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A CONSTITUIÇÃO, A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E O DESENVOLVIMENTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO. FRANKLIN VELOSO DE CASTRO, Oficial de Registro Público de Imóveis, Professor de Direito Civil na Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG – Campus Frutal, Especialista em Direito das Obrigações pela UNESP e Mestrando em Direitos Coletivos, Cidadania e Função Social pela UNAERP. RESUMO: Vive-se no mundo jurídico um aparente paradoxo entre o desenvolvimento constitucional, face um Poder Legislativo pouco ativo e por pouco, inoperante, e um Supremo Tribunal Federal que, no particular das omissões legislativas, aparece proativo, tendente a suprir com interpretações judiciais tais omissões. Assim, no âmbito da jurisdição constitucional, pretende- se examinar este procedimento, analisando-se se está de acordo com as correntes doutrinárias atuais. PALAVRAS-CHAVE: Jurisdição constitucional. Construção legislativa. Omissão legislativa. SUMÁRIO: Introdução – 1- Breves considerações. 2- Jurisdição e jurisdição constitucional. 3- A legitimidade esperada da jurisdição constitucional e o uso da hermenêutica para alcançá-la. 4- O casuísmo em decisões do STF. Conclusão. Bibliografia.

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A CONSTITUIÇÃO, A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E O DESENVOLVIMENTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO.

FRANKLIN VELOSO DE CASTRO , Oficial de Registro Público de Imóveis, Professor de Direito Civil na Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG – Campus Frutal, Especialista em Direito das Obrigações pela UNESP e Mestrando em Direitos Coletivos, Cidadania e Função Social pela UNAERP.

RESUMO: Vive-se no mundo jurídico um aparente paradoxo entre o desenvolvimento constitucional, face um Poder Legislativo pouco ativo e por pouco, inoperante, e um Supremo Tribunal Federal que, no particular das omissões legislativas, aparece proativo, tendente a suprir com interpretações judiciais tais omissões. Assim, no âmbito da jurisdição constitucional, pretende-se examinar este procedimento, analisando-se se está de acordo com as correntes doutrinárias atuais.

PALAVRAS-CHAVE: Jurisdição constitucional. Construção legislativa. Omissão legislativa.

SUMÁRIO: Introdução – 1- Breves considerações. 2- J urisdição

e jurisdição constitucional. 3- A legitimidade espe rada da

jurisdição constitucional e o uso da hermenêutica p ara

alcançá-la. 4- O casuísmo em decisões do STF. Concl usão.

Bibliografia.

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INTRODUÇÃO

Quando se identifica a existência de um aparente paradoxo, o mesmo se

dá entre a jurisdição constitucional e o desenvolvimento legislativo que

deveriam ser harmônicos e paralelos, mas tem se demonstrado o contrário.

A jurisdição constitucional exercida pelo STF tem demonstrado, que para

além da interpretação do que está ou não de acordo com a Constituição, há

uma vontade da Corte Suprema em suprir o vácuo deixado pela inação do

Poder Legislativo, através de interpretações em que se estipulam

procedimentos e, verdadeiramente, normas.

Entretanto, estas normas não legisladas, seriam assim então

constitucionais, e se não forem quem poderá dizê-lo?

Como dizem Lenio Streck, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e

Martonio Mont’Alverne Barreto Lima:

“é saber se é possível atribuir efeito erga omnes e vinculante às

decisões emanadas do controle difuso, dispensando-se a

participação do Senado Federal ou transformando-o em uma

espécie de diário oficial do Supremo Tribunal Federal em tais

questões”.1

Pode o Congresso andar a reboque do Supremo Tribunal Federal ou,

melhor dizendo, o fará?

Certamente no caso brasileiro, é o STF o “intérprete maior” da

Constituição, não sendo o único, é o maior e o último a dizer o que é e o que

não é constitucional, representando aquele órgão estatal preconizado por Peter

1 STRECK, Lenio Luiz; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de; LIMA, Martonio Mont’Alverne Barreto. A Nova Perspectiva do Supremo Tribunal Federal sobre o Controle Difuso: Mutação constitucional e Limites da Legitimidade da Jurisdição Constitucional. Disponível na Internet: <http://www.mundojuridico.adv.br>

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Häberle2. Os demais intérpretes da Constituição são, no seu dizer, em sentido

lato, todos os demais personagens que interagem com a mesma, já que “todo

aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que vive com este

contexto é, indireta ou, até mesmo, diretamente, um intérprete dessa norma”.3

O aparente conflito tem surgido quando, para além de interpretar as

normas – se constitucionais ou não face à Constituição – em razão da

existência mesmo de normas explícitas para determinados fatos concretos,

precipuamente em razão da omissão do legislador, o STF proceda em

julgamento à interpretação do fato, criando, com sua decisão, norma

reguladora daquela situação.

1- BREVES CONSIDERAÇÕES

A jurisdição constitucional decorre da força oriunda da Constituição. Se

agora não há dúvidas de tal força e da sua importância, tempo houve em que

se entendia a Constituição como uma norma geral de caráter orientador. Não

valia por si mesma, mas em consonância com as normas de caráter específico

e mesmo assim se fosse observada pelo legislador, submissa assim ao poder

político.

A verdadeira importância e dimensão da Constituição, da existência de

um poder intrínseco a ela mesma, e a consciência da necessidade e da real

submissão das pessoas e das normas a ela, foram muito posteriores à edição

dos primeiros textos constitucionais.

Konrad Hesse lecionava, com base em Ferdinand Lassalle, que

“questões constitucionais não são, originariamente, questões jurídicas, mas sim

2 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 1997; reimpressão de 2002. 3 Ob. cit., p. 15.

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questões políticas. Assim ensinam-nos não apenas os políticos, mas também

os juristas”.4

Leciona ainda Hesse que

“Tal como ressaltado pela grande doutrina, ainda não apreciada

devidamente em todos os seus aspectos – afirma Georg Jellinek

quarenta anos mais tarde – o desenvolvimento das

Constituições demonstra que regras jurídicas não se mostram

aptas a controlar, efetivamente, a divisão de poderes políticos.

As forças políticas movem-se consoante suas próprias leis, que

atuam independentemente das forças jurídicas”. Evidentemente,

esse pensamento não pertence ao passado. Ele se manifesta, de

forma expressa ou implícita, também no presente. É verdade

que hoje ele surge apenas de forma mais simplificada e

imprecisa, não se atribuindo relevância maior à consciência e à

cultura gerais, também contempladas por Lassalle como fatores

reais de poder.5

Mais adiante, na mesma obra, Hesse nos apresenta o início de suas

conclusões:

Em síntese, pode-se afirmar: a Constituição jurídica está

condicionada pela realidade histórica. Ela não pode ser

separada da realidade concreta de seu tempo. A pretensão de

eficácia da Constituição somente pode ser realizada se se levar

em conta essa realidade. A Constituição jurídica não configura

apenas a expressão de uma dada realidade. Graças ao elemento

normativo, ela ordena e conforma a realidade política e social.

As possibilidade, mas também os limites da força normativa da

4 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porta Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 9. 5 Ob. Cit., p. 09/10.

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Constituição resultam da correlação entre ser (Seim) e dever ser

(Sollen).

A Constituição jurídica logra conferir forma e modificação à

realidade. Ela logra despertar “a força que reside na natureza

das coisas”, tornando-a ativa. Ela própria converte-se em força

ativa que influi e determina a realidade política e social. Essa

força impõe-se de forma tanto mais efetiva quanto mais ampla

for a convicção sobre a inviolabilidade da Constituição, quanto

mais forte mostrar-se essa convicção entre os principais

responsáveis pela vida constitucional. Portanto, a intensidade

da força normativa da Constituição apresenta-se, em primeiro

plano, como uma questão de vontade normativa, de vontade da

Constituição (Wille zur Verfassung).6

A Constituição jurídica não significa simples pedaço de papel,

tal como caracterizada por Lassalle. Ela não se afigura

“impotente para dominar, efetivamente, a distribuição de

poder”, tal como ensinado por Georg Jellinek e como,

hodiernamente, divulgado por um naturalismo e sociologismo

que se pretende cético. A Constituição não está desvinculada da

realidade histórica concreta do seu tempo. Todavia, ela não está

condicionada, simplesmente, por essa realidade. Em caso de

eventual conflito, a Constituição não deve ser considerada,

necessariamente, a parte mais fraca. Ao contrário, existem

pressupostos realizáveis (realizierbate Voraussetzungen) que,

mesmo em caso de confronto, permitem assegurar a força

normativa da Constituição.7

E continua o festejado autor

6 Ob. Cit., p. 24. 7 Ob. Cit., p. 25.

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Aquela posição por mim designada vontade da Constituição

(Wille zur Verfassung) afigura-se decisiva para a práxis

constitucional. Ela é fundamental, considerada global ou

singularmente. O observador crítico não poderá negar a

impressão de que nem sempre predomina, nos dias atuais, a

tendência de sacrificar interesses particulares com vistas à

preservação de um postulado constitucional; a tendência parece

encaminhar-se para o malbaratamento no varejo do capital que

existe no fortalecimento do respeito à Constituição.

