A COMPANHIA GERAL DO GRÃO-PARÁ EMARANHAO 25 PDF - OCR - RED.pdf · Século 18 : Brasil :...

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ANTÓNIO CARREIRA A COMPANHIA GERAL DO GRÃO-PARÁ - EMARANHAO Volume 1 (O COMÉRCIO MONOPOLISTA PORTUGAL-ÁFRICA-BRASIL NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XVIII) COMPANHIA EDITORA NACIONAL/minC/Pró-Leitura INSTITUTO NACIONAL DO LIVRO

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ANTÓNIO CARREIRA

A COMPANHIA GERAL DO GRÃO-PARÁ -EMARANHAO

Volume 1

(O COMÉRCIO MONOPOLISTA PORTUGAL-ÁFRICA-BRASIL NA SEGUNDA METADE

DO SÉCULO XVIII)

COMPANHIA EDITORA NACIONAL/minC/Pró-Leitura INSTITUTO NACIONAL DO LIVRO

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A COMPANHIA GERAL DO GRÃO-PARA E MARANHÃO

ANTÓNIO CARREIRA

O aucoc desce trabalho é natural da Ilha do Fogo de Cabo Verde, funcionário adminisrracivo da ex-colônia da Guiné. Tomou parte em várias reuniões internacionais sobre temas de antropo­logia e sociologia.

Como ·bolsista do governo brasileiro, esteve na Bahia onde realizou pesquisas arquivais de aho interesse. Fez viagens de escudo em Moçam­bique e Cabo Verde a serviço do Centro de E.!cudos de Antropologia Cultural e da Junta de Investigação Científica do Ultramar. ~. assim, um dos mais qualificados conhecedores da anciga Africa porcuguesa.

Na coleção "Temas Portugueses'', dirigida por Vitorino Magalhães Godinho, escreveu em 1977 um excelente estudo : Angola da Escravatura ao Trabalho Liwe, onde há elementos de alta valia para compreensão do regime servil no Brasil.

Há muito vem se dedicando ao escudo das companhias escacais criadas no regime pombalino. Em 1967, escreveu no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa um escudo prévio sobre Cabo Verde e Guiné e a Companhia do Grão-Pard e Mara­nhão. Em 1969 escreveu As Companhias Pom­balina! de Navegação, Comércio e o Tr,ifico de Escravo! entre a Costa Africana e o Nordeste Brasileiro, aparecido em Bissau e em Lisboa.

Já em 1978 escreveu Notas sobre o Tráfico Português de fücr,vos Circunscritos à Co1ta Ocidental Africana, publicadas pela Universidade Nova de Lisboa.

O presente livro resulta de acurados escudos nos arquivos da Companhia do Grão-Pará. Uma abundante documentação completa a obra cm volume complementar. Para o estudo do desen­volvimento da Amazônia é um livro fundamcn· cal.

A.J .L .

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A "BRASILIANA"

Em 1931, cerca de cinco iinos depoi.5 de fun·

dada, a. Companhia Editora Nacional começou a

publicação da "Brasiliana". De então para cá, quase qua.trocentas obras -fora.m publicadas na

coleção, cada uma das quais traz sua contribui­

ção para melhor en11Cndimento do País e de seu,

problema.s de ontem, de hoje, de sempre.

História, .@COBrafia, e&trutura füica e e&tru·

cura mental, crenças e. tradições, !"'°' e cosnunes,

folclore, língua e literatura, economia, educação,

transportes, clima · ·e saúde, organização política,

biografia de grandes bruileiros - tudo quan­

to, enfim, têm sido e v~ sendo · a tcr!ll P a

gente, tem sido, também, e vem .sendo objeto

de divulgação na. "llrasiliana.", em trabalhóc ori­ginais, teses, memórias, ou, em larsa parte, na

republicação do esgoi.do, do füpeuo, do etqUe­

cido, escrito aqui,· "<>u foi. daqui, e útil ao

conhecimento do Brasil. A ":Brasiliana", sob a

direção inicial do humanista_ e educador do porte

de Fernando de .Azev«lo e, de bom ªº°' pan cá, entregue à alta compe.&rn:ia de .Américo

Jacobina Lacombe, é, poi~, oa plooitude do ter­

mo, um patrimônio __ nacicioil, patrimôoi<? inapre­

ciável, marco definitivo da cultura brasileira.

Além de prossegui/ no lançamento de novos ·. '

títulos da "Brasiliana", a Companhia Editora

Nacional vem promovendo amplo proira.ma de

reedição de obr.u cs,otlldas dessa col~. Para tanto, tem contado com o apoio valioso de insti­

tuições empenhadas na promoção e preservação

da cultura, notadamente do Instituto,Nacional do

Livro, do Ministério da Fundação Pró-Leitura.

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Com o apoio técnico e financeiro do mine /PRó-LEITURA

INSTITUTO NACIONAL DO LIVRO

-Este livro foi editado em regime de co-edição com o minC/PRó-LEITURA/ Instituto Nacional do Livro e passará a integrar os acervos de bibliotecas públicas, estaduais e municipais, que

1 recebem do INL assistência técnica e bibliográfica por efeito de convênios por ele celebrados com Secretarias de Estado e Prefeituras Municipais em todo o Território Nacional. ISBN 85-04-00219-5

85-04-00220-9

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A COMPANHIA GERAL DO GRÃO-PARÁ E MARANHÃO

Volume l

O COMÉRCIO MONOPOLISTA: PORTUGAL-AFRICA-BRASIL NA SEGUNDA METADE

DO SÉCULO XVIII

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BRASILIANA <GRANDE FORMATO)

Volume 25

Direção de

AMÉRICO JACOBINA LACOMBE

Coordenação editorial

Ana Cândida Costa

Preparação de originais

Célia Aparecida Siebert

Revisão

Liege Marucci

Roberto Pinheiro de Souza

Secretária

Sandra Shirley Silva Oliveira

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ANTÓNIO CARREIRA

A COMPANHIA GERAL DO GRÃO-PARÁ E MARANHÃO

Volume 1

O COMÉRCIO MONOPOLISTA: PORTUGAL-ÁFRICA-BRASIL NA SEGUNDA METADE

DO SÉCULO XVIII

Com o apoio técnico e financeiro do minC/PRó-LEITURA

INSTITUTO NACIONAL DO LIVRO

Companhia Editora ·Nacional

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Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Carreira, António. . C31c A Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão / António v.1-2 Carreira. - São Paulo : Editora Nacional, 1988.

88-1820

(Brasiliana. Grande formato ; v. 25-26)

Conteúdo: v. 1. O comércio monopolista Portugal-Africa-Brasil na segunda metade do século XVIII - · " . :.. Documento~.

ISBN 85-04-00219-S (Obra completa). - ISBN SS-04-00220-9 (v. 1). - ISBN 85-04-00221-7 (v. 2).

1. Brasil - Comércio - História - Século 18 2. Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão - História 3. Escravos - Co­mércio - Brasil 4. Maranhão - História 5. Pará - História I. Título. II; Série.

todices para catálogo sistemático:

CDD-380. 0981 t)3 -338 . 70981 -380 . 1440981 -981 . 15 -981.21

l. Brasil .:. Comércio : Século 18 : História 380.098103 2. Brasil : Tráfico de escravos 380 . 1440981 3. Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão : História 3 38 . 70981 4 . Maranhão : História 981.21 5 . Pará : História: 981 .15 6 . Século 18 : Brasil : Comércio: História 380 . 098103

ISBN 85-04-00219-5 8 5-04-00220-9

Foi feito o depósito legal

Direitos reservados

COMPANHIA EDITORA NACIONAL Distribuição e promoção:

Rua Joli, 294 - Fone: 291-2355 (PABX) Caixa Postal S.312 - CEP 03016 - São Paulo, SP - Brasil

1988 Impresso no Brasil

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HOMENAGEM

Ao Presidente da República do Brasil, Dr. José Sarney. Ao Dr. Alberto da Costa e Silva, Embaixador do Brasil em Portugal.

" porque por este meio saberão os que quiserem passar ao Estado dó Brasil, o muito que custam as culturas do açúcar, tabaco e ouro, que são mais doces de possuir no Reino, que de cavar no Brasil". Parecer dado ao Santo Ofício pelo Frei Paulo de S. Boaventura, em S. Anna de Lisboa, em 8 de fevereiro de 1710. (ln: Cultura e opulência do Brasil.)

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. TRABALHOS PUBLICADOS POR ANTÓNIO CARREIRA:

1. "Alguns Aspectos do Regime Jurídico da Propriedade Imobiliária dos Manjacos". Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, v. I, n.º 4, out. de 1946.

2. Vida Social dos- _Manjacos. Monografia. Memória n.º 1 do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, Bissau, 1947.

3. "Problemas do Trabalho Indígena na Guiné". Boletim da Agência Geral das Colônias, n.º 282, de 1948.

4. Mandingas da Guiné Portuguesa. Monografia. Memória n.Q 4 do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, 1948.

5. Mutilações Corporais e Pinturas Cutâneas, Rituais nos Negros da Guiné Portuguesa. (Questionário de Inquérito.) Memória n.º 12 do Centro de Estudos da Guiné· Portuguesa" Bissau, 1949.

6. "Apreciação dos ·Primeiros Números Discriminados do Censo,Aç Popu­lação de 1950". Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, v. VI, n.º 21, 1951.

7 . Guiné. Censo de População de 'i95Ô. Instituto Nacioria~ ,dé Estatística de Lisboa, 1951. ' 1

• • ·

8. "A Poligamia entre os Grupos Etnicos da Guiné''. Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, v. VI, n;º 24, 1951.

9. "Problemas de Aproveitamento da Palmeira do Azeite". Boletim Cultu-ral da Guiné Portuguesa, v. VII, n.º 25, 1952. · ·

JO. "Taxas Regionais de Natalidade e Mortalidade Infantil". Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, v. VII, n.º 27, 1952. ,

11 . "Censos de População. Inquéritos por Amostragem. Medidas do Aumento Populacional". Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, v. VIJ, n.º 27, 1952.

IX

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12. "Guiné Portuguesa. Censo de População não Civilizada de 1950". Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, v. VII, n.º 28, 1952.

13. "Guiné Portuguesa. Recenseamento de População de 1952". Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, v. VIII, n.º 29, 1953.

14. "A Educação dos Africanos pela Administração Local". Boletim Cultu­ral da Guiné Portuguesa, v. VIII, n.0 29, 1953.

15. "O Leviato no Grupo l!tnico Manjaco". Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, v. VIII, n.0 29, 1953.

16. "Movimento Natural da População Circunscrição Administrativa de Cacheu". Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, v. XI, n.º 41, 1956.

17. "A População Civilizada da Guiné Portuguesa". Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, v. XV, n.º 56, 1959.

18. "Região dos Manjacos e dos Brâmes" (aspectos da sua economia). Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, v. XV, n.º 60, 1960.

19. "Mutilações l!tnicas nos Manjacos". Boletim Cultural da Guiné Portu­guesa, v. XVI, n.º 16, 1961.

20. "Símbolos Ritualistas e Ritualismos Ânimo-Feiticista na Guiné". Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, v. XVI, n.º 63, 1961.

21. "Recenseamentos de População. lodices de Poligamia". Boletim Cultu­ral da Guiné Portuguesa, v. XVI, n.º 64, 1961.

22. "Organização Social e Econômica dos Povos da Guiné". Boletim Cultu­ral da Guiné Portuguesa, v. XVI, n.º 64, 1961.

23 . "População Autóctone segundo os Recenseamentos para fins Fiscais". Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, n.°" 57, 59, 61, 62, 65, 66, 67, 1961 e 1962.

24 . "Manjacos e Balantas" (aspectos demográficos). Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, v. XXII, n.0

" 86, 87, 1967.

25 . "O Fundamento dos Etnónimos na Guiné Portuguesa" . Revista Garcia da Orta, v. X, n.0 2, 1962.

X

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26. "Contribuição para o Estudo das Mutilações Genitais na Guiné Portuguesa".

27. "Do Arrancamento da Pele aos Cadáveres e de Necrofagia na Guiné Portuguesa". Ambos em Estudos, Ensaios e Documentos. J.I.U., V, n.º 102, 1963.

28. "Duas Cartas Topográficas (1894-1897) de Graça Falcão e a Expansão do Islamismo no Rio Farim". Revista Garcia da Orta, v. XI, n.º 2, 1963.

29. "Alguns Aspectos da Influência da Língua Mandinga na Pajadinca". Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, v. XVIII, n.0 71, 1963.

30. "Aspectos da Influência da Cultura Portuguesa na Área Compreendida entre o Rio Senegal e o Norte da Serra Leoa". Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, v. XIX, n.º 76, 1964.

31. "A Etnonímia dos. Povos de entre a Gâmbia e o Estuário do Geba". Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, v. XIX, n.º 75, 1964.

32. "Aspectos Históricos da Evolução do Islamismo na Guiné Portuguesa". Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, v. XXI, n.º 84, 1966.

33. "Man,iacos, Brâmes e Balantes" (aspectos demográficos). Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, v. XXII, n.º 85-86, 1987.

34. "Cabo Verde e Guiné e a Companhia do Grão-Pará e Maranhão''. (Um documento inédito para a sua história). Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, v. XXII, n.º" 87, 88, 1967.

35. "Crises em Cabo Verde nos séculos XVI e XVII". Revista Geogrdfica, n.º 6, 1965.

36. "Notas de Etnologia Angolana" (Região dos Ganguela). Revista Geogrd­fica, n.º 13, 1968.

37. "A Evolução Demográfica de Cabo Verde". Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, v. XXII, n.º 94, 1969.

38. "Alguns Aspectos da Administração Pública em Cabo Verde no Século XVIII". Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, v. XXVII, n.º 105, 1972.

XI

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39. "A Guiné e as Ilhas de Cabo Verde - a sua Unidade Históficà e Populacional". Revista Ultramar, ano VIII, n.º 4, 1968.

40. A Ilha 'do Maio. Alguns Aspectos Sociais e Demográficos. INE -Centro de Estudos Demográficos, n.º 18, 1970.

41. A Ilha do Maio. Demografia e Problemas Sociais e Econômico$. INE - Centro de Estudos Demográficos, n.º 19, 1971.

42. "A Urzela e o Pano de Vestir: Dois Produtos de Exportação das Ilhas de Cabo Verde". Centro de Estudos de Cabo. Revista, n.º 1, 1973.

43. A Reconversão da Agricultura de Cabo Verde e a Integração dos Trabalhadores Rurais no Setor Industrial. Presença Cabo-verdiana, n.º 22 a 25, 1974/1975.

44. "Baga-Baga" (superstições que envolvem as termiteiras). Boletim Cultu­ral da Guiné Portuguesa, v. XXVI, n.º 103, 1971.

45. Guiné - A População do Posto de Cacine no Decênio de 50/60. INE - Centro de Estudos Demográficos, n.º 20, 1972.

46. O Apanho e Exportação de Coral nas Ilhas de Cabo Verde no Século XIX. Lisboa, 1974.

47. Panaria Cabo-Verdiano-Guineense (ensaio histórico e sociológico sobre o papel desempenhado pelos téxteis no comércio de escravos). Porto, Imprensa Portuguesa, 1969; 2.ª ed., com o Patrocínio da C.E:E., lnsti­tuto Cabo-verdiano do Livro, 1983.

48. "01 Infanticídio Rural em África''. Boletim Cultural da Guiné PortU· guesa, v. XXVI, n.ºª 101 e 102, 1971.

49. As Companhias Pombalinas de Comércio e Navegação, Comércio e Tráfico de Escravos entre a Costa Africana e o Nordeste Brasileiro. Porto, Imprensa Portuguesa, 1969, Lisboa, Editorial Presença, 2.ª ed. 1982.

50. Cabo Verde - Formação e Extinção de uma Sociedade Escravocraia (1460-1878). Edições do autor e do Centro de Estudos da Guiné Portu­guesa, 1972.

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51. Migrações nas Ilhas de Cabo Verde. 1.ª ed.: Universidade Nova de Lisboa, 1977; 2.ª edição em língua inglesa com o título The People of the Cape Verde lslands. C. Hurst and Archon Books, 1982.

52. Angola: da Escravatura ao Trabalho Livre. Lisboa, Arcádia, 1977.

53. Cabo Verde - Classes Sociais. Estrutura Familiar. Migrações. Lisboa, Edições Ulmeiro, n.º 9, 1977.

54. Notas sobre o Tráfico Português de Escravos. Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 1978, 2.ª ed., 1983.

55. "O Tráfico Clandestino de Escravos na Guiné e em Cabo Verdei no Século XIX". Revista Raízes, ano II, n.º 5/6. Praia, 1978.

56. "Tratos e Resgates dos Portugueses nos Rios de Guiné e Ilhas de Cabo Verde no Século XVII". Revista de História Económica e Social, n.0 2, 1978. Editora Sá da Costa: .

'

57. "O Tráfico Português de Escravos na Costa Oriental Africana nos Começos do Séc_ulo XIX" (estudos de um caso). Cadernos de Antropo­logia, n.º 12, JICU, 1979.

58. "A Navegação de Longo Curso e o Comércio da Guiné e Ilhas de Cabo Verde no Século XIX". Revista de História Económica e Social n.º 4, 1979. Editora Sá da Costa. Revista Raízes, ano IV, n.~ 7-16, Praia, 1981.

59. "O Tráfico de Escravos nos Rios de Guiné e Cabo Vertte (1810/1850)". Cadernos de Antropologia Cultural,, n.º 14, JICU, 1982.

60. Estudos de Economia Cabo-verdiana. Lisboa, Edição Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1982.

61. O Crioulo de Cabo Verde - Surto e Expansão. Lisboa, Edição do Autor, 1982; 2.ª ed., Lisboa, 1983. Análise numa perspectiva domi­nante histórico-sociológica da formação desta língua de comunicação verbal.

62. "Cabo Verde: Movimento Marítimo e Comercial das Ilhas de:- Boa Vista, Fogo e Maio" (Século XVIII e XIX). Revista de História Econó­mica e Social, n.º 10, Editora Sá da Costa, 1982.

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63 . "Aspectos Pontuais das Pesquisas de Campo e de Gabinete com Vista à Elaboração de Estudos no Domínio das Ciências Humanas e Sociais nas Ilhas de Cabo Verde". Revista de História Económica e Social, n.º 10, Editora Sá da Costa, 1982.

64. Documentos para a História das Ilhas de Cabo Verde e Rios de Guiné (séc. XVII e XVIII). Lisboa, Edição do Autor, 1983.

65. "A Companhia de Pernambuco e Paraíba (alguns subsídios para o estudo da sua acção)". Revista de História Económica e Social, n.º 11, Lisboa, Editora Sá da Costa, 1983.

66. Os Portugueses nos Rios de Guiné (1500/1900). Edição do Autor, 1984.

67. "A Fome de 1864 na Ilha de Santiago". Separata da Revista de História Económica e Social, 1984.

68. Notícia Coro gráfica e Chronológica do Bispado de Cabo Verde. Edição do Instituto Cabo-verdiano do Livro, 1965.

69. "Secas e Fomes em Cabo Verde (achegas para o estudo das de 1845/1846". Separata da Revista de História Económica e Social, 1985.

70. "O Milho Zaburro e o Milho Maçaroca na Guiné e nas Ilhas de Cabo Verde". Separata da Revista de História Económica e Social, 1986.

71. Ensaios e Memórias Económicas sobre as Ilhas de Cabo Verde (séc. XVIII) por José da Silva Feijó - apresentação e comentários de António Carreira.

72. "A Capitania das Ilhas de Cabo Verde" (organização civil, eclesiástica e militar, séculos XVI-XIX); subsídios. Separata da Revista de História Económica e Social, 1987.

73. Descrições Oitocentistas das Ilhas de Cabo Verde. Recolha, apresentação e anotações de António Carreira. Edição patrocinada pela Presidência da República de Cabo Verde, Lisboa, 1987.

74. Dissertaçôes sobre as Ilhas de Cabo Verde (1818) por Manoel Roiz Lucas de Senna - Anotações e comentários' de António Carreira. · Com o patrocínio da Presidência da República de Cabo Verde, Lisboa, 1987.

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SUMARIO

Nota introdutória, 9

Abreviaturas, 24

1 . Decadência do sistema de arrendamento de tratos e resgates e suas causas principais - Surto de companhias de estanco para o comércio com o Brasil, posteriormente orientadas para o tráfico de escravos nos séculos XVII e XVIII, 25

2. Alguns antecedentes da criação da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão como empresa de capitais por ações - Protestos contra a con­cessão e a manutenção do monopólio - O estatuto regulador do funcio­namento e âmbito das suas atividades - Análise sucinta do principal articulado - Alterações produzidas no estatuto inicial por outros alvarás régios - Dificuldades encontradas na colocação ~as ações - Acionistas e respectivos estratos sociais - Dividendos distribuídos, 49

3. Fortificação do Mato Grosso, Rio Negro, Borba e Tabatinga como meio de defesa da integridade e consolidação da unidade territorial, em face das tentativas de invasão de franceses e espanhóis, 91

4. A frota da Companhia - Rotas seguidas - Ataques de corsários à navegação para o Brasil e do Brasil, 97

5. Setores de comércio - Localização - Especificação dos tipos de tran­sações, 105

6. Alguns aspectos da ação da Companhia no detenvolvimento econômico do Brasil, 217

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7. A Junta da Administração e os agentes nos diferentes setores de co­mércio, 239

8. A decadência da posição portuguesa no ocidente africano, 267

9 . O negócio a fiado - O seu aproveitamento pelos agentes da Companhia para a prática de fraudes - O avolumar das dívidas e as dificuldades encontradas na sua cobrança - As Comissões Liquidatárias, 283

10. Lucros e prejuízos acumulados, 307

11 . O comércio com o extremo-oriente, 315

12. Conclusões, 323

Bibliografia, 339

I ndice das gravuras, 344

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PREFÁCIO

Tarefa não muito fácil é a que ora se me impõe. Dar a conhecer, especialmente ao público brasileiro, a pessoa e a obra do grande mestre António Carreira. Quando não por outro motivo, por termos, há alguns meses atrás, planejado exatamente ao contrário: ele faria o prefácio do meu primeiro trabalho de investigação, o qual orientou até a sua morte em abril passado. E não só por isso. A nossa convivência nestes últimos dois anos e meio foi tão intensa que sinto-me excessivamente privilegiada ao falar de qualquer uma de suas obras - por saber em grande parte dos casos, o porquê de determinadas afirmações ou, mesmo, divagações. Daí um esforço grande em tentar uma análise equilibrada (e isto quer dizer não demasiada­mente comprometida) dele e das suas publicações, nomeadamente esta que concluiu pouco antes do seu desaparecimento.

E aqui estou eu a prologar (se não me escapa alguma) a sua setuagésima quinta publicação!

Sinto-me imerecidamente agraciada e, ao mesmo tempo, honrada em fazê-lo.

Carreira foi um tipo de homem invulgar. De personalidade marcada essencialmente pela irreverência, optou por fazer parte do rol dos investiga­dores não engajados a qualquer círculo de elites culturais vinculadas a um ou outro tipo de organização. Exemplo de um autodidatismo bastante feliz, construiria toda uma obra à margem das instituições oficiais, às quais nunca se submeteu subservientemente. Impôs-se pelo seu trabalho, e com as que colaborou, foi por terem-no reconhecido como autoridade máxima nos assuntos relacionados a Guiné e Cabo Verde.

Cabo-verdiano de origem, a sua trajetória não foi muito diferente da de outros compatriotas de sua época, destinados a experiências diversas pelos domínios das antigas colônias portuguesas. Era a sina daqueles ilhéus!

Filho de um português, oficial da marinha mercante, e de uma cabo­verdiana da Ilha do Fogo, contava com apenas três anos quando a mãe morreu, ficando até os sete aos cuidados da avó, que também faleceu. Foi então que veio para Lisboa viver sob a guarda de uma sua tia paterna. Aqui cursou os seus primeiros anos de escolaridade, e não prosseguiu mais por achar-se compelido a uma nova mudança. O destino, mais uma vez, lhe reservava a partida. . . Com onze anos de idade foi morar com um tio materno estabelecido em Guiné, então funcionário de Estado num dos postos

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de Farim. Lá criou-se e fez-se homem. Começou logo a trabalhar como capataz de estrada, funcionário dos correios, e em seguida ingressou no quadro administrativo daquela Província, como amanuense. Quando casou (aos dezenove anos) com D. Carmem, uma cabo-verdiana da Ilha da Brava, sobrinha do administrador de Farim, já exercia a função de secretário. Seguiu carreira, chegando até administrador de 2.ª.

Achando-se injustiçado no concurso que fez para ascender a adminis­trador, reformou-se prematuramente do quadro administrativo, passando a trabalhar na Casa Gouveia (associada à C.U.F.) 1, como subgerente da empresa. Lá permaneceu até os finais da década de 50 quando, em virtude de certos incidentes ocorridos, foi mais uma vez obrigado a emigrar. Saiu de Guiné, fixando-se desde então, e definitivamente, em Lisboa.

Reformado e estabelecido em Portugal, passou a dedicar-se exclusiva­mente à investigação etnográfica e histórica, atividade que já exercia sistema­ticamente em Guiné desde, pelo menos, os anos 40.

Suspendamos aqui a apresentação de sua biografia, e reflitamos um pouco sobre ela.

Nascer no início do século (1905), e na Ilha do Fogo, marca Carreira e a sua obra. Nessa época, a sociedade cabo-verdiana conservava ainda muitas "sobrevivências" da era escravocrata, sobretudo, a sua Ilha natal. Várias fontes o comprovam, entre elas estudos de especialistas ca.bo-verdianos da geração dos participantes da revista Claridade 2•

Carreira recordava a sua infância povoada de relações servis, casas­grandes, teares já danificados ou emperrados pelo desuso, restos tísicos do que tinha sido Cabo Verde, assinalando a agonia lenta da antiga sociedade. Todo este mundo de infância não terá estimulado o autor para a investigação histórica?

Por outro lado, a sua inserção, já na adolescência, num meio tão rico e diverso como o de Guiné, o despertou certamente para o conhecimento dos ·'segredos'' daquela gente. Começando por dominar algumas línguas existen­tes naquele território (mandinga, fula, manjaco), enveredou pelo caminho da "decifração" daquela realidade.

Pela relação de suas publicações é facilmente reconhecida a evolução de seus trabalhos: partindo de estudos parciais, monografias e levantamentos

1. Companhia União Fabril - uma das duas companhias monopoliscas que explorava econo• micamente o 1erritório guineense.

2 . Revisca literária e cultural surgida em Cabo Verde em 1936, e extinta em 1960. Contou apenas com 9 números editados interpoladamente. Participaram da Revista os mais ilustres filhos da nossa terra no campo da cultura, fazendo da mesma o marco mais importante da história da literatur!l cabo-verdiana.

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estatísticos (especialmente sobre os manjacos), foi alastrando a sua área de investigação para toda a Guiné e para além dela, chegando inclusive, poste­riormente, a publicar dois estudos sobre Angola. Com efeito, o deslocamento constante derivado das inúmeras atividades que exerceu, possibilitou-lhe um conhecimento bastante preciso do território guineense. Carreira conhecia como ninguém aquela terra, pois pisou-a palmo a palmo durante os quarenta e três anos em que lá viveu. O seu espírito inquieto conduzia-o porém a trilhar por terras mais distalltes: Senegal, Costa do Marfim, Daomé, Togo, Gana, Nigéria e ex-Congo belga. Nessas digressões, algumas das quais realizou como participante em reuniões sobre antropologia cultural ou socio­logia, ia construindo uma idéia mais global e abrangente sobre o continente negro. Todavia, esta visão que poderia ir-se também dimensionando teorica­mente, nunca chegaria a tal equilíbrio. Mesmo tendo passado pelo curso de Altos Estudos na antiga Escola Superior Colonial (1946-1949), que não lhe omitiu certamente a necessidade de enquadramento teórico dos assuntos, Carreira, por opção ou por deformidade própria da autodidaxia, jamais alcançou este nível de abordagem em suas obras.

Como era inevitável, pelo meio e época em que viveu, António Carreira travou conhecimento com várias personalidades que sobressaíam nos primór­dios da resistência colonial, quer no domínio político como no cultural. Mas, ao que me consta, a sua atuação concentrou-se sempre neste último campo, eximindo-se de qualquer alinhamento essencialmente político (no sentido estreito do termo). Não era homem de partidos.

Já contando com uma certa maturidade no domínio da investigação, lançou-se em trabalhos sobre Cabo Verde. Foi em 1965 que publicou o seu primeiro artigo sobre as Ilhas, e isto já estando em Lisboa. Daí para frente foi o objeto privilegiado a que se debruçou. O largo conhecimento que tinha sobre a costa ocidental africana lhe seria precioso para Ó enqua­dramento histórico do Arquipélago que, como se sabe, só pode ser entendido no contexto da exploração do continente africano. Muitas (ou quase a totali­dade) de suas publicações nesta segunda fase revelam, pelo conteúdo ou simplesmente pelo título, a indissociabilidade da parte insular da continental. E não poderia ser de outra forma já que, inclusive, as duas áreas permane­ceram unidas administrativamente até o século XIX.

Voltaria Carreira inúmeras vezes a Cabo Verde em busca de fontes que pudessem elucidar alguns de seus estudos. Embora não contando com condi­ções ideais de trabalho, devido ao estado precário em que se encontrava a documentação (espalhada por todas as Ilhas, e sem a mínima organização) conseguiu inventariar parte dela e levar ao conhecimento do público muito do que pôde apurar.

Os estudos referentes ao Brasil (como este) seriam como que um desdobramento natural para a compreensão daquela(s) área(s), já ao nível das relações comerciais triangulares criadas pelas metrópoles européias.

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Aqui, o Novo Mundo distinguir-se-ia como receptáculo da mercadoria mais preciosa da velha África: o negro escravo, cabendo portanto aprofundar o conhecimento sobre a América (especialmente a portuguesa), para melhor relacionar, entre outras coisas, a dependência que esta teve do contingente humano oriundo daquela.

Além do mais, o estudo sobre a colonização de Cabo Verde necessaria­mente passava pelo conhecimento da produção historiográfica relativa a outras regiões escravocratas, nomeadamente a do Brasil. Por isso, conhecia profundamente autores brasileiros como Arthur Ramos, Antonil, l!dison Carneiro, Nina Rodrigues, Gilberto Freire, Nunes Dias, etc.

A leitura destes autores não era uma questão de "mero" enciclopedismo, mas derivada de necessidades da nova etapa da evolução de suas pesquisas. Partindo de uma área restrita (Rios de Guiné e Cabo Verde) começaria a alargar o seu objeto a um espaço cada vez maior em que o Brasil aparecia como parte integrante e fundamental.

O seu primeiro contacto sensível com o Bra~il deu-se em 1.º de Abril de 1964. Nesta altura trabalhava como colaborador da Junta de Investiga­ções Científicas do Ultramar3

, e na categoria de sua representante foi participar de um congresso sobre Sertanismo, realizado em SãO' Paulo.

Voltaria três anos mais tarde (1967) como bolsista do governo brasi­leiro, já com um projeto de pesquisa definido. Não foi com certeza por coincidência que Carreira publicara naquele mesmo· ano o Alvará secreto da Companhia do Grão-Pará e Maranhão, documento até então desconhecido, e procurado por todos os estudiosos da matéria. Viria a ser longo o percurso nesta área. . . Dois anos depois, daria à estampa As companhias Pomba­linas de Navegação; Comércio e Tráfico de Escravos da Costa Africana para o Nordeste Brasileiro, trabalho que o autor classificou como "simples subsídio" para o estudo da atividade das referidas companhias. Em 1982, reeditaria o mesmo livro já com o título reduzido de As companhias Pomba­linas. Este, agora enriquecido com novas informações colhidas no Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, em Lisboa. O livro que o leitor tem nas mãos não é senão um terceiro momento, muito mais elaborado, das . pesquisas anteriores, resultado de mais de vinte anos de informações coligidas.

Como classificar este último trabalho de António Carreira? Em primeiro lugar, direi que se trata de uma pesquisa "de fôiego''

que só um estudioso paciente e disciplinado lograria concretizar. Por um lado revela, em termos de método, o que o autor adotou em outras obras:

3. P~la m~sma junca realizou de 1964 a 1973 inúmeras viagens de estudo a Angola, Moçam­bique e Cabo Verde, com vista à obtenção de peças destinadas ao Museu de Etnologh, e efetuar pesquisas de campo antropológicas.

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por outro, um tratamento do tema dos melhores conseguidos, não só pela magnífica seleção de textos de apoio, como pelo encadeamento dado aos mesmos.

Comecemos por falar da documentação. Carreira tinha um verdadeiro apreço pelas fontes primárias, e isto por duas razões: a primeira por ter compreendido que sem as mesmas não poderia chegar a uma abordagem superior de qualquer tema histórico (mormente em se tratando de áreas ainda muito pouco estudadas); a segunda, advinda de uma reação a certos "estudos", que não podendo prescindir das mesmas, as negligenciavam em favor de determinadas teorias.

O número e a qualidade dos documentos que compõem o segundo volume desta obra (mais de 70!) é prova suficiente da importância que dava a tais fontes. Eu diria que só o segundo volume por si valeria a pena! Meticulosamente escolhida e organizada, a coletânea possibilita ao leitor, que por um acaso não esteja de posse do primeiro volume, construir uma idéia razoável sobre a formação e evolução de uma das mais importantes empresas do Período Pombalino. A ordenação está feita de um modo, a um só tempo, lógico e histórico. O 'flUtor começa pela apresentação dos estatutos da Companhia, prossegue no registro das partes ''prejudicadas" com a sua criação, e finaliza com a exposição de cartas referentes ao seu funcionamento e atos ligados à sua extinção e liquidação. Não só nesta obra, como em muitas outras, Carreira iria adotar este procedimento de colocar à disposição do leitor a própria documentação em que se apoiava. Prestava com isso um grande serviço, principalmente, aos jovens investiga­dores que, na impossibilidade de deslocamento ao local das fontes, ou por ainda não dominarem suficientemente a leitura paleográfica, já teriam em mãos material para exercitar as suas pesquisas.

A sua preocupação com este setor de leitores (e não só) iria mais além como se vê na nota introdutória ao primeiro volume. Era costume do autor fazer , um depoimento sobre as circunstâncias em que cada obra fora conce­bida, assim como o período de gestação por que passava. Nisto relatava todas as dificuldades e etapas sucessivamente vencidas. Através da sua experiência, ensinava a investigar e, através do seu desabafo, justificava de antemão as falhas ou lacunas do trabalho.

Mas voltemos a falar do livro em questão ... A nível do h-atamento dado ao tema neste primeiro volume, a proeza

do autor não é menor do que a conseguida no apenso documental. Se no segundo livro Carreira se cinge a apresentar textos exclusivamente referentes à Companhia, já neste em que a analisa, alastra o período e a área de abordagem de modo a contextuar o seu surgimento e o seu desaparecimento.

Remontando ao recuado século XV, o autor detecta as primeiras inicia­tivas de tipo associativo para explorações mercantis, mostra a evolução para o sistema de arrendamentos e deste para o das companhias de comércio;

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no sentido oposto, persegue a atuação das conussoes liquidatárias no seu longo período de existência. Completa ainda o panorama explorando aspectos que indiretamente contribuem para a compreensão do complexo ~nado em 1755, !; o caso, por exemplo, do histórico que faz sobre a pre~ençª e decadência da posição portuguesa no ocidente africano.

$obre a Companhia, propriamente dita, a explanação é realizada de modo a abranger os seus mais variados aspectos organizacionais e empresa­r1a1s. Cremos, inclusive, alguns nunca estudados tão minuciosamente. Veja-se, por exemplo, a atenção dispensada aos produtos cambiados pela Grão-Pará e Maranhão, a descrição das frotas utilizadas ou a forma de obtenção e acondicionamento dos escravos.

Intercalando a narrativa com excertos de documentos, listas nominais, ou quadros estatísticos, o autor obsessivamente lança mão da transcrição daqueles para comprovar a consistência de suas hipóteses ou argumentos. E:rµ alguns momentos, porém, a busca dessa exatidão chega a ser excessiva, pela repetição de longos trechos do apenso documental, ou, em se tratando das listas, quando as mesmas não permitem inferir qualquer aspecto conclu­sivo. Já no que concerne aos dados estatísticos, a utilização é mais eficaz. Multiformemente analisados e até mesmo desdobrados de forma a particula­rizar certos quantitativos, induz o leitor, passo a passo, a avaliar, alternada­mente, o movimento global e parcial das transações.

B ainda de destacar que o grau de entendimento a que o autor chegou sobre a contabilidade da Companhia possibilitou-lhe uma visão bastante crítica sobre os dados reunidos. Pode, assim, pelo confronto de fontes, ou duvidar da veracidade de certos documentos, ou, entre dois contrários, optar com certa segurança pelo mais coerente. Ora, uma ousadia destas só poderia partir de um estudioso com profundo domínio no assunto.

Não obstante esta· constatação, não escapará certamente ao leitor o diferente senso com que Carreira trata as questões relativas à costa aíricana e ao Brasil. O conhecimento empírico aliado aos estudos realizados por mais de quarenta anos sobre aquela área, o coloca totalmente à vontade na abordagem daquele setor, o que já não se passa com o Brasil. A sua expe­riência com a história deste último país foi outra, em outra medida e em outro grau. Nesta medida, quando na conclusão aventura-se desnecessaria­mente a fazer a síntese de toda a história brasileira até o século XVIII, peca por não ir além do senso comum, ou por utilizar posições, ao menos, discutíveis.

Contudo, e sobre a Companhia do Grão-Pará e Maranhão, dá a conhecer o autor nova documentação e novos aspectos de sua organização e funcionamento.

Carreira concluiu este último livro quando já contava com oitenta e três anos de idade. Mal o terminou, já preparava o material para os próxi-

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mos trabalhos: os "lançados" em Africa Ocidental, e a exploração e o comércio do sal em Cabo Verde.

Tal como este estudo sobre as Companhias - que teve vários momentos de abordagem - os lançados e o sal, longe de serem assuntos desconhecidos, constituíam-se em temas já tateados em outras obras e visados como estudos específicos.

A verdade é que, nesses anos todos, para além do que ia publicando, Carreira' armazenou imensos dados referentes à história de Cabo Verde e Guiné. Por isso, apesar de ultimamente viver aquartelado em seu gabinete de trabalho, continuava em franca produção. Não entenda-se todavia por aquartelamento um isolamento do mundo. Ao contrário, gozava aquele pequeno espaço da situação de ser um ·centro de convergência da mais variada espécie de gente: eram colegas da Universidade Nova de Lisboa onde lecionou algum tempo, personalidades políticas ligadas à cultura, conhecidos de outros tempos, jovens que se iniciavam na investigação, ou simplesmente velhos amigos ansiosos por "dois dedos" de boa prosa. Através destas e de inúmeras outras pessoas residentes no exterior, com quei:n mantinha regular correspondência, Carreira inteirava-se das novas produções, eventos e desco­bertas no campo das ciências humanas. Ainda mais o fato de estar ele, juntamente com Magalhães Godinho, Silvio Romero e outros intelectuais de renome, empenhado na manutenção da Revista de História Econômica e Social, implicava uma constante atualização na área.

Quando Carreira nos deixou, encontrava-se em pleno vigor intelectual. E este livro é prova disto. Embora não pretenda ser, como diz o autor, a última palavra sobre o tema - e não o é, como qualquer assunto em história suscetível a novas e contínuas abordagens -, é, sem dúvvida, um estágio avançado de sua compreensão.

Zelinda Cohen

Lisboa, setembro de 1988.

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NOTAINTRODUTóRIA

1. J! difícil e complexa a tarefa a que lançamos mão. Difícil em vista da nossa insignificante preparação para abordar com suficiente clareza a apre­sentação e análise de um tema de história econômica e social. Complexa em função da organização escolhida: a Companhia Geral do Grão-Pará e Mara­nhão, criada em 1755 por esse gênio que foi Sebastião José de Carvalho e Melo, mais tarde Conde de Oeiras e Marquês de Pombal.

Por uma ou outra das razões - dificuldade e complexidade - seremos necessariamente objeto de críticas de uns tantos eruditos que, se lhes fosse possível, monopolizariam todos os estudos desta índole ou decretariam que só·eles - e mais ninguém - poderiam efetuar pesquisas nos acervos documen­tais existentes em Portugal. Mas a verdade é que, em regra, esses eruditos, até hoje, não se decidiram a arregaçar as mangas para enfrentar a poeira dos · Arquivos e os complexos mecanismos da escrita daquela empresa. E, por isso mesmo, uma parte dos estudos dados à estampa tem sido baseada em documen­tação de segunda ordem, constituída por cópias, na sua maioria não datada nem assinada.

Em tais circunstâncias, aceitamos perfeitamente as críticas, os reparos, os simples comentários a este nosso estudo, venham eles de onde vierem, desde que devidamente fundamentados. Antes que outros o digam, somos os primei­ros a reconhecer as nossas deficiências, a nossa impreparação, os nossos de­feitos no enquadramento das matérias, isto é, da metodologia seguida. Assu­mimos inteira responsabilidade pelo que apresentamos, convictos de que, mes­mo com todos os defeitos possíveis (e a obra de todo e quâlquer homem é sempre passível de conter. imperfeições), possui uma qualidade: partiu de nós mesmos, não nos sujeitamos a qualquer orientação estranha, nem copia­mos de quem quer que seja. E mais: é o produto de um levantamentó do­cumental e estatístico, em fontes até aqui pouco (ou nada) estudadas, em cuja execução pusemos o maior interesse, dedicação e probidade. Sobretudo pro~

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bidade e esmero. Quem se der ao cuidado de compulsar o segundo volume (no qual se condensa a documentação que serve de suporte à nossa exposição) verificará facilmente da justeza destas afirmações. Isto poderá parecer desca­bido neste contexto, mas tem a sua razão de ser. Temos sido alvo _de críticas verbais, surdas, da parte de certos setores de "oficiais" do mesmo ofício, segundo informações que alguns amigos nos trazem. Todavia, que nos conste, ainda nenhum desses críticos de pacotilha se atraveu a apontar os defeitos, as faltas, a nossa impreparação, a despeito de havermos publicado já mais de uma vintena de livros e sessenta artigos, versando temas de ciências humanas e sociais e, nos últimos anos, no domínio da história econômica e social. E somos os primeiros a reconhecer nesses trabalhos muitas deficiências, talvez mesmo enquadramentos errados. Quem dá o que tem. . . não é a mais obri­gado. E o que realizaram tais críticos? É melhor nem falar nisso.

Tínhamos de ter este desabafo na altura em que damos início a um es­tudo para o qual temos carreado elementos desde 1965 - há, portanto, mais de vinte anos.

2. Será talvez uma incoerência abordar a atividade da Companhia do Grão-Pará e Maranhão, sem fazer um esboço de quem foi Sebastião José de Carvalho e Melo. Acerca deste estadista, demos uma ligeiríssima nota na "In­trodução" a um livrinho editado (2.ª ed.) em janeiro de 1983, mas redigido em agosto/setembro de 1981, portanto, em data próxima da comemoração do segundo centenário de sua morte (1782). A esse propósito - e antes de fazermos com maior soma de pormenores - seja-nos permitido transcrever o que na altura dissemos: "E a rematar: em 1982 passa o segundo centenário da morte do Marquês de Pombal. No Brasil prepara-se a comemoração da efeméride, em reconhecimento da sua obra que, com todos os possíveis· defei­tos, podemos considerar ímpar e incomparável na História de Portugal. E aqui o que se projeta a esse respeito? Parece que os intelectuais cá do sítio têm uma palavra a dizer sobre tão relevante evento. Mas (ou nos enganamos) eles continuarão mudos e quedos, assustados possivelmente por se falar no nome do grande estadista. Infelizmente ainda agora alguns indivíduos persis­tem em dar destaque aos (poucos) aspectos nefastos (a perseguição aos jesuí­tas, o suplício dos Távoras) da ação do Marquês, com o objetivo de anular o tanto que há de positivo. É tempo de se pôr termo a este tipo de anedotas. A tacanhez não dignifica ninguém. Se não tivesse havido no País, ainda que de longe em longe, u.ma ou outra figura de projeção intelectual, quase que se poderia pensar que constituímos, na cauda da Europa, uma comunidade de pigmeus, culturalmente ao nível dos que vivem nas florestas do lturi!"

Parece que isto constituiu profecia. As comemorações, anunciadas nos primeiros meses de 1982, foram circunscritas a discursos de circunstância, vazios de conteúdo histórico, verdadeiras anedotas que não dignificaram sequer a Comissão autonomeada. Tudo decorreu naquela "apagada e vil tristeza" de que nos falou o insigne vate. E não estivéssemos nós em Portugal!

Este episódio ilustra o que se passa em matéria de ~cultura. E, sem nos desviarmos da época pombalina, trazemos à colação· um outro fato. Até ·os menos. elucidados têm conhecimento da ferocidade com que o Marquês pro-

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curou defender a sua integridade física contra as investidas de uma aristocra­cia falida e falhada, quando se tornou polêmica a sentença que condenou a família Távora ao suplício - e de que nos resta ainda uma prova material na Travessa das Salgadeiras, em Lisboa. Pois, os que ainda hoje querem ata­car e denegrir a memória do Marquês ignoram a existência, nos Arquivos de Lisboa. de documentos que deveriam servir para o esclarecimento de todo esse imbróglio da condenação dos Távoras, e que se designam por:

1.0) "Junta da IncÕnfidência. Para castigo dos réus do bárbaro e exe­

crando desacato que, na noite de 3 de setembro de 1758, se cometeu contra a real, sagrada e augustíssima pessoa de El-Rei, e respectiva sentença" (17 de janeiro de 1759).

2 .º) "Erros ímpios e sediciosos que os religiosos da Companhia de Jesus ensinaram aos réus que foram justiçados e pretenderam espalhar nos povos destes reinos" (3 de setembro de 1759).

Nestes documentos - a apodrecer nos Arquivos - pretende-se analisar os acontecimentos sobre os diferentes aspectos "políticos, sociais, filosóficos, morais e religiosos" (citamos de memória) de que se revestiu a sentença.

l! possível que alguém estrábico dissocie estes documentos do nosso tema. Pelo contrário, estão direta ou indiretamente entrosados na decisão tomada quanto à instituição da poderosa empresa monopolista que foi a Companhia do Grão-Pará (e a de Pernambuco e Paraíba) e em toda a atuação do Marquês.

Não nos pareceu razoável deixar de referir, mesmo em traços gerais, a figura cimeira da política da segunda metade do século XVIII - Sebastião José de Carvalho e Melo. Nasceu em Soure, em 1699, filho de Manuel de Carvalho, capitão reformado, "cavalheiro distinto mas pobre", e de D. Teresa de Mendonça, de família ilustre. Estudou em Coimbra, com os jesuítas, "os primeiros elementos das ciências", e veio a ser um funcionário modesto, em Lisboa. Debalde pretendeu ingressar na sociedade lisboeta e obter posição entre as classes destacadas, um tanto com a proteção do tio, Paulo de Carva­lho, que o .recomendou ão cardeal Toão da Mota, pessoa das relações de D. João V . Mas tudo isso não surtiu os efeitos desejados, pelo que se manteve numa posição apagada. Tenaz, persistente, teimoso, depois de ter sido repudiada a sua pretensão de casar com Teresa de Noronha, viúva e aristocrata, veio a herdar alguns cabedais por morte de seu tio, à custa dos quais começou a ser melhor aceito em certas camadas. Em 1738, em face da "miserável deca­dência do comércio" português, D. João V nomeou-o ministro plenipotenciá­rio na corte britânica, onde permaneceu até 1745, regressando a Lisboa. ~ então nomeado, em missão diplomática, para Viena de Áustria. Aí conheceu Leonor Ernestina de Daun, bastante nova, mas filha de famílias abastadas. Casa-se e regressa a Portugal, já depois de se tornar, sob a influência das idéias iluministas de então, um português "estrangeirado", bastante conhe­cedor das correntes de pensamento dominantes na Europa e, sobretudo, dos problemas da economia da época. Assistiu em Inglaterra ao desencadear da política mercantil que conduziria ao aperfeiçoamento dos mecanismos do funcionamento das Companhias das 1ndias Ocidentais, formadas no século

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XVI, nas quais se inspirou para fazer instituir em Portugal as companhias monopolistas e todo o sistema de outros monopólios que caracterizaram esse período.

O regresso de Viena coincidiu já com o declínio de D. João V. Com cerca de 51 anos, dotado de grande ambição de poder, possuidor de amplos conhe­cimentos sociais e políticos adquiridos nas cortes de Londres e de Viéna -que ofuscavam de longe o provincianismo lisboeta -, conjugados com uma presença física que se impunha e com a influência da esposa, facilmente se tornou num potencial político de primeira plana. Quando faleceu D. João V e D. José foi entronizado, ficou com o caminho aberto para ascender, como sucederia, ao cargo de Ministro da Guerra e dos Negócios Estrangeiros. Daí à sua consagração como primeiro-ministro foi um passo. Não tinha concor­rentes à altura, até porque desde logo se mostrou um trabalhador inigualável, perante madraços, como eram os validos de D. José e este mesmo. A partir de então, tudo lhe correu à feição, até mesmo o terremoto de 1.0 de novembro de 1755, que se abateu sobre Lisboa e Vila Real de Santo Antônio. Esta cala­midade permitiu-lhe fazer a demonstração de sua inequívoca capacidade de estadista, assumindo a responsabilidade de "enterrar os mortos, salvar os vivos" e combater os salteadores; mas, mais do que tudo, reedificar a cidade com a grandiosidade, o estilo arquitetônico e a funcionalidade que, passados mais de dois séculos, ninguém mais conseguiu fazer melhor.

Se mais nad1:1 houvesse para consagrar as suas qualidades de estadista, aí está a baixa pombalina como autêntico certificado.

A sua obra não se deteve nas "pedras mortas" (de António Sérgio). Deve-se-lhe igualmente a reforma da instrução em geral e da Universidade, do exército, da agricultura, o desenvolvimento da economia e, sobretudo, a uni­ficação territorial do Brasil e a nova política portuguesa ante as grandes po­tências européias, enfrentando a própria Inglaterra. A este respeito sugere-se a leitura do texto intitulado Respostas que o Marquez de Pombal, então Con­de de Oeiras, deu às vinte e quatro queixas que o governo inglez fez ao de Portugal (não datado) 1 • Atente-se nele a dignidade, o aprumo e até a altivez com que desfaz, com argumentos visíveis, os 24 pontos de acusação apresen­tados pela Inglaterra.

Com a morte de D. José, os inimigos de Pombal assumem a liderança da política, designadamente para o vexarem, vingando-se daquilo que de mal lhes teria feito e, acima de tudo, do que não fez. A camarilha que rodeia D. Maria não podia perdoar a Pombal o fato de ele lhe ser em tudo superior. O cretino é um invejoso porque "sente" a sua incapacidade, a falta de inteligência. E assim que o desterram, humilham e procuram julgá-lo em tribunal. Aprovei­taram-se da decadência física do Homem, já à beira dos 80 anos de idade, doente e, portanto, sem energias para se impor.

Tudo o mais é conhecido e não merece a pena voltar a repeti-lo.

1. Cartas e outras obras selectas do Marauez de Pombal. 5.ª ed., t. 1 e 2. Li~boa, 1861, Tipografia de Costa Sanches, Calçada do Sacramento ao Carmo, n. 40. t. l, p. 17-51.

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3. Todo e qualquer trabalho - mau, medíocre, bom - tem a sua uhis· tória". Daí que o presente e todos os outros, dados por nós à publicidade, te­nham marcado o seu humilde percurso. B o que tentaremos descrever o mais sucintamente possível, para não enfadar o eventual leitor.

A viagem de estudo que nos levou às Ilhas de Cabo Verde (à nossa terra). em 1964, foi nisso decisiva. Numa prospecção ao interior· das princi­pais ilhas, adquirimos mais de duas centenas de panos da terra (o conhecido pano da costa, no Brasil), tecidos de algodão, produto da manufatura local, destinados ao acervo do que veio a ser o Museu de Etnologia de Lisboa, pro­jetado e criado pelo Prof. Jorge Dias. Inteirados das diferentes denominações que lhes eram dadas no meio rural e um tanto da técnica usada (o que se ficou a dever aos tecelões e tingideiras mais velhas), conseguimos adquirir alguns teares, igualmente fabricados pelos insulares. Portanto, na posse desses elementos e de informações que nos transmitiram, pensamos, desde logo, re­digir uma notícia sobre a manufatura dos têxteis que tanta importância tive­ram, até meados do século XIX, na vida econômica e social, como moeda de troca no comércio de escravos. Quase toda a gente sabia do fato; só que ninguém se aventurara a dar o assunto a conhecer ao grande público. Surge­nos desse modo a idéia de pesquisar, nos Arquivos de Lisboa e de Cabo Verde, a documentação comprovativa dos processos de confecção e do circuito co­mercial dos panos, que serviam de vestimenta ao povo das ilhas e eram muito apreciados em toda a região costeira, do Senegal a Serra Leoa. Não foi tarefa fácil nem rápida. De pista em pista sempre se foi encontrando algo no Arqui­vo Histórico Ultramarino, em Lisboa. O que se referenciou não era, todavia, suficiente para alicerçar o estudo. Sentiam-se perfeitamente os vazios entre os documentos. O material encontrado no referido Arquivo deu-nos algumas indicacões, mas todas elas falhas de elementos estatísticos que nos permitis­sem ajuizar. auantitativamente, do volume do comércio da panaria. 1! assim que, em 1965, encaminhamos os passos para o Arquivo Histórico do Minis­tério das Finanças, a fim de consultar a contabilidade da Companhia do Grão­Pará e Maranhão, aue se sabia ter atuado nas Ilhas de Cabo Verde e no con­tinente a elas fronteiro, nos chamados "rios de Guiné do Cabo Verde". Tínha­mos, assim, "descoberto" o grande filão que nos conduziria a outras pesqui­sas. Estudado, durante mais de dois meses, o método do registo contabilístico usado pela empresa, procedeu-se ao levantamento de todo o movimento de panos havido entre 1756 e 1778; e, ao mesmo tempo, o de escravos adquiri­dos e transportados para o Brasil no decurso de tempo em que funcionou o monopólio concedido pelo Alvará de 1755. As estatísticas da panaria adqui­rida em Cabo Verde e levada para a costa africana, aliada -a fontes de outra ordem, permitiu-nos publicar em 1968 o que designamos Panaria Cabo-ver­diano-Gúineense; e, em 1969, as chamadas Companhias Pombalinas de Na­vegação e Tráfico de Escravos,·. (título obviamente anacrônico). Neste úl­timo livro abordamos quase em exclusivo o tráfico de escravos pelas duas Companhias - a do Grão-Pará e Maranhão e a de Pernambuco e Paraíba. No fundo, porém, mais não é do que a governação e administração da Capi­tania das Ilhas de Cabo Verde, confiadas à primeira daquelas Companhias,

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por força do Alvará secreto de 29 de novembro de 1757, por nós acidental­mente encontrado no Arquivo e publicado no Boletim Cultural da Guiné Por­tuguesa (v. 22, n. 87-88, jul.-out. 1967) que até então era desconhecido de todos os pesquisadores e historiadores empenhados em esclarecer os proble­mas relacionados com a expansão portuguesa no ocidente africano. Este do­cumento - pode-se dizer - veio lançar uma nova luz sobre a atuação da Companhia e, designadamente, por ter alterado profundamente as estipula­ções do estatuto de 1755, sobre o qual os interessados na matéria continuaram a alicerçar os seus estudos, precisamente por desconhecerem o teor do Alvará secreto, tantas e tantas vezes laconicamente apontado na documentação ofi­cial na segunda metade do século XVIII. O mal é que os textos ocultavam, por expressa decisão régia, os poderes transferidos para a Companhia. A seu tempo detalharemos o assunto.

:e necessário esclarecer que, nos anos sessenta deste século, alguns seto­res da sociedade portuguesa não viam com bons olhos a abordagem de temas que abrangessem o comércio e o tráfico de escravos. E esse fato tomou algum significado quando, em 1972, publicamos Cabo Verde - formação e extinção de uma sociedade escravocrata - 1460-1878 (edição do autor), livro este gizado, em grande parte, na base da documentação recolhida durante as pes­quisas antes referidas e em outras que se lhes seguiram, estas nos próprios Arquivos das Ilhas e pelas razões apresentadas na "Nota Explicativa" da pri­meira e segunda edições (1983), esta última na página 20.

Depois seguiram-se outros livros e artigos de menor extensão, abordando sempre temas sociais e econômicos da mesma área geográfica. E tudo isto acompanhado de viagens, nos anos sessenta e nos três primeiros de setenta, a Angola, Moçambjque e Cabo Verde - aqui para 'prosseguir no levantamento dos Arquivos Alfandegários, Cartórios Notariais, registo do estado civil e outros. Entretanto, perdurava a idéia de voltar ao Arquivo Histórico do Minis­tério das Finanças com o objetivo de escalpelizar, no possível, a contabilidade da Companhia do Grão-Pará e Maranhão e, simultaneamente, proceder ao levantamento estatístico das mercadorias por ela enviadas para os diversos setores de comércio em África e no Brasil, e dos gêneros neles adquiridos e trazidos para Portugal, assim como procedet a novas pesquisas sobre os escra­vos levados dos rios de Guiné e de Cabo Verde para o Maranhão, Pará e Rio de Janeiro. Foi então possível verificar alguns enganos (para menos) em re­lação aos primeiros levantamentos, corrigindo-os na 2.ª edição das Companhias Pombalinas (1983), como se pode verificar na página 7. Apontamos este des­lize precisamente para pôr de sobreaviso aqueles que se queiram dedicar a tarefas idênticas. Os levantamentos deste gênero em escritas vastas como as da Companhia são extremamente difíceis e sobretudo trabalhosas.

A despeito do nosso interesse no tema, só tivemos a possibilidade de retomar as indagações em janeiro de 1979, que se prolongariam até agosto de 1981.

O resultado das pesquisas consta, pois, deste trabalho (v. 1 e 2), que submetemos à consideração do público, sem mais comentários. Cada um que

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faça o seu próprio juízo de valor e, se tiver um mm1mo de experiência no campo das pesquisas arquivísticas, que tire as suas conclusões.

Resta agora uma alusão às obras publicadas com base no acervo do­cumental da Companhia, seja no conservado no Arquivo Histórico do Minis­tério das Finanças, seja na documentação fragmentária dispersa na Biblio­teca Nacional de Lisboa (Coleção Pombalina), no Arquivo Histórico Ultra-marino e em outros departamentos similares. '

4. Que seja do nosso conhecimento, o pioneiro nos estudos sobre a Companhia do Grão-Pará e Maranhão foi o antigo diretor do AHMF, José Mendes da Cunha Saraiva ( As Companhias Gerais de Comércio e Navegação para o Brasil, 1938, Trabalho apresentado ao 1.° Congresso de.- História da Expansão Portuguesa no Mundo; e, em âmbito mais restrito, A Fortaleza de Bissau e a Companhia do Grão-Pará e Maranhão, publicações do Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Lisboa, 1947, ambas baseadas na do-cumentação existente naquele Arquivo). -

Depois apareceu, em 1951, o estudo de Jorge Borges de Macedo, intitu­lado A Situação Econômica no Tempo de Pombal (2.ª ed., 1982), trabalho bem elaborado com base na documentação da Biblioteca Nacional de Lisboa e do Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

A partir de 1966, Manuel Nunes Dias inicia a publicação na Revista Studia, do Centro de Estudos Históricos Ultramarinos (1966), e na Revista de História, de São Paulo (ns. 66, 67, 68, 69, 71), do magnífico estudo inti­tulado Fomento e Mercantilismo - a Companhia Geral do Grão-Pará e Ma­ranhão - 1757-1778, reproduzido em 1970 (2 v.: 543 p. 286 p.) na Coleção Amazônica - Série José Veríssimo. Este autor fundamenta o seu estudo prin­cipalmente nos mapas e quadros existentes no AHU de Lisboa. A despeito das divergências no tocante a cifras representativas do volume de escravos e de gêneros movimentados - divergências derivadas (pensamos) do fato de não haver feito o levantamento direto na escrita (e os quadros e mapas do AHU são incompletos) -, é o primeiro grande estudo da empresa monopo­lista que conhecemos. E o seu autor não poupou esforços para escalpelizar, quanto lhe foi poss(vel, a vida interna d~- empresa e as conseqüências sociais, econômicas e políticas da sua atividade. :8 ver o teor do capítulo "Os apolo­gistas" (p. 187 ss. do referido volume). Há, todavià, na obra de Nunes Dias, um pormenor que nos deixa intrigados: a citação muito sucinta· e sem indi­cação da fonte de alguns princípios contidos no chamado Alvará secreto, de 27 de novembro de 1757, por nós publicado pela primeira vez em Portugal. em 1967, como aludimos anteriormente. Por outro lado, registra ajustada­mente a "representação a D. Maria I, sem data e sem nome", do AUH -MP 1777-1779. Contudo, uma representação que foi apresentada à Rainha pelos "vassalos interessantes do comércio franco e geral desta Praça, e dos mesmos habitantes do dito Estado" do Maranhão, essa, embora sem data, está assinada por 48 individualidades. Do contexto vê-se, no entanto, que é de 1777, pois logo de início requerem a liberdade e franqueza do comércio geral

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que há 22 anos geme preso no cárcere do monopólio (Doe. n. 5, v. 2) 2• Esta·

remos em face de exposições distintas? Em qualquer caso, o texto de que nos servimos é incontroversamente um original, devidamente assinado. Mas nele não se faz nenhuma alusão ao conteúdo do Alvará secreto, e é estranho que a cópia de que se serviu Nunes Dias o refira, pois, como antes afirmamos, este Alvará secreto só foi encontrado e publicado em 1967.

Regra geral somos avessos à utilização de cópias de manuscritos não assi­nados (ou não datados). dada a possibilidade de nos encontrarmos verl'nte textos apócrifos ou cópias de duvidosa autenticidade. Fizemos, neste trabalho, uma exceção: o parecer do Conselho Ultramarino, em que se analisa precisa­mente o requerimento dos "fiéis vassalos interessantes do comércio franco e geral", indubitavelmente de 1777, como antes anotamos . Por idêntica razão, fugimos à utilização dos mapas e quadros estatísticos (de escravos e gêneros) existentes no AHU, preferindo a recolha direta na escrita das Companhias, cuja autenticidade ninguém de boa fé pode pôr em dúvida. As divergências dos quantitativos, de escravos e de gêneros, entre esse quadro do AHU e os dados recolhidos da fonte autêntica ajudam a compreender o nosso critério.

Voltando à enumeração dos estudos publicados, tendo por base a Com~ panhia do Grão-Pará e Maranhão, vê-se que o último é o nosso (Companhias Pombalinas, 1.ª ed., 1969; 2.ª ed. rev. e emendada, 1983). Mas, repetimos, limitamo-nos a analisar o tráfico de escravos entre o ocidente africano (Angola e o norte do Equador) e o Brasil, e, em um ou outro aspecto, as produções das Ilhas de Cabo Verde que, direta ou indiretamente, podem ter influenciado o resgate de escravos. Pusemos, portanto, de parte os gêneros e as mercado­rias de e para África e Brasil, tema que só agora foi possível encarar.

O que se aparenta estranho neste caso das Companhias monopolistas da segunda metade do século XVIII é a propensão de quase todos os investiga­dores se interessarem mais pela do Grão-Pará e Maranhão, em detrimento da sua congênere, a de Pernambuco e Paraíba. Esta última empresa tem, a nosso ver, tanto interesse como a outra. Mas a verdade é que, para além de falhas palpáveis no seu acervo documental, deparamo-nos com uma escrita cheia de lacunas, confusa, imperfeita, em suma, se a compararmos com a do Grão-Pará e Maranhão. J;; certo que desta última empresa existe a falta de um livro de Entradas, relativo ao período de 1765 a 1769, falha bastante sentida e que tornou incompleto o nosso levantamento de gêneros procedentes do Brasil. Sobre este assunto pronunciar-nos-emos na altura devida, neste primeiro volume.

As . lacunas verificadas na contabilidade da de Pernambuco e Paraíba levaram,nos a desistir do trabalho de pesquisa no concernente a mercadorias (embora· o tivéssemos completado quanto a escravos). Desse modo, para não se perder tudo, redigimos um pequeno artigo, meros subsídios para o estudo da sua ação, com a finalidade de chamar a atenção dos estudiosos para mais

2. Possuímos fotografia deste documento e por ele vemos que corresponde ao original da Biblioteca Nacional de Lisboa, com a cota: AHU - Pará - Papéis avulsos - Cx. n. 1.S (17.Sl-1769). Esta classificação é errada, porque o documento foi redigido em 1777.

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um filão suscetível de ser explorado e, assim, dar o necessário destaque à pro-· blemática do movimento marítimo e comercial português nesse período do século XVIII tão mal-estudado ainda 3

• Esta citação tem unicamente o obje­tivo de chamar a atenção para mais uma empresa daquela época que desem­penhou papel importante no Brasil, e com consideráveis reflexos na economia portuguesa.

Com tudo isto queremos dizer que o estudo mais aprofundado das em­presas monopolistas encontrou em Manuel Nunes Dias o seu primeiro artífice. Todos os outros, nós incluídos, ocuparam-se delas em alguns aspectos espe­cíficos, como o campo do resgate o tráfico de escravos. A única reserva - · repete-se - que fazemos ao trabalho de Nunes Dias situa-se na utilização, quase em exclusivo, dos dados do Arquivo Histórico Ultramarino (cuja exa­tidão pomos em dúvida), quando tinha ao seu alcance a base, os fundamentos autênticos, insuscetíveis de contestação, depositados no Arquivo Histórico do Ministério das Finanças. O fato não invalida em nada o extraordinário estudo realizado e, em especial, o enriquecimento dos dados recolhidos em Lisboa com as fontes brasileiras.

5. A circunstância de ocuparmos a posição de retaguarda nesta cami­nhada nem por isso nos faz perder o ânimo ou sentir qualquer tipo de com­plexo. Não. Quando em 1979 iniciamos os trabalhos de recolha (o estudo pormenorizado - repete-se - do sistema de contabilidade fora feito em 1965-1967), conhecíamos perfeitamente todos os trabalhos publicados, em Portugal e no Brasil, sobre as empresas monopolistas. Fizemos apenas questão de levar a cabo um estudo em moldes totalmente diferentes dos dos outros autores, até porque baseado fundamentalmente em novas fontes de informação e enquadrado em esquemas diferentes dos até agora utilizados. Não será, possivelmente, melhor nem mais perfeito. Os temas são apenas focados em outras perspectivas; e o esquema corresponde ao produto das nossas conge­minações. Procuramos - quando isso é viável - estruturar o estudo, fugindo às influências de outros autores, mesmo daqueles a quem reconhecemos muito maior preparação e mérito neste campo específico das ciências humanas e sociais. Não se trata de uma questão de falso orgulho - é, antes, a busca de uma autonomia de pensamento e de ação, mesmo correndo, com isso, alguns riscos. E uma forma de afirmação pessoal - agrade ou não. Continuamos a dizer que as críticas e os reparos não nos fazem mossas. O essencial é fazer. E é isso que empreendemos após mais de uma vintena de anos de contrarie­dades, de obstáculos de vária ordem; e falhas de apoios, e sem ambições. Daí que nos coloquemos no grupo dos franco-atiradores.

Nesta autêntica maratona, e depois de o trabalho ter sido rejeitado (sem sequer olharem para o conteúdo) por diferentes instituições portuguesas, ficou­nos a consolação de ter encontrado receptividade e acolhimento da parte de

3 . "A Companhia de Pernambuco e Paraíba - alguns subsídios para o estudo da sua ação". Revista de História Econômica e Social, Lisboa. Sá da Costa Editora, n. 11. jan.-jun. 1983, p. 55-86.

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personalidades brasileiras: o Presidente da República, Dr. José Sarney, e o Embaixador Alberto da Costa e Silva. A este ficamos a dever o contato com o primeiro Magistrado do grande País que é o Brasil. Para eles vão, portanto, os nossos mais sinceros agradecimentos.

Mas também são devidos agradecimentos: ao Diretor do Arquivo, Dr. José Duarte de Carvalho, e ao pessoal da sala de leitura, do menos ao mais graduado, que ao longo de muitos meses nos acolheram sempre com amabi­lidade e cortesia, facilitando-nos a tarefa; aos colaboradores mais diretos nos trabalhos de datilografia e paleografia; à nossa amiga, Ora. Maria da Concei­ção Lino de Almeida Gomes Pereira; à excelente desenhista Carla Maria Lei­tão; e ao amigo Carlos Ladeira, a quem ficamos a dever a feitura das foto­grafias que ilustram o livro, tiradas diretamente dos livros de contabilidade da Companhia.

Um último agradecimento é devido ao amigo Prof. Dr. Napoleão Figuei­redo, da Universidade Federal do Pará, pelo valioso auxílio que nos prestou, fornecendo bibliografia brasileira vária e de difícil obtenção em Portugal -o que certamente concorreu para consolidar a nossa velha amizade e, implici­tamente, para o enriquecimento deste trabalho.

Postas estas considerações, vamo-nos ocupar agora do conteúdo do vo­lume 2.

6. O volume 2 do trabalho, intitulado A Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (o comércio monopolista: Portugal - África - Brasil na se­gunda metade do século XVIII), contém apenas a documentação de base (esta­tuto da empresa e sua alteração, quadros estatísticos, relações diversas etc.) e serve de suporte ao texto principal: o volume 1.

Não temos qualquer pretensão de esgotar esse extraordinário manancial que são os livros de contabilidade e os maços de papéis avulsos (e alguns livros de registro de cartas, leis e ordens régias) acumulados ao longo de uma atividade política e mercantil prolongada por vinte anos de monopólio e longas décadas em regime de comércio livre, embora nem sempre contínuo, aqui e ali entravado ou contrariado por forças políticas ou por agentes econômicos poderosos que se moveram em Portugal, em especial após a queda de Pombal.

O longo período em que a empresa exerceu o comércio no Brasil e em África (aqui com funções governativas) permitiu-lhe criar raízes profundas na sociedade portuguesa, em particular pelos múltiplos e variados interesses econômicos e outros a ela ligados. Esse fato e os de natureza política concor­reram para demorar, dificultar, emperrar, em suma, a liquidação do imenso patrimônio acumulado, quer o constituído por bens móveis (mercadorias, navios, créditos vários etc.), quer o constituído por bens imóveis, designada­mente os prédios localizados em Lisboa e no Brasil, a ponto de a Comissão Liquidatária, cujos membros foram sendo mudados através dos tempos, só poder dar por resolvidos todos os problemas em 1914! Mais de 130 anos depois da cessação do monopólio. Esta simples citação permite ao leitor aqui­latar o volume de interesses que gravitou na sua 'órbita.

Com a elaboração deste estudo não pretendemos de modo algum (longe disso) dizer a última palavra sobre o historial do autêntico colosso comercial

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setecentista, único na sua época e mesmo depois. Temos a noção perfeita de que apenas afloramos uma parte mínima daquele que o acervo documental encerra. Talvez por defeito de formação ou até pelas nossas próprias limitações neste complexo domínio das ciências humanas e sociais, fizemos um levanta­mento estatístico (e outro) incompleto, imperfeito, mas cuja extensão se po­derá avaliar pela documentação anexa ao volume 2. Quer dizer: foi o levan­tamento possível, não o levantamento desejado e desejável. Para isso concorreu a circunstância de havermos agido isoladamente, sem apoios de qualquer na­tureza de organizações científicas e/ou culturais, quando trabalhos desta índole deveriam ser realizados por equipes. Mas. . . na quase impossibilidade de, entre portugueses, se trabalhar em equipe, resolvemos assumir a responsabi­lidade da tarefa, mesmo com as dificuldades e contrariedades inerentes.

Nesta parte do estudo, limitamo-nos 11 fazer uma espécie de inventário do acervo documental destinado a servir de orientação aos eventuais leitores ou estudiosos. Antes, todavia, queremos r~gistrar que existe em Lisboa do­cumentação vária sobre a Companhia, dispersa em diferentes Arquivos (quase toda ela constituída por cópias ou quadros estatísticos, por vezes não datados nem assinados): no Arquivo Histórico Ultramarino; no Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas (aqui, na parte relacionada com plantas e alça­dos de edifícios); na Biblioteca Nacional na chamada Coleção Pombalina; e um pequeno núcleo no Erário Régio. Os livros de ccntabilidade (encadernados em carneira e em excelente estado de conservação), os registros de correspon­dência e de leis e ordens régias, assim como os maços de papéis avulsos, os autênticos, esses estão depositados no Arquivo Histórico do Ministério das Finanças. Quanto a nós, são estes os únicos credíveis.

Os poucos estudos sobre esta empresa até aqui publicados (exceção feita ao livro de Tosé Mendes da Cunha Saraiva, antigo Diretor do Arquivo, sob o título As Companhias Gerais de Comércio e Navegação para o Brasil, 1938) têm-se fundamentado mais em fontes existentes em outros -departamentos arquivísticos, do que verdadeiramente na grande mina do Arquivo do Minis­tério das Finanças.

Será isso uma questão de pura preferência dos autores? Ou os especia­listas nestes domínios e os simples curiosos (como nós), quando enfrentam o acervo do Arquivo do Ministério das Finanças, ficam atemorizados, frustra­dos, dominados psicologicamente pelos 500 livros (os de contabilidade são de apreciáveis dimensões: 65 cm de altura, 40 cm de largura e 20 a 25 cm de grossura, quase todos de 150 a 200 folhas) e 150 maços de papéis avulsos? Parece-nos também que outro problema com que muitos se deparam reside na complexidade do sistema de contabilidade comercial usado na empresa, aliada às milhares de faturas a compulsar. Só nos livros de "Entradas" elas são estimadas em cerca de 3.300, muitas abrangendo uma diversidade de mer­cadorias ou de gêneros. :f. certo que, por outro lado, o pesquisador tem mais facilidade em trabalhar as faturas insertas nos livros de "Carregação", seja pelo processo seguido na sua escrituração, seja pela perfeição da grafia.

As designações atribuídas aos diferentes livros de contabilidade, por terem caído em desuso ou por serem pouco conhecidas, exigem esclarecimentos.

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Os livros de "Entradas" (os chamados Legais) possuem, por vezes, mas nem sempre, os correspondentes Auxiliares ou Borrões, livros provisórios que podiam ser emendados ou rasurados - o que não era permitido nos Legais. Neste tipo de livtós escritu1·avam-se, por ordem de datas, origem, nome do navio transportador e numeração anual, todas as faturas de mercadorias adqui­ridas em Portugal ou importadas do estrangeiro pertencentes" à Companhia e ao mesmo tempo as enviadas para os diversos setores de comércio, com clara especificação de cada tipo, quantidades, precos e despesas, bem como os gêneros (ou efeitos) oriundos de África e do Brasil,. fossem pertença da Companhia ou enviados pêlos colonos em regime de consignação.

Nos Hvros de ''Carregação" eram transcritas na íntegra as faturas dos gêneros. africanos e brasileiros. escravos e outros destinados a cada setor de comércio, Também nestes livros se lançavam as faturas dos gêneros exporta­dos de Portugal pata o estrangeiro, tais como algodão em rama, cera de abe­lhas, cravo fino e grosso e urzela.

Depois temos os "Diários" (designação que dispensa qualquer esclareci­mento). os livros de "Ações". os de "Balanços" e finalmente os chamados livros "Mestres" (espécie de Caixa ou Razão), conforme a enumeração que adiante se fará, com as competentes cotas de arquivo. e de harmonia com a reformulação feita por Francisco Trancoso, em substituição de uma outra antiga (cujo autor ignoramos). e pela qual nos orientamos.

Foi, pois, em concordância com os problemas suscitados pela escrita que decidimos dividir o trabalho em dois volumes distintos, mas complementares entre si: um, contendo a análise da ação da empresa monopolista, historiando os antecedentes de organizações similares criadas em Portugal e no estrangeiro (que poderiam ter influenciado a formação da de Grão-Pará) e todo o desen­volvimento e trajetória; outro, contendo os estatutos por que se regeu, pro­testos contra a sua criação, pare"Ceres diversos e leis promulgadas, assim como os quadros estatísticos detalhados das principais mercadorias enviadas para os setores de comércio - incluindo os escravos - e os gêneros (ou "Efeitos") de produção africana e brasileira carregados com destino a Lisboa; listas de acionistas e da frota utilizada etc.

