um método que constrange as ciências a instituir a ordem e a medida em seus estudos. Em outras palavras, pode-se pensar que a discussão sobre a matemática em que se ocupa a Regra IV tem como objetivo uma universalização das operações de ordem e medida, em detrimento de uma compreensão da matemática como ciência das grande-zas abstratas. Assim, defenderemos que a Regra IV ocupa-se de um único problema: a instituição de um método universal. Devemos considerá-la então como um único texto. Palavras-chave: Mathesis universalis. Método, Regra IV. Ciência. Matemática.

1. Introduction

O anuncio do método na Regra IV a põe em um lugar de particu-lar destaque no conjunto das demais regras das Regulae ad Directionem Inge-nii (doravante: Regras). Será justamente na sua epígrafe que o termo metho-dus aparecerá no texto das Regras com intuito de subordinar toda investi-gação científica à determinação, prévia, de suas regras: o método é necessário na busca da verdade (la méthode est <absolument> nécessaire pour la recherche de la

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vérité des choses / Marion, p. 10 // AT, X, p. 371)1. Embora a Regra IV seja vital para compreensão do método cartesiano, ela apresenta um gra-ve problema conjuntural. A perda do original latino das Regras talvez não fosse tão problemática, se as cópias existentes apresentassem o mesmo texto, mas ironicamente as cópias apresentam diferentes versões da Regra IV: na versão de Hanover parte da Regra IV é posta no fim das Regras, ao passo que a versão latina preserva a Regra IV em um único texto (AT, X, p. 374 /nota a). Esse problema poderia ser solucionado se os textos apre-sentassem uma datação, o que não é o caso2. A falta de uma datação precisa impeliu a literatura secundária a tentar redesenhar o percurso intelectual cartesiano no momento da elaboração do texto das Regras a fim de dirimir ou atenuar o problema de sua cronologia.

Os indícios quanto à separação do texto são poucos. Conjecturas, apenas. Estamos, portanto, diante de uma questão decisiva e de cunho eminentemente interpretativo. Por isso, a importância de se perguntar sobre a continuidade ou ruptura entre os dois textos, sobretudo, o que se

1 As citações da obra de Descartes são feitas da seguinte maneira: Œuvres de

Descartes Adam, C. et Tannery, P. 11v. Paris, Vrin, 1986. Doravante: AT, volume e página. Recorreremos à tradução de Marion e, por isso, deixaremos o texto na maior parte das vezes em francês: Marion, J-L et Costable, P. Règles Utiles et Claires pour la Direction de l’Esprit en la Recherche de la Vérité. Netherlands, Martinus Nijhoff, 1977. Sobre esse ponto ver: AT, X, p. 374 (nota a); (AT, X, p. 253-256) e AT, X, p. 356-357. Gostaria de agradecer as observações e questões do professor Garber quanto ao texto e as do professor De Buzon. Quando realizadas, todas as traduções serão nossas.

2 Cf: comentário de Adan et Tannery: Aucune des textes, que nous avons des Regulae, ne se trouve daté. Nesse sentido, todas as afirmações são conjecturas. AT, X, p. 486. Além disso, Descartes não fez nenhuma referência ao texto em suas obras posteriores, tornando ainda mais difícil estabelecer sua datação. Adan, Cf. nos avons dit qu’il y a deux copie au moins des Regulae (qu’avaient été conrsevées en Holland) que si trovent dans les Opuscula Posthuma (Amsterdam, 1971). Il y a aussi une autre exemplaire que Leibniz avait lequelle se trouve mantainent à Hanouver. AT, X, p. 253-256. Cf. AT, I, p. 49.

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refere à relação – turva, é verdade – entre método e matheis univeralis; am-bos os termos introduzidos na Regra IV. Enquanto o termo método apare-ce apenas na primeira parte do texto (dita Regra IV-A) o termo mathesis universalis aparece justamente na outra parte (dita Regra IV-B). Devemos salientar que no momento em que um dos termos aparece o outro não aparece. Na versão de Hanover há algo ainda mais drástico: a Regra IV-B, na qual aparece o termo mathesis universalis, é deslocada para o final das Regras, como um apêndice, sugerindo uma oposição diacrônica de inte-resses distintos que perfaziam a constituição de dois textos. Convém saber, então, se existem de fato dois textos essencialmente distintos e que se reportam a problemáticas distintas e, talvez, opostas.

Apesar dos indícios – na maior parte das vezes, sequer circunstan-cias – os comentadores de Descartes são quase unânimes quanto à divi-são do texto. Com efeito, a natureza da distinção dos dois textos abre margem à discussão sobre o método e a ciência cartesiana que dele de-corre. Duas hipóteses foram formuladas para articular a Regra IV e exa-minar a relação entre a mathesis universalis e o método. Elas nem sempre guardam uma grande afinidade. Prologando os resultados da crítica de Weber, Shuster propôs tomar a Regra IV-B como um modelo adotado por Descartes para redigir a IV-A. Ele situa a regra IV-A nos anos da juventude de Descartes no quais ele trabalhava na reforma da álgebra e nas notas das Cogitationes Privates, relativas aos compas spéciaux e a uma teoria geral das proporções. Descartes teria, por fim, abandonado o pro-jeto de uma mathesis universalis por volta de 16303. Por isso, ele não em-pregaria mais a expressão mathesis universalis. Uma segunda interpretação,

3 Poderíamos destacar desse grupo de comentadores: Weber. Aliás, é ele

quem confere essa clássica notação de IV-A et IV-B. Weber, 1964, p. 3. Cf. Também Gaukroger, S. Descartes: na intellectual bibliography. New York, Oxford university press, 1995, reimprimé 1997, p. 432 (sobre seu acordo). Ver também Schuster, 1980. Na edição de AT os dois possíveis textos são postos juntos: dernière partie dont a un caractère d’autobiographique, qui explique qu’on ait pu la mettre ainsi à part, AT, X, p. 374 (note a).

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aquela de Marion, ofere-nos uma conjectura cronológica menos densa e tenta considerar as Regras IV-A et IV-B a partir de uma convergência – biunívoca – de temáticas (Marion, 200, p. 55-63).