Evidentemente, essa tendência afigura-se tanto mais perigosa se

se considera que a Lei Fundamental não está plenamente

consolidada na consciência geral, contando apenas com um

apoio condicional.”

Assim então, conclui-se que a Constituição não se impõe por uma

“força” ou “poder físico” próprio, mas pela construção de uma consciência

coletiva do seu valor, de sua natural absorção se não por todas as pessoas,

pela maioria de uma população esclarecida, consciente e cônscia de seus

direitos e obrigações. Necessária, portanto, uma consciência constitucional,

com tudo que isto queira representar.

É oportuno colacionar a lição trazida por Geraldo Ataliba8, pois enfatiza

esta idéia:

Para Tércio Sampaio Ferraz Jr, “uma Constituição não é apenas

o seu texto, mas é, principalmente, uma prática”. Dizia Ruy

Barbosa que, ainda que a Constituição fosse tão perfeita, como

se tivesse sido baixada dos céus, o país haveria de ser julgado

não pelo seu texto, mas sim segundo o modo pelo qual a

pusesse em prática. Importa, assim, conhecer a Constituição,

para assegurar-lhe eficácia, realizando seus princípios, como

forma de tornar efetivos os desígnios que – bem ou mal – o

8 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Malheiros; 2º Ed., 4ª tiragem, atualizada por Rosolea Miranda Folgosi, 2007.

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povo nela expressou. No passado não tivemos comportamento

institucional que pudesse abonar nossos foros de civilização,

como agudamente demonstrou Nélson de S. Sampaio, isto com

a agravante de que nossos Textos não vieram do Olimpo, nem

de seus arredores (com as honrosas exceções de 1891, 1934 e

1946).

Mesmo uma Constituição defeituosa é seguramente melhor do

que nada, na medida em que reduz o arbítrio e assegura os

direitos individuais. Incontestavelmente, se não for boa, é um

ponto de partida definido. Portanto, melhor que nada.9

Sendo a Constituição lei suprema, superior às demais, deve

prevalecer sobre todas as normas, o que requer a

desassombrada ação de uma magistratura culta e imparcial –

objetiva e subjetivamente imparcial, como quer Balladore

Pallieri, para ver configurado o Estado de Direito –,

magistratura, essa, que se mova expeditamente, provocada por

órgãos e agentes públicos e privados, empenhados no postular,

instar, pedir, questionar incansavelmente no sentido do

prestígio constitucional.10

2- JURISDIÇÃO E JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL.

Antes, convém esclarecer a gênese, ou origem da jurisdição, e esta

nasce do “processo”.

Em direito, o processo é o conjunto de atos destinados a obter-se ou

garantir-se um direito na esfera judicial: objetiva a aplicação de uma norma, ou

a concreção da mesma através de uma decisão – sentença.

9 Ob. Cit., p. 16. 10 ATALIBA, Geraldo. Ob. Cit., p. 17.

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Na lição de Paulo Hamilton Siqueira Jr11:

É o processo o instrumento para a composição das lides. Por

outro lado, é a garantia colocada à disposição das partes para a

correta aplicação da lei. Desta feita, o processo atua como

instrumento do Poder do Estado, aplicando a lei em face

daquele que a viola. De outra feita, protege sempre o interesse

público, o direito da personalidade, sobretudo da liberdade e

também do patrimônio do imputado. O direito processual

garantístico é o cerne da relação entre o direito processual e a

Constituição.

A evolução do Estado Democrático e Social de Direito traz ao

processo a finalidade de pacificação social. O desiderato do

Estado é o bem comum. Para alcançar esse objetivo desenvolve

várias atividades, dentre elas a prestação jurisdicional, que

reafirma a vontade da lei e consagra o bem comum.

A atividade jurisdicional do Estado, como manifestação de

poder, tem por objetivo não só a composição da lide e garantia

de direitos subjetivos, mas também a reafirmação de valores

consagrados pela sociedade. Desse prisma, cumpre ao processo

atingir dois objetivos: a vontade da lei ou a reafirmação dos

valores da sociedade e a garantia de direitos subjetivos pela

busca da vontade real.

Jurisdição: Dá-se o nome de jurisdição (do latim juris, "direito", e dicere,

"dizer") ao poder que detém o Estado para aplicar o direito ao caso concreto,

com o objetivo de solucionar os conflitos de interesses e, com isso, resguardar

a ordem jurídica e a autoridade da lei.

A jurisdição como competência do Poder Judiciário encontra-se

expressa no inciso XXXV do art. 5º da CF/88, segundo o qual "a lei não

11 SIQUEIRA JR., Paulo Hamilton. Direito Processual Constitucional – de acordo com a reforma do judiciário. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 28/29.

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excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Como

se vê, o Brasil adotou o Sistema Inglês.

Todos os conflitos de interesses que não sejam resolvidos

espontaneamente, seja porque as partes envolvidas não conseguiram chegar a

um acordo, ou porque a lei veda a solução espontânea do conflito (como é a

regra no caso da jurisdição penal), deverão ser dirimidos pelo Poder Judiciário,

mediante o exercício da jurisdição.

Portanto, a jurisdição compete apenas aos órgãos do Poder Judiciário

em seu sentido prórpio, embora em direito administrativo também se fale em

"jurisdição administrativa", bem como em "jurisdição" simplesmente como o

limite da competência administrativa de um órgão público.

Do ponto de vista da teoria da separação dos poderes, a jurisdição é a

função precípua do Poder Judiciário, sendo-lhe acrescida, em alguns sistemas

jurídicos nacionais, a função do controle de constitucionalidade.

Como regra, a função jurisdicional é exercida somente diante de casos

concretos de conflitos de interesses, quando provocada pelos interessados.

No sentido coloquial, a palavra jurisdição designa o território (estado ou

província, município, região, país, países-membros etc.) sobre o qual este

poder é exercido por determinada autoridade ou Juízo.

O tema da jurisdição é objeto de estudo das disciplinas de direito

constitucional, direito internacional privado, direito processual e direito

administrativo, dentre outras.

Segue dizendo Paulo Hamilton Siqueira Jr12

12 Ob. Cit., p. 30/31.

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A jurisdição é a manifestação do poder estatal, que consiste em

julgar, mediante a aplicação da norma abstrata ao caso

concreto. “etimologicamente, jurisdição deriva de juris dicto,

que, na acepção literal, significa dizer o direito”.

“Resumidamente, poder-se-ia deixar como estabelecido que

jurisdição é o poder, função ou atividade de aplicar o direito a

um fato concreto, pelos órgãos públicos destinados a tal,

obtendo-se a justa composição da lide”. A jurisdição é atividade

estatal exercida pelo órgão competente por meio do processo.

Daí a íntima ligação entre processo e jurisdição. “Jurisdição e

processo são conceitos correlatos, já que este é ocampo em que

aquela se desenvolve. Daí ser o processo um instrumento de

que se serve o Estado para a aplicação jurisdicional do direito

objetivo, pouco importando que este se refira a normas de

caráter privatístico, ou que contenha mandamentos de direito

públiso”. É por meio do processo que o Poder Judiciário aplica

o direito ao caso concreto.

Enquanto manifestação de poder, a jurisdição é consagrada na

Constituição. Por isso, o texto constitucional estabelece o

direito de ação e defesa, sob a égide do devido processo legal.

A estrutura do processo encontra-se justamente nesses

elementos: ação, defesa e jurisdição. Desse prisma, a tutela

jurisdicional é a utilização adequada dos instrumentos

processuais que as partes tem direito. “A tutela jurisdicional é a

síntese do escopo do processo”.

A finalidade da jurisdição é a aplicação do direito. Se a norma

aplicada é penal, diz-se jurisdição penal. Se o objetivo é a

composição da lide por meio de norma civil, a jurisdição é

civil. Se o objeto é constitucional, podemos falar em jurisdição

constitucional.

O processo e a jurisdição são unos. É o objeto que determinará

a espécie de jurisdição. Assim, a jurisdição constitucional é

apenas uma espécie dessa manifestação do poder estatal.