Adotamos um critério um tanto discricionário, arbitrário (como tantos outros), sujeito á reparos e críticas; mas que nos pareceu o mais adequado à nossa maneira de ver e analisar os problemas da empresa.

Por outro lado, tivemos em vista não sobrecarregar o texto principal com quadros estatísticos, até porque a grande maioria dos indivíduos interessados no tema é um tanto alérgica à leitura e reflexão do que os números possam expressar. Assim, colocamos em separado, ao alcance dos interessados na ma­téria, um conjunto de dados estatísticos que poderá servir à elaboração de estudos mais desenvolvidos, e para o confronto das diferentes produções e mercadorias em épocas posteriores ou de outras regiões.

Necessariamente que um ou outro especialista mais exigente (e dotado de maior preparação) achará exagerado o volume da documentação apresen­tada, em relação ao texto. Aqui está outro ponto em que não deve haver cri­térios concordantes. Não nos podemos esquecer de que, em 1969, quando

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publicamos as Companhias Pombalinas com a finalidade exclusiva de estudar a evolução do tráfico de escravos de África para o Brasil, obra na qual incluí­mos bastante documentação, muita dela inédita, talvez mesmo desproporcio­nadamente ao volume do conjunto, surgiu um "arremedo de historiador" bra­sileir,o que, possivelmente à falta de maior argumento, nos apontou o exagero da documentação colocada em apenso. E talvez tivesse mesmo razão. Esse crítico esqueceu-se, porém, que parte dos documentos era ignorada dos histo­riadores de renome (mormente dos jovens), pela circunstância dé proceder dos Arquivos de Lisboa e de Cabo Verde, até então não explorados - que se saiba. Mas isto é apenas uma faceta quase anedótica que registramos por desfastio e nada mais.

Feitos estes esclarecimentos, passamos à citação dos livros de contabili­dade e de outros de real interesse para a compreensão do estudo.

As principais fontes de informação sobre as quais recaíram as nossas pesquisas foram, pela ordem dos trabalhos, as seguintes, e segundo as cotas de Arquivo:

Livros de ''Carregação"

A - XV/U/1 - 1758-1761 B - XV/U/2 - 1761-1762 C - XV/U/3 .....! 1763-1764 D - XV/U/4 - 1765-1767 E - XV/U/5 - 1767-1770 F - XV/U/6 - 1771-1774 G - XV/U/7 - 1775-1778 H - XV/U/8 - 1778-1782

A B B-3.º e D E G F-1 F-2 F-3 G H I L

Livros "Diário"

- XV/R/1 1755-1760 - XV/R/2 1760-1761 - XV/R/5 1761 - XV /R/6 1762 - XV/R/7 1763-1764 - XV /R/8 1765-1766 - XV/R/9 1766-1768 - XV/R/14 - 1768-1770 - XV/R/12 - 1770-1772 - XV/R/10 - .1773-1776 - XV/R/13 - 1777-1779 - XV/R/11 - 1778-1788 - XV /R/15 - 1.784-1814 - XV/S/1 - 1815-1833

Livros de "Entrada"

A - XV/T/4 1758-1759 B - XV/T/5 1760-1761 C - XV/T/6 1761-1762 D - XV/T/7 - 1762-1765 E - XV/T/8 - 1765-17,74 F - XV/T/9 - 1755-1770 G - XV/T/10 - 1770-1773 H - XV/T/11 - 1770-1774

J - XV /T /12 - 1773-1775 L - XV/T/13 - 1775-1778 M - XV/T/14 - 1778-1807 N - XV/T/15 - 1813-1850 O - XV/T/16 - 1850-1860 - - XV/T/17 - 1776-1778 P - XV /T /18 - 1776-1778 - - XV/T/18 - 1777-1783

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Uma simples verificação da seqüência dos livros de "Entradas" leva-nos a concluir que, ao ser feita a classificação respectiva, não se seguiu em rigor a ordem cronológica. Parte considerável destes livros registra os milhares de faturas de pequenas quantidades de gêneros enviados pelos colonos, em regime de consignação. Era o ·que a nomenclatura usada designava por "Entradas de Partes", isto é, não pertenciam à Companhia, mas vinham a ela consignados. As relações nominais dos colonos (Doe. n. 57 a 61), de África e do Brasil, em número de 1.184, dão uma idéia do que foi o movimento de gêneros e de ouro, com destino a Lisboa.

Livros de "Ações" Livros de "Balanços"

XV/V/18 - 1756-1774 N.º ·1 - XV /R/44 (N.ºª 1 a 428) N.º 2 - XV /R/45 (N.º1 429 a 1.164)

Não localizamos livros de "Balanços" posteriores a 1774. Livros "Mestres" de 1755 a 1814

A - XV/S/4 B - XV/S/5 C - XV/S/6 D - XV/S/7 E - XV/S/8

F - XV/S/9 G - XV/S/10 H - XV/S/11 I - XV /S/12

Livros Diversos

XV /R/36 1760-1778 - Registro de Cartas para Cacheu e Bissau XV/R/34 1770-1788 - Idem XV /R/35 - 1760-1770 - Registro de Cartas para o Pará XV /R/36-A - 1770-1779 - Idem XV/R/40 - 1760-1778 - Idem XV/R/37 - n. 105 - 1770-1778 - Registro de Cartas para o Maranhão XV/R/52 - n. 104 - 1760-1778 - Idem XV/R/41 - n. 106 - 1778-1831 - Idem

Registro de Leis e Ordens Régias:

XV/R/19 - n. 80 - 1757-1814 XV/R/20- n. 81- 1757-1896 XV /R/21 - n. 82 - 1755-1765 XV/R/22 - n. 83 - 1756-1879

XV /R/23 - n. 84 - 1758-1909 XV/R/24 - n. 84 - 1759-1847 XV /R/25 - n. 84 - 1758-1879

Registro de petições e exposições da Companhia e de nomeação dos agentes: XV /R/26 - 22-6-1824 XV /R/27, de 8-7-1756 a 31-8-1882.

* • *

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Pensamos, contudo, que, pela simples enumeração das fontes, os menos inteirados quanto à escrita da Companhia, não poderão fazer um juízo ajus­tado da tarefa empreendida. A título exemplificativo, diremos que organiza­mos instrumentos de notação condizentes com as formas de registro seguidas na contabilização das mercadorias, dos gêneros e dos escravos, ·· de modo a conduzir à destrinça fácil entre o que constituía patrimônio próprio da Com­panhia e o que era dos colonos, mandado em consignação. Utilizamos para o efeito cadernos de papel quadriculado de 80 e de 100 folhas cada um, em número de 16, com formato 30 x 21 cm; e 10 outros de 100 .folhas, com for­mato 22 x 16 cm, estes últimos para os gêneros em consignação; e os primei­ros para os escravos, panos de Cabo Verde, urzela, ouro e outros gêneros próprios da Companhia - isto depois de dezenas de experiências. Nestes ca­dernos transcrevemos na íntegra, fatura por fatura, de modo a poder, poste­riormente, proceder à elaboração de fichas para cada gênero, tecido etc., se­gundo a origem, anos, custos, despesas nos portos de procedência e de des­tino etc. Só por semelhante processo se poderiam organizar os quadros esta­tísticos e efetuar a conferência dos números através de máquinas de calcular.

Quisemos acautelar certa exatidão de dados e, conseqüentemente, reduzir a um mínimo os erros ou falhas. Pois nem assim foi possível concluir todos os levantamentos, designadamente no que concerne a mercadorias enviadas para os diferentes setores de comércio. Mesmo assim, ainda levantamos mais de 52% do valor dessas mercadorias. O cansaço e muito mais ainda a incer­teza do destino a dar ao resultado das pesquisas com o conveniente detalhe forçaram-nos a desistir da sua execução. Assim, a dada altura, completado o levantamento das chamadas mercadorias da escravatura, dos escravos e dos gêneros (ou "Efeitos"), pusemos termo ao trabalho. Por isso, repetimos, foi o levantamento possível e não o levantamento desejado ou desejável. O trabalho de pesquisas decorreu seguidamente, em todos os dias úteis, de 10 de janeiro de 1979 a 31 de agosto de 1981. Parece que estivemos no cumprimento de uma promessa imposta a nós mesmos, desde o distante ano de 1965, em que pela primeira vez tomamos contato com o acervo da Companhia. Uma imagem apenas: trasladamos para os cadernos cerca de 2.700 faturas e copiamos mais de uma centena de cartas, exposições e relatos, alguns constantes do anexo (o volume 2).

O glossário (vocábulos e termos caídos em desuso) e o índice da do­cumentação talvez possam fazer pensar no que se traduziu a tarefa executada, cujos resultados concluímos agora.

Com ou sem críticas (estas não nos fazem qualquer mossa), parece que concluímos os nossos desígnios. Os críticos que digam o que lhes parecer sobre todo o trabalho. Lisboa, 1987 / 1988.

ANTÔNIO CARREIRA

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ABREVIATURAS

AHMF Arquivo Histórico do Ministério das Finanças AHU Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa CGGPM Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão JIU Junta de Investigações do Ultramar

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1 DECAD:ÊNCIA DO SISTEMA DE ARRENDAMENTO DE

ÁREAS DE TRATOS E RESGATES E SUAS CAUSAS PRINCIPAIS - SURTO DE COMPANHIAS DE ESTANCO

PARA O COMÉRCIO COM O BRASIL, POSTERIORMENTE ORIENTADAS PARA O TRAFICO NEGREIRO NOS

SÉCULOS XVII E XVIII

A expansão marítima dos portugueses iniciada nas primeiras décadas do século XV, um tanto para fugir ao emparedamento de Portugal pela meseta espanhola, foi sem sombra de dúvida o maior acontecimento desse século e mesmo dos seguintes, não apenas pelo que ela trouxe de novo ao conhecimen­to dos povos europeus, como pelas repercussões•que teve em todo o Mundo. Para além de ter mostrado, no dealbar do Renascentismo, a existência de "outras terras e outras gentes", aproximando um tanto os homens de todas as colorações de pele e das mais variadas culturas e modos de vida, constituiu o início de uma autêntica "Revolução Comercial" com conseqüências, na altura, imprevisíveis. Representou o maior feito da história européia, até por haver partido de um pequeno povo de pouco mais de 1,5 milhões de almas, se aceitarmos as previsões mais otimistas, localizado num território mal-defi­nido e vivendo em sobressaltos ante a hegemonia ou a absorção por uma Castela poderosa e ambiciosa. -e certo que tínhamos, então, uma pequena elite decidida, determinada que, com ou sem planos concretos (que não deveriam existir), empenhou todos os valores materiais e humanos disponíveis para levar de vencida aquilo que para ela deveria representar uma verdadeira cruzada. A classe dominante vivia muito de mitos e um tanto de realidades. Era o mito do ouro (que dava brilho e poder às grandes cortes européias); o mito da prata (v.g. a chamada prata de Cambambe), autêntico sonho; o mito do Oriente com as suas especiarias e pedras preciosas. Poucos sabiam ler e escrever. Daí o concurso dos cronistas, fadados para endeusar as cortes, glori­ficar reis e príncipes, jamais referenciando seus erros e faltas graves. Desta forma há uma tendência para fazer evidenciar os "feitos" de alguns e esque­cer o esforço, o sacrifício do povo anônimo. Seja como for, sem sequer pre­tender ofuscar as ações desenvolvidas por uns tantos príncipes e nobres, em cerca de um século após a descoberta das ilhas adjacentes, chegávamos ao Oriente e ao Brasil. após a passagem pelo Ocidente africano, sem paragens

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pontuais duradouras, na maioria dos casos, e com fixação em outros (v.g. Cabo Verde e São Tomé), colocando padrões a assinalar e a demarcar direitos de prioridade de chegada (Mina, foz do Zaire, Cabo da Boa Esperança). Apor­tamos a todos os continentes e tentamos a manutenção de pequenos contin­gentes que marcassem a presença lusa.

Como reflete Gago Coutinho, "é provável que o papel do Infante D. Hen­rique, no início dos Descobrimentos, não tivesse sido tão importante como aquele que, modernamente, se lhe atribui. Mas falta base para se estabelecer uma medida exata, e n6s temos sempre a necessidade de concretizar aconte­cimentos em um homem" 1 . Nada mais exato! Partindo do princípio .de que a parte substancial da tarefa da expansão marítima coube ao Infante, temos de aceitar verídicas as cinco razões apontadas por Zurara como fazendo parte d " 1 ,, , o seu pano :

1.ª) "o espírito de curiosidade científica"; 2.ª) o interesse comercial: "porque considerou que achando-se em aque­

las terras alguma povoação de cristãos, ou alguns tais portos em que sem pe­rigo pudessem navegar, que se poderiam para estes reinos trazer muitas mer­cadorias, que se haveriam de bom mercado.. . cujo tráfico traria proveito aos naturais";

3.ª) "porque se dizia que o poderio dos Mouros daquela terra d'África era muito maior do que comumente se pensava, e que não havia entre eles cristãos nem outra alguma geração";

4.ª) "porque d{) XXXI anos que havia guerreava os mouros, nunca achou rei cristão nem senhor de fora desta terra que por amor de nosso Senhor Jesus Cristo o quisesse à dita guerra ajudar." Corresponde à idéia de busca de alia­dos para os portugueses, na propagação da fé;

5.ª) "o grande desejo que havia de acrescentar em a santa fé de nosso Senhor Jesus Cristo, e trazer a ela todas as almas que se quisessem salvai', conhecendo que todo o mistério de encarnação, morte e paixão de nosso Senhor Jesus Cristo foi obrado a este fim, isto é, por salvação das almas per­didas ... ". ~ o que poderemos dar como ação de conversão dos infiéis.

Com este "plano", o Infante pretendia essencialmente a obtenção de in­formações de natureza geográfica e econômica, saber da existência de produ­ções comerciáveis e de metais preciosos, designadamente ouro e prata, e conhecer os povos de cada área e as respectivas regiões. Mas, no fundo, foi a tentativa falhada de pretender destruir a religião islâmica.

E qual a razão principal por que trouxemos o pensamento do Infante (segundo Zurara)? Pela circunstância de ele ter tido a iniciativa de consentir na organização (ainda que incipiente) da primeira parceria ou associação que, em 1444, "conseguiu pôr a caminho da África uma verdadeira esquadra de caravelas, a mais importante que até então partira com o mesmo destino, e que depois faria na praia de Lagos a distribuição pelos associados dos mouros apri­sionados"; e"que, embora não fosse uma cqmpanhia, na acepção do termo, se dedicou "às explorações mercantis" 2 • A iniciativa partira de Lançarote, Gil Gonçalves, escudeiro do Infante, e outros. Foi evidentemente uma inicia­tiva sem outras conseqüências além do "filhamento" de alguns "mouros",

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eventualmente ao sul do Cabo Bojador, ultrapassado em 1434. Como escreve Tito de Carvalho, "não deixava de ser uma dessas associações que, como outras muitas idênticas, como as ligas comerciais, foram o germe de associa­ções melhor organizadas e mais cuidadosamente constituídas" 3• Na ausência do cobiçado ouro, houve que virar para o resgate de escravos africanos, na primeira fase destinados à mão-de-obra no Algarve e no sul de Espanha.

A marcha da expansão prossegue. Em 1446 atinge-se o que se designou por "rios de Guiné"; em 1460 acham-se as Ilhas de Cabo Verde; depois pros­seguem-se as via~ns para o sul, até Mina, São Tomé, foz do Zaire, Cabo da Boa Esperança, ilha de Moçambique e 1ndia, para em 1500 se descobrir o Brasil.

Ora, oito anos após a fixação dos primeiros reinóis em Santiago de Cabo· Verde, a Coroa fizera com Fernão Gomes o primeiro contrato dos tratos e resgates na costa ocidental, com a obrigação de ele descobrir 100 léguas ma­rítimas anualmente. Os resultados deste arrendamento por cinco anos, reno­vados por mais dois, não são conhecidos. A Coroa, pouco abonada em di­nheiro e meios para prosseguir com a expansão, não se apercebeu que quanto mais se disoersava (e sem encontrar o ouro), menores eram as possibilidades de acudir e manter as partes descobertas, achadas ou conquistadas. Não con­seguia afastar de si os mitos e engalanava-se com títulos vazios de sentido, sem deles tirar quaisquer proveitos materiais, como fora o pensamento inicial da classe dominante. A tarefa não se compadecia com o uso honorífico de "senhor da navegação e do comércio da África, Arábia, Pérsia e fodia" etc.

Para nos situarmos em dada área geográfica relacionada com a base deste trabalho, afastamos dela a evolução das navegações, dos tratos e dos resgates ao sul do Equador, e mais ainda os da costa até o Oriente. Cingimo-nos, por­tanto, ao setor compreendido entre o Senegal e a Serra Leoa e, um tanto aci­dentalmente, ao caso de Angola.

Como se sabe, nos setores apontados - e durante largo período de tempo - três foram os critérios seguidos no concernente à difusão de mercadorias de variada origem e à compra dos poucos produtos africanos que interessavam à Europa da época. O importante e lucrativo eram os escravos:

1.0 ) o arrendamento de um setor que ia do rio Senegal à Serra Leoa; e, depois, de Loango ao rio Quanza, mediante o pagamento de quantitativo pre­viamente fixado;

2.0 ) na impossibilidade de arrendamento, a exploração dos negócios e do tráfico de escravos por mercadores-armadores de ocasião, mediante a con­cessão de licenças precárias para determinado número de escravos e com prazo de validade limitado a uma ou duas viagens. Advertimos, todavia, que este tipo de concessão foi adotado, algumas vezes, pela Coroa, mesmo quando as áreas estavam arrendadas. Era um abuso, uma quebra de compromisso da parte do rei, mas constituía uma forma de acudir às crônicas faltas de dinheiro na tesouraria;

3.0) por administração direta dos negócios e do tráfico, pelos feitores e

frotas reais.

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Depois, já na segunda metade do século XVII, é que foi autorizada a ,organização de uma pequena empresa comercial (1664), simulacro de associa­ção, de antemão condenada ao fracasso, para atuar próximo a Arguim - a ,chamada "Companhia do Porto de Palmida". Dela nos ocuparemos mais adiante.

Como o escambo e o tráfico de escravos vogavam ao sabor das conve­niências e das crises conjunturais, das fases de atuação normal passou-se às de indisciplina (a mais duradoura), provocadas quase sempre pelas lutas e disputas envolvendo arrendatários, traficantes dé ocasião, munidos (ou não) de licenças de prazo limitado, e os lançados ou tangomaos 4, formados por reinóis moradores no Arquipélago de Cabo Verde, de parceria com os mestiços natos nas ilhas, todos estes desfrutando de posição logística privilegiada, com­parativamente com os arrendatários e portadores de licenças precárias. Além da sua incontrolada liberdade de movimentos, pela prpximidade da costa afri­cana, possuíam um melhor conhecimento das épocàs mais favoráveis aos ne­gócios e ligações com os nativos. Podiam, portanto, dominar a costa fronteira às ilhas. Daí que tivessem, nos finais de 1400, iniciado ·o tráfico clandestino' para as Antilhas, em total transgressão às diretrizes e ordens régias. Foi o início do tráfico clandestino, que veio a avolumar-se enormemente com o decorrer dos anos. E, com ele, o crescendo da indisciplina comercial. Mais adiante voltaremos ao assunto.

Em face de uma tal situação, a Coroa tentou coarctar os movimentos dos traficantes. mas sem dispor de meios práticos. Sente-se desobedecida por todos os vassalos e, por isso mesmo, lançou mão do único recurso ao seu alcance: uma profusa legislação estabelecendo regras para a efetivação dos negócios na costa, nas quais incluía: as épocas das viagens e o percurso dos navios; a fixação de severas sanções (incluindo a pena de morte) para os que se estabelecessem (se lançassem, no seu dizer) na costa sem licença de resi­dência e ali se mantivessem por longos períodos de tempo; a obrigatoriedade de os navios empregados no tráfico fazerem o despacho dos escravos e produ­tos nas alfândegas de Santiago, antes de zarparem para os seus destinos: de conduzirem os seus carregamentos de escravos diretamente para Lisboa a fim de aí serem presentes ao Feitor da Casa da Guiné e ser-lhes cobrados os di­reitos devidos; enfim, um sem-número de medidas legislativas, qual delas a mais lírica, porque manifestamente desaiustadas às diferentes situações, e mesmo por demonstrarem um total desconhecimento (o que é lógico), da parte dos legisladores, do meio e das gentes sobre as quais iriam incidir. Mas, sobre­tudo, pela ausência de meios eficazes de controle dos transgressores, de meios materiais (navios, armamento etc.) e mesmo de meios humanos que a fiscali­zação exigía. Quando, de longe em longe, a Coroa conseguia mandar um Feitor ou outro agente com poderes para exercer cabalmente os cargos, a breve trecho eles se mancomunavam com os traficantes, deixavam-se subornar ou tomavam~se também traficantes de escravos. Isto não se deu apenas com os agentes civis ou militares;-o próprio clero bastantes vezes traficou em escravos ou exerceu o escambo. Não merece a pena entrar em detalhes. Passemos, por­tanto, uma rápida revista à série de contratos de arrendamento de áreas de

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tratos e resgates e às licenças de caráter temporário, isto dentro daquilo que as fontes disponíveis consentem 11 •

Abordado o caso do primeiro arrendamento (1468-1475), vejamos Q que se passou em seguida. Em relação a arrendamentos, temos: ·

a) O de 1574-1580, por um período de 6 anos, mediante o pagamento ao rei da renda anual de 18 contos de réis. Ao findar o contruto, ninguém concorreu ao arrendamento, e a Coroa viu-se forçada a chamar a si todo o comércio e resgate, confiando-o aos seus Feitores, que com os navios da Fazenda Real o detiveram por 23 anos (de 1580 a 1603). O~ res1,1Itados não foram animadores porque os agentes da Coroa roubavam ainda mais do que os contratadores. Neste intervalo de temoo são concedidas várias licenças avulsas, como mais adiante enumeraremos 11 •

b) Em 1604 é assinado outro contrato de arrendamento por 6 anos, me­diante o pagamento de 27 contos de réis anuais. O contratador não psgou a renda convencionada e o contrato foi rescindido 11 •

c) Em 1609 fez-se um novo arrendamento, também por 6 anos, mediante o pagamento da quantia de 16 contos de réis anuais pelos negócios em geral, incluindo o de escravos, e mais 500 mil réis anuais para poder comerciar ferro. em barra. Ao fim de dois anos, o arrendatário suspendeu o pagamento da renda estipulada e foi preso, por se haver provado que fizera contrabando de escra­vos e de mercadorias e inutilizara os livros de contabilidade para não entregar à Fazenda Real o montante dos dízimos e dos direitos de saída de escravos que havia arrecadado 11 •

d) Em 1613 tenta-se um novo arrendamento, mas não apareceram con­correntes. Todavia, em 1617 surge um interessado a quem é adjudicado o negócio, por um prazo de 8 anos. Como ao fim de dois anos n,ão tivesse pago, foi preso e depois solto, mediante uma caução de 50.000 crµzados I!.

e) Em 1627 faz-se outro contrato por 6 anos, mediante a renda de 13 contos de réis pelos resgates e 500 mil réis pelo negócio de ferro em bàrra. O contratador não só não pagou a renda como fugiu para a França, levando con­sigo 200.000 cruzados de rendimentos cobrados. Não temos notícias ele mais contratos no setor Senegal-Serra Leoa li.

Como se vê, de uma renda anual de 18 contos de réis, passou a 27 e baixou sucessivamente para 16 e depois para 13 oontos.

E o que se passou com as licenças avulsas neste período? Ê do que iremos tratar seguidamente li:

• 1563", concedida uma para o resgate de 100 escravos e outra para 600 escravos;

• 1568, uma para 3.000 escravos; • 1583, duas, sendo uma para 3.000 e outra para 1.800 escravos; • 1680, uma de 600 escravos, sendo estes destinados .exclusivamente ao

Maranhão e ao Pará. Em relação à maioria das licenças,. não está indicada a área de atuação,

nem sequer o destino dos escravos, exceção feita ao último caso. Quantas outras teriam sido concedidas, e de que não temos conhecimento?

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Os principais contratos de arrendamento para o Rio dos Escravos, São Tomé e Angola foram os seguintes:

• Rio dos Escravos: de 1486 a 1493; de 1502 a 1503. • São Tomé: de 1504 a 1506; de 1511 a 1513. • Angola, Congo, Luanda e Benguela: de 1587 a 1593 (abrangia São

Tomé); de 1600 a 1603; de 1613 a 1614; de 1669 a 1676; de 1754 a 1755.

~ provável que tenham sido firmados outros contratos de arrendamen­to nesse setor, só que, por carência de dados derivada da pouca investiga­ção nos Arquivos, não nos pronunciamos sobre eles.

Em qualquer dos setores (ao norte e ao sul do Equador), a situação foi bastante semelhante, tal como semelhantes foram as causas da degradação dos negócios, mesmo nos seus começos. Todavia, convém salientar que a posição dos portugueses em todos os portos, mesmo na chamada Costa dos Escravos ou Golfo da Guiné (onde nunca os portugueses conseguiram reali­zar um único contrato de arrendamento dos negócios e do tráfico), tomou-se insustentável a partir do segundo quartel do século XVI, quando entraram na competição franceses, ingleses e pouco depois os holandeses, todos eles bem apetrechados em navios e mercadorias diversificadas e abundantes. A partir daí passaram a comerciar nas áreas mais pobres, que não interessavam aos seus concorrentes, ou a exercer a função de agentes ou empregados dos estrangeiros, de quem recebiam mercadorias para transacionar, com a obri­gação de prestarem contas delas na monção seguinte. Subalternizaram-se e passaram a viver na dependência de franceses e de ingleses, negociando por vezes produtos que a estes não interessavam. Na maioria dos casos, os lan­çados, para sobreviverem, tornaram-se agentes intermediários dos próprios traficantes africanos - aqueles que, desde tempos recuados, faziam o comér­cio de escravos destinados ao interior do continente, conduzidos com o apoio das caravanas cameleiras ao norte de África - a Bengazi, Tripoli etc.

Os aspectos focados anteriormente exigem esclarecimentos que permitam avaliar melhor a evolução do comércio nos seus diferentes ângulos, designa­damente no tocante à ação dos portugueses. Naturalmente que existem lacunas enormes derivadas da falta de fontes seguras e fidedignas. Todavia, isto não impede que possamos utilizar as que temos ao nosso alcance, de modo a ana­lisar com relativa segurança os problemas decorrentes da atuação dos poderes públicos.

O comércio em África vacilou sempre entre fases de aparente regulari­dade e outras de total desarticulação - estas mais do que aquelas. Já apon­tamos antes, com maior ou menor minúcia, algumas das causas principais daquela instabilidade. Mesmo correndo o risco de nos renetirmos, voltaremos a certos e importantes aspectos relacionados com a problemática.

Falamos na falta de recursos financeiros com que a Coroa portuguesa sempre se debateu nesse período (e em muitos outros) . Tal carência ocasio­na'Va uma enorme falta de forças militares, terrestres e navais, que permitissem garantir os seus direitos de posse mesmo nos pontos estratégicos essenciais. E, muito mais ainda, impossibilitava a ocupação de todo o espaço geográfico des-

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coberto, desde a costa ocidental e oriental africanas até a fndia e o Brasil, colocando-a na contingência de não se poder opor aos seus concorrentes euro­peus. Daí que se tivesse circunscrito à ocupação efetiva das ilhas Atlânticas (Cabo Verde e São Tomé) - e mal - e a um ou outro ponto da costa, neste caso mediante o consentimento das autoridades tradicionais e contra o paga­mento a estas de uma renda ou tributo do trato de terreno, localizado em regra nas margens dos rios, onde se estabeleciam os negociantes e os agentes do rei. E isto mesmo em condições muito precárias, instáveis e perigosas. De descobridores e primeiros "conquistadores" tornaram-se rendeiros dos régulos locais. Neste particular não nos devemos esquecer de que também os ingleses se tiveram de sujeitar a idênticas normas e exigências dos chefes africanos, para se instalarem em São Jorge da Mina, após a saída dos portugueses. Pa­garam rendas muito superiores às impostas aos seus antecessores.

As disputas de posições comerciais tiveram de ser feitas mediante a guerra de corso, a pirataria organizada a preceito por ingleses, franceses e holandeses, favorecida grandemente pela ação desenvolvida pelos lançados ou tangomaos (cristãos, cristãos-novos, judeus e mestiços de Santiago) e pelo ambiente· de intrigas fomentado pelos traficantes entre os diferentes grupos étnicos, com o objetivo de provocarem operações de razia e guerras intestinas que permitis­sem o avolumar da massa escrava, obtida por esses meios e por toda a espé­cie de ordálios que envolviam o culto animista dos africanos. Para poderem desencadear essas guerras - e conseqüente redução dos vencidos à condi­ção de escravos - os traficantes utilizavam . os mais sórdidos ardis, designa­damente após a introdução no negócio de escravos, na segunda metade do século XVII, de espingardas de pederneira, de espoleta e de pólvora. Esse processo surgiu após a fase de "filhamento", nos alvores do tráfico (finais do século XV ou início do XVI), e dele se passou ao sistema de aquisição do escravo por espécies, como manilhas de latão, contaria, cavalos, vestuário de diversa origem, panos de algodão de confecção africana e de todo um conjunto de bens de consumo, até então ignorados dos africanos. Por este processo, os europeus conseguiram seduzir e subornar as cúpulas do poder político-reli­Jdoso das sociedades africanas, fazendo-as interessar no negócio de escravos. 1'.! certo que, existindo em Af rica desde épocas remotas, antes da chegada dos europeus, a escravidão doméstica, com características muito específicas, facil­mente se operou a transformação, passando o escravo a ser levado para outros continentes onde serviria de mão-de-obra para a exploração das riquezas, tra­balho para o qual os aborígenes se não prestavam facilmente, ou o seu número era insuficiente para as tarefas projetadas. Logo, se os traficantes europeus auferiam avultados lucros com o tráfico negreiro, igualmente as autoridades africanas, em conseqüência do seu intervencionismo direto, também passaram a tirar a sua quota-parte. l! ter em atenção que, sem o concurso efetivo do régulo, do sacerdote-mágico e de toda uma engrenagem ao seu serviço, o euro­peu, com os seus próprios recursos - por melhores e eficientes que fossem -, nunca teria possibilidades materiais de montar a máquina do tráfico nas condições que são do nosso conhecimento. Neste aspecto. tão bons foram os

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europeus como os agentes político-religiosos africanos. A tentação do lucro fácil era idêntica e a mira do lucro cegou uns e outros.

Não estamos isolados, ao enunciar estes pontos de vista. Outros autores que se ocuparam do assunto têm a mesma posição: "O que os salvou (os afri­canos) de serem conquistados pelo espaço de quase quatrocentos anos, a partir do aparecimento do branco, foi, em parte, o seu valor e habilidade no uso das armas européias, em parte, também, a hostilidade mútua entre os escra­vistas das várias nações, análoga à que reinava entre os próprios africanos" (p. 25) 6 • E, mais adiante, o mesmo autor acrescenta: "A exceção de um nú­mero relativamente pequeno de nativos (africanos) seqüestrados por capitães (de navios) sem escrúpulos, os escravos eram vendidos por mercadores negros e "cabecilhas" debaixo da vigilância dos régulos da costa, muitos dos quais eram negreiros. O tráfico começou, pois, a adquirir um caráter de completa legalidade. Durante o século XVII, a vida política, social e. econômica da África ocidental manteve-se reorganizada com o fim de obter uma corrente constante de escravos para os barcos ancorados na costa" (p. 42) 6 •

:É melhor cingirmo-nos às fontes portuguesas, para nós mais seguras, onde todos esses assuntos são abordados, por vezes, com algum pormenor. Logo nos fins do século XVI muita documentação nos alerta para as irregularidades de que enfermou a compra de escravos para "exportar": "porque humanamente - escreve um Bispo - se não pode atalhar aos muitos modos com que injus­tamente os cativam (os africanos). Porque uns são furtados por força de enga­nos, outros condenados sem culpa a cativeiro, como são as mulheres, filhos e parentes pela culpa dos seus pais, outros tomados em guerras injustas, porque não tratam de jure senão de quem mais pode. Outros véndidos por seus pais sem necessidade bastante; outros por um artifício fraudulento de homem morto que descubra o matador, quando querem cativar algum com toda a família, e outros por outros modos muitos. De sorte que dizem os práticos que, de mil escravos que vêm ao reino, os novecentos são mal-cativos" 7•

Quer dizer, paralelamente aos ardis e maranhas usados para reduzir os indivíduos à escravidão, serviam-se igualmente de ordálios, cerimônias má: gicas como a chamada "água vermelha", "ferro em brasa", o "interrogatório de defunto" etc., para extorquir confissões de delitos ou infrações às normas de conduta social não praticados, mas de que os pacientes tinham de assumir a responsabilidade, a fim de escapar a sanções ainda mais graves. Então, os régulos, mancomunados com os mágicos, tantas vezes com a finalidade de se locupletarem com os seus bens, os vendiam e a suas famílias como escravos aos negreiros europeus (ou aos seus intermediários), que nos navios aguar­davam pacientemente a ambicionada carga. Admitimos, contudo, que o nú­mero de escravos conseguidos através de ordálios deva ser infinitamente menor do que os provenientes dos assaltos, razias e guerras movidas pelos grupos étnicos mais numerosos e melhor armados, contra os seus vizinhos mais débeis e sem grandes meios de defesa.

Com esses tipos de captura, aliados a tantos outros desenvolvidos no sentido de aumentar o volume de cativos - em especial quando, no decurso do século XVII, as atenções dos europeus se viraram para a exploração eco-

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nômica das Antilhas e Américas com maior interesse - assim se foi alterando e "melhorando" o mecanismo do tráfico numa mesma proporção em que os negreiros procuraram formas mais sofisticadas de ludibriar as autoridades (e à medida que estas podiam exercer, nos portos de embarque, alguma fiscaliza­ção), no tocante ao pagamento de taxas de direitos aduaneiros pela saída de escravos. Neste particular, não nos devemos esquecer de que cada escravo era, em regra, objeto de uma dupla tributação: a imposta pelas autoridades afri­canas do interior, nas áreas das suas jurisdições, a fim de permitirem o trân­sito (a taxa de passagem) até aos portos do litoral, ou cobrada nas feiras orga­nizadas para o efeito (é o caso de Angola, do Daomé e outros); a outra, exi­gida pelas autoridades européias nas suas alfândegas, para a saída dos escravos com destino às Américas. Quanto às primeiras, tinham maiores probabilidades de efetuar a cobrança dos tributos, até pela circunstância de, em muitos casos, os navios negreiros preferirem aportar e carregar em locai6 sem fiscalização por europeus - e então pagavam apenas o tributo exigido pelo régulo; as autoridades européias possuíam um mecanismo de fiscalização extremamente vulnerável, virtualmente ineficaz, pelas mais diversas razões. Entre as autori­dades africanas vigorava um processo relativamente perfeito no controle do fisco, pois os seus agentes de fiscalização eram intimidados pelos métodos de ordálios a que poderiam ser submetidos; ao passo que as européias estavam inteiramente à mercê do procedimento, honesto ou doloso, dos agentes a quem confiavam a cobrança· dos direitos. Numa grande parte, neste caso, residia a fraqueza do controle do tráfico. E isto conduziu-o à total indisciplina, à desar­ticulação e ao afundamento. Os arrendatários do negócio, os intermediários e os traficantes marginais, quase todos tiraram grandes lucros das transações; e a Coroa portuguesa teve de se contentar com as sobras e a cobrar aquilo que era impossível escamotear ao fisco. Os europeus intervenientes na compra e condução dos escravos (aviados, tumbeiros, lançados. jilas) e os agentes da Coroa, todos mentalmente mais evoluídos, cedo perderam o medo à sanção mais temida na época - a excomunhão. A partir daí, passou a campear o suborno, a mancomunação, entre arrendatários do negócio e os Feitores, escri­vães e toda a gama de agentes régios, permitindo o embarque de levas enormes de escravos sem o pagamento dos direitos devidos. Para a negociata se tornar menos escandalosa, os navios carregavam um limitado número de escravos, devidamente despachados na alfândega, e aprestavam-se para a largada. Depois do pôr-do-sol, retirados os fiscais dos portos, então o navio recebia um número duplo ou triplo de escravos, sem deles pagar os direitos correspondentes. Os Feitores e o marcador (o detentor do ferro em brasa para a marcação) rece­biam deoois as suas "luvas".

Para não nos alongarmos nas citações, limitamo-nos a apontar dois exem­plos em períodos e áreas diferentes: Angola e Rios de Guiné, em 1592 e 1622, respectivamente.

"A1ém do qual - escreve Abreu e Brito - ficou claro usar-se por costume em a Feitoria andarem munidos os oficiais da Fazenda ... ) em massa com os ditos Feitores e juntamente terem em seus poderes a marca com que se marcam as peças (leia-se: escravos) que saem da nossa

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Feitoria, por onde se entende que, estando as marcas em poder dos Fei­tores do contrato e morarem na Ilha de Luanda apartada da vila, que possam marcar todas as peças que quiserem e mandá-las, por sua conta, concertarem-se com as partes ... ", "e para dar ou mandar dar a segun­da busca em as naus depois de pelos oficiais da nossa Fazenda serem os navios despachados e buscados porque se tem por certo que nenhuma das ditas naus, ou navios, saem do dito porto sem levarem a tetça parte da escravatura furtada aos direitos ... " 7•

De seguida, anotemos o que se passava em Cacheu na primeira metade do século XVII (1622), segundo o testemunho do governador D. Francisco de Moura:

"Costumam as naus que daquele porto de Cacheu vão para 1ndias levar de registro de ordinário 100, 120, 150 · peças e o de maior quantia 200, levando daí para 1ndias cada um 800 até 1.000 peças, das quais não pagam ( ... ) mais direitos que os da quantia de registro, usurpando e tirando as mais, de que não pagam nenhuns direitos nem para a Coroa de Portugal, nem pela de Castela, roubando à Fazenda de V. Mai. pela Coroa de Portugal 28 cruzados em cada peça, e pela de Castela, 40" 8•

Como se vê, a denúncia das fraudes foi feita muito cedo e consoante o decorrer dos tempos assim se aperfeiçoaram, avolumando por conseqüência o descaminho aos direitos. Não nos esqueçamos de que, em dadas épocas, os governadores foram, cumulativamente com os seus cargos, "exportadores" oficiais de ·escravos. Por outro lado, estamos apontando apenas as saídas clan­destinas, fraudulentas, referidas pelos agentes do rei. E a quanto montarão as "exportações" feitas através de portos desprovidos de autoridades, quer por portugueses, quer por estrangeiros? Quer nos rios de Guiné, quer em Angola, os navios estrangeiros faziam o que lhes dava na real gana, com total desprezo pela invocada "soberania" portuguesa, mangando com as autoridades legí-· .timas, porque sabiam que estas não dispunham de qualquer meio militar para impedir essas infrações. O casb de Ambriz, na metade do século XIX, por si só é edificante. As autoridades portuguesas viviam conscientes da sua impo­tência; desempenhavam um simulacro de autoridade. Se, porventura, isto se desse em uma ou outra época e em um ou outro local, ainda poderíamos acei­tar o fato como o produto de uma conjuntura. Mas, não. Do início ao fim do tráfico, isto foi constante nos setores de que Portugal se considerava (e legi­timamente) a potência soberana. Talvez vivendo muito dos chamados "direitos históricos de desçoberta ou conquista". E com o Ato Geral da Conferência de Berlim de 1884/1885, tudo isto se esfumou, se desvaneceu, não apenas pelas vicissitudes por que o tráfico e o próprio comércio livre passaram, como pela viragem de 180° sofrida na política das grandes potências em África. E o pior é qué o desastre veio a atingir, de uma só vez, pequenas e grandes nações, e os próprios artífices dessas manobras tortuosas com que visaram ao açambar­camento do comércio e do domínio político nos vários continentes. Asseme­lhou-se à chamada "ação do aprendiz de feitíceiro". Mas . . . isso é outra história que nada tem a ver com o nosso tema.

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Passada uma rápida revista ao panorama dos contratos de arrendamento e outras formas de negócio de escravos e de mercadorias e às vicissitudes que caracterizaram o tráfico, viremos as nossas atenções para as condições como evoluiu a formação das Companhias de comércío que, no fundo, tinham o intuito de enveredar pelo tráfico de escravos. Obviamente que neste aspecto pomos de lado, por desnecessário ao nosso objetivo, as Companhias das 1ndias Orientais, ou organizações mercantis desse estilo, viradas para o extremo-orien­te. O nosso interesse é a atuação no Atlântico norte e centro e, por vezes, até ao sul, ou seja, a região sobre a qual se orienta o nosso trabalho.

Em conseqüência do estipulado no Tratado de Utrecht, as sete provín­cias da Holanda (os chamados Países Baixos) fundiram-se, e isto abriu cami­nho à guerra comercial contra os países ibéricos. Para tanto, em 3 de junho de 1621, é criada a Comp,anhia das lndias Ocidentais, com as mesmas carac­terísticas que haviam sido imprimidas às das 1ndias Orientais, em 1602. Os grandes objetivos que presidiram à decisão foram "o de fundar colônias e promover a prosperidade nacional, alcançando e distribuindo lucros que cons­tituíram o chamariz da construção dos capitais privados; e o de deslocar a guerra do território continental para as regiões ultramarinas, interceptando à Espanha a corrente importadora dos tesouros do Peru e do México e desvian­do-a para a Holanda. Para a consecução deste último escopo, a Companhia das 1ndias Ocidentais teria de ser, e foi, nada menos que sociedade de pirata­ria e de corso, de grande envergadura. Necessitaria, portanto, de capitais avul­tadíssimos para exercitar a sua atividade mercantil e c;olonizadora e para sus­tentar a guerra naval no Oceano Atlântico" 0

• Daí qur o poder executivo ti­vesse legislado no sentido de que "dentro de 24 anos nenhum habitante do§ Países Baixos ou do estrangeiro, (sob) pena de confisco de fazendas e naviqs, poderia, a não ser em nome da Companhia, navegar ou negociar nas, costas e países da África, desde o Trópico de Câncer até ao Cabo da Boa Esperança, nem nos países da América ou 1ndias Ocidentais, a começar da extremidade sul da Terra Nova, pelos estreitos de Magalhães" 0 • Ao mesmo tempo proce­deu-se à estruturação da comissão executiva que iria pôr em funcionamento esse colosso comercial. Com semelhante decisão deixou de existir navegação e comércio privados nos Países Baixos.

Ao estabelecer-se o princípio de intercepção (bem visto pela força da pirataria), temos de subentender que, estando Portugal sob o domínio espa­nhol, os seus interesses estavam implicitamente ameaçados, como se verificou com o cerco à Bahia em 1.º de maio de 1625 e em 13 de fevereiro de 1630 e pela ameaça da esquadra holandesa ao Recife e sucessivamente a Olinda. A fraqueza militar de Portugal não lhe permitiu evitar a ocupação efetiva, e por décadas, daquele setor do Brasil onde Maurício de Nassau estabeleceu o governo e a administração em nome e benefício do ~eu país. ,,

:e. por demais evider1te - mesmo em face da cronologia - que os Países Baixos (e até Portugal, ainda que tardiamente) mais não fizeram do que se inspirarem, n~sse tipo de empreendimento, no exemplo da Inglaterra. Esta, como dona dos mares daoueles tempos, fundara em 1618 - e depois em 1631 - "com privilégio de comércio da costa da Guiné" 3 - Companhias mercan-

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tis poderosas, isto "depois de outras tentativas malparadas, companhias de A/rica, que não deram resultado apreciável e iniciavam-se, sem êxito (é certo), em 1606 e 1620, várias Companhias para o comércio do norte da América"ª·

"As tentativas de organização por parte da Inglaterra de Companhias destinadas a explorar o comércio africano ( ... ) prosseguiram e, em 1661, formava-se uma nova companhia, à qual era concedido o comércio de todos os territórios situados desde o Cabo Branco até ao Cabo da Boa Esperança, bem como a facilidade de estabelecer feitorias em todas as ilhas adjacentes que pertencessem à Inglaterra, ou que não pertencessem a nenhum príncipe cristão. Esta Companhia era reorganizada em 1683, concedendo-se-lhe novos privilégios, entre eles o direito exclusivo de for­necer os negros necessários às colônias inglesas da América do Norte" (p. 9) ª·

Tito de Çarvalho 3 confirma os pontos de vista apresentados por Walde­mar Ferreira 9 e de qutros autores que se otuparam destes temas, ao escrever: "Os primeiros anos do século XVII foram testemunha de uma verdadeira febre de criação de Companhias coloniais", todas elas com a finalidade evidente "de destruir a influência e o domínio espanhol e português na América", as chamadas Companhias das lndias Ocidentais, "que tão grandes danos causou ao nosso comércio naquelas paragens e tão grandes dificuldades suscitou ao nosso domínio, que tivemos de defender e recuperar à custa de lutas sangren­tas" - seja no Brasil, seja em Angola. Nada mais exato! Mas convém não esquecer os prejuízos que essas organizações, onde as casas reinantes inves­tiam quantiosas somas e concediam enormes privilégios para permitir a sua criação e funcionamento, causaram ao comércio e ao tráfico português na Af ri­éa Ocidental, podendo-se afoitamente afirmar que, em· parte considerável, foram elas uma das causas da nossa decadência. Por outro lado, também seria injusto não procurar outras causas para o declínio da posição portuguesa: a enorme extensão territorial que a Coroa pretendeu conservar, sem ter em linha de conta a fraqueza dos seus recursos financeiros e humanos, cqmo mais de uma vez temos vindo a acentuar.

Resta apreciar o papel da França nesse contexto. Aqui começamos pela fundação, em 1626, das Companhias de comércio e colonização da América, como sejam as de Morbihan e das ilhas da América 3 • Depois de experiências válidas e de outras falhadas, voltou-se para a formação de empresas dotadas de consideráveis cabedais, orientadas para a exploração colonial. Em 1664 surge a poderosa Companhia das fndias Ocidentais, que absorveu "nas suas concessões todas as possessões francesas da América e toda a costa ocidental da África" 8• Veio a ser dissolvida em 1674, "dando origem, pela venda dos seus direitos no Senegal, à nova companhia deste nome, fundada em 1673" 3• Em 1684 a França estabelece a Companhia da Guiné "à qual se outorgaram con­cessões iguais às que se haviam dado à Companhia das fndias Orientais e à do Senegal, e que tinha por um dos seus principais fins o fornecimento de negros às colônias da América, e em 1698 a Companhia do Mar do Sul ou do Pacífico" 3• A toda uma série de companhias, atuando nos mais diversos sentidos geográficos (do Canadá ao Cabo Negro e à China) "vieram (os fran-

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ceses) sucessivamente àgregar-se à Companhia do Ocidente para formarem em 1719 a Companhia das fodias" ª. Sumariando, apura-se que a França, de 1626· a 1715, fundou "nada menos do que 52 companhias (e) desde este último· ano até 1785 só se fundaram 12. A maior parte das concessões, depois de 1715, passaram para a administração real" 3•

No âmbito territorial em que nos situamos, a Espanha apenas entra aci­dentalmente e pela mão de Portugal na Companhia Real da Guiné, em 1699, como mais adiante tentaremos esclarecer melhor; em 1720, por iniciativa de um francês, cria a Companhia do Corisco, ilha fronteira à antiga Guiné Equa­torial; e finalmente em 17 4 7 funda uma empresa, mas sem direito a mono­pólio ou privilégio especial. Em relação à África, a atuação de espanhóis não teve, como se vê, significado maior.

Como bem observou Tito de Carvalho 3, ao findar o século XVIII, "o prc:stígiq (e a grandeza) das grandes companhias (monopolistas) ces­sara de todo, e a ruína da companhia holandesa veio afastar do sistema todo o favor da opinião pública. A(s) companhia(s) que se engrandecia à custa dos portugueses e dos espanhóis encontrou nos ingleses a causa da rua ruína. · Desapossada dos seus territórios, tornou-se para o Estado, ao qual dava lucros consideráveis, origem de pesados encargos. O seu papel de soberana e de comerciante fora a causa principal da sua ruína (da ruína do sistema). No fim do século, a sua situação financeira era deplorável. Das três grandes companhias, que tinham sido o molde e o estímulo para a criação de tantas outras, a holandesa, a inglesa e a fran­cesa, só a inglesa se con~ervava ao findar o século XVIII" 8 •

Voltamos agora as nossas atenções para a posição de Portugal nesta polí­tica de formação de organizações mercantis, na costa ocidental africana, em todo o período em apreço, isto é, a partir dos falhados sistemas de arrenda­mento de áreas onde se podia comerciar e simultaneamente fazer o resgate de escravos.

Antes de abordar o problema da formação de empresas destinadas a atuar na costa africana, queremos fazer uma alusão à primeira Companhia de estanco, criada devido à atuação tenaz do Padre António Vieira e orientada para o comércio com o Brasil, uma vez que as coisas em África não corriam de feição para Portugal.

O "comércio e a navegação ( em geral) iam definhando a olhos vistos" 3, quer para a fodia, quer para o Brasil. A Coroa, como sempre com os cofres vazios, não podia dar apoio a iniciativas que demandassem capitais avultados. Para além da penúria interna de meios financeiros, os créditos da casa real junto dos prestamistas estrangeiros eram minguados, para não dizer nenhuns. Por outro lado, segundo o pensamento de muitas camadas mais esclarecidas da sociedade portuguesa, entendia-se "que o comércio se devia franquear às na­ções neutras ou amigas, que se deviam fazer nobres os mercadores de grosso e pequeno trato, e abolir as distinções entre cristãos-novos e cristão-velhos" 8

Aqui o problema mais melindroso era ainda o último: o religioso, a perse­guição aos judeus.

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"D. João IV entabelou negociaçoes com os cristãos-novos para a constituição de uma companhia de comércio, prometendo-lhes, de acordo com as indicações de Vieira, isenção de confisco para os seus bens. A Inquisição conseguiu obter um breve pontifício, anulando o alvará em que fora consignada a isenção do confisco. Vieira não esmoreceu no seu empenho, e em uma erudita mem6ria demonstrou que o breve fora obtido com falsos fundamentos e não podia ser admitido. Entretanto, os apuros da guerra que cada vez aumentavam e as dificuldades cada vez maiores no Brasil com os holandeses acabavam por dar razão ao plano de Vieira, que se julgou poder oferecer remédio a tão grandes males" 3 • •

:e nessas condições que o alvará de 6 de fevereiro de 1649 mandou criar a "Companhia Geral do Comércio do Brasil", com estatutos aprovados a 10 de março seguinte, fixando a duraçâo por 20 anos. A despeito dos termos do breve e da feroz ooosição da Inquisição, ficou expresso no alvará a isenção do seqüestro, confisco e condenação dos capitais aue entrR"~em na emoresa, e pertencentes a "cristãos-novos penitenciados pelo Santo Ofício por crimes de heresia,. apostasia ou judaísmo, exceto aqueles que morressem impenitentes, com pertinácia em seus erros judaicos ou heresias" 3 • Pensa-se que tivessem entrado na Companhia capitais de judeus portugueses.

Quais foram as obrigações e os privilégios concedidos? "Obrigava-se a Companhia a fabricar e armar trinta e seis navios de guerra, dos quais dezoito em cada ano, que ( ... ) fossem e viessem dando comboio às embarcações e fazendas do Brasil, em utilidades e bem comum de todos os meus vassalos e dos direitos das minhas alfândegas" 3 • Em contrapartida, 'à empresa "foi con­cedido o estanco ou exclusivo de quatro gêneros de mantimentos para o co­mércio com o Brasil, a saber: vinho, farinhas, azeites e bacalhau. E com este fim se permitia mandar ao Alentejo e outras partes comprar os trigos, os vinhos, azeites e carnes ... " 3 • S6 mais tarde lhe foi concedida a administração do contrato do pau-brasil.

Não se pode subestimar o auxílio prestado pela frota desta empresa no combate, em junho de 1653, aos corsários que infestavam as costas do Brasil, até à capitulação de Pernambuco, a 26 de janeiro de 1654.

O decreto de 2 de fevereiro de 1657 revogou o privilégio do confisco dos cabedais entregues na Companhia; e o alvará de 9 de maio de 1658 pôs termo ao regime de estanco, em face das reclamações.

Em relação propriamente à África, tudo começa com um requerimento dos irmãos Lourenço Pestana Martins e Manuel da Costa Martins, o primeiro fundidor da Casa da Moeda de Lisboa, solicitando ao rei permissão para "fre­tarem uma nau por sua conta e de outros companheiros e mandarem com algumas fazendas a fazer comércio que (a) capacidade da terra lhe oferecesse, a qual aportou naquela costa (de Guiné defronte do Cabo Verde) onde cha­maram Palmida", isto porque depois de o haverem tentado uma vez verifica­ram que "o rei e gente da terra, de cor preta, de boa índole (estavam) dese­josos do comércio com este reino e agradecidos a qualquer pequena oferta, a terra muito habitada e pela novidade de verem gente estranha acudiu o rei

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ao porto e muitos naturais, alguns em cavalos, e sem armas, ofereceu o rei aos do navio comércio ( ... ) alguma goma-arábica e couros". Referem ainda "à notícia de haver ouro e âmbar, e por ser a terra fértil e se comunicar com África e a habitarem muitos mouros, poderá ter outras mercadorias e assentar-se num comércio de muita utilidade a este reino, continuando-se com duas naus que façam viagens alternadamente e fabricando-se uma casa forte com arma­zéns em que assiste feitor ... ". Todavia, não deixaram de advertir que "não convirá por ora virem muitas naus nem serem poderosas por que não pareça ao rei e maiores mais conquista que comércio e chegando a desconfiar se impossibilitaria o comércio, e como são muitos e armados correrão risco as pessoas aue desembarcarem, como se experimentou em muitos portos da 1ndia ... "10•

Depois de alguns comentários de menor relevo, a petição conclui por so­licitar a mercê de "conceder-lhes o comércio da dita costa com proibição de não poderem ir ou mandar a comerciar nela outras pessoas ou navios, naturais deste reino, ou estrangeiros, sem ordem ou consentimento dos suplicantes ou seus herdeiros, com as penas impostas pela Ordenação aos estrangeiros que vão aos portos das Conquistas deste Reino . .. " 10•

A petição está apenas assinada pelos dois interessados, mas não datada. l! encimada por um despacho régio de 7 de agosto de 1664, pedindo o parecer do Conselho Ultramarino. Em anexo, uma planta muito tosca do projetado (ou apenas pensado) forte e armazéns a construir em Palmida. Arguim é uma pequena localidade situada a sul do Cabo Branco e, portanto, também a sul da fronteira do Saara ocidental.

A 9 de agosto do mesmo ano, o Conselho Ultramarino deu o seu parecer favorável à petição, invocando, além do mais, a circunstância "de haver fal­tado nele o comércio dos portugueses, e por se desviarem dos holandeses que continuam, e navegam muito pelo rio Sanagá". Assinam-no o Conde dos Arcos, Francisco Miranda, Feliciano Dourado, João Fabião Soares, Miguel Zuzarte e uma outra rubrica ilegível. Sobre ele o rei profere, em 22 de agosto de 1664, o despacho confirmativo, fixando o prazo de oito anos para a concessão e mandando nomear o capitão e oficial para a Feitoria. Com assinatura ilegível há um averbamento de 26 desse mesmo mês de agosto da provisão dada a "Lourenço Pestana Martins e a Manuel da Costa Martins para que possam mandar à costa do Cabo Verde, aonde chamam Pinda (?), os navios que lhes parecer, à sua custa, sendo portugueses, e, isto por tempo de oito anos ... "11

Fica-se confundido com a alusão a Pinda, topônimo que não é conhecido na área. A respeito desta concessão, Sena Barcelos, apontando para a data de 4 de outubro de 1664 (inexistente nos originais compulsados), refere que a "feitoria era o começo da primeira colonização, nessa região, de povos não avassalados, sendo os portugueses ali pouco conhecidos. Dessa colônia figu­ravam apenas dois portugueses: Nicolau Paulo e Pedro Pato; e os franceses Matheus Coset, Ricardo Hodoly, Ricardo Vileuset, Geraldo Vamol, Samuel Clifon, Duarte Marjou e Jácome Vancourt" 11

·Parece que nos alongamos muito nas referências a este primeiro simulacro de instalação de uma Feitoria (ou Companhia!) na região de Arguim. Mas

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convinha esclarecer a situação do empreendimento, até porque nos Arquivos não encontramos elementos que permitam concluir do êxito ou do fracasso da tentativa. Em nossa opinião, tudo redundou em nada. Que cabedais po· deriam obter um fundidor da Casa da Moeda e o irmão, cuja profissão nem sequer é indicada no pedido? Estes documentos comprovam bem a penúria de recursos e, mais do que isso, a inexistência de iniciativas arrojadas.

Marcou, é certo, uma posição na época em que o litoral até ao Senegal - e para o sul - estava já dominado por franceses, holandeses e ingleses.

Passados 12 anos é que aparece o primeiro empreendimento com o apoio estatal, e mesmo esse bastante precário, como se verá ao analisarmos a evo­lução das diferentes Companhias portuguesas orientadas para o comércio e tráfico de escravos na África ocidental. E este esboço de empreendimento surge porque o Brasil, a sua exploração econômica, exige mais do que palavras vãs ou promessas não cumpridas, adiadas sucessivamente. Precisa de algo de con­creto, em larga escala e condizente com a vastidão do seu território.

"A África Portuguesa - diz Tito de Carvalho - não preocupara no século XVII os nossos governos e os nossos negociantes tanto como o Brasil e a fodia, para onde convergiam as atenções. Mais se olhava para algumas possessões do continente africano como fornecedoras de escravos que iam auxiliar a exploração dos territórios da América. Con­tudo, também a idéia da formação de companhias coloniais não deixou de ser aplicada às possessões africanas, embora na criação de tais com­panhias se tivesse por principal intuito o trdfico da escravatura"ª.

Exato. O que a África dos séculos XVI e XVII (e mesmo depois) poderia oferecer aos europeus e às áreas onde estes se espraiavam, nas Américas, além de escravos e. . . só escravos? As oleaginosas só apareceram mais tarde.

Em Portugal, a formação de companhias de navegação, comércio e trá­fico de escravos surge por influência das empresas do gênero a que temos feito alusão, como as Companhias das índias Ocidentais. cuja prosperidade inicial chamou a atenção das camadas mais conscientes e lúcidas da sociedade. Eram desejadas, em particular, quand9 se radica no espírito de alguns a idéia de que, sem o fornecimento de escravos em quantidades apreciáveis, não era viável incrementar a agricultura canavieira (e outra), o cultivo do tabaco, a criação de gado, o funcionamento dos engenhos para fabrico de açúcar e de aguardente, na Bahia, em Pernambuco e mesmo no Maranhão e no Pará. Mas os desejos e as boas intenções soçobravam perante o principal obstáculo tantas vezes aqui referido: a falta de capitais. E mesmo quando num rasgo de "audácia" se dá seguimento à idéia, as empresas surgem anêmicas, sem seiva, receosas da concorrência, com apoios frustres e incertos dos poderes públicos, como teremos oportunidade de apontar.

A primeira Companhia atuante na costa ocidental africana foi a de "Ca· cheu e rios de Guiné", cujo alvará de aprovação data de 19 de maio de 1676 12, que funciona - e mal - durante 6 anos.

A sua debilidade financeira é de tal modo palpável que foi necessário conceder-lhe a faculdade de fazer o tráfico de escravos. Para aumentar os seus rendimentos, foi autorizada a cobrar um imposto suplementar de 3 bara-

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fulas 13, a recair sobre cada escravo saído de Bissau e Cacheu, com destino a

Cabo Verde, ao Reino ou ao Brasil, isto independentemente do direito de co­brança de taxas alfandegárias (direitos de importação e de exportação sobre as mercadorias, escravos e gêneros de produção africana - como cera, goma, marfim, couros, gatos de algália etc.). Tinha o privilégio de, em exclusivo, assegurar a navegação de e para Portugal e o Brasil; de proibir a entrada nos rios de navios estrangeiros etc. Mas, em compensação, devia arcar com as despesas de construção, manutenção e conservação das fortificações; de pagar os ordenados aos agentes seculares, eclesiásticos e militares; de assegurar o fornecimento de pólvora, murrão, artilharia, armas etc., para defesa das Pra­ças, designadamente as de Cacheu, Farim, Zeguichor, Bissau e Guínala.

A vida da empresa decorreu sempre num ambiente de dificuldades de meios de toda a ordem, ante os enormes atritos havidos com os negociantes estantes nas mencionadas Praças e nas Ilhas de Cabo Verde - designada­mente estas últimas, que lhe moveram uma guerra surda e sem tréguas, con­correndo com ela por todos os meios, lícitos e ilícitos, com reclamações cons­tantes para Lisboa, queixando-se das prepotências dos agentes da organização. Como de quase todas as outras que se lhe seguiram, pouco se conhece de positivo do resultado da sua atividade.

Findos os seis anos fixados pelo alvará, a "Companhia de Cacheu e rios de Guiné" foi extinta e rapidamente substituída pela "Companhia do Estanco do Maranhão e Pará",, pelo alvará de 12 de fevereiro de 1682, com o exclu­sivo por 20 anos e com a função de proceder ao abastecimento daquelas Capi­tanias de mercadorias de que careciam, designadamente baeta, ferro, aço, panos diversos, cobre, facas, contaria (sobretudo velório), tecidos vários como serafina, chamalote, gorgorão, primavera, calhamaço, tafetá e outros; adqui­rir os gêneros de produção local - cravo, cacau, tabaco, baunilha - e intro­duzir 10.000 escravos africanos no decurso dos vinte anos, ou seja, à média de 500 por ano, tudo isto pelos preços e condições fixados no próprio con­trato 14•

Esta empresa, embora gozando de especiais privilégios, teve vida atri­bulada e curta, e d_a sua atuação pouco se conhece de positivo. Uma sedição capitaneada pelos irmãos Beckman., com o concurso de negociantes e de parte do povo, fez com que o governo a extinguisse dois ou três anos depois, ainda que tenham sido punidos alguns dos responsáveis pela revolta.

Acerca desta Companhia, o distinto historiador brasileiro Nelson Sodré escreveu:

"Numa tentativa para alterar esse quadro, entretanto, a Metrópo­le, sob regime pombalino, institui o comércio em bases e normas que acabarão por levar à ruína e ao conflito. A atividade da Companhia privilegiada deveria consistir em introduzir escravos africanos e uten­sílios necessários à população e receber, em pagamento, as drogas locais. Deu-se um contrato de largo prazo, vinte anos, em que lhe caberia trazer 10.000 negros, e os gêneros especificados a preços também especifica­dos. E o resultado foi o desastre [ ... ] chegavam as peças da lndia (eufe-

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mismo com que se designava a odiosa mercadoria), e se distribuíam pelos moradores, que ficavam obri~a--:ios ao pagamento em três anos" 111

( o grifo é nosso). O único reparo que nos mereceu o texto é o relativo à formação da em­

presa sob regime pombalino. Não nos esqueçamos de que Pombal nasceu em 1699 e a Companhia foi formada sete anos antes - 1682! Em todo o resto, não há qualquer divergência de pontos de vista.

Poucos anos volvidos, ou seja, a 3 de janeiro de 1690, é criada a Com­panhia de Cacheu e Cabo Verde, a atuar durante seis anos e gozando de certas e determinadas regalias e privilégios (isenção de direitos alfandegários e do consulado na entrada e saída de gêneros etc.), mas obrigando-se a arcar com os encargos resultantes do pagamento de ordenados aos agentes do rei e ma­nutenção das fortificações. Como era norma na época, uma das suas funções consistia numa ativa ação no sentido de impedir o comércio de e com es­trangeiros.

Como as suas congêneres, a vida financeira dessa empresa foi sempre precária. Para acudir à angustiosa falta de mão-de-obra no Maranhão, a Coroa teve de lhe conceder, por duas vezes, um pequeno subsídio para ela poder adquirir escassos 145 escravos de Guiné, a serem fornecidos aos lavradores daquela Capitania. Assim, em carta de 21 de dezembro de 1692, dirigida ao governador, dizia o rei:

" ... fui servido mandar aplicar os 20.000 cruzados que estavam desti­nados para emprego das drogas, para a compra dos negros, e se ajustou com a Companhia de Cacheu metesse 145 que comporta a dita quantia e se estabelecesse este negócio com aquelas condições que há-de constar do assento que se fez, os quais escravos se venderão a meus vassalos, por aquele preço em que a minha Fazenda tenha conveniência" (parte l, p. 135) 16•

Pouco ou nada podia fazer melhorar a situação da empresa a injeção de tão magra quantia, e os lavradores continuaram o, seu coro de lamentações con­tra a carência de mão-de-obra. Tanto assim que, em carta de 17 de dezembro de 1693, de Lisboa para o Maranhão, voltava-se a apontar outra decisão régia no sentido de "que se repetisse este mesmo provimento dos negros, mandando ajustar este contrato com Gaspar d'Andrade, caixa da Companhia de Cacheu, e que se obrigou a fazer navegar o mesmo número que contratou na ocasião passada ... " (parte 2, p. 149) 16

Dois anos passados, a situação era a mesma. :e isso que se deduz da carta do rei para o governador do Maranhão, datada de 19 de março de 1695, na qual se diz:

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"Com a Companhia de Cacheu se ajustou no ano passado o assento de que meteria nesse Estado 145 negros e negras por preço de 55 mil réis cada escravo, como se havia feito no ano antecedente ... por ser mui útil este procedimento para esses moradores. . . no trabalho dos seus engenhos como na cultura das terras, para o que recebeu logo o caixa da dita Companhia a quantia de 20.000 cruzados e se obrigou a

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mandá-los debaixo das condições que ele se contratou. . . porque indo, no dito ano passado o navio à Ilha de São Tiago de Cabo Verde para carregar os ditos escravos, e tendo os seus administradores metido a maior parte da carga deles, sucedeu naufragar, e conforme as condições do mesmo contrato seja obrigado a mandar a mesma quantia" (parte 1, p. 153) 18•

Na realidade, 145 escravos a 55.000 réis cada um dão aproximadamente os 20.000 cruzados - ou seja, 8 contos de réis. Não é, todavia, crível que o custo na origem atingisse os 55.000 réis!

Depreende-se deste texto que o carregamento de 145 escravos, feito em 1692, perdeu-se em conseqüência do naufrágio do navio; e o prejuízo coube à Companhia.

Estas sucintas citações podem, de algum modo, confirmar as nossas pre­visões quanto à vida financeira da empresa, através de todo o período da sua atividade.

A mesma Companhia de Cacheu e Cabo Verde, para poder entrar em ação, recebera um auxílio de 200.000 patacas, por decisão de D. Pedro II, ficando por isso mesmo o governo interessado nos eventuais lucros. Para além da zona dos rios de Guiné, foi-lhe permitida a instalação de depósitos de mercadorias para "o tráfico nos rios do Cabão e Camarões, Ilha de Corisco e Cabo Lopo Gonçalves, e na Ilha do Príncipe. Para esta ilha foi mandada do reino uma companhia de infantaria que era paga pela Companhia, e ali se criou uma alfândega e se constituiu a fortaleza da Mina" 3 •

No termo da vigência dessa Companhia, isto é, em 1696, Portugal nego­ciou com a Espanha o Assento para a introdução nas 1 ndias Espanholas de certo número de escravos, em portos determinados, como os de Cumaná, Ca­racas, Havana, Cartagena, Honduras, Portovello e Vera Cruz, isto é, em Cuba e na América Central, a preço de 112,5 pesos por tonelada, e por um período de 6 anos e 8 meses. O assento foi aprovado por Portugal a 27 de julho de 1696 17• Serviu de base para a designação de Companhia Real de Guinea. O tráfico de escravos, sobretudo no rio dos Forcados, São Tomé e Ilha do Corisco, passou assim (embora efemeramente) para as mãos dos espa­nhóis, mas sem que fosse mais eficiente ou vantajoso.

As vicissitudes por que passava o tráfico, nesse final do século XVII, levaram Portugal a celebrar com a Espanha um tratado, a 18 de junho de 1701, no qual cedia, por mútuo acordo, à Espanha as ações e direitos que tinha na empresa (antes apontada), mediante o pagamento pelo governo espa­nhol à Companhia de "300.000 cruzados em satisfação dos danos recebidos e de todas as ações que a Companhia podia ter contra a Fazenda de Hespanha com o juro de 8 por cento" 3 •

Por essa altura, a empresa sofrera perdas avultadas com o ataque feito pela esquadra francesa aos seus armazéns na Ilha do Príncipe. Tudo leva a crer que com estes prejuízos ela tivesse entrado numa fase difícil da sua atividade e daí que, por decreto de 25 de agosto de 1706, fosse declarada extinta, revogados os seus privilégios e iniciada a liquidação. do seu patrimô-

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nio, como se infere do decreto de 10 de maio de 1719 que refutou o ajusta­mento das suas contas. De tudo quanto se conhece posteriormente a essas datas, pensa-se que os negócios da Companhia tivessem continuado por mais uns anos "pelos seus antigos feitores e caixeiros residentes na Ilha do Prín­cipe" 3 • A partir de 1720, segundo tudo indica, a empresa tomou a designação de Companhia do Corisco (nome da ilha localizada próximo à Guiné equato­rial), fazendo ali a sua sede.

A vida atribulada dessa organização (e também das suas antecessoras e sucessoras) derivou fundamentalmente da pirataria e da guerra de corso per­sistentemente seguidas pelas Companhias das índias Ocidentais e, mesmo, por esquadras organizadas para o efeito por grupos de armadores de diferentes nacionalidades. Nem as Companhias monopolistas da segunda metade do sé­culo XVIII (e mesmo no XIX) escaparam à sanha destruidora deste tipo de organizações piratas. A Companhia do Grão-Pará e Maranhão atesta-o na sua escrita.

A análise da evolução das estruturas das Companhias, desde 1676 até o final do século XVII (e mesmo parte do XVIII), dá a perceber, à falta de outros elementos de informação, que se caminhou à deriva, sem orientação segura, precisamente pelas mesmas razões que conduziram ao afundamento do sistema de contratos de arrendamento de áreas de tratos e resgates e de licenças avulsas a que aludimos (século XVI): carência de dinheiro e de outros meios materiais, ausência de uma política firme e determinada - tal­vez pela falta de apoio dos agentes econômicos em Portugal, para poder en­frentar a tenaz concorrência desencadeada pelas potências ricas, como a Inglaterra, a França e a Holanda - e outras menos influentes. Portugal não possuía uma visão exata, precisa da situação. A fraqueza residia, principal­mente, na penúria de recursos financeiros. As áreas geográficas que conside­rava pertença sua - e exclusiva -, pela vastidão e pelos problemas ligados ao seu relacionamento com as populações africanas, facilitavam o exercício, pelos seus principais concorrentes, do comércio em geral, e o de escravos em particular, à revelia, situação essa agravada pelo tráfico clandestino feito pelos negociantes-armadores portugueses, com a colaboração ativa e o apoio dos lançados 4 estabelecidos nos diversos portos da costa ocidental africana e que, como dissemos em outro passo, também negociavam e colaboravam com ingleses e franceses, que lhes concediam mais vantagens e maiores lucros. E Portugal contentava-se em apelidar esse tráfico como negócio ilícito ou clan­destino, em face das diversas leis promulgadas no decurso do século XVI, e mesmo nos seguintes, isto talvez para esconder ou disfarçar a sua falta de meios materiais (navios e armamento) para pôr cobro a essas atividades con­trárias aos seus diretos e legítimos interesses.

Ao mesmo tempo, além dos próprios lançados, os concorrentes de Por­tugal gozavàm de larga proteção da parte das autoridades tradicionais afri­canas com as quais também negociavam, amansando-as com a oferta de cho­rudos presentes. Pode dizer-se que esta é a imagem perfeita - embora parcial

da situação criada e vivida ao longo dos tempos até o afundamento da

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influência portuguesa, primeiro no Golfo da Guiné ou Costa dos Escravos (a partir do Cabo das Palmas para sul, feitorias de Axim, Daomé, São João Baptista de Ajudá, Costa do Calabar, Fernando Pó, Ano Bom etc.) e, poste­riormente, a gradual mas imparável limitação da sua ação nos rios Sin,e, Salum, Gâmbia e Casamansa - ao norte do Equador - até a foz do Zaire, em Pinda, no Ambriz e Ambrizete, devido à política das grandes potências que tiveram assento na Conferência de Viena, em 1815, à proibição do trá­fico de escravos ao norte do Equador (também em 1815) e abolição geral determinada pelo decreto de 10 de dezembro de 1836; e, para finalizar, as decisões do Ato Geral da Conferência de Berlim (1884-1885), cujos efeitos, diretos e imediatos, no setor do norte , conduziram ao Acordo Luso-Francês de 12 de maio de 1886, que transferiu para a França a soberania sobre todo o curso do rio Casamansa. e então que Portugal via de jure (já que o estava de fato) a sua influência no setor reduzida ao pequeno enclave designado "Guiné Portuguesa".

Quer dizer, do arranque genial para a gesta da expansão marítima que o levou aos quatro continentes, Portugal esgotou nessa extraordinária tarefa todas as energias anímicas do seu povo e os cabedais que conseguiu reunir e, a breve trecho, entrou numa fase (irreversível e imparável, como a História o registra) de decadência, a confirmar os fenômenos da evolução do processo histórico dos povos . F~lizmente que ainda reagiu num dado período ao des­gaste da ação histórica para se lançar no desenvolvimento de algumas áreas, como seja o Brasil, criando um verdadeiro "continente", tão grandioso quanto pela unidade lingüística e cultural desafia a fragmentação, em pedaços de maiores ou menores dimensões - de povos e de territórios -, como a cha­mada América espanhola. Pode dizer-se que foi a última - e a maior - das suas criações, de onde extraiu riquezas imensas que a mentalidade específica. da sociedade reinante no antigo regime não soube aproveitar para o engran­decimento do pequeno e pobre rincão peninsular, onde teve de se refugiar, acossado pelos seus "ditos" aliados e de todos. Abstemo-nos da abordagem da política desenvolvida em África, e cujos efeitos e resultados são de todos conhecidos. E para dizer que os portugueses nem tiveram habilidade para pilhar, embora alguns lhes apontem todos os defeitos e vícios. Se, ao iniciarem a expansão eram pobres, regressaram ao cantinho da península Ibérica tão pobres de cabedais como haviam partido, embora alguns elementos das ca­madas intelectuais tivessem sabido "enriquecer" nessa experiência vivida nos contatos humanos, na miscigenação, no "dar" e "receber" como formas de desenvolvimento cultural. Mas, no meio de todo este processo da corrida à África, houve os que conheceram e recolheram proveitos materiais. ~ ver o exemplo da Bélgica que, penetrando no Congo, nos finais do século XIX, cerca de cinqüenta anos volvidos, soube, com inteligência e tenacidade, voltar ' , já como nação reconhecida, rica de bens materiais e de conheci-mentos da política africana. .

Com isto pomos ponto a divagações, para não nos desviarmos do enqua­dramento desta parte do trabalho.

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Apresentada esta espécie de introdução ao tema principal do nosso estu­do, passaremos a tratar das duas Companhias monopolistas que Pombal teve a superior visão de criar e, quanto a nós, a despeito de certos aspectos bené­ficos, um tanto tardiamente e desafiando o curso dos eventos históricos. Ti­veram, todavia, o mérito de retardar, pela sua ação positiva, do ponto de vista econômico e político, a decadência total já por essa altura visível.

Bibliografia e Notas do Capitulo 1

1 . "Algumas reflexões provocadas pela nova edição da Crônica de Guiné'', por Gago Coutinho. ln: Crônica de Guiné, de Gomes Eanes de Zurara. Introdução, novas anotações e glossário de José de Bragança. Livraria Civilização Editora. Biblioteca Histórica. Seção Ultramarina, Editora do Minho, Barcelos, 1973.