O fio condutor da reconstrução dessa regra não se apoia exclusi-vamente nas escassas sugestões de algumas correspondências cartesianas, as quais poderiam fornecer, dentro de um certo limite, indícios da data-ção do texto. O epicentro do embate em torno da cronologia do texto centra-se, sobretudo, na compreensão do projeto das Regras. Nessa pers-pectiva, acreditamos que a questão central não se trata de apresentar as justificativas históricas, que serão sempre especulações, dada a ausência do original, mas de se determinar se os dois textos devem ser lidos como uma unidade temática ou não. Nossa interpretação pretende, portanto, redirecionar a discussão da cronologia para uma discussão ainda mais fundamental, a saber; aquela que pretende determinar se os textos devem ser lidos conjuntamente ou não. Defenderemos a tese, portanto, de que o pensamento cartesiano resta governado em toda Regra IV por uma única questão: a procura por um método universal. Da matemática (Regra IV-A) a mathesis grega (Regra IV-B), Descartes prucurar construir uma mathe-sis universalis que guarda as certezas das demonstrações matemática, à medida em que revela seu método na sua acepção mais universal.

O sentido de uma tal tese é duplo: a distinção entre mathesis univer-salis e mathematica e a promoção da mathesis universalis ao status de método universal. Nesse sentido, desaprovaremos as leituras que apregoam uma autonomia entre os dois textos, isto é, a regra IV é conduzida, para nós, por uma mesma questão: a instauração de um método para resolução dos problemas de todas as ciências, portanto, universal. Nos ocuparemos num exame profundo e detalhado do novo significado da mathesis universa-lis cartesiana, destacando seu papel metodológico que lhe é conferido pela ênfase às noções de ordem e medida. Analisaremos a passagem da concepção vulgar da matemática a uma concepção metodológica que desembocará na mathesis universalis. Considerando que a mathesis universalis

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é a expressão máxima do método cartesiano podermos esclarecer como a ordem e a medida constituem as bases metodológicas para uma ciência essencialmente dedutiva. Concluiremos que a Regra IV deve ser tomada como um único texto, voltado a uma única questão: o estabelecimento de um método universal.

2. A distinção entre as Regras IV-A e IV-B: a duplicidade de projetos

A clássica distinção do texto entre Regra IV-A e Regra IV-B é fornecida por Weber para quem os textos seriam radicalemente distintos. A sua argumentação está centrada em quatro blocos: 1 Há uma fronteira terminológica entre os texto, uma vez que a IV-A trata do método sem mencionar a mathesis universalis, ao passo que a Regra IV-B ocupa-se da mathesis universalis e não emprega o termo método (Weber, 1964, p. 7); 2 Há uma fronteira semântica entre os textos, de sorte que é possível ler um sem ler o outro sem que haja nenhum problema para compreensão de ambos. 3 Os textos não formam um todo orgânico. 4 Após a Regra IV-B, não existe mais nenhuma referência à mathesis universalis, ao contrário da Regra IV-A que é fortemente retomada (Weber, 1964, p. 4-5). Esse quatro blocos argumentativos traçam uma distinção radical entre os dois textos: por um lado estariam as questões concernentes ao método uni-versal através do qual se poderia pensar todas as ciências – o método doravante resumido no Discours – (Regra IV-A). Por outro lado, estariam as questões concernentes à unificação da matemática a partir da constru-ção de mathesis universalis (Regra IV-B). (Weber, 1964, p. 4-5).

No seu artigo de Schuster reforça a idéia de Weber de que a omis-são do termo mathesis universalis na Regra IV-A e a ausência do termo método na Regra IV-B serve como argumento central para se conceber a distinção entre os dois textos (Schuster, 1980, 46, p. 45). Todavia, contra-riamente a Weber – para quem as Regras IV-A e IV-B eram distintas por tratarem de temas significativamente diferentes, posto que a mathesis uni-versalis n’aurait aucune liasion avec le méthode universelle (Weber, 1964, p. 8) –

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Schuster defende que os dois pedaços são diferentes porque a Regra IV-A reformularia a Regra IV-B. No entanto, isso não significa, argu-menta ainda Schuster, que a idéia de um método geral se derive da mathe-sis universalis (Schuster, 1980, p. 46), mas apenas que Règle IV-A amplia a idéia de uma ciência geral, ainda concebida na Regra IV-B como uma mathesis universalis. Os conteúdos seriam diferentes por pertencerem a diferentes momentos do pensamento cartesiano. Assim, o texto IV-B seria conseqüência das especulações matemáticas, as quais Descartes tinha se dedicado no seus primeiros anos de estudo, ao passo que o texto da Regra IV-A seria uma ampliação do ideal cartesiano de uma ciência unificada. Enfim, os textos guardam uma argumentação parecida por abordarem a universalização do saber – a Regra IV-A de um método geral Regra IV-B de uma matemática universal (Schuster, 1980, p. 83) – mas diferem no conteúdo, ou mais precisamente, no propósito. Dessa forma, ao contrário da mathesis universalis, que se aplica apenas às ciências matemá-ticas, o método geral seria mais amplo e aplicar-se-ia a todas as ciências.

Essa compreensão é seguida quase à risca por Gaber que retoma a inconsistência que marca a divisão entre os textos supracitados (Garber, 1992, p. 31.). Segundo ele, as Regras VIII e V não seriam conciliáveis com as Regras IV e XIV. As Regras V e VII se ocupariam com a ordem tomada como a essência do método – aplicável a todos os domínios do conhecimento – ao passo que a as Regras IV e XIV estariam ligadas às questões matemáticas, desenvolvidas e trabalhadas no início dos anos de 16204. Desse modo, Garber estima que o problema com o cálculo com

4 Na tentativa de inserir o pensamento cartesiano na história da filosofia

analítica Mittelstrass acentua o conceito de linguagem universal cartesiano, descrito unicamente numa carta a Mersenne, a despeito do projeto de uma mathesis universalis. Ele defende, então, que a mathesis universalis is simply a general theory of quantities and proportions, ao passo que a linguagem geral transcreveria o anseio cartesiano de construção de uma linguagem pura, como fará mais tarde Leibniz. Mittelstrass, 1979, p. 593. Ver também: Kobayashi, 1993, p. 25-26 e Mehl, 2001, p. 254-256.

