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    A concepo de cidade em diferentes matrizes tericas das Cincias Sociais

    Revista Rio de Janeiro, n. 9, p. 91-99, jan./abr. 2003 91

    A concepo de cidade em diferentesmatrizes tericas das Cincias Sociais

    Maria Josefina Gabriel SantAnna *

    ResumoResumoResumoResumoResumo - A cidade ocidental moderna tem sido pensada no mbito das Cincias Sociais

    sob distintas matrizes tericas, com diferentes graus de abstrao e de generalizao.Busca-se aqui formular um breve panorama de algumas das diversas concepes que

    marcam o pensamento sobre a cidade, com destaque para os pensadores clssicos da

    Sociologia Marx, Weber e Durkheim , para a Escola de Chicago, bem como para a

    sociologia urbana francesa.

    Palavras-chavesPalavras-chavesPalavras-chavesPalavras-chavesPalavras -chaves: cidade; urbano; industrializao; urbanizao.

    * Professora do IFCH/PPCIS/UERJ. E-mail: [email protected].

    A cidade segundo os clssicos: A cidade segundo os clssicos: A cidade segundo os clssicos: A cidade segundo os clssicos: A cidade segundo os clssicos:Marx, WMarx, WMarx, WMarx, WMarx, Weberebereberebereber, Durkheim, Durkheim, Durkheim, Durkheim, Durkheim

    Para Marx e Engels, a cidade ocidental

    moderna constitui o local da produo e re-

    produo do capital, produto da sociedade

    capitalista, e, portanto, parte integrante de pro-

    cessos sociais mais amplos. A reflexo dos

    autores incide, dessa forma, sobre uma cida-

    de especfica a cidade industrial moderna,

    j que, para eles, a histria de qualquer soci-

    edade at nossos dias a histria da luta de

    classes (Manifesto Comunista/1848). De-

    riva da a concepo do papel histrico e es-

    tratgico que eles imputam cidade industrial

    no sculo XIX, como locus da luta de classes.

    Bero da burguesia e de sua ascenso revolu-

    cionria, a cidade tambm o espao onde se

    evidencia a explorao qual os trabalhado-

    res esto submetidos e onde, dialeticamente,

    tal explorao ser superada, pela revoluo

    operria. A cidade capitalista, nessa perspec-

    tiva, tem concretude histrica.

    As grandes cidades industriais expressam

    tambm a misria e a degradao da classe

    operria, denunciadas com contundncia por

    Engels emA situao da classe trabalhado-

    ra na Inglaterra, de 1845, idia retomada

    posteriormente por Marx em O Capital, de

    1867. Aps observar Manchester por vinte

    meses, Engels afirma, em relao moradia e

    s famlias operrias: nas habitaes oper-

    rias de Manchester no h limpeza nem con-

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    Artigos

    forto, e, portanto, no h vida familiar poss-

    vel; s uma raa desumanizada, degradada,

    rebaixada a um nvel bestial, tanto do ponto

    de vista intelectual quanto moral, fisicamente

    mrbida poderia sentir-se vontade e sentir-

    se em casa (1985, p.79).

    Ao conceber a cidade capitalista a partir

    de sua concretude histrica, Marx e Engels

    afastam-se e mesmo se opem tica de

    Weber, outro pensador clssico das Cincias

    Sociais, que concebe a cidade como tipo-ideal,

    demarcando um outro campo terico.

    A anlise de Weber sobre a cidade muito

    ampla, pois visa explicar a origem e o desen-

    volvimento do capitalismo moderno e a

    racionalidade que o atravessa em todas as es-

    feras. Interessa ao autor identificar o papel que

    a cidade desempenha na emergncia desses

    processos.

    Na sua forma tpica ideal, a cidade carac-

    teriza-se por constituir-se como mercado e

    possuir autonomia poltica. Exatamente por-

    que reflete sobre a cidade tpica ideal (um

    modelo, uma abstrao), Weber encontra,

    pelas evidncias histricas empricas, diferen-

    tes tipos de cidades com graus distintos de

    aproximao ao tipo ideal. Chama a todas decidade, pois se enquadram no conceito. Em

    detalhado e minucioso inventrio, trabalha as

    especificidades de cada uma delas e as com-

    para. A cidade medieval ocidental a que mais

    se aproxima do tipo ideal.