2. BRAGANÇA, José. Crônica de Gu{né, antes identificada, cap. VII, p. 43-47. 3. CARVALHO, Tito de. Companhias Portuguesas de Colonização. Lisboa, Impren­

sa Nacional, 1902, p. 8, 9, 11 a 13, 17, 31 e 32. 4. Lançados ou tangomaos eram os indivíduos que, à revelia das ordens régias, se

fixavam na costa africana, onde comerciavam em mercadorias e escravos. Esse grupo era constituído por brancos (cristãos, judeus, cristãos-novos) e, a partir dos finais de 1400, pelos mestiços oriundos de Santiago de Cabo Verde. Sobre este tipo de relapsos foi pro­mulgada abundante legislação, no sentido da sua captura, e até mandando-lhes aplicar a pena de morte, no caso de serem capturados pelas próprias autoridades africanas. Torna­ram-se no mais dinâmico grupo de traficantes da época. Opuseram-se a todos os desígnios da Coroa, concorrendo em considerável escala para a desarticulação e decadência do comércio em geral e do tráfico negreiro em particular. Quando por circunstâncias várias lhes restringiram os meios de ação, colocaram-se ao serviço de franceses e de ingleses, como seus agentes comerciais, integrando-se plenamente nas sociedades locais, inclusivamente pelo casamento com mulheres africanas. Ver a sua formação e desenvolvimento em Cabo Verde-formação e extinção de uma sociedade escravocrata - 1460-1878, 2. ed., Lisboa, 1983, cap. 2, p. 53-78.

5. CARREIRA, António. Notas sobre o tráfico português de escravos. 2. ed. Uni­versidade Nova de Lisboa, 1983.

6. MANNIX & COWLLEY. História de la trata de negros. Versão em espanhol. Madrid, Alianza Editorial. 1970, p. 25 e 42. ·

7. BRITO, Domingos de Abreu e. Um inquérito à vida administrativa e econômica de Angola e do Brasil - 1591. Prefácio e notas de Alfredo de Albuquerque Felner. Coimbra, Imprensa da Universidade, 1931, p. 36-37.

8. BRASIO, António. Monumenta Missionária Africana, série 2, Africa Ocidental, v. 3, doe. n. 110, p. 332; e v. IV, doe. n. 177. de 1622, p. 700. Nota: "nau de registro", navio mercante cuja capacidade de carga era fixada pela Alfândega de Lisboa. Do que se conhece deste tipo de navio, quase nunca os armadores respeitaram o volume de carga (nem o número de escravos) que podiam transportar. Excediam-no quase sempre.

9. FERREIRA, Waldemar. "A Companhia Geral do Comércio do Estanco do Brasil". Ili: Jornal do Foro, ano 19, Lisboa, 1956. Introdução por Guilherme Braga da Cruz, p. 17-18.

10. AHN. Documentos diversos anexos à planta n. 153, respeitante à Feitoria de Palmida. Cartografia manuscrita. Guiné, 9 ago. 1664.

11. SENNA BARCELOS, Cristiano José de. Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné. Tomo II, Tipografia da Academia das Ciências de Lisboa, 1900, p. 46-47.

12. O alvará respectivo está transcrito na íntegra em Companhias Pombalinas. 1. ed., Porto, 1969, p. 291-297.

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13. Barafula, tira, faixa, siga, banda de algodão de confecção africana, com uma braça de comprimento por 20 cm de largura, que desempenhou a função de moeda, com cotação variada no tempo de 200, 300 e 400 réis cada uma.

14. O alvará respectivo está transcrito na íntegra nas Companhías Pombalinas, l. ed., 1969, p. 298-304.

15. SODR~, Nelson Werneck. Formação Histórica do Brasil, 3. ed., São Paulo. Editora Brasiliense, 1964, p. 132.

16. Livro Grosso do Maranhão. Anais da Biblioteca Nacional. Divisão de Obras Raras e Publicações. Imprensa Nacional. Rio de Janeiro, n. 66 (1.ª parte) e n. 67 (2.ª parte), 1948, p. 295 e 270, respectivamente.

17. Este assento está publicado na íntegra em Companhias Pombalinas, 1. ed., Porto, 1969, p. 309-312.

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2 ALGUNS ANTECEDENTES DA CRIAÇÃO DA

COMPANHIA·GERAL DO GRÃO-PARA E MARANHÃO COMO EMPRESA DE CAPITAIS POR AÇÕES - PROTESTOS

CONTRA A CONCESSÃO E A MANUTENÇÃO DO MONOPÓLIO - O ESTATUTO REGULADOR DO

FUNCIONAMENTO E ÂMBITO DAS SUAS ATIVIDADES -ANALISE SUCINTA DO PRINCIPAL ARTICULADO -

AL TERAÇõES PRODUZIDAS NO ESTATUTO INICIAL POR OUTROS ALV ARAS RÉGIOS - DIFICULDADES

ENCONTRADAS NA COLOCAÇÃO DAS AÇÕES -ACIONISTAS E RESPECTIVOS ESTRATOS SOCIAIS -

DIVIDENDOS DISTRIBUÍDOS

1. As fraudes, as roubalheiras e todo um conjunto de atos irregulares praticados desde o início do tráfico pelos contratadores, traficantes de ocasião e. lançados, com ou sem a conivência dqs Feitores e de outros agentes régios mandados para a costa africana (como demonstramos no capítulo anteríor), concorreram de f arma decisiva para o aniquilamento dos negócios, obrigando as nações intervenientes a _modificar radicalmente o sistema do escambo e do tráfico. E a solução que melhor se supôs recaiu precisamente na formação de grandes empresas dotadas de avultados capitais e gozando de privilégios. ·Na maioria dos casos, as casas reinantes, a aristocracia e os grandes mercadores investiram os seus cabedais nessas empresas.

Portugal, em conseqüência de múltiplos fatores, muitas vezes indicados antes, só muito tarde se decidiu a seguir o exemplo da Inglaterra, da Holanda e da França. Vamos, portanto, historiar a posição portuguesa na segunda me­tade do século XVIII - a que mais interessa ao nosso tema.

Goradas as intenções dos promotores da formação da "Companhia de Cacheu e Cabo Verde" - a última verdadeiramente de inspiração portuguesa - em 1690, e que atuou até 1696, Portugal quedou-se num marasmo total em relação a esse tipo de atividades, isto se deixarmos de ter em linha de conta o último contrato de arrendamento da área de Angola, Congo, Luanda e Benguela, com início a 5 de janeiro de 1754 e pelo prazo de 6 anos, firmado com Manuel Barbosa Torres, mediante o pagamento da renda anual de 31.395.849 réis pelos direitos velhos e 56.364.151 réis pelos direitos novos, ou seja, um total de 87 .760.000 réis. :e. em plena vigência deste arrendamento que se cria a Companhia que, estranhamente, começa a comprar escravos em Angola, em 1756. Contradições e perplexidades daqueles tempos, ou teria havido entre a empresa e o arrendatário algum acordo no sentido de este permitir a saída de escravos?

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Texto n.0 1

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Quanto se sabe, quase todos os governadores e as Câmaras do Maranhão e do Pará, desde o início do século XVIII (pelo menos), começaram a pro­pugnar pela criação de uma empresa que se encarregasse do tráfico de escravos africanos, com os quais fosse possível intensificar simultaneamente o apanho das chamadas drogas do sertão e o cultivo de gêneros suscetíveis de concorre­rem para o desenvolvimento das duas grandes Capitanias - a do Maranhão e a do Pará. Eram palpáveis as potencialidades de vária ordem que a terra extensa, enorme e humosa oferecia. De um mesmo modo, todos estavam de acordo que os índios muito "dificilmente se acomodavam ( ... ) ao trabalho acurado e metódico que exige a exploração dos canaviais. Sua tendência era para atividades menos sedentárias e que pudessem exercer-se sem regulari­dade e sem vigilância e fiscalização de estranhos" 1 . Para além disso, as con­tradições criadas pelas intermináveis querelas entre os jesuítas e os colonos, as divergências de opinião entre as autoridades, quanto às "entradas" no sertão para os capturar e escravizar, e o sistema de aldeamentos constituíam difi­culdades quase insuperáveis perante a urgência de incrementar a exploração econômica dessa extensa região. De resto, os índios, ainda por sedentarizar, viviam da caça e da pesca e, por vezes, das lutas entre os diferentes grupos.

Outro aspecto a considerai', e que não terá sido aflorado, liga-se ao des­conhecimento na época (e hoje?) da importância numérica da população abo­rígene espalhada em pequenos núcleos pela imensidão do território (um po­voamento rarefeito) e, por isso, o seu recrutamento para um empreendimento das proporções desejadas pelos colonos e autoridades não era viável. As leis sucessivamente promulgadas, umas a condenar a escravização dos índios, outras a definir e a esclarecer as formas julgadas justas (ou injustas) para a sua sub­jugação, evangelização e fixação em aldeamentos, com reflexos nas "entradas" no sertão para os recrutar, dão-nos uma imagem, mesmo imperfeita, do choque de interesses entre as diferentes camadas sociais empenhad~s no problema: a Companhia de Jesus, os colonos e as autoridades. O que· se conhece deste assunto permite pensar que o aldeamento deveria corresponder a uma forma sofisticada - ou mitigada - de escravização e despersonalização dos índios, embora na época pouco compreensível para uns e outros.

O princípio defendido de condenar a redução do índio à escravatura e de apoiar a do africano era cínico e, por si mesmo, contraditório e incoerente. Não merece a pena discuti-lo a esta distância no tempo.

Por todas as razões expostas, e mesmo por outras que serão um tanto obscuras, vê-se que, para a época, a exploração econômica das Capitanias do norte do Brasil estava dependente, em exclusivo, da importação de mão-de­obra abundante, barata, estável e possuidora de condições de se integrar e adaptar ao clima físico da região.

Ao analisar a petição dos 48 negociantes de Lisboa no sentido de não ser prorrogado o prazo do monopólio, conclui-se que, a 17 de julho de 1752, fora concedido aos habitantes do Pará autorização para fundarem uma com­panhia monopolista. O que é certo é que o governador do Pará, Diogo de Mendonça Corte-Real, em carta dirigida ao rei' a. 18 de janeiro de 1754 2,

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alude ao "estabelecimento de uma Companhia Geral de Comércio Nacional para se introduzirem negros (leia-se: escravos) nela, com que se fabriquem as excelentes e infinitas terras que se acham ao desamparo" e, ao mesmo tempo, dá conta das diligências por ele encetadas junto do "povo" para o convencer a colaborar no empreendimento; mas que, a despeito de tudo, "com o pouco que pôde e até agora se tem feito a quantia de 30 mil cruzados para o fundo desta Companhia" 2, era insuficiente, pelo que pede ao rei a sua proteção no sentido de "conceder os três únicos privilégios que se contam na petição", no convencimento de que "esta pequena quantia que se pôde juntar" pouco servirá se não houver o apoio da Coroa; e, falhando este apoio, os mo­radores "experimentarão certamente ( . .. ) a sua total ruína aonde esperavam achar a sua redenção". Tomando o maior interesse na formação da Compa­nhia, acrescenta a dado passo:

"Se este estabelecimento prosperar como me persuado ( ... ) cres­cerão todas as ( ... ) reais rendas à proporção do que nele se adiantar, e tudo o que hoje são fazendas desertas e matos incultos serão em poucos anos engenhos rendosíssimos e plantações larguíssimas com que se adian­ta e engrossa o comércio e se troque a esterilidade e miséria em que se vive ;nestas terras em abundância e fartura" 2

A reforçar a sua tese, o governador diz que a Companhia serviria tam­bém para "extinguir as detestáveis e as escandalosíssimas escravidões dos índios", fato que, em' parte, se devia à circunstância de os "moradores não terem quem cultive as fazendas"; por isso, é "dificultoso o atalhar e extinguir o iníquo e tirano contrabando que se faz com os índios". Nesse mesmo do­cumento ele cita a legislação sucessivamente promulgada desde 1570, tentan­do pôr cobro à escravidão do índio, assim como as alterações, num e noutro sentido (proibindo-a e consentindo-a), em especial as de 11 de novembro de 1595, de 30 de julho de 1608 e de 10 de setembro de 1611, para concluir louvando a escravização do africano, ao dizer:

"Depois que se principiaram a fazer o comércio da Costa da África e foram introduzindo escravos negros com que se cultivassem as fa. zendas, os quais lhe foram entrando sucessivamente, se foram (os agri­cultores) esquecendo da escravidão dos índios, de forma que não há hoje pessoa, que ainda lhos vendessem por preços acomodadíssimos, os quei­ram comprar" 2 •

Esta carta, além do mais, comprova como a sociedade da época se aco­modou, aceitando o princípio da não-escravização do índio, mas apoiando e defendendo a do africano. Contradições e paradoxos da vida dos homens!

A concluir a carta, Corte-Real mostra-se convicto de que o µrogresso das Capitanias "não pode ocorrer nunca (por) outro meio nem mais suave, nem mais eficaz que o estabelecimento desta Companhia, e que os interesses desta terra se adiantarão tanto quanto prosperarem os da dita Companhia" 2•

A verdade, porém, é que a empresa dificilmente se formaria sem a inter­venção direta e oportuna de Francisco Xavier de Mendonça Furtado, gover­nador do Estado, junto do todo-poderoso seu irmão.

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A questão foi despoletada com as negociações encetadas por grupos de negociantes e agricultores com as autoridades, em 1752, e, mais tarde, pela carta de 2 de fevereiro de 1754, enviada por Mendonça Furtado a seu irmão, como porta-voz da população, e na qual dizia:

"O comércio dos gêneros deste País, com o estabelecimento da nova Companhia que estes moradores intentam para a introdução dos pretos, poderá aumentar-se muito, sendo muito dificultoso o adiantarem os tra­balhos sem os cultores bastantes para as suas fazendas, e enquanto ele carregar só sobre os índios não entendo que tirem deles grandes inte­resses, antes me persuado a que se conservarão na penúria e confusão em que até agora têm vivido" 3 •

As negociações com a Coroa prosseguiram, uma vez que de Lisboa se sugeria que os lavradores do Pará e do Maranhão concorressem com bastante dinheiro para a constituição da empresa. O pior ~ que, possivelmente receosos de que os homens de Lisboa se assenhoreassem da direção dos negócios e cha­massem a si o grosso dos proventos, não alcançaram reunir mais do que 32.000 cruzados 3, o que era insofismavelmente uma insignificância para tão avultado empreendimento. Pombal, seja pelo incitamento do irmão - a quem coube o encargo de encaminhar as negociações no Brasil -, seja porque a criação da empresa constituía um dos grandes objetos da sua política relativa ao ultramar (o que é mais crível), manejou tudo com os grandes homens de negócio de Portugal, em especial os de Lisboa e Porto. 1! nessa conformidade que surge, a 6 de junho de 1755, uma petição subscrita por 11 personalidades: Sebastião de Carvalho e Melo, Rodrigo Sande e Vasconcelos, Domingos de Bastos Viana, Bento José Alvares, Francisco da Cruz, João de Araújo Lima, José da Costa Ribeiro, Manuel Pereira da Costa, António dos Santos Pinto, Estêvão José de Almeida e José Francisco da Cruz, devidamente estruturada em 55 artigos, solicitando a aprovação régia do que designaram por Compa­nhia do Grão-Pará e que, posteriormente, passaria a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão 4.

A aprovação e confirmação não se faria esperar: a 7 de junho do mesmo ano, o rei confirmou, sem qualquer alteração ou reparo, o texto. Por este pormenor se avalia da urgência que havia em arrancar com este processo.

2 . O fato deve ter sido conhecido - porque certamente esperado -rapidamente. Assim, em petição não datada, mas na qual se alude ao alvará de 7 de junho do presente ano, os sete Deputados da Mesa do Espírito Santo dos Homens de Negócio (espécie de Associação Comercial daqueles tempos) fazem chegar à Corte extensa e fundamentada reclamação contra a institui­ção do monopólio, na qual são analisadas em pormenor situações parecidas, tais como a da Companhia do Estanco ·do Maranhão, inspirada por Pedro Alvares Caldas, havido por homem ambicioso e astuto, fundada em 1682, extinta em conseqüência da sedição do povo, chefiada por Beckman. A este propósito, os suplicantes afirmavam não se satisfazerem "com esta lembrança para que contra ela (Companhia) se não oponha a mudança dos tempos, des­trutiva dos embaraços então praticados". A reclamação está dividida em qua­tro partes, a saber:

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1.ª) "Em que se mostra a ruína do Estado do Maranhão na introdução ,da Companhia".

2.ª) "Em que se mostra o dano do comércio nesta( ... ) Companhia". 3.ª) "Em que se mostra não haver interesse mas sim prejuízo da Coroa". 4.ª) "Em que se mostra não ser do serviço de Deus a nova Companhia

do Maranhão". Termina com o capítulo intitulado Ilação das precedentes demonstrações.

Para além dos fundamentos jurídicos apresentados, a redação, no seu conjun­to, é bastante vigorosa. Para contestar o monopólio, invocar-se o fato de ele constituir "a ruína do comércio ( ... ) a navegação perdida, os vassalos arrui­nados, os interesse reduzidos ao particular e não ao comum, o tráfico e a mercancia suspensa" 5 •

Na sua maior extensão, o documento historia as desgraças ocasionadas pela Companhia do Estanco de 1682, sem esquecer o perdimento de navios por naufrágios e, em especial, os capturados pela pirataria argelina. por essa altura bastante ativa. Enfim, a reclamação toca todos os pontos frágeis do sistema.

Está comprovado que o documento foi redigido pelo advogado Tomás de Negreiros, que nele tentou expressar, o melhor que lhe foi possível, o sentir dos negociantes, em particular o dos de médios recursos. O vigor da terminologia usada foi considerado "crime de lesa-ma.iestade", e é de admirar que os supostos culpados não fossem ainda mais cnielmente castigados. O advogado Tomás de Negreiros foi desterrado para Mazagão por oito anos; o procurador da Mesa, Custódio Nogueira Braga. que entregara a represen­tação a El-Rei, por seis anos para Almeirim. Os deputados da Mesa também foram desterrados para diferentes terras, por maior ou menor número de anos, conforme a culpa no caso. A Mesa do bem comum foi abolida por decreto de 30 de setembro de 1755, restabelecendo-se a antiga Junta do Co­mércio que ela substituíra 6 •

A reação de Pombal, embora violenta, não nos parece tenha sido condi­zente e proporcionada à sua maneira habitual de enfrentar um grupo de nego­ciantes com coragem bastante para protestar contra uma decisão que feria profundamente os seus interesses, sabendo como deveriam saber que o Mar­quês detinha uma soma considerável de poderes que o rei a ele delegara, ou que ele próprio chamara a si, em face da abulia do monarca. Menos se entende ainda a benevolência para com os rebeldes, quando, meses depois, concedia a todos amplo perdão. Este fato é-nos esclarecido pela petição de 1777, apre­sentada à Rainha pelos negociantes de Lisboa, que se consideravam repre­sentantes de todos os vassalos da Coroa, solicitando a não-prorrogação do prazo do monopólio, isto depois da queda de Pombal. Nessa petição, diz-se:

"No corpo deste parágrafo principiou a introduzir-se o espírito da falsidade e do engano de quem formou esta Companhia, porque os homens de negócio desta Praça parece evidente que nem assinaram por si nem pelos vassalos de V. Majestade tal requerimento, antes, quando foram cientes dele, se opuseram à dita instituição como prejudicial a esta Praça, ao comércio geral e ao Estado do Pará e Maranhão, de que

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resultou serem presos e degredados, por virtude de um decreto, e, por causa do terremoto de 1.º de novembro de 1755, foram perdoados por outro" 7•

Tito de Carvalho (assim como outros autores) não alude a este impor­tante pormenor.

A leitura do teor das reclamações dos Homens da Mesa do Espírito Santo (em 1755), conjugada com o pedido de 1777 no sentido de não ser prorrogado o monopólio, dão uma idéia de como a formação da Companhia foi encarada, sobretudo no meio do pequeno comércio - o retalhista -, que não via para além do limitado espaço em que agia. Dotados de uma menta­lidade de bufarinheiros, os peticionários não estavam preparados para entender o que representava, política e economicamente, uma empresa detentora de meios e de privilégios como a criada. 1! pensarmos um pouco no fato de o País ter vivido sempre do pequeno negócio, à escala do bairro: a tenda, a taberna, os comes e bebes, fato que logo à partida constituía empecilho ao entendimento da grande empresa, por essa época já corrente no mundo euro­peu, e que só muito tardiamente viria a surgir em Portugal.

Em qualquer caso, porém, a discricionária punição aplicada aos recal­citrantes serviu para acalmar os ânimos.

Todavia. os protestos e as reclamações contra a empresa não se queda­ram por aí. Os efeitos do monop6lio, com menores ou maiores reflexos, foram sentidos em diversas áreas, como, por ,exemplo, em Cabo Verde, embora os informes chegados até nós não permitam dar um panorama amplo e seguro do teor desses protestos. A aceitar o Parecer do Conselho Ultramarino (não datado nem assinado), que se apura ter sido prestado•em 1778, vê-se que, "com a ocasião de uma carta do ( ... ) governador de Cabo Verde (Ant6nio do Vale de Menezes), escrita em 30 de julho do ano pr6ximo precedente de 1777 (o Conselho Ultramarino) mandou revolver a Secretaria do mesmo Con­selho, onde descobriu algumas representações feitas há sete, dez e dezesseis anos contra a mesma Companhia" 8•

Quer dizer, pelo menos desde 1761 os negociantes do arquipélago re­chunavam contra a ação da empresa. E isso é tão exato que o Ouvidor Geral de Cabo Verde, Dr. Carlos José de Sousa Matos, em relatóri.o datado de 14 de abril de 1761, fazia sentir a Lisboa o descontentamento da população em face dos desmandos dos agentes da Companhia, dizendo:

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"queixa-se geralmente este povo de que sendo exclusivo todo o comér­cio da Companhia .se· tenham alterado os preços de algumas fazendas, que se lhe vendem ~ troco das suas manufacturas (os panos de algodão de confecção local) e mais gêneros que conservam no seu antigo e inal­terável custo; porque não tend9 a liberdade de permutá-los com outrem, se sujeitam a vendê-los à mesma Companhia com a lesão do acréscimo que esta lhe vai aumentando nas ditás fazendas e mais gêneros ( ... ). Queixa-se também de que, pelo mesmo motivo de ser exclusivo o comér­cio da C-ompanhia respectivamente à compra de escravos, decairá forço­samente a agricultura dos ( ... ) algodões, fábricas e mais lavoira das terras ( ... ) . Pela mesma razão de ser exclusivo o comércio se queixam

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outrossim os habitantes de não poderem dar saída a mais de 2.000 panos que há nesta ilha, porque não querem os administradores (da Compa­nhia) comprá-los a dinheiro e só sim alguns escolhidos a troco dos seus gêneros de que nem sempre o povo necessita, pois com eles não pode satisfazer as rendas das terras e foros, a que são obrigados ( ... ). Quei­xa-se outrossim este povo de que, estando na posse de vender, aos es­trangeiro e nacionais, porcos, cabras e mais víveres, exceptuando so­mente bois e vacas, por ser contrato da Real Fazenda, tenha a Compa­nhia arrogado a si a venda das sobreditas carnes, estendendo-se presen­temente também a galinhas, abóboras, laran.ias e mais frutas da terra, que a mesma Companhia compra· aos habitantes pelo seu preço costu­mado, e revende aos estrangeiros por outro excessivo, quando lhos pedem por um rol, utilizando-se deste lucro, que a princípio tinha reservado para o povo, como V.M. foi servido declarar nas ordens que se expedi­ram ao governador destas ilhas, de cuja inobservância resulta irrepará­vel prejuízo ao bem comum, concorrendo mais este motivo para a sua decadência" 9 •

Neste relatório, o Ouvidor Geral mostrou-se cauteloso na exposição dos fatos. Tinha as suas razões. A governação da Capitania estava nas mãos da Companhia e a sua Junta de Administração gozava de grande influência na Corte.

Outra reclamação' contra as prepotências dos agentes da Companhia em Bissau foi a apresentada ao capitão-cabo do Presídio de Geba, em 27 de julho de 1777, por doze negociantes ali fixados, e na qual diziam:

" ... vivemos oprimidos com os insultos que continuamente os adminis­tradores da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, João da Costa e João António Pereira, estão fazendo, geralmente a 'todos, cujos são os seguintes: primeiramente, nos estão impedindo todos os portos para o nosso comércio só a fim dé que só eles possam negociar, tirando-nos as regalias com que sustentamos nossas pessoas e famílias; segundo, que nos estão tomando os nossos escravos por preços tão diminutos que acaso chegam ao preço que têm custado nos gentios, dando-nos eles as fa­zendas mais inferiores que têm, só a fim de nos trazerem debaixo dos pés. E quando nos repugnamos nos descompõem com palavras injurio­sas. Terceiro, que nos estão roubando tão publicamente de tudo que possuímos como fizeram a duas embarcações do capitão-cabo desta povoação António Fernandes Martins e outras mais, cujas comprou a eles mesmos. Quarta, que estão favorecendo os gentios em dinheiros subornados dizendo-lhes que tudo quanto tiverem o vendam a eles e não aos moradores da terra e, indo um cristão ao sertão, João António Pereira disse a um rei gentio, e a outros que quiseram ouvir, que todos os brancos que estavam em Guiné eram seus monas" 10•

~ provável que tenham existido outros protestos contra o monopólio; e é de lamentar que não tivéssemos podido localizar nos Arquivos os apontados no parecer do Conselho Ultramarino de 1778.

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O que se pode concluir .das reclamações e protestos antes apontados é que apenas o poder do Marquês de Pombal e a sua firmeza inquebrantável na defesa daquilo que, em seu entender, concorria para a prosperidade do País, poderiam aquietar os ânimos e as manobras dos diferentes grupos de contestatários.

O simples declínio do poder do Marquês seguido da sua demissão decre­tada por D. Maria, por influência de certas camadas de nobres, foi o suficiente para fazer surgir representações, pedindo a não-prorrogação do prazo do monopólio - como antes aludimos. Merece, portanto, a pena analisar alguns aspectos da representação dos vassalos interessantes do comércio franco e geral 7 de 1778. J! um documento extenso, prolixo e, por vezes, um tanto confuso em alguns parágrafos, características dos textos daqueles tempos. Como seria de esperar, nele se recusa todo e qualquer aspecto positivo à ati­vidade da empresa; antes, pelo contrário, ela teria sempre agido com "falsi­dades e enganos" e, com isso, ocasionado prejuízos à Coroa, aos negociantes, aos lavradores do Pará e Maranhão, a todos em geral. Para justificar os pontos de vista expendidos, o(s) seu(s) autor(es) bate(m) na tecla do "bem comum" e dos prejuízos advindos para a Coroa. Uma coisa é certa: a representação é feita em termos tais que parece que a criação da empresa se ficara a dever a um alvará assinado pela própria Rainha, pois não há nenhuma alusão a D. José, mormente ao Marquês. Os requerentes não estariam ainda seguros de que Pombal não caíra definitivamente em desgraça? Assim, a título de precaução, não haveria interesse em dar a conhecer o ódio latente ao "déspota esclarecido"?

Vejamos apenas alguns pontos mais destacados. No tocante a produções, diz-se:

"Os navios do Pará no tempo do comércio livre carregavam e con­duziam para esta Corte, somente de cacau, anualmente de 80 até 90 mil arrobas para citna; este pagava de direitos a V. Majestade 400 réis por arroba, na alfândega da Casa da 1ndia; depois da instituição da Com­panhia, não vêm deste gênero mais de 35 até 40 mil arrobas; feita a conta de 80 mil, nos anos do comércio livre, e de 40, nos anos da Companhia, que é a metade, em 22 anos que gira o negócio da Companhia, tem a Real Fazenda de V. Majestade perdido somente neste gênero oitocentos e oitenta mil cruzados; não se fala no café, que pagava por igual, porque pediu mais dez anos livres; e deste gênero eram sempre de 20 até 25 mil arrobas por ano".

Não sabemos em que base assentam as conclusões dos peticionários quan­to aos quantitativos de cacau e de café exportados do Pará e Maranhão, em regime de comércio livre; mas, o certo é que, segundo a contabilidade da empresa monopolista, a saída média de cacau atingiu as 35 mil arrobas nos 22 anos; e o café não ultrapassou cerca de 3.000 arrobas. Onde estará a verdade? Note-se que a escrita da empresa peca pela falta do livro de "Entra­das" de gêneros ou "efeitos" do período de 1765 a 1769, ou seja, cinco anos seguidos.

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Ao apreciar a atuação dos administradores da Junta da Companhia e dos respectivos deputados, os reclamantes têm certa razão ao afirmar que todos ansiavam pela extinção do monopólio,

"menos os diretores e deputados que se acham de dentro, porque estes se pagam das comissões que tiram pelas suas mãos, como e quando ,querem, e só cuidam em que as Companhias continuem, e eles por admi­nistradores delas, ainda que seja à custa dos maiores empenhos e de dinheiros, que não têm dúvida dar, porque ao depois os tiram da Com­panhia, ficando por este modo conservados em deputados, oito, dez e doze e alguns dezesseis anos, com prejuízo dos mais accionistas que de­viam ter entrado por sua roda, se as eleições se fizessem todos os anos, ou o mais, de três em três, como se prometeu nas instituições; mas até nisto houve e há dolo, como em tudo o mais que se vai a mosttar".

E, pouco mais adiante, acrescenta em relação ao mesmo assunto: " . . . estes são os que desfrutam nos muitos anos que conseguem ser deputados e directores dela, havendo entre . eles · tal que, sendo pai e filho, sempre um está de dentro, e esta casa tem tirado das Companhias mais de quatrocentos mil cruzados, não só nas comissões e outros avan­ços que tem tirado, mas nos muitos gêneros que tem vendido e actual­mente vende para as ditas Companhias das suas lojas e armazéns, pelos preços que quer ( ... ) assim disfarçam e dissimulam, uns aos outros, e deste modo vai tudo a cair em cima dos accionistas e habitantes ... ".

Do que se depreende dos arquivos deixados pela Companhia, há uma parte de verdade nas acusações feitas na representação, em particular no fato de não se realizarem eleições para substituição dos componentes da Junta de Administração e no protecionismo dispensado pelos bem-posicio­nados a seus familiares. Um dos casos típicos deu-se com João Roque Jorge que, ao fim de prolongada permanência no cargo de deputado, conseguiu desviar ;da empresa, por proc~ssos fraudulentos, mais de 300 contos de réis! Isto é um assunto a ventilar em outro capítulo.

Em relação à venda de escravos africanos no Pará e Maranhão, a repre-sentação registra:

" ... recolhem os administradores os escravos, fazem conta à receita e despesas do navio, dos escravos que morreram e de toda a perda que houve; fazem conta aos interesses que devem sair livres à Companhia e a eles e, repartindo à proporção ou ao seu arbítrio no valor dos escra­vos, penduram um papel sobre o peito de cada um e nele o preço que se há-de dar, sem mais ajuste, e o remédio é comprá-lo ou deixá-lo"; e o lavrador " ... o compra pelo mais alto preço que os seus feitores o que­rem vender; de ordinário não é a dinheiro, senão a troco dos gêneros, que isso é o mesmo que quer a Companhia ... ".

Também, em parte, há alguma razão na forma como o problema foi posto pelos reclamantes. O negócio prestava-se bem a manobras dolosas, nas quais eram os agentes da Companhia (mais do que esta) quem lucrava. A venda era feita pelo processo indicado (colocação de etiqueta com a indicação do preço de cada escravo ou de cada lote), por leilão ou por venda consertada, entre

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a Companhia e os lavradores. Todavia, também é exato que a empresa con­cedia facilidades de pagamento do valor dos escravos, no prazo de dois a três anos, regra geral, mediante a liquidação em gêneros. O lucro que a em­presa auferia não provinha do negócio de escravos, este regulamentado por diversas leis régias. Como na altura própria procuraremos demonstrar, a venda de escravos produziu benefícios irrisórios comparativamente aos obtidos nas mercadorias e nos gêneros transacionados.

Talvez num momento de rebate de consciência, os reclamantes, depois de dizerem o pior possível da atuação da Companhia, resolveram, num trecho apenas, apontar um benefício:

"O que pode a Companhia dizer é que introduziu a semente do arroz da Carolina para naquele Estado se plantar e beneficiar; porém, este socorro qualquer indivíduo particular .o podia fazer, sem ser pelo corpo da Companhia, e a felicidade esteve em que a terra produzisse este gênero de boa qualidade que, senão, era infrutuosa diligência se degenerasse, como lhe aconteceu com o bicho-da-seda".

De qualquer modo, trata-se de um documento digno de ser lido atenta­mente, para se ajuizar da mentalidade dos homens que o redigiram, todos eles contrários ao sistema de monopólios. Certamente ignoravam (ou fingiam ignorar) que essa era a política comercial seguida pelas outras potências, cm relação aos territórios ultramarinos; e a única condizente, então, com o estado de desenvolvimento econômico das regiões. Foi com semelhante política que enriqueceram a Inglaterra, a França, a Holanda, talvez porque taparam os ouvidos às reclamações que, eventualmente, surgiram. Portugal, por ter enve­redado tardiamente pelo processo, e assim mesmo numa dimensão paralela à mentalidade dos dirigentes, em vez de criar riqueza, distribuindo-a pelos colonos e pelos povos europeus, poucas vantagens obteve. 'E: para lembrar que, afora a grande gesta dos descobrimentos, onde exauriu todos os seus capitais e as potencialidades anímicas do povo, apenas lhe restou, como feito indis­cutível, a formação de uma poderosa nação, que é o Brasil, unificada territo­rial e lingüisticamente. Mas isso são outros contos. E foi a fuga da família real para o Rio de Janeiro, nos começos do século XIX, acompanhada do seu séquito (gente ilustrada, bibliotecas, costumes, modos de vida etc.), que, mais do que qualquer outro evento, abreviou a independência (1822).

A delapidação das riquezas extraídas nesse imenso território, quer em ouro e diamantes, quer em açúcar, tabaco, couro etc., deve ter alertado os habitantes mais esclarecidos, fazendo-os pensar que, a continuar o sistema, acabariam por ficar na miséria. Mas também os tempos eram outros e outra a conjuntura internacional. A proclamação da república do Haiti (1803) e os atos de rebelião dos povos sul-americanos concorreram bastante para desacre­ditar a ocupação portuguesa na América do Sul.

* * *

Mas. . . retrocedamos. Uma vez que nos ocupamos antes das reclama­ções mais conhecidas contra a Companhia, parece-nos conveniente fazer uma referência a alguns pontos principais do parecer proferido pelo Conselho Ultra-

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marino .s, em 1778. Ele, além de tudo, esclarece as pos1çoes dos diferentes intervenientes no caso e permite aquilatar dos jogos de bastidores que se desen­volveram.

Apresentaremos o parecer com certo detalhe e seguindo, tanto quanto possível, a ordem dos vários ·problemas focados, ainda que isto possa avolu­mar este texto, até porque tal fato permitirá saber de outras queixas e recla­mações que se ignoravam.

O Conselho Ultramarino não agiu isoladamente. Ouviu a opinião do procurador da Fazenda, Manuel Pereira da Silva, que esclareceu "que desde maio de 1765 ( ... ) lhe foram continuadas com vista as cinco contas que se declaram e especificam na informação da Secretaria, e vinham juntas, às quais não respondera por se lhe dizer na Secretaria de Estado dos Negócios do Reino que, por ordens imediatas de S.M., se mandara proceder às informações, e davam sobre tudo as providências necessárias".

Quer dizer, as influências dos interessados na manutenção da Compa­nhia moviam-se um tanto sigilosamente, como lhes parecia mais conveniente.

Prosseguindo na apreciação do conteúdo da petição dos chamados "ini­migos" da Companhia, e sempre na procura de elementos que pudessem des­fazer as acusações, começa por invocar o "bando" (lançado) nas Capitanias do Pará e Maranhão, em 21 de junho de 1755, "no qual se proibia a expor­tação do algodão para a Europa". Como a Companhia tivesse discordado desta iniciativa, recorreu da decisão e, em face das "concludentes razões" invoca­das, o tei mandou anular o "bando". Querendo demonstrar o bom funda­mento dessa decisão régia, o parecer refere que disto resultou o palpável be­nefício de terem saído "sucessivamente dos portos daquelas duas Capitanias, desde o ano de 1758 até o presente, 308.500 arrobas de algodão, as quais, ao preço de 7 .680 réis. a arroba, montaram em 2.369.280.000 réis; que tanto teriam perdido ou deixado de lucrar os vassalos ( ... ) habitantes daquelas colônias e deste Reino ... ".

Ao abordar o "merecimento destas queixas", o Conselho diz que elas "consistem, primeiramente, em diferentes representações de algumas Câmaras de Pernambuco e Paraíba, em que dizem que a Companhia e os seus admi­nistradores têm vexado e oprimidç, os habitantes daquelas colônias com dif e­rentes abusos e gravame".

De seguida, continua a apreciação: 1.º) "Além das sobreditas representações que respeitam à Companhia

de Pernambuco, acham-se mais na dita consulta o extracto de uma conta do Provedor da Fazenda do Pará, José Feijó, com data de 16 de abril de 1763, sobre não ter recebido a conta da importância dos dízimos de embarque, dada pelos administradores da Companhia, pela diversidade de métodos dela, que julgava prejudicial à real Fazenda".

2.0) "Acham-se mais os extractos de duas contas de Cabo Verde, uma

do precedente Governador Joaquim Salema de Saldenha, com data de 12 de fevereiro de 1770; outra, com data de 31 de julho do precedente ano de 1777, referindo substancialmente nelas que aquele povo se queixava das vexações da Companhia e dos seus administradores, particularmente de um chamado

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António José de Carvalho, que residia presentemente nesta corte, pelo abati­mento que desde o tempo daquele administrador se tinha dado aos efeitos da terra (leia-se: produtos da terra), particularmente aos seus panos, e à carestia com que se vendiam e reputavam os da Companhia, tais como telha, cal, ta­buado e outros".

Repare-se em um idêntico estilo de acusações apresentadas, e com os mesmos vocábulos, oriundas de áreas geográficas diferentes1 do Pará e Mara­nhão, de Cabo Verde e de Geba. Era a forma corrente de exposição, naqueles. tempos.

Depois, o parecer entra a contestar as razões invocadas pelos reclamantes e conseqüentemente na defesa da posição da Companhia e dos benefícios e serviços por ela ·prestados aos habitantes das diversas regiões, sem contudo reconhecer a .iusteza de algumas acusações, tal como mais adiante anotaremos. Para tanto, refere no parecer:

1.0) " ••• que, achando-se os habitantes das Ilhas de Cabo Verde no emi­

nente perigo de perecerem todos, e de ficarem desertas aquelas ilhas pela calamidade da seca que padeceram nos anos de 1774 e 1775, sendo horrorosos os casos que aconteceram na ocasião daquele flagelo, não foram os declama­dores contra a Companhia os que deram nem procuraram os socorros; foi ela que, em execução de uma ordem da Corte, com inimitável zelo e prontidão, lhes expediu sucessivamente 13 navios carregados de toda a sorte de comes­tíveis que montaram em 92.141.983 réis".

Abrimos aqui um parêntese para anotar que nas pesquisas por nós leva­das a efeito diretamente na contabilidade da Companhia as faturas dos gêne­ros alimentícios (biscoitos, farinhas, arroz, azeite, carne salgada etc.), envia­das em 13 navios, totalizaram 86.634.731 réis, sendo 41.158.956 em 1774 e 45.4 75.796 em 1775. A diferença entre estes totais e os constantes do parecer é, para menos, de 5.407.231 réis. Outras divergências existem e serão aponta­das na altura devida.

Nas relações que o parecer apelida de "Utilidades que a Companhia tem feito ... ", o Conselho aponta:

2.º) "As listas eclesiástica, civil e militar das Ilhas de Cabo Verde e de Bissau, Cacheu, Zeguichor e Farim, na G,osta de África, que antes do esta­belecimento da Companhia foram pagas pela Fazenda Real ( ... ) e se estão pagando pela Companhia ( ... ) montando por ano esta despesa, com pouca diferença, em 24.000.000 réis".

3 .º) "Por ordem da Corte mandou a Companhia construir uma Fortaleza em Bissau por meio da qual se têm preservado aqueles importantes estabeleci­mentos africanos do comércio e resgate de negros, que ali faziam as nações estrangeiras com tanta liberdade ( ... ) a Fazenda Real não despendeu coisa alguma ( ... ) e a Companhia despendeu nela 190.000.000 réis".

Esclareçamos melhor este ponto. E certo que o Conselho Ultramarino lidou com as cifras apuradas até 1777/ 1778; mas a verdade é que, à data do fecho geral das contas, a Comissão Liquidatária exigiu ao Erário régio o paga­mento de 230.530.688 réis, correspondente às despesas totais feitas com a construção da Fortaleza de São José. Também é exato que o Erário régio invo-

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cando os mais variados pretextos - e até recusando-se a responder às cartas da Comissão Liquidatária - não pagou o montante exigido.

4.º) "No fim do ano de 1774 e princípio de 1775, formou o governo um amplíssimo projecto de comércio e nagevação pelos rios Negro, Madeira, Javari e outros, com o estabelecimento de fortes, feitorias, corte de algumas ,cachoeiras e outros serviços de imensa despesa, dos quais, por ordens as mais apertadas e positivas da Corte, foi encarregada a Companhia ( ... ) que já se haviam despendido naquele serviço 240.000.000 réis".

5.0) Com as outras despesas efectuadas por determinação régia, como se­

jam as do transporte para o Pará dos moradores da extinta Praça de Maza­gão (18.000.000), com a armação (em 1762) do navio "Atalaia", com o fim de se integrar na esquadra em Lisboa (46.000.000) e outras, tudo no dizer do Conselho, ascendeu a um total de 556.141.983 réis, despesas estas que deveriam ser inteiramente suportadas pela Coroa.

6.0) Nos investimentos feitos pela Companhia (e que competiam ao Erá­

rio régio) na Fábrica de Pólvora, na Real Fábrica da Seda do Rato e no de­senvolvimento das manufaturas do reino, ascenderam a 565.866.876 réis.

Continuando a análise das "Utilidades" não quantificadas, e que redun­daram em benefício direto ou indireto dos moradores das Capitanias, o pare­cer faz destacar a importante atuação da Companhia (servimo-nos do próprio texto):

1.0) Em relação à Capitania do Pará - "A maior riqueza dos habitan­

tes ( ... ) antes da existência da Companhia consistia na grande quantidade de índios escravos, que lhes iam buscar cacau, café e drogas do sertão. Uma epidemia de bexigas lhes levou muitos milhares dos ditos escravos e, logo depois dela, publicando-se a Lei de 6 de junho de 1755 que deu liberdade aos índios, reduziu os habitantes do Pará à última pobreza e miséria". A Com­panhia supriu a "extrema necessidade, introduzindo escravos negros ( ... ) e dando-os a crédito aos ditos habitantes em número de perto de 12.000. Seguiu-se desta providência que os habitantes, tendo escravos mais fortes, robustos do que eram os índios, se determinaram a cultivar o cacau e o café, de que tem resultado o melhoramento na qualidade destes dois gêneros com grande preferência daqueles que se extraem do sertão. Entraram igualmente a cultivar os importantes artigos do algodão e do arroz que nunca fizeram um objeto do comércio daquela Capitania. Para o Macapá tem a Companhia mandado e vai sucessivamente mandando escravatura, dando-a como costuma a crédito aos pobres e industriosos moradores daqueles fertilíssimos campos. E de todas estas disposições tem resultado que, nos anos de 1775, 1776 e no próximo precedente de 1777, se têm exportado importantes quantidades dos ditos gêneros".

2.0) Em relação à Capitania do Maranhão - "Até o ano de 1755, não

se conhecia gênero algum que se exportasse do Maranhão, exceto umas insig­nificantes partidas de sola pertencentes a um negociante chamado Lourenço Belfort; e alguma diminuta porção de algodão em fio, ou em rama. Entre Portugal e aquela Capitania não havia navegação que se fizesse em direitura; e os habitantes dela eram os mais pobres e miseráveis de todos os que habitam

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nas diferentes Capitanias do Brasil ( ... ) Entrou a Companhia a animar aque­les povos, dando-lhes escravos a crédito para cultivarem as suas terras, con­fiando-lhes fazendas e gêneros necessários para seus usos e para promover entre eles o trabalho e a indústria; o que produziu tão bom efeito que, já no ano de 1775, montaram os gêneros exportados em 166.359.825 réis; em 1776, montaram em 149.875.483; e até 17 de setembro do precedente ano de 1777, já montaram em 255.353.635, remetidos ( ... ) para Lisboa em 13 navios, ficando ainda 3 navios à carga ( ... ) e que se chegassem a tempo ainda po­deriam carregar este ano, por se acharem as fábricas de arroz tão cheias que já não havia onde o recolher ... ".

"Não havendo no Maranhão, antes da Companhia, nem indústria, nem cultura, nem exportação de gêneros, também os rendimentos da Coroa eram tão insignificantes que os dízimos, que é a principal renda do Brasil, ainda no ano de 1760 e 1761, não importavam mais que 11.448.693. Cresceu a indús­tria, o comércio e a exportação, de sorte que, nos anos de 1776 e 1777, mon­taram os dízimos em 40.370.000 réis". E, em adenda ao parecer, acrescenta que em 16 de outubro de 1777 haviam sido carregados 15 navios com gêneros diversos, no montante de 275.864.945 réi~ (algodão, arroz, atanados, couros em cabelo e outros produtos diversos).

Generalizando as suas considerações, o Conselho foi de opinião de que Lisboa e todo o Portugal padeceriam "a mais extrema necessidade pela falta do importantíssimo artigo do arroz, e teria ele subido a um preço exorbitante, de que se teriam aproveitado, na conhecida falta do da Carolina, os genô­veses e venezianos, se a Companhia não tivesse feito a este Reino o inestimá­vel e mal-reconhecido benefício de ter promovido no Pará e Maranhão a cultu­ra .e o descasque do dito gênero, trazendo sucessivamente ao porto de Lisboa, desde o ano de 1773, principalmente 428.310 arrobas, que, ao preço de 900 réis a arroba, montam em 385.479.000 réis".

Este trecho carece de uma retificação. Com base na contabilidade da empresa (embora tendo em consideração a falta de um livro de "Entradas" referente aos anos de 1765 a 1769), o total de arroz descascado entrado em Lisboa, quer da parte pertencente à Companhia, quer da enviada em consig­nação pelos colonos, ascende a 723.630 arrobas, com o valor de 536.862.000 réis (custo mais as despesas até Lisboa). E, se considerarmos o caso do cacau, a divergência entre os números registrados no parecer e os encontrados por nós na escrita é ainda mais flagrante. Quando o parecer aponta uma entrada em Lisboa de 308.600 arrobas de cacau, ao preço de 7.680 réis, no valor de 2.363.280.000 réis (preço necessariamente da sua venda em Portugal), nós apuramos (números redondos) 723.792 arrobas, com o valor de 1.822.608.000 réis, pertencentes à Companhia (ao preço médio de 2.518 réis a arroba), e mais 4 7 .599 arrobas, com o vàlor de 187 .552.000 réis, pertencentes a colo­nos. A venda desta última quantidade na Casa da 1ndia fez-se ao preçc médio de 3.940 réis a arroba.

A que se devem semelhantes disparidades? Não temos resposta para elas. Para finalizar, continuamos a apreciação do parecer que, como se veri­

fica pelas transcrições do texto, deve ter sido elaborado em 1778. Mas nesta

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fase, para destacar o reconhecimento por parte deste órgão colegial das faltas cometidas pelo Erário régio, pela Fábrica da Seda e pela própria Companhia ou, mais concretamente, pelos seus agentes - o que ninguém de boa fé pode contestar -, citamos o seguinte passo:

"Não se pode negar - escreve o Conselho - que na administração do real Erário se cometeram muitos abusos; eles porém não influíram c9isa algu­ma para deixar de se conservar aquele importante estabelecimento. Contra a administração da Fábrica da Seda se ouviram muitas e repetidas queixas; S.M., porém, longe de extinguir este útil estabelecimento, o consolidou na forma que presentemente se acha ... ".

E, expressamente em relação à Companhia, o Conselho diz que, a despei­to dos benefícios colhidos da sua atuação, esses não podem "servir de desculpa dos abusos que ela tem praticado, nem de motivo para se lhe tolerarem os que ainda pratica; mas que S.M., exatamente informada de uns e outros, possa decidir com o seu indefectível discernimento se é mais conveniente ao seu ( ... ) serviço que, distinguindo e separando na mesma Companhia o que é estabelecimento útil dos abusos da sua administração, se procurem os meios de corrigir estes, conservando-se aquela da mesma sorte que se tem praticado e está praticando com os outros estabelecimentos".

E, com isto, pomos ponto na análise do parecer.

* * *

3. Se os protestos de 1755 não chegaram a sustar a fotmação da Com­panhia, a vida desta estava praticamente terminada sem a representação de 1778.

Surdo ao barulho provocado pelos "Deputados da Mesa do Espírito Santo dos Homens de Negócio", a 7 de junho de 1755 foi aprovada a formação da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, de cujo estatuto inicial nos vamos ocupar aqui, nas suas partes essenciais.

No seu artigo 1.0, "o corpo político" ficou constituído por:

• 1 Provedor; • 8 Deputados, a recrutar dentre oito homens de negócios da Praça de

Lisboa e 1 artífice da Casa dos 24; • 1 Secretário; O 3 Conselheiros do corpo do comércio.

A empresa tinha como distintivo a Estrela do Norte, colocada sobre uma âncora.

Mais tarde, a própria Administração criou um quadro de agentes auxi, liares, constituído por guarda-livros, encarregados de armazéns, escriturário§ etc., -1ue se ocupavam do desembaraço das mercadorias e dos gêneros, na Casa da lndia.

Como é sabido, tratou-se de uma organização mercantil, de estilo amplo, monopolista e de capitais provenientes da emissão de ações - como adiante se esclarecerá.

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O prazo de duração do monopólio de navegação, comércio e tráfico de escravos destinados ao Maranhão e Pará foi fixado em vinte anos contados da data da largada da primeira· frota (art. 51). Esta largada só se verificou em 1758, primeiro devido à circunstância de haverem sido destruídas as insta~ lações, com perda de mercadorias, pelo terremoto de l .º de novembro de 1755; depois, porque só foi considerada frota um grupo de navios comboiados pelas naus de guerra. A leitura pouco atenta - ou capciosa - dos reclamantes de 1778 é que os fez apontar para 22 anos a vigência do exclusivo. O decreto que extinguiu a empresa é concludente: 5 de janeiro de 1778.

O capital da Companhia ficaria constituído pela emissão de 1.200 ações, com o valor de 400.000 réis cada uma; e, por isso, "para qualificar os acio­nistas para os empregos da Companhia", era necessário estarem na posse de 10 ou mais ações nominais, fato que estava garantido pelo sigilo bastante, segundo a redação do artigo: "não passem do segredo dos livros da Compa­nhia às relações públicas, que se devem distribuir pelos vogais para as elei­ções" (art. 48).

Por razões não esclarecidas, apenas foram emitidas 1.164 ações. As outras 36 foram inutilizadas.

Os acionistas podiam utilizar as suas ações como bem entendessem, cons­tituindo com o seu valor morgados e capelas, fideicomissos temporais ou per­pétuos, doação inter vivos, causa mortis e semelhantes (art. 50). Por outro lado, os detentores de ações no valor de 10.000 cruzados, ou superior, goza­vam do "privilégio de homenagem na sua própria casa" e isenção da presta­ção do serviço militar. O exercício do comércio na Companhia não constituía perda de nobreza, podendo "receber os hábitos das Ordens militares, sem dispensa mecânica". Os privilégios adquiridos seriam respeitados no futuro, mas na condição de os seus detentores não voltarem a negociar por miúdo após a saída da Companhia (art. 39).

Foi-lhe concedido o comércio exclusivo nas áreas das duas Capitanias, "para que nenhuma pessoa possa mandar ou levar às sobreditas duas Capita­nias e seus portos, nem deles extrair mercadorias, gêneros ou frutos alguns ... " (art. 22). Nesta conformidade, ficava vedada a saída do Reino, com destino às áreas concedidas, de qualquer navio, sem ser enquadrado na frota da Com­panhia (art. 20). Desse modo, os navios transgressores poderiam ser apreen­didos pelas frotas da Companhia, revertendo o produto a seu proveito (art. 15).

As fazendas secas, excetuando-se farinhas e comestíveis secos, não po­diam ser vendidas com mais de 45% sobre o primeiro custo em Lisboa, quando pagas a contado. Quando, porém, fossem adquiridas a crédito, seriam agra­vadas com mais 5% por ano, na proporção do tempo que durasse a liquidação (art. 23).

As fazendas molhadas, farinha e comestíveis secos deviam ser oneradas com 15%, livres de frete, direitos e outras despesas de compra, embarque, entrada e saída. Constituía. exceção o sal, que a Companhia era obrigada a vender ao preço fixo de 540 réis cada fanga ou alqueire (art. 24).

À Companhia ficava vedado o negócio por miúdo, e este reservado em exclusivo aos negociantes do Reino fixados nas áreas concedidas (art. 28).

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Ficava expressamente proibido a todo e qualquer indivíduo "mandar, levar ou introduzir" fazendas secas ou molhadas nas Capitanias, sob pena de perdimento das que fossem apreendidas.

A introdução naquelas Capitanias de escravos negros constituía um exclu­sivo da Companhia, que nelas os deveria vender " ... P<:?los preços em que se ajustar, pagando os costumados direitos à Real Fazenda ... ". Para este efeito, e em conseqüência da "resolução de 17 de julho de 1752, expedida em pro­visão do Conselho Ultramarino de 22 de novembro do mesmo ano", fora dada a "faculdade de formarem uma Companhia para resgatar os çlitos escra­vos na Costa de África, a qual com efeito propuseram no sobreditb plano de 15 de fevereiro do ano próximo passado (de 1754) e carta de 4 de março do mesmo ano ... " (art. 30).

Dado o minucioso pormenor da redação dos restantes artigos, dispensa­mo-nos de os enumerar.

Como se vê no art. 30, o estatuto não definiu em concreto a área onde a empresa deveria efetuar o tráfico de escravos. E, por isso mesmo, vemo-la logo em 1756 mandar navios, a norte da Serra Leoa e Angola, buscar os primeiros contingentes, embora em número muito limitado, respectivamente 94 e 348.

No tocante à distribuição de dividendos pelos acionistas, o art. 52 fixou que a "repartição dos lucros havidos apenas deveria ter lugar em julho do terceiro ano após a partida da primeira frota. Por outro lado, ficou definido que o capital investido nas ações só poderia ser reembolsado após a extinção da empresa.

A apreciação e julgamento de causas mercantis da Companhia e das de crimes cometidos pelos Deputados só poderiam correr pelos tribunais priva­tivos, previstos no estatuto.

À primeira, parece que este deveria constituir o estatuto principal e único pelo qual se regeria a Companhia. Todavia, não foi assim. Por razões nada esclarecidas, depois de efetuada uma primeira viagem dos seus navios às Ilhas de Cabo Verde e Angola, a 14 de novembro de 1757, a Junta de Administra­ção da Companhia apresentou ao rei, assinada por Rodrigo de Sande e Vas­concelos, Domingos de Bastos Viana, José Francisco da Cruz, Estêvão José de Almeida, António dos Santos Pinto, Bento José Alvares e Manuel Ferreira da Costa, uma petição contendo 16 artigos, para que fosse concedida à Com­panhia o comércio exclusivo das' Ilhas de Cabo Verde e suas anexas, e da Costa de Guiné, desde o Cabo Branco até o Cabo das Palmas, inclusive 11

,

isto é, uma área geográfica partindo da ponta sul do antigo Saara espanhol até ao extremo-sul da Libéria. Como não há interesse em sobrecarregar este texto, os interessados poderão consultar o alvará anexo ao volume 2. Esta petição mereceu a aprovação do rei pelo alvará de 28 de novembro de 1757, desde logo declarado secreto e, por isso mesmo, não deveria ser registrado nas chancelarias, nem dado a conhecer senão às pessoas a quem o monarca entendesse. Como apontamos em outro passo, este alvará secreto só foi publi­cado em Portugal, por nossa iniciativa, em 1967.

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Dadas as profundas alterações que esta decisão régia introduziu no esta­tuto de 1755 (sem o revogar), optamos por transcrever os seus artigos de maior relevância, até pelos reflexos que tiveram no comércio do setor Cabo Verde - Rios de Guiné.

Independentemente da fixação rigorosa da área geográfica de atuação - como se disse --, na cláusula l .ª foram concedidos "privativamente para a mésma Companhia por tempo de 20 anos os governos político e militar das Ilhas de Cabo V f!rde, suas anexas e Costa de Guiné, desde o Cabo Branco até o Cabo das Palmas, inclusive, para que ela, sem dependência de outro algum tribunal que não seja o real e imediata proteção de V.M., os mande administrar pelas pessoas que bem lhe parecer, excetuando-se somente as nomeações e provimentos dos Bispos, Cônegos e mais ministros da jurisdição eclesiástica, porque esta ficará no mesmo estado em que presentemente se acha".

Na cláusula 2.ª ficou estipulado "que a Junta consultará a V.M. as pessoas que nomear para exercerem os governos político e militar em todos os domínios que pela presente concessão lhe forem encarregados, as quais, sendo particularmente aprovadas por V.M., baixarão ·decretos de moto pró­prio de V.M. ao Conselho Ultramarino para lhes passar as suas patentes na forma costumada e para assim ficar esta outorga dissimulada com o segredo que nela se faz precisamente necessário por mais de um motivo".

Foi ao abrigo desta cláusula que a 10 de janeiro de 1777 a Companhia submeteu à aprovação dó rei a proposta de nomeação de um novo governador de Cabo Verde, em substituição de Joaquim Salema de Saldanha Lobo, go­

. vernador que teve a coragem de contrariar frontalmente a atuação dos admi­nistradores da empresa. Nessa base, a Companhia apresentou três nomes:

1) Pedro Alvares de Andrade, capitão .em exercício no Regimento de Schaumberg-Lippe.

2) António Vale de Sousa Menezes, por ser "um homem de conheci­da nobreza, da Vila de Santarém, filho de Man_uel António de Sousa Menezes, governador que foi das mesmas Ilhas de Cabo Verde, e por ter servido há perto de 15 anos no Estado da fndia ... ".

3) Ignácio Xavier Bairão, "no governo atual da Capitania de São José de Bissau, com a patente de sargento-mor" 12 •

A 17 de janeiro do mesmo ano, o monarca, em despacho proferido no Palácio da Ajuda, determinou fosse nomeado o segundo indicado na lista. E foi sempre assim que se fez a escolha dos governadores e dos próprios capi­tães-mor.

Como se verifica, houve uma espécie de transferência dos poderes régios, da soberania, digamos, para as mãos da Junta da Companhia, e daí a circuns­tância de se ter determinado o sigilo do conteúdo do alvará. Mas outras cláu­sulas confirmam este ponto de vista.

Pela cláusula 4.a, "nem os governadores e capitães-mor nem os ministros de Justiça poderão intrometer-se com a fazenda da Companhia, ou suas de­pendências, enquanto respeitarem ao comércio, porque estas se hão de encar­regar pela Junta as pessoas desta profissão que julgar mais beneméritas; e

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assim os ditos governadores e capitães-mor,. como .. os ministros da Justiça, se ,conterão nas suas respectivas jurisdições, que serão determinadas em novos regimentos, que se lhes darão no real nome de V.M.".

Na 5 .ª ficou estabelecido "que a Companhia poderá fortificar todas as Praças já feitas e as que para o futuro julgar conveniente mandar estabelecer para maior segurança, estabelecimento e extensão do seu comércio ( ... ) expe­dindo-se para este efeito as reais ordens de V.M., de tal sorte que pareça que a despesa se faz por conta da Fazenda Real e que a Companhia só assiste com ela para lhe ser embolsada depois; porque assim, tomando-se as necessárias cautelas de verbas e ressalvas em livros separados, se encobrirá também me­lhor a concessão particular da dita Companhia".

No que toca a encargos com a administração geral, foi regulado na cláusula 6.ª "que a Companhia pagará da sua fazenda com as sob reditas cau­telas toda a despesa que se fizer com as folhas secular e eclesiástica daquele governo e Praças dependentes, na mesma forma que se acha estabelecida até o presente, sem que nelas possa haver alguma alteração sem consentimento da mesma Companhia".

Na cláusula 7 .ª ficaram reguladas as questões relacionadas com as forti­ficações, casas de residência dos governadores e capitães-mor, artilharia, arma­mento, munições etc.

A cláusula 8.ª est~beleceu "que a Junta ( ... ) da Companhia, preceden­do licença particular de V.M., poderá levantar tropas" nas seguintes condi­ções: "neste reino por ordens emanadas de V.M .. ( . . . ) send,o servido depois encarregá-la de as transportar, como se fossem ·por conta da Fazenda Real; e, nas ditas ilhas, pelas pessoas dos respectivos governadores, para defesa e socorro das Praças ( .. . ) e as poderá mandar guardar pelas naus de guerra ou outras quaisquer que bem lhe parecer, dando as disposições que forem necessárias para preservarem-se aqueles domínios ( . .. ) e o comércio deles de todo o insulto dos seus inimigos; e somente não poderá mover guerra ofensiva sem especial licença régia".

As cláusulas seguintes regulam a forma de cobrança dos réditos reais e de exercer as atividades mercantis, e por isso mesmo possuem particular rele­vância. Embora a sua transcrição, por longa, possa parecer enfadonha, enten­demos, contudo, que possui inegável interesse para auxiliar a compreensão das razões um tanto evidentes de a Companhia ter posto de lado todo o setor da costa ao sul do Equador, para dar preferência ao limitado espaço situado ao norte. Vejamos, pois, o teor de cada uma das restantes.

9.ª) "Que, para suprir à grande despesa de que a Companhia se encar­rega para a manutenção, fortificação e defesa das sobreditas ilhas e seus Presídios, haja V.M. por bem conceder à Companhia por tempo de 20 anos contados da data da confirmação ( .. . ) todas as rendas reais e mestrais que naqueles domínios pertencem actualmente e para o futuro pertencerem à real Coroa ( .. . ) , compreendendo-se nesta generalidade os rendimentos das alfân­degas, dízimos, foros, chancelaria, impostos e outros quaisquer rendimentos que ( .. . ) pertencem à Coroa, o que tudo poderá a Companhia livremente cobrar e despender nos referidos ministérios, debaixo do título aparente de

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se pagar das sobreditas despesas, que na exterioridade se devem persuadir feitas por ordem especial de V.M. ( ... ), estabelecendo-se a forma de cobran­ça que lhe parecer mais útil ( ... ) , conservando porém a existência e separa­ção de cada um destes direitos para se reunirem e consolidarem na Coroa, findos que sejam os ditos vinte anos".

10.ª) "E porque não bastam os expressados rendimentos para suprir as referidas desoesas, suplicam ( ... ) se sirva conceder à ( ... ) Companhia o comércio privativo da erva urze/a, livre de todo o encargo ou direito, debaixo do título aparente de um arrendamento, para que só a Companhia o possa fazer em toda a extensão dos referidos domínios e ilhas dos Açores e da Ma­deira, como atualmente se pratica, e deles para estes reinos e para os mais da Europa, sem que por isso pague a dita urzela direitos ou emolumentos alguns, de entrada e saída, assim neste Reino como nos referidos domínios, como até agora se observou com os coritratadores. E que, em conseqüência desta graça, seja ( ... ) servido ordenar que, enquanto durar o privilégio da Companhia, se não torne a arrematar o contrato da ( ... ) erva urzela, que por esta con-dição ficará priV'ativamente pertencendo à ( . .. ) Companhia, a qual a poderá descarregar imediatamente para os seus armazéns, sem ser obrigada a levá-la às alfândegas".

Na altura própria procuraremos demonstrar as conseqüências advindas deste tão extenso privilégio.

11.ª) "E porque nem assim deixaria a Companhia de ficar prejudicada pelo grande excesso das despesas, suplicam ( ... ) seja servido conceder ( ... ) o comércio privativo e exclusivo das ilhas de Cabo Verde, suas anexas e da Costa de Guiné, desde o Cabo Branco até o Cabo das Palmas inclusive, em todas as Praças e Feitorias que até o presente se acham estabelecidas e para o futuro se estabelecerem, para que só a ( ... ) Companhia, pelos seus feitores e com os seus navios, o possa fazer, havendo por bem que nénhuma pessoa de qualquer qualidade que seja, por si nem por interposta pessoa, o possa fazer deste Reino nem das suas conquistas para os portos dos referidos domí­nios. Em ordem a cujo fim e ao de dissimular este privilégio exclusivo, en­quanto for possível, se servirá ( ... ) de o mandar impedir por meios indirectos, como o de se denegarem despachos aos navios e de se confiscarem pelos go­vernadores aqueles que forem sem despachos e outros semelhantes, sendo nacionais. Porém, sendo de nações estrangeiras, se usará de todos os possíveis meios indirectos para que lhes seja nocivo o comércio que buscarem nas refe­ridas ilhas e domínios e para que neles lhes faltem os meios de continuarem. Mas no caso de o quererem introduzir com força declarada, se, depois das escusas que os governadores lhes fizerem com os seus regimentos, insistirem ainda, se lhes protestará que vejam que rompem a paz como injustos agres­sores, passando-se de tudo actos por escrito, para constar desta moderação. E, se apesar dela tornarem ainda a insistir, ofendendo com tiros ou com outros actos de hostilidades, se lhes responderá, repelindo então a força com a força em natural defesa".

12.ª) "Que para mais favorecer e animar ( ... ) a Companhia no referido comércio, e para esta cumprir exactamente com as suas obrigações, seja ( ... )

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·servido que de todos os frutos, cera, marfim e algodão, ou quaisquer outros gêneros ou manufacturas que a Companhia trouxer ao Reino, sendo da pro­dução das mesmas iihas e Costa de Guiné, não pague direitos nem emolumen­tos alguns por entrada nas alfândegas do Reino, podendo-os logo descarregar nos seus armazéns, porque tudo fica compensado com as despesas a que por ,este estabelecimento se sujeita a Companhia, e que somente pague nesta cidade os direitos, que actualmente se acham estabelecidos, de todos os gêneros que deste Reino fizer transportar para o réferido comércio".

A cláusula 13 isenta do pagamento de direitos e outros adicionais todo o material de guerra mandado pela Companhia para as fortificações e defesa das Praças, compreendendo-se na isenção o fardamento a distribuir aos sol­dados e outros militares.

As restantes cláusulas (14, 15 e 16) acautelam eventuais acontecimentos que possam prejudicar ou de qualquer modo atingir os interesses da empresa.

O clausulado transcrito, mesmo parcialmente, em nosso parecer, permite formular uma hipótese de trabalho que serve para aclarar a tomada de posi­ção da Companhia ao desistir do comércio e do tráfico de escravos da área de Angola e, a um tempo, a patrocinar a formação da Companhia de Pernam­buco e Paraíba à qual, por Alvará de 13 de agosto de 1759, veio a ser entre­gue esse setor. Da documentação consultada não foi possível concluir da coincidência de interesses entre as duas empresas monopolistas, embora alguns acionistas da do Grão-Pará viessem a sê-lo da de Pernambuco.

Todavia, se nos debruçarmos atentamente sobre algumas das cláusulas do estatuto de 1755, comparando-as com as do Alvará secreto de 1757, pa­rece evidente que a Companhia ponderou bem nas vantagens que viria a ter ao optar pelo último. E isso por diversas razões, mas fundamentalmente pelas seguintes:

l.ª) Dominaria a governação e a administração da Capitania das Ilhas de Cabo Verde e do continente fronteiro, ao poder dispor da faculdade de esco­lha do governador e dos capitães-mor. Necessariamente que, em princípio, só deveria escolher para tais cargos indivíduos de sua confiança, suscetíveis de a não contrariarem nos seus desígnios comerciais. 1! certo que, em alguns casos, as coisas não correram de feição, como seja, pelo menos, o caso do governador Joaquim Salema de Saldanha e do capitão-mor Francisco Roque de Sotto­Maior, com os quais houve desavenças; e o último, por se opor à ação da empresa, veio a ser envolvido em utn processo de que resultou o confisco dos seus bens.

2.ª) Viu anuladas as disposições dos artigos 23 e 24 do estatuto de 1755, com relação à África, segundo os quais a empresa só podia contabili­zar um lucro de 45%, a recair sobre o custo, em Lisboa, das chamadas "fa­zendas secas" (art. 23); e um lucro de 15% sobre o custo, em Lisboa, das "fazendas molhadas" - farinhas, azeite e gêneros comestíveis (art. 24). Ora, nos termos dos artigos 10, 11 e 12 - sobretudo - do Alvará secreto, ela beneficiaria de total isenção de direitos sobre todos os gêneros procedentes do setor (urzela, panos da terra, algodão, cera, marfim e outros), podendo descarregá-los e armazená-los sem qualquer interferência das alfândegas, quer

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as locais, quer as do Reino, mesmo quando destinadas a exportar para O·

estrangeiro. Como o Alvará secreto é omisso quanto a preços de venda ao público (ou de compra ao produtor), as fazendas e os gêneros eram onerados discricionariamente com elevadas margens de lucro. Tenha-se em atenção que os panos da terra eram vendidos pela Companhia com lucros nunca inferiores a 50% do custo e despes&s; e, na maioria dos casos, de 100 e 200%. Em face da carência de moeda metálica, as transações faziam-se na base da per­muta, fixando a Companhia os preços de compra ao produtor ou detentor; e, como os pagava em espécies, onerava-as de pronto com margens de lucro de 100 e 200 % , e assim obtinha os produtos por preços muito inferiores aos que anunciava. Um exemolo: a urzela, em certos períodos, tinha o preço de compra fixado em 30 réis o arrátel (960 réis a arroba); mas, invocando a falta de moedas, era adquirida por fazendas, quinquilharias, milho e bens alimentares, todos eles taxados a preços duplos ou triplos, se o seu pagamento fosse feito a dinheiro. Outro exemplo é o dos panos. Em regra, corriam por preços de mercado, variando entre 1.000 e 3.000 réis cada. Como eram pagos pela Companhia em mercadorias, os preços de.stas eram agravados altamente; e daí a possibilidade de adquirir os panos por preços muito inferiores aos praticados no meio. No entanto, quando os enviava para Bissau e Cacheu, faturava-os às suas Feitorias pelos preços correntes. Uma faca de dois gumes, de que os seus agentes se serviam bastas vezes, locupletando-se com as mais­valias.

3.ª) O afastamento da área, em particular das ilhas, de toda e qualquer espécie de concorrência de estranhos, designadamente de: estrangeiros (art. 11 do Alvará secreto). Isto não foi, no entanto, inteiramente eficaz, porque in­gleses e franceses levavam os seus .navios às enseadas e portos menos concor­ridos e aí transacionavam com o povo e mesmo com os pequenos negociantes e agricultores, dado que lhes pagavam os produtos e lhes vendiam as merca­dorias por preços muito mais vantajosos do que os praticados pela Companhia.

4.ª) As vantagens de ordem social e moral que advinham do direito de efetuar a cobrança _dos rendimentos púplicos (dízimos, foros, direitos adua­neiros e outros) e o pagamento das chíUnadas listas civis, eclesiásticas e mi­litares, como se de autêntico governo se tratasse. Daí que tivesse, em certos períodos, exercido coação sobre os agentes da Coroa, pois estes estavam na sua direta dependência quanto à percepção dos seus ordenados. Invocando falta de numerário, os ordenados eram pagos em espécie - mercadorias e gêneros alimentícios importados e mesmo panos da terra.

5.ª) A colocação nestf' setor de um maior volume de mercadorias de importação (tecidos etc.) do que poderia fazer em Angola, e com lucros mais substanciais.

6.ª) A vantagem - econômica e outra - de concentrar a sua frota de navios em percursos menos extensos do que aqueles que teria de fazer até a costa angolana e, de seguida, ao norte do Brasil.

7.ª) O ter, desse modo, conseguido aquietar os ânimos dos negociantes e agricultores de Pernambuco e Paraíba, e mesmo da Bahia, que se sentiam

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prejudicados por não possuírem uma organização mercantil do tipo, através da qual carreariam abundante mão-de-obra escrava e fariam o escoamento das suas produções, em particular tabaco e aguardente, indispensáveis à compra de escravos no Golfo da Guiné e mesmo em Angola.

Em abono do ponto de vista expendido no n.º 2, anota-se que, pelos "Balanços" de 1755 a 1774, a urzela deu um lucro líquido, acumulado, de 209.593.000 réis; e, os panos, aproximadamente de 372 contos de réis. Ne­nhum balanço acusou nesses produtos qualquer prejuízo. De lamentai' é que, a partir de 1774, não tivessem sido registrados outros balanços.

* * *

4. A pumçao dos autores 9a reclamação de 1755 (os Deputados da Mesa do Espírito Santo), se fez acalmar a agitação mais visível, não teve, contudo, o condão de impedir a propaganda surda, incitando os indivíduos a não adquirirem as ações da empresa, com o fundamento de que, no futuro, perderiam o capital. Nessa campanha de descrédito não tomaram parte apenas os negociantes. O clero também deu o seu contributo, embora numa ação mais velada e silenciosa.

Os administradores da Companhia bem anunciavam em bandos, nos lugares públicos, as vantagens que adviriam para aqueles que investissem di­nheiro na compra de ações. Para abreviar a colocação, a empresa facilitava o pagamento em prestações, na condição de a apólice ser entregue após a liquidação total do seu custo. Os negociantes-armadores podiam tornar-se acio­nistas, dando como garantia os seus navios. Após a avaliação do casco e apetrechos, receberiam um número de ações correspondente ao valor atribuído.

Enfim, fez-se apelo à pequena poupança, invocando para tanto a possi­bilidade de, com as apólices, poderem constituir morgadios e capelas, isto para demonstrar a solidez, a consistência do negócio. Era uma modalidade de investimento inovadora, sem tradições no meio; daí a desconfiança, a re­tração geradas pela propaganda de descrédito, lançada pelos negociantes e, designadamente, pelos chamados comissários volantes que, aproveitando as viagens dos navios para Ó Brasil, recebiam as mais variadas mercadorias de fabrico artesanal para permutarem por gêneros, no Pará e no Maranhão, com colocação assegurada em Portugal, particularmente no norte.

Em face desta situação, a Companhia via-se embaraçada com falta de capitais. De setembro a dezembro de 1755, apenas conseguiu colocar 491 l!,ÇÕes, ou seja, 196.400.000 réis; e, durante o ano de 1756,'mais 212.856.000 réis. Nestes quase dois anos as ações produziram 281.200.000 réis, quantia manifestamente pequena até para apetrechar a empresa com navios e merca­dorias a enviar para os diferentes setores de comércio já criados. A este con­tratempo teremos de agregar os derivados dos prejuízos causados pelo terre­moto de 1755, ocorrido a quatro meses da criação da Companhia, quer nos armazéns ruídos, quer na perda das fazendas· embaladas. Isto obrigou o re­fazer de toda uma engrenagem em vias de funcionamento.

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A notória falta de cabedais, um tanto colmatada com a compra a crédito de mercadorias na praça, está confirmada pelo seguinte despacho proferido pelo rei, datado de Belém, a 5 de abril de 1757, com o seguinte teor:

"O Tesoureiro do Consulado da Alfândega de Lisboa, Lázaro Mon­giardino, entregue à pessoa que for constituída pelo Provedor e Deputado da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, pelo dinheiro de seu recebimento até à quantia de 72 contos de réis, assim como o dito di­nheiro for entrando, para se aplicarem a um particular do meu serviço, cuja conta reservo ao meu imediato conhecimento" 13•

Era uma injeção de dinheiro da casa real, mesmo em frações (" como o dito dinheiro for entrando", tal como se diz na ordem), que iria permitir à Companhia um arranque substancial.