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proporções é uma questão relativa à mathesis universalis. Os intérpretes da ciência cartesiana não deveriam portanto se ocupar daquela questão, considerando que o próprio Descartes tomou consciência das falhas que perfaziam seu projeto, abandonando-o e ocupando-se da discussão sobre o método5. Dever-se-ia procurar o princípio do método cartesiano não na mathesis universalis, mas no conceito de ordem. A opinião formulado por Sasaki inscreve-se nitidamente num horizonte próximo àquele de Garber. Nos seculos XVI e XVII, numerosos textos atestam que a apli-cação de uma matemática geral às questões de proporção implicara a cponsgtrução de uma nova ciência: a mathesis universalis. Nessa perspecti-va, a mathesis universalis cartesiana deveria ser compreendida como uma matemática geral como aquelas que existiam no referido período. Se-gundo ele, a mathesis universalis: works fully only within the mathematical sciences (Sasaki, 2003, p. 198). Assim, a mathesis universalis cartesiana faria eco as trabalhos de Viète, Harriot, Oughtred, Van Scchooten e Wallis ao trata da aritmética spécieuse ou álgebra do cálculo geométrico.

Com efeito, para alguns intérpretes a mathesis universalis cartesiana não se esgota numa matemática geral e deveria ser tomada como um método. As Regras IV-A e IV-B seriam quase idênticas, afirma Van de Pitte, porque Descartes não consideraria mathesis universalis inscrita no domínio exclusivo da matemática (Van de Pitte, 1991, p. 73). Para tanto, Van de Pitte sublinha que a significação do termo mathesis não deve pas-sar despercebida. Descartes que destaca a significação daquele termo, parece insistir que aquele revela o caminho seguro para a atividade cientí-fica nos seus múltiplos modos. (Van de Pitte, op. cit., p. 65). Assim, a

5 Garber defende uma tripla fase do método cartesiano: 1a Regras 2a Ensaios

3a Princípios da Filosofia. As duas últimas fases seriam absolutamente diferentes da primeira pela utilização de hipóteses falsas. Garber, 2004, p. 116, 120 et 164-168. Contra essa interpretação de Garber e outras, defendemos em recente artigo que a mathesis universalis ou o método apresentado na Regras, não se opõe ao uso de hipótese falsas e da experiência, mas ao contrário o pressupõe. (Andrade, 2006).

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mathesis universalis poderia alicar-se a todas as ciências porque o principio da validade da ciência é seu caminho de descoberta revelado pelo método cartesiano. O estudo de Beyssade é inspirado na mesma certeza na medi-da em que toma o método universal, a ciência universal e a mathesis univer-salis como denominações diferentes de um mesmo desdobramento da razão que se disciplina através da ordem e da medida por meio da institu-ição de um único método cuja designação é maleável e depende do con-texto. Contudo, trata-se sempre de repensar a um única ciência se repor-tando à unidade da razão (Beyssade, 2001, p. 312-314).

Longe de reter a divisão da Regra IV como a marca de uma dupli-cidade de projeto, Marion percebe nas secções da Regra IV um formato comum (Marion, 2000, p. 56). Sem negar o método universal a mathesis universalis realiza a exigência de um conhecimento certo e evidente na medida em que a matemática pode ser considerada como produtora de certeza no pensamento e na ciência cartesiana (Marion, 2000, p. 59). A mathesis universalis é estabelecida como uma exigência de reenviar à esfera metodológica toda interrogação sobre a a origem e a certeza no conhe-cimento. Assim, toda a análise da Regra IV não pode se furtar de perce-ber que nos dois textos a questão central é de determinar um método fundamento de toda certeza. O divórcio entre os textos se dissolveria numa harmonia silenciosa que transcreveria uma bijeção no âmbito dos argumentos.

Esse debate instiga e nos constrange a procurar saber qual poderia ser o ponto de desacordo entre os textos que obrigaria a tomá-los como textos distintos. Se a Regra IV-A deve ser lida aparte da Regra IV-B, por que na versão da Amsterdã elas aparecem juntas? Essa pergunta pode se aplicar também a versão de Hanover: Se a Regra IV-A pode ser lida a parte da Regra IV-B, por que se remete o leitor, através de nota, à leitura da Regra IV-B (AT, X, p. 374 nota a)? Primeiramente mesmo que admi-tamos que se tratam de textos diferentes seremos obrigados a acreditar que eles guardam alguma relação em comum, pois ambos são enumera-

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dos como a Regra IV. Desse modo, concernem a uma mesma regra, seja ela refeita ou não, isto é, seja a Regra IV-B um apêndice ou anexo da Regra IV-A, ela deve guardar necessariamente alguma relação com a Regra IV-A. Cumpre descobrir qual é essa relação.

3. A propósito da continuidade dos dois textos: o método e a via de acesso ao conhecimento certo e evidente

O termo latino via parece-nos crucial para compreendermos a con-tinuidade temática dos dois textos, visto que ele pode atenuar a ausência do termo methodus na Regra IV-B. Esse termo é sinônimo do termo iter cuja significação é: caminho, trajetória, meio e etc. Entre essas diversas conotações, convém assinalar os termos caminho e meio, pois eles reúnem os diversos sentidos dos termos iter e via. Como nas cópias das Regras não há uma tradução francesa completa6, consultaremos o Discours para mos-trarmos a equivalência semântica entre os termos latinos e franceses. Vejamos a seguinte passagem do Discours com sua edição latina.