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Luís Roberto Barroso13, então, elucida a questão do controle

constitucional pela via judicial:

Como visto, o controle judicial de constitucionalidade teve

origem no direito norte-americano, tendo se consolidado e

corrido mundo a partir da decisão da Suprema Corte no caso

Marbury v. Madison, julgado em 1803. Embora herdeiro da

tradição inglesa do common law, o direito constitucional

americano não acolheu um dos fundamentos do modelo

britânico, a supremacia do Parlamento cujos elementos

essenciais foram assim caracterizados por Dicey, em página

clássica:

(i) poder do legislador de modificar livremente qualquer

lei, fundamental ou não;

(ii) ausência de distinção jurídica entre leis constitucionais e

ordinárias;

(iii) inexistência de autoridade judiciária ou qualquer outra

com o poder de anular um ato do Parlamento ou

considera-lo nulo ou inconstitucional.

No sistema americano, justamente ao contrário, o princípio

maior é o de supremacia da Constituição, cabendo ao

Judiciário o papel de seu intérprete qualificado e final. A lógica

do jusicial review, conquanto engenhosa em sua concepção, é

de enunciação singela: se a Constituição é a lei suprema,

qualquer lei com ela incompatível é nula. Juízes e tribunais,

portanto, diante da situação de aplicar a Constituição ou uma lei

com ela conflitante, deverão optar pela primeira, se o poder de

controlar a constitucionalidade fosse deferido ao Legislativo, e

não ao Judiciário, um mesmo órgão produziria e fiscalizaria a

lei, o que o tornaria onipotente.

A técnica do controle de constitucionalidade somente ingressou

na Europa com a Constituição da Áustria, de 1920, seguindo a

13 BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 43/44.

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concepção peculiar de Hans Kelsen. Adotou-se ali uma fórmula

distinta, com a criação de órgãos específicos para o

desempenho da função: os tribunais constitucionais, cuja

atuação tem natureza jurisdicional, embora não integrem

necessariamente a estrutura do judiciário. O modelo se

expandiu notavelmente após a 2ª Guerra Mundial, com a

criação e instalação de tribunais constitucionais em inúmeros

países da Europa continental, dentre os quais Alemanha (1949),

Itália (1956), Chipre (1960) e Turquia (1961). No fluxo da

democratização ocorrida na década de 70, foram instituídos

tribunais constitucionais na Grécia (1975), Espanha (1978) e

Portugal (1982). E também na Bélgica (1984). Nos últimos

anos do século XX, foram criadas cortes constitucionais em

países do leste europeu (como Polônia, República Tcheca,

Hungria) e africanos (Argélia e Moçambique).

No Brasil, vigora o controle judicial, em um sistema eclético

que combina elementos do modelo americano e do europeu

continental.

A existência de um órgão que, livre de paixões políticas, seja o guardião

dos preceitos constitucionais e da própria Constituição, é indispensável e

inerente à manutenção de um Estado Democrático, que se pretenda fundado

no Direito.

3- A LEGITIMIDADE ESPERADA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCI ONAL E O

USO DA HERMENÊUTICA PARA ALCANÇÁ-LA.

Quanto à legitimidade constitucional, importante a lição de Walber

de Moura Agra14 baseado em Luhmann:

14 AGRA, Walber de Moura. Luhmann e a Legitimação da Jurisdição Constitucional. Obtido em: http://www.ibec.inf.br/walber2.pdf. Consultado em 01/03/2009.

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A jurisdição constitucional se configura em um instrumento

imprescindível para diminuir as beligerâncias advindas da

sociedade pós-moderna, ao mesmo tempo em que concretiza os

direitos fundamentais expostos pela Carta Magna, necessitando

reforçar a sua legitimidade para cumprir tais desideratos.

A concepção de Luhmann para a fundamentação da jurisdição

constitucional passa ao largo de uma conexão com o regime

democrático ou com valores axiológicos. Ele a alicerça em

procedimentos judiciais, que são autônomos em relação aos

outros subsistemas, e busca a aceitação dos cidadãos de forma

autopoiética. Como teoria procedimental da jurisdição

constitucional, ele defende que o procedimento inerente às

decisões judiciais, por si só, é condição suficiente para a sua

legitimação, mesmo que seus posicionamentos tragam grande

repercussão social.

O seu conceito de legitimidade não permite uma ligação direta

com os interesses dos atores sociais, não se importando se as

decisões judiciais obtêm consenso em virtude da aceitação dos

jurisdicionados ao conteúdo da sentença. Para o mencionado

autor, não há necessidade de construção de um espaço público

para a participação dos jurisdicionados como planteado por

Habermas. Para ele, as normas são legítimas na medida em que

são capazes de induzir uma aceitação ao seu processo de

decisão. O que garante legitimidade às decisões judiciais é o

seu procedimento jurídico, que tem seu ponto inicial no

primeiro ato jurídico e a sua conclusão com a decisão transitada

em julgado.

O fator teleológico dos procedimentos judiciais é possibilitar a

aceitação, por parte dos jurisdicionados, da decisão prolatada.

Antes dos interessados ao pronunciamento judicial recorrerem

ao Poder Judiciário, há o conhecimento da existência de

procedimentos judiciais, previamente estabelecidos, que

definem a amplitude de suas atuações comportamentais,

garantindo a aceitação da decisão antes da sua concretização.

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Teoricamente, os procedimentos são “neutros”, de forma que

mantenham um posicionamento eqüidistante das partes,

advindo no subconsciente coletivo uma idéia de imparcialidade.

O procedimento judicial não tem a função de produzir um

consenso entre as partes litigantes, seja qual for a matéria

presente na lide, sua missão é tornar as decisões aceitáveis,

evitando resistências que inviabilizariam a concretude do

sistema. Seu principal escopo configura-se em imunizar as

decisões judiciais por intermédio de um procedimento “neutro”

que garanta “iguais direitos para as partes”. O significado da

expressão “imunização das decisões judiciais” é torná-las

aceitáveis pelos participantes da relação processual, como se

houvesse um pacto implícito entre as partes para a aceitação do

veredictum proferido pelo Poder Judiciário.

Preleciona Tércio Ferraz Sampaio Jr: “Para Luhmann, sendo a

função de uma decisão absorver e reduzir insegurança basta que

se contorne a incerteza de qual a decisão ocorrerá pela certeza

de que uma decisão ocorrerá, para legitimá-la. Em certo sentido

Luhmann concebe a legitimidade como uma ilusão

funcionalmente necessária”.

Os procedimentos judiciais estabelecidos pelo ordenamento,

absorvem as decepções das partes envolvidas no conflito. Por

um lado, eles norteiam de forma direta a solução da lide,

entretanto, por outro, destituem todos os seus elementos

empíricos, isolando e despolitizando o cidadão, com a

utilização de um código de conduta próprio que é

hermeticamente fechado a vetores axiológicos da seara fática.

Os procedimentos jurídicos não visam conseguir a formação de

consenso, mas formar uma imagem exterior de aceitação.

Habermas assevera que a legitimidade pelo procedimento, sem

uma sincronia com o espaço público, é uma auto-ilusão, com a

finalidade de estabilizar o sistema, onde todas as controvérsias

são esgotadas no próprio ordenamento normativo, solucionadas

pelo código jurídico.

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De acordo com Luhmann os procedimentos organizados pelo

ordenamento jurídico constituem-se nos atributos mais

extraordinários do sistema político das sociedades modernas, ou

ao menos representam a fachada desse sistema. O grande

problema é que não há um parâmetro previamente definido do

conteúdo das decisões, passível de ser determinado por critérios

objetivos. E é por esse motivo que existe uma dificuldade de se

formar uma teoria homogênea sobre os procedimentos judiciais.

A saída, segundo ele, não estaria na teoria pura do direito, que

não trata de procedimento e sim de direito processual, nem na

sociologia pura que busca elementos fáticos para o

enquadramento dentro de uma regra geral, mas na construção

de um subsistema judicial de natureza procedimental, em que

os dados empíricos são transformados em códigos binários

próprios do sistema.

Os procedimentos jurídicos entendidos como processos de

decisão não têm a finalidade de concretizar parâmetros de

justiça. As fundamentações do direito natural foram

decompostas através da positivação do direito, alicerçando-se

em torno de processos de decisão. A necessidade inexorável de

sempre os procedimentos realizarem uma decisão correta não

assegura que essa decisão será a mais justa. Para Luhmann um

sistema que tem a missão de sempre implementar uma decisão

para as questões suscitadas não pode, de forma simultânea,

garantir a justiça da decisão; a realização de uma função exclui

a outra de forma obrigatória.

O processo de legitimação pelo procedimento pressupõe a

aceitação das premissas da decisão e, inelutavelmente, da

própria decisão. O critério de aceitação da decisão não pode ser

subjetivo, dependendo de fatores internos e externos que

circundam os litigantes; ele deve ser objetivo, estruturado

formalmente no procedimento, impondo que as partes litigantes

obedeçam sempre às decisões, mesmo que elas firam seus

interesses.