    A reflexo mais sistemtica sobre a cidade

    est no texto The City(1922), posteriormen-

    te incorporado em Economia e Sociedade

    com o ttulo de A dominao no-legtima

    (tipologia de cidades). Neste texto, Weber

    rene uma srie de estudos sobre a Antigi-

    dade, a tica protestante, o esprito do capita-

    lismo e a moral econmica das grandes religi-

    es. indispensvel reter o registro desse con-

    junto de idias, alerta Bruhns (1988), para

    no se enganar a respeito das intenes deWeber. Trata-se de uma pesquisa sobre a pol-

    tica econmica urbana, tal como ela se desen-

    volveu na cidade medieval, para se compre-

    ender o papel da cidade no capitalismo mo-

    derno: decisivamente, o capitalismo surgiu

    atravs da empresa permanente e racional, da

    contabilidade racional, da tcnica racional e

    do direito racional. A tudo isso se deve adicio-

    nar a ideologia racional, a racionalizao da vida, a tica racional na economia (Weber,

    1968, p.310).

    Para Marx e Weber, consideradas as pro-

    fundas distines das concepes que os ori-

    entavam, a cidade parte de uma totalidade;

    esta, sim, objeto legtimo de anlise. Concebi-

    da como uma categoria histrica, expresso

    de uma realidade mais abrangente, no ten-

    do, portanto, o atributo de varivel explicativa.Durkheim (1971), por sua vez, vai-se in-

    teressar pela cidade de uma forma mais indi-

    reta, devido ateno que concede

    morfologia social. O autor toma como refe-

    rncia para a anlise da sociedade a disposi-

    o, em determinado territrio, de uma mas-

    sa de populao de certo volume e densida-

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    de, concentrada nas cidades ou dispersa nos

    campos, que, servida por variadas vias de co-

    municao, estabelece diferentes tipos de con-

    tato. , ento, no contexto da anatomia da so-

    ciedade, em seus aspectos marcadamente es-

    truturais, que a cidade surge como substrato

    da vida social, acumulando e concentrando

    parcelas significativas da populao.

    Com esse breve panorama das concep-

    es que marcam o pensamento dos clssi-

    cos sobre a cidade, possvel reafirmar a

    presena de marcos tericos distintos

    embasando esses estudos. Os preceitos tericos

    e o alto grau de abstrao e de generalidade pre-

    sentes no pensamento desses autores clssicos

    da Sociologia opem-se abordagem largamente

    empiricista que marca a Escola de Chicago.

    A Escola de Chicago A Escola de Chicago A Escola de Chicago A Escola de Chicago A Escola de Chicago::::: o nasci-o nasci-o nasci-o nasci-o nasci-mento da Ecologia Urbanamento da Ecologia Urbanamento da Ecologia Urbanamento da Ecologia Urbanamento da Ecologia Urbana

    A Escola de Chicago inaugura um tipo de

    reflexo, at ento indita, que tem a cidade

    como objeto privilegiado de investigao; a

    cidade como laboratrio social tem como

    referncia a prpria Chicago dos anos de 1920.

    O empirismo que envolve a abordagem da

    Escola de Chicago resulta do intuito de buscar

    solues concretas para uma cidade catica,

    marcada por intenso processo de industriali-

    zao e de urbanizao, na virada do sculo

    XIX para o XX. Cidade industrial por exceln-

    cia, Chicago torna-se nessa poca a mais im-

    portante dos Estados Unidos. O crescimento

    demogrfico espantoso (as famosas cifras ates-

    tam), o imenso contigente imigratrio, os

    guetos de diferentes nacionalidades gerado-

    res de segregao urbana, a concentrao

    populacional excessiva e as condies de vida

    e de infra-estrutura precarssimas favorecem

    a formulao pela Escola da idia dacidade

    como problema, dificultando a transcen-

    dncia de tal realidade imediata e a articula-o de um pensamento com maior grau de

    abstrao sobre o tema.