Et enfin je n’eusse su borner mes désirs, ni être content, si je n’eusse suivi un chemin par lequel, pensant être assuré de l’acquisition de toutes les connaissances dont je serais capable... (AT, VI, p. 28). En Latin: Nec de-nique cupiditatibus imperare, ac rebus quae in potestate mea sunt conten-tus esse potuissem, nisi viam illam fuissem secutus, per quam considera-bam me ad omnem rerum cognitionem perventurum cujus essem capax... (AT, VI, p. 555).

O termo caminho é identificado com o mode ou moyen através do

qual se pode se dirigir ao conhecimento de algo. Ele designa uma espécie de direção a partir da qual se segue com segurança em busca da verdade. Pode-se constatar ainda essa associação do método ao caminho seguro

6 Existem apenas alguns extratos feitos, provavelmente sem a permissão de Descartes, por Port-Royal, Nicola Poisson e Adrien Baillet, cf. AT, X, p. 470-484.

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no famoso exemplo do Discours, no qual se determina que o único meio seguro e certo de sair de uma floresta é seguindo uma linha reta, um droit chemin (AT, VI, p. 24-25). Sobre o droit chemin tem-se certeza de que a busca não será vã, que se chegará inexoravelmente a todo conhecimento que o homem é capaz7. Sob esse ponto de vista o método se constitui como o único caminho através do qual se pode estar seguro dos resul-tados a serem obtidos na pesquisa. O caminho é considerado, por conse-guinte, como o meio através do qual se passa de um ponto a outro, ou ainda, ele é a ligação entre a incerteza de uma questão e a certeza do mo-do pelo qual ela pode ser solucionada. O termo via da tradução latina corresponde diretamente ao termo empregado no texto original em fran-cês chemin. Convém notar ainda que há diversos momentos no Discours que o termo chemin é empregado como sinônimo de método, como po-demos perceber quando o método é descrito no Discours como chemin, segundo o qual; me conduzi a considerações e máximas... (AT, VI, p. 3)8. As-sim, a condução da razão requer um chemin – método – a partir do qual se dissolve a incerteza de uma questão na certeza do caminho correto de solucioná-la. A exemplo do Discours, nas Regras os termos via et iter (chemin em francês) são empregados para designar o método quando associado à matemática:

Quand je commençai à appliquer mon esprit aux disciplines mathématiques, je lus d’abord la plupart de ce qu’en rapportent les Autorités qu’on lit d’habitude, et je me plaisais surtout à l’Arithmétique et à la Géométrie, parce qu’on les disait être très simples et comme des chemins vers les autres (Marion, p. 13 / AT, X, p. 374-375). Discours: ...et considérant qu’entre tous ceux qui ont ci-devant recherché la vérité dans les sciences, il n’y a eu que les seuls mathématiciens qui ont pu trouver quelques raisons certaines et évidentes, je ne doutais point que ce

7 AT, 545 ligne 16 ut rectum iter chemin AT, 10/29 - AT 02/18 chemin via - AT

541/04 AT 08/10 chemin iter – AT, VI, p. 544/07 AT, VI, p. 15/23 – AT, VI, p. 548/32 iter chemin 23/29 – AT, VI, p. 553/20-22 recta via/ inter vias extremas.

8 AT, VI, p. 4. Cf. O método como o ponto a partir do qual nós podemos conduzir nossa razão. AT, VI, p. 29.

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ne fût par les mêmes qu’ils ont examinées; bien que j’en espérasse aucune autre utilité, sinon qu’elles accoutumeraient mon esprit à se repaître de vérités, et ne se contenter point de fausses raison. (AT, VI, p. 19).

Considerando a conotação do termo via (chemin), nós podemos

perceber o que coloca em marcha a transformação do conceito de mate-mática em método: o estabelecimento de um caminho seguro para as ciências, um caminho certo9. Será justamente no parágrafo 5, parágrafo inicial da suposta Regra IV-B, que o termo via será empregado. Neste momento, trata-se de mostrar o caráter metodológico da matemática. Assim, ao contrário de considerá-la apenas como uma ciência, a Regra IV passa a considerá-la, a partir da associação do termo via à matemática, como uma forma de acesso às outras ciências. No Discours, ocorre algo profundamente similar: apenas na matemática pode-se procurar caracte-rísticas metodológicas relevantes na busca pela verdade em todos os domínios da ciência. O debate sobre a matemática nas duas obras aponta para a constituição do modo de acesso seguro para as ciências. O método torna-se o droit chemin ou chemin plus assuré (AT, X, p. 360 e AT, X, p. 364) que preside a procura pela verdade.

Convém confirmar o que o termo via significa nas Regras: método. Ainda que a Regra IV-B Descartes não empregue a palavra latina metho-dus, ele parece fazer uso de um termo similar; via o qual pode ser traduzi-do aqui por chemin. A matemática não esgota em si o método universal. Contudo, ela institui-se como único caminho que conduzirá à sedimenta-ção e edificação de um método para todas as ciências. Nas demonstrações da matemática pode-se achar indícios importantes sobre o método. Lembremos duas importantes passagnes de três obras de Descartes:

9 Cf. As seguintes passagens que relacionam caminho e certeza nas Regras: rectum veritatis iter quaerentes AT, X, p. 366/06 /-/ certe tamen iter capessent AT, X, p. 364/05 /-/ recta quaerendae veritatis via AT, X, p. 360/24.

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Et maintenant il faut conclure de tout ceci, non certes qu’il ne faille rien étudier que l’Arithmétique et la Géométrie, mais seulement que ceux qui recherchent le droit chemin de la vérité me doivent s’occuper d’aucun objet, duquel ils ne puissent avoir une certitude égale à <celles des démonstrations de> l’Arithmétique et de la Géométrie. (Marion, p. 6 // AT, X, p. 366) Ces longues chaînes de raisons, toutes simples et faciles, dont les géomètres ont coutume de se servir pour parvenir à leurs plus difficiles démonstrations, m’avaient donné occasion de m’imaginer que toutes les choses qui peuvent tomber sous la connaissance des hommes s’entresuivent en même façon ... (AT, VI, p. 19) Principes: ...je ne veux rien recevoir pour vrai, sinon ce qui en sera déduit avec tant d’évidence, qu’il pourra tenir lieu d’une démonstration de la mathématique (Pr. II, 64 // AT, IX, p. 102).