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Portanto, diante desse pórtico an passant do pensamento de

Luhmann a respeito da legitimação pelo procedimento, pode-se

depreender que a legitimidade da jurisdição constitucional para

ele reside no próprio procedimento, apoiando-se no poder

persuasivo dos dispositivos normativos e nas estruturas que

regulamentam o funcionamento do subsistema jurídico. Os

dados empíricos advindos do meio ambiente somente são

passíveis de avaliação depois de serem codificados para a

linguagem sistêmica, por intermédio de estruturas seletivas,

“membranas de calibração”, tornando-se parte do

procedimento.

Para Paulo Bonavides15, existem ainda outras considerações a se fazer

sobre a legitimidade da jurisdição constitucional:

DISSE ZAGREBELSKY, com inteira razão, que duas são as

condições da justiça constitucional: uma, de caráter jurídico-

formal, outra, de caráter político-substancial, cifrada no

pluralismo das forças constitucionais; a primeira, teórica, a

segunda, pragmática.

A primeira é aquela em que, a nosso ver, avultam, de imediato,

considerações acerca do declínio formal da lei, cujo lugar

preeminente, em termos jurídicos formais, entra a ser ocupado

pela Constituição.

Com efeito, quanto mais a lei se “dessacraliza” e fica

minguante com a erosão de sua legitimidade, mais cresce e

pontifica a Constituição, sede maior da nova legitimidade, e

que desempenha o sumo papel de inspiradora, ordenadora e

diretora de todo o ordenamento jurídico.

A Constituição é cada vez mais, num consenso que se vai

cristalizando, a morada da justiça, da liberdade, dos poderes

legítimos, o paço dos direitos fundamentais, portanto, a casa

15 BONAVIDES, Paulo. Jurisdição constitucional e legitimidade (algumas observações sobre o Brasil) In Revista de Estudos Avançados 18 (51), 2004, p. 127/129

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dos princípios, a sede da soberania. A época constitucional que

vivemos é a dos direitos fundamentais que sucede a época da

separação de poderes.

Em razão disso, cresce a extraordinária relevância da jurisdição

constitucional, ou seja, do controle de constitucionalidade,

campo de batalha da Lei Fundamental onde se afiança

juridicamente a força legitimadora das instituições. Em

verdade, a justiça constitucional se tornou uma premissa da

democracia: a democracia jurídica, a democracia com

legitimidade.

A segunda condição, referida por Zagrebelsky, é de manifesto

teor material. Nela enquadramos a subseqüente exposição e

análise das dificuldades que ora atravessa, do ponto de vista da

legitimidade, a jurisdição constitucional no Brasil,

designadamente aquela exercitada pelo Supremo Tribunal

Federal, órgão de cúpula do Poder Judiciário.

A matéria aqui versada, como todo tema de Direito

Constitucional, combina, pois, elementos conceituais de

Ciência do Direito e de Ciência Política, sendo estes, os da

Ciência Política, todavia, predominantes no caso vertente,

porquanto indeclináveis à sua elucidação.

O Direito Constitucional passa por uma de suas fases mais

delicadas, mormente em países periféricos, onde a

concretização simultânea dos direitos fundamentais de três

gerações consecutivas, cuja normatividade e conceituação não

se acha ainda bem definida, faz a lei flutuar como centro

nervoso de uma aplicabilidade que nem sempre satisfaz às

exigências da consciência social e jurídica.

De tal sorte que o controle de constitucionalidade há de radicar

na lei ou “sobre a lei”, mas a lei assentada sobre princípios,

porquanto, se não for assim, não haverá justiça constitucional.

O conceito de jurisdição constitucional, qual a entendemos em

sua versão contemporânea, prende-se à necessidade do

estabelecimento de uma instância neutra, mediadora e imparcial

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na solução dos conflitos constitucionais. E em se tratando,

como sóe acontecer, de sociedades pluralistas e complexas,

regidas por um princípio democrático e jurídico de limitações

do poder, essa instância há de ser, sobretudo, moderadora de

tais conflitos.

Há que distinguir, portanto, entre legitimidade da jurisdição

constitucional e legitimidade no exercício dessa jurisdição. A

primeira é pacífica, conforme o entendimento da doutrina; a

segunda, controversa.

A primeira é matéria institucional, estática, a segunda,

axiológica e dinâmica; aquela inculca adequação e defesa da

ordem constitucional, esta oscila entre o Direito e a política. À

verdade, tribunal ou órgão de Estado, consagrado à fiscalização

de constitucionalidade que não congregue requisitos

indeclináveis ao desempenho de tal função ou não preencha os

fins aí implícitos, terá sua legitimidade arranhada e contestada

ou comprometida, como ora acontece em determinados

sistemas judiciais dos países da periferia. Neles o influxo das

interferências executivas sobre o Judiciário se fazem sentir com

mais força e intensidade, descaracterizando, não raro, a

natureza do controle, transvertido em instrumento ou veículo de

interesses infestos à causa da justiça e da democracia, e sempre

orientados no sentido do fortalecimento e hipertrofia, já do

poder do Estado, já do arbítrio dos governantes.

Assim acontece com as “ditaduras constitucionais” de algumas

repúblicas latino-americanas, das quais o exemplo mais atual,

frisante e ilustrativo é o Brasil na presente conjunção. Por onde

se infere que neste país, o Poder Executivo busca fazer o

controle de constitucionalidade se exercitar cada vez mais no

interesse do grupo governante e cada vez menos no interesse da

ordem constitucional propriamente dita, de que é guarda o

Poder Judiciário.

O federalismo foi o berço do controle concentrado de

constitucionalidade, tanto nos Estados Unidos como no Brasil.

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O pluralismo de Estados congregados em aliança ou comunhão

política, em que se requer a garantia e a inviolabilidade no

respeito às relações mútuas dos entes associados, constitui, em

sua dimensão histórica, o ponto de partida de toda a

judicialização do controle de constitucionalidade.

A natureza política desse controle na origem é, porém, patente e

incontrastável e perdura até hoje, sem embargo da célebre

polêmica Kelsen/Schmitt, da década de 1920, que não deixou

elucidada a matéria em seus derradeiros fundamentos.

Os vínculos do controle de constitucionalidade com a forma

federativa, já Hans Kelsen os proclamara em célebre artigo

estampado em França, em 1928, pela Revista de Direito

Público e Ciência Política sobre La Garantie Juridictionelle de

la Constitution (La Justice Constitutionnelle).

Com efeito, foram palavras suas: “Mas é certamente no Estado

Federal que a justiça constitucional adquire a mais considerável

importância. Não há exagero algum em asseverar que a idéia

política do Estado Federal só se realiza plenamente com a

instituição de um tribunal constitucional”.

A seguir, Kelsen prossegue mostrando que a essência do Estado

Federal não é problema de metafísica do Estado, mas consiste,

segundo concepção de todo realista, numa repartição de

funções tanto legislativas como executivas, entre órgãos

centrais competentes e uma pluralidade de órgãos locais.

As Constituições republicanas que adotam a organização

federativa dos entes constitutivos do corpo político, o princípio

da separação de poderes e a forma presidencial de governo, em

geral tendem, de necessidade, em razão de sua rigidez, a

estabelecer um sistema de controle de constitucionalidade.

O Brasil, desde 1891, dois anos depois da proclamação da

República, entrou a possuir uma dessas Constituições e a

desenvolver esse controle. Ignorado, por inteiro, ao decurso da

época imperial, sua introdução, em certa maneira, fora tolhida

pela ductilidade constitucional da forma parlamentar de

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governo. Havia é certo, uma espécie de controle político

nominal vazado no artigo 15, inciso 9º da Constituição do

Império, atribuído à Assembléia Geral. Mas não passava disso.

Com a Constituição republicana de 1988, inclinou-se o Brasil

em definitivo para o sistema misto de fiscalização de

constitucionalidade, combinando assim o sistema difuso,

introduzido ao alvorecer da primeira República proclamada em

1889, com o sistema concentrado, que, na presente República

constitucional, tende a se tornar preponderante, ao mesmo

passo que provoca a crise de legitimidade, de que nos vamos

ocupar mais adiante, com graves apreensões acerca de seu

desfecho.

Adiciono ainda a lição de Luís Roberto Barroso16 sobre a questão:

A questão da legitimidade democrática da jurisdição

constitucional e do controle de constitucionalidade, embora não

tenha sido totalmente ignorada pela doutrina brasileira, não foi,

até muito recentemente, tema de especial sedução para os

autores nacionais. É certo que, no Brasil, o controle de

constitucionalidade foi introduzido de forma expressa pela

Constituição de 1891, em norma positiva que implicava

inequivocamente a fiscalização incidental e difusa das normas

infraconstitucionais. Não se sujeitou, assim, à polêmica

doutrinária que marcou sua criação nos Estados Unidos. Nem

tampouco se verificou aqui, por razões múltiplas, o debate

ideológico que acompanhou sua implantação na Europa.