De qualquer modo, em 1757, um edital mandado afixar aconselhava em especial as instituições religiosas e outras a investir os dinheiros que tivessem em cofre na aquisição de ações da Companhia. Por influência (ou não) deste edital, o certo é que nesse ano foram emitidas 247 ações e depois mais 24 em 1758 e 10 em 1759, ficando assim completo o capital de 465.600.000 réis. De notar que, a partir de princípios de 1759, data em que a Companhia dis­tribuiu, nos precisos termos do estatuto, os primeiros dividendos respeitantes a 1755-1758, sendo 19,5% por ação (78.000 réis), o interesse geral por essa modalidade de aforro foi sensível. O fato é compreensível, sabendo-se que o "juro de lei" se situava nos 4% ao ano.

A despeito dos lucros conseguidos, a Companhia continuou a debater-se com falta de dinheiro. O movimento comercial cresceu e, numa mesma propor­ção, o empate em mercadorias, na frota e em escravos. Por conseqüência, era necessário obter mais dinheiro para o giro. Por essa razão, a 31 de dezembro de 1764 ("Diário" D-XV /R/7) se encontra o lançamento n.º 1.828, sob o título "Companhia de Pernambuco e Paraíba - Empréstimo dela recebido ao juro de 4% ao ano, 40.000.000 réis", quer dizer, mais 40 contos de réis para movimentar, enquanto se procedia à venda dos produtos e entravam fundos provenientes de mercadorias.

Voltaremos mais adiante à distribuição dos dividendos. O total de acionistas foi de 144, distribuídos da seguinte forma:

N.0 de N.º Total ~ Média em relação de ações

acionistas de ações de ações ao total por acionista

68 1 a 5 233 20,0 3,4

70 10 a 19 736 63,2 10,5

6 20 a 80 195 16,8 32,5

144 1.164 100,0 8,1

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Considerados os diferentes estratos sociais (é evidente que parte apre­dável dos acionistas não tem averbado o estrato social em que se inseria), temos:

2 secretários de Estado 5 nobres 2 governadores

13 oficiais do exército e da armada 25 doutores, desembargadores, intendente da Polícia e juízes da Casa

da Suplicação 5 padres e cônegos

52 acionistas que detinham um total de 378 ações. Se considerarmos a média de ações por acionista, encontramos 6,3; e a

percentagem das ações em relação ao total cifra-se nos 32,5. Quer dizer, 52 personalidades detinham 151.200.000 réis do capital subscrito. Isto é o que consta da lista nominal de acionistas em apenso 14 •

A enumeração feita não nos satisfaz cabalmente. Os acionistas proviriam apenas das classes nobres e possidentes? Tudo indica que não. Vejamos: dos 68 acionistas detentores de 1 a 5 ações, 17 possuíam uma ação; sete, duas; e 13, três, ou seja, um total de 37 acionistas com um conjunto de 70 ações. São os que consideramos pequenos acionistas. ~ certo que os detentores de 3 ações constituíam um grupo · que denota possuir alguma capacidade financeira (os 1.200.000 réi~ representavam na época soma apreciável). Os outros, com 1 e 2 ações, seriam indivíduos com menores posses que utilizaram o capital afor­rado para obter dele rendimentos, certamente superiores aos que o juro legal poderia proporcionar. Dos moradores no Brasil, apenas se registraram cinco, sendo dois do Pará, com um total de 8 ações, dois do Maranhão, com 15, e um da Bahia, com 6. Há igualmente um acionista do Porto com 6 ações e duas firmas comerciais estrangeiras com 13: Albertini, Frisone & Juvaltà, com 10, e Emmerchs & Brito, com 3. E quantos seriam os pequenos negociantes e outros profissionais não identificáveis pelos nomes?

A simples enumeração dos nomes, desacompanhada de outro elemento de identificação, nada elucida, pelo menos tanto quanto seria de desejar. Mas estamos certos de que, em maior ou menor número, todas as camadas sociais menos abastadas, com alguma capacidade financeira, investiram os seus di­nheiros na Companhia com o intuito de melhorar a sua economia.

No que toca à nobreza, a situação não se reveste daquela simplicidade que à primeira vista pode parecer. A realidade é, em parte, outra.

Os lançamentos nos livros "Diário" dos dividendos distribuídos obede­cia a dois critérios: um, em relação a personalidades de destaque no meio social, ou influentes, por inscrição individual; outro, para todos os restantes, feita em globo, sem qualquer especificação: conta de "Distribuição de divi­dendos" - "Distribuição aos accionistas, referente aos lucros do ano de ... ". Por outro lado, nos termos estatutários, os detentores de 10 ou mais ações deveriam fazer parte (desde que obtivessem os votos necessários nas "forja­das" eleições) dos corpos diretivos da Junta da Administração.

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Sucede que, ao analisar a lista nominal de acionistas, confrontando-a com os nomes dos corpos gerentes da empresa, verificamos que um detentor de 80 <lÇÕes, Pedro António Vergolino, nunca ocupou cargo algum na gerência, nem uma situação de relevo que a sua posição fazia supor, e aparentava-se pessoa apagada, sem quaisquer títulos nobiliárquicos. Segundo as listas de distribuição de dividendos, também a sua parte estava, na aparência, englo­bada no conjunto. Daí que tivéssemos tido a curiosidade de fazer uma acura­da pesquisa nos livros "Diário", confrontando os lançamentos c.om os dos registros contabilísticos e os números de cada ação.

Ora, Pedro António Vergolino adquiriu, em 14 de março de 1757, um lote de 30 ações com os n.ºs 800 a 829; e, a 4 de abril do mesmo ano, um outro lote de 50 ações com os n.ºs 851 a 900. Assim, identificadas as ações pelos seus números, foi-nos fácil, através do "Diário", apurar que o lote de 50 ações inscritas em seu nome pessoal pertenciam, na realidade, ao rei D. José. E, sem alongarmos (por desnecessário) as consultas, limitando-as a sete dis­tribuições, chegamos à conclusão de que Vergolino mais não era do que "testa­de-ferro" do monarca, possivelmente porque este, em face de problemas polí­ticos, não deveria querer que o seu nome figurasse como acionista da empresa.

Assim, transcrevemos em seguida os registros contabilísticos tal como se encontram nos livros "Diário", na conta de "Distribuição de dividendos":

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N.º 1.809, de 28-7-1761. "Pagos a El-rei Nosso Senhor, de 50 ações, n.ºs 851, a 900, a 19,5%, entre­gues ao Exm.º Sr. Conde de Oeiras" 15 .•

N.º 65, de 1-1-1762. "Pagos a El-rei Nosso S,enhor juros de 6,5% das ações n.ºs 851 a 900, referentes a 1760" 16 •••••••.•••••••••.•

N.º 809, de 10-2-1763. "A El-rei Nosso Senhor, juros de 50 ações, n.ºs 851-900, pagos ao Conde de Oeiras pela sua procuração .a José Fran­cisco da Cruz Alagoas, a 7%" ·17 ••••••••

"A El-rei Nosso Senhor, por 50 ações, n.ºs 851-900, pagos ao Conde de Oeiras, pela via apontada, à razão de 8%" 18

••••••••••••

N.º 966, de 17-1-1764. "A El-rei Nosso Senhor, de 9,5%, sobre 50 ações, n.ºs 851-900" 19

.•

N.º 967, de 4-4-1766. "A El-rei Nosso Senhor, lucro de 50 ações, n.ºs 851-900, a 9,5%, pagos ao Conde de Oeiras pelo seu procurador José Francisco da Cruz Alagoas" 19

••.•.•

N.º 2.591, de 27-2-1768. "Pagos a El-rei Nosso Senhor, lucro de 50 ações, n.ºs 851 a 900, juros de 11,25%, referentes a 1767" 20

..........

Total recebido até 1767

3.900.000

1.200.000

1.400.000

1. 600.000

1. 900.000

1.900.000

2.250.000

14-.150.000

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Se, porém, considerarmos o período de 1768 -a 1777, podemos acres­centar, com base no quadro de distribuição de dividendos adiante inserto, mais os seguintes quantitativos pagos:

De 1768 a 1774 - 11,5% sobre 50 ações (46.000 cada uma) .................. .

De 1775 a 1778 - 8 1/a% sobre 50 ações (33.000)

Total ........... .

2.250.000 1.666.650

18.066.650

Quer dizer, em sete distribuições de dividendos, o rei embolsou de juros a soma de 14.150.000, para um empate de capital da ordem dos 20 contos de réis; e, até 1778, mais 3.916.650 réis.

A djstribuição qos dividendos do primeiro lote de 30 ações de Pedro António Vergolino, cóm os n.º" 800 a 829, essa foi ,contabilizada em conjunto com outros acionistas.

O acionista Conde de Oeiras~ com apenas 6 ações (n.ºs 901 a 903 e 1.099 a 1.101), a Condessa de Oeiras, com 6 ações, e o Secretário de Estado Tomé Joaquim da Corte Real, com 30 ações (n.ºs 1.158 a 1.187), eram inscritos na contabilidade individualmente.

Tudo isto mais não é do que um problema no conjunto de outros, cuja especificação pouco interessa.

* * * Vejamos agora como foram distribuídos, segundo os períodos, os divi­

dendos e, ao mesmo tempo, o resgate das ações após a extinção do monopólio e as questões surgidas com a liquidação do patrimônio da empresa. Cabe aqui referir que as suspeições levantadas pelos reclamantes de 1778, afirmando que a empresa não distribuía juros e que o capital pertencente aos acionistas estava perdido, não passaram de ,atuardas sem qualquer fundamento sério e servi­ram para demonstrar mais uma vez o ódio vesgo que essa camarilha nutria pelo Marquês e por tudo quanto estivesse ligado à sua obra.

O quadro que segue corresponde à escrita do livro de "Balanços", lan­çamentos a esclarecer de seguida, em virtude de dificuldades e enganos corri­gidos posteriormente. Veja no quadro (pág. seg.) a distribuição, por anos dos juros (em valores relativos e globais) 21 •

Deste quadro conclui-se que a empresa, nos 22 anos de atividade - e considerado o período de cobrança das dívidas e de alienação do seu patri­mônio (móvel e imóvel) -, procedeu até 1783 ao resgate da totalidade das ações emitidas e ainda à distribuição de dividendos num total de 1.128.914.836 réis, ou seja, 242,5% do capital investido.· De salientar que as Comissões Li­quidatárias nomeadas logo após a publicação do Decreto de extinção do mo­nopólio, mercê de dificuldades insuperáveis surgidas entre o Estado devedor e os negociantes e agricultores do Pará e Maranhão, não conseguiram reaver muitas das mercadorias e valores e, a partir de meados do século XIX, ces­saram por completo as tentativas de cobrança de dívidas. Haviam sido detec-' tados alguns alcances de centenas de contos de réis. O patrimônio imobiliário

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Divi- Por Pelas 1.164 dendo ação ações emitidas (%) (réis) pela Companhia

1755/1759 19,5 78.000 90.792.000

1760 6,0 24.000 27.936.000

1761 7,0 28.000 32.592.000

1762 8,0 32.000 37.248.000

1763/1764 9,5 38.000 88.464.000 44.232.000 réis p/ano

1765 10,0 40.000 46.560.000

1766 11,0 44.000 51.216.000

1767 8,8/4 35.000 40.740.000

1768/1774 11,5 46.000 374.808.000 53.544.000 réis p/ano

1775/1777 8,1/a 33.333 116.398.836 38.799.612 réis p/ano

-1782/1783 465.600.000 Resgate das 1.164 ações

1787 10,0 40.000 46.560.000

1793 10,0 40.000 46.560.000

1813 4,0 16.000 18.624.000

1815 4,1/4 18.000 20.952.000

1816 4,0 16.000 18.624.000

1818 4,0 16.000 18.624.000

1819 4,0 16.000 18.624.000

1820 4,0 16.000 18.624.000

1824 3,0 12.000 13.968.000

1.593.514.836

deixado em Belém do Pará e em São Luís do Maranhão foi confiscado a seguir à proclamação da Independência do Brasil, fato que levou a cisões várias, em conseqüência do conhecido fenômeno sociológico que se gera entre o "colonizado" e o "colonizador", precisamente pela inversão das po­sições. As antipatias e os ódios recalcados até aí manifestaram-se e agudiza­ram as querelas. Os portugueses foram alvo de discriminações de diversa ordem. Daí que muitos dos negociantes retalhistas e grossistas e dos lavrado­res se tivessem aproveitado da situação para repudiar as dívidas à Compa­nhia, apresentando os mais diversos argumentos. O curioso é que o próprio gov~rno em Portugal negou os seus débitos para com a Companhia, na maioria das vezes invocando razões fúteis e inconsistentes, ou deixando sem resposta

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as cartas enviadas pelas Comissões Liquidatárias, quando estas exigiam o pagamento.

A respeito da distribuição de dividendos, Nunes Dias 22 registra um mon­tante igual ao apresentado por nós: '1.593.514.836 réis. E acrescenta: " ... na resolução régia de 2 de junho de 1812, habilitarem a Junta a distribuir aos acionistas ( ... ) mais 37 ,5 % em oito rateios, por conta dos lucros acumulados das ações, constituindo a respeitável soma de 174.000.000 réis (que, reunida às distribuídas anteriormente, desde o estabelecimento da instituição, em junho de 1755, atinge o avultado montante de 1.593.514.836 réis, importância cor­respondente a 342,5 % dos capitais originários de suas apólices''. Todavia, em nosso entender, do total apontado devemos deduzir o valor global das ações resgatadas para, então, se fixar o líquido dos dividendos distribuídos (1.593.514.636 - 465.600.000 = 1.128.914.836). E essa operação mostra-nos a distribuição global de 242,5% do capital subscrito, como antes registramos.

5. Como se apura de todo um eonjunto de elementos, a renovação do "corpo político" da empresa, por meio de eleições trienais entre os acionistas, não se -fez com regularidade, mas um tanto "forçadamente", devido a pres­sões exercidas por determinados grupos. J! assim que, após a designação do primeiro corpo-ger<?nte, feita por decisão régia em 1755, só a 9 de janeiro de 1760 se realizaram eleições, sendo o elenco enumerado no capítulo sexto deste trabalho. Depois, a assembléia de acionistas só voltou a se reunir a 6 de agosto de 1768, designando a Junta da Administração e respectivos Conse­lheiros. Todos se mantiveram em funções, segundo indica a documentação existente, até à realização de novas eleições a 4 de setembro de 1776. Igno­ramos, no entanto, os nomes dos eleitos. A despeito disso, pareceu-nos do maior interesse fazer a análise da "Relação dos acionistas ( ... ) para proce­der à nova eleição" 22 , relação essa elaborada, como se disse, a 4 de setembro desse ano, porquanto dela se verifica que nesse longo período de tempo que medeia de 1755/1759 a 1776 houve profundas alterações entre os detentores de ações, abrindo-se um largo leque na distribuição, isto é, deixou de haver a concentração de elevado número em poucas mãos, para se dar certa aber­tura a indivíduos de menores potencialidades financeiras.

Como dissemos antes, não se conhecem exatamente todos os nomes dos eleitos em 1776. Todavia, avaliando o que vem registrado em certa documen­tação, vê-se que houve alguns deputados que habilidosamente se fizeram reele­ger, mantendo-se assim em funções bastantes anos após a extinção do mono­pólio. ·o mais destacado deles foi João Jorge Roque, que veio a falecer na fase de atuação das Comissões Liquidatárias. Sobre esta personalidade fare­mos posteriormente as devidas referências.

Mesmo correndo o risco de avolumar o texto, entendemos haver toda a conveniência em se conhecer o conteúdo da referida "Relação de acionistas", pois ela nos permite avaliar a evolução sofrida, nos mais diferentes aspectos, entre os acionistas e as suas posições na sociedade portuguesa, designada-mente no tocante à mudança de nomes. ·

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''Relação dos acionistas da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão feita a 4 de setembro de 1776 para proceder à nova eleição''.

N.º Nomes dos acionistas

A

N.º de ações possuídas

1 António José Ribeiro Leal ......... : . . . . . . . . . . . . . . . 1 2 Abadessa e religiosas do Convento de Santa Apolônia . . 3 3 Abadessa e religiosas do Mosteiro de Vialonga . . . . . . . . 3 4 Anselmo José da Cruz ..................... ( + +) 10 5 Dr. António de Araújo Lima .................. ( +) 6 6 António José de Melo Moniz, administrador do vínculo

que instituiu Marti~ho, Gonçalves Sotomaior . . . . . . . . . 2 7 António Álvares da Cunha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . t 8 Ilm.º e Exm.0 Arcebispo de Lacedemonia como adminis-

trador do vínculo que instituiu D. M~ria Pimenta da Silva 1 9 António Carvalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . l

10 Abadessa e religiosas do Convento de Nossa Senhora da Nazaré da vila de Setuval . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1

11 António Rodrigues de Oliveira . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . 2 12 Ilm.0 António José de Almada e Melo ........... ( +) 6 13 Padre Antónip José Malheiro ............... : . . . . . . 1 14 António José de Figueiredo e outros . . . . . . . • . . . . . . . . 1 15 Corond Alexandre Luís de Sousa e Menezes . . . . . . . . . 4 16 António de Oliveira Guimarães . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 17 Preclaríssimo António Salema Lobo de Saldanha e Sousa 2 18 D. Águeda Ma.ria Tereza e Eustorgio António . . . . . . . . 1 19 António de Abreu Guimarães ......... , . . . . . . . . . . . 3 20 Ilm.º e Exm.º Sr. Aires de Sá e Melo . . . . . . . . . . . . . . . 1 21 António Freire . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 22 António Francisco Pereira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 23 Amaro Soares Lima . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ( +) 5 24 Antónia Quitéria Pimentel e Maia . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 25 'Sargento-mor Alexandre Pinto Pereira . . . . . . . . . . . . . . . 1 26 António Pimentel de Sousa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 27 D. Antónia Joaquina de Andrade e Almeida . . . . . . . . . . 1 28 Conselheiro António de Azevedo Coutinho . . . . . . ( +) 9 29 Alberto Lima Pereira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 30 António Xavier Soares .............. : . . . . . . . . . . . . 1 31 António Pedro Vergolino m • • • • • • • • • • • • • • • • • • • ( +) 10 32 Administradores da casa de José Álvares de Mira . ( +) 10 33 Capitão António Rodrigues Botelho . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

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N.º N.0 Nomes dos acionistas de ações

possuídas

34 D. Antónia Teresa Joaquina de Aguiar Freire, como admi­nistradora do vínculo que instituiu seu marido, desembar­gador Manuel Gonçalves de Carvalho, e como tutora d s/ filha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ( + + J 10

35 António Francisco de Carvalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 36 António Moreira Lima . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 37 António Cotrim . .. . ... . . .. . . . ..... ....... , . , , .. . . 1

B

38 Bernardo Gomes J ácomo da Costa . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 39 Capitão Bento Dias Pereira Chaves . . . . . . . . . . . . . ( +) 7 40 Baltasar do Rego Barbosa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 41 Dr. Bento António de Sampaio e seus irmãos . . . . . . . . 2 42 Padre Baltasar Olivier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 43 Bento Alvares da Cunha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1

c 44 Câmara da Basílica Patriarcal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 45 Colegiada de •Santo André . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 46 llm.º e Exm.º Conde de Soire . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 4 7 Cofre das Coletas desta cidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 48 Dr. Caetano Correia Seixas . . .................. ( +) 25 49 Chanceler da Casa da Suplicação, e o Intendente Geral

da Polícia, como administradores da Capela que instituiu D. Fernando Martins Mascarenhas de Lencastre ... ( +) 9

50 Real Colégio dos Nobres . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 . 51 Cláudio José Pereira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 52 Reverendos capelães administradores da 'Capela que insti­

tuiu D. Antónia Fr~ncisca de Mendonça, na freguesia de Nossa Senhora da Encarnação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2

53 Um.a e Exm! Condessa da Ribeira Grande . . . . . . . . . . 3 54 Custódio José da Silva Vieira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 55 Reverendos Padres da Congregação do Oratório da Cida-

de do Porto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 56 Confraria de Nossa Senhora da Esperança dos Acadêmi-

c.os da Universidade de Coimbra . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . r D

57 Diogo Barbosa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 58 Domingos de Vilas-Boas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 59 Diogo Pereira Soares . . .. . .. . .... . . .. . ... . . . ... ) . . 2 60 Capitão Domingos Gonçalves Reis . . . . . . . . . . . ( + +) 1 O 61 Domingos Antunes Pereira, do Maranhão .... . . . ( +) 10

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N.º N.0 Nomes dos acionistas de ações

possuídas

62 Capitão Diogo Vicente Sunher . . . . . . . . . . . . . . . . ( +) 10 63 Domingos Francisco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 64 Padre Damião da Costa Ribeiro e seus irmãos . . . . . . . . 1 65 Domingos Lourenço . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ( + +) 1 O

E

66 Capitão Estêvão de Matos e outros . . . . . . . . . . . . . . . . 1 67 Eulália da Silva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . l

F

68 Francisco Calvet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ( + +) 10 69 Francisco Xavier Ramos, como administrador do vínculo

que instituiu seu tio Francisco Xavier Ramos . . . . ( +) 9 70 Francisco José Lopes ................ ... .... ( + +) 10 71 Francisco Alvares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 72 Francisco José Vaz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 73 D. Francisca Micaela da Fonseca ... •• , . . . . . . . . . . . . . 4 74 Francisco Vito Dantas da Fonseca . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 75 Francisco Grean . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 76 Francisca Joaquina da Assumpção e D. Isabel Coutinho

da Câmara . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 77 Francisco da Silva e Abreu . . . . . . . . . . . . . . . . . . ( + +) 1 O 78 Fernando Rodrigues dos Santos, como administrador do

vínculo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ( + ) 5 79 Francisco Xavier de Castro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ( +) 1 O 80 Francisco Josefa e sua irmã . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 81 Francisco de Albuquerque Santiago . . . . . . . . . . . . ( +) 11 82 Padre Francisco Xavier Pinto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 83 Francisco Xavier de Góis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 81- Félix Rodrigues Palavra e Manuel Joaquim de Sousa . . 1 85 Francisco José da Fonseca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 86 Francisco Xavier Barruncho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 87 Ilm.º Francisco Maria de Almada . . . . . . . . . . . . . . ( +) 6 88 Ilmº Francisco Furtado de Mendonça . . . . . . . . . . . . . . . 4 89 D. Francisca Rita de Assis Coutinho . . . . . . . . . . . . . . . 1

H

90 Hipólito José Pereira ....................... (+ +) 10 91 Herdeiros de António dos Santos Pinto . . . . ... .. ( +) 15 92 Herdeiros de António dos Santos Pinto e Manuel dos San-

tos Pinto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 93 Herdeiros do capitão Estêvão José de Almeida . . ( +) 6 94 Herdeiros de Bento José Alvares . . . . . . . . . . . . . . ( +) 15

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N.º N.0 Nomes dos acionistas de ações

possuídas

95 Herdeiros de Jácome Bellon ........... .. ..... ( +) 12 96 Herdeiros de Pedro Xavier de Lemos . . . . . . . . . . . . . . 1 97 Herdeiros do Cónego Luís de Abranches Castelo-Branco 4 98 Herdeiros de José de Torres Bezerra . . . . . . . . . . . ( +) 5 99 Herdeiros de José de Bezerra Seixas . . . . . . . . . . . ( +) 7

100 Herdeiros do desembargador João Pinheiro da Fonseca ('+) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

101 Herdeiros do capitão Caetano Jerónimo . . . . . . . . ( +) 10 102 Herdeiros de Rodrigo de Sande e Vasconcelos . . . . . . . 1 103 Herdeiros de Duarte Lopes Rosa . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 104 Herdeiros de Manuel Fangueiro Frausto . . . . . . . . . . . . . 4 105 Herdeiros de Manuel José Viana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 106 Herdeiros de Manuel Rademacker . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 107 Herdeiros de Diogo da Mota Ribeiro . . . . . . . . . . . . . . . 3 108 Henrique Martins . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 109 Herdeiros de João Pedro Lodovice . . . . . . . . . . . . ( +) 5 110 Herdeiros de Manuel Dantas de Amorim . . . . . . . . . . . . 3 111 Herdeiros de Félix Maria Recco & Cia. . . . . . . . . . . . . 1 112 Herdeiros de José Antunes de Carvalho ........ ( +) 5 113 Herdeiros de António Fernandes & Cia. . . . . . . . . . . . . 1 114 Herdeiros de José da Silva Braga . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 115 Herdeiros do Ilm.º e Exm.º Thomé Joaquim da Costa

Corte-Real . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ( +) 30 116 Herdeiros de D. lgnês Margarida de Friart . . . . . . . . . . 2 117 Herdeiros do Ilm.º António Jacques da Magalhães ( +) 8

J ' 118 José Amaro da Cunha e Lagoar ............. . . , , . . 1

119 João da Silva Franco ... . ... . ........ , . . . . . . . . . . . . 1 120 João Roque Jorge . . .. .. .... ·.. .. .. .. . .. .. .. ( + +) 10 121 D. José Joaquim Lobo da Silveira . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 122 Capitão João de Araújo Mota • . . . . . . . . . . . . . . ( + +) 22 123 José Pedro Henriques . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 124 Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia de

Nossci Senhora dos Mártires . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ( +) 14 125 D. José da Toca Velasco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 126 José da Cruz de Miranda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ( +) 5 127 Jacinto Isidoro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 128 Desembargador José da Costa Ribeiro . . . . . . . . . . . . . . . 4 129 José de Oliveira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 130 José Duarte ..... . ....... . .. . ... ,. . . . . . . . . . . . . . . . . 1 131 D. Joaquina Teodora Lima . .... ·"'-- ·.... . ..... . . . . . . 1 132 José Manuel Ribeiro Pereira . . . . . . . . . . . . . . . . . . ( +) 10

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N.º N.0 Nomes dos acionistas de ações

possuídas

133 Jorge António Rodde . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 134 José Bento Ferreira de Faria . . . . . . . . . . . . . . . ( + +) 10 135 Joaquim Pedro Belo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ( + +) 10 136 João Afonso Viana ........................ (++) 10 137 Desembargador José Manuel da Costa .... : . . . . . . ( +) 7 138 D. Isabel Antónia Coutinho da Câmera . . . . . . . . . . . . . 1 139 José Ferreira Coelho ....................... ( + +) 10 140 Desembargador João Fernandes de Oliveira . . . . . . ( +) 7 141 Junta do Comércio destes Reinos e seus domínios, como

administradora dos bens de António Ribeiro Neves . . . . 3 142 José Joaquim da Silva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ( +) 5 143 Joaquim José Estolano de Faria ............. ( + +) 10 144 Conselheiro Joaquim Ignácio da Cruz Sobral ..... ( +) 10 145 José dos Reis e outro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 146 João Ferreira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ( +) 6 147 Dr. João Pereira de Carvalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 148 Joaquim Pedro Quintela .................... ( + +) 10 149 Irmandade. de Nossa Senhora da Encarnação, sita na

igreja de São João da Praça . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 150 João Pedro Dannecker . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 151 lgnácio Monteiro de Sousa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 152 Jerónimo José Teixeira Palha . . . . . . . . . . . . . . . . . ( +) 10 153 José Ferreira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . 2 154 Jorge Alberto Moreira e José da Silva Soares . . . . . . . . 1 155 José Pedro de Rates Xavier da Silva . . . . . . . . . . . . . . . 1 156 Jacinto Manuel de Sousa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 157 Jerónimo José da Costa Ribeiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 158 João Baptista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 159 João Alberto Lisboa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ( +) 6 160 Padre João Pinto Rodrigues . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 161 José Cardoso Pinto Garcez . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ( +) 6 162 João de Sousa Azevedo, do Pará . . . . . . . . . . . . . . ( +) 10 163 José Rodrigues Bandeira .................... ( + +) 10 164 Dr. José de Seabra da Silva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 165 Padre Joaquim das Neves Ribeiro ................. - 1 166 José Gomes Pires . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 167 Jácome Ratton ............................. ( + +) 10 168 Beneficiado, José Machado da Silva e outros . . . . . ... . 1 169 João Luís de Oliveira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ( + +) 10 170 Dr. Joaquim Rodrigues Vieira Botelho ........ ( + +) 10 171 'Jerónimo Gonçalves de Sousa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 172 José António da Silveira .. .. .. .. . .. .. .. . .. . .. . .. .. 1 173 Dr. José Barbosa de Carvalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1

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N.º N. 0 Nomes dos acionistas de ações

possuídas

17 4 João Ferreira e outros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ( +) 7 175 José Domingues . . . . . . . . . . . . . • . : . . . . . . . . . . . . ( +) 5 176 João Pereira de Carvalho e Teotónio da Fonseca Amado 1 177 José da Costa Santiago . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 178 D. Isabel Ignácia Joaquina de Paula . . . . . . . . . . . . . . . . 3 179 Exm.º D. José de Menezes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 180 Joaquim José Rebelo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 181 José Nunes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 182 João André Régio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 183 José Corrêa Pacheco ......................... ·-.. 1 184 Ilm.º e Exm.0 João de Almeida e Melo . . . . . . . . . . . . . . 1 185 Joaquim Braancamp de Almeida Castelo-Branco ( + +) 10 186 ' José Dias Lopes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 187 João Henriques Tomé . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 188 Joaquim José de Almeida Braga ............ ( + +) 10 189 João Francisco de Lima: e Fonseca . . . . . . . . . . ( + +) 10 190 José Vicente Sunher ........................ ·-.... 1

L

191 Lourenço Anastácio Mexia Galvão ............. ( +) 7 192 Lázaro da Silva Torres . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 193 Luís Rodrigues Cardoso ....................... ., . . 1 194 Mestre de Campo, Lourenço Belfort, do Maranhão ( +) 5 195 Luísa Maria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 196 Luís Bartolomeu de Faria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 197 Preclaríssimo Luís José Corrêa de Lacerda ....... ( +) 11

M

198 D. Maria Joana de Azevedo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 199 D. Maria Juliana lgnácia de Menezes . . . . . . . . . . . . . . 1 200 Frei Manuel da Cruz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 201 Maria Maurícia do ó . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ( +) 6 202 Manuel de Passos Otone . . . . . . . . . . . . . . . . . • . ( + +) 10 203 D. Maria Josefa de Faria Salazar . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 204 Miguel de Abreu Couceiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 205 Manuel Rodrigues de Abreu . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . • . . . 1 206 Preclaríssima D. Maria Engrácia de Almada .... ( +) 6 207 Manuel Rodrigues da Fonseca . . . . . . . . . . . . . . . . . ( +) 8 208 Matias Lourenço de Araújo . . . . . . . . . . . . . . . . . ( + +) 17 209 Desembargador Manuel de Novais e Silva . . . . . . . . . . . 1 210 Maria de Vilas-Boas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ( +) 8 211 Miguel Lourenço Pires ..................... ( + +) 10 212 D. Maria Antónia Joaquina de Almeida . . . . . . . . . . . . 2

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N.º N. 0 Nomes dos acionistas de ações

possuídas

213 Martinho Teixeira Pequeno Chaves, administrador da Capela . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2

214 Manuel da Costa Pinto Vieira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 215 Manuel Ribeiro Lima ................ .. . . .... ( +) 5 216 Manuel de Meireles Rebelo .. . .... . . : . . . . . . . . . . . . . . 2 217 Desembargador Manuel José de Faria Machado Carmona 1 218 Manuel lgnácio Ferreira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ( + +) 1 O 219 Matias José de Castro, administrador do vínculo instituí-

do por António de Castro Ribeiro . .......... ( + +) 10 220 Manuel Jacinto Leitão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ( +) 10 221 Manuel Alvares Moreira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 222 Manuel Lopes da Silva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 223 D. Maria Angélica Cardoso Garcez .... . . . . .. .. ( +) 5 224 Manuel dos Santos Pinto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 225 Manuel da Silva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 226 D. Maria Madalena da Gama e sua irmã . . . . . . . . . . . 1 227 D. Maria Caetana de Palhares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 228 D. Maria Rosa Caetana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 229 Dr. Manuel António da Fonseca . . . . . . . . . . . . . . . ( +) 1 O 230 Mateus Carret e João Tomás Statemiler . . . . . . . . . . . . 2 231 Ilm.ª e Exm.ª Sr.ª Marquesa de Pombal ... .. .. •. ( +) 6 232 Manuel Ferreira de Carvalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 233 Manuel Ribeiro Pinto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ( +) 5 234 D. Júlia Josefa de Oliveira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ( +) 5 235 D. Maria Josefa de Oliveira e Teotónio da Fonseca

Amado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 236 Manuel Eleutério de Castro . . . . . . . . . . . . . . . . . ( + +) 10 237 Manuel Francisco Raposo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 238 D. Maria Madalena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 239 D. Maria Luísa de Andrade e outros . . . . . . . . . . . . . . . 1 240 Mateus António dos Santos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ( +) 1 O 241 Miguel Pereira Guimarães . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1

p

242 Ilm.º e Reverendíssimo D. Pedro Furtado de Menezes ( +) 9 243 Pedro Eneas Berardi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 244 Paulo Jorge . . . ....................... .. ... ( + +) 10 245 Pedro Rodrigues Ferreira e Francisca Maria . . . . . . . . . . 1 246 Prioreza e religiosas do Convento das Agostinhas Des·

calças .. J.... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 24 7 Pedro Borges Pacheco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 248 Sargento-mor Pedro de Brito da Silveira . . . . . . . . . . . . . 2

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N.º Nomes dos acionistas

R

N.º de ações possuídas

249 Recolhimento de Nossa Senhora da Conceição da cidade de Penafiel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1

250 Desembargador Romão José da Rosa Guião ..... ( +) 6 251 Rodrigo de Oliveira Braga ................ . .. . ~ . . . 1 252 Religiosas do Convento de São João da vila de Setuval e

D. Francisca Maria Xavier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 253 Dr. Silvério Luís Serra ..................... ( + +) 10 254 Sebastião Gonçalves Carneiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 255 D. Sebastiana Maria e Herdeiros do capitão Caetano

Jerónimo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 256 Serafina Dias ......... . ............. . -. . . . . . . . . . . l

T

257 Tomás António Freire . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 258 D. Teodora da Luz Pereira e sua irmã . .... . . . . , , . • 1 259 D. Tereza Rosa Josefa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 260 Teotónio Alexandre da Costa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 261 D. Teodora Maria de Andrade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 262 D. Tereza Josefa de Leão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 263 D. Teodora Francisca da Fonseca . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 264 D. Tereza Maria Joaquina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 265 Teotónio da Fonseca Amado ............ .. ....... ~ 1

V

266 Beneficiado, Valentim Próspero Salgado . . . . . . . . . . . . . 1 267 Vicente Fernandes Mendes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 268 Vicente Joaquim Rodrigues Pontes .... . , . . . . . . . . . . . 1 269 Rainha Nossa Senhora . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50

Total . . . . . . . . . . . . . . . . 1.164

Respeitamos inteiramente a ordem alfabética seguida no documento antes transcrito.

Os aspectos mais importantes que esta lista nos evidencia são os seguintes: • O alargamento do leque de acionistas passando o seu número total de

144, em 1755/1759, para 269, em 1776. • A perda de posição dos grandes acionistas em favor de indivíduos de

menores posses. • A transferência, em conseqüência do falecimento dos primitivos acio­

nistas, para os seus herdeiros, de parte das ações detidas por elemen­tos de destaque na vida social e na empresa, como, por exemplo,

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António dos Santos Pinto; Estêvão José de Almeida, capitão; Bento· José Álvares; Caetano Jerónimo, capitão; Rodrigo de Sande e Vas­concelos; o Secretário de Estado Tomé Joaquim da Costa Corte-Real e outros. A simples consulta aos agrupados na letra H elucidará me­lhor. Por outro lado, o Marquês de Pombal deixou de ser acionista, assim como o próprio Rei, este pela transferência das suas 50 ações (que estavam em nome do "testa-de-ferro", Pedro António Vergo­lino) para a Rainha. Pedro António Vergolino desapareceu da lista de acionistas e surgiu o nome de António Pedro Vergolino, com ape­nas 10 ações. Supomos que este indivíduo deveria ser filho ou pa­rente próximo daquele, isto pela semelhança de apelidos.

• A aquisição por Ordens ou Instituições Religiosas (Irmandades, Con­ventos, Abadessas etc.) de certo número de ações ~ 32.

• A posse de ações por parte de 36 indivíduos do sexo feminino. À falta de normas reguladoras dos atos eleitorais, a "Relação" em apreço

fecha com uma Nota redigida da seguinte forma: "As pessoas que nesta relação levam duas ( + +) à margem dos

seus nomes são as que se acham habilitadas para os empregos de pro­vedor, vice-provedor, deputados e conselheiros da Junta da Adminis­tração da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, na conformi­dade da sua instituição; as que, porém, vão anotadas com uma só ( + ), são as que têm voto sem dependência da união de outros accionistas. E as que não levam as referidas divisas são as que, por falta de compe­tente número de cinco acções que se requerem para ter voto na eleição dos sobreditos empregos, se podem unir com tantos 'accionistas quantos bastem para perfazer o sobredito número, e em nome de todos consti­tuírem entre si um só voto" 22 •

Segundo a "Relação", estavam nas condições indicadas na "Nota" 32 acionistas elegíveis e 58 com capacidade para votar sem necessidade de se congregarem com outros. Todos os outros teriam de se coligar para perfazer o número de ações que permitisse usar, do direito de voto.

Feito o resumo dos acionistas, segundo o número de ações detidas, temos:

N.º N.0 de Total N.º N.0 de Total de ações acionistas de ações de ações acionistas de ações

1 119 119 11 2 22 2 29 58 12 1 12 3 18 54 14 1 14 4 12 48 15 2 30 5 13 65 17 1 17 6 11 66 22 1 · 22 7 6 42 25 1 25 8 3 24 30 1 30 9 4 36 50 _ t_ 50

10 43 430 Total 269 1.164

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Se compararmos o número de ações segundo a "Relação" de 1776 com as listas de 1755/1759, encontramos as seguintes posições:

N.0 de ações Total de ações Valores relativos Acionistas em em (%)

com 1755/59 1776 1755/59 1776 1755/59 1776

1 a 5 68 191 233 344 20,0 29,6 6 a 9 24 168 14,4

10 70 43 736 430 63,2 36,9 11 a 17 7 - 95 8,2 22 a 50 6 "4 195 127 ' 16,8 10,9

Total 144 269 1.164 1.164 100,0 100,0

Considerada a posição social dos acionistas inscritos em 1776, compara­tivamente com a de 1755/1759, temos:

15 Desembargadores e doutores contra 25; 15 Instituições religiosas (Conventos, Irmandades etc.); 8 Padres .e outros elementos do· clero contra 5;

10 Oficiais de diversas patentes contra 13; 17 Nobres (os detentores de títulos nobiliárquicos) contra 5; 2 Conselheiros; 1 Real Colégio dos Nobres;

68, no total, ·contra 52 em 1755 /59.

Quer dizer, de qualquer ângulo que quisermos comparar as situações nos dois períodos (1755/1759 e 1776), vê-se que se deu uma grande transforma­ção na estrutura dos acionistas da empresa, sem que isto deva ter concorrido muito para a perda de posição e influência internas dos que sub-repticiamente conseguiram conservar-se em alguns postos-chave. O falecimento de alguns dos vultos da primeira fase e que antes anunciamos pode ter de algum modo alterado o jogo no interior da instituição.

Uma das facetas que não .devemos subestimar é a da aplicação das pe­quenas poupanças na instituição de vínculos e Capelas, como se poderá apre­ciar pela leitura da "Relação". Ao ingresso das Ordens Religiosas, "adqui­rindo ações, .nâo deve ter sido estranha a alta taxa de juros dessas ações, juros estes distribuídos nos três primeiros anos da atividade da Companhia - e não pelos "lindos" olhos da empresa. A par disso é de registrar que apenas três acionistas residiam no Brasil: dois no Maranhão e um no Pará. Pensamos que não investiram na empresa receosos de os negociantes de Lisboa assumi­rem a liderança dos negócios, em detrimento dos do norte do Brasil.

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Bibliografia e Notas do Capítul~ 2

1. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 3. ed., Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1956.

2. ANAIS DA BIBLIOTECA E ARQUIVO PÚBLICO DO PARA. t. 3. Pará, 1904, Doe. n. 119, Carta do governador Diogo de Mendonça, Corte-Real para o rei, datada de 18 de Janeiro· de 1754.

Nunes Dias alude a 32.000 cruzados o total subscrito pelos homens do Pará. 3 . DIAS, Manuel Nunes. Fomento e mercantilismo. Revista Studiar Centro de Estu­

dos Históricos Ultramarinos, n. 16, nov. 1966. p. 37. Este assunto foi abordado no § 1.º do Estatuto da Companhia de 1755, mas aqui

vem citada a data de 15 de fevereiro de 1754. 4. DOCUMENTO n. l, v. 2 desta obra. 5. DOCUMENTO n. 2, v. 2 desta obra. 6. CARVALHO, Tito Augusto de. As Companhias Portuguesas de Colonização.

Memória apresentada ao Congresso Colonial Nacional de 1901. Lisboa, Imprensa Nacio­nal, 1902, p. 56.

7. DOCUMENTO n. 6, v. 2 desta obra. 8. DOCUMENTO n. 7, v. 2 desta obra. 9. AHU. Cabo Verde. Papéis avulsos, 1761. Companhias Pombalinas. 2. ed., 1983,

p. 38. Ver o texto adicional do relatório em: Cabo Verde - Formação e extinção de uma sociedade escravocrata - 1460-1878. 2. ed., Lisboa, 1983, p. 234/239.

10. AHU. Guiné. Papéis avulsos. Caixa n. 11. Doe. n. 47, de 27 de julho de 1777. 11. DOCUMENTO n. 3, v. 2 desta obra. 12. AHMF-CGGPM. Livro de registro de "Leis e ordens régias". XV/R/25, fls. 83. 13. AHMF-CGGPM. Livro de registro de "Leis e ordens régias" n. 80. XV/R/19

(5-1-1754 a 12-3-1814). 14. DOCUMENTO n. 8, v. 2 desta obra. 15. AHMF-CGGPM. Livro "Diário". XV/R/7. 16. AHMF-CGGPM. Livro "Diário". XV /R/8. 17. AHMF-CGGPM. Livro "Diário". XV/R/7. 18. AHMF-CGGPM. Livro "Diário". XV/R/7. 19. AHMF-CGGPM. Livro "Diário". XV/R/8. 20. AHMF-CGGPM. Livro "Diário". XV/R/9. 21. AHMF-CGGPM. Livro de "Balanços". XV /V /18, fls. 314. 22. DIAS, Manuel Nunes. Junta Liquidatária dos fundos das Companhias do Grão­

Pará e Maranhão e Pernambuco e Paraíba - 1778/1837. Revista Studia, Centro de Estudos Históricos Ultramarinos. Lisboa, n. 32, jun. 1971, p. 118 (p. 89/144).

23. AHU. Pará. Papéis avulsos. Caixa n. 17 (1754/1776). "Relação dos acionistas da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, feita a 4 de setembro de 1776 para se proceder a nova eleição".

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3 FORTIFICAÇÃO DE MATO GROSSO, RIO NEGRO, BORBA

E TABATINGA COMO MÉIO DE DEFESA DA INTEGRIDADE E CONSOLIDAÇÃO DA UNIDADE DO

TERRITÓRIO, EM FACE DAS TENTATIVAS DE INVASÃO DE FRANCESES E ESPANHÓIS

Tanto quanto se sabe, datam dos finais do século XVII (ou antes) as tentativas de franceses e de espanhóis para se fixarem na região do Amazonas. Umas vezes surgiam invocando razões comerciais; outras, pretextavam a per­seguição e captura 'de escravos evadidos que se refugiavam na área do atual Pará. Em qualquer dos casos, o ingressb no território pertencente a Portugal acabava pela prática de atos de vandalismo - saques, assassinatos -, uma espécie de intimidação. Faziam-no porque estavam cientes da ausência de autoridades nos grandes espaços geográficos, dado que os pontos efetivamente ocupados se encontravam separados entre si por um imenso vazio. Muitas das vezes, essas investidas visavam à captura e escravização de índios, que leva­vam para Caiena ou Cabo Norte (os franceses) ou para a Venezuela (os espa­nhóis). Portugal, ao receber as comunicações das autoridades do norte do Brasil, sentia a gravidade do problema e, parece, tinha consciência de que não se tratava de expedições de negociantes, mas de grupos preparados pelos respectivos governos; e, por isso mesmo, não deveria subestimar os perigos. que poderiam advir desses atos aparentemente sem significado maior.

Tanto assim era que, em carta de 6 de fevereiro de 1696, dirigida ao governador António de· Albuquerque Coelho de Carvalho, o rei recomendava fossem tomadas disposições tendentes a "neutralizar as correrias dos caste­lhanos do · rio Amazonas" onde, segundo notícias, andavam "fazendo casas fortes dentro dos limites da minha Coroa"; e, por isso, recomendava todo o cuidado "para que os índios daquelas partes se pratiquem (leia-se: evangeli­zem) por missionários portugueses, como eles têm pedido, reconhecendo-se meus vassalos" 1

O problema fora posto nas cartas régias de 2 de fevereiro de 1686, de 24 e 25 de março de 1688 e de 4 de março de 1698. As investidas, com maior ou menor freqüência, foram-se repetindo através dos tempos, até que, em relação aos franceses, foram reguladas pelo Tratado de Utrecht, pelo qual se

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proibiram as relações comerciais da possessão francesa de Caiena (Guiana)• com o norte âo Brasil. A este propósito, em carta de 2 de janeiro de 1721, dirigida ao governador do Maranhão Bernardo Pereira de Berredo, o rei con­firmou as ordens daclas em carta de 20 de junho de 1720, no sentido de não ser aceita a proposta feita pelo governador de Caiena para· que fossem ence­tadas relações comerciais no interesse de ambas as partes. Renovou o rei as instruções para se não consentirem "de nenhuma sorte que nas ( ... ) negocia­ções pudes~b entrar também, como ansiosamente solicitavam todos aqueles franceses, a venda dos índios, pelo conhecido perigo que corre a liberdade dos que legitimamente gozarem dela"; e assim, em f àce da resolução de 3 de janeiro de 1721, por consulta ao Conselho Ultramarino "que de nenhuma maneira consintais que haja semelhante trato de comércio, porque. além de estar proibido pelas minhas leis, hav_ê-lo nas conquistas com os estrangeiros, ocorre que esta proibição se estipulou no tratado que se fez com a Coroa de França na paz ajustada em Utreque e que assim aviseis o governador de Caiena, caso ele continue semelhante prática ... " 2 •

Não dispomos de elementos de informação sobre como se processaram, em concreto, as relações de vizinhança com franceses e espanhóis. Temos de nos socorrer de fontes fragmentárias ao nosso alcance. Assim, vê-se, numa carta para Lisboa escrita do Pará em 17 de agosto de 1755, que o governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado comunicara o fato de, em 1752, os franceses terem ido ao Pará exigir que "se lhe entregassem. alguns pretos seus escravos que da dita colônia (de Caiena) tinham fugido para esta Capitania, restituindo _juntamente aqueles que pertenciam a estes moradores", mas que, "esquecendo-se talvez das condições que deverão religiosamente observar, em atenção à mesma real ordem, castigaram os ditos pretos com o rigor que a V. Majestade será notório pela cópia do auto de perguntas ( ... ) alguns deles tomaram a fugir para esta cidade, os quais mandei distribuir pelos mora­dores" 3 •

E como evoluíram os acontecimentos nos anos seguintes a 1755? Não dispomos de informações credíveis, dada a falta de fontes primárias. Entre­tanto, as providências adotadas pelo Marquês de Pombal, servindo-se para o efeito da Companhia do Grão-Pará e Maranhão, podem servir para aquilatar dos periP-os a que estavam expostos os territórios do norte do Brasil. em face das ameacas de franceses e mesmo de castelhanos. Sabe-se aue as investidas não cessavam. Pombal. não querendo envolver diretamente a Coroa num even­tual conflito com a França e a Espanha, preferiu usar de cautelas, transfe­rindo para a empresa monop~lista a responsabilidade de defender a. integri­dade do território. como se esta o fizesse no interesse dos seus direitos mer­cantis. Desse modo, caso as relações com aquelas potências se agravassem, mercê de atitudes belicosas contra o território amazônico, sempre poderia atri­buir as responsabilidades à Companhia, ilibando delas o poder político central. A dedução é nossa e baseada em documentacão posterior à extinção do mono­pólio, isto é, na fase de liquidação dos bens patrimoniais da empresa. As instruções transmitidas pelo governo de Lisboa à Companhia, dado o secretis­mo de que foram rodeadas, não se podiam detectar nos seus arquivos. De resto,

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este tipo de procedimento foi, rde certo modo, uma das características de Pombal.

Sabia-se vagamente que haviam sido tomadas, nos anos 70 de 1700, medidas tendentes à fortificação de certos pontos-chave na intricada rede hi­drográfica da bacia do Amazonas: Orinoco, Oiapoque e muitos outros; e, ao mesmo tempo, adotadas providências para a instalação na área de contin­gentes militares bem municiados. Ora, o transporte, pelos navios do Estado, de peças de artilharia e armas com destino ao norte do Brasil, podia levantar suspeitas, ao passo que, feito pela Companhia, detentora de frotas que deman­davam periodicamente o Pará e o Maranhão na época, era possível dissimular os carregamentos.

Pelo montante dos saques anualmente feitos pelas autoridades do Pará e do Maranhão sobre o Erário régio, em Lisboa, e pela correspondência expe­dida pelos representantes da Companhia naquelas Capitanias, temos a im­pressão de que se poderão extrair algumas conclusões. Naturalmente que só pelos saques - que não definiam em concreto a natureza dos gastos (como sejam os ordenados dos agentes da Fazenda Real nas ditas Capitanias etc.) -era difícil e contingente partir para uma afirmativa. Todavia, ao compulsar o extrato dos débitos da Fazenda Real, elaborado pela Comissão Liquidatária no seu balanço de 31 de dezembro de 1851, deparamos com um lançamento bastante esclarecedor. É do seguinte teor:

"Suprimentos feitos para pagamento das despesas com as obras de Bor­ba, Tabatinga; armamento para o Rio Negro e Mato Grosso 72.681.397"'

Nesse mesmo extrato estão lançados diversos outros débitos da Fazenda Real à Companhia, entre eles o custo global da construção da Fortaleza de São José na Ilha de Bissau.

Mas uma outr11 fonte primária dos Arquivos da Companhia esclarece melhor. É a longa carta assinada pelos agentes da Çomissão Liquidatária no Pará - José Pedro Freire de Gouveia e Manuel de Freitas Dantas - datada do Pará a 1.0 de janeiro de 1827 (confirmada pela sua segunda via, expedida na frota seguinte, como era normq). Nesse documento dá-se conta da venda de escravos recebidos de- alguns devedores para liquidação ou amortização das suas contas e, no geral, das dificuldades encontradas na cobrança das dívidas. A dado passo, porém, escrevem os subscritores da carta:

"Não nos tem sido possível ainda poder dizer a V. S.ªª os documen­tos que possam em forma legalizar as contas das despesas e suprimentos feitos por esta Administração com as obras extraordinárias do Mato Grosso e casas de Borba e Tabatinga, e do armamento para o Rio Negro, pois da Secretaria deste Governo aínda não se nos tem dado a certidão requerida da Ordem Régia que trouxe o ex-capitão general João Pereira Caldas em 1772, quando veio governar esta Província, sobre fazer edi­ficar estes estabelecimentos; como nesta Administração também não encontramos o ofício ou ordem deste general, que mande fazer as ditas· despesas e suprimentos, por motivo do segredo recomendado a este res­peito, tanto pelo Ministério como pela Junta da Companhia, os senhores

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Provedor e deputados Ignácio Pedro Quintela, Anselmo José da Cruz, Francisco José Lopes e João Roque Jorge, como V. S.ª" se servirão ver das cartas datadas de 9 de janeiro, 22 de maio e 4 de agosto, e outras que se seguiram em 1773 dos administradores António Coutinho de Almeida e Gonçalo Pereira Viana, em resposta às destes senhores, que bem mostram o dito segredo recomendado,· porém, tudo quanto enten­dermos das contas tomadas aos administradores dos ditos edifícios e obras de Mato Grosso, destas daremos a V. S.ª" documentos ... " 11 •

Na adenda a esta mesma carta, os seus signatários reforçam as informa-ções, escrevendo:

a "este respeito dos documentos para legalizarem as contas das despe­sas e suprimentos dos estabelecimentos de Borba, Tabatinga, obras de Mato Grosso e armamento para a fronteira de Rio Negro; na Secretaria deste Governo não há ordem do Ministério registradà a este respeito, pois foram secretíssimas as que trouxe o general João Pereira Caldas e estas assim dirigidas ao general de Mato Grosso, Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres. Há contas nesta administração, vindas dos devedores de Mato Grosso, respectivas às ditas obras e Provedoria da Fazenda Real. As contas tomadas aos sargentos-mores José Henriques da Costa Almeida, administrador do estabelecimento de Borba, e Diogo Teive Rebelo de Barros e Vasconcelos, do de Tabatinga, que por esta administração se lhes tomaram, têm documentos de férias pagas a ope­rários e outras despesas e relações dos gêneros que esta administração lhes mandou. Das 50 clavinas para o Rio Negro há documentos do almo­xarife Francisco Xavier de Andrade e escrivão José1 do Rego, de serem recebidas nos armazéns reais daquela Capitania" 11 •

Se consultarmos a lista dos saques sobre o tesoureiro-mor do Erário régio, em Lisboa, vemos que em l 775 o Maranhão emitiu letras para pagamento de despesas da Fazenda Real no montante de 48.553.857 réis; e o Pará, entre 1776 e 1778, um total de 182.176.044, igualmente destinados ao pagamento dos ordenados dos agentes do serviço público, secular e militar 6 •

Outro elemento de apoio ao nosso ponto de vista é dado pela relação dos diferentes débitos do Erário régio à Companhia, resultantes de "despesas por ordem expressa da Corte", contabilizadas em 177 5, e do seguinte teor:

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"Para o estabelecimento das Feitorias do Rio Negro, Savari e vá­rios outros, para o corte de diferentes cachoeiras para fazer navegáveis os ditos rios e para cujos dispendiosos objectos foi a Companhia encar­regada por ordens expressíssimas e instrutivas, de que sendo necessário produzirá cópias, procedendo logo por efeito das mesmas ordens e os avultados desembolsos em que continuou até que por ordem da mesma Corte lhe foi mandada suspender, a tempo que já por um orçamento feito à vista de particulares notícias que a Companhia tem progressos dos referidos estabelecimentos, tinha despendido para cima de 240.000.000 réis" 7 •

De todo o exposto, ficará alguma dúvida sobre o tema proposto?

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Logicamente que se mantém a escassez de informações concretas e deta­lhadas; mas, mesmo assim, quanto a nós, a prova apresentada é suficiente mesmo como mera hipótese de trabalho.

Todavia, dados posteriores permitem adiantar mais alguma coisa sobre o problema. As tentativas de incursões na área voltaram a repetir-se nos come­ços do século XIX, aproveitando-se o clima de guerra instalado na Europa com as lutas napoleônicas. Assim, em carta de 25 de novembro de 1801, o administrador da Companhia no Pará, ao serviço da Comissão Liquidatária, Manuel José da Cunha, avisava Lisboa de que a fragata "com os (restantes) navios da Praça que aqui se acham têm . tido por ".árias vezes dia destinado para saírem, porém a falta de notícias dessa tem suspendido o efetuar-se esta expedição; agora porém que chegou a desejada notícia da paz geral vinda por um correio do Maranhão, conduzindo os tratados celebrados entre Portugal e Espanha, e França, e esta com a Inglaterra, restabelecendo-se por este modo a paz geral em' toda a Europa e conquistas, notícias que a todos têm causado grande contentamento. Mato Grosso se achava atacado por castelhanos e o general daquela Capitania tinha pedido a esta socorro. o qual ainda lhe foi depois de chegar a esta os tratados de paz, pelo senhor general deste Estado não ter ainda recebido esta boa notícia, a qual chegou pela referida galera 'Monte do Carmo'" 8 •

A paz foi de curta duração, como se sabe. Iludiram-se com as tréguas na Europa. De fato, segundo tudo indica, as investidas dos espanhóis contra o norte do Brasil não se haviam até aí repetido. Isto deve-se ter ficado a c:Jever à falta de meios militares e outros, de que não dispunham na América. No entanto, as alterações da ordem pública produziram os seus efeitos entre os escravos, no próprio Maranhão. O antigo administrador da Companhia -que esteve ao serviço desta mais de 28 anos, conforme alude na carta - dele­gado da Comissão Liquidatária no Maranhão, em carta de 10 de marco de 1810 (a sua assinatura é ilegível), ao acusar a recepção da correspondência expedida pela Comissão, com datas de 28 de julho e 12 de setembro de 1804, de 9 de março ·de 1805, de 1.0 de fevereiro e 27 de outubro de 1806, de 18 de julho de 1807, de 3 de abril de 1808 e de 9 de outubro de 1809, enviadas em sucessivos comboios mas chegadas com atr~sos de anos, ao justificar a demora nas respostas, dizia que em março de 1804 se dera um levante de escravos numa sua propriedade sita na Ribeira de Itapicuru, tendo sido atacado o seu "feitor branco". O levante, no seu dizer, estendeu-se a sete outras fa­zendas onde os escravos "mataram uns feitores brancos e espancaram outros, como fizeram ao meu que o f erimm e amarraram como se fosse um escravo, fugindo depois disto quase todos os escravos para os outros matos, ficando perdidas uma grande parte dos frutos pendentes, isto tudo em tempos cala­mitosos para a humanidade, qual era o estado da Europa no ano de 1807, que por isso causou aqui susto a todos, por um levante formal da escravatura que se ia formando por toda a Ribeira até as aldeids, altas, com perigo da vida de todos os brancos ali habitantes, o que fez trazer logo um corpo grande de tropa para esta Ribeira para repelir a desordem ( ... ) Esta é a triste afli­ção em que me tenho visto desde o ano de 1804, passando por grandes e

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irreparáveis pre1u1zos, e igualmente todos com a falta da navegação para a Europa, de forma que se reduziu o algodão a 1.600 réis a arroba e o arroz nada valia, o que tudo fez um transtorno geral a todos ... " 0

Em face destas comunicações dos delegados da Comissão Liquidatária, fica comprovado o ataque espanhol ao Mato Grosso em 1804, talvez com a finalidade de atingir assim Portugal. Essas tentativas de desestabilização das posições portuguesas foram aproveitadas pelps escravos (e quem sabe se insti­gados pelos espanhóis?), revoltando-se contra os seus donos. Por outro lado, os riscos que a navegação para a Europa corria provocaram uma desarticula­ção da economia da região, devido ao não-escoamento das produções e, con­seqüentemente, à baixa da cotação do algodão em rama, e da desvalorização total do arroz - que passou a não ter sequer preços para os mercados externos.

A atuação da Companhia, na sua época, no desempenho de certas missões que lhe foram confiadas pela Corte - e que ela' executou com eficiência -concorreu em grande parte para assegurar a unidade territorial do norte do Brasil contra as incursões de franceses e de espanhóis. Pensamos que, se não tivessem sido tomadas as devidas precauções, talvez a configuração geográ­fica dessa parte norte não seria a que é hoje.

Bibliografia e Notas do Capítulo 3

1. ANATS DA BI~LIOTFCA E ARQUIVO PÚBLICO DO PARÁ. Pará, t. 1, parte 1 (1616-1700), s/ d, p. 107.

2. ANAIS DA BIBLIOTECA E ARQUIVO PÚBLICO DO PARA. Pará, t. I , parte 1, s/d. Doe. n. 127, p. 175.

3. ANAIS DA BIBLIOTECA E ARQUIVO PÚBLICO DO PARA. Pará, t. 4, 1905. Doe. n. 144, de 17-8-1755, p. 168/169.

4 . AHMF-CGGPM. Contas da Junta Liquidatária de 1846 a 1875. Livro XV /R/18, fls. 48.

5. AHMF-CGGPM. XV/R/ 127. Maço de correspondência avulsa. 6. DOCUMENTO n. 63-64, v. 2 desta obra. 7 . AHU. Pará. Papéis avulsos. Caixa n. 18. Doe. n. 10. Trata-se de documento sem

data nem assinatura, com os carimbos a óleo da Biblioteca Nacional de Lisboa e do Arquivo Histórico Ultramarino.

8. AHMF-CGGPM. Avulsos. Pará, 1800-1810. XV /E/20. Carta de 23 de novembro de 1801, enviada do Pará por Manuel José da Cunha.

9 . AHMF-CGGPM. Avulsos. Maranhão, 1800-1810. XV/,E/138. Carta de 10 de março de 1810, do Delegado da Comissão Liquidatária das Companhias (assinatura ilegível) . ·

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4 A FROTA DA COMPANHIA - ROTAS SEGUIDAS -

ATAQUES DE CORSÁRIOS A NAVEGAÇÃO PARA O BRASIL E DO BRASIL

Durante todo o período da sua atividade, a Companhia teve 42 navios de vários tipos e tonelagens, dos quais 40 com o valor de inventário de 143.602.330 réis, a saber:

2 naus de guerra, oferecidas pela Coroa; 4 naus mercantes; 9 galeras; 5 corvetas; 7 bergantins; 1 lancha do alto; 8 chalupas; 2 escunas; 4 lambotes.

Vinte e sete desses navios eram ocupados nas viagens a longa distância, coin destino à África e ao Brasil, transportandó mercadori.as, gêneros de pro­dução africana e brasileira (para Portugal) e escravos da -costa africana para o norte do Brasil.

Independentemente dos seus próprios navios, por vezes, a Companhia fretava outros (poucos) a armadores privados, fazendo-os incorporar nas suas frotas. ·

A lancha do alto, as chalupas, as escunas e os lambotes estavam desti­nados às viagens costeiras, designadamente nas Ilhas de Cabo Verde e Rios de Guiné.

As viagens a longa distância realizavam-se em comboios de 10 a 15 navios, escoltados pelas duas naus de guerra que a Coroa oferecera, a título gratuito, nos termos do art. 14 do Estatuto de 1755, e por outros de maior tonelagem, armados com peças de artilharia ou com pedreiros. Era a forma de defesa contra os freqüentes ataques de corsários, em especial de origem

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Mapa n.0 1

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ROTAS DOS NAVIOS DA COMPANHIA GERAL DO GRÃ0°PARÁ E MARANHÃO

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argelina e outros. Dos navios destinados a viagens longas, 13 naufragaram entre 1759 e 1774, depois substituídos por outros mandados construir na Bahia, aos quais foram apostos os mesmos nomes dos desaparecidos - e, por esta razão, não se anotaram no último inventário 1 ; mas o apenso comple­mentar a esta lista dá a idéia dos prejuízos sofridos em conseqüência de nau­frágios e aprisionamentos. Só que as oerdas não eram contabilizadas na ru­brica "navios", mas sim na conta de "Fazendas e efeitos", ou seja, de "mer­cadorias e gêneros", como tivemos ocasião de anotar no citado anexo à lista principal 1 • Os prejuízos globais, quer de cascos e apetrechos, quer de cargas, atingiram a soma de 50.054.987 réis, de 1759 a 1774.

As rotas normais foram, numa primeira fase, as seguintes, sendo umas constantes durante a atividade e outras um tanto esporádicas (as de Angola), pelas razões já apontadas: ·

• Lisboa - Angola, com ou sem escala para reabastecimento em Cabo Verde. Carregavam (poucas vezes) mercadorias para Luanda e rece­biam escravos para o Brasil.

• Lisboa - Cabo Verde - Cacheu - Bissau. A escala destes navios em Cabo Verde era, por assim dizer, obrigatória. De Lisboa levavam bar­ras de ferro, pólvora, espingardas, aguardente e alguns tecidos (as chamadas mercadorias para a escravatura); em Cabo Verde carregavam panos da terra (de confecção autóctone), e rumavam uns para Cacheu e outros pa~a Bissau, para deixarem as cargas e receberem escravos com destino ao Maranhão e/ ou Pará.

O Lisboa - Cabo Verde - Lisboa. Este trajeto pertencia aos navios transportadores de urzela, com descarga em Lisboa, ou em baldea­ção, ou apenas em escala, seguindo rumo a Londres, Marselha, Gêno, va e Amsterdã.

O Lisboa - Maranhão - Pará - Lisboa. Esta rota era feita umas vezes por navios que iam em lastro - regra geral constituído por pedras - a fim de carregarem gêneros de produção brasileira para Portugal; ou, então:

O Costa africana - Maranhão/Pará - Lisboa. Estes navios eram os que transportavam escravos africanos e depois, no retorno, carrega­vam gêneros para Lisboa, onde voltavam a receber mercadorias para qualquer destino.

A rota de Angola só foi contínua de 1756 a 1759, após o que sofreu uma interrupção em face da entrada no setor da Companhia de Pernambuco e Paraíba. Em 1762, 1763 e 1765 dirigiram-se para ali frotas com a finalidade de embarcar os escravos adquiridos a intermediários, ou com as mercadorias inicialmente enviadas entre 1756 e 1759. A seguir, há um "intervalo de 10 anos, em que se não registrou a ida de um só navio, para, de 1775 a 1781, voltarem a ser organizadas frotas destinadas à remoção de escravos comprados por agentes intermediários ou recebidos para liquidação de dívidas antigas. Deste setor é que a Companhia enviou uma centena de escravos para o Rio de Janeiro, pelo fato de a derrota facilitar a escala neste último porto.

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Uma consulta mesmo superficial aos quadros estatísticos constantes do volume 2 deste trabalho demonstra que o maior volume de carga transportado situa-se nos gêneros procedentes do Pará e Maranhão (em arrobas): 274.000 de algodão em 'rama; 723.630 de arroz e 761.300 de cacau; e escravos, cujo número total embarcado foi de 28.657. Aqui não se deve tomar em linha de conta a tonelagem, mas o espaço ocupado nos navios.

Nos elementos de contabilidade ao nosso alcance, escassos são os lan­çamentos com suficiente especificação de escravos e gêneros comprados no setor da costa ocidental até à Serra Leoa. No geral, esses lançamentos foram efetuados em termos genéricos ("negociações na costa de Guiné"). A ativi­dade nesta áreá, exercida sob a responsabilidade e orientação dos agentes fixos em Cacheu e Bissau por "caixeiros" ou "comissários", estendia-se, para norte, aos rios Casamansa e Gâmbia, ilha de Bossis (atual Pecixe) e esteiros dos Ba­lantas; e, para sul, às ilhas dos Bojag6s (Bijagós), rios de Geba (até a povoa­ção deste nome), Nuno, Logos e Escasserim (o atual Scarcies), estes dois últi­mos localizados na Serra :Leoa. Neste comércio eram utilizadas as emqarcações ligeiras, do gêqero chalupas, escunas e lambotes, dado o seu pequeno calado e facilidade de manejo. Daí a Companhia ter possuído pelo menos 14, algumas servindo no tráfego inter-ilhas em Cabo Verde.

A despeito da extensão das pesquisas realizadas, apenas referenciamos na escrita os movimentos nos anos 1770 e 1777, e estes mesmos com falhas e a maioria sem indicação de valores das mercadorias.

Vejamos, entretanto, como se operava a administração da frota. Cada navio levava "Instruções", cuja observância rigorosa se exigia; e

só podiam ser alteradas em casos de força maior, a justific~r junto às Admi­nistrações da Companhia. Além das escalas obrigatórias, continham; em regra, pontos comuns, quais sejam:

1.0) O encargo, marcado ao capitão do navio, de realizar em primeiro

lugar "o comércio de resgate de escravos (quando não havia Feitoria fixa ou agentes intermediários), servindo-se (em especial) dos panos que houver rece­bido dos Administradores da Companhia em Cabo Verde; e, em segundo plano, se se oferecesse ocasião, comprar cera e marfim por preços convenientes 1. que não deixe de fazer o principal negócio da compra de escravos, preferindo-o a outro qualquer, como esta Junta recomenda", tendo, todavia, "particular cuidado de resgatar escravos que sejam livres de queixas (leia-se: sem doenças ou quaisquer defeitos físicos) e como tais de fácil venda". E a rematar: "aos escravos que transportar o dito navio fará Vossa mercê dar bom tratamento para se evitarem as mortandades que do contráJ;"io resultam".

2.0) O modo de distribuir as despesas resultantes da compra, segundo

as diferentes contas sobre as quais deveriam recair especificadamente os en­cargos, estava assim fixado:

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• A conta do navio propriamente dita, compreendendo as despesas com aprestas etc., alimentação da equipagem e também a alimentação dos escravos, esta a contar do dia da largada do navio do porto de em­barque.

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O A conta resultante da compra, sustento, vestuário (as tangas) e ou­tras despesas com os escravos, até ao dia da saída do navio.

o A conta da venda, por permuta, das fazendas, artefatos e outros arti­gos recebidos em Lisboa, ou em Cabo Verde, à consignação, para a "negociação" de escravos, cera e marfim.

O O frete de cada escravo. Neste caso particular, a norma seguida dizia: "ainda que em virtude dos conhecimentos de embarque deve­ria V. mercê cobrar deles o frete de 16.000 réis por cabeça; ordena­mos a V. mercê que destes fretes não cobre coisa alguma, pois os administradores do Pará ou Maranhão nos hão de embolsar da sua importância". A razão desta restrição está ligada ao fato de o frete só poder incidir sobre os escravos chegados vivos ao destino.

3.º) A obrigatoriedade de o capitão manter rigorosa disciplina a bordo, por forma a haver harmonia entre os componentes da equipagem, e de parti­cipar quaisquer fatos ou atos louváveis, para serem punidos aqueles e recom­pens~dos estes 2

Em relação aos navios destinados ao transporte de mercadorias (saídos de Lisboa) e de gêneros (no retorno), as instruções eram menos extensas e sem grande rigidez.

Acentua-se que em nenhuma documentação consultada se nos deparou a indjcação das quantidades de espécies (tecidos, panos, pólvora, espingardas, barras de ferro etc.)' a permutar por cada escravo ou grupo de escravos. Refe­renciamos apenas a indicação vaga de 160 panos de algodão, de confecção cabo-verdiana, por um escravo. o que se tem de reputar muito elevado, con­siderando o preço médio de 2.000 réis por pano. Não é crível que pudesse ser assim. Provavelmente deveriam ser 16 panos (32.000 réis) por escravo.

O que se detecta na correspondência com os capitães de navios (quando a compra de escravos lhes era confiada) é que eles se aproveitavam da situação para sobrevalorizar dolosamente os custos, daí as alusões aos "preços de escra­vos bastante salgados". As compras diretas pelos · capitães dos navios, pelo menos nos Rios de Guiné, foram bastante restringidas no decurso dos anos, na medida em que se consolidava a ação dos administradores locais, com lojas fixas em Cacheu e em Bissau, os quais passaram a efetuar as compras nos diferentes rios e esteiros, serviço confiado aos caixeiros volantes que circula­vam nas pequenas embarcações do tipo das chaluPas, escunas e lambotes. As transações feitas por esses elementos eram controladas pelos administradores, e os escravos e gêneros, concentrados nos portos de embarque, onde os navios idos de Lisboa os carregavam.

A movimentação das embarcações de tráfico costeiro foi sempre muito ativa. Dos poucos elementos detectados na escrita (e que se apresentarão em detalhe no capítulo próprio), vê-se que se encaminhavam, talvez com alguma periodicidade, para os rios Gâmbia e Casamansa, todo o curso do rio Cacheu até Farim, esteit:os dos chamados "esteiros dos Balantas" e ilha de Bossis (Pecixe), isto partindo da Feitoria de Cacheu; e para as ilhas dos Bojagós (Bijagós), povoado de Geba, rios Pongo, Logos e Escasserim (ou rio Scarcies), partindo da Feitoria de Bissau. Nestes pontos adquiriam escravos, pau cam-

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pexe e godongos de cola. Este último produto era, por sua vez, levado para os rios do norte, como o Farim ou Cacheu, Casamansa e Gâmbia, onde servia para o negócio com populações islamizadas, as grandes consumidoras de nozes de cola. Quer dizer, com os apoios em Cacheu e em Bissau, percorriam a eosta norte, distribuindo o fruto pelos diferentes centros consumidores. Em­bora poucos sejam os dados contabilísticos sobre a cola, o certo é que deveria ser um produto que facultava lucros consideráveis. Em carta de 8 de maio de 1762, a Feitoria de Cacheu informava Lisboa que "a cola se vende com ganho de 200%" 3 • No capítulo próprio desenvolveremos o assunto.

Dos elementos contabilísticos, concluímos que a frota não deu à empresa lucros que se poderiam esperar. Constituiu um poderoso elemento da expan­são comercial e sem ela dificilmente obteria rendimentos substanciais. Segundo os "Balanços" registrados - limitados ao período de 1756 a 1774 -, os lucros acumulados do rendimento de fretes totalizaram 183.554.031 réis. To­davia, como nos mesmos "Balanços" os prejuízos ascenderam a 213.534.536 4, temos que o prejuízo efetivo até aquele ano de 1774 foi de 29.980.505 réis. Trata-se da apreciação limitada a dado período. A realidade foi bem outra, porque, à data da extinção do monopólio, a empresa ainda dispunha de uma razoável frota que veio a ser utilizada no comércio com o extremo-oriente, e que foi posteriormente vendida, quando da alienação dos seus bens patrimo­niais - incontestavelmente consideráveis.

Bibliografia e Notas do Capítulo 4

1 . DOCUMENTO n. 8, v. 2 desta obra. 2. AHMF-CGGPM. Livro n. 97. Cartas para Cacheu e Bissau, 1760/ 1778, XV /0/36. 3. AHMF-CGGPM. Cacheu. Papéis avulsos. XV /D/ 46. 4. AHMF-CGGPM. Livro de "Balanços", 1756/1774, XV/V/18.

Lista dos diversos tipos de navios*

Bergantim: Antiga embarcação com a forma de uma galeota, porém de maiores dimen­sões, de coberta corrida, com 8 a 10 bancos para os remadores e que poderia armar vela.

Chalupa: Embarcação de dois mastros, o "grande'' e o da "mezena", em que arma pano latino quadrangular. No mastro grande, arma um mastaréu - o "mastaréu" de gave-tope.

Corveta: Davam antigamente o nome de corveta a um navio de guerra, de dois mastros, cujo aparelho pouco difere do aparelho do brigue. Era navio de uma só bateria e menor que a fragata. Navio de três mastros, com pano redondo, com 20 a 30 bocas de fogo em uma só bateria, e menor do que a fragata.

"' FONTE: Diciondrio da Linguagem da Marinha Antiga e Atual, de Humberto Leitão e J. Vicente Lopes, Centro de Estudos Históricos Ultramarino. Lisboa, 1974.

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Escuna: Navio de vela de dois mastros e um só mastaréu em cada mastro. Nele predo­mina o pano latino, pois larga pano redondo apenas no mastro da proa - velacho e joanete, e às vezes, com ventos largos, um traquete que tem o nome de "redondo".

Galera: Navio de pano redondo, de três mastros, com mastaréu em cada um deles e com gurupé, bojarrona e giba. As galeras mercantes não costumavam usar traquete latino grande, mas em seu lugar usavam velas de entre mastros.

Lambote: O mesmo que langabote, nome dado a uma embarcação que, em geral; andava a remos e foi usada no Oriente.

Lancha: A maior embarcação de bordo, correspondente ao batel de antigos mares. 1:. de remos e uma vela, quando necessário.

Nau: Termo que na linguagem corrente servia para designar navio de guerra. Navio de grande porte com altos acastelamentos à proa e à popa, que armava três mastros denominados traquetes, "grande" e de "mezena", nos dois Qrimeiros.

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5 OS SETORES DE COMÉRCIO - LOCALIZAÇÃO -

ESPECIFICAÇÃO DOS TIPOS DE TRANSAÇÕES

1, Em concordância com o estatuto de 1755, a Companhia procurou definir os seus setores de comércio, em África e no Brasil. Aqui eles estavam por natu­reza escolhidos: seriam, portanto, o Maranhão e o Pará. Em África, porém, hou­ve que estudar melhÓr a localização e montagem; e, assim, surgiu o de Santiago de Cabo Verde e o de Bissau-Cacheu no continente fronteiro ao arquipélago. Depois estabeleceu, segundo tudo indica, com caráter precário ou mesmo tran­sitório, o de Angola, com sede em Luanda, e que, em 1759, passou para a Companhia de Pernambuco e Paraíba. De resto, o pequeno volume de merca­dorias para ali enviado, parte delas de 1775 a 1777 com destino a Benguela, tudo totalizando pouco mais de 121 contos de réis, dá-nos a idéia da posição desse setor. Este pormenor é indicativo do pequeno interesse que Angola teve, logo de início, para as atividades diretas da empresa. Com esta afirmação pretendemos demonstrar que Angola não fez parte das preocupações dos diri­gentes da Companhia, que centraram as suas atenções predominantemente na parte norte da costa africana e Brasil.