O ponto de convergência entre as diferentes obras citadas encon-

tra-se na consciência irrestrita que Descartes guarda do rigor da matemá-tica no que concerne às suas demonstrações. As referidas passagens transcrevem uma exigência – sempre posta no âmbito da normatividade – de se reportar as ciências à certeza e ao rigor das demonstrações mate-máticas. É por isso que a continuação do parágrafo 4 da Regra IV se encerra sobre a discussão sobre a relação – ainda turva – entre método e matemática, pois apesar de ser a ciência mais certa resta saber se a mate-mática pode contribuir de alguma forma á constituição de uma disciplina universal:

Et bien que j’aie déssein de dire maintes choses des figures et de nombres, puisqu’on ne peut demander à aucunes autres sciences des exemples aussi évidents et aussi certains, pourtant tous ceux qui considéreront attentivement mon sentiment, apercevront aisément que je pense ici rien moins qu’à la Mathématique commune, mais que j’explique certaine autre discipline, dont ils sont plutôt l’habit que les parties (Marion, p. 12, AT/ X / p. 374).

A empresa assumida por Descartes não consiste propriamente em

promover a matemática a uma ciência universal. Esse caminho é recusa-do por Descartes de forma peremptória, à medida que a ciências do nú-meros e figuras não é refratária às mesmas causas de fragilidade teórica

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das demais ciências. A matemática não é imune a erros. Tomá-la como método universal sem nenhum tratamento ou depuração dos seus próprios problemas é estender a dúvida sobre a possibilidade de qualquer saber racional e seguro, de forma definitiva. A tensão instala-se nas Regras – no Discours ocorre o mesmo – na medida em que a matemática é a ciência mais certa, porém não é uma ciência universal. Nessa perspectiva, o termo inte-gumentum, freqüentemente elidido nas discussões sobre a mathesis universalis, deve ser analisado em detalhe e em relação à estratégia do texto:

Si j’ai dit <<habit>>, ce n’est pas que je veuille cacher cette doctrine et envelopper pour en écarter la commune <des hommes>, mais plutôt pour l’habiller et l’orner, en sorte qu’elle soit plus accommodée à l’esprit humaine. (Marion, p. 12)10.

No intuito de dirimir paradoxo expresso na assimilação da mate-

mática como exemplo de uma ciência certa, sem concebê-la, contudo, com uma disciplina contendo as sementes do pensamento humano, Des-cartes desfere uma crítica mordaz a matemática dita vulgar. Essa crítica não condena a matemática senão para absorvê-la num prisma metodoló-gico capaz de depurar os próprios problemas da matemática e acabar com a desconfiança que ronda aquela ciência. Escreve Descartes:

Car en réalité il n’est rien de plus vain, que de s’occuper nombres nus et de figures imaginaires, en sorte de paraître vouloir s’arrêter à la connais-sance de telles niaiseries, et de appliquer tant à ces démonstrations super-ficielles.... (Marion, p. 13 // AT, X, p. 375) Discours: Mais je n’eus pas dessein pour cela de tâcher d’apprendre toutes ces sciences particulières qu’on nomme communément mathématiques... (AT, VI, p. 19).

10 Descartes tece em diversos momentos fortes críticas à geometria pelo seu

caráter formal e abstrato: Mersenne, / 31 / juillet / 1638 // AT, II, p. 268; Mersenne, 31 / mars / 1638 // AT, II, p. 95; Mersenne, 12 / septembre /1638 // AT, II, p. 361-362. Descartes desprezava o método matemático quando aplicado apenas à própria matemática. Ver as observações pertinentes de Boutroux a propósito desse assunto. Boutroux, 1955, p. 102.

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A matemática é colocada em evidência nas Regras e Discours para se tentar recuperar e desenvolver um método que lhe é latente e ainda não revelado em sua plenitude. As questões propriamente da matemática são, num certo sentido, relegadas por Descartes. A matemática não é parte de uma disciplina universal. Aliás, nenhuma ciência é parte de disciplina universal, pois se trata de método único, sem partes, portanto universal. A matemática é apenas uma veste dessa ciência. Deve-se, por conseguin-te, desconsiderar as derivas científicas da matemática e concentra-se no método que ela pode apresentar.

No intuito de se adaptar a essa disciplina seminal do espírito hu-mano (Marion, p. 12 // AT, X, p. 374/14-15) a matemática deve indicar um modus operandi para as ciências. Nesse sentido, ela deve estender sua significação inicial, estabelecida no início da Regra IV-A, e transpor sua maior vantagem, de ser a ciência mais simples do saber humano, e torna-se uma forma geral de raciocínio. Por isso, ela será associada ao termo arte cujo significado será vital, segundo o nosso juízo, para se compreen-der o que se exigirá da matemática para que ela seja tomada como um método geral. Os erros que ocorrem na matemática não são apresentados apenas como fruto de um mau uso do raciocínio matemático, empreen-dido, nestes casos, na resolução de bagatelles, mas eles encontram-se tam-bém em alguns demonstrações que não possuem uma arte. Esse termo arte (ars artis, AT, X, p. 375) designa originalmente: modo de agir, maneira de proceder, máxima, princípio, habilidade, tratado de ciência ou sistema e, por último, pode significar ciência11. Se se pode considerar que a associação desse termo à matemática intenciona definir essa ciência como o saber-fazer, somos forçados a creditarmos à matemática o domínio de uma técnica

11 O termo artes (ars, artis) é traduzido na Règle IV por Brunschiwig como

savoir-faire (FA, I, p. 95), que embora não seja o termo original, pode ser com-preendido conforme sugere sua tradução. Porém, as demais traduções francesas examinadas por nós (Sirven, 1990. p. 23 e Marion, p. 13), optam em deixar o termo original arte, cujo termo francês é praticamente idêntico aquele latino.