Nos Estados Unidos, como visto, o judicial review não teve

assento expresso no texto constitucional, havendo resultado de

uma construção jurisprudencial levada a efeito por John

Marshal, em Marbury v. Madison. O controle no sistema

americano era – e ainda é – realizado no desempenho normal da

16 BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 51/62

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atividade judicial, de modo incidental e difuso. No modelo

europeu, ao revés, foram criados tribunais constitucionais, fora

da estrutura ordinária do Poder Judiciário, com a função

específica de guarda da Constituição, competência que exercem

privativamente, de forma concentrada, embora o acesso à corte

possa se dar de modo principal (ação direta ou incidental).

Nos dois sistemas, a conseqüência prática da declaração de

inconstitucionalidade pela Suprema Corte ou pelo Tribunal

Constitucional importa na paralisação da eficácia da norma,

com alcance erga omnes, ou em sua retirada do sistema

jurídico, atividade equiparada à de um legislador negativo (que

não cria norma, mas pode suprimi-la). Diversas críticas foram

dirigidas, desde o primeiro momento, a essa função pela qual o

juízo feito pelos tribunais acerca de uma lei sobrepõe-se ao do

legislador. As impugnações foram de natureza política,

doutrinária e ideológica. Duas delas são destacadas a seguir.

A primeira: denominada dificuldade contra majoritária

(countermajoritarian difficuly), resultante do argumento de que

órgãos compostos por agentes públicos não eletivos não

deveriam ter competência para invalidar decisões dos órgãos

legitimados pela escolha popular. Segunda: os pronunciamentos

dos órgãos judiciais, uma vez esgotados os recursos processuais

cabíveis – e que se exaurem no âmbito do próprio judiciário –,

não estão sujeitos a qualquer tipo de controle democrático,

salvo a hipótese complexa e pouco comum de sua superação

por via de emenda à Constituição. Nos Estados Unidos, o

questionamento à legitimidade do controle judicial de

constitucionalidade foi reavivado e aprofundado como reação à

jurisprudência progressista da Suprema Corte sob a presidência

de Earl Warren (1953-1969) e de Warren Burger (1969-1986),

indo da crítica radical até atenuações moderadas.

É fora de dúvida que a tese da legitimidade do controle de

constitucionalidade foi amplamente vitoriosa, assim no debate

acadêmico como na prática jurisprudencial, sem embargo da

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sucessão de períodos de maior ou menor ativismo judicial. Seu

êxito deveu-se a argumentos de lógica aparentemente

irrefutável. Dentre eles, alinham-se alguns a seguir: a

Constituição, obra do poder constituinte originário e expressão

da mais alta soberania popular, está acima do poder constituído,

subordinando inclusive o legislador. Se a Constituição tem

status de norma jurídica, cabe ao Judiciário interpreta-la e

aplicá-la. Ainda quando decida conflitos de natureza política, os

critérios e métodos dos órgãos judiciais e das cortes

constitucionais são jurídicos. Em uma proposição: o Judiciário,

ao interpretar as normas constitucionais, revela a vontade do

constituinte, isto é, do povo, e a faz prevalecer sobre a das

maiorias parlamentares eventuais.

Essa linha de argumentação funda-se sobre a premissa de que a

interpretação constitucional seja uma atividade mecânica,

subsuntiva de determinados fatos à dicção inequívoca da

norma. Não se tratando, portanto, do exercício de uma

competência livre ou discricionária, não se está diante de

qualquer risco democrático. O órgão judicial não impõe sua

vontade nem seu próprio juízo de valores, mas apenas submete

os legisladores atuais a escolhas prévias feitas pelo povo. Essa

maneira de ver a questão teve amplo curso e foi acolhida de

forma expressa na jurisprudência da Suprema Corte americana.

O debate, todavia, tornou-se um pouco mais sofisticado,

deslocando-se para a confluência do direito constitucional com

a filosofia do direito e a teoria democrática. O primeiro

conjunto de argumentos legitimadores da jurisdição

constitucional, como visto, fundou-se no pressuposto liberal-

positivista que considera o ato jurisdicional um ato de

conhecimento (cognitivo), de simples revelação da vontade

contida na norma, não envolvendo criação ou escolhas pelo

intérprete. Presta-se, assim, deferência absoluta ao princípio da

separação de Poderes: o juiz limita-se a fazer atuar a decisão do

constituinte ou do legislador.

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A moderna dogmática jurídica, no entanto, de longa data já não

endossa a crença de que as normas jurídicas tenham,

invariavelmente, sentido unívoco, oferecendo uma única

solução possível para os casos concretos aos quais se aplicam.

Em muitas hipóteses, a norma – especialmente a norma

constitucional, quando tem conteúdo fluido e textura aberta –

oferece um conjunto de possibilidades interpretativas,

figurando como uma moldura dentro da qual irá atuar a

criatividade do intérprete. Como conseqüência, a atividade de

interpretação da norma consistirá também em um ato de

vontade (volitivo), uma escolha, envolvendo uma valoração

específica feita pelo intérprete. Tal escolha é vista por parte da

doutrina como o exercício de uma discrição judicial.

Ora bem: se o juiz constitucional utiliza-se da vontade,

identifica valores substantivos e faz escolhas – isto é, se o ato

judicial não é meramente cognitivo, mas também volitivo –, cai

por terra a legitimação do controle de constitucionalidade com

base na concepção tradicional da separação de Poderes. Esse

impasse ao qual chegou o conhecimento convencional, também

denominado liberal-positivista, levou a nova dogmática e a

nova hermenêutica jurídico-constitucional – batizadas como

pós-positivismo – à busca de novos fundamentos de

legitimidade para a jurisdição constitucional. Nesse novo

paradigma pós-positivista, parte do esforço empreendido

consiste em minimizar o conteúdo discricionário do elemento

volitivo da decisão constitucional, revestindo-o de uma

fundamentação racional, que deve ser compartilhada com a

comunidade.

Na quadra atual, onde é clara a insuficiência da teoria da

separação dos Poderes, assim como inelutável a superação do

modelo de democracia puramente representativa, multiplicam-

se os argumentos de legitimação da jurisdição constitucional.

Alguns deles:

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o acolhimento generalizado da jurisdição constitucional

representa uma ampliação da atuação do judiciário,

correspondente à busca de um novo equilíbrio por força da

expansão das funções dos outros dois Poderes no âmbito do

Estado moderno;

a jurisdição constitucional é um instrumento valioso na

superação do déficit de legitimidade dos órgãos políticos

eletivos, cuja composição e atuação são muitas vezes

desvirtuadas por fatores como o abuso do poder econômico,

o uso da máquina administrativa, a manipulação dos meios

de comunicação, os grupos de interesse e de pressão, além

do sombrio culto pós-moderno à imagem sem conteúdo;

juízes e tribunais constitucionais são insubstituíveis na

tutela efetivação dos direitos fundamentais, núcleo sobre o

qual se assenta o ideal substantivo de democracia;

a jurisdição constitucional deve assegurar o exercício e

desenvolvimento dos procedimentos democráticos,

mantendo desobstruídos os canais de comunicação, as

possibilidades de alternância no poder e a participação

adequada das minorias no processo decisório.

Esses temas são aprofundados no âmbito da filosofia do direito

e da teoria política. Para os fins aqui visados, é boa hora de

concluir a discussão, correlacionando a questão da legitimidade

do controle de constitucionalidade e do desempenho da

jurisdição constitucional com dois outros conceitos subjacentes

ao Estado constitucional, ainda que em fase de reavaliação: o

dogma da vontade da maioria e a separação de Poderes.

A democracia não se assenta apenas no princípio majoritário,

mas também, na realização de valores substantivos, na

concretização dos direitos fundamentais e na observância de

procedimentos que assegurem a participação livre e igualitária

de todas as pessoas nos processos decisórios. A tutela desses

valores, direitos e procedimentos é o fundamento de

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legitimidade da jurisdição constitucional. Partindo dessas

premissas, parece plenamente possível conciliar democracia e

jurisdição constitucional, quer se defenda uma noção

procedimental de Constituição – que privilegia a definição de

regras do jogo político, cuja observância legitimará os

resultados produzidos –, quer se opte por um modelo

substancialista – no qual certas opções materiais já estariam

predefinidas.