Em outro capítulo indicamos as prováveis razões que terão levado a Companhia a preferir, para fulcro principal da sua ação, o setor Cabo Verde­Bissau-Cacheu; ou, melhor, em conformidade com o Alvará secreto de 1757, a área compreendida entre o Cabo Branco e o Cabo das Palmas, não apenas pela sua proximidade de Lisboa como pela vantagem de movimentar úma mais diversificada gama de produtos de origem africana, uns de grande procura internacional, outros com mercados assegurados nos Rios de Guiné; e, simul­taneamente, a colocação de apreciável variedade de mercadorias euro-asiáticas - Q que não tinha possibilidade de fazer na Angola da época, ainda que aqui pudesse extrair um maior volume de escravos do que os adquiríveis no setor do norte. Por essa altura, o setor de Angola até Benguela apenas poderia fornecer escravos e um pouco de marfim, dado que a cera só veio a interessar ao comércio de exportação alguns anos depois.

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Antes, pois, de tratar de cada setor em particular, ou no seu conjunto, importa localizá-los.

* !< * 2. Não foi tarefa fácil delinear o enquadramento das diversas matérias

a tratar neste capítulo, uma vez que cada um dos setores de comércio aponta­dos concorreu de forma desigual e diversa para o conjunto. Isto ficou a dever-se à especificidade das respectivas produções e, ao mesmo tempo, às preferências pelas mercadorias levadas da Europa, e que tinham de satisfazer às exigências, em qualidade e quantidade, dos consumidores, para não dizer até da própria ausência de consumidores. Daí que tivéssemos hesitado um pouco no critério a seguir no estudo de cada um. :É nossa _obrigação facilitar a tarefa dos even­tuais leitores.

Embora e1'tre si geograficamente distanciados, mas com aptidões coinci­dentes quanto ao que deles se exigia na época, os setores Bissau-Cacheu e Angola mostraram-se desde logo muito semelhantes, pois concorreram para o comércio transatlântico e, em larga medida, quase · apenas com escravos. Por essa razão, as mercadorias que podiam. consumir eram similares, muito espe­cíficas e, assim mesmo, quantitativamente com pouca expressão. Em um e outro, as produções próprias, por pouco diversificadas, não interessavam sobremaneira à Europa e menos .ainda ao Brasil.

Postos de parte os couros, a cera, o marfim, todos em quantidades insig­nificantes, com nada podiam concorrer para o comércio externo. Em matéria de tecidos e mesmo em ferramentas e utensílios de fabrico europeu, a sua capacidade de absorção era muito limitada. ,

De início - e ponderadas algumas razões - pensamos- em um enqua­dramento de tipo estritamente geográfico e, nessa ordem de idéias, inclinamo­nos para a formação de um setor africano amplo, abrangendo ao mesmo tempo as Ilhas de Cabo Verde, Bissau-Cacheu e Angola. Todavia, as características próprias da economia do arquipélago, já então dispondo de ligações com o comércio internacional e com fornecimentos diversificados, tendendo para o complexo comparativamente com os outros setores, opinamos pela apreciação em separado, tendo em atenção o importante papel político-administrativo assumido pelas ilhas em face das estipulações do Alvará secreto de 1757. Este ponto de vista mais se radicou no nosso espírito ao apreciar em pormenor os tipos de mercadorias ali transacionadas e as produções locais que entraram no circuito exterior, mesmo no setor Bissau-Cacheu.

Perante este conjunto de fatores, optamos por atender a dois critérios distintos :o geográfico e o da natureza das mercadorias introduzidas e dos gêneros de produção local a adquirir. :e nessa base que, considerado o movi­mento mercantil da empresa, dividimos os setores de comércio em três:

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• Setor africano, compreendendo Bissau-Cacheu e Angola. • Setor das Ilhas d(! Cabo Verde. Aqui, independentemente das ativida­

des mercantis, consideramos também o exercício da Administração pública, traduzido nas prerrogativas concedidas à Companhia pelo n.º 9 do Alvará Secreto de 1757, permitindo-lhe a cobrança de "toqas as rendas reais e mestrais, rendimentos das alfândegas, dízimos,

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chancelaria, impostos e outros quaisquer rendimentos" e, simulta­neamente, pagar os ordenados das classes civil, eclesiástica e militar, assim como as despesas com a manutenção das fortificações e outros meios de defesa.

• Setor do Brasil, com relevância para o Maranhão e o Pará. No Mara­nhão incluiremos a Feitoria de Parnaíba, criada em 1771, e cujo movimento comercial entrou na contabilização do Maranhão.

3. Definidas as orientações, entremos na análise de cada setor, começando pelo que classificamos de Setor a/ ricano e, nesta primeira fase, no que toca ao movimento de escravos, em todos os seus aspectos.

Como anotamos em outro passo, em quantidades e valores, os escravos ocuparam uma posição de relevo: 87,7% do movimento da zona. Podemos dizer que foi uma área geográfica onde a compra ~ a "exportação" de escra­vos assumiu papel importante, compreensível até pela necessidade de trans­ferir para as Américas contingentes de mão-de-obra, cuja existência se tornou, como aludimos, imprescindível à exploração econômica de um continente cuja população aborígene era escassa, repartida com extrema irregularidade por enormes espaços, como é o caso do Brasil. Não se deve estranhar, portanto, que com todos os seus defeitos nocivos a compra e venda de escravos tivesse interessado tanto, sobretudo à partir do Renascentismo, todas as principais nações européias e largos setores do interior do continente africano, para suprir as carências próprias dos grandes Impérios negros então existentes.

Não nos vamos ocupar aqui, no detalhe, dos imensos processos usados para a redução do homem africano à escravidão. Mas, em boa lógica, não podemos deixar de apontar alguns dos mais flagrantes e de maior expansão. Daí que nos limitemos a uma ligeira síntese, até porque o problema tem sido abordado com grande proficiência por alguns estudiosos do tema. De resto. em páginas anteriores, para esclarecer situações, tivemos que apontar alguns.

Os processos mais usados - afastada a fase do "filhamento" - foram, em nossa opinião, por ordem do volume de contingentes fornecidos:

• As guerras entre grupos étnicos, aparentados ou não, fomentadas pelas mais variadas e criminosas formas, quer pelos régulos e elementos do topo da hierarquia das sociedades africanas, quer pelo clima de intri­gas criado pelos traficantes; ou por questões ligadas ao usufruto de terras, de pastagens, de trânsito de rebanhos e outras, interessando às populações nativas.

• Os ordálios ou provas mágicas diversas, preparadas pelos sacerdotes. mancomunados com os régulos, umas vezes coincidindo com as ceri­mônias próprias dos ritos de iniciação e/ou de passagem, visando em especial cativar elementos de famílias abastadas (detentoras de ma­nadas de gado ou de outros bens cobiçados) e adversários políticos, para desse modo se apoderarem dos seus haveres, e depois os vende­rem como escravos. Incluímos aqui as provas da "água vermelha", _ na base da maceração da casca da árvore conhecida por mancone (extre­mamente venenosa), do "ferro em brasa", da "galinha", do "interro­gatório do defunto" 1

, entre tantas outras cuja enumeração seria fasti­diosa e desnecessária.

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'• A venda como escravos de adultos e crianças pelos seus próprios fami­liares, em épocas de fome ou calamidade.

'• A captura e venda como escravos de indivíduos acusados da prática de adultério (o que designavam por Chai)2 com mulheres de régulos ou de individualidades de destaque no meio, muitas vezes através de embustes e ardis de que resultava serem apontados como transgresso­res de normas. de conduta social - o que era considerado muito grave.

Enfim, um sem-número de práticas difíceis de enumerar e mesmo desne­cessárias ao conhecimento dos meandros do tráfico no período em apreço.

Mesmo que tenhamos de cair no pecado da repetição, isso é preferível ao da omissão. No séculos XVIII (a arma de fogo ordinária, de pederneira, aparece como mercadoria de compra de escravos nos últimos anos do século XVII), a troca de bens de consumo e de adorno por escravos estava já muito generalizada; e os traficantes, nos portos ou no mato, entendiam-se com os chefes tradicionais africanos e estes é que se encarregavam de organizar as feiras ou indicar os pontos de concentração e venda dos escravos. E o certo é que havia já um entendimento e inteira confiança entre régulos e traficantes. Aqueles recebiam destes valores convencionados como preços correntes para cada escravo, e posteriormente entregavam o número de cativos correspon­dentes ao somatório dos bens recebidos para o efeito. O costume estava tão arraigado que as transações, mesmo entre europeus, faziam-se na base de valo­res fixados como equiv_alentes a um escravo: tantas barras de ferro, tantas espingardas, tantos panos, determinada quantidade de pólv;ora ou de aguar­dente etc., que correspondiam ao preço de um escravo. Um exemplo entre os poucos conhecidos: o capitão-cabo do Presídio de Geba, António Fernandes Martins, adquiriu aos administradores da Companhia em Bissau "uma chalupa pelo preço de vinte e cinco escravos" 3 •

e. bastante estranho que, em toda a documentação compulsada, seja a da Companhia, seja qualquer outra, em nenhuma se detecta a indicação do quan­titativo em espécies (tecidos etc.) por que se adquiriu cada escravo. Talvez se compreenda um tanto a omissão. Deveria haver grande conveniência em não d~r a conhecer os montantes, para assim os compradores esconderem a sua margem de lucro; ou mesmo em razão das contingências e variações conjun­turais dos mercados de compra, no fundo conhecidos apenas dos capitães dos navios ou dos traficantes mais experientes.

Nos alvores do século XVI, sabe-se que na região do Senegal se comprava um escravo por duas, três ou quatro bacias de latão das usadas pelos barbeiros; ou, ainda, um escravo por 7 a 10 cavalos dos enviados de Santiago, como registra Duarte Pacheco Pereira 4

• Por outro lado, o "Livro de Armação" do navio "Santiago", que fez o tráfico na costa ocidental em 1526 5

, é bastante mais esclarecedor, pois registra as seguintes quantidades de mercadorias dadas por um escravo: 17 ·ou 18 côvados mouriscos de pano; 2 mantas de Alentejo; 40 a 50 manilhas de latão; 5 bacias grandes ou 7 das pequenas, usadas pelos barbeiros; 30 ou 40 côvados mouriscos de lenço francês; 15 côvados do Reino de pano vermelho etc. Mas tudo isto se passa quando os próprios vendedores

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de escravos não tinham ainda a noção exata do valor das mercadorias. Com o tempo, tudo mudou totalmente.

Na aquisição de escravos no setor Bissau-Cacheu, a Companhia utilizou, numa primeira fase, e enquanto não instalou convenientemente as suas Feito­rias e não se inteirou dos mecanismos das compras nos rios a norte e a sul daquelas Praças, os capitães dos seus navios, aos quais entregava as merqido­rias adequadas para o efeito. Estes dirigiam-se aos Rios de Guiné e aí enceta· vam as suas negociações, ora com os Lançados, ora com os régulos ou filas 6 ,

mediante o pagamento de remunerações ou comissões estabelecidas pelos cos­tumes. Em regra, os navios ficavam fundeados nos esteiros ou rios, aguardanqo a chegada das carregações, por períodos de tempo variáveis entre 60 e 120 dias ou mais, e isso com o risco de serem atacados pelos nativos. O negócio era bastante incerto, contingente e dependia muito do desenrolar das guerras ou operações de razia desencadeadas com certa freqüência. Da demora nos rios resultavam prejuízos consideráveis, derivados das despesas com as soldadas das tripulações e pela morte de escravos, arrumados nos porões dos navios, umas vezes por doença (sobretudo a varíola), outras por maus tratos, falta de água ou de alimentos. Mesmo depois de a Companhia estar devidamente instalada e inteirada dos processos a seguir, nem sempre o negócio decorreu normalmente.

A Junta de Administração em Lisboa instava com os seus representantes para que preparassell]. carregamentos substanciais de escravos, para vários navios ao mesmo tempo. J! disso exemplo edificante a carta dos administradores de Cacheu, de 8 de maio de 1762, onde se diz:

"Conhecemos o grande desvelo com que V.m. desejam o aumento do negócio desta Companhia e não menos nós o desejamos, não só por fazermos a nossa obrigação, mas também pela utilidade que daqui se nos segue, porém, hão-de V .m. advertir que está o gentio destas aldeias (à volta de Cacheu) com um tão terrível projecto que em quantas guerras que tem havido desde o ano passado e Tabancas 7 que têm quebrado, por acaso amarram algum cativo e só sim todo o seu intento é matar, por cuja razão se não poderá com facilidade aprestar escravatura para mais de dois navios" 8 •

Outro problema que a Companhia teve de enfrentar foi o çla concentração de escravos nos seus barracões em Bissau, em Cacheu e em Angola: A aglome­ração de indivíduos nos barracões ocasionava uma mortandade importante devi­do a doenças (em Angola também a varíola), à deficiência de alimentação que, por vezes, provocava o surto de escorbuto, e sobretudo às tentativas de fuga e de rebeliões, estas dominadas a tiro. As baixas do tipo eram conhecidas em Lisboa, depois de ocorridas, quando do inventário para substituição de admi­nistradores. Embora venhamos a abordar ··o assunto mais adiante, damos aqui uma imagem do que a tal respeito se registrou. Nos barracões de Bissau fale­ceram 1.210 escravos, cujo valor contabilizado atingiu 76.300.866 réis; nos de Cacheu, 710, com o valor de 49.354.371 9

, e em Angola, 641 (7,2% do total das compras)1º, com o valor aproximado de 24.939.387, ao preço médio de 38.908 réis. No total, morreram, portanto, 2.561 escravos, com o valor de 150.594.624 réis.

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4. Entremos agora na análise quantitativa do movimento mercantil do setor africano - Bissau-Cacheu e Angola -, começando, portanto, pelo comér­cio e transporte de escravos. Haverá possivelmente quem discorde da priori­dade dada aos escravos. Mas tenha-se em atenção que, sem esta mão-de-obra compulsória, certamente não se teria movimentado um tão importante volume de mercadorias; nem transportado para a Europa as extraordinárias riquezas constituídas pelos gêneros de produção brasileira e africana, esta última de proporções mínimas em comparação com aquela. Sem o escravo africano e o dinamismo do colono europeu levado para o Maranhão e o Pará, certamente que as chamadas "drogas do sertão" não teriam passado do ciclo de recoleção para o do cultivo intensivo, tal como se operou. De resto, se a nossa apreciação fosse meramente subjetiva, as cifras encontradas se encarregariam de a corri­gir. :É que o levantamento feito mostra-nos uma movimentação comercial supe­rior a 10.000 contos de réis, mesmo sem considerar os anos de 1765 e 1769, cujo livro de "Entradas" não foi encontrado. Desse ~otal apurado, os escravos representam cerca de 23,8% 11 •

Antes de entrar na análise da evolução do tráfico de escravos, entendemos oportuno dar a conhecer o método contabilístico seguido quase invariavelmente pela Companhia para o registro dos escravos enviados para o Brasil. Era o processo prático julgado mais adequado para a fiscalização das saídas de escra­vos e, posteriormente, após a recepção das contas provenientes do Brasil, para proceder os lançamentos: a de "Escravos", a de "Gastos em terra e em viagem" e as do número de chegados vivos, para efeito de frete.

Servimo-nos, para tanto, do extrato da carregação dé 1765, feita em Cacheu com destino ao Maranhão, e que é do seguinte teor:

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"Lisboa, 21 de junho de 1765. N.º 27 - EXTRATO de 140 escravos que o administrador de Cacheu, Pedro Roiz de ~usa, remeteu para o Maranhão em a corveta 'São Sebas­tião', capitão Veríssimo Duarte Rosa, a entregar aos administradores Joaquim Barbosa de Almeida e José Vieira da Silva, a saber: 20 escravos lotados . . . . . . . . . . . a 80.000 . . . . . . . . . . . 3. 200. 000 71 escravos e com crias, por vários preços . . . . . . . . . . . 4 . 562. 000 12 raparigas lotadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 920. 000 17 rapazes lotados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 . 225 . 000

Gastos: mantimentos em terra, panos, esteiras, aguardente, lenha, limão e a quem curou os doentes ............ .

Comissão do adm'inistrador e 2 caixeiros, a 8% ..... .

9.907.000

391. 025

10.298.025 823.842

11. 121 ~867"

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Outros extratos incluídos em fac-símile, e:ittratexto, servirão para elucidar o leitor interessado nesses problemas.

Apresentada esta questão prévia, passamos a analisar o movill\ento de escravos no setor Bissau-Cacheu e Angola:

BISSAU-CACHEU

Total Custo N.º Custo Períodos de escravos global na médio anual médio na

plurianuais embarcados origem de compras origem

1756-1760 2.027 120.961$ 405 59.675

1761-1765 4.183 308.959$ 837 73.861

1766-1770 5.294 371.336$ 1.059 70.143

1771-1775 4.637 329.480$ 927 71.055

1776-1778 2.498 177.251$ 833 70.957

1779-1789 1.805 119.715$ 164 66.324

Soma 20.444 1.427.702$

Excluídos deste total os 105 escravos embarcados em Cabo Verde, resta­rão portanto 20.339. Este número não corresponde, todavia, à realidade, pois as aquisições atingiram os 22.364. Abatidos os 1.920 (8,1 % dos comprados) falecidos nos barracões e fugidos, em Bissau e em Cacheu, e os 2.216 (10,1 % dos embarcados) falecidos durante a viagem, temos 18.128 chegados ao des­tino, acompanhados de 40 crias 12 •

Considerando as despesas de alimentação, comissões aos compradores, curativos, tangas, batismo e outras despesas, que montaram a 172.286.000 réis (12,1 % do valor ~ custo)12 , o custo global ascendeu a 1.599.898.000 réis. Deste montante podemos abater o valor dos falecidos nos barracões (127.655.000)13, para se ter uma cifra mais real, e depois adicionar o valor dos

·fretes dos 18.228 chegados vivos (a 16.000 réis por cabeça), ou seja, 291.648.000 réis.

Não foram, contudo, apenas estes os escravos comprados. Embora numeri­camente pouco significativos, há a considerar os adquiridos para os serviços privativos da Companhia em Bissau e Cacheu, os chamados "escravos-grumetes", cujo valor e número só se vieram a conhecer na fase da liquidação do mono­pólio. Deles e dos processos adotados no comércio costeiro nos ocuparemos adiante.

Algumas outras ilações poderiam ser tiradas do quadro apresentado. E. preferível limitar, por agora, as considerações a dois aspectos principais: a média anual de escravos embarcados e o custo médio de cada um na origem. Para não haver distorções dos números, excluímos da apreciação as cifras rela­tivas aos anos de 1779/1789, período em que se iniciou a liquidação do patrimônio da empresa e a efetivação da cobrança de dívidas. Os valores rela-

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tivos a esta fase foram influenciados pelos litígios suscitados com a cobrança das dívidas.

O conjunto dos 20.339 escravos embarcados teve os seguintes destinos:

Para: De

Maranhão Pará Total %

Bissau 5A09 4.089 9.498 46,7

Cacheu 5.204 5.448 10.652 52,4

Serra Leoa 110 79 189 0,9

10.723 9.616 20.339 100,0

Para o Maranhão foram embarcados 52,7% do contingente e para o Pará, 47,3%. O carregamento feito na Serra Leoa foi único e, portanto, um caso espo,rádico.

Antes de prosseguir na apreciação dos dados, queremos realçar três as­pectos de grande interesse na análise deste fenômeno, e para os quais a escrita (da Companhia e qualquer outra) não dá resposta cabal: as idades, os sexos e as etnias dos escravos. Em todo caso, os elementos recolhidos elucidam um pouco, no que respe.ita a sexos. Em alguns testamentos dos séculos XVII e XIX, em Cabo Verde, encontramos esses elementos, mesmo fragmentários. Quando, porém, nos debruçamos sobre a escrituração mercantil, então o sexo e a etnia são quase sempre desprezados. Os poucos documentos encontrados, oriundos do Pará e do Maranhão (relações de vendas), nesses não foi descurado nenhum dos aspectos antes referidos, como teremos oportunidade de referir.

A nomenclatura usada nas faturas permite abordar parcialmente o pro­blema dos sexos, mas nunca o da idade e o da etnia. E a simples indicação do porto de embarque não conduz a conclusão nenhuma, dado que a distribui­ção das etnias é complexa e numa pequena faixa da costa existe um compli­cado emaranhado de grupos.

Nos registros de escravos adquiridos (as faturas consultadas) encontramos uma diversidade de designações que entraram em uso nas diferentes áreas, desde o "negro barbado", o "fôlego vivo" e outros até as mais vulgarizadas, como as que vamos enumerar. Os 20.339 escravos embarcados foram conta­bilizados com as seguintes designações:

Adultos: Machos ................................. . Fêmeas ................................. . Muleques ou mulecões (rapazes) ............ . Mulecas ,ou muleconas ..................... . Crias (de ambos os sexos) .................. . S/indicação específica ...... .. ............. .

Total

8.937 5.332 2.213 1. 754

40 2.063

20.339

113

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Mesmo com possíveis defeitos, o quadro permite concluir que embarcaram 11.250 varões e 7 .086 fêmeas, de. todas as idades, o que corresponde, respecti­vamente, a 61,4% de varões contra 38,6% de fêmeas. Do que se conhece de outras regiões, houve um certo equilíbrio dos sexos, que surgiu naturalmente e sem que os intervenientes nas compras tivessem tido·nisso qualquer influência.

Das limitações em geral postas pelo alvará de 1757 à livre circulação de navios e mercadorias pertencentes a estranhos à Companhia - os pequenos negociantes-armadores fixos nos rios e nas Ilhas ele Cabo Verde -, aquela que provocou maiores conflitos entre as partes interessadas foi a do transporte de escravos para o Brasil e Ilhas de Cabo Verde. A esse respeito, instados pela empresa, os administradores de Cacheu, na carta de 8 de maio de 1762, respon­deram da seguinte forma: "observamos as ordens que V.m. nos dão sobre o requerimento que o& moradores desta Praça e Cabo Verde fizeram para o transporte da cera e escravos mascavados para aquela Ilha; porém, adverti­mos V.m. que é abrir a porta a mais alguns contrabandos, o que nesta terra se não pode evitar com faciHdade pela razão de que se nós quisermos fazer a nossa obrigação se conjurarão contra nós ... " 8 •

A Companhia, porém, não tomou em consideração a advertência e, de 1762 a 1764, transportou nos seus navios 178 escravos adultos (128 homens e mulheres) e 2 crias, mediante a cobrança dos correspondentes fretes, à razão de 16.000 réis, quando para o Brasil, e de 4.000 réis, quijndo para Cabo Verde, por cabeça. Consoante a origem e o destino dos "escravos de partes", distri-buíram-se da seguinte forma, conforme relação nominal 14 : ·

De

Cabo Verde Bissau Cacheu

Porto não indicado

Maranhão

1

2.

3

Para:

Pará

14 14 37

41

106

Cabo Verde

69

69

Por razões não esclarecidas na documentaçã_o consultada, a partir de 1764 cessou ci transporte pela Companhia de ''escravos de particulares".

O montante dos fretes cobrados ascende a 1.920.000 réis. Os escravos-grumetes, praticamente cristianizados e possuidores de uma

ocupação de tipo profissional (alguns carpinteiros, calafates, tripulantes de embarcações de tráfico costeiro, serradores, ferreiros), estavam distribuídos pelas seguintes localidades, à data da liquidação dos negócios:

• Em Bissau: 43 homens e 7 mulheres, avaliados em 3.952.200 réis (relação nominal)15•

114

• Em Cacheu: 21 escravos-grumetes; 2 escravas (raparigas) e 2 escravi­nhos nascidos em casa, avaliados em 1.850.000 réis.

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Segundo os registros, os escravos de Bissau compreendiam:

Mandingas . . . . . . . . . . . . . . . . 10 homens e 1 mulher Fulas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 homens e 2 mulheres Bijagós . . . . • . . . . . . . . . . . . . • 3 homens e 1 mulher

17 homens 4 mulheres :::: 21

De um total de 50, apenas 21 estavam etnicamente identificados. Os de Cacheu, nenhum possuía indicação de o~igem étnica.

Não nos podemos ater apenas a estes números de escravos. Os lançamen­tos efetuados após a extinção da empresa permitem referenciar outros escravos que não haviam sido contabilizados na devida altura. Em 1799, encontramos dois lançamentos nos "Diários" que projetam alguma luz sobre o problema.

O primeiro, de 21 de janeiro de 1799, sob o n.º 392, diz textualmente: "Líquido de 8 escravos, de 9 que estavam ao serviço da Companhia (1 fale­ceu) = 505.000 réis" 16•

O outro, de 1.0 de agosto de 1799, sob o n.º 434, é do seguinte teor: "Ganhos e perdas - Da conta dos escravos ao serviço da Administração, da despesa que fizeram com· o seu sustento, compensada com os jornais que lhe arbitraram pelo seu trabalho, e vário's gêneros que venderam, em cujo saldo compreende igualmente uma canoa de serviço, e isto em todo o tempo dela, desde 11-9-1780 a 31-12-1790 = 10.530.760" 16 •

A redação é confusa. Todavia, vê-se que a exploração do trabalho dos escravos ao serviço exclusivo da Companhia mostrou-se compensadora.

4.1. Poderá ficar a impressão de que, extinta a Companhia, o tráfico cessou. Mas não. A sucessora da do Grão-Pará, a Sociedade exclusiva do comer­cio de Cabo Verde, criada quase de seguida, constituiu um verdadeiro fracasso. Era difícil substituir uma organização bem-estruturada, eficiente, como a Com­panhia. De insucesso em insucesso, a breve trecho, entrou em desagregação. Voltou-se prontamente ao sistema de traficantes, sem grandes apoios financei­ros nem do Estado. Cada um fazia o que podia e como podia.

Os elementos encontrados nos Arquivos dizem respeito ao período que decorreu de 1788 a 1794 - sete anos - e constam da Contabilidade dos Fei­tores da Fazenda Re'al de Bissau e de Cacheu, portanto, de natureza oficial. Deles apura-se que, nesse lapso de tempo, saíram de Bissau e Cacheu 6.129 escravos, que pagaram direitos alfandegários no montante de 4.610.618 réis, e para os seguintes destinos: 17

Cabo Verde .......... . .... . . .. ... . ... : .. Pernambuco ........... . .. . . . . . ......... . Maranhão ............... . .. .. . . ........ . Pará . . . . .. . ... ......... . ... ....... .... · · Sem indicação de destino .. . . . . .. . . . ....•.

82 34

5.022 769 222 = 6 . 129

Deste total, apenas 1.171 saíram de Cacheu, sendo 597 de janeiro a junho de 1793; e 57 4 de janeiro a junho de 1794. Cacheu decaía lenta e inexora-

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velmente. E nunca mais recuperou a posição detida nas décadas anteriores, ou seja, no período de vigência da Companhia.

Uma conclusão é lícito tirar: o tráfico continuava a orientar-se para o Maranhão = 81,9% do total de saídas. O Pará quedou-se nos 769 (12,5%). Por outro lado, a média anual de saídas situou-se nos 876 escravos, semelhante à encontrada durante a atividade da Companhia.

A escrita oficial, como é lógico, não indica o custo dos escravos e, por­tanto, isto nos inibe de estabelecer comparações com os praticados pela em­presa monopolista.

4.2. Ligadas ao comércio de escravos - e mesmo para poder fazê-lo com eficácia -, temos de encarar as viagens na zona costeira do continente afri­cano, que as Feitorias de Bissau e de Cacheu tinham de orientar, utilizando as chalupas, as escunas e os lambotes ao seu serviço. Partindo de Cacheu, irradiavam pelos estejros do rio deste nome, especialmente para o chamado "esteiro dos Balantas" e para o rio Casamansa, quando não mesmo até ao Gâmbia. Para o sul, as viagens eram dirigidas por Bissau, de onde saíam as embarcações com destino a Geba, às ilhas dos Bijagós, às rias do Sul -Pongo, Mitombo, Logos, Scarcies e outras - as duas últimas localizadas na Serra Leoa.

Se as informações de que dispomos sobre o assunto são pouco elucida­tivas acerca da movimentação dos navios da Companhia nos rios, para norte e para sul de Cacheu e de Bissau, uma conclusão se pode extrair, quer através da correspondência, quer dos lançamentos contabilísticos: a Junta da Adminis­tração e os agentes nas Feitorias tinham plena consciência da sua incapacida­de - por falta de meios ofensivos e outros - de impedir, ou sequer co,ntrariar, a ação constante de ingleses, franceses e holandeses, que pe,netravam com os seus navios em todos os rios e esteiros que, em princípio (e utopicamente), deveriam constituir campo de atuação da empresa. Para além da carência de forças militares, a empresa não dispunha de uma política comercial própria para se impor aos seus concorrentes. Estes apareciam nas quadras do ano adequadas, providos de mercadoria variada, peitavam os chamados "reis da terra", insi­nuavam-se junto dos elementos influentes da sociedade africana, ofereciam­lhes fazendas, pólvora, aguardente, contaria etc. - subornavam-nos - para que lhes facilitassem a ·vida; praticavam preços de venda de bens de consumo mais baixos do que os da Companhia e pagavam os escravos por cotações superiores aos desta. Os agentes da Companhia, por sua vez, atuavam por processos diferentes: vendiam caro e queriam comprar barato, dado que nas transações buscavam sempre retirar lucros pessoais à margem dos negócios da empresa. Em face de uma tal situação concorrencial, supõe-se que houvesse um modus vivendi entre os agentes da Companhia e as tripulações de navios estran­geiros. Aqueles usufruíam, todavia, de uma grande vantagem em relação aos últimos. Como estavam fixados em terra, na margem dos rios, em permanên­cia, aproveitavam-se desta situação. Na ausência dos concorrentes, vendiam e compravam em tranqüilidade. Era isto a resultante direta da inexistência de poderio militar - a eterna fraqueza em que a pénetração portuguesa se debateu desde sempre. A Companhia contentava-se em propalar que, se a.s nações estran­geiras prosseguissem nas suas atividades mercantis ilegais nos domínios perten-

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centes aos portugueses, "ofendendo com tiros ou com outros atos de hostili­dade, se lhea responderá repelindo então a força com a força, em natural defesa" - como está expresso no n.0 11 do Alvará secreto de 1757 (!) .

As clássicas fanfarronadas em que sempre fomos pródigos. E com elas todos se davam por satisfeitos, pelo menos na aparência. Todavia, apesar de tudo, na idéia de muitos perdurava o sentido das conveniências e das realida­des: na medida do possível, era necessário negociar e ganhar dinheiro. Em fa~e disso, a Companhia condescendia c.om os ingleses, os franceses e os holandeses, consentindo no acesso dos seus navios aos portos de Cacheu, de Bissau e no rio Geba, Rio Grande de 'Bolola e outros, como teremos ocasião de verificar. Os ingleses assaltavam e pilhavam os navios da Companhia; esta utilizava os navios holandeses no comércio no rio Geba; nos períodos de falta de merca­dorias, a Companhia adquiria de franceses armas e fazendas para revenda; o encontro da frota da Companhia com a dos éstrangeiros nos mesmos rios consti­tuía prática normal e corrente; e em tudo isto obtinham lucros. Estas ações constituem um sinal claro de que devemos julgar os fatos dentro de certos parâmetros, assim como ter cautela na leitura das comunicações feitas a Lisboa contra o negócio "abusivo", ."ilégal", "reprovável" por embarcações daquelas nacionalidades. Mais adiante voltaremos a estes assuntos.

A contabilização dos resultados do tráfico costeiro, nos diferentes rios,. pela frota da Companhia, era feita nas Feitorias de Bissau e Cacheu, talvez de maneira clara. Só que em Lisboa esse movimento comercial surge de modo ambíguo, vago ou impreciso, em 'regra sob a rubrica de "negociações na Serr~ Leoa" ou "carregação para Goli, Geba, Bolola, Tombali'', e incluídas já na conta de "lucros e perdas" 18, da qual nos servimos para confirmar afirma­ções ou conjeturas. Vejamos os diferentes lançamentos referenciados, consoante expressem perdas ou lucros.

No que toca a perdas, temos (utilizando as próprias expressões registradas nos livros) : · • N.º 582, de 2-7-1781 - "Ganhos e perdas de 1773":

"Prejuízos numa carregação para o rio Escasserim" . . . 1. 220 . 500 • N.º 582, de 2-7-1781 - " Fazendas que faltaram ao ca­

pitão João António Vargas, da chalupa 'Boa Viagem', numa carregação para a Serra Leoa em 1770 / 1 771" . . 1 . 05 2 . 100

• "Valor das fazendas que os ingleses da Serra Leoa rouba­ram ao · capitão da escuna 'Nossa Senhora do Rosário', em 1776" .. .. ..... . ................... . ........ 1.753.400

• "Fazendas i.. mantimentos que se perderam na chalupa 'Nossa Senhqra da Piedade' em sua viagem a Tombali e resgate dos grumetes pertencentes à Companhia: 65 ba­laios com mantimentos vindos da Geba na mesma escuna que naufragou. em 1777" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 650. 000

• "Por 3 vacas e 7 porcos que os gentios de Bossis rou-baram" ................ . ... . . ..... . ..... . . .... , 57. 456

Soma dos prejuízos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4'. 733 . 456

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No que toca a lucros, temos: • N.º 4.783, de 29-11-1774 - "Lucro que tivemos numa

carregação que remeteram para Geba e dali se conduziu em escala para Nazualém, no batelão holandês 'Santo António' ..................... .................. .

• N.º 403, de 20-3-1778 - "Apreensões feitas em Geba aos ingleses encontrados a negociar: 8 escravos, sendo Uri, Calefá, Bana, Santos, Tanhanguete, 1 rapariga Maria e 2 rapazes" ................................... .

• "Apreensões feitas nos rios Logos e Escasserim pelas cha­lupas 'Nossa Senhora do Bom Sucesso', 'Nossa Senhora da Saúde' e 'Nossa Senhora da Boa Viagem' " ...... .

O N.0 512, de 30-12-1780 - "Lucros de uma carregação a Goli e Geba, em 1775", ......................... .

• "Lucro de uma carregação a Geba, em 1776/1777" .. . • "Lucro de uma carregação a Goli no lambote 'São Do-

mingos', em 1777" ............................. . • "Lucro de uma tomadíà de 14 escravos aos Balantas, pelo

lambote 'Penha de França' ....................... . • "Lucros de 4 escravos resgatados por 32 vacas" ...... . • "Lucro de 2 escravos resgatados em Bissau" ........ . • "Lucro de um escravo resgatado nos Bojagós" ... . " .. . • "Lucro de um escravo resgatado nos Balantas" ...... . • "Lucro de 8 escravos resgatados em Geba" .... ! .... . • "Lucro de 2 crias que ficaram de 2 negras que morreram

no armazém da Companhia" ..................... : G N.º 484, de 2-7-1781 - "Lucro de uma carregação para

Bolola na chalupa 'Nossa Senhora da Piedade', em 1771" O "Lucro na carregação para Bolola, na chalupa 'Nossa

Senhora da Piedade', em 1772" ................... . • "Lucro de uma carregação enviada ao Rio Escasserim, em

1777" ........................................ .

1. 276.630

1.282.790

1.270.500

2.955.697 1.844.648

1.085.040

635.000 256.000 134.000 65.000 48.000

640.000

80.000

492.012

358.500

848.500

Total dos lucros ........ . ............ 13.273.317

Se deste montante abatermos os prejuízos (4.733.456 réis), o lucro líquido nestas transações atinge os 8.539.861 réis. Não temos a intenção de apresentar um conjunto completo de transações no~ rios; mas, antes, de dar exemplos que podem fazer compreender as diversas facetas do comércio, em que entra­ram transações lícitas e a um mesmo tempo a pilhagem, esta provavelmente praticada quando o desentendimento das partes passava a uma fase de agressi­vidade, em que o mais fraco tinha de claudicar.

Um outro problema a que fizemos alusão anteriormente é o ligado às aquisições que os agentes da Companhia faziam, pacificamente, aos seus con-

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correntes e "inimigos". O fato está comprovado no registro contabilístico (Extrato A - XV /U/9, de 1769/1779), sob o n.º 145, de 28 de julho de 1773, na rubrica "Compras feitas a uns franceses em Bandi" (Ilha de Bissau), e que constaram de:

428 armas com baionetas, a 3.500 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1. 498. 000 38 armas sem baioneta, a 2.500 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82. 500 71 armas inglesas, a 1.500 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106. 500

110 armas inglesas, a 500 réis ..................... . 23 armas francesas, a 2.500 ............ . ......... .

300 caldeirões em ferro ........................... . 3 barris de pólvora, a 18.000 ............. , , ___ , .

19 onças de coral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. , . Tecidos e lenços diversos ...................... .

Total .................... .

55.000 57.500

100.000 54.000 28.000

181.000

2. 162. 500

Repete-se: não é o montante das compras que está em causa, mas sim a demonstração do relacionamento entre competidores ferozes, que se queixavam amiúde da má fé reciproca, naturalmente quando os interesses de momento se mostravam antagônicos ou a intriga reinante entre os traficantes e a popu­lação nativa assumia foros de "guerrilha".

Outras particularidades· qu~ desejamos salientar ligam-se, de um lado, à diversidade de locais freqüentados por uns e outros, quer pelos navios da Companhia, quer pelos estrangeiros; e, de outro, para a irregularidade com que se faziam os lançamentos na contabilidade, em Lisboa, como p·or exemplo os lucros e prejuízos de 1770 e 1771 registrados em 1780 e 1781. Este fato está relacionado com a chegada tardia a Portugal das contas de cada Feitoria, na maioria das vezes devido à incúria dos próprios responsáveis.

Do mesmo modo podemos admitir que esses atrasos no envio das contas se devessem, em parte, a manobras fraudulentas dos agentes da Companhia, tendentes a encobrir irregularidades que visavam à obtenção de benefícios pessoais. A fiscalização dos chefes das Feitorias sobre os "caixeiros volantes", atuando nos rios, tinha de ser necessariamente precária e nada eficaz. O próprio tipo de negócios prestava-se à prática de fraudes de difícil detecção.

* * *

Para completar esta panorâmica - e já que os registros pouco adiantam quanto às compras feitas nessas viagens costeiras, e muito menos quanto às vendas - elaboramos, com os dados colhidos nos "Diários" 19

, um quadro de escravos, godongos de cola e toros de pau campeche adquiridos em diversos anos, mas sem indicação de valores, e que seguidamente reproduzimos.

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Compras feitas Locais ou rios

Ano onde se .efetuaram N.0 de N.0 de Toros as negociações godongos de pau

escravos de cola campeche

1770 Rio Logos 32 88 Rio Escasserim .56 119 Rio Casamansa 12

1771 Rio Logos 89 101 231 Rio Escasserim 81 82 213

1772 Rio Logos 51 Rio Geba 10

1773 Rio Geba 97 Rio Escasserim 51 223

1777 Na costa: Bossis e ilhas dos Bojagós 18 No esteiro dos Balantas 14

511 613 444

O significado desta referência é limitado porque estes números diluíram­se no conjunto das grandes cifras (os escravos). A cola, esta não consta de nenhum lançamento em Lisboa. Compreende-se perfeitamente que assim seja, uma vez que se trata de um produto de consumo local: designadamente em áreas ocupadas por etnias islamizadas, ou negociando com os filas, que por sua vez a revendiam de povoado em povoado.

Em conformidade com este quadro, dos 511 escravos, 372 foram com­prados na Serra Leoa (nos rios Logos e Scai'cies - o Escasserim da escrita), 107 em Geba, 18 em Bossis e ilha dos Bijagós e 14 110 esteiro dos Balantas.

O pau campeche foi enviado para Lisboa. Era um dos produtos mais erocurados pelos ingleses na Serra Leoa. No que toca a nozes de cola, já em carta de maio de 1762, a Feitoria dizia para Lisboa: "os gêneros que se tiram da dita Serra Leoa são escravos e uma fruta a que chamam cola; esta se vende com ganho de 200%, porém dana muito e é preciso um grande trabalho com ela, e também dizem que há pau campeche, porém é pouco" 20 •

Com a alusão à concorr.ência movida pelos estrangeiros, poderá supor-se que se trata de fenômeno novo na área. Não. O problema surgiu, ainda sem acuidade de maior, no século XVI, quando os franceses - e depois os ingleses - iniciaram a sua expansão comercial no ocidente africano. Por outro lado, os casos aflorados ª-ntes em relação à Companhia mais não representaram do que

· o prosseguimento da velha política comercial que, ao fim e ao cabo, tinha por principal objetivo o afastamento dos lançados portugueses da zona. Essa ação continuou por longas décadas mais, até se consumar_ no último quartel do século XIX.

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Atente-se que, em 1762, os agentes da Companhia, ao abordarem o pro­blema da penetração inglesa na Serra Leoa, alertaram Lisboa. Nessa carta, diziam:

"-e certo que os ingleses é que fazem naquele porto (Serra Leoa) um grande negócio, pelo grande desmazelo com que os portugueses deixaram tomar posse ou introduzir os ingleses, como em Bissau sucede e agora proximamente sucedeu ir lá uma embarcação inglesa e não só deixaram­lhe fazer negócio no porto mas também a deixaram-na ir pelos rios fazer negócio a Geba, donde os pobres brancos se acham estabelecidos, fazen­do negócio . . . " 20•

Não se pode ser mais concreto em tão poucas palavras. Longe de amainar, a questão agudizou-se com o decorrer dos anos e quan­

do a Companhia, na sua petição de 6 de agosto de 1765, solicitou autorização para construir a fortaleza em Bissau, uma das razões invocadas foi precisamente a circunstância de ~sse sistema defensivo poder, de algum modo, sustar a entrada no estuário do Geba de navios estrangeiros. E em reforço do argu­mento salientou na referida petição:

"À vista destas informações (prestadas pelos seus agentes em Bissau e Cacheu), conhecendo já a Junta a urgente necessidade de se fazer a dita fortificação com a maior brevidade e regularidade, acabou de se persuadir dela pelos últimos avisos que proximamente recebeu dos seus Administradores e de se acharem ancoradas no porto de Bissau 12 embar­cações estrangeiras das nações inglesas e francesas, fazendo comércio em prejuízo dos vassalos de V.m., de tal sorte que concorrendo ao mesmo tempo um navio da Companhia se viu obrigado a sair do dito porto na impossibilidade de fazer nele o comércio a que fora expedido do resgate de escravos, porque todos os que apareciam compravam os estrangeiros por excessivos preços". 21 • •

Teria sido uma manobra tc;mdente a pressionar o rei a autorizar a constru­ção da fortaleza? Não. Na realidade, a empresa não dispunha de meios milita­res (que de resto a própria Coroa não possuía) para sustar a invasão das áreas havidas como pertença de Portugal por navios mercantes estrangeiros. No fundo, não estava em jogo a existência ou inexistência de poderio militar. O importante estava na realização de operações mercantis. E a prova está no fato de a fortaleza, depois de concluída, não ter obstado a entrada de navios estran­geiros. A própria Companhia esclarece bem o problema quando diz que os ingleses e os franceses pagavam os escravos por preços elevados e vendiam as mercadorias que traziam mais baratas. Pura questão de "guerra" comercial e nada mais. Tanto assim foi que a posição portuguesa no setor foi decaindo progressivamente no decurso dos anos, até ficar reduzida a um comércio para­sitário, exercido por pequenos negociantes, falhas de capitais, e que só se man­tinham devido aos minguados encargos. Sobreviviam magramente ou serviam de "caixeiros" dos estrangeiros. Vegetavam·, vendo "engordar" ingleses e fran­ceses. Quando se quis fazer revigorar os negócios, era tarde. A política euro­péia interviera em Africa, inviabilizando as aspirações portuguesas. As corren­tes comerciais haviam-se desviado para as áreas periféricas. Foi o dobre de finados!

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A despeito A~ concorrência estrangeira e de alguns fracassos sofridos, os agentes da Companhia mantiveram naqueles tempos algumas esperanças no desenvolvimento dos negócios na Serra Leoa, pois em carta de 1762 insistiram com Lisboa para lhes mandar "um hiate para a negociação da Serra Leoa, porém que seja mais comprido que o outro que aqui se veio armar e que seja de mais carga e que demande muito pouca água para o que necessita seja de fundo de prato" 20

- isto é, de fundo chato. Destes trechos, conjugados com a referência ao transporte feito pelo bate­

lão holandês "Santo Antônio" de uma carregação destinada a Geba (no lança­mento de 1774), podemos concluir que a Companhia, mesmo dotada de poderio financeiro e político derivado do texto do art. 11 do Alvará secreto de 1757, não possuía condições de impedir o acesso aos portos portugueses de navios .mercantes estrangeiros. E, por isso, nunca conseguiu obstar que ingleses, fran­ceses e holandeses concorressem para a decadência do comércio no Casamansa, na Serra Leoa e em outros rios.

4.3. Talvez fosse mais cômodo iniciar aqui a apreciação do movimento do setor em mercadorias e gêneros, antes de nos ocuparmos de Angola. Toda­via, ponderada a circunstância de não se ter feito, porque não o reputamos necessário devido à insignificância quantitativa das mercadorias para ali leva­das, optamos por continuar com o problema do tráfico negreiro, até para lhe imprimir continuidade. E o que passaremos a fazer de seguida.

Como se disse, em 1759 o setor Angola-Benguela foi entregue, também em regime de monopólio, à Companhia de Pernambuco e Paraíba. Daí que a do Grão-Pará e Maranhão ali tivesse permanecido escassos três anos, fazendo embarcar, de 1756 a 1758, apenas 1.944 escravos. No entanto, por razões não esclarecidas, esta empresa, possivelmente com o acordo ,da de Pernambuco, continuou, mesmo espaçadamente, a carregar escravos para o Brasil. De 1759 a 1781 tirou mais 6.920, obtidos pela cobrança de empréstimos que fizera de começo e igualmente a intermediários.

Desse modo, seguindo o mesmo critério de apresent~ção dos números, eis o resultado de todo o movimento:

Custo

Períodos Escravos Custo e despesas Média médio de compratf.os de alimentação anual de cada escravo

e em viagem compras (LOOO réis)

1756-1762 3.939 134.852$000 788 34.235

1763-1765 3,089 114.392$000 1.030 37.032

1775-1781 1.826 95.243$000 261 52.159

Totais 8.854 344.487$000 590 38.907

Do total comprado devemos abater os 641 fugidos ou falecidos nos barra­cões da empresa (7,2% do total), enquanto aguardavam embarque, e que, ao custo médio geral de 38.907 réis, importam em 24.939.000 réis. Embarcaram, portanto, 8.213 escravos com o valor de 319.547.000 réis 22

; destes, faleceram

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em viagem para o Brasil 1.555 (18,9% dos embarcados) e chegaram ao destino 6.658 adultos e 59 crias. Sobre os adultos recaiu o frete de 8.700 réis por cabeça, ou seja, 57.294.600 réis, que adicionados aos 319.548.000 do custo na origem e despesas totaliza 3 77.4 72.600 réis. Nestas bases, o preço médio do escravo angolano posto no Brasil foi de 56.695 réis cada um.

As despesas com os escravos, em terra e em viagem (excluído o frete), estão-devidamente enumeradas 23

, e percentualmente atingiram os 12,1 %. Dos escravos adquiridos, 4.682 (57,0%) estão registrados sem indicação

de sexo. Dos restantes, 2.557 são homens (75,5%) e 864 (24,5%), mulheres. Segundo os destinos, 314 varões e 174 fêmeas foram para o Maranhão; 2.106 varões e 624 fêmeas, para o Pará, e 24 7 varões e 68 fêmeas, para o Rio de Janeiro. Quanto a etnias, nem uma só referência, como sempre.

O custo médio, nos três períodos considerados, manteve-se nos dois pri­meiros entre 34 e 3 7 .000 réis e subiu para 52.000 réis no último período, provavelmente em conseqüência da situação resultante da liquidação do patri­mônio da empresa, de que se fizeram valer os devedores, para assim solverem os seus débitos.

As médias anuais de aquisições variaram bastante de período para perío­do., atenta a situação de instabilidade em que o negócio se efetuava: de 788 subiu para 1.030, para cair nos 261 do último período. Globalmente, situou-se nos 590/ano, o que é irrisório para uma área de grande comércio escravista.

Os escravos deste setor foram encaminhados para os seguintes destinos:

Portos de Maranhão Pará Rio de % embarque Janeiro total

Luanda 599 4.166 236 5.001 75,1

Benguela 495 978 254 1.657 29,9

Total ·1.024 5.144 490 6.658

% 15,4% 77,3 7,3

Como se verifica, o contingente de escravos fornecidos por Angola foi, em valores relativos, encaminhado da seguinte forma: 77,3%, para o Pará; 15,4%, para o Maranhão; e apenas 7,3%, para o Rio de Janeiro. Considerados os portos de emõarque, Luanda aparece com 75,1 % e Benguela, com 29,9%.

Em face de tais números, consideramos que o setor de Angola teve uma importância muito pequena nos negócios da Companhia. E isto mais se eviden­cia ao relembrar que, de 1775 a 1781, os intermediários angariaram para a empresa 1.606 escravos 24

, o que secundariza o papel da Companhia nesse período, no tocante a compras diretas (?) de apenas 220 escravos. A intensa atividade da Companhia de Pernambuco e Paraíba no setor justifica grande­mente esta situação.

4.4. Passado em revista o movimento do setor escravista (Bissau-Cacheu­Angola), façamos unia ligeira síntese do total de escravos embarcados, médias anuais de saída e custos unitários, segundo os dois períodos: o de regime de monopólio e o da liquidação dos haveres da empresa. Nessa base, temos:

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Setores e períodos

Bissau-Cacheu:

Durante o monopólio

Após a extinção

Angola: Durante o monopólio

( 1756/ 1758)

A pós a extinção

N.0 de escravos embarcados

18.534

1.805

20.339

1.954

6.299

8.253

Média anual de saídas

847

164

651

573

Preço médio de cada escravo

70.175

66.324

36.674

39.354

No cômputo dos de Bissau-Cacheu, foram excluídos os 105 de Cabo Verde; e, dos de Angola, os 641 falecidos nos barracões e fugidos. Em relação às médias de saídas, pouco há a dizer, uma vez que em Angola elas não tiveram um andamento normal e a compra a intermediários altera o curso do movi­mento. Quanto a custos unitários, aí a -situação é contrastante: o escravo do setor de Bissau-Cacheu (o ma~ caro) ficou, em média, por 70.175 réis; o de Angola (também o mais caro), por apenas 39.354 réis (43 ,9% menos).

Esta apreciação obriga-nos a trazer à colação as contas de "Ganhos e perdas", onde figura a de Escravos de Guiné e Escravos de Angola, isto pàra permitir aquilatar dos resultados conseguidos pela Companhia nas operações mercantis deste tipo. Sabemos, contudo, que os dados ao nosso alcance estão limitados aos "Balanços" de 1756 e 177 4 (não encontramos outros). Estes acusam os seguinte~ resultados nesse decurso de tempo 25 :

Lucros líquidos (acwnulados) de 1756 a 1774 (em 19 anos) .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . .. .. .. .. .. .. 118.354.305 Prejuízos (acumulados) de 1756 a 1774 . . . . . . . . . • . . 88 . 93Ó. 364

Lucro líquido . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . 29.423 .941

Há que, tomar estes dados na sua justa medida, porque se ignora o resul­tado das operações efetuadas nos anos de 1775 a 1778 e dos seguintes, até a liquidação total das contas - o que não consta da contabilidade consultada. Não nos parece, todavia, que possam alterar em muito os que acabamos de expressar.

* • *

Não podemos deixar de salientar quanto é contingente uma indagação destas dimensões, através de livros e maços de documentos avulsos - e por­tanto complexa -, realizada por uma única pessoa, quando o deveria se_r por

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uma equipe. Mas não merece a pena entrar em lamentações. Abordamos O·

problema apenas para demonstrar quanto são precários e divergentes os núme­ros e as conclusões a que têm chegado alguns autores sobre os quantitativos do movimento de escravos para o Brasil, através desta empresa. Dois exemplos apenas, distanciados entre si no tempo: Cunha Saraiva, que foi diretor do Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, onde se encontra depositado todo o ácervo das duas companhias pombalinas, apontou como cifra (no seu dizer sujeita a correção para mais) para ambas as empresas um total pouco superior a 39.000 escravos, quando a verdade é que a do Grão-Pará comprou, nos ma(s de 20 anos de atividade (em Bissau-Cacheu e em Angola), 31.200 - números redondos; e a de Pernambuco e Paraíba (de 1759 a 1781), 56.091, dos quais 46.591 em Angola e 9.500 na Costa da Mina, ou seja, no conjunto, 87.291. O cálculo de Cunha Saraiva pecou por diferença. No entanto, o grande historiador e sociólogo que foi Oliveira Martins (pbr quem temos a maior admiração), este pecou por excesso - e de que maneira! Logo em 1887, escreveu a propósito do tráfico negreiro:

"Nos primeiros anos da existência da Companhia do Grão-Pará e Maranhão a importação no Brasil chegou d 100.000 cabeças por ano, das quais de 22 a 48.000 com destino ao Rio de Janeiro. Isto prova o desenvolvimento do sul, que estudaremos ulteriormente" 26

Bem sabemos que se trata de obra editada num perí9do que se pode considerar pré-estatístico; mas, em todo caso, a afirmação teve uma repercussão enorme, até no próprió Brasil, nos últimos anos do século passado e primeiros do atual. ~ assim que, em 1902, numa publicação oficial, baseada no livro de Oliveira Martins, se escreve textualmente:

"Os indígenas começaram a ser menos acossados nos primeiros anos. A catequese arrefeceu. Em pouco tempo, 100.000 escravos africanos a célebre Companhia do Grão-Pará em 1755, por inspiração do Marquês de Pombal, despejara nas costas do Brasil e internara-os pelo centro da Capitania do norte incluindo o Pará. Era mais uma página negra, um borrão indelével na história da decantada civilização outorgada às colô­nias do Brasil" 27

Há que aceitar este trecho tal como foi apresentado, em especial se se considerar a época em que foi escrito. Os ânimos estavam ainda bastante exaltados, em alguns setores da sociedade brasileira, que não viam com bons olhos a ação dos portugueses (os "colonizadores") naquele grande País. Por isso, foi normal a reação. Não trouxemos o problema à discussão por esse fato; mas sim para comprovar quanto ainda há a desbravar, a corrigir, a atuali­zar sobre o longo período de vigência do tráfico negreiro, e de suas implica­ções na vida social, política, econômica e cultural de muitos países, nuns com incidências diretas, noutros, por reflexo. Lamentavelmente entre os portugueses, durante largas décadas, o tráfico negreiro foi um tema tabu, mal-aceito em muitos setores da nossa sociedade, a ponto de não se querer ouvir falar dele, mormente escrever. Foi uma época em que se apoderou de nós uma espécie de "complexo de culpa" por termos entrado no negócio, tal como agora, com a descolonização, se está a verificar um fenômeno idêntico ou similar ao tal "complexo de culpa.,, por terínos permanecido (mal e porcamente) em Africa

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·durante muitos anos! Consideramos tudo isso ligado ao que podemos reputar, ,em grande parte, de deficiência cultural.

Não nos devemos envergonhar de termos traficado em escravos. Estivemos ·sempre em boa companhia. Basta recordar o que escreveu o grande demógrafo Landry, em 1949: "sur 100 negres qui débarquaient aux Iodes Occidentales .à la fim du XVIIe siecle, 50 étaient introduits par les Anglais, 26 par les Français, 14 par les Porfuguais et 10 par les Hollandais, Danois etc. 11 est permis de préciser qui au cours du XVIIIe siecle, un million de negres environ, en provennance de la Guinée et de l' Angola seraient arrivés vivants dans les Indes Occidentales, à la Guyane, aux Antilles et a Saint Domingue principal­ment" 28•

Se quiséssemos explorar este assunto, muito mais haveria a dizer. Não merece a pena gastar "cera com tão ruim defunto"!

4.5. Temos que fazer o remate deste subcapítulo (Escravos - que já vai longo) a fim de dar início aos que respeitam a mercadorias introduzidas e n produtos ou "efeitos" trazidos. Mas o final deveria ter bastante interesse na análise do problema da "emigração forçada", se .porventura os dados recolhi­dos possuíssem maior significado: a questão dos contingentes humanos, por sexos e por etnias, duas facetas de grande importância para auxiliar a com­preender a formação das comunidades nas regiões de destino. Como tivemos oca·sião de anotar, â deficiência destes elementos tem constituído o maior "quebra-cabeça" dos que abordam o tema. E nem por ele ser já uma velharia de que poucos se ocupam, deixa de ter certo número de cultores. Como se deve depreender do que se vem expondo, fugimos à aborda~em das idades dos escra­vos pela total falta de dados.

Comecemos, portanto, pela divisão por sexos. Já se' viu que o total de escravos embarcados dá os seguintes resultados (de ambos os sexos, excluindo as crias) por setores: ·

Bissau-Cacheu-Cabo Verde .... ,,,-.... _.._ . . . . . . . . . 20.444 Angola . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 . 213 De particulares, transportados nos navios da Com-panhia ......... . .. . . . . . . . . . . .... , . . . . . . . . . 178 = 28. 835

A sua distribuição por sexos dá-nos a seguinte composição por origens:

Origem

De Bissau-Cacheu

De Cabo Verde

De particulares (oriundos de Bissau-Cacheu) ·

De Angola

Totais

126

Varões

11.150

83

128

2.557

13.918

Fêmeas

7.086

22

50

864

8.022

Totais

18.236

105

178

3.421

21.940

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o que determina 63,4% de homens e 36,6% de fêmeas. Em relação ao total de e:qibarques, as faturas acusam 6.895 sem indicação de sexos (23,9%). Para a maioria dos casos conhecidos, não é nada mau. Embora a proporção de mulheres não tenha sido a'ideal, ainda assim deveria ter permitido um maior equilíbrio, isto se tivermos em linha de conta o número de moleques e de molecas (em regra, na idade da puberdade), que no setor Bissau-Cacheu atin­giram respectivamente as cifras de 2.213 (varões) e 1.754 (fêmeas) = 3.967 (21,8% dos apresentados como escravos adultos de ambos os sexos).

Quanto ao problema das etnias, depois de indicados os casos relativos a escravos ao serviço da Companhia em Bissau-Cacheu, os chamados escravos­grumetes, só a documentação do Brasil nos abre melhores perspectivas, porque houve o cuidado, no possível, de indicar na listagem as etnias, as regiões de procedências e outras designações de uso corrente na época, derivadas da mestiçagem, quais sejam, as de crioulo, cafuzo e mulato. O número de casos é restrito - escassos 128 escravos -:-: todos recebidos pela Companhia, em resultado de processos de execução por dívidas etc. Com os .documentos dessa proveniência elaboramos um pequeno quadro, por sexos, a saber:

Etnias, regiões de origem e outras designações usadas

1 Angola

2 Bantu

3 Benguela

4 Bujagó (ou Bijagó)

5 Congo

6 Mandinga

7 Mina

8 Nalu

9 Nohé (?)

10 Papel

11 Rebolo

12 Cafuzo

13 Crioulo

14 Mulato

15 Moleque

16 Sem indicação alguma

Varões

8

1

5

5

3

9

2

1

1

2

3

17

1

1

26

85

Fêmeas

1

3

2.

1

2

25

9

43

Totais

8

1

6

8

3

11

2

1

1

3

2

3

42

1

1

35

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127

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Os cafuzos, crioulos e mulatos são filhos de pais africanos já nascidos no Brasil, como se pode apurar das listas anexas no volume 2. Há uma desig­nação dada como étnica e que ignoramos: Nohé. Os restantes 20 devem 5er da área a sul do Equador: Angola, 8; Bantu, 1; Benguela, 6; Congo, 3; e Rebolo, 2. Dois são originários do Golfo da Guiné, os designados por Minas. E, finalmente, 23 procedentes da área do Senegal à Serra Leoa: 8 Bijagós; 11 Mandingas; 1 Nalu e 3 Papéis.

Por esta pequena mas elucidativa amostra podemos aquilatar da diversi­dade de povos africanos levados para o norte do Brasil pela Companhia -que os vendeu aos agricultores e depois voltou a recebê-los quando da liqui­dação das contas. P.or isso mesmo, merece a pena conhecer como se processou a devolução. Cingimo-nos à documentação da própria empresa:

• 22 escravos e 1 cria arrolados no espólío do negociante do· Pará, Dionísio de Freitas e Vasconcelos1 em 17-1-1770, com o valor de 29 • . . • • • • . • • • • • • • • • • • • • • • • • • . • • • 2 . 282. 570

• 80 escravos devolvidos à Companhia em 10-9-181 O para pagamento da dívida do casal de Manuel José da Costa 30 11 . 640. 000

• 15 escravos recebidos pela Companhia para amortização da dívida do agricultor Francisco Fernando dos Reis, do lugar de Ituqui (vila de .Santarém), conforme processo de execução em 1-1-1822 assinado por Manuel de Freitas Dantas e José Pedro Freire de Gouveia 31 .•.••• .'.... . 1.475.000

• 11 escravos inventariados para venda em 1-1·1827 pelos membros da Comissão Liquidatária, José Pedro Freire Gouveia e Manuel de Freitas Dantas 32 • . • . • • • . • • • . • 1 . 005. 000

Total .... . ....... . .. . ... . .. 16.402 . 570

Quer dizer, a Companhíâ. conseguiu receber, pelos processos de cobrança de dívidas, os escravos que havia vendido, acrescidos da prole havida no decurso dos anos, atingindo o valor de 16.402.570; e, no caso de Dionísio de Freitas e Vasconcelos, mais 8.441.790 réis, produto da venda de fazendas e outros bens inventariados quando da sua morte em 1770 29•

Passada em revista a movimentação dos escravos, na medida em que a documentação consultada o permitiu, passaremos a abordar o movimento de mercadorias remetidas para os diversos setores' de comércio, com exclusão do de Angola, por duas razões já apontadas: o pequeno volume de mercadorias enviadas e as dificuldades encontradas na sua especificação, em resultado do método de faturação seguido. Portanto, neste aspecto, inü~iaremos a exposição pelo setor Bissau-Cache_u, seguido do das Ilhas de Cabo Verde.

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S. Setor Bissau-Cacheu

S.t. Como se disse em outro passo, este setor fornecia predominantemente escravos. Portanto, as mercadorias para ali enviadas foram as conhecidas por mercadorias para a escravatura.

Após a apresentação das importações, passaremos às exportações. O total geral de mercadorias introduzidas no período de 1758 a 1782 está represen­tado pelos seguintes quantitativos:

Destino

Bissau

(1758/ 1782)

Cacheu

( 1758/ 1779)

Valor de fatura

594.672.575

507.931.048

1.102.603.623

Despesas até ao destino

97.303.381

66.479.298

163.782.679

( em mil réis)

% das despesas

16,4

13, 1

14,9

Totais

691.975.956

574.410.346

1.266.386.302

Com alguma razão, devemos abater do total faturado a Bissau o montante dos materiais enviados para a construção da Fortaleza de São José, que custou 230.530.688 réis. Nesse caso, as mercadorias e o dinheiro em cobre e em ouro, também incluído nas faturas (43.236.800 réis), totalizam apenas 461.445.266 réis - e o conjunto descerá para 1.035.855.614 réis 33

Por razões várias, entre as quais de·stacaremos a reco$ecida desnecessi­dade de fazer o levantamento das diferentes mercadorias em excessivo porme­nor, optamos pelas principais, segundo o nosso critério. Pusemos de parte quinquilharias, linha de coser, botões, alguns gêneros alimentares etc., e ainda assim o levantàmento efetuado abrangeu o valor de 999.111.854 réis, ou seja, 96,5% do montante líquido faturado (1.035.855.614), isto pela circunstância de considerarmos as despesas com a construção da fortaleza, sem grande inci­dência sobre o movimento comercial, a não ser muito indiretamente.

O empolamento da percentagem de encargos (16,4% para Bissau e 13,1 % para Cacheu) sobre o valor das faturas provém dos elevados custos da emba­lagem da aguardente (mesmo a avulsa) e dos barris contendo pólvora, e um tanto das despesas gue essas mercadorias faziam em Lisboa com a fragatagem.

O levantamento efetuado abrangeu 11 tipos de mercadorias, como se discrimina de seguida, para cada área:

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Designação Bissau Cacheu Total %

1 Aguardente 65.145.578 36.590.629 101.736.207 10,2

2 Búzios (ou cauris) 6.454.380 6.454.380

3 Chapéus de feltro 2.516.546 697.624 3.214.170

4 Espingardas ordinárias 32.311.674 24.412.367 56.724.041 5,6

5 Ferro em barra 55.879.455 73.143.400 129.022.85S~ . . ·12,9

6 Frasqueiras e frascos 42.591.650 21.156.744 63.748.394 6,4

7 Panaria cabo-verdiana 185.158.895 186.078.055 371.236.950 37,2

8 Pederneira -p/ armas 519.135 509.684 1.028.819

9 Pistolas 1.153.233 2.644.159 3.797.392

10 Pólvora 102.588.907 95.991.666 198.580.573 19,9

11 Tecidos variados 41.512.256 21.935.814 63.548.070 6,3

Soma 535.931.709 463.160.142 999.091.851 98,5

% 53,6 46,4

Das mercadorias indicadas (valores), 53,6% foram para Bissau e 46,4% para Cacheu. A enumeração pela ordem relativa de valores esclarece melhor o destino que lhe foi dado: a compra de escravos.

Para não avolumar este texto, detx:amos de fazer a indicação das quanti­dades. Quem se quiser inteirar delas em detalhe tem-nas ao seu alcance no volume 2. Mesmo assim, vamos apresentar, pela ordem decrescente dos valores relativos, as principais mercadorias. Desta forma, temos:

Panaria cabo-verdiana ............................. . Pólvora ........................................ . Ferro em barra ...................... , ........... . Aguardente ............. - ....................... . Frasqueiras e frascos ............................. . Tecidos ........................ ·~ .............. . Armas de fogo (espingardas e pistolas) .............. ~

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37,2% 19,9% 12,9% 10,2% 6,4% 6,3% 6, 1-01o

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Todas as outras correspondem a 1 % do total faturado. Em todo caso, anotamos um certo número de quantidades que permitem

ajuizar do movimento. Temos: 131.371 panos de algodão; 20.216 quintais de pólvora; 32.830 armas de fogo (29.748 espingardas e 3.082 pistolas); 147.553 barras de ferro para a confecção da relha do arado africano; 643.713 frascos de uma canada e de canada e meia para o acondicionamento da aguardente (estes· importados de Amsterdã e Hamburgo).

O negócio dos panos de origem cabo-verdiana será tratado quando se fizer a apreciação do setor das ilhas.

Estes bens de consumo, tão do agrado das populações do setor, foram, portanto, integralmente aplicados na compra de escravos, provavelmente adicio­nados_à cola e ao anil que iam comprar às rias do sul e à Serra Leoa; mas que não aparecem discriminadas na contabilidade de Lisboa, por se tratar de transações locais registradas nas Feitorias.

Há uma mercadoria faturada a Bissau, e cuja origem não se detecta: os búziós ou cauris (Cipraea moneta) que, durante longos anos, tiveram uma enorme procura na costa ocidental africana. Eram aplicados como adorno de objetos utilizados nas cerimônias mágicas e incrustados em panos de algodão tingidos 34

5.2. Ao entrarmos na apresentação das exportações é que se nota o contraste flagrante com o .montante das importações. Não fosse o volumoso montante representado pelos escravos, quase que não teria valido a pena en­frentar as dificuldades do clima, as contrariedades e os riscos por que teriam passados os agentes da Companhia. No fundo, as exportações foram limitadas à cera e ao marfim e dentes de cavalo-marinho. O resto (pau campeche e peles de gazela) não tem significado.

No aspecto das exportações, há a considerar a de gêneros pertencentes à Companhia e os dos colonos, transportados nos navios da empresa em regime de consignação - ora à própria Companhia, ora confiados a um ou outro negociante de Lisboa.

Os gêneros da Compan~ia totalizam 163.881.804 ,réis (75,0%) e os dos colonos, 54.769.616 réis (25,0%). Segundo a origem, e no conjunto, saíram de Bissau 34.927.815 réis (16,0%); e, por Cacheu, 183.723.599 réis (84,0%). Vejamos como se processou o movimento:

Designação Pertencentes à Companhia

De Bissau De Cacheu Total %

1 Cera de abelhas 18.205.705 138.516.252 156.721.957 95,6

2 Marfim e dentes de cavalo-marinho 2.850.796 3.530.601 6.381.397 3,9

3 Pau campeche 767.810 767.810 0,5

4 Peles de gazela 10.640 10.640

21.834.951 142.046.853 163.881.804

% 13,3 86,7

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Passemos à enumeração das exportações dos colonos em regime de con-signação:

Designação Em consignação

Total % De Bissau De Cacheu

1 Cera de abelhas 12.970.168 41.597.581 54.567.749 99,6

2 Marfim e dentes de cavalo-marinho 122.696 79.165 201.861 0,4

13.092.864 41.676.746 54.769.610

% 23,9 76,1

Total geral 34.927.815 183.723.599 218.651.414

Para uma importação de 999.091.851 réis, houve uma exporJação de 218.651.414 réis, ou seja, uma diferença pf1ra menos de 780.440.437 ,réis, de resto coberta pelo montante de mais de 1.599 contos de réis correspondentes aos escravos. Aliás, era este o grande - o principal - objetivo da empresa, e que foi plenamente atingido. O pior é que, no primeiro quartel do século XIX, todo esse setor foi atingido pelas guerras entre as diferentes etnias, sobretudo a desencadeada pelos Fulas cativos, mais conhecidos por Fulasspretos, e que se prolongou por cerca de sessenta anos. Como conseqüências mais dire­tas desta luta, o empobrecimento de toda uma extensa região, sobretudo no interior, assaltos, ,pilhagens, privações de toda a ordem. De tudo isso, um fato evidente: uma profunda alteração da distribuição étnica pelas fugas para outras regiões periféricas e a total desarticulação de uma economia paupérrima que, desse modo, ficou reduzida a uma situação confrangedora.

Se condensarmos os quadros antes apresentados em um único, temos a seguinte posição:

Cera de abelhas 211.289. 706 réis = 96,6%

Marfim e dentes de. cavalo-marinho .. . 6. 583. 258 réis 3,0%

Pau campeche e peles de gazela ..... . 778. 450 réis = 0,4%

Uma pobreza franciscana, que perdurará até as primeiras décadas do século atual. Mas. . . isso é outra história que não interessa ao nosso tema.

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6. Sétor das Ilhas de Cabo Vente

Aqui o tratamento do movimento de importação e de exportação terá uma extensão bastante mais vasta. E não é por ele que vamos iniciar este subcapí­tulo. Permitimo-nos fazer, em primeiro lugar, a apresentação dos rendimentos públicos arrecadados e, paralelamente, as despesas com os serviços da Capita­nia, tal como expusemos no começo deste capítulo. De duas fontes nos servi­mos para apresentar o conjunto de elementos relacionados com a administração dos rendimentos e das despesas da Capitania: os extraídos dos livrós de conta­bilidade da empresa (para nós os que merecem mais credibilidade) e as rela­ções, não assinadas nem datadas, existentes na Bi_blioteca Nacional e no Arq~ivo Histórico Ultramarino, em Lisboa. Como era dd prever, os números apurados não são coincidentes. Pensamos que merece a pena divulgar as duas fontes. Nem uma nem outra têm uma especificação clara das receitas (a base da inci­dência) nem das despesas. O mal, porém, reside no fato de os lançamentos serem feitos em conjunto, sem separação por espécies de rendimentos, nem da natureza das despesas. Em uma fonte, a escrituração das receitas fez-se, em parte, por ilhas; e, em alguns anos, por grupos de ilhas; e, as despesas, agru-

. . pando as das listas civis e eclesiásticas conjuntamente com os res~antes encar­gos. A preocupação do contabilista esteve sempre virada para o aspecto mer­cantil; portanto, o lançamento dos réditos e despesas públicas faziam-se sob o mesmo critério. Daí que tenhamos de fazer uma enumeração, o mais detâlhada possível, da base qe incidência dos rendimentos públicos, como forma de se ajuizar dos fundamentos da tributação na época. Utilizando um critério um tanto arbitrário, indicaremos os seguintes:

1) Direitos alfandegários. 2) Direitos sobre a cera e o marfim procedentes de Bissau-Cacheu. 3) Dízimos reais. 4) Dízimos eclesiásticos. 5) Redízima (direitos de pastagem do gado de particulares). 6) Foros (sobretudo nas ilhas de Barlavento). 7) Arrendamentos de terras e de montados. 8) Rendimento do contrato real de fornecimento de refrescos e gado a

navios. 9) Rendimento da venda de gêneros: algodão, sangue-de-drago, anil,

âmbar, vinho (São Vicente, Santo Antão, São Nicolau, Brava).· 1 O) Aluguel de burros para o transporte do sal das marinhas para o cais

(Boa Vista e Maio). 11) Venda de "animais do vento" (o gado encontrado sem identificação

ou sem dono conhecido).

Para se ficar a saber em que consistiam os rendimentos do "contrato real de fornecimento de refrescos e gado a navios", transcrevemos o lançamento efetuado em 14 de junho de 1762 ("Diár,io" - XV /R/5), so_b o n.º 742:

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"Rendimento do contrato de vacas e de refrescos em Cabo Verde a navios estrangeiros, em 1760:

Pago por um navio inglês ............... . Pago por um navio inglês ............... .

Pago por navios dinamarqueses: Por refrescos diversos ............... . Por 5 bois e 20 porcos ............... .

Pago por navios holandeses:

12.600 10.300 22.900

157.865 78.890 236.755

Por 16 vacas e 10 cabras . . . . . . . . . . . . . . 78. 750 Por 12 bois, 14 cabras e 6 carneiros . . . . 67 .878 146.628

Total . . . . .. . . . . . . . .. . . . .. . . . . 406. 283"

Em princípio - e quanto a escrita o permitiu - detectamos onze fontes de receitas, incluindo as que se diziam pertencentes à Coroa, como seja parte das rendas dos montados, a venda dos indicados no n.º 9 e no n.º 11.

Por uma questão de economia de espaço, vamos indicar as receitas arre­cadadas de 1758 a 1779, segundo os dois grupos de ilhas (Sotavento e Barla­vento) e, ainda, as que se encontraram sem especificação das ilhas a que dizem respeito. De seguida, discriminaremos as constantes da lista elaborada até 1777, de modo a estabelecer um confronto entre as duas fontes. Como houve oportu­'nidade de dizer, não nos entusiasmamos com documentação não datada nem assinada, via de regra cópias, cuja proveniência e fins da ,sua elaboração se ignoram. Neste caso não são de desprezar.

Dos rendimentos enumerados, os que tiveram algum peso nas arrecada­ções foram os diréitos alfandegários (n.º" 1 e 2), os dízimos reais e eclesiásticos e, em algumas ilhas, a redízima, ou seja, o tributo de pastagem a que estava sujeito o gado de particulares. O restante tinha pouco significado. Para se ter uma imagem das cobranças daquele tipo de receitas, esclarecemos que, de 1790 a 1813, a Provedoria da Fazenda de Cabo Verde arrecadou 171.423.409 réis de direitos alfandegários e 137 .758.554 réis de dízimos, o que corresponde respectivamente a 30,8% e 24,8% do total dos rendimentos naquele período de tempo; no conjunto, 55,6% 35 •

* * *

Postos esses problemas, apresentaremos os quadros das receitas arrecada­das pela Companhia, começando pelo levantamento por nós efetuados. O en­quadramento dos rendimentos teve de ser condicionado aos dados contabilísti­cos. Assim, o arquipélago foi dividido nos dois grupos de ilhas - Sotavento, compreendendo as de Santiago, Fogo, Maio e Brava; e Barlavento, as de Santo Antão, São Nicolau e Boa Vista, dado que São Vicente e Sal eram as chamadas "ilhas desertas".