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fundamental para o saber humano. Assim, a matemática torna-se uma ars (Marion, p. 13 // AT, X, p. 375/15-20), cuja significação refere-se à ma-neira de agir ou de proceder e designa um savoir-faire. A matemática é, por conseqüência, menos uma ciência que uma técnica, um savoir faire, um modo de proceder no exame da verdade que pode ser estendido a todas as ciências.

A formulação correta de uma eventual contribuição da matemática à disciplina procurada por Descartes na Regra IV deve levar em conside-ração o fato de que o parágrafo 5 da Regra IV apresenta uma valorização da técnica fornecida pela matemática na solução de algumas questões (AT, X, p. 357/20-25), em detrimento dos resultados obtidos pelos ma-temáticos que por vezes dissimulam o seu método de resolução, guar-dando um segredo precioso. Essa via argumentativa é retomada no Dis-cours (AT, VI, p. 19/20-30) visto que a matemática e suas demonstrações não têm importância senão quando capazes de suscitar um método. O savoir-faire da matemática deve ser recuperado e desenvolvido. A matemá-tica puramente abstrata não. Dessa forma, a ênfase na matemática e nos seus problemas, apresentados na IV-A, começa encontrar na Regra IV-B um desdobramento em sua acepção exclusivamente metodológica.

A crítica à metodologia da matemática vulgar direcionará essa ciência para um sentido mais original. A matemática deverá ser reformu-lada a partir do seu conceito original de mathesis. Entretanto, o pensamen-to cartesiano não realizará uma assimilação cega do seu conceito antigo, mas sua modernização.

4. A crítica à mathesis antiga

Convém notar incialmente a origem grega do termo mathesis, sub-linhada no próprio texto e que Descartes é incisivo quanto à necessidade de não se cometer um deslize na tradução daquele termo. O termo mathe-sis significa disciplina, aquilo que se ensina. O seu correlato latino seria o ter-

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mo disciplina: ação de aprender, organizar instruir e ensinar. Embora aparente-mente haja uma polissemia no significado do termo disciplina, todas as suas conotações remetem a um único sentido: ensinar. Quando associado à ciência o ato de ensinar pressupõe que se instrua o espírito para aquisi-ção de conhecimento. Essa educação do espírito é fomentada por meio de leis que organizam o uso da razão. Do ponto de vista dessa análise etimológica, a matemática pode ser caracterizada como uma forma de construir leis que limitam o uso da razão às questões que podem ser so-lucionadas com base apenas na forma do raciocínio matemático, deduti-vo. A exceção da tradução de Marion, bem observa Van de Pitte, a dis-tinção entre o termo original grego ματεσισ, cujo correspondente latino é mathesis ou matheseos, e o termo latino mathematica não é feita, em alguns caso é se quer mencionada (Van de Pitte, 1900, p. 66).

A crítica à matemática está pautada, sobretudo, no seu sentido es-trito designado pelo termo mathematica, isto é, ela centra-se na compreen-são vulgar da matemática, mathematica. Essa concepção vulgar da matemá-tica será criticada em toda obra cartesiana, ao passo que a crítica à mathesis direciona-se apenas aos vestígios, fomentados inicialmente por Pappus e Diphantus. O objetivo dessa crítica não é de condenar à mathesis a um ostracismo histórico, mas é de re-criar a mathesis sob uma forma universal (AT, X, p. 376/377). Descartes introduz uma discussão sobre um saber ligado à matemática, porém autônomo.

A crítica primordial, que visa a ausência de um método de de-monstração da matemática, dita vulgar, governa igualmente a crítica à mathesis grega, realizada no parágrafo 3 (AT, X, p. 373). Em todo o caso a crítica se endereçava naquele momento ao método empreendido pelos antigos na resolução de problemas matemáticos. Ao lugar de exibirem a forma através da qual eles solucionavam os problemas, os matemáticos gregos limitavam-se apenas em apresentar os resultados obtidos em cer-tas questões. Essa crítica à matemática antiga acabou por fomentar uma tensão na própria concepção de matemática na Regra IV. Dessa crítica à

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mathesis antiga (parágrafo 5 / AT, X, p. 376) instaura-se uma tensão na própria concepção de matemática na Regra IV (parágrafos 2, 3, et 4 / AT, X, p. 373-374). Essa tensão assentava-se na ambígua atitude cartesia-na de reconhecer, por um lado, a matemática antiga como um modelo para as ciências e, por outro, de lhe criticar por sua ausência de método. No interior da matemática encontra-se a mathesis, mas Descartes reivin-dica ainda um outro saber:

Et même certaines traces de cette vraie Mathesis me semblent paraître déjà dans Pappus et Diophante (...). Et je croirais presque que, par une ruse détertable, ces Ecrivains eux-même l’ont supprimée ensuite de leurs écrits; car comme il est constant que font maints artisants pour leurs inventions, ils ont craint peut-être, parce qu’elle était très facile et simple, qu’elle ne se perdît en se divulgant, et ils ont préféré nous faire voir en sa place quelques vérités stériles démontrées par des conséquences tirées très finement, comme un effet de leur art, pour que nous les admirions, plutôt que de nous enseigner leur art lui-même, ce qui eût ôté toute occasion d’admiration (Marion, p. 14 // AT, X, p. 376-377).

O principal ponto para entendermos essa passagem reside no ter-

mo latino steriles. Esse termo está originalmente ligado àquilo que não fornece resultados, aquilo que é improfícuo, infecundo. O seu emprego não faz referência propriamente à solução de alguns problemas apresentadas pelos matemáticos gregos, mas ao modo pelo qual eles dispunham essa solução. O modo de demonstrar da matemática antiga, segundo Descar-tes, não exibia o raciocínio que lhe conduzia àquela determinada conclu-são12. A matemática antiga empregava a dedução – operação seminal na construção do conhecimento seguro (Regra II, III, VII, IX) – sem fazer uso correto da demonstração. Assim, poderíamos dizer, de forma mais precisa, que ela por um lado usava o método dedutivo, na medida em que inferia uma coisa da outra. Por outro lado, ela não mostrava todo o ca-minho percorrido pela dedução, nem muito menos justificava a escolha

12 Nesse momento cumpre analisar apenas a falta de método da matemática

antiga e não a especificidade do método empregado pelos antigos.