Na verdade, é possível identificar uma importante zona de

superposição entre esses dois enfoques: ambas as correntes

destacam o caráter imprescindível de certos direitos

fundamentais, seja como pressuposto para a deliberação, seja

como pautas mínimas inerentes à dignidade humana. Trilhando

caminhos diversos, as correntes chegam a um ponto comum

naquilo que é verdadeiramente essencial. Tal constatação não

tem por finalidade negas as particularidades de cada uma dessas

linhas, mas sim corroborar a importância reforçada dos

elementos comuns. Assim, da confluência das duas vertentes

parece possível extrair com segurança a afirmação de que a

Constituição desempenha dois papéis principais, mutuamente

implicados.

O primeiro é veicular consensos mínimos, essenciais à

dignidade das pessoas e para o funcionamento do regime

democrático, que não devem ser preteridos por maiorias

políticas ocasionais. O segundo é assegurar o espaço próprio do

pluralismo político, representado pelo abrangente conjunto de

decisões que não podem ser subtraídas dos órgãos eleitos pelo

povo a cada momento histórico. A Constituição não pode

abdicar da salvaguarda de valores essenciais e da promoção de

direitos fundamentais, mas não deve ter, por outro lado, a

pretensão de suprimir a deliberação legislativa majoritária e

juridicizar além da conta o espaço próprio da política.

O outro conceito que reclama releitura é o longevo princípio da

separação dos Poderes, que passa a conviver com realidades

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novas e inexoráveis, às quais precisa adaptar-se. Dentre elas, a

de que a interpretação judicial – inclusive e sobretudo a

interpretação da Constituição – freqüentemente envolverá, além

de um ato de conhecimento, um ato de vontade por parte do

intérprete. Tal vontade, todavia, não deve ser tida como livre ou

discricionária, mas subordinada aos princípios que regem o

sistema constitucional, às circunstâncias do caso concreto, ao

dever de fundamentação racional e ao debate público.

O próprio papel do Judiciário tem sido redimensionando. No

Brasil dos últimos anos, deixou de ser um departamento técnico

especializado e passou a desempenhar um papel político,

dividindo espaço com o Legislativo e o Executivo. Tal

circunstância acarretou uma modificação substantiva na relação

da sociedade com as instituições judiciais. É certo que os

métodos de atuação e de argumentação empregados por juízes e

tribunais são jurídicos, mas a natureza de sua função é

inegavelmente política. Embora os órgãos judiciais não sejam

integrados por agentes públicos eleitos, o poder de que são

titulares, como todo poder em um Estado democrático, é

representativo. Vale dizer, é exercido em nome do povo e deve

contas à sociedade. Essa constatação ganha maior realce

quando se trato do Tribunal de Constitucional ou do órgão que

lhe faça as vezes, pela repercussão e abrangência de suas

decisões e pela peculiar proximidade entre a Constituição e o

fenômeno político.

O reconhecimento desse caráter político da jurisdição

constitucional impõe redobrada cautela para que ela não se

partidarize ou se desvirtue em instrumento de disputa pelo

poder. Isto seria a sua ruína. Embora já não sejam cultivados o

mito da objetividade plena ou a ficção da neutralidade do

intérprete, o Judiciário deve ser um foro imparcial, onde impere

o respeito ao fato e ao valor do pluralismo. Um espaço no qual

reine a razão pública. Isso significa que as decisões judiciais

não se podem fundar em doutrinas abrangentes ou em pontos de

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vista sectários – religiosos, filosóficos, morais, econômicos ou

de qualquer outro tipo –, ainda quando espelhem concepções

majoritárias na sociedade. Pelo contrário, as cortes devem

buscar argumentos que possam ser reconhecidos como

legítimos por todos os grupos sociais dispostos a um debate

franco e aberto, ainda que venham a discordar dos resultados

obtidos em concreto.

Na configuração moderna do Estado e da sociedade, a idéia de

democracia já não se reduz à prerrogativa popular de eleger

representantes, nem tampouco às manifestações das instâncias

formais do processo majoritário,. Vive-se a era da democracia

deliberativa, em que o debate público amplo, realizado em

contexto de livre circulação de idéias e de informações, e

observado o respeito aos direitos fundamentais, desempenha

uma função racionalizadora e legitimadora de determinadas

escolhas políticas. Embora as decisões do Supremo Tribunal,

como de qualquer corte constitucional, sejam finais, elas não

cabem em si mesmas: são influenciadas pela realidade

subjacente e, ao mesmo tempo, exercem sobre ela um poder de

conformação. A legitimidade de uma decisão judicial, como a

do poder em geral, situa-se na confluência entre o

consentimento e o respeito.

4- CASUÍSMO E ATIVISMO JUDICIAL EM DECISÕES DO STF.

De se criticar o primeiro, e não tanto o segundo.

Para Siqueira Jr,

O ativismo do Poder Judiciário coaduna-se com a Democracia

Social. O passivismo do Judiciário é inerente do Estado Liberal.

O Estado Democrático e Social de Direito que surgiu com o

advento da Constituição Federal de 1988 concilia ao interesses

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individuais e sociais. Aí está a legitimidade da jurisdição

constitucional.

A democracia sobrevive e legitima-se pela resolução dos

conflitos e controle do poder, aspectos que estão ligados à

jurisdição constitucional, que produz o consenso social, outro

pilar democrático. A presença do conflito afeta o sistema

democrático. A resolução das alterações sociais reafirma a

democracia e a paz social.

A jurisdição constitucional é o consectário lógico da

democracia, na medida em que o controle caminha ao lado

desse regime. O desenvolvimento da democracia é proporcional

ao sistema de controle, se expressando pela fórmula “maior

democracia, mais controle”. “Em síntese conclusiva,: a

jurisdição constitucional pode ser compatível com a

democracia, e será tanto mais legítima quanto mais contribuir

para o seu aprimoramento”. 17

Canotilho aponta como campos problemáticos da justiça

constitucional o seguinte: “A pontualização dos momentos

relevantes da gênese da justiça constitucional permite agora, em

forma de síntese, individualizar os seus domínios típicos,

ressalvando-se sempre, como é natural, as particularidades

concretas de cada ordenamento jurídico-constitucional: (1)

Litígios constitucionais (Verfassungstreitigkeiten), isto é,

litígios entre órgãos supremos do Estado (ou outros entes com

direitos e deveres constitucionais); (2) Litígios emergentes da

separação vertical (territorial) de órgãos constitucionais (ex.:

federação e estados federados, estados e regiões); (3) Controlo

da constitucionalidade das leis e, eventualmente, de outros

actos normativos (Normenkontrolle); (4) Proteção autónoma de

direitos fundamentais (Verfassungsbeschwerde, recurso de

amparo); (5) Controlo da regularidade de formação dos órgãos

constitucionais (contencioso eleitoral) e de outras formas

17 Ob. Cit., p. 67

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importantes de expressão política (referendos, consultas

populares, formação de partidos); (6) Intervenção nos processos

de averiguação e apuramento da responsabilidade

constitucional e, de modo geral, a ‘defesa da constituição’

contra crimes de responsabilidades

(Verfassungsschutzverfahrem). (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito

constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedida, 1998, p. 789

A jurisdição constitucional tem por finalidade a regularidade

constitucional, podendo seu objeto ser dividido em três pontos:

1. Jurisdição constitucional (sentido estrito), que é o

controle jurisdicional da constitucionalidade.

2. Jurisdição constitucional das liberdades, que estuda os

writs ou as ações constitucionais, que têm por finalidade o

controle das liberdades.

3. Jurisdição constitucional política, que busca a

efetividade da Constituição no aspecto político ou o

implemento de políticas públicas, que se exterioriza pelos

instrumentos de defesa da cidadania, que tem por desiderato o

controle político.18

CONCLUSÃO

Podemos dizer, sem dúvida, que o sistema de controle judicial de

constitucionalidade e, mais precisamente, a jurisdição constitucional, existe no

Estado Democrático de Direito, não sendo afeto aos sistemas totalitários,

sejam de que matiz for.

É desta forma de Estado, um fator caracterizante, e também, que ajuda

na criação e no fortalecimento das instituições deste.

18 Ob. Cit., p. 68.

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Porque espelha melhor as conclusões a que chegamos, recorro à dicção

de Walber de Moura Agra19:

O papel da Constituição não é apenas servir como um limite

formal para a atuação do Poder Legislativo, mas, ao contrário,

atuar como uma norma substancial que exprime a tensão entre o

projeto de materializar uma determinada idéia de sociedade

com a realidade fática vigente. A jurisdição constitucional tem

a obrigação de velar pela concretização dos valores da

Constituição, desenvolvendo uma atividade mais ampla do que

a de simplesmente declarar a nulidade das normas

inconstitucionais, no sentido meramente negativo, mas

igualmente orientar e fornecer as condições necessárias para a

realização dos valores contidos no seu texto.