Fomos forçados a formar uma terceira coluna, englobando as receitas con­tabilizadas sem indicação da ilha ou ilhas. Deste modo, temos:

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Sotavento Barlavento Anos (Santiago, Fogo, (Sto. Antão, Sem indicação

Maio, Brava) S. Nicolau, Boa de ilhas Total Vista)

1758 3.217.570 504.741 3.722.311 1759 3.304.510 976.489 4.280.999

1760 5.706.267 1.172.876 6.879.143

1761 7.467.692 977.901 8.445.593

1762 5.024.962 9S6.260 6.011.222

1763 3.843.846 1.408.240 5.252.086

1764 4.086.582 928.255 5.014.837

1765 5.359.871 1.269.161 6.629.032

1768 1.193.672 11.109.083 12.302.755

1769 11.536.403 1.274.700 133.645 12.944.748

1770 10.081.940 1.297.040 813.719 12.192.699

1771 4.576.503 1.182.059 622.365 6.380.927

1772 4.4op.893 1.247.380 5.648.273

1773 3.159.252 2.939.367 6.098.619

1774 992.593 8.818.328 9.810.921

1775 1.385.229 2.770.332 4.155.561

1776 11.602.567 11.602.567

1777 927.319 927.319

1778/9 14.349.492 14.349.492

Soma 75.337.785 13.225.102 54.086.217 142.649.10486

O total arrecadado nestes 22 anos eleva-se a 142.649.104 réis. Em primei­ro lugar, convém salientar que as baixas cobranças dos anos de 1774 e 1775 se ficaram a dever à grande fome que assolou o arquipélago nesses anos; em segundo lugar, um reparo ao fato de nos registros não constarem os rendimen­tos dos anos de 1766 e 1767. A média anual das arrecadações foi de 6.484.050 réis. Algumas anomalias que se possam notar correspondem ao fato de a em­presa usar na escrituração processos mais adequados a atividades comerciais. As ilhas do grupo de Sotavento produziram, como foi sempre norma, um vo­lume de receitas superior às do Barlavento. Em qualquer caso, no período em apreço, a população estava muito mais concentrada no primeiro grupo de ilhas; até porque o segundo começara, então, a desenvolver-se.

* * *

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Outro elemento de informação ao nosso alcance nos é facultado pela cha-mada conta da receita que nas Ilhas de Cabo Verde se fazia, por parte da Fa-zenda Real, e que por Decreto do mês de Outubro de 1758 foi incumbida a Junta da Administração da Companhia do Grão-Pará e Maranhão 37

, abran-gendo o p~ríodo de 1758 a 1777. Uma reserva que pomos a este documento é a de que a entidade que o elaborou adverte que, nos anos de 1766 a 1770 e de 1774 a 1777, as quantias foram arbitradas por se acharem as contas con-fundidas; e, por não terem vindo' as contas e se acharem recebidos, fizemos um orçamento proporcionado nos penúltimos anos. Esta reserva é evidente pela simples verificaçãq das cifras de "direitos alfimdegários ... " idênticos em 1766 e 1767; em 1768 e 1769; e em 1774 a 1777. No resto, podemos aceitá-las.

Direitos sobre Venda de Direitos cera e marfim gêneros, vacas alfandegários,

de Bissau e e refrescos · dízimos reais e Anos Cacheu a navios, eclesiásticos, Total

de algodão e foros, rendas chancelaria de terras e

montados

1758 369.337 200.779 705.716 1.275.832 1759 585.805 3.350.746 3.936.551 1760 613.283 5.882.743 6.496.026

1761 445.000 4.976.223 5.421.223 1762 3.094.883 2.321.979 1.205.830 6.622.692 1763 1.016.823 4.641.091 5.657.914 1764 100.923 5.014.637 5.115.560 1765 122.244 6.629.033 6.751.277 1766 14.258 6.751.277 6.765.535 1767 6.751.277 6.751.277 1768 6.268.780 6.268.780 1769 6.268.780 6.268.780 1770 913.000 6.268.780 7.181.780 1771 44.817 67.532 5.758.562 5.870.911 1772 5.647.673 5.647.673 1773 1.262.792 6.022.839 7.285.631

1774 718.599 4.120.395 4.838.994

1775 444.444 4.120.395 4.564.839

1776 1.495.442 4.120.395 5.615.837

1777 314.479 1.422.267 4.120.395 5.857.141

Soma 8.672.051 6.896.635 97.625.567 113.194.253

136 .,

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A comparação das receitas arrecadadas, de harmonia com os dados dos quadros, dá-nos os seguintes resultados:

O primeiro acusa 142.649.104 até 1779. Se deduzirmos os rendimen­tos, de 1778/79 (14.349.492 réis), teremos 128.299.613, ou seja, uma dife­rença, para menos, de 15.105.359, em relação ao segundo. Conseqüentemente, a média anual de arrecadações dá apenas 5.659.713 réis. De destacar o mon­tante de direitos de saída de cera e de marfim de Bissau e de Cacheu: 8.672.051 réis.

No que toca a despesas efetuadas nas Ilhas de Cabo Verde, com os ser­viços públicos, dispomos igualmente de elementos de duas proveniências: con­tabilidade da Companhia e Arquivo Histórico Ultramarino. Os seus totais não condizem, como se vai ver. Consoante os apuramentos feitos nos livros da em­presa; a despesa global, de 1758 a 1778, com os ordenados, congruas e diver­sas outras, ascende a 167.353.395 réis 38, e RUe, resumida tanto quanto o per­mitém os lançamentos, se pode decompor da seguinte forma:

1) Folhas secular e eclesiástica, incluindo os ordenados do Gov. Brito Tigre, do Ouvidor João Gomes Ferreira e do Rev. Padre Dr. José Luís Godinho, e congruas e ordena-dos em atraso, regularizados em 1778 . . . . . . . . . . . . . . . 17. 765. 082

2) Folhas secular e eclesiástica sem qualquer_discriminação, e guisamentos . .. . . .. . .. ..... .• . .... ... ........ , 145 . 999 . 295

3) Pólvora e renda da casa de Francisco Alvares de Almada para instalação de serviços . .......... . . . ......... .

4) Compra de 12 peças de artilharia, de bandeiras para as fortalezas e azeite para a iluminação dos Presídios (60 . roo réis) .. .. . . . . . ..... .. . ... ... ....... ... .

5) Aquisição de paramentos para as Igrejas . .. ...... . . .

746.085

1.334.259

1.508.674

Total . . . . . 167. 353. 395

Podemos, portanto, admitir uma média anual de 7 .969.209 réis. É certo que o enquadramento feito resultou exclusivamente (neste e em outros ca­sos) do método contabilístico seguido pela Companhia, e um pouco devido ao atraso nos laçamentos das despesas.

Algumas das rubricas indicadas não constam do mapa existente no Ar­quivo Histórico Ultramarino 39

, assim como neste não se registram outros que constam daquele. Enfim, um problema difícil de esclarecer.

157

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Corno não se nos aparenta razoável deixar de considerar essa outra fonte 40

, que é apresentada corno sendo a canta das despesas que nas Ilhas de Cabo Verde se faziam por conta da Fazenda Real e que por Decreto do mês de outubro de 1758 foram incumbidas à Junta da Administração da Com­panhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, damo-la com certo detalhe de rubricas.

1 Respeita ao período de 1758 a 1777 e· especifica:

Especificação

1) Folhas secular e eclesiástica (governadores, ouvidores, capitães-mor; bispo, deão, p~ro­cos, meirinhos, esáivães da Igreja etc.) nos 20 anos .............. .. ........... .

2) Ordenados e ajudas de custo a:

Gov. Manuel Pereira d'Avila (1760)

idem Manuel António de Sousa e Menezes (1762) ............... . ...........•.

idem Bartolomeu de Sousa e Brito Tigre (1763) .... .. . ... . ... . ............. .

idem D. João Jácome Sanches de Baena Henriques (1766) .................. .

idem Joaquim Salema Saldanha Lobo (1768) ..... . .... .. ... . .. . . .. .. .. . . .

Ouvidor: João Gomes Ferreira (1763) .. .

João Vieira de Andrade (1765)

Dionísio Gonçalves Branco (1766) . ........ ... .. . .. . .. .

Sargento-mor do Fogo, Manuel Germano da Mata ( 1766) ............. .......... .

Capitão-mor Filipl! José de Souto e Matos (1760) . ..... ... ..... .. ............ .

Cirurgião Luís Collon . ... . . . . .. .. ... .

138

Parciais

630.000

2.756.043

1.104.451

806.790

400.000

977.776

728.028

t.226.666

488.532

100.000

152.666

Totais

213.603.388

9.370.952

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Especificação

3) Ordenados a sargentos e soldados p/ Guiné

Ajudas de custo a oficiais carpinteiros e calafates (1767) ... . ............. ... .

Ajudas de custo a oficiais e soldados da guarnição ........ . .............. .. . .

Ordenados aos missionários mandados para Bissau e Cacheu .. .. . ............... .

Despesas com 159 degredados mandados para Bissau e Cacheu .. . ........... . .

Idem com 39 degredados de Lisboa para Cabo Verde ...... . .. . ............ . . .

Pescadores mandados para Guiné . . . . . .

4) Despesas Diversas:

Reparação dos tanques da Fábrica de Anil de Santo Antão , . . ... . ....... . .. .. .. .

Azeite p/ iluminação da R. Grande e Praia

Paramentos para as igrejas . . .... ... . . .

Livros p/ o lançamento das receitas da Fa-zenda Real e assentos de Batismos .. . . .

Compra de uma chalupa ... : ..... . ... .

Compra de bandeiras para as fortalezas

Gastos com o envio de 2 mulheres de Gui~ né para Cabo Verde .... .. .. . . ... . . . .

Gastos diversos

Total

5) Despesas extrao'rdinárias:

Mantimentos destinados à distribuição pe­las vítimas da grande (orne de 1774 e 177 5, enviados em 18 navios . .. . . .. .. .

Total geral . .. . .. . .

Parciais

54.000

25.600

427.200

322.890

340.083

140.580

202.560

130.285

8.965

2.041.894

30.200

67.500

90.781

32.000

104.220

Totais

1.512.913

2.505.845

226.993.098

84.159.084

311.152.182

139

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Para uma maior clareza, resumimos a referida "conta" em quatro gran­des rubricas, a saber:

1) Folhas secular (governadores, ouvidores, oficiais da Fa­zenda e da Alfândega, capitães-mor) e eclesiástica (bis­pos, deão, cabido, meirinhos e escrivães do bispado) nos 20 anos e lançadas em conjunto . . . . . . . . . . . . 213 . 603 . 388

2) Ordenados e ajudas de custo, contabilizadas individual-mente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9. 370. 952

3) Ordenados, congruas, ajudas de custo (em atraso) , des­pesas com degredados para Bissau e Cacheu e de Lis­boa para Cabo Vei:de e pescadores mandados de Cabo Verde para ~issau . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 . 512 . 913

4) l)espesas diversas 2.505.845

S0111a •..•. 226.993 .098

5). l)espesas extraordinárias - Mantimentos enviados pa-ra socorro das vítimas da fome de 1774-1775 . . . . . . 84 . 159.084

Total .. .. . 311. 152. 182

Afastado da aprec1açao o montante das despesas extraordinárias, a di­ferença entre estas duas fontes de informação é sensível: 59. 639. 703 réis . · E o pior é que não podemos esclarecê-la. E note-se: quando o primeiro montante respeita ao período de 1758 a 1778, o segundo limita-se ap de 1758 a 1777.

No que concerne às despesas com o envio de degredados para a Gui­né, estamos convencidos de que parte dos encargos respeita aos sete impli­cados no motim ocorrido no Porto por causa do monopólio concedido à Com­panhia das Vinhas do Alto l)ouro e que, por decisão régia de 15/3/1758, foram. entregues à Companhia do Grão-Pará para ela providenciar o seu embarque e entrega no destino. Foram eles: Matias António, Luís Osório, António José Pires, Sebastião Antunes, Francisco António, José Fernandes e Manuel Gomes.

Em qualque'r caso, uma hipótese é possível .aventár~ a de a Companhia, ao terminar o monopólio, querer empolar as despesas na convicção de que a Fazenda Real as pagaria, mediante a simples apresentação das listas ela­boradas pela primeira Comissão Liquidatária. Enganou-se, porque, a despeito das _yárias tentativas feitas, .o Erário régio recusou-se sempre a pagar as chamadas "dívidas da Fatenda Real". Os membros da C9missão Liquida­tária esqueceram-se das disposições expressas no Alvará secreto de 1757, pelas quais a Companhia beneficiava, além do mais, da isenção de direitos

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e emolumentos, e de todos os tributos, por assumir a governação e a admi­nistração da Capitania, comprometendo-se, por isso, a arcar com os encar­gos com todo o pessoal, fortificações, artilharia, munições etc. Foi o que se deu com os 230 contos · de réis despendidos com a construção da fortaleza de Bissau e que o Erário régio se negou a liquidar, mesmo depois de a Co­missão Liquidatária haver insistic;lo para que fosse reembolsada daquele e de outros quantitativos.

Segundo a nota de despesas em apreço, a média dos encargos das fo. lhas secular e eclesiástica, nos 20 anos, foi de 11.148.718 réis (98,2% do to­tal), quando todos os outros gastos se situaram nos 4. O 18. 7 68 (1,8 % ) . No que respeita à despesa de 84. 159. 084 réis com a assistênçia às vítimas da fome, mantém-se a contradição entre a "conta" de 1778 e os registros con­tabilísticos da Companhia. Nestes, as faturas emitidas somaram 86. 634. 751 réis, pelo que há uma diferença de 2.475.667. Para nós, a escrita merece muito maior credibilidade do que os mapas avulsos, elaborados certamente numa conjuntura particular, derivada da extinção da Companhia.

Se fizermos o confronto das receitas arrecadadas (142. 649. 104, segun­do a escrita, e 113.194.253, pela "conta( avulsa de 1778) com as despesas (167.353.395, de harmonia com a escrita, e 226.993.098, pela "conta"), teremos na primeira hipótese um déficit de 24. 704. 291; e, na segunda, ou­tro bem mais elevado, de 113. 858. 845! Onde está a razão?

Quer se aceite um ou outro dos déficits, a Companhia teria suportado encargos apreciáveis pelo exercício das funções de administradora dos ré­ditos e despesas públicas - o que não consideramos exato nem ajustado às imensas vantagens que lhe foram concedidas e antes apontadas. Ela não per­deu um só ceitil nessa tarefa.

Apreciada a situação das Ilhas de Cabo Verde, passamos à análise des­se. mesmo problema - a cobrança dos rendimentos e o pagamento das des­pesas públicas - nas Praças e Presídios do Continente.

6 .1 . Pelos elementos recolhidos nos livros de contabilidade da Com­panhia, quatro eram as Praças e Presídios: Bissau e Cacheu, Farim e Zigui­chor, e os rendimentos neles arrecadados e as despesas feitas no decurso de 1765 a 1779 (não se detectaram dados anteriores) serão apresentados e apreciados segundo o critério até agora aqui seguido em relação a Cabo Ver­de. Como não podia deixar de ser, os registros foram efetuados em globo, sem qualquer especificação detalhada, e nem sempre com regularidade :tem­poral. Nisso a culpa não foi apenas dos agentes da Companhia. També~ as dificuldades de comunicação e o desleixo dos empregados ajudaram a confusão. · De 1765 a 1778/79, as receitas cobradas ficaram limitadas aos direi-

tos alfandegários, de importação e exportação de particulares (que nãÇ> da Companhia), pois a posição da soberania (?) portuguesa na região a mais não permitia. Não nos esqueçamos de que os quatro pontos onde se · con­centravam os poucos negociantes estavam situados na margem dos rios, em muito limitados· tratos de terreno (os indispensáveis à formação de, núcleos de 10 ou 20 palhotas), defendidos por paliçadas de madeira, único meio de defesa contra as investidas das populações nativas. E a ocupação desses mi-

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nüsculos locais só se fazia com consentimento prévio das autoridades africa-canas e mediante o pagamento de uma renda, previamente ajustada. Outro tanto se deu na mesma e em outras latitudes com ingleses e franceses. A situação só foi alterada no começo do século atual, quando da chamada "pacificação". Mas este aspecto polítiéo é outra história!

Vejamos, portanto, o quadro seguinte:

Receitas das alfândegas pelo despacho de mercadorias entradas Anos e de gêneros saídos ( cera, marfim, peles) :

Caéheu Ziguichor Farim Bissau Total

1765 1.361.509 384.000 233.527 1.979.036

1766 1.370.565 180.880 228.200 1.779;645

1767 101.200 244.450 345.650

1768 2.087.650 2.087.650

1770 284.800 312.320 597.120

1772 667.951 90.800 330.650 1.089.401

1773 2.949.064 662.532 469.065 4.080.661

1774 514.075 94.950 112.060 433.650 1.154.735

1775 81.694 81.694

1776 950.177 281.865 383':273 1.615.3-15

1778/79 401.705 158.918 152.045 712.6(58

Sem indicação de origem 5.416.700

Soma 8.215.046 2.239.945 2.465.590 2.602.994 20.940.275

A magreza dos réditos ajuda a entender o que antes dissemos. A média anual de cobranças nos quatro, pontos é de 1 . 396. 081 réis. De resto, as falhas em variados anos e o montante contabilizado '' sem indicação de ori­gem", e já no .fecho, são outros ilidkativos da precariedade da situação. Os rendimentos não chegavam sequer para a compra da pólvora e de munições com que se deveriam, defender os interesses portugueses. Uma situação de verdadeira miséria que se procurava disfarçar ou esconder ,por. fodcs os meios. E o pior é que a conservação desses escassos pontos comerciais cus­tava quantias avultadas, verdadeiramente desproporcionadas aos benefícios que se pretendiam colher. R o que se vê do quadro seguinte fo: ·- .

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"Filhos da folha": capitães-mor, feitores, párocos, despesas eom as igrejas e aquisição de peças de artilharia e subsídios aos hospícios

Anos a cargo dos padres da Província da Soledade

Cacheu Ziguichor Farim Bissau Total

1760 106,370 106.370

-1763 1.518.533 80.000 1.598.533

1764 1.857.747 160.000 2.017.747

1765 1.305.289 384.000 233.527 220.000 2.142.816

1766 1.920.765 283.120 235.500 935.200 3.374.585

1767 1.618,116 141.150 142.300 599.000 2.500.566

,1768 1.741.690 18.400 391.175 100.000 2.251.265

1770 1.659.303 175.200 261.230 140.000 2.235.733

1771 1.919.699 346.730 274.540 140.000 2.680.969 -

1772 1.761.380 383.186 251.140 80.000 2.475.706

1773 556.900 80.000 636.900

1774 2.001.238 690.484 874.025 80.000 3.645.747

1776 4.358.310 2.251.891 1.861.350 160.000 8.631.551

1777 80.000 240.000 320.000

1778/79 15.977.677 2.579.882 3.441.657 21.650.642 43.649.858

Sem indicação de organismos 40.154.493

Soma 38.383.017 7.254.043 7.966.444 24.664.842 118.422.839

Em que se gastou esta soma em 20 anos? Nos ordenados dos capitães-mor e feitores, rtas congruas dos párocos (quando estes existiam), na cons-tituição e conservação de umas pequenas capelas construídas em adobes, co-bertas a colmo, na compra de armamento e em subsídios aos hospícios de Bissau e Cacheu, confiados aos padres Capuchos da Província da Soledade, subsídio que nesses 20 anos não ultrapassou os 3. 000. 000 réis! Estiveram ali a missionar os padres Frei Manuel do Sardoal, Frei José Loriga, Frei Mar-tinho de Saldanha e Frei Francisco do Porto Brandão.

Nas contas de 1773, referentes a Cacheu, estão incluídos 100. 000 réis do soldo anual do capitão-mor José Vicente Pereira. As despesas lança~as

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em 1778/79 mais não foram que a regularização de contas: pagamento de ordenados e congruas em atraso, compra de sinos para as igrejas e espin­gard~s para as magras guarnições de Bissau e Cacheu.

Contra a média anual de rendimentos de 1.396.018, temos a de 5. 921. 142 réis de despesas - ou seja, um déficit (médio anual) de 4. 625. 124 réis, a maioria das vezes mandado cobrir pelas Ilhas de Cabo Verde, mediante a remessa de bens de consumo, pólvora, aguardente, panos da terra, faturados à Guiné pelo dobro ou o triplo do seu valor na origem. Era com esses artigos (e por esses preços) que se pagavam as ordinárias ao pessoal destacado naqueles Presídios. E assim continvou a ser no decurso do século XIX 41

• Mesmo perante esta confrangedora situação de penúria, de fracasso, de desaire, continuavam a ser propaladas as vantagens da pre­sença portuguesa nesse setor da África!

Passada uma rápida revista à ação da Companhia como gestora dos fundos públicos em Cabo Verde, Bissau e Cacheu, ocupemo"nos da análise do movimento de importação e exportação no setor das Ilhas de Cabo Verde.

6. 2. O comércio externo das Ilhas de Cabo Verde desenvolveu-se bas­tante no período de tempo compreendido entre J 758 e i 779, embora os in­vestimentos locais que se poderiam esperar da Companhia tivessem sido in­significantes. É certo que, em alguma medida, a ação mercantil da empresa deva ter sido benéfica para algumas camadas da sociedade insular, isto ten­do em consideração a ação desgastante dos agentes locais ao açambarcarem (para si próprios mais do que para a organização) o negócio que as leis determinavam fosse pertença do chamado povo. É que ontem, hoje e amanhã a tendência é para se proclamar sempre a defesa dos "interesses" do povo,

- quando determinadas camadas poderosas c)lamam a si ps lucros que deve­riam caber às classes menos favorecidas. Já anteriormente fizemos alusão às reclall?:ações apresentadas contra este tipo de prepotências e menosprezo dos direitos do povo. Não merece a pena repeti-lo.

As importações de bens diversos, segundo o valor global da faturação (custo, frete e despesas= 6,5%), atingiu os 358.871.735 réis. Esta cifra abrange mercadorias, as moedas de cobre destinadas à circulação interna, no montante de 19. 600. 000 réis, e ainda 86. 634. 751 de gêneros enviados em 18 nàvios para serem distribuídos pelas vítimas da fome de 1774-1775, ou seja, biscoitos, milho, arroz, azeite, farinha, carne salgada etc. Em rigor, devemos abater este último quantitativo do valor faturado e, nessas condi­ções, às mercadorias caberá o montante de 26 7. 236. 984 réis. Deste total procedemos ao levantamento estatístico de dois tipos 'principais de merca­dorias: chapéus de feltro e tecidos diversos. O restante compõe-se de obje­tos em ouro e em prata para adorno (cordões, brincos, anéis, botões de pu­.nho etc.), bengalas com castão em prata, caixas de rapé, s·alvas, talheres, ltu­:do em prata, paramentos para as igrejas, santos, papel almaço, cardas, louça diversa, calçado, ferramentas, retrós, lin~a de coser, pentes, gêneros alimen­tícios etc., que nos pareceram de interesse secundário para as características do estudo que havíamos projeta90. Há, todavia, um artigo que apenas foi

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importado por Cabo ·Verde, Maranhão e Pará: livros diversos. A maioria das faturas não indica as quantidades e os preços. Por uma questão de curiosi­dade, damos alguns dos títulos das obras:

1) Mestres da vida (60 exemplares). 2) Horas Portuguesas (120 exemplares). 3) Santa Bárbara (100 exemplares). 4) Tesouros Descobertos (144 exemplares). 5) Cartilhas de Doutrina Cristã (240 exemplares). 6) Prática de Vanguerve ( 1 exemplar). 7) Seletas (12 exemplares). 8) Virgílio (12 exemplares). 9) Ovídio (12 exemplares).

10) Cartapácios de Sintaxe (3 exemplares). 11) Cartapácios de Gêneros (7 exemplares). 12) Artes latinas (5 exemplares). 13) Reza de São Emídio (1 exemplar)." 14) Jogos, de Blutean. 15) Crônica de El-Rei D. Manuel, de Damião de Góis. 16) Obras de Feijó. 17) Recriação Filosófica. 18) Dicionário Francês. 19) Gramática Francesa. 20) Exposição Anatômica. 21) História do Novo e Velho Testamento. 22) Tirocínio dos Prudentes. 23) Tabuada, de Garrido. 24) Diálogos Latinos. 25) Rudimenta Literári~. · 26) Arte Prática de Confessores. 27) Método Expedito da Confissão, de Tamborini 28) Livro da Estação das Almas. 29) Rituais Romanos, de Antuérpia (6 exemplares). 30) Missal (nova impressão). 31) Livro de Ofício de Defuntos. 32) Livro de Moral do Rotário. 33) Gramática para as Escolas. 34) Missal com todas as Missas Novas. 35) Concílio Tridentino. 36) Artes de Cantochão. 37) Sermões do Padre António Vieira. 38) Brazilja Pontificia.

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A indicação dos títulos não passa de pura advertência sobre os tipos de obras então preferidos, até pela circunstância de apenas indicarmos as quan­tidades dos 13 primeiros e do 29.º.

Quer dizer, do total de importações, apenas fizemos o levantamento de 124.808.545 réis (46,7%), representados pór:

22.652 chapéus de feltro de aba larga e estreita, para homens e crianças, fabricados no Porto e em Braga, com o valor de . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 . 105 . 325

47. 793 peças de tecidos (18 variedades) ............ 113. 703. 220

Total . . . . . 124. 808. 545

A amostra pode parecer nada significativa, m.as pensamos que pouco adiantaria quantificar uma imensa gama de artigos de consumo corrente, como os anteriormente apontados.

O arquipélago, neste campo, diferia bastante da área continental fron­teira, no tocante a hábitos e preferências, isto a avaliar até pela lista de livros, coisa que não consta de nenhuma das faturas para Bissau, Cacheu e mesmo Angola.

Posto isto, encaremos o problema das exportações, começando pelos es­cravos. Em todo o período de atividade, a Companhia "exportou" das ilhas apenas 105 escravos ladinizados, com o valor de fatura (excluído o frete) de 8. 819. 970 réis, ao custo médio de 78. 285 réis cada um. Se acrescentarmos os escravos de particulares transportados nos navios da Companhia, mediante o pagamento dos respectivos fretes, num total de 14, teremos 119 42

. Os per­tencentes à empresa tiveram o seguinte destino:

5 para o Rio de Janeiro ...................... .

60 para o Maranhão .......................... .

40 para o Pará ................. .. .• . • , .. t • •• •

505.420

5.280.179

2.434.371

8.219.970

Os 14 de particulares (13 homens e uma mulher) seguiram para o Pará. Como se verifica, por essa época, Cabo Verde perdera inteiramente a

sua posição de entreposto de escravos. Deveu-se o fato ao alvará régio de 10 de dezembro de 164 7 43 e variadas instruções no sentido de os despa­chos dos escravos se efetuarem nos próprios portos de embarque, em dire­ção aos do destino, em vez de serem feitos, como estava até aí determinado, apenas na Alfândega da Ribeira Grande, de Santiago. Se, por um lado, esta decisão atingiu duramente as finanças do arquipélago, pela perda dos direi­tos· de saída de escravos, por outro ocasionou prejuízos apreciáveis, sobre­tudq ,nos réditos reais, pelo recrudescimento das saídas clandestinas dos na·

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vios negreiros, através dos inúmeros rios e esteiros da costa africana, onde não havia, em permanência, qualquer autoridade com poderes para fiscali­zar os embarques ou efetuar o desembaraço alfandegário. E, com isto, po­mos ponto ao problema, de si insignificante, dos escravos, para abordar o caso das exportações - as que tipificam bem o comércio externo cabo-ver­diano. Se, como vimos, as importações somaram 267. 236. 984 réis, as ex­portações - sem contar com os escravos - ascenderam a 657. 571 . 900 réis (custo, despesas e frete). A balança comercial acusou, portanto, um saldo positivo de 390.334.910 réis (41,8% do conjunto do comércio externo). Mais do que estas cifras totais, marca a diversidade de gêneros, carregados para Lisboa e estrangeiro, Bissau e Cacheu.

Assim, temos:

Custo e N.º Especificação despesas até

Lisboa

1 Âmbar pardo 335.577

2 Anil vegetal 1.035.345

3 Cera de abelhas 2.279.640 •

4 Couro em cabelo 926.281

5 Jumentos 25.050

6 Lã de carneiro 422.290

7 Ouro e moedas em prata 23.826.064

8 Panaria (panos de algodão) - 131.371 371.236.950

9 Peles de cabra 376.909

10 Salitre 13.710

11 Sangue-de-drago 72.807

12 Urzela ( 126.987 arrobas e 20 arráteis) 257.021 .277

Total 657 .571.900

Em valores proporcionais, os artigos exportados ocuparam as seguintes posições:

Panaria ... .. .. . .. . . . .. . ... .. . . ... .... . 56,5%

Urzela . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29,1 °/o

Ouro e prata . . . . . . . . . . , , . . . . ... . ~ ... . . 3,6%

Todos os outros ..... .. . .. . .. ... . . . . ... . 0,8% = 100,0%

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Balança comercial com largo saldo .positivo: produtos com grande pro­cura - e aceitação - nos mercados internacionais, para a tinturaria de tecidos finos; e a cobertura do comércio costeiro, como a panaria, tudo is­to colocou o arquipélago, nesse período, em lugar destacado no próprio con­texto da Companhia. Por todas ou algumas dessas razões, parece-nos do maior interesse umas referências ao problema do negócio da panaria 44

• Não nos vamos repetir, chamando a atenção para o papel desempenhado pelo al­godão, pelo anil, pela urzela e pela panaria na vida das ilhas, por período de inais de três século!,. Para o caso em apreço, trata-se de uma chamada de atenção sobre a qualidade e os padrões dos panos e ainda o negócio clan­destino que deles faziam os estrangeiros, os negociantes locais e os capitães de navios, e que nem a Companhia, com todo o seu poderio, conseguiu con­trariar ou sequer impedir.

Antes de prosseguir na explanação dos negócios clandestinos de panos da terra, pareceu-nos oportuno demonstrar os trâmites seguidos na contabi­lização pela Companhia das remessas de Cabo Verde para o setor Bissau­Cacheu. Como anotamos ao tratar do embarque· de escravos, a expedição de pano~ estava do mesmo modo sujeita a normas similares de faturação e con­tabilização. Os chamados extratos eram transcritos nos livros de "Carrega­ção". Deles damos dois exemplos, com os fornecimentos de 1765 e 1766:

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"Lisboa, 18 de maio de 1765. N.º 16 - Extracto de 2.000 panos de algodão que os administradores de Cabo Verde remeteram para Cacheu em a galera 'São Sebastião', capitão Veríssimo Duarte Rosa, a entregar ao administrador da Companhia do Grão-Pará e Maranq.ão, Pedro Rodrigues de Sousa, ou a quem seus poderes tiver:

2 . 000 panos diversos (aos preços de 1 . 800, 2. 000, 3. 000, 3.500, 4.000 , 12.000, 15.000, 18 .000 e 22.500 réis) 3.982.000

Gastos: 144 varas de aniagem e quilin· dron p/ capas dos panos, a 300 réis • ••••• ••• 1 • • • • • • • • • ••••

3 meadas de fio de vela, a 113 réis

Carreto na Ilha do Fogo, Cidade e Vila da Praia até ao embarque

Direitos de l . 200 panos ordiná­rios feitos na Ilha do Fogo, a 60 réis . . . ...... .... ... .. ... . . .

500 de Bixo, a 60 réis .... .. . . .

100 de Vestir e Agulha, a 45 réis

Soma . . , , •• ,

43.200

339

2.400

72.000

30 .000

4 .500 158.439

4.140 .439

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Nota: Pedro Roiz de Sousa nos remeteu conta da venda dos panos acima pela qual o debitamos em n.º ... do Diário E, em 16 de agosto de 1766, da quantia de 5.515 . 500 réis".

"Lisboa, 29 de março de 1766. N .º 98 - Extracto de 3.076 panos de algodão que os administradores da Companhia do Grão-Pará e Ma­ranhão, nas Ilhas de Cabo Verde, remeteram para Cacheu pela galera 'São Sebastião', a entregar ao administrador Pedro Roiz de Sousa, a saber:

3. 076 panos (aos seguintes preços: 1. 500, 2. 000, 2. 250, 3.000, 3 .600, 4.000, 6.000 e 18 .000 réis) . . . . . . . . . 6.396 .450

Gastos: Direitos de 2. 000 panos Ordiná-rios, vindos da Ilha do Fogo, a 90 réis .... .. ................ .

Direitos de 970 de Bixo, a 90 réis

Idem de 106 de Vestir e Agulha, a 67,5 réis . .. ............... .

165 1 / 4 varas de quilindron e de aniagem p/ capa, a 300 réis . . . . . .

Fio de vela com que se coseram os fardos .. ~ . .................. .

Conduções até ao embarque na Ilha de Santiago e na do Fogo .. . .. . Carreto mais

Soma ........ .

180.000

87.500

7. 155

49.575

860

4 . 750 850 380.490

6.726.940

Nota: Pedro Roiz de Sousa nos deu conta da venda de todos os panos desta carregação, pela qual· o debitamos em N.º . . . do Diário F, em 30 de setembro de 1769, da quantia de 8.553 . 200 réis".

Como se vê no primeiro caso, a comunicação da venda chegou a Lisboa 15 meses depois; e, no segundo, 18 meses.

Foram os modelos seguidos para todos os gêneros e em todos os setores de comércio. (Ver gravuras extras, textos n.0ª 5, 6 e 7 .)

Voltemos a abordar o caso das saídas ilegais de panos de Cabo Verde, feitas por nacionais e por estrangeiros. Neste aspecto, queremos destacar que, no arquipélago, nenhum dos gêneros produzidos escapou a esta prática. Cons­tituía uma reação natural dos produtores contra as baixas cotações a que o negociante local os pagava, quer no período do monopólio, quer antes e de­pois. Estava facilitada por dois fatores difíceis de evitar: a união dos pe­quenos, médios e mesmo grandes produtores, na defesa dos seus interesses materiais; e a ixistência de determinados portos e enseadas desprovidos de agentes de fiscalização, para onde os navios da candonga eram encaminha­dos, através dos mais sutis e estranhos processos. Com as saídas clandestinas,

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deixavam de pagar direitos alfandegários e recebiam melhores preços do que os praticados nas ilhas. Em face de tal situação, nunca devemos aceitar como verídicas as cifras relativas às exportações registradas nos departamentos ofi­ciais, sem tomarmos em linha de conta o volume das saídas clandestinas, de resto impossíveis ou difíceis de estimar. Deu-se com os panos, com a urzela, com a purgueira, com o sal, com a aguardente etc. Em nossa opinião, o des­caminho do direitos foi uma constante em toda a vida econômica das ilhas.

* * *

Logo nos primeiros anos após a instalação da Companhia em Santiago, na baixada a que ainda hoje se designa por "Várzea da Companhia", os ad­ministradores ·de Cacheu, em carta de 8 de maio de 1762 45

, davam para Lis­boa o alerta sobre o abastecimento de panos de algodão em Bissau e Cacheu, necessários ao negócio da escravatura e, sobretudo, chamando a atenção para a má qualidade das últimas remessas. Vejamos alguns excertos desse documento:

"Não há dúvida de que tem sido grande o empate da panaria que vem de Cabo Verde pela sua indigna qualidade, pois nem barateando-os os querem os moradores desta Praça pela muita impertinência com que o gentio os quer, principalmente os de bixo e ordinários; é certo que só na Serra Leoa é que terão saída sem embargo, que nos dizem lá não faltam e que os ingleses os levam de Cabo Verde. ( ... ) Vejo o V.m. dizerem ser indispensável a panaria de Cabo Verde para conservação do comércio daquela ilha, o que conheço muito bem e sei as grandes reco­mendações que V.m. têm feito para aquela ilha os moradores dela se aperfeiçoarem na sua manufactura para o fabrico de melhor qualidade e que até ao presente não têm conseguido. Devo responder a este capí­tulo que são escusadas outras algumas diligências mais do que manda­rem V.m. ordem aos administradores daquela ilha para que estes rece­bam panos bons e os paguem por aquele seu justo preço que valem, que logo V.m. verão as fábricas aumentadas e as manufacturas as mais ex­celentes; isto o digo pelo que aqui me dizem as pessoas que conhecem aquelas terras. Pelo que diz respeito a outra qualidade de panaria de Agulha, Bixo, de Obra, Fio Vermelho e de retrós, também suponho que aquela administração os não acha para remeter para esta, mas é porque os não quer pagar pelo seu preço, porém devem V.m. advertir que só os capitães dos navios é que os acham e introduzem não só na Praça de Bissau como também aqui nesta, como sucedeu o ano passado levar da­qui o capitão António Pereira das Neves o melhor de 500 a 600 arrobas de cera (permutada por panos); é certo que esta conveniência a perdeu a Companhia Geral na falta deste gênero, ao que V.m. devem dar a pro­vidência precisa não só não o tornando a mandar aqui a estas terras, mas também não o conservarem em navios da Companhia, pois é o maior contrabandista que vem aqui à Guiné". E, mais adiante, acrescen­tam, em reláção a uma outra viagem: "o dito António Pereira das Ne­ves, do produto da panaria que trouxe de Cabo Verde e do que trouxe

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de L!sboa, embarcou nesta galera 'São Sebastião' 16 pães de cera com 90 arrobas, sem embargo, que no conhecimento (de embarque) diz que são 50 arrobas; porém pelo livro do portal ó se acham as 90 arrobas ... ".

Deste trecho podemos concluir: que os ingleses se abasteciam de panos, clandestinamente, em Cabo Verde, levando-os para o seu negócio na Serra Leoa, onde o artigo tinha colocação assegurada; que os próprios capitães dos navios da Companhia faziam o mesmo, permutando os panos por cera, que tinha fácil colocação em Lisboa. Pelos tempos afora, o negócio clandestino de panos continuou a ser feito à revelia da Companhia e, depois de esta ser extinta, recrudesceu ainda mais. :É o que nos esclarece Feijó (1797) 44 :

"A exportação anual dos panos chega hoje a ser um ano por outro 4 até 5. 000, apesar do continuado extravio que deles se faz pelos ingleses conhecidos ali com o nome de costeiros, que navegam e comerciam na­quela costa para extraír..em a escravatura, o marfim e o pau campeche, para cujo tráfico precisam daqueJes panos".

E isto se passa cerca de 20 anos da extinç_ão da Companhia. Esta, po­rém, exportou uma média anual de 3. 569 - um pouco menos do que o número estimado por Feijó.

No que respeita aos benefícios colhidos pela Companhia no negócio de panos, embora não os possamos determinar pelos "Balancos" e na conta de "Lucros e Perdas", pela circunstância de serem contabilizados em coniunto na conta "Fazendas", a carta expedida em 18 de junho de 1760 46 e assinada pelos administradores Pedro Cardoso e João Freire lança alguma luz sobre o caso. Esclarece que, se a urzela fosse adquirida· a dinheiro, teria um lucro de "50% sobre a carregação e sendo a panos 100%, isto o' que sempre se pra­ticou nesta Ilha e usei no contrato de José Gomes da Silva 7 ou 8 anos que o servi; não se fala em várias canquilharias que estas também sucedem da~ rem 150 ou 200 por cento sobre a carregação ... " (leia-se: preço de fatura). Quer dizer, para se pagar a urzela ao urzeleiro ou ao negociante, o preço dé cada pano era aumentado 100%. Em algumas ocasiões, a margem de lucro dos panos chegou a ser de 200% , conforme se registra em diversa correspon­dência da empresa.

Não se deve estranhar a alta percentagem de lucros que recaía sobre a maioria das mercadorias. De uma parte, esse procedimento fazia parte do ne­gócio à base de permuta, na época em que a circulação monetária era bas­tante limitada; de outra~ provinha propriamente dos riscos que corriam os negociantes e as suas mercadorias e bens. Os próprios poderes públicos se­guiam o exemplo, legislando no sentido de fixar o pagamento dos ordenados por certa importância, quando pagos em dinheiro, e pelo dobro ou triplo, quando pagos em espécies. Chamamos a atenção dos menos avisados na ma­téria para semelhantes situações, em Bissau e Cacheu, postas em publicação relativamente recente 47 •

· Analisemos de forma sucinta o problemã dã urzela. Foi, dos gêneros ex­portados, aquele que era mais onerado com despesas, a despeito de estar isen­to do pagamento de qualquer taxa alfandegária. Como se poderá verificar 4s, até a descarga em Lisboa (e mesmo quando seguia no mesmo navio, ou em regime de baldeação), o custo na origem era onerado em 98,5%, a saber:

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Despesas na origem (embalagem, transporte para concentração nos prin­cipais portos de carregamento, 36,3%; despesas em Lisboa, 8,7%; frete e descarga, 47,3%; e comissão da Companhia, 6,2%. O frete situou-se, quase sempre, nos 2. 000 réis por quintal. Repare-se que a Companhia ganhava sem­pre sob os mais diversos pretextos, e um deles era a comissão que fazia re­cair sobre toda e qualquer transação. E essa comissão variava dos 2-3 % até os 6,2%, como foi o caso da urzela. Nessas condições, os lucros da urzela comercializada em Lisboa e no estrangeiro, acumulados, conforme se vê nos "Balanços", foi muito superior ao quantitativo contabilizado, porque nesse cômputo não entrava a taxa da "comissão". Ao analisar as exportações ge­rais para o estrangeiro - da urzela, da cera, do algodão e do cravo - voltamos a abordar este aspecto.

Uma alusão ligeira ao ouro e a moedas em prata, cujo valor represen­tou 3,6% das saídas de Cabo Verde. Trata-se de moedas em ouro e em prata obtidas nas suas transações correntes com navios estrangeiros, em particular os provenientes da América Latina (Chile e Peru), as patacas colunárias e outras que tão importante papel tiveram no movimento comercial insular. Por ser moeda com cotação assegurada, a Companhia aproveitava-a em virtude da procura que tinha em Portugal. De resto, segundo tudo indica, convinha pouco o incremento da circulação monetária interna, pois isso prejudicava o sistema de permuta, no qual o valor das espécies se fixava ao sabor das con­veniências de momentq ou de conjunturas, e sem qualquer possibilidade de controle. Foi um fenômeno que vinha do anterior e se projetou no tempo. Foi assinalado vinte anos depois da saída da Companhia. Sobre isto, escreveu Feijó, em 1797 44 :

"Não era menor o abuso introduzido no valor numérico de dife­rentes moedas, que circulavam, e ainda circulam ( ... ), ou fossem nacio­nais, ou estrangeiras, porque em umas ilhas correm umas, e outras J?elo peso, em outras pesava-se qualquer moeda de per si, ainda que fosse menor o pagamento co1'1 um só peso de muitas moedas juntas, e final-

. mente em umas ilhas valiam por exemplo o real de prata espanhol dois vinténs, e em outras quatro, resultando de tanta variedade e confusão mil inconvenientes e prejuízos não só ao comércio positivo, como também às contas da Fazenda Real".

Mas, voltemos ao ouro. Queremos assinalar que, contrariamente aos mé­todos usados na contabilização das remessas para Lisboa - todas elas feitas pela faturação das quantidades e valores -, encontramos no "Diário" F, 2.º (1770/ 1772), um lançamento do teor seguinte:

"N.º 2.377, de 3 de dezembro de 1772 - Pela remessa feita pelos administradores de Cabo Verde, António José de Carvalho, Manuel José Vicente e Luís Pedro Le Cor, de 18 oitavas e 4 onças de ouro, vindas na chalupa "Naza-reth", em 1770 ................................... 2.821.707".

Da simplicidade do lançamento - a crédito da dependência de Cabl1 Verde - nada podemos concluir quanto à proveniência do ouro. E o que

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intriga é o fato de ele não ter sido encaminhado pelas vias normais de fatu­ração, como se fez. Em boa razão deveríamos adicionar esta quantia à do ouro exportado.

* * *

6.3. Como se sabe, em 1759 foi anulada a doação da Ilha de Santo Antão, devido à implicação do respectivo donatário no atentado contra D. José, ocorrido em 1758. Ao mesmo tempo, foi decretado o confisco de todos os bens encontrados e alforriados os 1.094 escravos que o donatário possuía na ilha. Os bens imóveis, semoventes e alguns gêneros constam de um inventário efetua­dos após a extinção do monopólio da Companhia - e ao qual faremos refe­rência mais adiante. Entretanto, verifica-se que o Juiz Desembargador, Pedro Gonçalves Cordeiro, encarregado de tomar posse da ilha (e dos bens), fez entrega à Companhia, na qualidade de administradora de todas as outras ilhas, de alguns outros valores, contabilizados em 1762 conforme consta do "Diário" D (XV /R/6), com a seguinte especificação:

"N.º 782, de 14 de junho de 1762 - Importância de um escravinho, 9 pipas de vinho, 19 panos de algodão e 17 colchas de lã que se encon­traram no acto da posse da Ilha de Santo Antão, em agosto de 1759, feita em nome de S.M., pelo Juiz Desembargador, Pedro Gonçalves Cor­deiro, no valor de 306.310".

Fazemos esta referência pelo fato de alguns documentos existentes nos Arquivos quererem apontar para data anterior .a 1759 a reversão para a Coroa da Ilha de Santo Antã,o. De resto, qualquer outra data que se queira apresen­tar como sendo a da extinção da donataria não pode corresponder à realidade, uma vez que o decreto de janeiro de 1759, publicado na Coleção Pombalina, não dá margem para dúvidas. E este lançamento reforça o nosso ponto de vista sobre o caso.

E com esta citação prosseguimos com a enumeração dos bens deixados pela empresa em Cabo Verde, em vista da extinção do monopólio. t certo que o inventário feito em 1779 é omisso quanto ao valor dos imóveis, semoventes e gêneros. Apenas indica o da casa situada em Tarrafal de Santiago, cuja construção e remissão de foros ascendeu a 328.310 réis. Vejamos, portanto, em pormenor, o que se inventariou 49

:

t58

• Em Santiago: na Ribeira Grande: 1 propriedade com 4 sobrados e l loja; uma casa coberta a telha que fora seqüestrada do ex-empregado da empresa, José Anastácio Freire.

• Na Praia: a cerca chamada "Várzea da Companhia" e 6 escravos ladinos.

• No Tarrafal: 1 casa coberta a telha, com o valor de 328.310 réis; quatro casas cobertas a palha; um terreiro para algodoeiro.

• Na Ilha do Maio: 1 casa de sobrado, coberta a telha; 1 casa de sobra­do, coberta a telha, que serve de loja; 1 canavial denominado Capela do Castelo.

• Na Ilha Brava: 4 casas térreas cobertas a palha.

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O Na Boa Vista: 7 casas térreas cobertas a palha; 98 vacas, 875 cabras, 5 éguas, 66 jumentos, 52 bezerros, 100 novilhos, 4 cavalos e 17 potros.

O Em São Nicolau: 1 casa com 3 quartos e 3 lojas, situadas na Praça; 2 casas de sobrado, com lojas, cobertas a palha; 8 vacas e 52 bezerros.

O Em Santo Antão: Bens da Fazenda Real confiscados ao donatário em 1759: 2 casas de sobrado, com lojas, em pedra e barro, cobertas a palha, situadas na povoação; 5 casas de sobrado, cobertas a palha, situadas no Paul; 2 casas cobertas a palha, situadas na Ribeira Grande; 2 casas cobertas a palha, situadas no Tarrafal; 1 casa coberta a palha, situada na povoação, e que serve de adega; 1 Capela situada no Paul, denominada Santo António.

• Da Companhia: 10 casas térreas, cobertas a palha; 8 peças de arti­lharia, grandes; 2 peças de artilharia, pequenas; 2 lanchas com 8 remos e 4 fateixas de 4 unhas; 16 vacas, 2 bois capados, 22 bezerros, 9 carneiros, 2 bezerros pequenos, 4 chibarros, 4 touros; 290 arrobas de algodão em rama, 5 arrobas de algodão fiado, 568 varas de tabaco em rolo e manoca e 31 pipas de vinho (das colheitas e dos dízimos).

Da Fazenda Real havia a cobrar foros e dízimos de 1763, no montante de 8.470 réis; foros, dízimos e rendas de terras do ano de 1770, no montante de 51.180 réis; e existiam em cofre 116.045 réis. E foi tudo quanto se .inven­tariou. Isto mostra bem o baixo nível de investimentos da Companhia ao longo de mais de vinte anos de atividade.

E com estas considerações damos por finda a parte relativa ao arquipélago de Cabo Verde, passando a analisar o setor do Brasil.

7. Setor do Brasil

Como dissemos de início, ele abrangerá fundamentalmente o Maranhão e o Pará, incluindo naquele a Feitoria de Parnaíba, que lhe esteve afeta a partir da sua criação em maio de 1771.

A iniciativa da formação deste departamento comercial partiu da Junta da Administração que, em cartà dirigida ao Governador do Piauí, expôs as razões da adoção de semelhante decisão:

"Tendo nós constatado por freqüentes e repetidos avisos do Mara­nhão o público comércio que na Parnaíba e aldeias adjacentes se faz na introduçãõâãs fazendas vindas dos portos do País, e Rio, e extraindo­se dali não s6 carnes secas, mas os mais gêneros que a terra produz, comércio este que devendo ser privativo desta Companhia ( ... ) abusiva e furtivamente o têm arrogado, de maneira que a Companhia até o presente neste distrito não consome alguns dos seus gêneros; e sendo isto um manifesto contrabando e descaminho que em fraude ( ... ) se faz ( ... ) a Junta resolve mandar estabelecer na Parnaíba uma Feitoria, a qual possa fornecer de todos os gêneros gastáveis nesses distritos e deles extrair como melhor lhe parecer os que a terra produz,· sem que outro algum particular possa introduzir uns nem extrair outros, a risco de incorrer nas penas impostas aos contrabandistas dos gêneros privativos da Companhia" GO.

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Quisemos deste modo assinalar o acontecimento. A atividade comercial desta Feitoria, iniciada apenas em 1772, é pouco conhecida, pois as fazendas recebidas de Lisboa e os gêneros enviados contabilizaram-se pelo departamento do Maranhão. De concreto apenas se sabe que, de 1773 a 1777, recebeu mer­cadorias no valor de 87 .288.843 réis e que, acrescidas de despesas de emba­lagem, frete e outras, no montante de 6.517.770 (7,5%), perfaz o total de 93.806.613 réis. Os seus dois primeiros administradores, nomeados a 14 de dezembro de 1771, foram Manuel José de Miranda e Agostinho José Rombo, aos quais foi recomendada a procura de }Jedra-ume, chumbo e salitre. Em relação ao chumbo, a Companhia chamou a atenção dos seus agentes para a circunstância de estar a ser comerciado na Paraíba, do já purificado, a 480 réis a arroba. Nessas condições deveriam facilitar "todos os meios e concorrer com as necessárias despesas para o seu melhor benefício e transporte" 111 •

Quer dizer, a Companhia tinha interesse nesse produto. Além destas lacônicas instruções, nada mais se referenciou sobre a Feitoria. -

E com a citação pomos de lado este departamento, no âmbito de aprecia­ção do movimento do grande setor Maranhão-Pará, de si o mais complexo e o de maior movimento de quantos a Companhia possuiu. Convém igualmente comprovar quão cedo a empresa compreendeu essa complexidade e, por isso mesmo, elaborou um conjunto de normas reguladoras da vida comercial da região. Fê:lo em um documento a que deu o nome de Direct6rio económico, datado de 25 de junho de 1765 112

, a apreciar de seguida. Fixa em dois os administradores para cada área, auxiliados por caixeiros

e escriturários, em número não indicado, mas que tudo leva a crer que tivessem sido três. Mais tarde, cada área foi dotada do seu guarda-ljvros. Pelo n.º 2 des­taca-se a "diversidade das incumbências de que se compõem a mesma adminis­tração (para que), ao mesmo tempo os administradores se empreguem no exercício de todas e cada uma delas" e por isso é de "indispensável necessida­de que dividam entre si o comércio das referidas incumbências ( ... ). Bem entendido que, por nenhuma causa ou pretexto, se arrogará cada um dos admi­nistradores da incumbência de que se acham encarregados, privativa jurisdição ou independência tal que presuma poder obrar livremente pelo seu particular arbítrio; antes, pelo contrário, nada deverá executar sem o comum acordo de ambos, confirmando-se nesta inteligência antecipadamente os negócios perten­centes a cada uma das incumbências. Em caso de discórdia, tirarão por sorte o voto que deve prevalecer, sem que disso resulte motivo para se alterar a perfeita harmonia e boa inteligência que devem cultivar e se lhes é por muito recomendada".

E com a finalidade de ref mçar a solidariedade em todos os atos de gestão e haver uma responsabilidade efetiva, no n.º 5 ficou determinado que:

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"Na mesma casa da Companhia se conservará sempre a caixa ou cofre ( . .. ) com duas chaves, da qual terá uma cada um dos administra­dores, com tão exacta arrecadação que nela entrem nos seus devidos tempos os cabedais da Companhia e dela não saiam senão para as remes­sas e despesas da mesma Companhia ou para as assistências que se fize­rem ao serviço de S.M., para as quais precederão ordens por escrito do governador e capitão-general do Estado".

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Era um sistema de claviculários. As atribuições dos administradores ficam definidas no n.º 3: "um dos administradores se encarregará do recebimento das fazendas nos armazéns da Companhia, do cuidado da sua arrecadação e bom estado de venda das mesmas fazendas e da compra dos gêneros da pro­dução daquele Estado. Semelhantemente se encarregará o outro adminis­trador da inspecção da cobrança de tudo o que se estiver devendo à Companhia e igualmente terá a inspecção da contadoria, expedição das cartas e cuidado da marinha".

A chamada contadoria ficaria instalada na casa da Companhia e nela se concentraria todo o expediente e os livros e papéis, de modo que todas as contas se formalizassem oportuna e prontamente (n.º 4).

Com vista a manter a fiscalização constante de todo o patrimônio da empresa, os administradores residiriam "dia e noite" na casa da Companhia (n.0 6).

Já por essa altura, o premente problema das dívidas era objeto das aten­ções da Junta da Administração. Por isso mesmo, nas instruções ficou estabe­lecido que, "em relação às dívidas que se lhes estiverem devendo até àquele tempo", cqnstariam de uma relação contendo a "declaração dos nomes de cada um dos devedores. E na primeira ocasião que se oferecer remeterão à Junta o dito balanço e relação para lhe ser presente o estado da Companhia naquela Capitania" (ri.º 7). Continuando a abordar o mesmo assunto, a Junta ordenou "que QS administradores quando não puderem vender a dinheiro as fazendas e os escravos ( . .. ) os vendam a crédito ou fiados a pessoas notoria­mente abonadas, de sorte que não exponham os cabedais da Companhia ao perigo de se perderem. E das importâncias das fazendas que venderem fiadas aos moradores e mais pessoas, que nem são lavradores, nem mandam trans­portar gêneros dos sertões ( ... ) não cobrarão os juros declarados na institui­ção, demorando os respectivos pagamentos somente por tempo de 6 meses contados do dia em que forem·feitas as referidas vendas. A mesma forma prati­carão com os lavradores e mais pessoas que à sua custa mandam transportar gêneros dos sertões, se dentro de um ano pagarem à Companhia o que lhe deverem na sobredita forma. Excedendo porém as referidas pessoas os prazos acima declarados, pagarão juros das quantias que deverem, contando-se-lhes desde o dia em que as fazendas e escravos se lhe fiarem". Destas condições os administradores deveriam informar "os mesmos devedores antes de receberem as fazendas fiadas e estipulando os juros e os documentos delas na referida forma".

Finalmente as instruções relembravam aos administradores as leis que esta­beleciam a proibição "de fazerem comércio particular para si durante o tempo que se acharem administrando os interesses da Companhia ... " (n.º 8).

A primeira vista pode parecer que haviam sido impostas diretrizes para a segura orientação dos agentes de escalão hierárquico mais elevado. Todavia, as vicissitudes próprias desse grande meio em formação, onde se digladiavam os mais contraditórios interesses e os indivíduos da mais diversa formação social e moral, nem sempre permitiram o cumprimento correto, mesmo com relativo

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rigor, das instruções da Junta. Houve inúmeros desvios e infrações às normas fixadas, enleando-se os dirigentes (ou alguns deles) em processos fraudulentos, procurando fazer fortuna fácil e rapidamente. Daí se conclui que só numa parte ínfima foi cumprido integralmente o teor do "Directório Económico" de 1765. Não se podem pôr em dúvida as boas intenções da Junta da Companhia ao querer disciplinar, no possível, os negócios. Só que, para além de tudo, a distân­cia que separava o corpo dirigente superior dos executantes também constituiu uma forte barreira à exigência rápida e eficaz do cumprimento das diretrizes dadas. Tantos exemplos poderíamos citar! Embora reservemos a maioria deles para o capítulo próprio, não queremos deixar de referir o que se passou no Maranhão com o administrador Joaquim Vieira da Silva, como relata em carta de 26 de setembro de 1777 dirigida pela Junta da Companhia ao governador Joaquim de Melo e Póvoas:

". . . os administradores cuidavam mais dos seus particulares interesses que dos· interesses comuns da Companhia", dando de fiado a indivíduos sem condições mínimas de solvabilidade dos seus débitos, pela "ambição que se fez tanto mais escandalosa em Joaquim Vieira da Silva, quanto é mais notório o ir-- ele para essa administração endividado e hoje não só achar-se desempenhado, mas ainda opulento e grandemente abastado: por todas estas razões nós resolvemos a despedi-lo da administração ... " 113 •

Mas, para um melhor entendimento da evolução do movimento deste setor, importa manter o mesmo critério na apresentação das matérias. Houve da nossa parte uma falha: não havermos procedido à listagem completa dos nomes dos administradores que exerceram funções, tanto no Maranhão como no Pará. Da falta nos penitenciamos. Uma coisa é certa: em 1760· os administradores do Pará eram Bernardo Simões Pereira e Miguel João Caetano; e, no Mara­nhão, Francisco Pereira e Vicente Ferreira da Costa, estes substituídos em 1765 por Joaquim Barbosa de Almeida e José Vieira da Silva. Este último foi despedido em 1777 por irregularidades cometidas.

Incontroversamente, por todas as razões de natureza política, social e econômica, este é o setor mais importante de todos quantos existiram. Daí que, visto isoladamente, cada setor pouco ou nada diz. A grandeza da ação impõe-se sem dúvida pela interdependência dos setores entre si. Nem o setor do Brasil poderia desenvolver-se, como se desenvolveu, sem o concurso dos da costa af ri­cana, nem estes teriam colhido os benefícios que colheram sem a complemen­taridade da economia do primeiro. Demonstramos antes que, sem os escravos africanos fornecidos pelo setor Bissau-Cacheu-Angola (aqui em parte), as drogas do sertão, o cultivo do algodão e do arroz, a criação de gado (de que resultou a exportação de um dos subprodutos - o couro - em enormes quantidades) não teriam tido a importância que tiveram; e a região ficaria atida à insufi­ciente e pouco produtiva mão-de-obra do índio. Isto nos diz alguma coisa - ou mesmo tudo. E a economia do próprio Portugal europeu? Ela também tirou de todo este movimento um proveito significativo: o desenvolvimento das manu­faturas do norte (do Porto e .de Braga, sobretudo) de chapéus de feltro, de linho, de ferramentas e utensílios vários, de ferragens, linha de coser, aguar-

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dente, presunto, chouriço, massas alimentícias etc.; e do que se importou do estrangeiro para expedir para o Brasil. A tudo isso adicionemos os aspectos relevantes do emprego de muita mão-de-obra artesanal na movimentação de uma enorme frota bem tripulada, e que sem esse fluxo e refluxo de bens e valores paralisaria todo o mecanismo econômico. Recordemos que as duas empresas pombalinas possuíam uma frota de 72 navios (42 a do Grão-Pará e 30 a de Pernambuco e Paraíba), cuja tripulação deveria atingir mais de 850 homens (cerca de 12 por navio).

A par disso há que atender à introdução no Brasil do norte de mais de 24.000 escravos africanos e mais de 1.000 colonos e artífices europeus que, penetrando no imenso sertão, o desbravaram nas suas mais diversas formas: na atividade recoletora, na agricultura, na criação de gado, na incipiente indús­tria de curtumes, no descasque do arroz, no fabrico de aguardente, no negócio a retalho levado a milhares de pequenas localidades que se fundaram, disse­minadas pelas duas Capitanias, na miscigenação de sangue e de cultura, nesse complexo processo de "dar" e de "receber". O português encontrou, em plena zona equatorial, um campo propício para desenvolver as suas capacidades e aptidões inatas, herdadas um tanto nos variados contatos de sangue e de cultura no mundo percorrido; de hábitos e comportamentos, dos quais desta­camos a propensão para o pequeno negócio de bufarinheiro, até porque nunca esteve nos seus horizontes mentais (ontem e hoje) os grandes empreendimentos mercantis e/ou industriais. Fo.mos fadados para difusores de mercadorias em pequena escala e, paralelamente, para forjar novos tipos humanos de variada coloração de pele.

Foi a grande lição aprendida na epopéia dos descobrimentos. E, infeliz­mente, vão-se perdendo algumas dessas qualidades - não importa se boas, se más. São o que são e nada mais.

7.1.- e., pois, chegada a altura de apresentar, em linhas gerais, o movi­mento das importações e das exportações neste setor mercantil. Fá-lo-emos com a amplitude possível, de forma a dar o devido relevo não só às trocas em si como em especial aos aspectos quantitativos e qualitativos.

De harmonia com os dados brutos da conta "Fazendas", verifica-se que, de 1758 a 1778, as mercadorias importadas por todo este setor atingiram a soma global de 4.600.300.146 réis 54

• Consoante as áreas, temos:

Valor Despesas de Destino de fatura (embalagem, Total

carreto etc.)

Maranhão .......... 1.393.946.269 99.711.186 1.493.657.455

Pará ... .. ..... . .... 2.882.400 .290 224.242.401 3.106.642.691

Total ........ . . . ... 4.276.346.559 323.953.587 4.600.300.146

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Conforme o destino, 32,5% das importações pertenceram ao Maranhão e 67,5%, ao Pará.

As despesas que oneraram as mercadorias, segundo os valores percentuais, são quase iguais e distribuíram-se pelas seguintes rubricas:

Natureza das despesas

Despacho, consulado e subsídio .... .... .... .

Embalagem, carreto, fragatagem e outras ... .

Comissão para a Companhia (variou entre 2 e 3º;ó) ........................... .

Maranhão

3,7%

1,4%

2,1%

Pará

3,9%

1,9%

2,0%

7,2% 7,8%

Adverte-se o leitor de que não encontramos em nenhum lançamento conta­bilístico a verba do frete das mercadorias carregadas em Lisboa. No tocante aos "efeitos" (os gêneros), o problema põe-se de modo diferente, como mais adiante se verá.

O maior volume (mesmo em valores) de mercadorias expedidas para o Brasil proveio de três fontes diferentes: de aquisições nos armazéns de grossis­tas em Lisboa (de difícil diferenciação nas contas); de aquisições no norte de Portugal; e de importações do estrangeiro. Analisemos as prpvenientes das duas últimas origens, cingindo-nos apenas a valores:

Origem Valor Despesas Total de fatura

Porto .............. 606.746.046 51.216.781 657.962.827

~raga .............. 37.974.234 4.512.514 42.486.748

Total .............. 644.720.280 55.729.295 700.449.575

O volume das despesas merece um reparo: é superior ao que onerou o expedido para o Brasil, pois corresponde a 8,6%.

As compras efetuadas no norte de Portugal (56,2% do total) traduziram­se nos seguintes artigos: linho, estreito e largo (mais de 1.600.000 de varas), chapéus em feltro (259.243), retrós, linha de coser, madeiras, ferragens diversas (fechaduras, dobr3diças, fechos, trincos, pregos, aduelas para barris), ferra­menta (enxadas, machados, martelos, serras, tesouras de podar, formões, polai­nas, serrotes, objetos em folha para uso doméstico), vinhos, aguardente, pre­sunto, chouriço, bacalhau, gêneros alimentícios vários.

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As importações do estrangeiro destinadas ao Brasil e para a construção de navios e sua reparação e manutenção, assim como de tecidos finos, alguns de origem asiática, montaram a 546.354.184 réis, como se pode verificar no quadro abaixo.

Origem

Alemanha ... . . . ... .

França ............ .

Holanda

Inglaterra ......... .

Soma ........ · ..... .

Total das compras em Portugal e no estran-geiro .. . ...... ... . .

Valor de fatura

89.184.074

46.745.021

246.738.398

101.519.538

484.187.031

1.128.907.311

Despesas Total

17.102.966 106.287.040

7.244.651 53.989.672

25.424.397 272.162.795

12.395.139 113.914.677

62.167.153 546.354.184

117 .896.448 1.246.803.759

As despesas com as mercadorias vindas do estrangeiro atingiram os 12,8% no conjunto. O pagam'ento. dessas aquisições, em todos os países enumerados, foi efetuado em libras, cuja cotação variou no decurso dos anos de 3.050 réis a 3.065 réis.

Vejamos agora os artigos adquiridos no estrangeiro: Tecidos: bretanha, setim e tafetá da lndia, drogueta, baeta, ruão, cambraia, esguião, olanda e olandilha e brim; louças diversas; papelão; chumbo; ferro em barra; vime; cortiça; toalhas de rosto e de mesa; pólvora; 643.713 frascos para acondicio­namento de aguardente (63.748.394 réis) ; terçados; peças de artilharia, incluin­do as de tipo pedreiro, para armamento dos navios da Companhia e defesa das praças da área do Amazonas; material para construção, reparação e manuten­ção da frota : agulhas para coser velas, alcatrão, ampulhetas, âncoras, correntes para ferros de fundear, enxárcias, escopeiros, esgunchos,. fio de velame, lona para velas, mastaréus, óleo de linhaça, piche, tabuado, poleame, vergç>nteas etc. Os navios da Companhia eram, em regra, construídos na Baía.

Esclarece-se que as barras de ferro, terçados, pólvora e os frascos para aguardente destinavam-se ao comércio de escravos.

Como tivemos oportunidade de esclarecer em outro passo, não consegui­mos levar a efeito o levantamento estatístico de uma percentagem considerável de mercadorias expedidas para o Brasil, não apenas pelo trabalho que isso de­mandava (no fundo com pouco proveito), como porque., a certa altura, reconhe­cemos um tanto a desnecessidade de semelhante detalhe, como se compreenderá da enumeração feita. Por essa razão, preferimos esmerar os apuramentos no que concerne aos envios para as zonas da escravatura; e, em relação a setores como Cabo Verde e Brasil, as ~tenções foram mais para certos e determinados

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artigos, em função do grau de evolução cultural dos eventuais consumidores. Em relação a este último aspecto, chamamos a atenção para a listagem de livros, feita no setor de Cabo Verde, por serem idênticos aos que se enviaram para o Brasil. Quer dizer, optamos pelo levantamento discriminado e não para um levantamento total, de si difícil e contingente, só realizável por equipes e não por um indivíduo isolado.

Também, antes de entrar nos problemas das importações, julgamos neces­sário esclarecer que a Companhia instituiu todo um mecanismo prático pelo qual orientava a sua contabilidade e fiscalizava ao mesmo tempo os movimen­tos. De um lado, criou um modelo adequado às '.'Carregações", ou seja, tudo quanto se expedia para cada setor; e, de outro, o das "Entradas", isto é, os "efeitos" (leia-se: gêneros) procedentes das várias áreas. No caso vertente, vejamos o primeiro. No livro competente (o das "Carregações"), era registrada a fatura integral das mercadorias, obedecendo quase sempre ao mesmo modelo, a começar, no alto, pela data e com o seguinte teor:

"N.º - CARREGAÇÃO com o favor de Deus, feita por nós Provedor e Deputados da Companhia' Geral do, Grão-Pará e Mara­nhão para o MARANHÃO (ou PARÁ), por conta e risco dos interessados na mesma Companhia, a entregar aos administradores F. e F., ausentes a quem seus cargos servir, em o Bergantim capitão F., com a marca de fora (uma ânc·ora encimada pela estrela do norte), a saber:"

Depois era feita uma minuciosa especificação das mercadorias, quantida­des e preços, por jardas, côvados, varas ou peças, e somado o valor; em seguida, fazia-se a enumeração dos "gastos" efetuados (embalagens, carreto, despacho, fragatagem etc.), que se adicionavam ao custo. Encerrada esta parte, a fatura fechava com um RESUMO, com a seguinte enumeração das contas em que iriam ser levadas a débito:

A Fazendas

A Despesas

X

X

A Comissão para a Companhia ................. .. , .

Soma . . .... . ............ . .

X

X

X

A com1ssao para a Companhia, na ordem dos 2 a 3%, incidia sobre o valor das mercadorias e despesas. Era uma sobrecarga nada despicienda.

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1! nesta base, quase invariável, que funcionou a escrita da Companhia em todo o período da sua atividade. Para o caso dos panos e dos escravos, havia uma ligeira modificação no método. A completar, os serviços de contabilidade averbavam na folha do registro da fatura uma anotação onde se dizia: "F. e F. administradores em -- nos remeteu conta da venda da carregação acima pela qual debitamos com o n.º --, do "Diário" --, na (data), da quantia de -- réis". Era uma forma que servia para avaliar a percentagem de lucros obtidos na carregação.

Postas estas questões prévias, indicaremos os três principais artigos envia­dos para este setor: chapéus de feltro, sal e tecidos diversos, cujos montantes se especificam por destinos:

Artigos Maranhão Pará Total

1. Chapéus de feltro 59.289.675 66.942.616 125.232.291

2. Sal ... .. .... . ... . 4.007.781 29.508.338 33.516.119

3. Tecidos • •••••••• 1 680.652.336 1.124.387.516 1.805.039.852

Soma ........ . ... 743.949.792 1.220.838.470 1.964.788.262

• Em relação à totalidade das mercadorias expedidas, as imediatamente

apontadas não ultrapassam, em valores, os 42,7% das faturadas. Façamos ligeiros esclarecimentos destinados àqueles que não se interessam

pela especificação minuciosa dos quadros estatísticos anexos ao volume 2. O total de chapéus de feltro, de aba larga e aba estreita, para homens e i:rian­ças, em cor preta e azul-escuro, foi de 259.243, sendo 117.683 para o Mara­nhão e 141.460 para o Pará. A média anual foi de 12.953. Este número dá uma idéia da população européia e aborígene consumidora do artigo.

O sal, num total de 19.856 rnoios (cada moio com 960 quilos), constituía produto de grande procura em determinadas regiões, dada a circunstância de ter sido proibida, por decisão régia, a organização de marinhas. Por outro lado, Lisboa estava insensível às reclamações que se apresentavam contra semelhante anomalia. Para fingir que dispensava alguma proteção às gentes da região, o alvará de 7 de julho de 1757 determinou a "proibição da venda de sal aos moradores do Maranhão e do Pará, por preços elevados" 55

• Era uma má compensação, puro engano. A Companhia vendia-o a 540 réis o alquei­re, pelo que cada moio rendia 8.460 réis 56 , quando ele ficava no Pará a 1.749 réis o moio!

Por último, temos os tecidos. O custo global no destino atingiu os 1.805.039.852 réis, ou seja, 91,9% do conjunto considerado. No entanto, para avaliar as preferências deste tipo de mercadoria no setor, escolhemos 12 varie­dades de tecidos, daqueles cujos valores se apresentaram mais relevantes - e que em relação ao total representam 86,6% 57•

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Vejamos a ordem decrescente dos valores no destino.

N,.0 Designação dos tecidos

1 . Linho, estreito e largo - varas ..

2 . Bretanha - peças ............. .

3 . Setim da índia - côvados ...... .

4. Drogueta ou droguete - côvados

5. Chitas diversas - jardas ....... .

6. Baeta e baetilha - côvados

7. Tafetá da 1ndia - côvados

8. Ruão ........................ .

9. Camelão de lã - jardas ........ .

1 O . Olanda e olandilha - côvados .. .

11 . Cambraia - peças ............ .

12. Esguião - varas

Soma ... . • ...................

Quantidades

1.563.408

198.714

118.042

253.184

153.733

225.029

213.294

276.785

182.908

8.301

72.231

Valor no destino

396.520.548

350.420.509

118.442.308

111.095.464

106.986.911

103.649.768

84.515.449

77.710.309

70.975.398

54.059.262

44.854.605

44.195.247

1.561.425.778

O valor total do linho adquirido no norte de Portugal (Porto, Lixa, Vila da Feira, Arrifana etc.) montou a 406.118.532 réis, pelo que o Maranhão e o Pará absorveram 97,6% - o que é indicativo seguro da preferência dada a este tecido que, então, era utilizado na confecção de fatos para homem nas áreas tropicais e equatoriais. O total de varas corresponde a 1.720.000 metros, aproximadamente. Os outros tecidos foram faturados a côvados, na sua maioria a jardas. Apenas o ruão foi contabilizado, ora a peças, ora a varas, o que impossibilitou a determinação das quantidades, uma vez que se ignora o con­teúdo de cada peça.

Durante a vigência da Companhia, o cultivo e a tecelagem do linho teve em Portugal considerável incremento em toda a região nortenha. Embora não esteja concretamente definida na escrita - tratando-se de uma atividade de cunho familiar e artesanal -, admitimos que a empresa haja incentivado o cultivo da planta e subseqüente tecelagem da fibra, quer através de abonos em espécies ou dinheiro, quer por qualquer outro meio, para desse modo conse­guir comprar uma tão avultada quantidade de tecido, como a que enviou para o Brasil 58 •

Como houve oportunidade de referir, não nos foi viável efetuar o levan­tamento estatístico discriminado dos diferentes artigos, sobretudo os adquiridos no estrangeiro, Janto mais que uma parte substancial foi utilizada pela própria empresa na construção, reparação e manutenção da sua frota. Pouco peso

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tiveram no movimento mercantil de que nos ocupamos. Por outro lado, proce­demos de modo diverso para com os tecidos estrangeiros apontados no quadro anterior, e daí que tivéssemos procurado determinar com relativo rigor as quantidades - o que, diga-se de passagem, não foi tarefa fácil, na medida em que os métodos adotados nos lançamentos contabilísticos nem sempre foram coincidentes e uniformes. O que.Jmporta é a imagem da importância que tive­ram em todo este processo.

Neste tipo de pesquisas nem sempre se podem atingir todos os objetivos pretendidos. Há que aceitar as lacunas ou falhas. Se não reservássemos a apre­sentação dos resultados obtidos com a comercialização dos tecidos e "efeitos" para outro capítulo, daríamos aqui a indicação dos lucros líquidos acumulados de 1758 a 1774, o que por si só elucidaria melhor do que as descrições.

Ao terminar esta parte, pareceu-nos conveniente uma chamada de atenção para o fato de termos deixado de incluir as importações de escravos, o nervo principal da economia do setor. Por isso mesmo convém adicionar o seu valor ao das mercadorias, até porque os escravos constituíram, como as fazendas e o resto, importante complemento dos negócios. Vimos já que as fazendas envia­das de Lisboa atingiram a cifra de 4 .600.300.146 réis. Se a este montante juntarmos os 2.421.704.000 réis (custo e frete dos 24.888 escravos adultos e 99 crias chegados ao destino), teremos que o preço médio unitário é de 97.312 réis. Considerado este critério, as importações globais elevam-se a 7 .022.004.146 réis, pelo que os escravos corresponderam, em valor, apenas a 34,5%. e as mercadorias propriamente ditas, a 65,5%.

* * *

7.2. Passada rápida revista às importações, temos de dirigir as nossas atenções para as exportações, ou seja, para o que, segundo a nomenclatura usada na contabilidade da Companhia, se designou por "efeitos", em oposição às "fazendas".