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desse caminho13. Nesse sentido, a exigência metodológica, de que a ma-temática apresente o caminho de sua demonstração coaduna-se com exigência, descrita no segundo parágrafo da Regra IV, de se construir um método capaz de explicar o modo como a dedução é exibida14. Por con-seguinte, a admiração pela matemática antiga, exercia pelo uso da dedu-ção, é substituída por uma forte crítica à ausência do método – exigido na Regra IV-A – através do qual possa-se exibir todo o processo dedutivo15.

A reformulação da matemática, descrita na crítica à mathesis antiga e à matemática vulgar, acompanhará o desenvolvimento das Regras, po-rém o seu ponto de partida é dado na Règle IV. Essa reformulação da matemática serve-nos para enfatizar que ao invez de romper com a temá-tica da Règles IV-A, a Règle IV-B circunscreve a crítica à matemática grega e moderna, realizada na Règle IV-A, ao problema do método. As-sim, o fato da Regra IV-B não usar o termo methodus – argumento central para a autonomia dos dois textos – não implica que não haja uma discus-são sobre a função e o papel do método.

A mathesis universalis cartesiana

A unidade da sabedoria humana demanda uma recuperação e ên-fase na concexão entre os saberes (Regras I / AT, X, p. 360-361) que não

13 Tiles oferece-nos uma boa explicação da diferença entre o processo de

descoberta grego e o de prova, segundo ela: The function of a proof of a proposition in then to give an explanation of why it must ibe true. It is presumed that it may very well be known that the proposition in question is true before proof is provided. Thus, for both Aristotle and Euclid, the process of discovery is separated from the process os proof. The proof of a proposition gives no indication of how its truth was discovered. Nessa perspectiva o sistma de descoberta estava separado daquele da prova. Tiles, 1991, p. 9.

14 At si methodus recte explicet (...) et quomodo deductiones inveniendae sint, ut ad omnium cognitionem perveniamus AT, X, p. 372/13-14 FA, I, p. 92.

15 A crítica à Álgebra concerne também ao método matemático. AT, X, p. 377/1-9.

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se encontra na matemática, nem na mathesis antiga. No lugar de conceber a matemática que se determina segundo a especificidae do seu objeto, o pensamento cartesiano vai recuperar o método empregado na matemáti-ca em suas diversas aplicações (astronomia, aritmética, geometria, música, etc) / AT, X, p. 377-378). Descartes escreve sobre a mathesis grega pen-sando numa disciplina mais geral uma mathesis universalis que designa a maneira de organizar e regrar a dedução – aplicável a todas as ciências e, por isso, fundamental no que se refere à certeza – e não oferecer a solu-ção para certos problemas, circunscritos à análise das particularidades de alguns ciências. A mathesis proposta por Descartes não é nem a mathemati-ca, nem a mathesis grega, visto que ela é universal:

Pourtant il parut à <celui> qui s’applique plus attentivement, que seules toutes <les choses,> où se peut examiner un certain ordre ou mesure, se rapportent à la Mathesis, et il n’y a aucune différence qu’on doive chercher telle mesure dans la des nombres, ou des figures, ou des astres, des sons, ou dans n’importe quel autre objet qu’on voudra; et en suite il doit y avoir une certaine science générale, qui explique tout ce qu’on peut chercher touchant l’ordre et la mesure qui n’est liée à aucune matière spéciale, et qu’elle se nomme, nom pas d’un nomme emprunté, mais déjà ancien et d’usage reçu, la mathesis universalis … (Marion, p. 15 // AT, X, p. 377-378).

O verbo devere cincunscreve o projeto de uma ciência universal à

mathesis universalis, uma vez que se condiciona a existência de uma ciência universal à mathesis. Assim, o verbo devere longe de indicar, como insistem algumas interpetações que desconsideram a forma condicional dessa proposição, uma identidade entre mathesis universalis e ciência universal, indica uma exigência normativa. Essa exigência remete-se à Regra I (AT, X, p. 361/ linhas: 14-18) que determina que é mais fácil aprender as ciên-cias juntas que separadamente, subordinando a produção da certeza cien-tífica ao conhecimento das conexões entre as ciências. O mesmo verbo debere aparece para mostrar a subordinação da ciência ao modus operandi que as reúne num mesmo saber humano. Por conseqüência, a mathesis universalis é definida como o único caminho possível – o único método

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possível, portanto, universal – pelo qual se pode compreender a conexão dos saberes naquilo que revela de sua certeza. A universalidade do méto-do é subordinada à sua singularidade, isto é, o método é universal porque único, bem com a humana sapientia (AT, X, p. 360).

A matemática universal distancia-se, portanto, das diferentes ma-thesis proposta no nos séculos XVI e XVII. Descartes define a mathematica pura como a ciência responsável pelo estudo da grandeza em geral, tal como apregoavam outros matemáticos da época:

Aussi bien, quoique tout cela soit si clair qu’on le croirait presque puéril, une réflexion soutenue me fait comprendre la manière dont se compliquent toutes les questions relatives aux propositions, et l’ordre qu’exige leur recherche: et cela seul embrasse l’ensemble de toute la science des mathématiques pures (Sirven, p. 36 // AT, X, p. 384-385)16.

Parece-nos difícil, muito difícil, não perceber a distinção que Des-

cartes sublinha entre mathesis universalis e pura mathematica. O fato da mathe-sis universalis, ao contrário da mathematica pura, não ter objeto definido é que lhe permite ser um caminho seguro na busca pela verdade, pois ele define-se pelo seu modo de proceder e não pelo objeto ao qual se volta. A mathematica pura pressupõe a mathesis universalis na medida em que ela empreende a dedução, mas é a essa última que oferece a primeira uma certeza quanto à busca pela unificação da própria matemática. Aliás, quanto à busca da unificação de toda ciência no que concerne à sua raiz, seu método. A mathesis universalis cartesiana pretende reformar não só a matemática, mas todas as ciências. Na Regra XIV na qual Descartes inicia um desenvolvimento da teoria geral das proporções – encerrada no âm-bito exclusivo da matemática – ele não cita mais a mathesis universalis, pois se trata, nesse momento, de aplicá-la à constituição de uma matemática universal, expressa pela mathematica pura.