A concepção de uma Constituição como uma ordem concreta

de valores, arrimado em princípios da Lei Maior, não desnatura

o seu caráter jurídico. A Carta Magna sofre uma intensa

influência da seara fática, indubitavelmente, mas essas

interferências são moldadas sob prismas jurídicos, de acordo

com o programa estabelecido pelo conteúdo normativo. A

segurança do ordenamento jurídico se mantém inalterada, uma

vez que os valores adotados pela Constituição são incorporados

em dispositivos normativos constituindo-se em parâmetro para

a decisão dos operadores do Direito.

Os valores agasalhados pelos princípios jurídicos não oferecem

aos tribunais constitucionais o poder de decidir sem o alicerce

dos instrumentos normativos. A maior discricionariedade

oferecida pelos princípios não permite ao Poder Judiciário pura

e simplesmente o exercício da função de criação normativa

como fora previsto na separação dos poderes ao Legislativo. A

19 AGRA, Walber de Moura. Entrenchment dos direitos fundamentais e o do interesse público como fundamentação da jurisdição constitucional. Disponível em http://www.ibec.inf.br/walber1.pdf. Consultado em 01/03/2009.

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sua legitimidade é haurida pelos mandamentos constitucionais,

com a finalidade de concretizar os direitos fundamentais e o

interesse público, amparado na reestruturação do Supremo

Tribunal Federal e no caráter dialógico de seu procedimento.

Não se pode imputar o atrelamento das decisões da jurisdição

constitucional aos valores concretos abrigados pela

Constituição de 1988 um motivo de insegurança para o

ordenamento jurídico. A intenção é garantir a efetividade dos

direitos fundamentais e do interesse público, principalmente

daqueles classificados como normas programáticas, em que

pairam uma maior discricionariedade na intensidade de sua

concretização por parte do legislador infraconstitucional.

O problema de se adotar uma concepção da Constituição como

um complexo de valores é determinar a extensão desses valores

que estão contidos nos dispositivos constitucionais em

estruturas principiológicas. A solução encontrada é através do

princípio da “densidade suficiente” ou do “mínimo possível”.

Ao defender que a Constituição é uma “ordem objetiva de

valores” e que a concretização dos direitos fundamentais e do

interesse público devem garantir um conteúdo mínimo ou

densidade suficiente de seus preceitos está se tentando

assegurar sua efetiva realização, mormente dos direitos que têm

uma natureza programática. Dessa forma, o Supremo Tribunal

Federal assume uma relevante importância no sentido de

efetivar o conteúdo mínimo ou a densidade suficiente dos

direitos fundamentais e do interesse público abrigados pela

Constituição de 1988, tornando-se o “guardião dos valores”, o

instrumento de tutela e efetivação das prerrogativas dos

cidadãos.

A definição de um “conteúdo mínimo” ou “densidade

suficiente” dos direitos fundamentais e do princípio do interesse

público se mostra bastante relevante para os direitos sociais e

para todos aqueles que necessitam da intervenção estatal para a

sua concretização, ou seja, para todos aqueles que precisam

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efetivar não apenas prestações normativas, mas igualmente

prestações fáticas. Com relação aos direitos de primeira

dimensão, atinentes às prerrogativas civis e políticas, a simples

abstenção da atuação dos entes estatais já é suficiente para a sua

inteira concretização.

Portanto, a maior relevância ao se precisar um “conteúdo

mínimo”, ocorre naquelas prerrogativas que necessitam de

prestações efetivas dos entes estatais, haja vista serem os

direitos negativos incompatíveis com uma densificação do seu

conteúdo, o que impossibilita dividir esses direitos em uma

parte essencial e outra mais flexível. Os direitos de primeira

dimensão não apresentam um substrato econômico significante,

atingindo, esse vetor, forte magnitude com relação às demais

dimensões.

A teoria da “densidade suficiente” ou do “conteúdo

mínimo”deve ser concebida como um entrincheiramento dos

direitos fundamentais e do interesse público, entrenchment, no

sentido de que as prerrogativas dos cidadãos são fixadas em

uma determinada intensidade e que essa intensidade seja

protegida para que a sua eficácia não se torne cambiante de

acordo com as variáveis sociais. Dessa forma, há uma proteção

a precisão dos valores constitucionais, o que impede a sua

variação para atender a particularidades e aumenta a segurança

jurídica do conteúdo das normas constitucionais.

A concepção de entrincheiramento assegura uma proteção ao

conteúdo dos direitos fundamentais e do interesse público, o

que impede a sua ineficácia e a sua inconstância de acordo com

os vetores sociais. Contudo, o entrenchment não impede a

evolução dos direitos, depois de garantir uma intensidade

mínima reforçando sua unanimidade na sociedade, a sua

finalidade configura-se em expandir o entrincheiramento dos

direitos fundamentais e do interesse público mais adiante,

propiciando maiores prerrogativas à sociedade. O entrenchment

do “conteúdo mínimo” dos direitos fundamentais e do interesse

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público funciona como uma garantia à efetivação desses

direitos, impedindo um retrocesso na sua concretização. O

entrincheiramento, como o étimo da palavra já clarifica,

significa o encastelamento do “conteúdo mínimo” no

ordenamento jurídico, expandindo esse consentimento para o

tecido social. Seu escopo é fortalecer a densidade normativa

desses direitos, realizando o que Canotilho chamou de

solidificação da legalidade democrática. Partindo do consenso

firmado pelo entrincheiramento dos direitos fundamentais e do

interesse público, a negociação para o seu desenvolvimento se

torna mais fácil, já que o ponto de referência,

entrincheiramento, goza de grande grau de normatividade e

legitimação social.

A teoria do entrincheiramento dos direitos fundamentais e do

interesse público realiza uma reafirmação da legitimação da

jurisdição constitucional através de uma substantive

justification, cujo reflexo direto é a densificação dos

dispositivos da Carta Magna. Os valores agasalhados pela Lex

Mater estabelecem parâmetros de racionalidade jurídica que

fundamentam a aplicação das normas constitucionais,

justificando a sua própria eficácia, sem necessitar de

procedimentos destituídos de substrato material.

Para que o Supremo Tribunal Federal possa densificar a

legitimação da jurisdição constitucional através do

entrenchment do “conteúdo mínimo” dos direitos fundamentais

e do interesse público, as suas decisões têm que ter uma

eficácia erga omnes e efeito vinculante, inclusive com a

prerrogativa de regulamentar dispositivos constitucionais

quando estes não forem regulamentados pelo legislador

infraconstitucional e, como conseqüência, impossibilitar o

exercício de direitos fundamentais.

Dessa forma, muitos mandamentos da Constituição que têm

mera função retórica devem ter um conteúdo mínimo

assegurado pelo STF, o que já aconteceu em algumas de suas

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decisões com o intuito de obrigar que os poderes competentes

assegurem direitos sociais mínimos aos hipossuficientes, como

o direito à saúde, à educação etc.

Exemplo não de um “conteúdo mínimo” ou “densidade

suficiente” de um direito fundamental, mas de um percentual

orçamentário mínimo que deve ser aplicado na saúde pelo

Estado brasileiro, que de qualquer maneira garante um maior

aporte de verbas para esse direito fundamental imprescindível,

tentando instituir um “conteúdo mínimo”, foi instituído pela

Emenda Constitucional n. 29, que determinou um percentual

limite que deve ser aplicado pela União, Estados, Município e

pelo Distrito Federal, e em cada ano esse percentual deve ser

acrescido pela variação do PIB (Produto Interno Bruto). Essa

emenda permitiu que o Supremo Tribunal Federal pudesse

efetivamente exercer a tutela para que os recursos destinados à

saúde não sejam alocados para outros setores.

Na determinação do “conteúdo mínimo”, ou da “densidade

suficiente”, o Supremo Tribunal Federal não pode agir de forma

arbitrária, já que os fatores sócio-políticoeconômicos interferem

nas suas decisões, pois são eles que estruturam a forma de sua

composição e funcionamento e são as forças políticas que

indicam os componentes do Egrégio Tribunal. Então, o

Supremo Tribunal Federal, de acordo com a conjuntura fática,

determinaria uma “densidade suficiente” para os direitos

fundamentais e para o princípio do interesse público e zelaria

para as suas efetivações. Poderia, inclusive, traçar determinadas

metas que deveriam ser alcançadas pelos órgãos públicos

dentro de um prazo prefixado, sob pena de se incorrer em crime

de responsabilidade.