Também neste campo parece necessário explicar os critérios seguidos pelos dirigentes da empresa, em obediência ao estabelecido no estatuto de 1755. As exportações, consoante os donos dos "efeitos", compreendiam:

a) os próprios da Companhia; b) os pertencentes aos colonos fixados no setor, carregados à consigna­

ção da Companhia, como ficou previsto no art. 27 do estatuto. Com vista esclarecer melhor o âmbito da consignação, transcrevemos o

teor do art. 27, pelo qual se regia: "Nesta consideração, quando as ditas vendas e permutações se não

puderam concordar à avença das partes, ficará sempre livre aos senhores delas fazerem transportar por sua conta é risco a estes reinos os gêneros que cultivarem, ou aos correspondentes, que bem lhes parecer, ou à mesma Companhia para lhos beneficiar nesta Corte, pagando em letras sobre os seus produtos o que deverem à sobredita Companhia, a qual será obrigada a receber os referidos gêneros nos seus navios, pagando-se-lhe pelo trans­porte deles os fretes costumados; a trazê-los tão seguros e bem acondi­cionados como os que lhe forem próprios; e a não os vender nesta cidade

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por preços menores daqueles, em que regular os seus próprios gêneros, pagando-se somente da comis~ão, no caso em que a Companhia seja a vendedora, e do seguro, no casa ~m que pareça às partes segurar".

O estipulado neste artigo deu lugar às mais diversas interpretações, porque ficava "sempre livre aos senhores ( ... ) fazerem transportar por sua conta a estes reinos os gêneros que cultivarem, ou a seus correspondentes", ou consig­narem os "efeitos" à Companhia "para lhos beneficiar ( ... ) pagando com letras sobre os seus produtos o que deverem à Companhia".

CÔmo nem todos os carregadores eram lavradores - e por isso não dis­punham de gêneros para carregar com destino a Portugal -, os negociantes mais astutos passaram a confiar aos lavradores os produtos adquiridos ao balcão (uma vez que à Companhia era vedado o negócio por miúdo), para que eles, em seu nome, os fizessem carregar nos navios da empresa, endossando o conhe­cimento da carga a dado correspondente em Lisboa. Era um processo ardiloso de contornar o estipulado no estatuto. Obviamente que a Companhia se sentia de certo modo lesada, na medida em que se avolumavam as remessas de gêne-ros para supostos correspondentes. ·

Para além dos que carregavam produtos próprios dentro das normas, havia toda uma rede que agia de modo doloso, através de verdadeiros ou falsos consignatários, isto por três ordens de interesses: podiam obter pelos seus produtos cotações mais elevadas do que por intermédio da Companhia; se deviam dinheiro à empresa, por fornecimentos feitos a crédito e com prazo de pagamento ajustado, era-lhes possível por este meio fugir à liquidação das suas contas; e, finalmente, porque a venda através do correspondente permi­tia-lhes ficar a dispor de dinheiro valorizado (como era o mil réis) em face da moeda provincial em circulação no Brasil, cotada 10% menos do que o mil réis.

A situação foi-se complicando e a Companhia, em carta de 5 de fevereiro de 1760, dirigida à administração do Maranhão, tomou medidas tendentes a diminuir essas remessas. Assim, dizia nas instruções expedidas:

170

". . . as pessoas -particulares tanto têm abusado ( .. , ) carregando não só os lavradores e fabricantes os gêneros próprios das suas lavouras e fábricas , mas também os que compravam, atravessando e fraudando a Companhia" e, por isso, "se nos faz preciso advertir V.m. que daqui em diante não consintam, antes se oponham eficaz e vigorosamente às refe­ridas fraudes e travessias". E nesta conformidade "permitirão V.m. somen­te aos lavradores e fabricantes carregar nos navios da Companhia os gêneros que justificarem serem próprios das suas lavras e fábricas, cujas justificações nos remeterão ( ... ) para por elas regularmos as instruções que a Junta deve passar na forma das ordens de S.M. para efeito de se dar despacho na Alfândega e na Casa da 1ndia ( . . . ) aos gêneros próprios dos sobreditos lavradores e fabricantes. E outrossim para estes se pode­rem embarcar nos navios da Companhia receberão bilhetes passados por V.m. aos capitães dos navios em que declarar.ão o nome do carregador e qualidade e quantidade dos gêneros que carrega e a causa por que se lhe permite carregar, que não pode ser outra mais que por haver justificado serem os gêneros das suas próprias lavras e fábricas" 511 •

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E como as tripulações dos navios enveredassem igualmente pelo caminho da aquisição de gêneros que carregavam clandestinamente, na referida carta, os administradores da empresa concluíam:

"Desta geral proibição de comerciarem nos gêneros da produção desse Estado, se não exceptuarão os capitães e mestres e mais pessoas da equipagem dos navios da Companhia, nem ainda com o afectado pretexto das suas liberdades" 59 •

Para reforçar as suas determinações sobre este magno problema, a Junta da Administração obteve, a 8 de fevereiro de 1760, uma decisão régia sobre a qual, a despeito da semelhança com a carta da Companhia antes transcrita, entendemos oportuno fazer umas referências.

"Desejando - escreve-se - obviar por todos os meios as fraudes e travessias que se podem fazer ao comércio exclusivo da Companhia ( ... ) não só a respeito das fazendas que transportam os seus navios para aqueles Estados, mas também a respeito dos gêneros e frutos das respec­tivas Capitanias ( ... ) que as referidas fraudes e travessias se não poderão acautelar inteiramente enquanto os lavradores e fabricantes do Grão-Pará e Maranhão fizerem da alternativa liberdade de consignarem os gêneros próprios das suas fábricas e lavouras, ou aos seus correspondentes neste reino ou à mesma Companhia para lhes beneficiar as vendas ( ... ) porque debaixo dos emprestados nomes dos referidos lavradores e fabricantes poderão os particulares fazer o comércio dos ditos gêneros, em prejuízo dos interesses da Companhia ( ... ) ; porquanto sendo difícil aos simulados correspondentes prevenirem aos lavradores e fabricantes para variarem os avisos que acompanham as carregações delas, aceitando em umas cartas que lhes consignam as ditas carregações, para as beneficiarem por conta dos mesmos lavradores e fabricantes; e, em outras, declarando que lhes remetem por conta e risco dos capciosos correspondentes, usarão estes de umas e outras cartas a seu arbítrio para justificarem perante a Junta que as carregações são próprias dos lavradores e já para fazerem seus interesses que das ditas carregações lhes resultar; para ocorrer às referidas fraudes ( ... ) sirva-se restringir a dita liberdade concedida aos lavradores, permitindo-se-lhes somente o poderem comprar os gêneros e frutos da produção das suas lavouras, fábricas e manufacturas à direcção da Companhia para lhos beneficiarem nesta Corte, abrigando por este único o § 27 da Instituição na parte em que facultou aos sobreditos lavradores o poderem consignar os seus gêneros também aos seus corres­pondentes que bem lhes parecer" 60 •

A primeira vista parece que semelhantes fraudes desapareceriam ou, pelo menos, se atenuariam. Longe disso. Continuaram pelos tempos afora, uma vez que os "transgressores" beneficiavam da proteção dos grupos de negócios ilíci­tos, com a comparticipação das tripulações dos navios da Companhia e da rede de apoio que funcionava em Lisboa e até, por vezes, dos próprios adminis­tradores da empresa no Brasil. Pode-se dizer com relativa segurança que existia, em pequena ou média escala, um comércio paralelo ao da Companhia, que ela se mostrou impotente para anular ou impedir. Seria ocioso ocupar dema· siado espaço com o assunto. Todavia, para demonstrar a razão desta afirmação.

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servimo-nos de uma comunicação da Junta da Administração ao governador do Maranhão, Joaquim de Melo e Póvoas, em 30 de junho de 1777 (17 anos volvidos sobre a decisão régia antes transcrita), na qual se diz, entre outros assuntos:

". . . se os lavradores continuarem na mesma prática de buscarem nomes supostos de pessoas que não devem, para debaixo delas fazerem as suas remessas, utilizarem-se das suas importâncias em prejuízo da Companhia, que jamais por este modo será paga do que se lhe deve, enquanto durar este ruinoso tráfico desses moradores, pois é constante qu~ o m~smo produto dessas avultadas remessas, que vêm por conta de partes para esse Estado, torna em moeda corrente a ser novamente empre­gado e remetido outra vez aos correspondentes que nesta Corte têm públi­cos contrabandistas, além de vários gêneros embarcados por eles, como se encontrou pela tomadia que, nos últimos navios que daqui partiram, se lhes achou a bordo ( ... ) a cuja desordem só V. Ex.ª ( ... ) poderá dar o oportuno remédio que nós cá de longe não podemos aplicar" 61

Este trecho é concludente e mostra como a situação, longe de se atenuar; aumentava até no envio de mercadorias, introduzidas a bordo dos navios com a cumplicidade das tripulações.

Que providências eficazes poderiam ser adotadas pelo capitão-general com a finalidade de pôr termo a estas anomalias? Segundo tudo indica, à exceção de uma ou outra ameaça escrita, acompanhada de vistorias das cargas nos navios, tudo continuou na mesma, possivelmente em ritmo menos intenso. A Companhia é que passou a fiscalizar mais aturadamente as cargas quando os navios chegavam a Lisboa ou quando partiam deste porto. A seu tempo, pode­remos ver o valor dos produtos que vieram à consignação da Companhia duran­te todo o período da sua atividade.

Para efeitos contabilísticos, foram estabelecidos dois processos de elabo­ração de faturas: um, para os gêneros pertencentes à empresa; outro, para os que vinham à sua consignação - pertença de colonos. Uns e outros eram escriturados no livro de "Entradas". Para demonstrar como se agiu sempre de uma mesma maneira, apresentaremos, em relação ao primeiro caso, duas faturas - uma de 19 de outubro de 1760 e outra de 28 de dezembro de 1773.

172

A primeira tem o seguinte teor: N.º 1 - ENTRADA de 1.855 sacas de cacau, 19 sacas de café, 150

embrulhos de cravo fino, 230 paneiros de cravo grosso, 423 paneiros de salsa, 50 barris de óleo de copaúva, 163 atanados, 1.800 couros em cabelo e 95 paus que da cidade de Belém do Pará nos remeteram os administradores, naquele Estado, Ber­nardo Simões Pereira e Miguel João Caetano, por conta e risco dos interessados na Companhia Geral do Grão-Pará e Mara­nhão, em o navio "Santa Ana e São Francisco Xavier", capi­tão Valério Duarte Gomes, debaixo da marca de fora, confor­me carregação que nos remeteram em 19 de outubro de 1760, na forma seguinte: Valor total dos "efeitos" . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24. 363. 905

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Despesas:

Cacau: Dízimo Ensacamento ............. . Ver-o-peso ............... . Sacaria ................. .

70.800 78.510

601.800

Pertence ao dízimo . . . . . . . . . - . . . . . . .

Café: Dízimo ................ . 196 sacas Ver-o-peso ............... .

66.640 7.840

20.338

Pertence ao dízimo . . . . . . . . . . . . . . . . .

Cravo fino: Dízimo . . . . . . . . . . . . 24. 000 Ensacamento . . . . . . . . . . . . . 6. 000 Ver-o-peso ...... _ . . . . . . . . 3. 190

Pertence -ao dízimo ................ .

Cravo grosso: 250 paneiros . . . . . . 15 . 000 Ver-o-peso . . . . . . . . . . . . . . . . 5. 675

Pertence ao dízimo ................ .

Salsa: 423 paneiros . . . . . . . . . . . . 25. 380 Ver-o-peso .............. , 9.515

Pertence ao dízimo ................ .

2.548.242

675.999

85.337

29.871

18.563

31.406 3.389.418

Total . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27. 753. 323 Produto da venda destes "efeitos" . . . . . . . . . . . . . . . . 38. 559. 362

Lucro líquido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 O. 806. 039

No segundo caso, limitamo-nos à transcrição do lançamento, dado que no resto é em tudo igual:

N.º 83 - ENTRADA de 1.493 atanados, 424 sacas de algodão em ra­ma e 42 sacas de gengibre de dourar que os administrado­res José Vieira da Silva e Bonifácio José Lamas, da cidade do Maranhão, nos remeteram de conta e risco dos interessa­dos na Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, pela galera fretada "Santíssimo Sacramento e Nossa Senhora da Lapa", capitão Gaspar dos Reis, que chegou a esta cidade em 20 de março de 1774, com a marca de fora, conforme a factura de 28 de dezembro de 1773, a saber:

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Quer dizer, a viagem do Maranhão a Lisboa fazia-se em cerca de 90 dias; mas, por vezes, durava muito mais tempo.

No que respeitava aos gêneros pertencentes a colonos, carregados nos na­vios da Companhia e a esta consignados, a fatura respectiva obedecia a um outro estilo:

N .º 77 - ENTRADA de 83 atanados que o Mestre de Campo Louren­ço Belfort, da cidade do Maranhão, nos consignava por sua conta e risco, pela corveta que fretamos "Santa Ana e São José e Almas", capitão Veríssimo Duarte Rosa, que chegou a esta cidade em 15 de janeiro de 1774, com a marca de fora, a saber: (por marca de fora, neste caso, entendem-se as iniciais do nome do colono: L.B.).

Os produtos vindos à consignação, em regra, eram (tal como os da pró­pria Companhia) leiloados, depois de publicados os respectivos anúncios (ou editais) com um prazo de 10 dias de antecedência (ou mais). Em certos casos a venda também se efetivava mediante negociação direta entre os represen­tantes da Companhia e os negociantes grossistas de Lisboa, muitos deles de­dicando-se quase em exclusivo à compra e venda de gêneros de origem bra­sileira. As condições da realização do leilão constavam de textos impressos, previamente elaborados, com a indicação dos nomes dos nove representantes da Companhia, aos quais se apensavam (também em impressos) os gêneros a leiloar e as respectivas marcas dos volumes.

A título de curiosidade, damos um exemplo, cabendo todavia aos interes­sados inteirar-se da documentação que se inclui extratexto.

O leilão, realizado a 13 de abril de 1772, anunciado a 1.º do mesmo mês, abrangeu gêneros próprios da Companhia, detectáveis pela respectiva mar­ca (a âncora encimada pela estrela do norte), e outros dos colonos, consigna­dos à empresa, e que se podem conhecer através das siglas com as iniciais dos nomes dos respectivos donos. O documento diz:

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"Condições com que o Provedor e Deputados da Junta da Adminis~ tração da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão hão-de pôr em lan­ços e arrematar na Casa do Despacho da mesma Companhia em 13 de abril de 1772, pelas dez horas da manhã, a carga que trouxeram do Pará os navios "Santa Ana e São Francisco Xavier" e o navio "São Francisco Xavier"; e do Maranhão o navio "São João Baptista". A se­guir, especifica que "hão-de arrematar os gêneros referidos lote por lote, seguidos na forma da lista, começando pelo primeiro e acabando com o último; e, parecendo a eles Provedor e Deputados ser conveniente pas­sar de uns a outros gêneros, o poderão fazer". Seguem-se algumas ou­tras condições e depois explica: "Logo que o arrematante quiser rece­ber o lote ou lotes que tiver arrematado, se lhe entregarão despachados à porta da Casa da fndia; sendo para transportar para fora do reino, assinarão os arrematantes as fianças nos livros da mesma Casa da fodia; sendo porém para consumir no Reino, pagarão os arrematantes os direi­tos que S.M. houve por bem perdoar aos que se extraírem para os portos estrangeiros ... ".

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Nessa altura a Junta da Administração era composta por: Ignácio Pe­dro Quintela; Francisco José Lopes; Domingos Lourenço; Silvério Luís Ser­ra; Anselmo José da Cruz; José Ferreira Coelho; João Roque Jorge; Manuel Ignácio Ferreira e Joaquim José Estolano de Faria.

A lista anexa às condições antes referidas consigna: "Lista dos gêneros vindos do Pará em o navio "Santa Ana e São

Francisco Xavier" e navio "São Francisco Xavier"; e do Maranhão com o navio "São João Baptista", que se hão-de arrematar em leilão, que se há-de fazer em 13 de abril de 1772 na Casa do Despacho da Junta da Administração da Companhia do Grão-Pará e Maranhão, a saber: 1 . 382 sacas de cacau com 6 .227 arrobas e 14 arráteis; 379 sacas e 16 barris de café, com 2 . O 14 arrobas e 23 arráteis; 940 paneiros de cravo fino com 940 arrobas; 860 paneiros de cravo grosso com 860 arrobas e 29 arráteis; 3. 281 atanados; .21 sacas de algodão em rama; e 576 sacas de arroz com 3.123 arrobas e 27 arráteis".

Deste conjunto de produtos, 989 sacas de cacau com 4. 469 arrobas fo­r~ adjudicadas a 7 indivíduos ao preço de 3. 220 réis a arroba; e, ã um ou­tro, a 3, 240 réis a arroba. O restante foi também arrematado a 3. 240 réis. O cacau pertencente a colonos (98 sacas com 337 arrobas) foi igualmente vendido a 3 . 240 réis a arroba. O curioso é que os próprios deputados da Companhia, Francisco José Lopes, João Roque Jorge e Ignácio Pedro Quin­tela, se permitiam arrematar lotes de gêneros. Faziam-no para a Companhia ou aproveitavam-se da 'situação para efetuar negócios pessoais?

Não vemos qualquer interesse em continuar a especificação dos produ­tos; quer os da Companhia, quer os vindos à sua consignação. Os documentos incluídos neste texto esclarecem os trâmites seguidos.

O leilão seguinte, feito a 13 de maio de 1772, respeita totalmente a produtos vindos à consignação da Companhia: 3. 540 atanados; 65 sacas de gengibre de dourar e <ie especiaria e 548 sacas de arroz, com 3. 009 arrobas e 3 arráteis. Os atanados atingiram, uns, o preço de 115 réis o arrátel, outros 50, 77; 83 e 100 réis. As diferenças de cotação deviam-se provavelmente à. qualidade. O arroz atingiu as cotações de 4. 100, 4. 110, 4. 810 e 4. 900 réis a arroba. Aqui também deve ter havido influência da qualidade. O arroz "que­brado" situou-se nos 2. 450 a 3. 130 réis a arroba. O algodão cotou-se a 195 réis o arrátel, ou seja, a 6. 240 réis a arroba.

Parece-nos que, na medida do possível, apresentamos o panorama da ne­gociação em Lisboa dos produtos vindos do Brasil naquele ano de 1772.

Antes de abordar os assuntos relacionados com a Companhia, torna-se conveniente dar uma ligeira explicação dos processos seguidos com os gêne­ros pertencentes aos colonos, vindos à consignação da empresa. Os lavradores . exportadores despachavam os seus gêneros na origem e recebiam a documen­tação comprovativa dos administradores. Em Lisboa, efetuada a venda, a Companhia cobrava-se logo do montante das despesas feitas com o transpor­te (o frete), carreto, despacho (direitos de entrada, obra-pia, consulado, do­nativo e colégio), com o leilão (como se indicará adiante) e a respectiva co­missão - que variou entre os 3 e os 5%. Depois creditava ao lavrador pelo saldo líquido da venda, transmitindo aos seus representantes no Brasil instru-

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J'l fj· r Aõ· de arrcmatarafe. os generos referidos lote p;r'ic,tc;

r ; feguidos r.a fórm_a da '1&a, começando pelo 1irimci-j1

1 ro; e ac:!b::ndo com ·o,ulcimo ; e parec<ndo a clles

, .., ... Provedor, e Deputados fcr con,cnicnte ·pa/Íàr de -lrnns a ouuo_s gcncros·, o podcdó faz_er.i 1 : •

Nos gcne10s que fc vendcm-por.:.irrc.has.fe.1iaq acc'itar;Í me.: nor lanço , que o d_e dez reis ; porém nos que fc vendem por ~trratel f c aceitará todo o lanço.. .

Se boúvcr avaria de mar em·qualquer deílcs generbs, fe fa. rá no .t\.rrern~tan(c o :1b:ttimento que for juílo, querendo-os re­ceber; pon.:m _naõ fc ajyíl~i1do, ficará ó o Provedor, e Depu· rndos com elles para os bi:n-.::ficiarem por conta da Companhia; e por outra q';l:ilquer ay:;r~~, ou dam_no, fenaó fará abatimento algum : e para. fe ver o cílado cm que fc nch:1Õ os gcneros, l'odcráô os Arrcmat2ntcs examinallos na Caía tla In<lia, e nos Armazcns da Companhi~ , onde fe achaõ prompws para e{fe cffeito pelas ref pcll:ivas. marcas, ou lotes.

Logo que o Arrematante quizer receber o lote, ou lotes que tiver arrematado, fc lhe entrcgaráõ dcfpachados á porta da Caía da India: íendo para traníportar para fóra do Rcipo, af­íinar::íõ os .Arrematantes as fianças nos livros da mef ma CaÍ.1 da Jndia; f.:ndo porém p:ira confumir no Reino, pagaráô os Ar­rematantes os Direitos, que S. lvfogcllade houve por bem per­doar aos que fe cxtr:ihirtm para os pórtos Efhangciros; com dcclar,içaú, que àcmor;:ndo o recebimento por mais de hum

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r 2 1 r.1ez , C\•1llr,1v tlo,.,!ia tl~ :,r,..;,1.1t:1ç:>Õ, {icar.:Í fozcn,lo totb1a p<1cb(r,i( ... o,·c. hviiri_a 1'9[ ccr-iti1 do Arr5mat:\_nte. /

P:ü:Ccencza ttà arr:rn1;it!lé::i3 rlc.(p1ah1\1cr lote, cnrrc~ar! o Ar(·\.~':\í':!.nt.c: n.o.:iélo ih_n_i~(nú YÍn\e e finco mil e (1:if;e/to~

: ).:!s·, .~ .'? fÇ~~ {~r4 ohri_t~il/?.\1J1:igar:;1~·111ro no \nrn'o dcdois • 7-ncz.~s ,. c~~11.~d-:1.S; do dia ~a. ?rrcm_:i.ta_çau cm di;m1c. 01 ge­. '1iefos ·.de iiancs ~ que. ,·::iô 'declarados', fcraõ obrigados a pa­_( gullos dentro' íio'r'cfcritló ·\~mpo de <Í.>is'·mc;,cs l';ecifo~ adi•

,1hciio de co11t4dp ,effeél{\!..O /:e faltàndo no p,1g:imcnto, pcr­_dl.".r4 9; di,t.o_s .'lf1!C c,-fiJ1c.g ;1'\1ll .c-fei(ccntos reis, e p,gará á ,C.01-p1p11hia to_dQ.,o prt"juizµ , que po~ cílc rcfpdto cxpcri· niéntar i,o lbtt'/oit loté arrêmatados.

Ttr:iô cllc's'11r6\·cddr·; é! Dc1rnt·J,los· a lihcrdaLlc de l:rnçar por fi, ou por interpoflas pclfoas em tp1alq11er ~os lotes que lhes parecer arrematar ; porém nunca J.\nçar:íó por conta da Companhia. _ . · Prometem o .Próvcdor, e Depl1tados obrnr ·cm t uúo cçm n verdade , lizura, e inteireza, que coflumaó ; _ e ,tanto Elle~, C?rno qualquer An<:marnnt.c, (e fubmctem, e Íll)t:iJaQ ao qif. roflo · nclbs c~ndíçoens.,: que reciprocamente. fc ol5riga~· a cumprir na fórma (jlle fc achaõ cfcrip1s, íem ahernçav, nem imerprctaçaú alguma. Lisboa, o .1 de Abril de 17 7 :? •

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Ig1zacio P_,Jro Q.uintel!à_.n_ Anj.:lmo]ozé _da.Cruz.

Fr1111,ijco Jod Lopes, ]o'!.~; Ferreira C,oc!ho.

Ocmingos Lourc1;ço.. . Jooâ Ro911e J~rge.

Silvcrio Luiz Serra. hfn~111e! Ig11acio Ferreira. -

Joaquim Jozé Ejlo!!ano ele Faria.

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DOS GRNEROS VISDOS DO P.ARA' E.\J O N.,lf:{o~··~--.1;_.~ Srm:n .A111rn e S. Fr,:ncifco Xflvicr, e Na..•io S. F,· ,wcijc,1 .Y,;~-~--.:.'/ .. ,ia; e do J.!aran!iaõ on o Nauio .S\ jL,nÍJ Bapt1/l11, ,;11e fc hJ!> de arrematar cm lei/aõ, · que Jc lia de fazer em 1.3 de Abril de' 177i. nn Cnfa do D~fpac/10 da Junta da Adn1ini/!ra_r;oô _da Com­panhia Geral do Grnô Par,í, e .:Uaranhaõ; a fabcr 1 1: > S2 Sacas de Cac,ío com 6:227 arrohas, e 14 arroteis; 379 Sacas, e 16 barris de Caffé coni :2:014 arrobas, e :2j nrratcis; 940 Paneiros de Cl.:ivl.fi110 com 940 arrohas ; 860 Panciros de Cra.10 groj]o coni 8ôõ _arrobas ; 3 Cr,,ixotes de Ó,:rod com 6 arroZ.as , e 2 9 ar rateis";' ·;: 2 SI Atanados ; 2 1 Sacas de A !go· <{aâ eni r,:ma ,i c., .. ...f 76 ~acas de.1rroz com 5 '.~ 2 .s arrobas , e ~7 ar,-ateis. 11. · ·? .,. · · · · ·· · ·

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! 109 Sacas de Cac.'io <ln nnrcn ~[.: com 496 ar-robas , e Is àrrnteis. Yt

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2 1 Sacas de Cado da marca .J.,. com 8 9 arrobas , e z 8 :mateis. · ·. . All . q . ._, Q?-·2. ~

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41 S:ic.:s. ,-<. <?." -· . . - -- ,:. --7-.-·· //á. -

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3S Sacas ...... 3:U&. . a4~~Zu/..·J 8 Sacas d~ C ado d~ .rnar_ca J), co~ }.4 arrob:ts.

8 Sacas. 3 2Á)·.~ . ·:. ~./ft-a;,;j4?/.~4F_f • ?" ..

M 11 Sacas de Cado da marca :Í:: com 64 arroli:i~, e 2 7 arrateis~ _ .

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• ' . " 94 Pancitos de Cravo fino da marca .J... com 94

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. "' 7 7 4 PancÇb·s de Cravo groffo da m:1rca J. com

774:i.rrobas.( aLº ,,.V ~ -· _ • J.: / -"? , ~l.2'. ·--. / ·?·r?J

50 Pane1ros. a- ·-<,J!,,:o& :;:-· 274'"<"·(/, ~~, 7 .· 50 $º 50 5º 5º 5º 5º 5º 5º 5 º. 5º 5º

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;~ $ =j~J-c. ~ = ~ #d!7)-2~~/~ 12), . -~

' 40 Sacas de Arroz quebrado com a diviza ~om 2 1 5 arrobàs, e 2 6 arratcis.. .

S . '3 3 · ~,.. ~º / ::.o :icac · /J __ ,1,, • . r.>.,, :i o ·-· ,,..,, ~ ;?v. ~ - , ~ e:7~-?""..v V-/l:?4?~ -- -~

Gencros para pagar em dois mezes precifos a dinlzeiro de contado efeélivo.

'.:! 5 Sacas de Cado da marc::i 11 com 1 1 :? arro-

'5 Sarn. ~~9.f,7 J'7,u.4 185

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[ 9 ]

"

186

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i 1

[ IO]

4 S:::cas. '. . '

•nn: .. 20 sa·cas/JtCalf.; da niarca .R ~ com S 2 arrobas# . ._ e 1 3 :.irr:iteis. . .

•• • \ .- •• J,-...3 . íln ~ 20 Sãc:is: p_ c:::-L-j )-}'Y-p __ . _

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188

[ II ]

::. o S:1cas l1c Caíl~ c!a m:irca Jir1 com 9 $ bas, e 4 anateis. ú ,;;y -// J

~ o Sac:1s. /.-' /,.29. /2( ("' ~-:?:in·~ (?';-,·~vc,-' ~-

1 1 Sacas de Algocbú da marcá l\:.!G com robas , e 1 5 arratcis.

I 1 Sacas.

F> 1 o Sa cas de Algodaú cm rama da marca y

5 3 arrobas.

1 o Sacas.

com

,,,,-,.~ . .. ' .

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ções no sentido de o ep.tregarem - de "preferência em fazendas" ou gêne­ros. Se o consignador era devedor à empresa, o saldo serviria para a amor­tização ou liquidação da conta.

Na realidade, se a Companhia se podia queixar das fraudes praticadas pelos lavradores, no Maranhão e no Pará, no fundo, a reação destes mais não representava do que um meio de defesa contra a tirania da empresa. Pen­samos que, de certo modo, a atuação da empresa, longe de permitir um bom relacionamento com os pequenos agentes econômicos da região, produziu no Brasil um clima de conflitualidade permanente que estes aproveitavam para avolumar a navegação costeira ilegal, as remessas de gêneros em contravenção às estipulações dos estatutos do monopólio e mesmo o negócio clandestino; e, em África, à dura concorrência da navegação e do comércio estrangeiros.

7.3. Antes de apreciar a evolução das exportações, parece oportuno dar alguns esclarecimentos sobre os diferentes encargos que recaíam sobre os pro­dutos vindos do Brasil: despesas na origem, direitos alfandegários e outros cobrados pela Casa da lndia, frete e, ainda, as isenções concedidas a determi­nados "efeitos".

As despesas, na origem, de modo geral, compreendiam:

• Sacaria e ensacamento . . . . . . . . . . . . 60 a 80 réis· por arroba • Capatazia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 réis a arroba • Comissão da Companhia . . . . . . . . . . 4 a 8 % • D• • lf d , • 5 70L ireitos a an ~ganas . . . . . . . . . . . . . a ~o

• Dízimo • Novo direito (criado em 1770) .... . • Ver-o-peso (no Pará) • ........... . • Subsídio ....................... .

Em Lisboa, na Casa da lndia:

• Direitos alfandegários ............ . • Consulado ........ , ............ . • Donativo ...................... . • Obra-pia ....................... . • Colégio ............. , .......... .

2% 30 réis por saca

100 réis por arroba

13 a 18% 3% 4 a 5% 1%

100 réis por peso líquido • Amostra para a avaliação ......... . • Descarga ...................... .

80 réis por cada 6.000 réis 14 a 40 réis por saca

• Carreto, tara e transporte ......... . • Juiz da Mesa do peso ........... . • Guarda e companhia } • Contribuição ........... . • Porteiro • Comissão para a Companhia ...... . • Seguro na Companhia "Restauração"

aplicado apenas a partir de 1822 ....

• Em Portugal: "Aver-o-pcso".

140 réis por peso líquido 20 réis por peso líquido

20 réis por saca

2 a 4%

3 / 4% sobre o valor

189

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Texto n.0 10

[ I ]

c:o l\JJJ:If~(J) ]i I T,S . ~

COJ\1 OUj~ à P.JZOVFDOR, E })EPU'PADOS ''-

tfo ]n1!a tia .i1d1?,it1ijlraçr:õ da Ccimprinlúa Geral do Graõ Pm;á, e .I:.! m:anlwõ haó de pôr cm lanços, e arrematar na Cafa do Defpaclzo da mejina Compa· nhia em /f? de ]\.1ayo de 1772, pelt1s dez lwras da manhã, a carga. que condu'!,i_O do 1\1.aranlzaõ o "J:,./a.;io S. Laiaro' e do Pará'.ó l\Tavio Santa An• na e S. Francifco Xavier , e c;1ri>eta S. Francifco Xavier.

1 !~ -.: Aô d~ arrcmat?r-Íc os g_cncros referidos lote por '.otc_,

J • . fcgu1dos na Íüima d~ ld1a , comcç;111clo pdo prirnc1· ~ •

1

ro' e acabando com o 11lum'o ; e parecendo a rllcs -'- .:!.. Provedor , e Depurados fcr co11vcni;111c paffor de

l,un-s a oi.aros gcncros, o podcníô {.iz.er. · Nos [;eneros onc fc vendem por arrobas fenaú aceitará me-v 1

nor lanço, que o de dez reis ; porém nqs que (e vcndcm por arratcl fc aceir-ará todo o bnço. .

Se houver a,·aria de mar cm c1ualgucr cfcíl.cs gcncros, fc fa­d. ao Arrematante o abatimento que for ju/10, querendo-os re­ceber; porém naó (e aju/b.ndo, ficadõ o Provedor I e Dcpu· rados com c!les para os bcn~ficiarem por conta da Cornp1nhía; e por 0:..:tra qualquer ay:uia, ou damno, fcnaõ fará ::ibatímcntO algum : e p::ira fe ver o eflado cm que fc achaó os gcncros, podcráú ·os Arrematantes cx::minallos na Cafa da India, e nos A rmazcns d:.: Comp:rnhia I onde fe· achaõ promptos para effe cffcito pelas ruas rcfpeé1ivas marcas'. ou lotd. .

L0go que o Arrematante quizer receber o lote , ou lotes que tiver ~mcmatado, fc lhe emreg:1r:íú defpachados á porta da Caía da India: fendo para tranfporrar para fóra do Reino, af­finaráõ osArrc:01ata11rcs as firnç:is nos linos da rncfm:i C?ifa da lndia; fendo porém p·.na conf.1mir 110 Rcino, rag:iráú os Ar-

A J"Cl11l·

190

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[ ., i , - J

r<.rn:!t~n(cs os Direitos, cp1c S. :.\Lir;cíl:idc l,nu,·c por lic m rcr,, to~r :. :JS lJll C (e (.:>,lr;,h:rn'n p~1íl: OS pÓr{uS .l~flr.'.' ngci rOS; C(•ITI

dccL. as:iõ, <1uc dcmnr,ndo o ,cccbi1ncnto dos g,cr,uc,s por mais dl: hum mcz, conríldo <lo dia ela a reina taç:ii:'1, Ílcará (a. ~cn<lo toda a perda, ri(cÓ, e avari;i por conta l~O Arrcm;.tantc.

Pua ccneza da arrcmat:içaú de qu:1lqucr lote, emrcgará o Arrcrn:it :> ntc no aélo da rncfrna \'Íntc e finco mil e (c::: if<:cntos reis, e o reíl:o fc.rá obrigado a pagar dentro no termo <lc dois rnezes, contados do dia da arrcmatclçaõ cm diante. Os Ara· n.aclos de panes , que \'ao declarados , fcrnú obrigados a pa­g;illos a dínhcir<? de co;1tado dfcélivo; e faltando ao p::igamcn• to, perderá os ditos \'Íntc e finco .mil e fcifccmos 1cis, e pa· gará á Companhia todo o prcjuizo, cp1e por cílc rcfpciw ex-perimentar no lote I ou lotes arrcm a1ados. .

Tcraú clks Pro\'cdor I e D epu rados a libcrcl:i de de lançar por {i, Oll por intcrpoílas pdfoas cm gualqucr dos lotes c1uc lhes r a rccer arrematar ; porém nunca l:\lJçaráõ por conta da .Companhia. .

Prometem o Pro\'cdor, e Deputados obrar cm t\ldo com ·a \'erdade, lizura, e inteireza I que coílurnaú; e tanto Ellcs, como qu alquer Arrematante, fc fubmctcm, e (ujcit aô ao dif­poflo ndlas condiçocns , que reciprocamente fc obrig:iõ a cumprir na fórrna c1ue fe :.ichaõ cfcrítas, fcm alrcraçaú, nem interprccaçaõ alguma. Lis~oa, a 6 de t-hyo de 1 77 :i.

J gn,1cio Pedro Q.uintclln. A11jclmo J o:z:é da Cruz.

Frnncijco Jozé Lop,s. J ozé Ferreira Coelho.

Domingos L ourenço. Joaô Ro911e Jorge.

Si!vcrio Luiz Serra. 'Jif a noel Ig1!11cío Ferreira.

Joaquim J oz.é. E.flolla1:o de Faria.

LIS-

l91

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192

em o J:/11do S . .T.rnaro, e do I'arâ em o 1:,r a·Jió Santa .. Anna e S. Fnmcifco Xavier, e Çunxta S. Francifco Xavier , que (e lzaõ de arrematar em leilaõ , que fe lia de fazer em ; J de Maio de 1772 11a Caza do Def,;acho da Junta da Adminif traçaõ da Companhia Geral do _Graõ Pard , e Marílnhaõ; a Jaber : 3:540 Atanados; 6 5 Sacas de Gengibre de dourar , e de efpeciaria ; e 54.& Sacas de Arroz com 3=009_ arrobas , e , arra4

teis. ..

/- -..... , , ... . \

( ~ .: /

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[ 4 ]

2 40 A Uln:.dos com ;J. diviza e a ratei.

o ar-

( O/ _ _) / ,Ç .,-:;J ,; 240 .At2:iados. ,, 77 /7, .Jf..,,..,,,,.,,:,>,,.,n?Á,,;::,:-~("::Tí,-:.,,tfv,,

f"/"/ r·, 2 5 o · A tanados cum a marca d. a o ar-

ratei; a DJN H ElRO DE CONTADO EFFECTIVQ .

º/º A_tanados. M/;3 .,f/ (J},(;;?;;,,;, {if-.;. , 2 ·sacas de Gengibre de cfpcciaria da marca

corá !l.; o arwbas , e 1; arratcis , a 2.rratcl. ·. , / . ~ /(~>

p Sacas.,,. · ,fc.-d( (?,.,:,.,:'f-?Nz.,c/ {(,/,-<e_,,.

) 3 Sacas de · com 181

arratel. .

, 3 Sacas. -<-/ f .3_

/ -!

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193

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194

:: S:,cisJ' ., ~{!?'é.1// '.20

::i9 ...... __ -

[ ) ]

)

37 Sacas dito 9ucbrado com 3 diviza M .i com 19 2 arrobas , e .2 4 arratcis , a ll ;,rroba.

1 S Sacas,' ç -~- / .P.,,J f p. /}~,,, · ç4;'L. 19 )

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Como se vê, o número de taxas e alcavalas, diminutas e elevadas, mos­tram bem a velha tendência para a burocratização dos despachos e conse­qüente perda de tempo, uma faceta velha, característica da vida portuguesa.

A Companhia organizou logo cedo a sua tarifa de fretes a pagar pelos principais produtos transportados nos seus navios, do Brasil para Lisboa, e mesmo de Cabo Verde, e que foram os seguintes, quer para os seus próprios, quer para os enviados à consignação:

Cacau e café . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 400 réis a arroba Cravo fino e cravo grosso ................. . Algodão em rama ......................... . óleo de copaúva ......................... . Arroz descascado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Atanados e couros em cabelo ... ,, .......... . Urzela .................................. .

700 réis a arroba 1 . 000 réis a arroba 2 . 000 o barril

250 réis a saca , 400 réis cada

2. 000 o quintal

Convém esclarecer que os atanados, oriundos do Maranhão, beneficia­vam de uma tarifa especial na origem, constituída apenas por um subsídio de 100 réis cada. Em, Lisboa, porém, eram onerados na Casa da fndia, com os seguintes encargos:

Direitos ...................................... . Comboio .... , ................................. . Obra-pia, contribuição e despacho ................. . Descarga ..................................... .

23% 100 réis cada 62 réis cada 14 réis cada

No que toca a isenções de direitos alfandegários, apenas encontramos concessões a três produtç,s: gengibre, anil e café. Isto sem falar na isenção de "direitos de entrada de escravos" no Brasil. Para os três aludidos produ­tos, foram concedidas pelas seguintes decisões régias:

• a 29 de abril de 1761, prorrogando "por mais 10 anos o indulto do café do Pará, nos termos do n.º 31 da Instituição, extensivo esse in­dulto ao café da Companhia e dos particulares, em benefício do co­mércio e da agricultura" 62 •

• a 23 de maio de 17 61, "isentando do pagamento de direitos e emo­lumentos, durante 10 anos, o anil fabricado no Estado do Pará e Ma­ranhão, seja da Companhia, seja dos moradores" 62 •

• A 5 de junho de 1761, "isentando do pagamento de direitos, impo­sições e emolumentos, por 10 anos, a todo o gengibre de dourar e de especiaria, que tem vindo e vier para o futuro do Estado do Pará e Maranhão" 62 •

Por razões ignoradas, a 19 de dezembro de 1767, a Casa da tndia le­vantou a questão da isenção do pagamento de direitos para o café procedente do Pará, obrigando a Companhia a apresentar um novo pedido. Em face das normas reguladoras, a empresa teve de elaborar e apresentar os "cálculos" do custo e despesas que oneravam o produto, para assim obter a isenção. Fê-lo

195

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na base de um carregamento de 804 sacas, demonstrando o possível prejuízo ou os diminutos lucros que nele conseguiria. O "cálculo" apresentado tem o seu interesse e merece ser conhecido. Por isso o reproduzimos:

"Cálculo: 804 sacas de café do Pará, com o peso bruto na Casa da 1ndia de 1. 174 quintais e 19 arrobas; e líquido de 1 . 090 quintais e 2 arrobas e 20 arráteis, avaliado a 12.000 réis o quintal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . l3. 087. 875

Custo na origem.. .. ............ . .. . .. 10.237.875

Ver-o-peso - direitos no Pará . . . . . . . . . 1 . 137. 537

Custo de 804 sacas a 320 réis . . . . . .. . . . .

Pesar e ensacar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Gastos em Lisboa: Obra-pia e donativo - 5% .. . .. .. . ... .

Colégio --' 100 réis sobre o peso líquido

Amostragem - 80 réis sobre cada 6 . 000 réis . . . . . . ......... . . .. .

Carreto, tara, trabalho, a 140 réis sobre o peso bruto ....... . ..... . .

Juíz da· Mesa, 20 réis s/ peso bruto .. .

Guardas, a 20 réis/saca . ........ ...... .

Contribuição, a 20 réis/saca ...... . ... .

Portagem, carreto, peso, Juíz do peso, a 30 réis a saca . . . . . . . . . . . . . . .

Frete a 4. 935 &rrobas, a 400 réis . . ... .

Descarga: 804 sacas, a 40 réis .... . . . . .

Comissão da Companhia .... .. .. . .... .

197 . 280

20 .000

654.393

109.063

174.505

164.380

23.485

16.080

16.080

24.120

1.654 .000

32.160

296 .488

11. 592 .692

3.164.754

Total . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14. 757 .446

Venda do café com direitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14.824.444

Lucro 66 .998

Sobre a petição a que !'oi apenso este cálculo recaíu, em 18 de janeiro de 1768, o despacho régio isentando o café do pagamento de direitos aduanei­ros por 1 O anos 63•

196

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Ainda que um tanto deslocado neste contexto, faremos uma alusão à isenção de pagamento de direitos de entrada de escravos no Brasil e à ques­tão subseqüente da exigência, por parte do pessoal da Alfândega de São Luís do Maranhão, de determinados emolumentos pessoais.

Por alvará de 7 de junho de 1757, ficaram isentos, no Maranhão e no Pará, do "pagamento de direitos de entrada os escravos introduzidos pela Companhia, para nos preços deles se haver respeito a este favor real benig­nidade com benefício do mesmo Estado e a agricultura que nele se deve promover" 64•

Segundo se deduz dos elementos consultados, o fato não agradou ao Provedor da Fazenda e aos oficiais da Anfândega do Maranhão, e em 1761 resolveram fixar determinadas taxas a incidir sobre os navios transportado­res de escravos africanos, isto, pensamos, no seguimento de um procedimen­to que fora levado a efeito no tempo do comércio livre. Portanto, elabora­ram uma tabela, estabelecendo a obrigatoriedade do pagamento das seguintes taxas - que revertiam para os próprios:

• "9. 040 réis pela visita a cada navio de negros (leia-se: escravos) que tem ido àquele porto (de São Luís do Maranhão) desde o esta­belecimento da Companhia e houverem de ir para o futuro, a saber: 2. 000 réis para o Provedor; 5. 760 réis para o escrivão; 1 . 280 réis para o meiri\'lho".

• "7. 040 réis, sendo 1 . 920 réis para o Provedor, pelo trabalho de 2 visitas; 3. 840 réis para o escrivão; 640 réis para o guarda da Alfân­dega; e 640 réis para o porteiro".

• "9. 695 réis, sendo: 7. 360 réis para o escrivão por assistir à descar­ga; 2. 140 réis para o meirinho do mar pela sua diligência; 195 réis pela marcação dos escravos - e a distribuir da seguinte forma: 60 réis para o Provedor; 85 réis para o escrivão; 35 réis para o meirinho; e 15 réis para o porteiro da Alfândega" 65

,

A Companhia sentiu-se um tanto lesada e reclamou contra a fixação das taxas, apodando-as de "extorsões que fazem o Provedor da Fazenda e Ofi­ciais da: Alfândega do Maranhão sobre a percepção ~os indevidos emolu­mentos das visitas, descargas e marcas· dos escravos", no Maranhão. A 5 de junho de 1761, o rei mandou anular a cobrança.

Bem vistas as coisas, as duas primeiras verbas (9.040 + 7 .040 = 16 .080 réis) não podiam agravar muito o custo dos escravos, por se tratar de taxas que incidiam sobre cada navio entrado. A última, porém (9.695), relativa à marcação individual dos escravos, essa poderia ter alguns reflexos, não significativos, por ser aplicável a cada unidade. Quanto a nós, estava em jogo apenas o prestígio da Companhia, ferido pela decisão de· uns tan­tos agentes de categoria secundária. Foi um pequeno incidente, sem nenhu­mas conseqüências na vida da empresa, e que, no entanto, merecia ser co­nhecido para se aquilatar da sensibilidade dos dirigentes da organização que sempre se consideraram ao mesmo nível da nobreza. Vaidades humanas!

197

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Postos estes assuntos, importa tratar da evolução das exportações. Por uma questão de economia de espaço, limitamos ~ análise a dez dos princi­pais produtos vindos do Maranhão e do Pará, suas quantidades e valores, depois de entrados na Casa da fodia. A nossa amostra abrange, em valores, 98,7% dos produtos pertencentes à Companhia, e 96,0% dos pertencentes a colonos e carregados à consignação da êmpresa, num total global · de 6. 734. 552. 000 réis. Os valores constantes· dos quadros são apresentados em números redondos, pois entendemos eliminar as frações. Nesta base, quando a fração <lo mil réis é igual ou superior a 500 réis, fizemos o arredonda­mento para a unidade; e, quando inferior a 500 réis, deu-se a eliminação. Con­siderado o quadro de conjunto (gêneros próprios da Companhia e dos co­lonos), passaremos depois aos quadros parciais.

Assim, para o primeiro caso, temos:

De colonos Da Companhia em regime de Total

consignação Designação

Valor Valor-Arroba na Casa Arroba da Arroba Valor

da 1ndia venda

Cacau 752.763 1.822.608$ 47.598 187.552$ 800.361 2.010.160$

Algodão em rama 198.827 1.022.844$ 75.727 639.047$ 274.554 1.661.891$

Atanados e couros em cabelo - n.0 343.090 808.185$ 82;285 157.108$ 425.375 965.293$

Ouro em pó etc. 557.860$ 161.277$ 719.137$

Arroz descascado 650.341 469.255$ 73.247 67.607$ 723.588 536.862$

Cravo fino e cravo grosso 41.968 248.412$ 1.539 11.026$ 43.507 259.438$

Café 57.357 220.393$ 8.267 32.796$ 65.624 253.189$

Salsa 26.230 210.570$ 3.522 35.144$ 29.842 245.714$

Aguardente 28.972$ 28.972$

Urucu 1.033 19.739$ 457 8.679$ 1.490 28.418$

óleo de copaúva 25.478$ 25.478$

Soma 5.434.316$ 1.300.236$ 6.734.552$

Os gêneros pertencentes à Companhia totalizaram 5.506.549$; contu­do, reduzimos o apuramento às 11 principais variedades (98,7% do valor glo­bal). Por áreas de procedência, quantidades e valores, constam do quadro seguinte:

198

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. Do Maranhão Do Pará Total

Designação Valor Valor Valor

Arroba em Arroba em Arroba em Lisboa Lisboa Lisboa

Cacau 4.104 16.114$ 719.687 1.806.494$ 752.763 1.822.608$

Algodão em rama 194.131 984.326$ 4.696 38.518$ 198.827 1.022.844$

Atanados e couros em cabelos - n. 0 309.726 764.174$ 33.364 44.011$ 393.090 808.185$

Ouro em pó 226.779$ 331.081$ 557.860$

l\froz descascado 521.970 343.654$ 128.371 125.601$ 650.341 469.255$

Cravo fino e grosso 916 4.844$ 41.052 243.568$ 41.968 248.412$

Caté 343 1.101$ 57.014 219.292$ 57.357 220.393$

Salsa 421 2.994$ 25.899 207.576$ 26.320 210.570$

Aguardente 28.972$ 28.972$

óleo de copaúva 2.468$ 23.010$ 25.478$

Urucu 1.023 19.739$ 1.023 19.739$

Soma 2.346.454$ 3.087.862$ 5.434.316$

O Maranhão exportou 43,2% e o Pará, 56;8%. Como se verifica, de­mos preferência à ordem decrescente de valores, em detrimento da ordem alfabética seguida no quadro anexo ao volume 2 (n.º 48). O primeiro lugar coube ao cacau, tanto em quantidade como em valor. Se considerarmos ape­nas as quantidades, o segundo lugar coube ao arroz descascado (650. 000 ar­robas), seguido dos atanados, meios de sola e couros em cabelo (343. 090 unidades) e ao algodão em rama (198. 827 arrobas). Os restantes ocupam posições mais moqestas. A aguardente foi, na sua totalidade, encaminhada para o setor africano, e o urucu, utilizado na tinturaria. Posto isto, importa determo-nos na análise do conjunto (gêneros da Companhia e dos colonos), isto pela circunstância de a venda se ter efetuado pela própria Companhia, em leilões ou negociações.

Um primeiro reparo vai para o cacau (800 ."000 arrobas). Não havendo em Portugal (nem ainda hoje) o hábito de consumir cacau, aparenta-se es­tranha a entrada de qualquer coisa como 1 . 172. 400 quilos, com o valor de mais de 2 mil contos de réis. Temos a impressão (ou quase a convicção) de que o cacau procedente do Brasil entrava em Lisboa e daqui saía, legal ou clandestinamente (sem fiscalização alfandegária), para Espanha. Firmamos es­ta opinião, além do mais, em um trabalho publicado recentemente, tendo como tema Os problemas do comércio luso-espanhol nos meados do século XVIII 6

6•

No parecer elaborado por Sebastião José de Carvalho e Melo (anexo a este trabalho), no capítulo intitulado "Quanto ao cacau", é dado realce à qua­lidade e à qu_antidade de cacau que a Espanha importava dos seus domínios

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na América e sobre o qual recaíam diversas taxas aduaneiras e outras que o encareciam bastante. Assim, no n.º 99 do dito parecer, diz-se textualmente:

"!! certo que desta exorbitante carestia do cacau espanhol resultavam três coisas: 1.ª) a diminuição da lavoura deste fruto nas províncias da América espanhola acima indicadas; 2.ª) a necessidade que em Espanha havia de se recorrer ao cacau do Maranhão, que não somente supria o que ali faltava, mas se podia ter por metade do preço que custava o ou­tro; 3.ª) que o comércio deste fruto, tendo nascido nas terras de Espanha e sendo nelas cultivado pelos espanhóis, tinha passado aos estrangeiros que transportavam o mesmo fruto a Espanha com menos despesa, fretes e se­guros, e com maior favor nos direitos de entrada" 66•

O cacau do Maranhão, segundo o parecer em apreço, tinha uma cota­ção equivalente a 50% menos do que o importado pela Espanha de outras fontes produtivas.

O autor do artigo de que nos servimos tira a conclusão - e justamente - de que "os portos cio Sul, designadamente a Capital, Setúbal e Faro, co­merciavam sobretudo com a Andaluzia, o Lev~nte espanhol e a Catalunha, fornecendo açúcar, tabaco, escravos negros, pescado, especiarias e cacau do Maranhão. Em compensação, importavam lãs, sedas, tecidos diversos, cereais, esparto e drogas de tinturaria. Note-se que nem todos estes negócios eram realizados por meio de barcos portugueses e espanhóis; pelo contrário, neles participavam, em maior ou menor escala, holandeses, ingleses, franceses e ge­noveses. Por outro lado, muitos gêneros referidos passavam também a fron­teira terrestre, ou pela via legal dos postos alfandegários, ou pelos caminhos de um contrabando mal-conhecido, do qual numerosos indícios deixam adivi­nhar a importância"· (p. 96) - o grifo é nosso. As relações comerciais entre Portugal e a Espanha, dada a contiguidade dos territórios e a facilidade de trânsito consentida pelas vias fluviais e terrestres mal-fiscalizadas, foram sem­pre as mesmas - ontem, hoje e no futuro: as saídas legais, em escala dimi­nuta, ou o contrabando ou descaminho desenfreados. Quanto a nós, não há dúvidas de que o cacau trazido do Maranhão para Lisboa foi sempre encami­nhado para Espanha no tal "contrabando mal-conhecido". O resto são fanta­sias sem consistência alguma.

De resto, há um outro argumento em favor da nossa tese. Quando a Companhia registrou sempre na sua contabilidade as vendas ao estrangeiro da urzela, do algodão em rama, do cravo, da cera, como comprovaremos mais adiante, sobre o cacau não existe um.único registro de remessas para qualquer país estrangeiro. Leiloava-o normalmente e, de certeza, os adquirentes, for­mando uma rede de transitários, se encarregavam de o fazer entrar no país vizinho pelas vias da candonga.

O algodão em rama, outro produto colocado no segundo lugar da escala de valores, constituiu uma das grandes fontes de lucros da empresa. Esta soube aproveitar-se das conjunturas para incrementar o cultivo do algodoeiro no Brasil e, simultaneamente a venda no estrangeiro, através de Lisboa. Das 274.554 arrobas entradas em Lisboa, 162 . 001 foram vendidas a diferentes países da Europa (59,0%) e, eventualmente, Portugal teria consumido 112.553 arrobas ( 41 ,0%). Esse negócio com o estrangeiro foi facilitado grandemente

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pela guerra de secessão da América e, posteriormente, pelas lutas na penín­sula ibérica. Aqui, o principal cliente foi a França.

Outro aproveitamento inteligente das conjunturas foi o concernente à ur­zela (embora esta seja de outra proveniência). Neste caso, não foi verdadeira­mente a quantidade que facilitou os negócios, mas sim a superior qualidade da urzela de Cabo Verde. A indústria européia de tinturaria de tecidos finos est1.1va, em grande parte, dependente dessa urzela. Desse modo, a Companhia conseguiu fazer extrair mais de 143.800 arrobas, das quais escassas 17.700 foram adquiridas em Portugal (12 ,3 % ) e 126. 000 pelas nações européias designadamente a Inglaterra (87,7%). Numa escala mais modesta, colocaram­se a cera de abelhas e o cravo fino e grosso.

Os atanados, meios de sola e couros em cabelo ( 425. 000 unidades), com o valor de 965 contos de réis, segundo tudo indica, entraram no consumo português, tanto mais que era um produto indispensável à confecção de cal­çado e com diversas outras utilizações. A média anual de mais de 21 . 000 uni­dades dá a justa medida do que era, já na época, a importância da criação de gado no Brasil. Outro tanto não se pt>de dizer quanto aos outros gêneros enu­merados no quadro geral. Não dispomos de elementos de informação que nos permitam indicar o destino que tiveram.

Há ainda um outro produto sobre o qual temos de nos deter um pouco: o ouro, sobretudo em pó. O seu valor atingiu os 719. 137. 000 réis, sendo 557. 860. 000 da Companhia e 161 . 277. 000 dos colonos, vindos à consigna­ção da empresa. O ouro estava isento do pagamento de direitos alfandegários em Portugal, sendo faturado (o em pó) pela tabela oficial a 1. 500 e 1. 800 réis a oitava, consoante tivesse maior ou menor percentagem de impurezas. Estas eram as cotações oficiais, observadas rigorosamente. Estamos, entretanto, convictos de que a Companhia o adquiria por cotações inferiores, dada a faculdade que tinha de o pagar em espécies ou mesmo em moeda provincial que, como já se disse, corria por um valor de menos 10% em relação ao mil réis de Lisboa. Todo o ouro trazido foi sempre religiosamente vendido à Casa da Moeda pela cotação apontada, agravada apenas de 2% correspon­dente à comissão da Companhia. Queremos, portanto, afirmar que nele a Companhia nunca perdeu dinheiro, antes tirou benefícios nada despiciendos:· a comissão antes apontada e, ainda, a diferença cambial entre os mil réis e a moeda provincial. A venda permitia-lhe assim dispor de cambiais com que fazia as compras de mercadorias a enviar para os vários setores de comércio, mercadorias estas que eram, por força do estatuto, agravadas com as taxas legais de lucro - entre 15% e 45% - e mais o que, em manobras conta­bilísticas, fazia acrescer .aos artigos, e os evidentes reflexos que isso tudo tinha na obtenção dos "efeitos" no Brasil.

Sabia-se desde os finais do século XVII da existência de ouro no atual Estado de Minas Gerais, mais concretamente em Ouro Preto. Ora, o ouro ne­gociado no Norte não deveria ter essa origem. Era mesmo ouro de aluvião da área amazônica, e as suas características básicas deveriam ser diferentes das· do Sul. :e o que nos esclarece o Códice do Padre João Daniel, S. J. (Te­souro descoberto no Rio Amazonas), escrito entre 1757 e 1775 67, onde se diz:

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"Não se tem descoberto tanta prata na América Portuguesa tal­vez por sobejarem nelas as minas de ouro, diamantes e pedras pre­ciosas, de que apontarei algumas, ainda pertencentes ao vasto distrito de, Amazonas nos seus colaterais. As primeiras minas da América Por­tuguesa descendo rio abaixo são as chamadas minas de Mato Grosso, descobertas há poucos anos. Ficam ao sul do Amazonas e cabeceiras do Rio Madeira, cujo rio é o comum esteiro dos seus mineiros e povoa­dores, que antes se serviam pelo Rio de Janeiro com o grande incô­modo e dilatada viagem de um ano, gastando agora só seis meses com a incomodidade do embarque" ( ... ). "Descobriu-se logo tanto ouro nes­tas minas, que só a seu vigário cabiam duas arrobas por ano. Pouco depois de descobrir ao pé .desta outra, e pouco a pouco se irão desco­brindo mais. Pouco abaixo do Rio Madeira está o Rio Meguê e tam­bém neste se descobriu uma mina de ouro pelos anos de 55 ou 56, mui­to próxima à sua foz por onde deságua o Amazonas; e pela grande co­modidade da sua viagem pelo dito rio, em · pouco tempo serão estas as mais populosas e trabalhadas minas, especialmente procurando catequi­zar e aldear o tapuia bravo daquele rio. Nem esta empresa será difi­cultosa, por ter já alguma comunicação com os brancos, se não estiver lembrado da crueldade com que uns brancos deu de repente sobre eles com uma grande escolta de pretos e matou neles, como quem mata mosquitos, com a circunstância de que tanto esta, · como outras muitas semelhantes barbaridades, ficou sem castigo! Abaixo do Rio Meguê de­ságua no Amazonas o Rio Tapajós, tão rico de metais como· de águas ( ... ) . Só acrescentarei que as do dito rio colateral, como alguns dizem, se des/izeram '· por causa das bulhas e excomunhões., que houve de parte a parte, entre os dois vigários de Mato Grosso e cuido que do Goiazes, sumindO:se totalmente o ouro" (p. 76). E mais adiante continua: "Nas terras intermédias dos Rios Tapajós e Madeira, nas suas cabeceiras es­tão as ricas minas de Goiazes; correndo _para Leste estão as outras de Cuiabá e finalmente toda esta Chapada ( .. . ). A mesma abundância há em diamantes e mais pedras preciosas, pois para além da Serra do Frio, onde só · se permitem e trabalham as minas de diamantes, pelos seus contratadores, há quem afirme que no Rio Madeira deságua outro, que pela sua quantidade é chamado Paiol dos Diamantes. No Rio Xin­gu deságua o Rio Claro, com o mesmo nome de Paiol dos Diamantes; e tal nome tem outro rio, que deságua no Tocantins, onde atualmente, como também no Xingu, andam escoltas para as vigiarem. A sua mul­tidão, testemunhava um soldado que fugiu da dita escolta do Rio Claro com duas libras de diamantes, que salvou retirando-se para as missões espanholas no Rio Madeira" ( ... ) "mas sem ser necessário subir rios acima à pesca do ouro, nas mesmas vizinhanças da cídade do Pará, es­tão umas minas de ouro, como afirmou um moribundo que na hora da morte consultou ao seu confessor, se era ou não obrigado a declará-las, e como o confessor lhe respondeu que não, ficaram ainda ocultas; mas o tempo pouco a pouco as irá descobrindo" (p. 77).

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Alguma realidade, muitos mitos, tudo à mistura com as contendas que a "descoberta" de metais preciosos fazem desencadear devido à desmedida ambição do homem do povo e das classes mais destacadas - como o clero da época - cada um à busca do maior quinhão na partilha.

O que parece, no meio de tudo isto, é que o ouro negociado pela Com­panhia e pelos colonos provinha das jazidas existentes nessa emaranhada re­de fluvial do grande rio que é o Amazonas.

Mas o Padre João Daniel não deixou de lançar o seu aviso: "Ainda que a principal riqueza das terras não consista em ter muitos

minerais, mas sim em ser fértil o seu terreno, assim como a riqueza dos moradores não consiste em tratar e manear ouros e outros metais, mas sim em ter abundância de víveres para sustento de suas casas, como se vê no grande Egipto e em muitos outros reinos, aonde a fertilidade das suas terras são invejada riqueza dos seus habitantes, posto que a falta de minerais seja grande" (p. 2g9) ,

Dos 38 consignadores de ouro constantes da relação (volume 2 deste tra­balho), apontam-se os nomes de António Lopes, padre, provedor da fregue­sia das Mercês; João de São José, 9ispo do Pará; Frei José de Morais; e Manuel Rezende, Procurador da Coroa no Mato Grosso. Todos tinham um objetivo comum: fazer pela vida, sem olhar a meios.

Reconhecemos o quanto abusamos das transcrições. Fizemo-lo por igno­rar outras fontes de informação · sobre este importante problema do ouro e, por isso, recorretnos às ,que estavam ao nosso alcance.

* * * Passemos agora a apreciar o quadro de gêneros pertencentes a colonos e

vindos à consignação da Companhia. Contém a discriminação dos principais "efeitos", segundo as áreas de procedência;

Do Maranhão Do Pará Total

Designação Valor Valor Valor

Arroba da Arroba da Arroba da venda venda venda

Algodão em rama • 72.305 609.960$ 3.422 29.087$ 75.727 639.047$ Cacau 272 942$ 47.326 186.610$ 47 • .598 187 . .5S2$

Ouro em pó 161.277$ 161.277$ Atanados e couros em cabelo - n.0 41.493 109.022$ 40.792 48.086$ 82.285 157.108$ Arroz descascado 56.954 54.098$ 16.293 13.509$ 73.247 67.607$

Salsa 3.522 3.5.144$ 3.522 35.144$ Café 8.267 32.796$ 8.267 32.796$

Cravo fino e grosso 1.539 11.026$ 1..539 11,026$

Urucu 451 8.679$ 4.57 8.679$

Soma 774.022$ .526.214$ 1.300.236$

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Quer dizer: do total dos gêneros pertencentes a colonos consignados à Companhia, 96,0% foram considerados no quadro acima. Por outro lado, as remessas dos colonos representaram 19,7% do total de gêneros proceden­tes do Brasil, sendo que vieram do Maranhão 57,9%, e do Pará, 42,1 %. Os quatro primeiros lugares, segundo a ordem de valores, couberam ao ai· godão em rama, cacau, ouro e atanados, meios de sola e couros em cabelo.

Note-se bem que nos ocupamos da parte efetivamente registrada: a ex· portação pelas vias estabelecidas. E a quanto montará a saída por meios frau· dulentos, como anteriormente apontamos? Não é possível quantificá-la, em­bora estejamos conscientes de que não deveria ser pequena. No fundo, a Companhia, em certos aspectos, não assumiu a posição de dureza, de intran­sigência, que se poderia supor, em face da situação influente que desfrutava junto do poder político. ~ que, possivelmente, ela mesma reconhecera o lado antipático de qualquer atitude.

Não nos esqueçamos de que a empresa não podia exercer comércio a retalho, nem nas vilas e cidades, nem no sertão. E isso a colocava numa posição de dependência perante os colonos, muitos dos quais ela própria fi. zera transportar para o Brasil, precisamente para os utilizar na tarefa do negócio do mato. A partir de dado período (não localizável), os lavradores e os pequenos negociantes eram-lhe devedores de avultadas somas, acumula­das por incúria dos administradores locais, menosprezando por interesse pes­soal as instruções recebidas para não darem de fiado aos que não possuíssem evidentes condições de solver os compromissos assumidos. Portanto, havia, em alguma medida, de condescender com certas camadas de devedores, para tentar assegurar o montante das dívidas.

Foi uma situação extremamente melindrosa com que a Companhia se debateu por longos anos. Tentaremos esclarecer este ponto no capítufo próprio.

, As cifras constantes do quadro relativo a gêneros de colonos correspon­dem ao exato valor da sua venda em leilão; e é desse total que a Companhia, na altura devida, fazia o desconto das despesas efetuadas: frete, direitos e outras alcavalas, e a comissão da empresa - como assinalamos anteriormente.

* * * Restam agora outros elementos elucidativos: a indicação dos valores mé­

dios de conjunto (percentuais) dos encargos suportados pelos gêneros vindos do Brasil e, depois, o problema da faturação dos produtos. Para o primeiro caso escolhemos 13 dos principais, pertencentes à Companhia. Procuramos determinar as taxas nas duas fases da vida da empresa: o período do mo~o­pólio e a fase seguinte, que poderemos apelidar de comércio livre, mas que no fundo corresponde à da cobrança das dívidas e à liquidação do patrimô­nio, móvel e imóvel, em que a Comissão Liquidatária assume a orientação dos negócios.

~ evidente que os valores percentuais variaram no decurso dos anos -como se deu, por exemplo, com o café e o cacau. Em todo o caso, do estudo atento da escrita (e cuia compreensão - mesmo superficialmente - nos ocupou mais de .três meses antes que iniciássemos os levantamentos) ficamos com a impressão de que em muitas faturas os produtos eram sobrecarregados com

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hipotéticas despesas, talvez para poder obter maiores benefícios. Como se sabe, os encargos eram agrupados em quatro grandes rubricas: despesas na origem, frete, direitos aduaneiros e despesas na Casa da tndia, e comissão da Companhia. Esta incidia em todos os produtos e aplicava-se sobre o valor do custo e mais as despesas. Foi uma boa fonte de rendimento de que a Com-. panhia usufruiu.

Considerando os 13 principais produtos trazidos do Brasil, temos as se­guintes percentagens:

Do Maranhão Do Pará Designação Até De 1779 Até De 1779

1778 em diante 1778 em diante

1) Aguardente .... . .... 53,1 72,0

2) Algodão em rama .... 41,9 44,6 26,0 71,2

3) Arroz descascado .. .. 43,9 43,7 53,1 62,1

4) Atanados, meios de sola e couros .. . ... . ..... 42,9 45,4 52,3 64,1

5) Cacau ............. 45,2 42,2 54,3 72,1

6) Café . 55,9 70,3 . . . . . . . . . . . . . . . 7) Cravo fino .... . ..... 46,0 55,1 59,0

8) Cravo grosso .. .. .... 58,7 69,0

9) Gengibre ...... . .. . . 33,8

10) óleo de copaúva .... 53,4 69,8

11) Puxeri ............. 62,4

12) Salsa ..... . . ....... 48,2 52,1 68,0

13) Urucu ............. 59,6 60,1

No que respeita ao Maranhão, a perda do monopólio não produziu al­terações sensíveis, para mais, nos encargos - antes em alguns verificou-se um decréscimo. Esta área não pode servir de exemplo para esta apreciação, uma vez que, com a extinção do monopólio, as exportações decaíram bastan­te. Outro tanto não se deu com o Pará, em que todas as despesas aumentaram muito, no geral mais de 10 pontos percentuais, ou, no mínimo - um · único caso -, o urucu, apenas 1,5. Naturalmente o que o quadro sugere é que as despesas de conjunto no Maranhão foram, em regra, sempre inferiores às que oneraram os gêneros do Pará. Ao fato não deve ser estranha a maior distância que separa esta região de Lisboa e o longo tempo de estadia dos navios, aguardando carregamento.

Tanto quanto a escrita o permitiu, efetuamos um levantamento, por anos, da comissão da Companhia, que incidiu sobre o valor das faturas do Mara-

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nhão e do Pará, para se aquilatar das variações percentuais em cada um dos locais. Só a partir de 1761 a .contabilidade consentiu um apanhado mais apro­ximado da realidade. Nessa ordem de idéias, determinamos os seguintes va­lores (%):

Comissão da Companhia Comissão da Companhia Anos Anos

Maranhão Parâ Maranhão Parâ

1761 1,8 6,9 1773 2,2 3,4 1762 3,3 2,8 1774 2,3 3,2 1763 2,5 3,5 1775 2,1 3,0

f

1764 2,2 4,2 1776 2,4 3,0 · 1110 2,6 6,0 1777 1,6 0,6

1771 2,5. 6,4 1778 2,0 0,8 1772 2,3 4,1 1779/1785 3,2 5,9

De modo geral, os encargos que recaíam sobre os gêneros do Pará foram superiores aos do Maranhão. Como se vê, há um lapso de tempo, de 1765 a 1769, em que não foram encontrados os livros de "Entradas", .que supomos se tenham extraviado antes do inventário geral levado a efeito, em data que ignoramos, pelo Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, De resto, quem se der ao cuidado de consultar os quadros estatísticos apensos aos documentos n.08 49 e 54 do volume 2 deste trabalho verificará facilmente a inexistência de produtos procedentes do Brasil. Contrariamente, os livros de "Carregação" estão completos.' E isto fica patente na seqüência dos registros do movimento comercial em todos os anos, desde 1756 a 1778 e seguintes, sem nenhuma in­terrupção. Daí que se deva desde já reafirmar que os totais apurados (e ex­pressos neste .trabalho), na parte dos gêneros do Brasil, são inferiores aos reais, precisamente pela referida falta de livros. Ou não teria havido qualquer mo­vimento nesse período? Não aceitamos a hipótese, uma vez que em todo aquele período de tenipo está registrado o movimento do setor Bissau-Cacheu, Cabo Verde e Lisboa, do primeiro deles com destino ao Maranhão e Pará. As saídas de escravos, de panos de algodão, da urzela - pelo menos - confir­mam-no irrefutavelmente. Por outro lado, a partida de Lisboa para os diversos setores de comércio naquele período de tempo auxilia a corroborar o ponto de vista apresentado. A menos que se admita a movimentação de navios com mer­cadorias e escravos, regressando a Portugal vazios, em lastro. A Companhia era, em todo o seu conjunto, uma instituição mercantil devidamente organi­zada, com fins lucrativos, e isto indica que em caso algum ela se daria ao luxo de movimentar a sua frota para as tripulações fazerem turismo. Os en­cargos com a manutençã'o dos navios e as soldadas das tripulações eram de si bastante elevadas.

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Mas quase todas estas altas parecem ter resultado da circunstância de os produtores e negociantes, ao saberem da extinção do monopólio, terem exigido o pagamento de preços mais elevados do que Ôii"anterionnente praticados, e que a Companhia se viu obrigada a pagar, pois os produtos, nessa fase, eram­lhe entregues para amortização, ou liquidação, das enormes dívidas contraí­das na empresa em anos passados, como os fornecimentos de fazendas e de escravos com o compromisso de serem liquidados em gêneros e em prazos variáveis de um a três anos. Não admira, pois, que a Companhia se tivesse conformado com a 'exigência, uma vez que a cobrança dos seus créditos desde logo se apresentou muito difícil ou mesmo duvidosa, na maioria dos casos. Es­se é outro problema a analisar mais adiante.

Dentre as dúvidas que a contabilização das faturas dos gêneros vindos do Brasil levantam, uma é, quanto a nós, de destacar: os preços constantes das faturas são em moeda provincial ou correspondiam já à conversão ao mil réis europeu? :e: que, mesmo antes da fundação da Companhia, a moeda provincial estava desvalorizada em relação ao mil réis numa percentagem va­riável, segundó as flutuações do mercado local. Ora, para evitar desvios ou par,a legalizar a situação, pelo decreto de 12 de novembro de 1773, ficou estabelecido:

" ... entre o 1valor da moeda corrente de Portugal e o da moeda provincial do Pará e Maranhão se dão 10% de menor valor estabeleci­dos pela senhoriagem e braçagem, com o fim de impedir a extração da referida moeda para fora daquele Estado onde se faz precisa para con­solidar o negócio interno" 68•

O que não sofre contestação são os gastos com o desembaraço alfan­degário e outros, em Lisboa, pois esses eram pagos em moeda circulante em Portugal.

Segundo se deduz, em Lisboa, a "Entrada" dos produtos fazia-se pela transcrição nos livros de contabilidade das faturas vindas com as carrega­ções. Sendo assim, julgamos que nem no Maranhão nem no Pará deveriam atualizar os preços, cobrindo0os com a diferença cambial de modo a ficarem equiparados à moeda de Lisboa, tanto mais que na origem as despesas, como embalagem, carreto, ver-o-peso e outras, eram de certeza pagas em moeda provincial. Se se aceitar esta hipótese, o lançamento _ das faturas com os preços na origem representa uma das formas sutis quê_ a. empresa utilizava para amealhar as mais valias, avolumando assim os seus lucros.

Na impossibilidade de esclarecer cabalmente o problema, decidimos ela­borar tabelas de preços dos produtos na origem (e tal como estão expressos nas respectivas faturas), segundo onze dos principais gêneros exportados para Lisboa, de modo a mostrar as oscilações havidas no decurso de cada período. Para o efeito, consideramos quatro grupos poli-anuais: 1758/1764, 1170/ 1774, 1775/1778 e 1779/1?85, como a seguir apresentamos.

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Algodão em rama Arroz descascado Atanados e meios Anos de sola (por arroba) (por arroba) (por arrátel)

1

, Maranhão Pará Maranhão Pará Maranhão Pará

1758/1764 2.000 3.600 23

3.800 29

4.000 34

4.700 38

1770/1774 3.200 4.000 300 500 30

400 775 - 50

500 70

80

1775/1778 3.200 4.800 400 500 3Q

4.000 500 50

4.800 550 70 80

1779./1785 3.200 4.000 40Ô 640 , 30 20

3.400 4.400 550 660 50 21

4.000 4.800 600 700 60 22

4.100 5.400 650 750 70 25

4.200 6.160 680 1.050 80 34

4.400 6.400 700 1.100 50

4.450 7.500 750 1.200

4.500 8.300 900 1.280.

4.600 8.400 1.300

4.800 1.350

5.000 - 1.920.

6.000

6.300

7.000

7.700

8.000

8.900 9.100

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Cacau Café Couros em cabelo Anos (por arroba) (por arroba) (unidade)

Maranhão Pará Maranhão Pará Maranhão Pará

1758/1764 2.000 1.390 2.350 720 560

1.410 2.380 900 640

1.500 2.398 1.100 700

1.600 2.400 1.200 750

2.380 2.500 900

2.500 2.640 1.000

2.830

1770/1774 1.600 1.500 2.500 2.400 1.130 500

1.650 1.700 750

1775/1778 1.600 1.500 2.400 2.400 2.200

2.669

1779/1784 1.600 1.400 2.400 620

1.650 1.500 2.500 460

1.600 2.600 700

'1.750 3.800

2.250 3.900

2.300 4.000

2.400 4.400

1758/1764 5.300 4.500 3.000 2.800 1.600 "p-·

5.020 3.200 1.792

5.370 2.000

5.760 2.240

1770/1774 4.500 2.400 2.240

4.800 2.800

1775/1778 4.500 4.000 2.400 1.600 2.240

5.000 4.500 2.400

4.800 2.240

2.400

' 4.80Ó -209

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Anos Cravo fino

(arroba) Cravo grosso

(arroba) Gengfüre (arroba)

Maranhão -Pará Maranhão Pará Maranhão Pará

1779/1785 4.000

Períodos

1758/1764

1770/1778

1779/1785

4.800 5.000 6.200 6.400 7.400 8.500 8.700

ôleo de copaúva .(canada)

Maranhãó Pará

1.440 1.100 1.920 1.700

1.000

2.000 2.200 2.600

'

2.400 3.200 3.400 3.500 4.000

Salsa (arrobas)

Maranhão Pará

4.800

').ooo 4.800

3.000 4.800

6.400 6.600 6.660 6.900 7.000 7.200 8.000 9.000

10.000

Todos estes preços correspondem aos das faturas vindas do Brasil~ de­preendend0rse que em mil réis provinciais, quando contabilizadas em arro­bas, a réis, quando em arráteís (o caso dos atanados), e à unidade, como os couros em çabelo. Há uma exceção para o óleo de copaúva, faturado à canada.