16 Para a nossa discussão a tradução de Sirven é mais clara. Por isso, optamos

em utilizá-la nessa passagem.

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A mathesis universalis cartesiana não se inscreve nas propostas aven-tadas pelos matemáticos dos séculos XVI e XVII, pois ela não designa uma ciência capaz de amalgamar num mosaico as diversas ciências ma-temáticas. Ela estende-se para além das questões da matemática e dirige-se à ciência em geral; aussi à tout ce qu’en celles-là, et là-dessus à bien plus encore (Marion, p. 15 // AT, X, p. 378 /11-15). Nessa perspectiva, podemos compreender a mathesis universalis – dita agora purus mathesis – nas Meditati-ones de Prima Philosophia, como a única ciência que se volta à natureza co-mo um todo: Or j’imagine d’ordinaire beaucoup d’autres choses en plus de cette nature corporelle qui est l’objet de la mathématique pure....(AT, VII, 74 / Beyssa-de, p. 209). A tradução da diversidade das ciências num único método ou disciplina identifica as Meditationes às Regras na medida em que em ambos os textos reportam-se à mathesis como único caimnho para o conheci-mento científico, único caminho, diríamos, de disibilidade do real, de forma segura.

Os ecos da la mathesis universalis ressoam na carta prefácio do Dis-cours de la Méthode: a ciência universal é apresentada como o único projeto por meio do qual é possível pensar os vários domínios da ciência:

Le projet d’une Science universelle qui puisse élever notre nature à son plus haut degré de perfection. Plus, la Dioptrique, Les Météores, & la Géométrie; où les plus curieuses Matières que L’auteur ait pu choisir, pour rendre preuve de la Science universelle qu’il propose, sont expliquées en telle sorte, que ceux même qui n’ont point étudié les puissent entendre (Mersenne, Mars /1636 // AT, I, p. 339).

Nessa carta o termo science universelle, longe de designar a antítese da

diversidade das ciências revela que a universalidade do saber não é a compartimentação dos diversos dominíos do conhecimento numa única ciência – inscrita numa mathématique universelle, por exemplo. O projeto de uma ciência universal se inscreve num quadro metodológico que governa a edificação das ciências sobre um único alicerce metodológico, prescrito pelas operações de ordem e medida. Os Essais, que vêem após o Discours

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tornam possível a ciência universal porque eles mostram como se pode aplicar o mesmo método aos diferentes domínios do saber – as Regras mostram apenas a aplicação do mesmo método às diferentes matemá-ticas, segundo a divisão de Descartes –, mostrando a conexão entre os saberes, transcrita pelo uso ordenado da dedução.

Ao contrário das afirmações dos matemáticos dos séculos XVI e XVII, a definição da mathesis universalis, sugerida na Regra IV, revela que não se trata de subordinar as diversas ciências matemáticas a uma mate-mática geral. Se há uma subordinação da ciência, é ao método que a ma-thesis universalis desvela na conexão dos saberes, fundada, por seu turno, no uso correto, portanto, ordenado da dedução. O objeto de cada ciência só pode ser traduzido em termos de dedução – portanto, de forma corre-ta – caso ele se inscreva nas exigências da mathesis universalis que não se restringe a nenhum saber: ...j’ai cultivé cette Mathesis universalis, autant qu’il fut en moi, en sorte que dès lors j’estime pouvoir me consacrer à des sciences un peu plus relevées sans soin précipité (Marion, p. 16 / AT, X, p. 379/ 5-6). Definitiva-mente não se trata de reduzir as ciências à matemática, isto é, não se trata de afirmar que tudo é matematizável no sentido estrito. Todo conheci-mento é produzido, quando certo, em função do método, o qual prescre-ve na forma de uma mathesis universalis a ordem e a medida como as ope-rações co-responsáveis pelo uso correto da dedução.

Os princípios de ordem e medida guardam um aspecto irreduti-velmente importante que perpassa todas as Regras. O que nas Regras é explícito no Discours passa a ser dissimulado por Descartes que oculta as raízes fundamentais do seu próprio método: je ne mets pas Traité de la Mé-thode, mais Discours de la Méthode (…) pour montrer que je n’ai pas dessein de l’enseigner, mais seulement d’en parler… [Mersenne 20 /avril / 1637 // AT, I, p. 349]. Atitude, portanto, diametralmente opostas àquelas das Regras, a qual torna visível o caminho – a via – para a pesquisa científica: Et de fait dans tout le Traité nous nous efforcerons de poursuivre si exactement tous les chemins qui s’ouvrent aux hommes pour connaître la vérité et de le fait voir si aisément, que

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quiconque aura parfaitement appris toute cette méthode... (Marion, p. 31 // AT, X, p. 399). Desse modo, fica muito difícil – quase impossível – não se reportar as Regras para se compreender o método subjacente no Discours. As Regras revelam o método escondido – como um grande segredo – no Discours.

6. Conclusão: mathesis universalis e método

Pretendemos ter mostrado as razões pelas quais a Regra IV não pode ser – no que concerne à sua estrutura – dividida em duas partes incomunicáveis porque essencialmente distintas: refletir e repensar a matemática na Regra IV não transparece um desejo cartesiano de procu-rar uma teoria geral das proporções, mas sim um método universal. Por isso, acreditamos que as interpretações que mutilam o texto eclipsam um questionamento sobre a matemática – em sua acepção grega e vulgar – que perpassa toda Regra IV no intuito de mostrá-la menos como uma ciência abstrata e certa (ainda que detendo algumas confusões) que en-quanto uma abertura, disposta na forma de uma mathesis universalis, para o enquadramento das ciências sobre os limites rigorosos da ordem e medi-da. A mathesis universalis apresenta um único caminho para as ciências. Por isso, ela é universal.

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