    A especificidade da abordagem ecolgica

    estaria no fato de tratar a cidade isolada-

    mente, o que em si no constituiria um m-

    rito. Pelo contrrio, essa viso marca o in-

    cio de um estudo mais sistemtico sobre a

    cidade, ao menos tradicionalmente, forne-

    cendo a base terica para a constituio daSociologia Urbana.

    A validade dessa reverncia discutvel,

    por exemplo, para Castells: tal sociologia,

    marcada por tais origens, que advoga a idia

    da existncia de um urbano per se, que tem

    na cidade a prpria varivel explicativa, no

    uma cincia, mas, sim, uma ideologia (Castells,

    1977). Essa crtica, mesmo procedente, no

    invalida a importncia da abordagem ecolgi-ca na construo de um conhecimento espe-

    cfico sobre a cidade. As duas vertentes da Es-

    cola eclogos e culturalistas orientam-se

    pelos conceitos da ecologia humana, elabo-

    rados por Robert Park (1987). A cidade

    concebida como uma entidade fsico-

    territorial empiricamente constituda e delimi-

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    tada no espao por critrios geogrficos,

    demogrficos, numricos e poltico-adminis-

    trativos. Park identifica, no interior de uma

    comunidade urbana, um sistema de foras que

    tende a produzir um grupamento ordenado e

    caracterstico de sua populao e de suas ins-

    tituies (Grafmeyer; Joseph, 1979).

    Segundo Wirth, outro autor de destaque da

    Escola de Chicago, ligado vertente culturalista,

    a cidade fabrica um produto bem caractersti-

    co:a cultura urbana, expressa na formulao

    do urbanismo como modo de vida, que, por

    sua vez, transcende os limites espaciais. Esta idia

    totalmente inovadora, uma vez que afirma que

    a cidade atua e se desdobra para alm dos limi-

    tes fsicos, pela propagao do estilo de vida

    urbano, e se torna o locus do surgimento do

    urbanismo como modo de vida. Descarac-teriza-se, assim, a importncia da delimitao

    fsica da cidade, presente em outros estudos

    dos autores da Escola, e destaca-se a capacida-

    de de a cidade moldar o carter da vida social

    forma especificamente urbana.

    Uma das mais incisivas crticas de Castells

    (1977) a Wirth objetiva exatamente mostrar

    que a cidade no produz a prpria cultura;

    no h umacultura da cidade, mas, sim, umacultura da sociedade capitalista.

    A sociologia francesa: o urba- A sociologia francesa: o urba- A sociologia francesa: o urba- A sociologia francesa: o urba- A sociologia francesa: o urba-no capitalistano capitalistano capitalistano capitalistano capitalista

    No final da dcada de 1960, a cidade ser

    discutida por uma tica crtica Escola de

    Chicago, demarcando uma ruptura terica

    com essa sociologia urbana, principalmen-

    te a partir da Frana. Para os socilogos fran-

    ceses (bem como para os norte-americanos

    fundadores danew urban sociology, C. Wright

    Mills e Floyd Hunter), a cidade deveria ser

    compreendida como espao socialmente pro-

    duzido, assumindo diferentes configuraes

    de acordo com os vrios modos de organiza-o socioeconmica e de controle poltico.

    Ganha importncia a interao entre as rela-

    es de produo, consumo, troca e poder

    que se manifestam no ambiente urbano

    (Valladares; Freire-Medeiros, 2001).

    Vrios tericos franceses entre eles

    Castells, Lojkine, Ledrut e Lefbvre propem

    outros marcos para a renovao da reflexo

    sobre a cidade, por meio de uma produode inspirao marxista, o que expressa o des-

    contentamento desses estudiosos com a idia

    defendida pela Escola de Chicago, de que ha-

    veria um urbanoper se, a partir do qual seria

    possvel explicar toda uma srie de fenme-

    nos sociais.