Os direitos fundamentais e o princípio do interesse público são

compostos de duas partes: o seu “núcleo duro” e a sua “zona

periférica”. O “núcleo duro” ou “conteúdo essencial”

configura-se como um limite que deve ser respeitado pelo

Supremo Tribunal Federal ao determinar a densidade de um

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direito, que, de maneira nenhuma, pode ser desrespeitado pelas

decisões judiciais, proibindo-se o seu esvaziamento ou que ele

se transforme em uma exceção. Esse “núcleo duro” é definido

como a própria essência do direito, que deve ser concretizada

independente de conjecturas fáticas. A outra parte que os

compõem é a “zona periférica”, que será concretizada

consonante a conjuntura fática, mas que o STF deve estipular

um desenvolvimento para que a densidade do direito possa ser

aumentada.

O “conteúdo mínimo” ou “densidade suficiente” refere-se ao

“núcleo duro” que, de forma alguma, pode ser desprezado pelos

órgãos estatais. A “zona periférica” refere-se à extensão que os

direitos fundamentais e o princípio do interesse público devem

paulatinamente evoluir, atendendo às diretrizes estipuladas pelo

Supremo Tribunal Federal, sempre em sintonia com os fatores

sócio-político-econômicos. Entretanto, jamais haverá uma

conclusão na sua concretização, que sempre estarão em

constante evolução pari passu com a evolução da sociedade. A

conclusão que se pode chegar é que sempre haverá uma “zona

periférica” na definição dos direitos fundamentais e do interesse

público, que caberá ao STF velar pelo seu desenvolvimento

sintonizado com as demandas sociais.

A finalidade da definição de um “núcleo duro”dos direitos

fundamentais e do princípio do interesse público não é limitar

as suas concretizações, muito pelo contrário, configura-se como

uma forma de maximizar a sua eficácia. Por isto, a teoria da

“reserva do possível”, que advoga que os direitos fundamentais

tem uma concretização de acordo com as variáveis sócio-

político-econômicas, não podendo restringir a efetividade das

normas constitucionais, cerceando a extensão do “núcleo duro”.

A sua aplicação na realidade brasileira deve ter o escopo de

garantir um constante incremento nas prerrogativas dos

cidadãos e não se transformar em um óbice, sob a alegação de

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que a seara fática não oferece condições mínimas para a

concretização dos direitos fundamentais e do interesse público.

O princípio da “densidade suficiente”, ou do “conteúdo

mínimo”, consiste em se garantir aos direitos que exigem uma

concretização jurídica-política uma precisão do seu conteúdo,

que ao mesmo tempo em que protege o substrato material

contido na Constituição, não cerceia a discricionariedade de

escolha inerente ao Poder Executivo e Legislativo, que é

própria do regime democrático. A importância do entrenchment

da “densidade suficiente” dos direitos fundamentais e do

interesse público, atuando concomitantemente no “núcleo duro”

e na “zona periférica” é a solidificação desses direitos no

ordenamento, o que assegura a sua eficácia.

A discussão acerca do princípio da “densidade suficiente”, ou

“conteúdo mínimo”, reside em se precisar o seu substrato, que

não pode ser encontrado na seara jurídica, em razão

do caráter aberto dos princípios, o que leva inexoravelmente a

uma decisão política. Ou seja, o idêntico problema para se

adotar uma concepção principiológica da Constituição. A

Constituição portuguesa prevê uma distinção básica entre

direitos, liberdades e garantias, que têm uma concretização

jurídico-interpretativa, e direitos econômicos, sociais e

culturais, que tem uma concretização jurídico-política da Lei

Maior. Com isto, a mencionada Constituição agasalhou a tese

de um “núcleo duro” dos direitos fundamentais e de um “zona

periférica”. Os direitos, liberdades e garantias foram

regulamentados no título II, da parte I, e os direitos

econômicos, sociais e culturais no título III, da mesma parte I,

evidenciando a concepção da Constituição, como uma “ordem

objetiva de valores”, que assume maior significado para os

direitos que exigem intervenção estatal para a sua

concretização.

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Os direitos, liberdades e garantias, estruturados tipicamente em

regras, são diretamente aplicáveis e por isto são passíveis de

uma concretização jurídico-interpretativa.

Já os direitos econômicos, sociais e culturais, que são

estruturados tipicamente em princípios, dependem para a

determinação do seu conteúdo de opções políticas, próprias dos

órgãos políticos que compõem o aparelho estatal. Por isto, são

passíveis de uma concretização jurídico-política, porque se

referem a questões que nitidamente envolvem uma decisão

política que tem que ser tomada com um alto substrato de

legitimidade.

Esse é um exemplo claro de que a maior importância para o

estabelecimento de um “conteúdo mínimo” aos direitos

fundamentais e ao princípio do interesse público refere-se

primordialmente aos que são concretizados de forma

continuada no tempo, e não aos direitos que são concretizados

de forma instantânea, como os de primeira dimensão, que

exigem apenas uma omissão por parte do Estado.

Destarte, o conteúdo dos direitos econômicos, sociais e

culturais é constituído de forte carga valorativa, cujas

conjecturas sócio-políticoeconômicas direcionam o conteúdo

axiológico das normas constitucionais. Enquanto que os

direitos, liberdade e garantia têm uma natureza nitidamente

jurídica porque sua concretização necessita de reduzida carga

valorativa.

Condizente com a “zona periférica” dos direitos fundamentais e

do princípio do interesse público, o Tribunal Constitucional

português decidiu que não se pode exigir do legislador uma

regulamentação uniforme para todos os preceitos que exijam

uma concretização jurídica-política, aceitando-se uma abertura

razoável para as opções legislativas desde que elas não

impliquem no cerceamento da essência do dispositivo

constitucional. O instrumento para garantir a autonomia

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legislativa e a defesa da cominação, contida na Constituição, foi

realizado através da construção da teoria da “densidade

suficiente” ou do “conteúdo mínimo”.

O Tribunal Constitucional Federal alemão foi o pioneiro na

concepção da Constituição como uma “ordem de valores”, ou

um “sistema de valores”. Para assegurar concretude normativa

aos direitos fundamentais, ele defende a realização de um

conteúdo mínimo, principalmente daqueles que necessitam da

intervenção do Estado para a sua realização.

A Lei Fundamental da Alemanha, de 1949, não menciona

expressamente que há um direito fundamental, inerente a uma

assistência adequada por parte dos órgãos estatais, que garanta

os cidadãos contra as provações econômicas. Apesar dessa

omissão, o Tribunal Constitucional Federal alemão se

posicionou acerca da existência de um mínimo vital que os

órgãos estatais devem garantir a todos os cidadãos. Assim se

manifestou o mencionado tribunal em uma importante decisão,

em 1975: “Certamente, a assistência social aos necessitados é

um dos deveres óbvios do Estado Social. Necessariamente, isto

inclui a assistência social aos cidadãos que, em virtude de

vicissitudes físicas ou mentais, estão impedidos de desenvolver-

se pessoal e socialmente e não podem assumir por si mesmo a

sua própria subsistência. Em todo caso, a comunidade estatal

tem que assegurar as condições mínimas para uma existência

humana digna”.

Como pode-se perceber, pela atuação do Tribunal

Constitucional Federal alemão, o efetivo desenvolvimento da

jurisdição constitucional configura-se de suma importância para

a defesa e a concretização dos direitos fundamentais. Para o

alcance desse objetivo, é imprescindível a atuação do Supremo

Tribunal Federal como guardião do “conteúdo mínimo” ou da

“densidade suficiente” dos direitos fundamentais, utilizando-se

da teoria do entrenchment.

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Finalmente, demonstrando ser imprescindível a autonomia de o

Supremo Tribunal Federal interpretar, bem assim garantir os princípios

constitucionais não regulamentados, o risco que se corre, e o que se entende

necessário ver refreado não é o ativismo judicial deste Tribunal, mas eventual

extrapolação destas decisões, em normas vinculantes de caráter permissivo,

exaradas no interesse de casos ou grupos específicos e particulares, e mesmo

decisões que coloquem em risco, tanto o território quanto a soberania da

nação.

Como exemplo de extrapolação, podemos citar dois casos que, a nosso

ver são o retrato desta preocupação, representados pela súmula vinculante que

trata do uso de algemas, e a recente decisão sobre a demarcação contínua da

reserva indígena Raposa Serra do Sol em Roraima.

A primeira casuísta, aplicada aparentemente aos amigos de políticos e

ministros, freqüentadores dos noticiários policiais ou judiciais como se queira

interpretar.

A segunda, fruto de uma clara influência ideológico-partidária que

poderá, em curto espaço de tempo, além de demonstrar o seu equívoco, trazer

sérios problemas quanto à interpretação da soberania territorial do país, e

quais as suas limitações, já que admite nas fronteiras internas do país, a

existência de outros “povos” e seus “territórios”.

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