    Na medida em que, conforme se disse, a

    cidade passa a ser pensada pela interao

    entre as relaes de produo, consumo, tro-ca e poder, configura-se um novo enfoque

    relativo cidade que politiza a questo ur-

    bana e surgem novas questes de investiga-

    o: os movimentos sociais urbanos, os meios

    de consumo coletivo, a estruturao social do

    territrio na sociedade capitalista e o papel do

    Estado na urbanizao (Gonalves, 1989).

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    A concepo de cidade em diferentes matrizes tericas das Cincias Sociais

    Revista Rio de Janeiro, n. 9, p. 91-99, jan./abr. 2003 95

    Castells (1977), que elabora a crtica mais

    contundente e sistemtica Escola de Chica-

    go, argumenta que a abordagem ecolgica

    no teria fornecido nem objeto prprio nem

    conhecimento especfico sociologia urba-

    na, mas teria refletido sobre uma sociologia

    da integrao ou da cultura. As teorias que

    concebem a cidade como varivel

    determinante da cultura so, para o autor, te-ses ideolgicas sobre a sociedade urbana.

    Podem ser tanto de direita, como a expressa

    por Wirth, quanto de esquerda, como a de

    Lefbvre, na qual uma forma a sociedade

    urbana definida por um contedo que o

    reino da liberdade e do novo urbanismo.

    O urbano concebido como cotidianidade, que

    se torna o eixo do desenvolvimento social e da

    concluso cultural da histria (Castells, 1977).Ambas as teorias de direita e de esquer-

    da tm por base a idia de que o espao

    determina o comportamento; ambas so ide-

    ologias, diz Castells, e embora contribuam com

    grandes achados do ponto de vista emprico,

    as articulaes tericas so fracas, porque to-

    das contm um pecado original: desembocam

    no lugar do espao na estrutura social. Para

    Castells, esse lugar est associado reprodu-o, ao consumo coletivo. Consequentemente,

    o espao no uma pgina em branco, ele

    determinado pela reproduo; o espao no

    existe em si, ele socialmente determinado.

    Para Castells, a sociologia urbana merece-

    ria um novo ponto de partida: a criao de um

    novo campo terico, que seria a anlise soci-

    olgica da produo do espao, que resulta-

    ria numa sociologia do planejamento urba-

    no; soluo discutvel, segundo Gonalves

    (1989, p.70).

    Os trabalhos de Castells, de certo modo,

    lideram um movimento de retomada da ques-

    to urbana numa perspectiva crtica ao capi-

    talismo. Emerge uma produo voltada para a

    pesquisa sobre a especificidade do desenvol-

    vimento urbano sob o capitalismo, no quadro

    do capitalismo monopolista de Estado que

    caracteriza as naes de industrializao avan-

    ada. Conforme se disse, a partir desse enfoque

    politiza-se a questo urbana, e novas questes

    brotam dessa discusso.

    Nesse movimento, destacam-se, entre ou-

    tras, a contribuio de Lojkine (1983) , que

    discute a questo do Estado na sociedade de

    capitalismo avanado. A hiptese a de que a

    urbanizao, como uma forma desenvolvida

    da diviso social do trabalho, representa um

    dos maiores determinantes do Estado, tal

    como ele se apresenta. Lojkine, diz Gonalves

    (1989), analisa o papel do Estado na urbani-

    zao capitalista, a relao da poltica urbana

    e suas dimenses com a luta de classes e a

    questo dos movimentos sociais urbanos di-ante do Estado

    Castells e Lojkine, embora por caminhos

    diferentes, partilham da concepo de que o

    desenvolvimento urbano no capitalismo tem

    uma especificidade determinada pelos meca-

    nismos sociais que vo se criando, tendo em

    vista a articulao entre o Estado e o processo

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    Artigos

    de acumulao, o que engendra desigualda-

    des (no apenas sociais, mas tambm na

    estruturao social do territrio) e contradi-

    es, alm da emergncia de movimentos so-

    ciais urbanos. Em resumo, o desenvolvimento

    urbano resulta do avano das foras pro-

    dutivas e do desdobramento de novas ne-

    cessidades para a realizao dos diferentes

    momentos da produo, considerando a re-produo ampliada do capital e da fora de

    trabalho.

    Lefbvre, outro expoente dessa vertente

    francesa, traz um novo enfoque sobre a cida-

    de, concebendo-a como o reino da liberdade

    e do novo urbanismo. Mesmo reverenciado

    como um dos maiores tericos do marxismo

    contemporneo, Lefbvre tem as ltimas obras

    criticadas, no campo da discusso urbana,tanto por Castells (1977) quanto por Ledrut

    (1976). Argumentam que o autor expulsa o

    marxismo do campo das lutas de classe para

    o da cultura, formulando assim uma con-

    cepo ideolgica do urbano. Pode-se, em

    defesa de Lefbvre, dizer que para ele o urba-

    no no representa apenas a transformao,

    pelo capitalismo, do espao em uma merca-

    doria, mas tambm a arena potencial do coti-diano vivido como jogo, como festa (Lefbvre,

    1970). Em entrevista publicada originalmen-

    te em Villes en Parallle 7(1983), ele declara

    que considera simplista a concepo que

    coloca, de um lado, a empresa e a produo

    e, de outro, a cidade e o consumo, o que no

    permite desvendar a verdadeira dimenso do

    espao (1990, p.61-69), numa clara aluso

    crtica de Castells.

    Pela tica desses pensadores franceses,

    incorpora-se discusso relativa cidade a

    noo de processo social econmico e polti-

    co e se subordina a anlise do urbano s de-

    terminaes advindas do desenvolvimento

    capitalista.

    Reflexo sobre a cidade noReflexo sobre a cidade noReflexo sobre a cidade noReflexo sobre a cidade noReflexo sobre a cidade noBrasilBrasilBrasilBrasilBrasil

    A dcada de 1960 inaugura tambm a re-

    flexo latino-americana sobre a cidade pelos

    estudos sobre urbanizao e desenvolvimen-

    to em pases perifricos. Anbal Quijano e

    Jos Nun, entre outros, elegem a teoria da

    marginalidade e da pobreza como principal

    foco de ateno ao discutir a temtica urbana.

    Esse paradigma, que sempre fornece explica-

    es veladamente funcionalistas desigualda-

    de socioeconmica, ser criticado por estudi-

    osos urbanos brasileiros. (Valladares; Freire-

    Medeiros, 2001).

    No Brasil, podem-se identificar alguns es-

    foros isolados de pesquisa sobre pequenas

    comunidades urbanas desde fins dos anos1940 (inspirados, sobretudo, por antroplo-

    gos americanos como Donald Pierson e

    Charles Wagley). Estudos mais sistemticos

    comeam a aparecer no final da dcada de

    1960, tendo como marco o trabalho de J. B.

    Lopes intitulado Desenvolvimento e mu-

    dana social: formao da sociedade urba-

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    A concepo de cidade em diferentes matrizes tericas das Cincias Sociais

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    no-industrial no Brasil , que, segundo

    Valladares e Freire-Medeiros (2001), carac-

    teriza a primeira grande tentativa de reflexo

    sociolgica sobre a relao entre desenvolvi-

    mento industrial, falncia do modelo

    patrimonial e urbanizao.

    O trabalho de Lopes e os estudos latino-

    americanos motivaram os socilogos brasilei-

    ros da dcada de 1960, que, entretanto, rejei-

    taram criticamente o paradigma da

    marginalidade. Pesquisas pioneiras, como as

    de Francisco de Oliveira, Paul Singer, Maria

    Clia Paoli, Manoel Tostes Berlink, demons-

    tram que a marginalidade que se descortina

    nas cidades brasileiras resulta no de um pro-

    blema de integrao social, mas de uma ques-

    to estrutural: a preservao da pobreza

    ocorre atravs de mecanismos institucionaisque nada tm de marginais ao sistema. Ins-

    tala-se, ento, uma ruptura com as concep-

    es anteriores sobre migrao e margina-

    lidade e se traz tona o papel desempenha-

    do por formas no-capitalistas de produo

    na acumulao do capital (Valladares; Freire

    Medeiros, 2001).

    Como resultado, nas pesquisas que se vol-

    tam para o estudo das cidades brasileiras, asnoes de espoliao urbana (Kowarick,

    1979) e de periferizao orientam um ou-

    tro enfoque de discusso. Ganha destaque a

    dimenso poltica da urbanizao e proli-

    feram os estudos sobre a dupla espoliao

    sofrida pelas classes populares: como fora

    de trabalho subjugada pelo capital e como ci-

    dados submetidos lgica da expanso me-

    tropolitana que lhes negava o acesso aos bens

    de consumo coletivos (Valladares; Freire-

    Medeiros, 2001).

    Consideraes FinaisConsideraes FinaisConsideraes FinaisConsideraes FinaisConsideraes Finais

    Quanto influncia dos pensadores cls-

    sicos da Sociologia nos estudos urbanos bra-

    sileiros, foi o pensamento de Marx que influ-

    enciou de forma marcante a produo sobre

    a cidade, quer por meio da sociologia urbana

    francesa, quer na viso crtica da teoria da

    marginalidade.

    No que se refere Escola de Chicago, sabe-

    se que ela exerceu grande influncia sobre os

    estudiosos brasileiros. A herana foi marcante,

    seja fundando, curiosamente, os estudos de

    comunidade prprios da Sociologia Rural, que

    tm na obra de Antonio Candido, Parceiros

    do Rio Bonito (de 1964), o exemplo

    emblemtico, seja na Antropologia Urbana,

    que at hoje utiliza mtodos e alguns concei-

    tos da Escola de Chicago, como por exemplo,

    a noo de zona moral de Park.

    Por outro lado, os preceitos da sociologia

    urbana francesa marcaram os anos de 1980como pano de fundo terico e como incio

    dos estudos sobre as contradies urbanas,

    sobretudo a grande novidade temtica da d-

    cada: os movimentos sociais urbanos.

    Atualmente, nota-se ainda a influncia de

    paradigmas originrios da Europa e dos Esta-

    dos Unidos sobre as anlises voltadas para a

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    Artigos

    cidade brasileira, contudo, percebe-se o em-

    penho de investigar e de explicar suas parti-

    cularidades. A temtica da globalizao, por

    exemplo, est presente nos estudos sobre as

    grandes cidades brasileiras. A discusso so-

    bre dual city, uma cidade de estrutura social

    polarizada, em que o espao dos ricos con-

    trape-se ao dos pobres, resultante da

    globalizao das economias urbanas, no dei-xa de motivar os pesquisadores urbanos, mas

    h uma preocupao com os limites da

    aplicabilidade de tal noo. O que se destaca

    como peculiar reflexo contempornea so-

    bre a cidade que ela se torna cada vez mais

    ampla e multidisciplinar, incrementando o le-

    que temtico da Sociologia Urbana.

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    AbstractAbstractAbstractAbstractAbstract The modern city of the west has been interpreted by social sciences according

    to distinct theoretical molds, with different levels of abstraction and generalization.

    We try to formulate here a brief view of some of these various conceptions, focusing

    on the classical thinkers of Sociology Marx, Durkhein, Weber -, The Chicago School,

    as well as on the French urban sociology.

    Keywords:Keywords:Keywords:Keywords:Keywords: city; urban; industrialization; urbanization.

    ResumenResumenResumenResumenResumen La ciudad occidental moderna ha sido pensada en el mbito de las

    Ciencias Sociales bajo distintas matrices tericas, con distintos grados de abstraccin

    y de generalizacin. Se busca aqu formular un sencillo panorama de algunas de

    las diversas concepciones que enmarcan el pensamiento sobre la ciudad, con

    nfasis en los pensadores clsicos de la sociologa - Marx, Durkheim y Weber -, en la

    Escuela de Chicago, y en la sociologa urbana francesa.

    Palabras-clavePalabras-clavePalabras-clavePalabras-clavePalabras-clave: ciudad; urbano; industrializacin; urbanizacin.

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