Notam-se desde o início certas osdiaçõe.s nos preços, mais sensíveis nuns produtos do que noutros. As subidas mais ·significativas verificaram-se no úl­timo período dá atividade da empresa. Sãó Oi casos do algodão em rama, que subiu de 5 .000 a 9 .100 réis a arroba; do arroz descascado, que passou de 750 réis para 1.920; do cacau, de 1.400 ;(2.400 réis; do cravo fino, de 4. 000 a 8. 700; da salsa, de 4. 800 a ,10 J)OO réis, todos procedentes do Pará. No Maranhão, as transações quase que cessaram a partir de 1778, e assim pouco de assinalável se verifica.

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7.4. Para fecho deste capítulo, tr~taremos da saída de gêneros prove­nientes dos setores de Bissau-Cacheu, Cabo Verde e Brasil, com destino ao estrangeiro, o que talvez devêssemos classificar de reexportação. Foram eles em número reduzido. Todavia, o seu valor e os lucros auferidos podem ser considerados bastante significativos.

Assim, temos:

• do setor Bissau-Cacheu, a cera de abelhas e o marfim para o Rio de Janeiro;

• do. setor de Cabo Verde, a urzela, para vários países da Europa; • do setor do Brasil, o algodão em rama, o cravo fino e o cravo grosso,

igualmente para a Europa.

Há ainda uma pequena quantidade de urzela procedente dos Açores, Madeira, Farilhões e Cascais que, conjuntamente com a de Cabo Verde, se­guiu para o estrangeiro. Quantitativamente, tem pouço interesse.

Vejamos, portanto, os gêneros apontados segundo os valores e destinos, e os preços de faturação:

Para o Rio de /aneiro: Cera de abelhas ..... . .. . ... .

Marfim . , .... li • '- ••• 1 • ;f •• , •

Para a Europa:

Urzela: Amsterdã

Gênova

Londres

Marselha

Cravo fino: Gênova ...... . ... . .. .

Cravo grosso: Gênova .. . .... . . . . .

Algodão em rama: Gênova

Hamburgo

Londres

Marselha

Ruão

27 .191. 638

58 .016

156.114 . 396

1.178.250

191.425 .448

25.576 .726

14.541. 908

4 . 120. 708

101. 756 . 317

_6.312.241

39.226 . 880

55.255.705

27.249 . 654

374.294.820

18.662.616

1.038.945.727 1.241 .496.870

·Total . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1. 661 . 703 . 960

Nestas vendas para o estrangeiro, o algodão em rama ocupou o primeiro lugar, com 74,7%, seguido já à distância pela urzela, com 22,5% e, em posi­ções secundárias, a cera e o marfim (estes com um cunho meramente simbólico), com 1,7%, e pelo cravo, com 1,1 %.

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No algodão, o principal cliente foi a França, com 85,7%, seguido da Itá­lia, com 8,2%. O resto pouco representa.

Voltamos a repetir que os valores indicados são os de fatura, porquanto as vendas foram efetuadas por cotações bastante superiores. Outra vantagem obtida nessas negociações liga-se à obtenção de moedas valorizadas, como a libra. Embora os dados referenciados não nos permitiam ir além de 1774 (úl· timo ano em que se escrituraram os "Balanços"), podemos dizer que, por pa­radoxal que pareça, a urzela vendida no estrangeiro, ainda que os seus valores fossem mais baixos do que os do algodão, produziu um lucro líquido (acumu­lado) de 209. 593. 031 réis, ao passo que o lucro acumulado do algodão se situou nos 104. 553. 925 réis. Será que houve lançamentos posteriores não de­tectados por nós? Neste caso, podemos dizer o mesmo em relação à urzela. :É preciso ilinda ter em consideração que, neste aspecto, não devemos confiar cegamente em eertos registros contabilísticos, porque houve na conta de "Lu­cros Acumulados" uma rubrica que se- assemelhava a um cambão onde tudo ia desaguar, e que tinha a designação de "lucros em fazendas e efeitos de África e do Brasil", na qual poderiam ter sido incluídos os lucros de alguns desses produtos expedidos para o estrangeiro: de um lado, os lucros segundo cada setor de comércio, e um outro sob o título de "Lucros de fora do Reino". A par destes havia mais as seguintes contas de lucros: "Fazendas e efeitos de África e do Brasil"; "Urzela de Cabo Verde"; "Algodão do Maranhão e Pará"; "Escravos de Guiné e Angola"; "Fretes de embarcações". Como os prejuízos foram pequenos, o "Balanço" tem apenas três contas específicas (de 1756 a 1774): "Fazendas e efeitos de África e do Brasil"; "Escravos de Guiné e An­gola"; "Navios e seu costeamento".

Estas contas serão objeto de análise em outro capítulo.

Bibliografia e Notas do Capítulo 5

1. BRASIO, Padre António. Monumenta missionária africana. 2. série, v. 4, "Africa ocidental (1600-1622)". Lisboa, 1968, Doe. n. 52, de 1606, onde se faz uma descrição das diversas cerimônias mágicas adotadas, p. 195-196.

2. CHAI. Ver Carta ânua do Padre Baltasar Barreira. Monumenta missionária afri­cana, 2. série, v. 4, "Africa Ocidental (1600-1622)", Doe. n. 100, p. 183, onde se faz a descrição e se dá a definição do vocábulo. Sobre o assunto existe bastante bibliografia, da qual destacamos: DORNELHA, André. Descrição da Serra Leoa e dos rios de Guiné do Cabo Verde - 1625, com anotações e comentários de Teixeira da Mota. Paul Hair e Léon Bourdon. Lisboa, 1977, p. 312; MOTA, Teixeira da. As viagens do Bispo D. Frei Vitoriano Portuense à Guiné e a cristianização dos reis de Bissau. Lisboa, 1974. O vocá­bulo variou, através dos tempos, e segundo as áreas culturais, de significado: adultério, enredo, intriga, maranha, falsidade, transgressão das normas de conduta social etc.

3. AHU. "Guiné. Papéis avulsos". Caixa n. 11, Doe. n. 47, de 27 de julho de 1777. 4. PEREIRA, Duarte Pacheco. Esmeraldo de Situ Orbis - 1506-1508, Memória

n. 19 do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, texto de Raymond Mauny. Bissau, 1956, p. 60 . .

5. MOTA, A. Teixeira da. A viagem do navio "Santiago" à Serra Leoa e ao rio de S. Domingos em 1526 (Livro de armação). Separata n. 53 do Agrupamento de Estudos de Cartografia Antiga. Lisboa, 1969, p. 29.

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6. Jila ou Djula. Negociante ambulante, em regra Mandinga, que atuava (e atua ainda hoje) do Senegal à Serra Leoa, vendendo toda a gama de mercadorias (desde teci­dos a adornos) e adquirindo cola, anil vegetal, ferro em barra e, outrora, escravos para revenda. Foi o substituto do Lançado dos tempos antigos ou com ele concorreu.

7. Tabanca, grupo de palhotas de tipo africano, cobertas a colmo, compostos por uma série de moranças (palhotas de uma mesma família extensa): povoado.

8. AHMF-CGGPM. "Cacheu. Papéis avulsos". Maço XV /0/46. Carta assinada por Lourenço José Viana e Pedro Roiz Sousa, em 8 de maio de 1762.

9 . Doe. n. 14, v. 2 desta obra. 10. Doe. n. 17, v. 2 desta obra. 11. Doe. n. 12 e 48, v. 2 desta obra. 12. Doe. n. 12, v. 2 desta obra. 13. Doe. n. 14, v. 2, livro XV /V /9, desta obra. 14. Doe. n. 20, v. 2, livro XV /V /9, desta obra. 15. Doe. n. 23, v. 2, livro XV /V /9, desta obra. 16. AHMF-CGGPM. "Diário", XV/R/15, 1789-1814. 17 .. Doe. n. 24, v. 2 desta obra. 18. AHMF-CGGPM. Livros "Diário", XV/R/10 e XV/R/12. 19. AHMF-CGGPM. "Diários" da Contabilidade, XV/R/10. Lançamentos n. 4793,

4795, 512 e 582. 20. AHMF-CGGPM. "Cacheu. Papéis avulsos". Maço XV/D/46. Carta de Cacheu

de 8-5-1762. 21. SARAIVA, José Mendes da Cunha. A Fortaleza de Bissau e a Companhia do

Grão-Pará e Maranhão. Publicações do Arquivo Histórico do Ministério das Finanças. Lisboa, 1947, p. 10-11.

22. Doe. n. 17, 18 e 19, v. 2 desta obra. 23 . Doe. n. 18, v. 2 desta obra. 24. Doe. n. 19, v. 2 desta obra. ("Carregação", XV /U /7). 25. AHMF-CGGPM. Livro de "Balanços" (1156-1774), XV/V/18. 26. OLIVEIRA MARTINS. O Brasil e as Colônias Portuguesas. 3. ed. Lisboa, Li·

vraria Bertrand, 1887, p. 56. O período transcrito repete-se numa 3.ª edição, sem indica­ção da impressora, do ano de 1888, e mesmo na 7.ª, de Guimarães & Cia. Editora, Lisboa, 1978, p. 58.

27. ANAIS DA BIBLIOTECA ·E ARQUIVO PúBLICO DO PARÁ. Belém, t. 2. lmprensa Oficial, 1902, p. 116-183. "Catequese do índio". Relato do Barão de Guarujá, datado de 1900.

28. LANDRY, Adolphe. Traité de démographie. Paris, Payot, 1949, p. 409-410. 29. AHMF-CGGPM. "Registro de Cartas do Pará", XV /V /27 ( 1760-1873 ), fls. 20 v.

Doe. n. 22 anexo ao v. 2 desta obra. 30. AHMF-CGGPM. "Registro de Cartas do Pará", XV/E/127 (1826-1832). Doe.

n. 25, anexo ao v. 2 desta obra. 31. AHMF-CGGPM. "Registro de Cartas do Pará", XV/E/127, Doe. n. 26, anexo

ao v. 2 desta obra. 32 . AHMF-CGGPM. "Registro de Cartas do Pará", XV/E/127. 33. Ápensos ao Doe. n. 27, do v. 2 desta obra. 34. Ver Panaria Cabo-verdiano-Guineense. 2. ed., Lisboa, 1983, fig. n. 95. 35. Arquivo dos Serviços de Finanças de Cabo Verde. Livro de "Balanços gerais

da receita e despesas da Tesouraria das Ilhas de Cabo Verde" (1790/1812). 36. AHMF-CGGPM. Livros "Diário", XV/R/3, XV/R/7, XV/R/10, XV/R/13,

XV/R/14 e XV/R/15.

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37. AHU. "Pará. Caixa n. 18 ( 1777)" - 739-F. Documento não ~atado, nem assinado, e do qual éxiste cópia na BNL.

38. AHMF-CGGPM. Livros "Diário", XV/R/3, XV/R/7, XV/R/10, XV/R/13, XV/R/14 e XV/R/15. E _de "Contas com a Fazenda Real", XV/S/5 e XV/S/12.

39 . AHU. "Pará. Caixa n. 18 (1777)". Documento não datado, nem assinado, e do qual existe uma cópia na BNL.

40. AHMF-CGGPM. Livros de "Contas com a Fazenda Real", XV /R/23 e XV /R/36; XV /S/5 e XV /S/12.

41. Sugerimos a leitura da Panaria Cabo-verdiano-Guineense. 2. ed. Lisboa, 1983, p. 214 + 129, gravura extratexto.

42 . Ver Doe. n. 16 e 20, v. 2 desta obra. 43. BRASIO, António. Monumenta missionária africana. 2. série, v. 5, "África

ocidental". Lisboa, 1779, Doe. n. 204, p. 525. 44. FEIJÓ, João da Silva. Ensaio e memórias econômicas sobre as Ilhas de Cabo

Verde (século XVIII). Lisboa, 1986, p. 7'9. · 45. AHMF-CGGPM. "Cacheu. Papéis avulsos", XV /D/46. Carta de 8-5-1762, assi­

nada por Lourenço José Viana e Pedro Roiz de Sousa. 46. AHMF-COOPM. "Cabo Verde. Papéis avulsos", XV/D/46. Carta de 18-6-1760,

assinada por Pedro Cardoso e João Freire de Andrade. 47. Panaria Cabo-verdiano-Guineense. 2. ed., Lisboa, 1983. 48. Doe. n. 52, v. 2 desta obra. Ficha Urze/a. 49. AHMF-CGGPM. "Diário" (1759-1779), n. 107, XV/V/9. 50. AHMF-CGGPM. "Cartas para o Maranhão", XV/R/52, n. 104, fls. 187. 51. AHMF-CGGPM. "Cartas para o Maranhão", XV /R/52. Cartas de 14-12-1771,

para os administradores da Parnaíba, Manuel José de Miranda e Agostinho José Rombo, sobre chumbo, pedra-ume e salitre.

52. AHMF-CGGPM. "Livro de registro de cartas'', XV /R'l35, fls. 475. Ver o Doe. n. 9, anexo ao v. 2 desta obra. Tem a designação de ''Directório Económico", datado de 25-6-1765.

53. AHMF-CGGPM. "Cartas para o Maranhão", n. 104, fls. 312-313, XV /R/52, de 26-9-1777. -

54. Apensos ao Doe. n. 27, v. 2 desta obra. 55. AHMF-CGGPM. Livro de "Registro de alvarás e ordens régias", n. 83 (7-7-1753

a 9-1-1879), XV /R/22. 56 . Doe. n. 41, v. 2 desta obra. Atenção aos vários preços por que o sal era fatu-

rado em Lisboa. A média geral do custo por moio dá 1.745 réis. 57 . Consultar os quadros estatísticos apensos ao Doe. n. 44, v. 2 desta obra. 58. Consultar o Doe. n. 44, v. 2 desta obra. 59. AHMF-CGGPM. "Cartas para o Maranhão", XV/R/52, n. 104, fls. 104. Carta

de 5-2-1760. . 60. AHMF-CGGPM. Livro de "Registro de leis e ordens régias", XV /R/25, fls. 40-41.

Decisão régia de 8-2-1760. 61 . AHMF-CGGPM. Livro de "Re.gistro de Cartas para o Maranhão", XV/R/52,

n. 104, p. 289. Carta de 30 de junho de 1777 para o Governador Joaquim de Melo e Póvoas.

62. AHMF-CGGPM. Livro de "Registro de leis e ordens régias", XV/R/25, fls. 13, 25 e 55-V, respectivamente.

63 . AHMF-CGGPM. Livro de "Registro de leis e ordens régias", XV /R/25, fls. 59 e 60. Isenção de direitos aduaneiros para o café durante 1 O anos. Decisão de 18 de janeiro de 1768.

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64. AHMF-CGGPM. Livro de "Registro de alvarás e ordens régias" n. 83 (7-7-1756 a 9-1-1789), XV /R/22. Isenção de pagamento de direitos de entrada dos escravos ven-didos pela Companhia. · ·

65. AHMF-CGGPM. Livro de "Registro de leis e ordens régias", XV /R/23, fls. 46-47. Imposição pela Alfândega do Maranhão de taxas pela visita aos navios com escra­vos e pela marcação destes com ferro quente, em 5 de junho de 1761.

66. ALMEIDA, Luís Ferrand de. "Problemas do comércio luso-espanhol nos mea­dos do século XVI". Revista de História Econômica e Social, n. 8, jul.-dez. 1981, p. 95-131. "Parecer de Sebastião José de Carvalho e Melo sobre um projeto de tratado de comércio com a Espanha" (17 50).

67. ANAIS DA BIBLIOTECA NACIONAL. Divisão de Publicações e Divulgação. T. 1, v. 95, 1976, p. 76. "Tesouro descoberto no Rio Amazonas", da autoria do Padre João Daniel, S. J., séc. XVIII.

68. AHMF-CGGPM. Livro de "Registro de leis e ordens régias", XV /R/22, n; 83 (7-7-1756 a 9-1-1879). Decreto de 12 de dezembro de 1773 desvalorizando a moeda provincial em 10% em relação ao mil réis de Portugal. Senhoriagem: era o direito que se pagava ao rei pela cunhagem de moeda. Contribuição que se pagava como reconheci­mento de um senhorio. Braçagem: trabalho braçal que se exigia ao povo.

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6 ALGUNS ASPECTOS DA AÇÃO DA COMPANHIA

NO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DO BRASIL

L Parece supérfluo repetir que o desenvolvimento econômico e popu· lacional do Maranhão e do Pará, na segunda metade do século XVIII, se ficou a dever em escala apreciável à ação desenvolvida pela Companhia mono­polista. ~ claro também que o sistema do exclusivo da navegação e do comér­cio teve os seus custos eéonômicos, sociais e até políticos. Temos de o aceitar, embora reconhecendo alguns dos aspectos negativos, pelo menos à luz do mo­mento atual, pois nele se alicerçou o mercantillsmo da época. Todo o mundo europeu o adotara. Talvez não tivesse sido tão contestado como foi, se a criação da empresa fosse consumada quando a Inglaterra, os Países Baixos e a França tomaram a iniciativa de enveredar pelos monopólios do gênero das Companhias das fodias Ocidentais e Orientais. Como quase em tudo, Portugal caminhou na cauda das realizações de qualquer natureza.

Os primeiros grandes passos dados no sentido de retirar o Maranhão e o Pará do marasmo e da miséria em que se encontravam foram a introdução da mão-de-obra compulsória e de colonos portugueses, acompanhada da ma­nutenção de importante frota que garantia regularmente as ligações com a Europa e, portanto, o escoamento dos produtos. Constituiu-se assim uma dupla que deu à economia uma dinâmica que ela estava longe de atingir, se se mantivesse atida à pequena força de trabalho, à minguada atividade, prati­camente de recoleção, permitida pelo índio. A par dessas deficiências, os de­tratores da Companhia, na sua maioria pequenos negociantes e "comissá­rios volantes", só podiam alimentar um reduzido negócio, enquanto este fosse livre, aproveitando-se de um ou outro navio que demandava o norte do Brasil. Aí vendiam a sua pacotilha, permutando bens de consumo por gêneros de produção local, para regressarem com eles a Portugal. Nunca poderiam incre­mentar a navegação nem os negócios. Sentiram-se, portanto, prejudicados com a criação do regime de monopólio, com o qual não podiam concordar. Por outro lado, esse reduzido grupo, carente de recursos financeiros para arcar

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com um empreendimento à escala exigida pelas necessidades de desenvolvi­mento de uma tão vasta região, nunca se compenetrou de que o limitado co­mércio livre, nas condições em que era exercido, não tinha possibilidades ma­teriais para chamar a si essa exaustiva tarefa. Entre dois males - o anêmico negócio feito pela insignificante frota que de longe em longe aportava ao Ma­ranhão e ao Pará e o sistema monopolista - Pombal não tergiversou, optando pelo último, possivelmente ele próprio reconhecendo os defeitos do exclusivo. Se outras razões não houvesse, basta recordar que, chamados os lavradores e negociantes do Maranhão e' do Pará a pronunciarem-se sobre o montante de capitais com que poderiam concorrer para a formação da Companhia (que eles mesmos exigiam) destinada à introdução na região de escravos africanos, depois de laboriosas negociações, a subscrição ficou limitada a 30/32 mil cruzados, ou seja, 12.800.000 réis! Este fato por si só dá uma imagem da mentalidade (e da_ capacidade financeira) dos negociantes e lavradores daque­les tempos. Não f azianí a mais pequena idéia do volume de capitais necessá­rios a um empreendimento tão importante. Se a Companhia, depois de insti­tuída, teve, de início, que recorrer a um emp~stimo de 72 contos de réis feito pelo rei, e anos volvidos a outro de 40 contos concedido pela Companhia de Pernambuco e Paraíba, como seria possível o arranque com a magra soma de 12 contos?! De resto, os quantitativos movimentados pela empresa - e a que fizemos alusão nos capítulos anteriores - constituem a melhor prova de que, só pelo sistema seguido, o setor Maranhão-Pará poderia sair do marasmo eco­nômico em que se encontrava quando da criação da Companhia.

2. Ao formar-se a Companhia, esta deparou-se com um problema (entre muitos outros) relacionado com o algodão em rama produzido no Maranhão. :E. que, a 1 O de setembro de 1738, por proposta do governador de então, bispo Frei D. Miguel de Bulhões, da Ordem dos Pregadores, e mediante parecer favorável do Conselho Ultramarino, havia sido concedida a Manuel de Albu­querque de Aguiar (ou Aguilar), autorização para "estabelecei: naquele Estado uma fábrica de algodão por tempo de 20 anos" 1, na qual fosse possível "man­dar fazer os panos ordinários para se fardarem as tropas com conveniência e asseio". Todas as entidades ouvidas foram favoráveis à concessão, "porque ainda que de ordinário seja mais conveniente remeterem-se os gêneros das conquistas em rama, ·e estabelecer-se a fábrica no Reino, é persuadido que no Estado do Maranhão, e nas circunstâncias presentes, se pode sem inconvenien­te mandar o contrário, porque cessam os motivos de atrair o negócio todo para o Reino, ou não embarcar um ramo dele ( ... ) e de não privar o mesmo reino do quê se consome na fábrica; e de haver nele aonde p~de ser mais útil. . , " 1 •

Como se vê, por essa altura havia quem defendesse a montagem de fá­bricas nas regiões produtoras de matérias-primas, o que necessariamente con­trariava, em parte, o princípio do chamado Pacto Colonial, segundo o qual as metrópoles não deveriam consentir na industrialização do seu ultramar, mas sim tirar dele as matérias-primas para serem beneficiadas ou servirem de base à indústria européia, de forma a vender produtos acabados.

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Considerava-se válida a concessão de 1738. Por isso, em 1756, a Com­panhia levantou a questão e foi mandada apreciar pelo Conselho Ultramarino. Este, a 10 de junho de 1756, foi de opinião de que, "antes de interpor o seu parecer nesta matéria, seja V.M. servido mandar que a Mesa da Companhia do Maranhão informe com o seu parecer, declarando-se-lhe que a fábrica esta­belecida na resolução de 10 de setembro de 1738 não teve efeito por faltarem aos fabricantes os meios de a acabarem de pôr em prática e se ausentou para Minas Gerais a quem se permitiu erigi-la" 1• Assinaram pelo Conselho Ultra­marino Alexandre Metelo de Sousa Meneses; António Lopes da Costa; Antó­nio de Azevedo Coutinho; Diogo Rangel de Almeida Castelo Branco; Tomé Joaquim da Costa Corte-Real e Rafael Pires Pardinho.

Entretanto, o bispo-governador, sem se saber bem das razões, mandou lançar um bando a proibir a exportação de algodão.

Sobre os assuntos pronunciou-se a Junta da Administração da Compa­nhia numa extensa informação, datada de 25 de junho de 1756 e assinada pelos seus oito membros: Rodrigo de Sande e Vasconcelos, António José dos Santos Pinto, Domingos de Bastos Viana, José Francisco da Cruz, Estêvão José de Almeida, Bento José Alvares, Manuel Francisco da Costa e João de Araújo Lima. .

·Dado o interesse dessa informação, vamos extratar alguns (poucos) dos seus trechos principais. De uma parte, os informantes concordaram com a instalação da "fábrica de tecidos ordinários de algodão" e (aparentemente) defenderam os interesses dos lavradores; mas, por outro lado, desçlisseram-se e, a finalizar, quase contrariaram a idéia.

Vejamos, pois, no essencial: "Considerou-se - escreveram - ·que, proibindo a exportação do

algodão para fora do Estado, se reduziria este material ao baixo pre­ço que já teve em tempos passados. E bem longe de se conseguir esse fim por meio semelhante, parece à Junta que o natural resulta de ele desanimar-se na altura, tirar ao Estado a importância quê produz este gênero, deixando ao lavrador sem esse benefício ao comércio, e ao Reino sem esse equivalente com que possa pagar os muitos gêneros que recebe, e a Fazenda Real sem os direitos que dele provêm" 2 •

E, a fundamentar o ponto de vista, trouxe a Junta à colação a questão da difusão da cultura de trigo na Inglaterra. A esse respeito diz a informação:

"Muito mais necessário do que o algodão que se faz no Pará em benefício da sua manufatura foi e será sempre o trigo e mais grãos que servem de alimento indispensável à conservação dos vassalos. E, tra­tando a Inglaterra de animar a cultura de gênero tão indispensável, não só proibiu a sua extração para fora do Reino e suas conquistas, como com mais sucesso se tinha praticado em outros governos da Europa, mas antes pelo contrário estabeleceu 10% de prêmio a todos os que trouxes­sem da Inglaterra para os reinos estranhos os referidos frutos. Foi mara­vilhosa a conseqüência deste estabelecimento porque toda a Inglaterra, e grande parte da sua Améri.ca, que com os seus trigos, cevadas e mais frutos da terra está inundando este Reino e outros da Europa. ( ... )

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Acresce.que a fábrica, ainda que estivesse no maior auge da sua perfei­ção, não poderia consumir a excessiva quantidade de algodão que podem produzir as terras do Estado, se os lavradores forem animados pelo co­mércio com a sua extração, sustentada pelos meios que ficam referidos. Pouco importa que o algodão esteja ,hoje mais caro do que esteve em tempos passados, se ainda assim acha consumo entre o"s estranhos" 2

E, depois de outras considerações, conclui: · "Em consideração ao referido, parece à Junta que será da real

grandeza de V.M. animar a fábrica do Pará, concedendo-lhe ··que fa­brique os panos ordinários para· o fardamento das tropas, porque esta factura servirá de ocupação aos povos que nela se empregarem. Porém, que o bando por onde se proibiu a extracção do algodão para fora do Estado se deve reformar pelos prejuízos que dele resultam, mandando V.M. que em seu lugar se façam públicos aos povos os privilégios e gratificações que V.M. for servido conceder a quem cultivar e extrair este género daquele Estado" 2•

O bando foi anulado e a Companhia passou a liderar a política de incen­tivos ao cultivador e de exportação do algodão, como teremos oportunidade de referir.

No entanto, por qualquer motivo que não conseguimos esclarecer, nos Arquivos da Companhia, a 18 ~e setembro de 1769, foi concedido a João Baptista Locatetli o "privilégio exclusivo de todo o algodão que se consumir nestes reinos, para uso das fábricas, pelo tempo de 10 anos, contados da data do alvará, assim como dos tecidos do gênero novament~ introduzidos, com o abatimento de todos os direitos e emolumentos" 8 • À primeira vista pode pa­recer que a concessão iria afetar os negócios da Companhia. Nada disso. Logo mais adiante uma outra cláusula do mesmo alvará estabeleceu que poderia mandar "preparar (o algodão) como entenda, o qual comprará à convenção das partes (leia-se: negócio livremente feito entre as partes interessadas) sem que a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão ou outro qualquer pro­prietário e negociante o possa vender a outra pessoa para os gastos deste Reino, mas sim e tão-somente para ser extraído para fora deles. E enquanto ao preço deve ser o do meio por que se arrematar para fora do Reino quando se arremate por diferentes preços, e sendo um só preço o pagará ele tanto à referida Companhia como aos particulares, não ficando contudo obrigados os donos a entregar-lhos sem proceder a seu arbítrio as diferenças que entende­r,em necessárias para o pronto pagamento no devido tempo dos seus ajustes" 3 •

A documentação a que nos reportamos dá a indicação segura de que os poderes constituídos, através de todos os seus departamentos, nunca atuavam por forma a prejudicar os interesses da instituição monopolista.

No Pará, "o algodão crescia espontâneo e copioso. Um documento -escreve Manoel Barata - dos primeiros tempos da colônia, dando notícias desta para a metrópole, refere que o algodão é sem conta, não fazem dele o proveito que podiam, nem do arroz, que silvestremente se produzem em tanta quantidade que podem carregar frotas". E logo adiante o mesmo autor acres­centa: "Durante quase todo o período colonial, e até os primeiros tempos do

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império, eram aqui tecidos com o algodão da terra os rolos de pano grosso, para a roupa dos índios e dos escravos africanos, e do mesmo algodão eram também fiados os novelos de fio, para a urdidura desse pano e da rede de dormir, cujo uso foi adotado dos indígenas, que lhe davam o nome de que­çaua (com o significado de algodão). Rara era a casa de família abastada em cujas varandas interiores não trabalhavam o descaroçador de algodão, a roda ·de fiar e o tear" 4•

Os novelos de fio de algodão corriam (já em 1732) como moeda, com valor arbitrário, e por isso mesmo se dizia que "era uma espécie de moeda falsa" 4•

Estas transcrições fundamentam bem a razão dos pedidos de instalação de fábricas de tecidos de algodão, ordinários, destinados à vestimenta de soldados e ao povo em geral.

Continuamos a apreciar a política da empresa em relação ao cultivo e exportação do algodão no decurso dos anos e dentro das limitações impostas pela falta de fontes de informação. Depois abordaremos alguns outros produtos.

~ inegável que a orientação imprimida ao aumento do volume do apanho e do cultivo dos gêneros do setor Maranhão-Pará foi sempre igual para uns e outros. Mas, como é óbvio, a empresa inclinava-se com maior ou menor incidência para os mais procurados nos mercados externos. Temos de recordar que em todos os tempos ela demonstrou possuir uma visão_ clara dos problemas econômicos e comerciais. E por isso mesmo se aproveitou, como temos apon­tado, oportunamente das conjunturas internacionais para delas colher inte­resses ou vantagens. Três exemplos: a guerra dos sete anos, a guerra da secessão da América e as lutas na península ibérica, estas últimas ocorridas depois de extinto o monopólio. A invasão da península ibérica prejudicou muito os interesses dos acionistas, em especial pela quase interrupção das car­reiras dos navios, com conseqüências gravosas para a cobrança das dívidas dos agricultores e negociantes no setor e para a liquidação do patrimônio da empresa. A estes fatos podemos ajuntar os negócios que a empresa empreen­deu com o extremo-oriente, encetados antes do termo do exclusivo e continua­dos depois, com a finalidade de assegurar os dividendos aos acionistas e ocorrer às despesas da Comissão Liquidatária.

Mas voltemos ao algodão. Tá em 176Ó, em carta de 22 de junho, ende­reçada aos administradores do Maranhão, ao apontar para um ·conjunto de produtos, não perde a Junta a oportunidade de dizer-lhes, em relação ao algo­dão: "o comércio do algodão em rama é também interessante pela grande extração que tem para os países estrangeiros. Nesta certeza animarão V.m. esses povos para que se apliquem com todo o desvelo em cultivar a referida plantação, expondo-lhes eficazmente as avultadas conveniências que dele podem tirar" 5•

Cinco anos passados, em carta de 10 de junho de 1765, também para a administração do Maranhão, renova a recomendação:

"O algodão é o gênero de que aqui se faz hoje a maior estimação; e por isso se deve preferir a sua remessa à de outros gêneros quaisquer. Para que

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haja maior abundância, recomendamos a V.m. animem esses povos quanto lhe for possível à cultura do algodão. Pela cópia do edital que V.m. nos reme­teram, foi presente a esta Junta a acertada providência com que V.m. desvane­ceram as falsas notícias com que algumas pessoas malévolas haviam espalhado nessa cidade de que V.m. não queriam comprar algodão para que, desanima­dos os lavradores de que podiam vender à Companhia com os luêros lícitos, o vendessem às ditas pessoas por diminutos preços" 6 •

O último período desta carta dá-nos a idéia das proporções da luta surda travada entre os lavradores e pequenos negociantes contra a Companhia, parte das vezes com o intuito de desorientar a opinião pública local e conseguir flutuações nas cotações do mercado interno que lhes poderiam ser vantajosas.

A consulta às listas das cotações atingidas pelo algodão durante alguns anos, e depois aos mapas de lucros acumulados, a inserir em capítulo próprio, permitirá um juízo ajustado dos resaj_tados conseguidos nestas e em outras transações.

* * *

3. Em relação ao arroz, quer no Maranhão, quer no Pará, os esforços feitos pela empresa podem ser considerados bons. Como é sabido, o arroz do Pará era o nativo, de cutícula vermelha (o chamado qrroz vermelho), de pouca aceitação nos mercados europeus, e "do qual só se serviam os moradores"; por isso, "foi substituído pela plantação e cultura do arroz branco da Carolina, introduzido em 1773" 4. Quer dizer, a Companhia teve de introduzir sementes de arroz da Carolina, importadas, para distribuir aos lavradores com vista à melhoria da qualidade, e ao mesmo tempo procedeu à montagem de moinhos de descasque e à difusão de pilões em áreas de produção mais reduzida, a ponto de mandar um moleiro especializado na montagem e funcionamento dos referidos moinhos. Não foi fácil convencer os agricultores das vantagens que poderiam tirar do cultivo intensivo e extensivo do arroz de qualidade, para substituir o nativo, de si muito quebradiço ao ser descascado nos moinhos.

Em carta de 2 de maio de 1767, a Companhia estabeleceu linhas de orien­tação para a intensificação do cultivo do arroz, nas condições que a seguir destacamos. Só que os resultados começaram à aparecer no Maranhão em 1770 e no Pará em 1773, isto a avaliar pelas primeiras exportações. Estas -segundo Manoel Barata 4 - ter-se-iam verificado a 9 de março de 1773 pelo ·"tenente-coronel, depois brigadeiro, Theodósio Constantino de Chermont, (que) embarcou para Lisboa, na corveta 'São Pedro Gonçalves', 30 sacos de arroz branco cultivado e descascado no seu engenho, e esta foi a primeira remessa deste gênero que daqui se fez" 4 •

De modo geral, nas instruções sobre o arroz, a Companhia dizia: " ... para a agricultura do arroz que V.m. nos asseguram se produz aí

com tanta abundância pelo que será um dos melhores ramos de comércio dessa terra, e por este. efeito devem contribuir com todas as diligências, persuadindo a todas as pessoas ao seu fabrico, prometendo-lhes comprar ou receber todo o arroz que ·cultivarem; já sabemos que este gênero se vende nessa cidade

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(de São Luís do Maranhão) aos alqueires; mas como nesta se compra por arrobas nos é preciso saber quantas arrobas tem um alqueire, e como não ignoram o preço que aqui alcança o dito gênero saberão calcular este negócio, isto tudo se entende depois de descascado, e a sua remessa pode ser feita em barris para a necessidade dos quais podem servir os que remetemos com fa­rinha e biscoitos, e sacas, e que tudo darão preferência" 7•

E, para não perder tempo, á Conwanhia contratou logo o moleiro "José de Carvalho, um dos mais peritos neste exercício, ao qual ajustamos pelo ordenado de 480.000 réis por ano, que principiará no dia em que embarcar nesta cidade até ao dia em que desse porto voltar, sendo à sua custa o sus­tento e todas as despesas que fizer com a sua pessoa e somente lhe concede­mos a passagem livre assim na ,ida como na volta. O sr. José de Carvalho leva na sua incumbência a disposição deste · cultivo para o que farão executar a este respeito todas as determinações, fazendo sementeiras do dito gêrrero, e construindo todos os engenhos que forem necessários e nos sítios em que lhe parecer conveniente, tendo mesmo a obrigação não só de ensinar o modo e forma de tratar o dito cultivo, mas também de laborar o engenho a todas as pessoas curiosas que queiram exercitar-se neste ministério. Não será fora de propósito lembrar que fazendo a Companhia despesas · com a conservação destes engenhos não será estranhável que os lavradores que trouxerem a eles o seu arroz que colherem deixem uma maquia da porção do mesmo, que sem os escandalizar possa servir para suavizar a despesa dos mesmos engenhos" 8

Todavia, a Companhia não se limitou ao recrutamento do moleiro. Muito antes disso, fizera embarcar, com passagens gratuitas, para Q Pará, 11 artí­fices destinados a dar apoio aos trabalhos de construção de edifícios, repara­ção de navios e outros que projetava levar a efeito. Nessa conformidade, em 1760, seguiu uma equipe constituída pelo mestre, Manuel Lopes da Silva; 6 carpinteiros: Agostinho da Silva Tavares, José da Costa, Félix José, Diogo Antunes, Pedro de Azevedo e João Lopes; 2 calafates: Ignácio Xavier e Domin­gos Macieira; e 2 serradores: Domingos Luís de Sousa Góis e Domingos ãa Costa Macieira. Assim tentava a'os poucos colmatar as carências de mão-de-obra especializada de que se queixavam com freqüência os seus admi'nistradores 8 •

Mas, em relação à referida maquia (ou percentagem) que os lavradores ou outros indivíduos deveriam pagar pelo descasque do arroz nos moinhos da Companhia - e com a finalidade de esclarecer os seus representantes quanto à r~zão que a levou a fixá-la - em carta de 2i de março d~ 1768, dirigida ao Maranhão, voltou a recomendar:

· "Das maquias que ordenamos a V.m. tirassem de todo o arroz que os particulares levarem aos moinhos da Companhia se nos não oferece dúvida se;am privilegiados os gov~rnadores e ministros e algum.as pessoas de quem a Companhia tiver dependência. O recomendo destas maquias e do que pro­duzir a sementeira que V.m. fizerem por conta da Companhia nos mandarão uma càrregação separada com cifrão cortado .do seu importe, condução, em­barque, para estas lhe serem abonadas e ter em contas separadas este cultivo, pondo nas ditas sacas uma divisa para conhecermos a conta a que pertencem;

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do mais arroz que V.m. comprarem por comércio podem formar outro carre­gamento ou vir incluído no dos mais efeitos" 7• A política seguida era sempre a de "não dar ponto sem nó".

As esperanças depositadas na atuação do moleiro e na sua perícia gora­ram-se. Não se adaptou ao meio e, cerca de quatro anos passados, nada resul­tara além da montagem de um diminuto número de moinhos de descasque de arroz, pelo que, em carta de 1771 para o governador Joaquim de Melo e Póvoas, a Companhia comunicava haver despedido o moleiro "devido ao moroso estabelecimento dos moinhos, dos quais a Companhia não colhera ne­nhuma utilidade", isto independentemente das grandes despesas feitas com ele. Em conseqüência, optara "pelo aumento do preço de compra do arroz (ao produtor) a fim de estimular a produção dos muitos agricultores fixados no Maranhão" 8 •

Ao próprio m(?leiro, a Companhia enviou uma carta a 14 de dezembro de 1771, em resposta à que ele escrevera à empresa a 23 de agosto do mesmo ano, "na qual pretende desculpar-se dos prejuízos e danos que esta Junta tem experimentado pelas dilatadas e longas demoras com que tem aparado as nossas paciências, inculcando ser tudo da emulação que encontra, e não falta de diligência e cuidado ( ... ) ao que certamente não correspondem dos poucos e mal sazonados frutos que dela temos colhido, no período de tempo de tantos anos, cuja bem funesta experiência de todo nos fazia mudar de resolução ... " 8

Escarmentada com a má e demorada atuação do moleiro, a 20 de dezem­bro de 1770, a Companhia expediu uma carta com instruções para o Mara· nhão, a estabelecer uma outra política sobre o arroz. Mesmo que seja um tanto longa, vamos respigar delas as partes essenciais que permitam avaliar do interesse que o produto merecia ao próprio mercado de Lisboa. Começa por realçar a necessidade de se aumentar o cultivo de todos os gêneros sus­cetíveis de aproveitamento; e, em relação ao arroz, diz: " ... ser o gênero tão necessário e de tanto consumo neste Reino, para mais animarmos estes lavra­dores a se empregarem com todo o seu desvelo na sua cultura, temos deter­minado que à chegada deste navio 'São Lázaro' que expedimos de Guiné (com escravos) façam pôr editais nos lugares 'públicos para que conste nos seus habitantes de toda e qualquer pessoa para levar aos armazéns dessa admi­nistração arroz descascado, ensacado e de boa qualidade se pagará pelo preço de 500 réis a arroba, pelo qual esta J uhta não terá outro benefício mais do que o poderem esses povos perceber a utilidade do seu trabalho e indústria ( ... ) porém não sendo esses lavradores contentes com o preço que lhes ofe­recemos comprar todo arroz que puderem levar, que é o mesmo que eles têm pedido, que o queiram embarcar por sua conta ( ... ) dando-se-lhe preferência a qualquer outra carga que possa haver pertencente à Companhia" 9•

Mas tudo isso poderia não seduzir os lavradores. E, para que se interes­sassem pela oferta, a carta acrescenta:

''E precisando os lavradores de fazendas ou dinheiro por conta do arroz que entregarem nesses armazéns ou para aumento da mesma cultura, suprirão o que julgarem acertado, e eles poderão precisar, atendendo porém sempre,

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vendo a intenção desta Junta, o aumento destas culturas em geral e desses povos, que também se devem V.m. lembrar em procurarem desempenhar das avultadas somas que estão devendo a esta Junta; e atendendo que nem todos os lavradores poderão ter a faculdade de descascarem o arroz conforme o pratica Lourenço Belfort, por falta de meios necessários para fazerem os enge­nhos de que ele usa ou poderá usar, V.m. os mandarão fazer por conta desta Junta para por eles se repartirem, ou dando-lhes a precisa assistência para eles os mandarem fazer, debitando-os das despesas que com eles fizerem; porém, se por causa da mesma lavoura de alguns desses lavradores, e por estes ou outros quaisquer motivos que possa haver-lhes, não faça conta des­cascarem o mesmo arroz, mas sim vendê-lo a essa administração por descascar, V.m. o comprarão pelo preço de 400 réis o alqueire, atendendo aos justos motivos que teve o sr. governador para assim o determinar, contanto porém que · não seja maior porção daquela a que esses moinhos possam dar expe­dição" 9 •

Foi, portanto, uma redefinição da política de ativação do cultivo, des­casque e comércio do arroz, procurando por meio do aumento de preços de compra e de facilidades de descasque e de exportação para Lisboa, em regime de consignação, conquistar a confiança dos lavradores. A empresa reconheceu que o arroz era um produto de grande consumo em Portugal e por isso me­recia ser incrementado o seu envio daquela área produtora.

Contudo, a Companhia não se limitou à adoção das providências enu­meradas. Em carta de 23 de junho de 1773, dirigida ao Maranhão, alterou os preços de compra ao produtor e insistiu na construção de mais moinhos para o descasque, invocando um despacho do secretário de Estado Martinho de Melo e Castro. Esse despacho está fundamentado na existência em Por­tugal de grandes estoques de arroz e, nessa ordem de idéias, mandou reduzir o preço do alqueire a pagar aos lavradores de 400 para 350 réis; e, ao mesmo tempo, a título de compensação, determina que, "para mais facilitarmos esses lavradores a descascar o arroz, mandarão fazer 50 moinhos e pilões, à imi­tação do que usa Lourenço Belfort, repartindo-se gratuitamente por aquelas pessoas que se quiserem aproveitar daquele método" 10•

Estas medidas não produziram os efeitos esperados e, em 29 de janeiro de 1773, a Junta ordenou a prática de "novos preços de compra: 400 réis com casca e 500 réis descascado, o alqueire" 10• Como resposta, a dependência do Maranhão informou que os lavradores haviam reagido mal às freqüentes alte­rações na política de preços e de facilidades que a empresa estava seguindo nos últimos anos.

A título de exceção, decidimos apresentar um quadro demonstrativo da evolução das compras efetuadas, isto para se aquilatar dos resultados obtidos com as orientações seguidas no decurso dos anos. 1! evidente que nos cingi­mos aos períodos em que a empresa agiu como monopolista, pois, a partir de 1779, as cifras modificaram muito os resultados. O quadro incluirá tanto os embarques de arroz- da Companhia como os que lhe foram confiados pelos colonos à consignação.

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Períodos

1770/1774

1775/1778

1773/1778

Soma

1770/1778

Total

Pertencente à Companhia

Do Maranhão Do Pará

Custo Custo Arroba em Arroba em

Lisboa Lisboa

125.862 78.457$

315.300 192.974$

47.444 54.074$

441.162 271.431$ 47.444 54.074$

Em regime de consignação

56.951 64.098$ 16.293 13.509$

498.113 335.529$ 63.737 67.583$

Preço médio

anual em Lisboa

$623

$612

1$140

$923

Média anual de expor­tações

(arrobas)

25.172

78.825

7.907

8.138

De 1770 a 1778 entraram em Lisboa 561.850 arrobas de arroz descas­cado, sendo 488.606 da Companhia e 73.244 pertencentes aos colonos. Os preços médios por arroba foram de pouco mais de 600 réis (posto em Lisboa), o do Maranhão, e de 1.140 réis, o do Pará. A diferença parece uma resultante da qualidade. O preço médio de 923 réis por arroba do arroz dos colonos corresponde ao da venda em leilão.

As médias de exportação são significativas no Maranhão, porquanto, de 25.172 arrobas/ano, no período de 1770 a 1774, passoú a 78.825 arrobas, nos três anos seguintes, de 1775 a 1778. Isto é um indicativo seguro de que a política de incentivos diversos deu os seus resultados positivos.

Do total chegado a Lisboa, 88,7% provieram -do Maranhão, e apenas 11,3%, do Pará.

* * *

4. Em 1760, a Companhia lançou uma tentativa de levar a efeito a criação do bicho-da-seda e, implicitamente, a plantação de amoreiras que ser­viriam de bas~ de aHmentação aos bichos . Para tanto, em carta de, 22 de junho daquele ano, comunicou aos administradores a sua decisão. Para a execução da tarefa, tempos antes, contratara um "encarregado da plantação das amoreiras e da criação dos bichos-da-seda, de nome António Carona", ao mesmo tempo que enviava centenas de plantas de amoreiras. A dado passo da carta, escreveu: "Os, antecessores de V.m. nos avisaram que o dito Carona terri cuidado de cumprir as suas obrigações com grande aplicação e que espe­ravam ver muito adiantada em breve tempo a referida cultura, segurando-nos que as estacas de amoreiras que se remeteram deste reino produziram muito, e pedindo-nos mais algumas, que remetemos. Nesta ocasião V.m. as farão

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dispor nos sítios que lhes parecer mais próprios para a sua produção e au­mento, aplicando à referida cultura e plantação quanto lhes for possível, na consideração que dela há-de resultar a esses povos uma grande opulência; e à Companhia um avultado interesse. Na primeira ocasião nos remeterão (V.m. uma amostra da seda fiada para vermos da sua qualidade" 5

Tudo isto redundou num autêntico fracasso. Foi uma decepção e de seme­lhante iniciativa nunca mais se falou. Conseguiram apenas 11 arráteis de seda, com o valor de 49.329 réis, que não deve ter chegado sequer para o paga­mento do salário de uma quinzena ao Carona!

Isto mostra que a Companhia sofreu também os seus desaires.

* * * 5. Outro produto em que a Companhia apostou, mas do qual tirou

magros resultados, foi o anil vegetal. Pediu e foi-lhe concedida, por 10 anos, a isenção de pagamento de direitos alfandegários para o anil, tal era a con­vicção que depositava no empreendimento. Em carta de 12 de julho de 1760 li, a Junta· dizia para o Maranhão ter "notícia que do anil se pode fazer uma grande extração dessa Capitania, para o mesmo fim recomendamos cuidem muito seriamente de aplicar esses povos da cultura do anil, prometendo-se que faremos extrair com grande conveniência tudo quanto cultivarem".

Também não passou de um sonho. Em todo o caso, ainda foram enviados para Lisboa 1.698,5 arráteis, com o valor de 1.851.450 r~is, um pouco mais que a seda. '

* * * 6. A administração da Companhia lançou-se a dada altura na compra

de gengibre, quer o de dourar, quer o de especiaria. A Junta da Administra­ção, porém, não se mostrou entusiasmada com a idéia e, logo, numa carta de 10 de junho de 1765, advertiu que: " ... o gengibre tem aqui muito pouco comércio, e só poderá introduzir-se nos países estrangeiros, sendo vendido por preço muito cômodo. O gengib're de dourar tem mais comércio; e o que reme­teram na frota passada ainda se acha em.ser 476 sacas, por não haver quem oferecesse maior preço do que o de 40 réis o arrátel" 6 - ou seja, 1.280 réis a ~rroba. Mas no entanto, em carta de 26 de novembro do mesmo ano, diri­gida ao Maranhão, esclarecia melhor a forma de atuar: "a respeito do gengi­bre, se não estanque este gênero em uma só pessoa, dando-lhes a liberdade de todos os que o queiram cultivar para o_ poderem remeter por sua conta a esta Junta; e neste caso não farão V.m. emprego algum do dito gênero, que somente comprovarão a aprovação que lhe temos determinado de 200 sacas, 100 de cada qualidade quando virem que vêm mais algum por conta de outrem, não se impedindo a quem o queira cultivar, e o mande por sua conta ... " Em face destas instruções é que, de 1759 a 1776, chegaram a Lisboa 29.654 arrobas, sendo 26.566 da Companhia, ao preço médio de 1.154 réis a arroba (posta em Lisboa); e 2.983 pertencentes a colonos e vindos à consignação, as quais foram vendidas em leilão, rendendo 7.213.884 réis, ou seja a 2.740 réis a arroba.

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7. Os atanados não mereceram sempre da parte da Companhia um mesmo interesse, pelo menos considerando o teor da carta de 10 de junho de 1765. Nela dizia para o Maranhão: "Os atanados também se venderam por preços muito diminutos, e fiados por largos tempos, em razão da grande abundância que presentemente produzem as muitas fábricas que há deste gênero. Será preciso que os fabricantes dessa Capitania se apurem e os fabri­quem de melhor qualidade para efeito de lhes dar saída. V .m. continuarão em os obrigar a pôr em cada um dos seus atanados diferentes marcas; para que a má qualidade de uns não faça perder a reputação dos outros e em todos cresça a ambição útil de fabricar melhor 6 •

Interpretamos estas instruções como o produto de uma conjuntura. Se consultarmos os quadros estatísticos de exportação do Maranhão e do Pará, quer da Companhia, quer dos colonos em regime de consignação, os subpro­dutos de origem animal (atanados, couros em cabelo e meios de sola), encon­tramos os seguintes números e valores:

Da Companhia: 343 . 090 unidades com o valor de 808 . 185$

À consignação: 55. 770 unidades vendidas por 126. 245$

Soma .... 398.860 934.430$

Obviamente que se a Companhia e os colonos se não tivessem interes­sado pelas compras, nunca os negócios teriam atingido as quantidades e valo­res apontados, isto a despeito de Portugal possuir uma mais aperfeiçoada técnica de preparo de cabedais.

De resto, a própria Companhia fomentou a instalaç?o em várias das suas dependências de fábricas de curtumes. Devem ter faltado, no entanto, os técnicos, para que o produto fosse bem acabado e assim melhor aceito nos mercados externos. Mais adiante voltaremos ao problema do gado.

* * *

8. Logicamente que não se reduziram a este diminuto número de gêne­ros os esforços da Companhia no sentido de melhorar a e·conomia das regiões, até porqu~ na maioria dos indicados figuram os que menos peso tiveram no movimento geral. Todavia, como não localizamos outras instruções indica­tivas da adoção de linhas de orientação quanto à maior parte dos gêneros, decidimos pela indicação daquelas sobre os quais, embora falhas· nos resul­tados ou com pequenos sucessos, a empresa tomou uma posição clara. :É. certo que, por exemplo, não foi necessário instruir as suas dependências para que procurassem incrementar o apanho e a compra do cacau, do café, do cravo, da salsa, do urucu etc., pois estes constituíam o grupo das chamadas "drogas do sertão", cuja recoleção e comercialização, por tradicionais, haviam entrado na rotina, e todos os agentes econômicos de parcos recursos viam neles a rázão de ser da sua atividade. Portanto, mesmo com os evidentes malogros, as poucas iniciativas que a Companhia teve, em particular as da construção

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de engenhos para descasque de arroz, a plantação da amoreira para criação do bicho-da-seda, representavam na época uma inovação que poderia ter efeitos benéficos na economia local. Por isso, mesmo com resultados negativos, me­reciam ser apontadas.

Entretanto, não queremos deixar de fazer um pequeno historial relacio­nado com a evolução do apanho e/ou cultivo do cacau e do café no Pará, embora em forma de síntese.

O cacau "era a princípio colhido nos matos, onde nascia espontanea­mente, e por isso chamado cacau bravo. A sua cultura, mandada fazer pela ordem régia de 1 de novembro de 1677, começou em 1678, e desde então o cacau cultivado foi chamado cacau manso. Pelo alvará de 30 de março de 1680, foram declarados livres de direitos, por tempo de 6 anos, o cacau culti­vado, a baunilha e o anil, que nos quatro anos seguintes pagariam metade dos direitos, como também ficou pagando meios direitos o cacau bravo, por tempo de 4 anos" 4 •

Os resultados obtidos com semelhantes incentivos foram consideráveis, a ponto de em 1730 existirem no Pará cerca de milhão e meio de pés de cacau cultivado; em 1749, esse número subiu mais 700 mil pés 4• O cres­cendo do cultivo entusiasmou os lavradores de outras áreas e "passou o cacau do Pará a ser plantado e cultivado na Bahia, que nele tem hoje em dia um dos seus principais produtos de exportação" 4.

Evidentemente que a plantação regular do cacaueiro não eliminou o cacau bravo. Subsistiram simbos numa espécie de concorrência, por vezes com reflexos nas cotações em razão da inferior qualidade do cacau bravo, quando em presença do cacau manso.

Os quadros que apresentaremos da produção do café, do cacau, do algo­dão em rama e do arroz descascado, oriundos do Pará, mostram bem a po­sição ocupada por esses quatro gêneros exportados para Portugal no período seguinte ao da extinção do monopólio.

"O café, como é sabido, foi o Pará o primeiro Estado do Brasil que o plantou, em 1727", assegura Manoel Barata. No entanto, .este mesmo autor elucida que "foram os holandeses os primeiros que, em 1720, introduziram a plantação do café na sua colônia do Surinam", e os "franceses de Caiena puderam, porém, consegui-lo clandestinamente, e o plantaram nessa colônia em 1723, procurando, todavia, por sua vez, monopolizá-lo ciosamente. Mas, do mesmo modo que dos holandeses o conseguiram os franceses, conseguiu também Francisco de Melo Palheta trazê-lo de Caiena para o Pará,. segundo se depreende do seu modo de dizer na petição" feita ao rei. "Além do mesmo Palheta, um dos primeiros que aqui plantaram e colheram o café em maior quantidade foi o abastado lavrador Agostinho Domingos de Sequeira, nas suas terras do rio Guamá. A primeira exportação que se fez do Pará para Lisboa foi em princípios do ano de 1732, na barca 'Santa Maria', em quanti­dade de sete libras, como amostra" 4 •

Daqui que, na resolução de 1.0 de abril de 174 7 e provisão de l.º de maio do mesmo ano, foi o café isento do pagamento de direitos por 10 anos e, por alvará de 29 de janeiro de 1768, essa.isenção foi prorrogada por mais 1 O anos 4 •

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A progressão do cultivo do café foi tal que "em 1749 eram no Pará mais de 17 .ooo' pés. Em dezembro do ano seguinte a frota do Pará entrou no porto de Lisboa com um carregamento de 4.835 arrobas, segundo a "Gazeta de Lisboa" de 29 de dezembro de 1750 4.

O séc;.ulo XVIII marcou a expansão do cultivo do cafezeiro, Em Cabo Verde teve início em São Nicolau, entre 1796 e 1797, com plantas trazidas das Guianas. Depois passou às ilhas do Fogo e Santo Antão. :e. que o café começou a ser muito apreciado nas sociedades européias, como estimulante. Ao fato não foi estranho o uso imoderado do açúcar.

* * *

9. Com resultados pouco vis1ve1s - ou até mesmo negativos - pode­mos apontar a tentativa de incrementar a difusão de "engenhocas" destinadas ao fabrico de aguardente. O secretário de Estado Francisco Xavier de Men­donça Furtado mandou para o efeito elaborar, .em 17 de junho de 1761, um questionário, cujo teor é o ·seguinte:

"1.0) Qual a: quantidade de aguardente que produzem as engenhocas

que há na Capitania do Maranhão? 2.0

) Que parte daquela quantidade se costuma consumir na cidade de São Luís do Maranhão?

3.0) Que urgência há ou não há do uso deste gênero, e para que se cos­

tuma aplicar? 4.0 ) Quais os interesses e os prejuízos públicos que há em conservar o

mesmo gênero? 5.º) Quais são os inconvenientes que sejam de se abolirem as mesas

engenhocas?" 11

Qual seria a intenção do secretário de Estado ao elaborar este questio­nário? Proibir a destilação de aguardente ou tentar incrementar a produção? Quanto a nós, os quesitos podem ser interpretados nos dois sentidos. S6 o conhecimento das respostas dadas e a decisão subseqüente poderiam elucidar cabalmente das intenções. A verdade é que a existência de cana sacarina no Pará remontava à época da ocupação da região amazônica. Manoel Barata, a esse respeito, escreveu em 1914: "a cana-de-açúcar ou cana doce era também de produção espontânea nas várzeas e margens baixas do rio. Muito antes de Francisco Caldeira de Castelo Branco chegar ao Pará (1616), já os holan­deses tinham nas suas feitorias no rio Xingu dois engenhos de açúcar de que carregavam alguns navios, com o mais que a terra dava .. . ) . Os primeiros engenhos que se estabeleceram, pouco depois da ocupação dos colonizadores portugueses, nas circunvizinhanças de Belém, como o de Feliciano Coelho, por ele montado em 1634, na sua Capitania do Camutá, moíam a cana indíge­na. No Memorial sobre as terras e gentes do Maranhão, Grão-Pará e Rio Ama­zonas, que o Padre Luiz Figueira apresentou ao governo de Felipe III em julho de 1637, diz ele, com referência ao Pará:

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"As terras são muito férteis, e se podem fazer infinitos engenhos de açú­car, porque estão nelas mui formosas canas, e a experiência tem mostrado que as canas do Maranhão ( ... ) rendem dobrado que as do Brasil, mas faltam homens que façam fazendas e que já no Maranhão há quatro engenhos e outros principiados e far-se-ão muitos facilmente se V.M. puser olhos naque­las conquistas, como se fez a António Barreiros" 4. E, logo mais adiante, acrescenta: "Em 1667 é que foi aqui plantada, por parecer de melhor quali­dade, a cana da Ilha da Madeira, transportada daquela ilha por ordem do mi­nistro e secretário de Estado, Conde de Castelo Melhor. Em 1740, o açúcar era moeda e dinheiro corrente na terra, como o cravo, o cacau e os novelos de fio de algodão. O valor monetário desse produto era taxado em 3 mil réis a arroba" 4.

Nos meados do século XVIII, a produção de aguardente de cana ron­dava o milhão e meio de pipas.

Como era evidente, o incremento do cultivo da cana e a instalação de engenhos colidiam com os interesses já criados na Bahia e em Pernambuco, onde, como se sabe, as terras de massapé produziam quantidades enormes de açúcar. Isso mesmo esclarece Manoel Barata. E o governo não podia consen­tir no aumento da produção sem ter assegurados mercados consumidores. O que existia no Maranhão, por esi;a altura, eram pequenas destilarias de aguar­dente, talvez mais orientadas para o abastecimento local do que para a expor­tação. E tanto assim deve ter sido que, durante a vigência do monopólio, a aguardente do Maranhão ocupou lugar insignificante nas saídas: 607 .800 réis! No Pará, porém, comparativamente com o seu vizinho, a exportação de aguar­dente atingiu os 28.365.391 réis. Se esta foi enviada para as regiões grande­mente consumidoras - as fornecedoras de escravos -, ainda assim pouco representou no conjunto exportado de Lisboa para Bissau e Cacheu: 101.736.207 réis. O principal fornecedor deve ter sido Portugal, cuja pro­dução poderia atingir cifras elevadas.

Voltando um pouco ao problema da cana e do açúcar, lembremo-nos apenas que, nos começos do século XVIII, André João Antonil 42 deixou uma extensa notícia sobre os engenhos de açúcar da Bahia, de Pernambuco e do Rio de Janeiro, estimando a produção exportável pelos seguintes valores: da Bahia, 14.500 caixas, com o valor total de 1.070.206.400 réis; de Pernambuco, 12.300 caixas, com o valor de 834.140.000 réis; do Rio de Janeiro, 10.220 caixas, com o valor de 630.796.400 réis, ou seja, no conjunto, a astronômica cifra de 2.535.142.800 réis! A Cultura e opulência do Brasil é uma narrativa desenvolvida que merece ser lida e meditada atentamente.

Não é de estranhar, contudo, uma produção tão elevada de açúcar no século XVIII. Quando em 1591 Domingos de Abreu e Brito, desembargador, foi mandado fazer Um inquérito à vida administrativa e económica de Angola e do Brasil, afirmou em seu relatório (1592) que, na "Capitania de Pernam­buco, há sessenta e três engenhos d'açúcares os quais moem e fazem cada um em cada safra de cada · um ano o menos que botam em tulha são seis mil arrobas d'açúcar, entrando na cópia das seis mil arrobas os açúcares pretos a

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que chamam mascavados que vem a fazer soma os ditos sessenta e três enge­nhos a seis mil arrobas um por outro 378 mil arrobas d'açúcar" 13• E a Coroa recebia o dízimo correspondente a este quantitativo em açúcar branco, o mais cotado: 1.000 réis a arroba.

Qualquer coisa como cinco mil e quinhentas toneladas de açúcares por ano!

* * *

10. Outra interrogação que se põe: qual a ação desenvolvida pela Com­panhia para incrementar a criação de gado? Por mais que tivéssemos pesqui­sado nos arquivos, nada encontramos, em carta ou instruções, a abordar o problema. No entanto, sabe-se perfeitamente que foi uma atividade de relevo, tanto no Maranhão como no Pará. Demonstramo-lo ao apresentar o quadro dos atanados. Entendemos que a criação de gado não se coadunava muito com a tendência mercantilista da empresa; e, assim, ela deixou-a à iniciativa e ao critério dos lavradores e, simultaneamente, aos próprios criadores de gado bovino. A criação de gado tinha raízes profundas em toda a parte nor­tenha, incluindo a Ilha de Marajó. Até o Arquipélago de Cabo Verde for­qeceu para ali gado aclimatado aos trópicos, para servir de reprodutor na grande ilha. A aceitar a tese de um autor brasileiro, "te.ria vindo em 1534 das ilhas de Cabo Verde para a povoação de São Vicente a primeira leva de gado bovino destinado ao Brasil"; "e, em 1644, Belém importa reses 'criou~ las' (107) procedentes de Cabo Verde que, apesar de criadas na zona subur­bana, pois a floresta limitava a árêa para a criação, se múltiplicam. Soltam-nas pouco tempo depois nas campinas marajoaras e esta experiência logo se re­vela promissora" 14

Um dos primeiros centros de criação de gado na zona amazônica foi a Ilha de Joanes (hoje mais conhecida por Ilha do Marajó), onde em 1680 se estabeleceram as primeiras fazendas. A Ilha Grande de J oanes constituiu uma Capitania e foi "concedida em donataria de juro e herdade por D. Afonso VI ao seu secretário de Estado António de Sousa de Macedo, por carta de doação de 23 de dezembro de 1665", segundo documento existente na Torre do Tombo. Transitou de mãos por várias vezes e, segundo "Alexandre Rodrigues Ferreira, na sua Notícia histórica da Ilha Grande de Joanes ou Maraj6" (Pará, 1783), foi Francisco Rodrigues Pereira, carpinteiro de ofício, por alcunha O Vilão, no lugar então chamado Amanigetuba, à margem esquerda do rio Arari, logo acima da sua boca, quem instalou uma fazenda. Pouco depois, estabeleceram-se mais acima as fazendas de Cachoeira, Pau Grande, Santa Rita, Curral de Meias, São Joaquim e a do Lago do Pará 14

Outros seguiram-lhe o exemplo e, em 1756, computavam-se em 400.000 as cabeças de gado nela existentes, isto segundo uma informação prestada pelo inspetor geral da ilha, Florentino da Silveira Frade 4 • De resto, ao fazer­se o confisco dos bens dos jesuítas em 1757, apurou-se que os padres das

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Mercês possuíam aproximadamente 80.000 cabeças de gado vacum a pastar na ilha, e os jesuítas, 60.000. "A todos estes gados alf arios, chamados do vento (gado bravo, sem dono conhecido, que se embrenha nos matagais), os quais pertencem a S .M. ( ... ) ", como se escreve no ofício do secretário de Estado, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, em 6 de novembro de 1767, dirigido ao governador Fernando da Costa de Ataíde Teive, transcrito por Manoel Barata.

Abrimos aqui um parêntese para esclarecer que a denominação de gado do vento, dada aos animais bravios encontrados a pastar nas áreas destina­das ao gado da Fazenda Real, e que não tivesse marca do dono devidamente registrada na Câmara, usou-se em diversas provisões promulgadas para as ilhas de Cabo Verde.

A completar a informação, Manoel Barata refere que, "em 1783, havia na Ilha do Marajó 153 fazendas de gado vacum e cavalar, as quais em 1803 subiam ao número de 226.500.000 cabeças de gado bovino" 4. Um boi co­tava-se entre 2.000 e 2.500 réis; uma vaca, de 1.200 a 1.500, e um garrote, a 800 réis. Embora se aparente exagerado aquele número de cabeças, registra­mos aquilo que o autor da notícia deixou consignado no seu trabalho. Em qualquer caso, deveria ser elevado o número de cabeças de gado bovino, pois de outro modo não seria possível a exportação de tão grande quantidade de couros, como o registrado na escrita da Companhia.

Não nos alongaremos em mais considerações sobre as diversas produções da zona, uma vez que os quantitativos exportados estão condensados nos qua­dros estatísticos do volume 2 deste trabalho. Comprovam de forma insofis­mável a atuação da empresa e justificam, dentro de certos limites, o monopó­lio concedido como sendo o processo mais adequado para aquela época, com vista a conseguir o almejado desenvolvimento econômico do território. Por outro lado, apura-se que a empresa soube aproveitar bem - e explorar -todos os gêneros espontâneos e cultivados, para que o setor tinha demonstra­do aptidões. Continuou, portanto, a seguir a orientação que vinha de um século antes, e que havia dado provas suficientes que servia para intensificar a exploração, quer através de apoios e incentivos, quer assegurando créditos e fornecendo a mão-de-obra, tudo garantido por uma razoável frota.

Terminado o monopólio, como evoluiu a produção, designadamente do Pará (uma vez que não dispomos de informes credíveis para o Maranhão)? E o que vamos demonstrar, baseados nas informações deixadas pelo histo­riador do Pará, Manoel Barata, autor que de resto temos vindo a seguir. Cin­gimo-nos aqui a quatro dos principais produtos exportados para Lisboa: algo­d:ío em rama, arroz descascado, cacau e café, tudo no decurso dos anos de 1779 a 1818, para uns;· e de 1779 a 1852 e 1862 para outros 4. Depois apon­taremos algumas anomalias verificadas nas cifras recolhidas.

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(Ein arrobas)

Algodão em rama Arroz descascado

Período Total Média Período Total Média exportado anual exportado anual

1779/1783 33.142 6.628 1778/1782 437.647 87.529

1784/1788 25.241 5.408 1783/1787 496.272 99.254

1789/1798 111 41.656 8.331 1788/1797 422.216 84.443 18

1 791 / 1808 16 52.913 10.583 1798/1802 301.510 60.302

1810/1814 23.525 4.705 1808/1813 445.142 89.028 19

1815/1818 17 254.299 63.575 1814/1818 834.784 166.957

1836/1852 105.586

1852/1862 328.448

Cacau Café ·

Período Total Média Período Total Média exportado anual exportado anual

1778/1784 20 319.697 63.939 1778/1784 13.848 3.770

1785/1797 21 367.838 73.568 1785/1797 28 13.494 2.699

1798/1802 515.994 103.199 1798/1802 20.501 4.100

1808/1813 22 370.311 74.062 181 o/ 1818 24 18.088 3.015

1814/1818 674.328 134.866

1836/1~52 614.864

1852/1862 2.094.116

Analisemos sucintamente esses quadros. Todas as médias de produtos exportados do Pará oscilaram, embora umas

mais do que outras. Em parte o fato, a partir de 1800, deveu-se à invasão da península ibérica por Napoleão - e ao bloqueio imposto à Inglaterra -, o que trouxe grandes perturbações à saída das frotas para o Brasil. Houve anos seguidos em que não largou de Lisboa navio nenhum com destino ao norte do Brasil. Daí uma baixa acentuada das cotações dos produtos nos mercados locais, ocasionada pela falta de escoamento.

O cacau foi o que menos se ressentiu, a partir de 1819/1820, pois as exportações aumentaram quase cinco vezes de 1818 para 1836/1852; e mais de três vezes de 1852/1862, aqui com a média anual de 2 milhões de arrobas! Por muito elevada, consideramos errada esta cifra.

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O algodão em rama apenas acusa alta de 5 mil arrobas, para subir para 63,5 arrobas.

O arroz descascado, que em 1814/1818 marca 167.000 arrobas, baixou para 105 mil em 1836/1852 e, de 1852/1862, subiu cerca de três vezes.

Apenas o café acusou variações pouco sensíveis. Julgamos que a isso não foi estranho o início da plantação extensiva do cafezeiro nos Estados do Sul que, em poucos anos, colocaram o Brasil no primeiro lugar entre os produ­tores do mundo.

Em todo este processo do declínio das produções do Pará influiu, em maior ou menor escala, o êxodo dos lavradores, plantadores, fazendeiros e pov:o em geral para os seringais, abandonando quase os cultivos e os apanhos tradicionais daquele Estado.

Por volta de 1912/1914, Manoel Barata di-lo claramente: "o. café está inteiramente abandonado, e o mesmo sucede ao arroz, ao a_çúcar e ao algodão, de que ninguém mais se ocupa. A maior parte dos cultivadores destes gêneros de produção foi distraída pela empolgante indústria do fabrico da borracha. A agricultura sucumbiu debaixo da influência nociva dessa deslumbrante e áurea miragem do lucro rápido e fácil, mas efêmero" 4.

No discurso proferido na Assembléia Legislativa do Pará, a 15 de agosto de 1854, pelo seu Presidente, Sebastião do Rego Barros, ele condenava "o emprego quase exclusivç, dos braços na extração e fa,brico da borracha, a ponto de nos ser preciso atualmente receber de outras províncias gêneros de primeira necessidade, é dantes produzíamos até fornecer-lhes. Isto é certa­mente um mal; tanto mais porque os lucros avultadíssimos dessa indústria, que absorve e aniquila todas as outras, longe de tenderem à criação da pe­quena propriedade, com a sua permanência e as suas vantagens, e a divisão da riqueza, só dão em último resultado acumularem esta em poucas mãos, e pela maior parte estrangeira, acarretando a miséria à grande massa daqueles que atrás dela abandonaram os seus lares, os seus pequenos estabelecimentos e, tal­vez, as suas famílias, para se entregarem a uma vida de miséria e privações, e na qual os ganhos da véspera evaporam-se no dia seguinte" 4 •

A borracha foi a desgraça da economia do Pará. Entre o seu surto e o declínio da extração foi um ápice. Quando surgiram as quantidades maciças da atual Indonésia, bastante mais baratas, as falências dos seringais do Pará tomaram-se freqüentes e impossíveis de estancar.

* * *

Estas ligeiras referências à borracha mais não representam do que um parêntese que nos permita demonstrar a evolução da economia e a análise de dois problemas ligados às relações comerciais entre o Pará e Portugal nos anos seguintes ao desaparecimento da Companhia: a lista dos preços praticados na origem dos quatro referidos produtos e a posição da balança comercial entre os dois territórios, nos anos de 1800 a 1818 (com falha nos anos de 1802 a 1807, nos quais não houve praticamente navegação de Lisboa para ali).

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(Em 1.000 réis)

Anos Algodão Arroz Cacau Café em rama descascado

1780 4.000-5.000 1. 700-1.800 1.400-1.500 2.000-2.400 1782 7.500-8.500 640- 700 1783 ,rooo-8.500 640- 750 1784 4.800-5.000 740- 800 1.500 2.600-4.000 1785 5.600-6.600 800-1.000 1.500-1.600-1.800 4.000-4.200

1786 6.600-7.200 760- 860-900 1.000-1.800 3.600-4.200

1787 7.200-8.000 640- 700 1788 6.400-8.500 550- 640 -1789 4.000-6.000 500- 640

1794 4.000-4.500 500- 600 1.400-1.600-1. 700 2.560

1796 5.610 638 2.090 3.410

1797 5.000-6.000 640- 720-800 1.000-2.000-2.300 3.000-3.200-3.500

1798 6.800 800 2.20,0 3.500

1799 7.000 800 3.200 4.000

1800 7.200 850 2.400 4.400

1801 6.720 800 1.900 4.100

1802 4.760 915 1.150 l.700

1808 6.400 1.150 3.opo

l!HO 4.800 1.800 1.800 3.200

1811 2.880 3.000 1.500 1.250 1812 3.200 1.050 900 1.600

1813 3.600 1.200 1.200 1814 1.000 1.000 1.600 1815 4.400 1.200 2.000 1816 5.600 800 2.000 2.400

1817 6.000 900 2.000 2.400

1818 8.735 1.100 2.000 4.800

As cotações praticadas no p~ríodo de 1780 a 1818, nos quatro produtos consideradps, baixaram em ~lguns casos em relaç~o às da Coi;npanhia, desig­nadamente após a extinção do monopólio, como se pode verificar nos quadros antes incluídos. Veja-se o algodão em rama, o arroz descascado, o cacau e o café. Estamos convictos de que a baixa nos anos de 1800 está, como é óbvio, ligada às lutas na península. Não merece a pena atermo-nos em conjeturas que não conduzem a nada, até pela circunstância de o nosso objetivo se limi­tar à apresentação dos preços nos dois períodos distintos. Como registramos em outro passo, deve ter havido uma certa inflação monetária que tais con­junturas freqüentemente geram.

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Vejamos agora os dados da balança comercial entre o Pará e Portugal. Se já na vigência da Companhia Portugal deteve sempre um déficit comercial substancial com o Pará, posteriormente a situação em pouco ou nada se alte­rou: os seus saldos continuaram a ser negativos. Na impossibilidade de apre­sentar cifras seguidas desde 1800, temos de nos circunscrever àquelas que nos são fornecidas pela bibliografia brasileira, uma vez que em Portugal, que nos conste, nunca se fez um levantamento exaustivo. Assim, o quadro se­guinte tem uma falha que vai de 1803 à 1809.

( 1.000 réis)

Anos Importações Exportações Saldos

1800 418.379.989 628.494.650 210.114.661

1801 194.394.695 294.725.183 100.330.488

1802 625.614.527 646.907 .222 21.292.695

1810 156.300.280 338.675.791 182.375.511

1811 153.724.230 336.899.300 183.175.070

1812 222.511.760 360.305.600 137.793.840

1813 253.431.450 303.545.593 50.114.143

1814 379.933.470 512.788.270 132.854.800

1815 146.564.060 234.378.050 87.813.900

1816 496.058.365 559.274.285 63.215.920

1817 444.012.170 640.707.459 196.695.289

1818 615.114.990 615.272.713 157.723

Soma 4.106.039.986 5.471.974.116 1.365.934.130

Se excetuarmos os anos de 1802, 1813, 1815 e 1816, em que os saldos negativos não foram elevados, apenas em 1818 houve um equilíbrio entre as exportações e as importações (saldo negativo de 157.723 réis). Portugal manteve nesse período de tempo a posição de maior comprador dos gêneros do Pará; e este Estado não carecia de artigos de primeira necessidade ou de bens de consumo corrente na mesma proporção.

Pouco depois, deu-se a independência do Brasil. O Pará só a ela aderiu posteriormente. No entanto, estamos convencidos de que as correntes comer­ciais com Portugal não se mantiveram a um mesmo ritmo.

Nesses 12 anos, o saldo negativo ascendeu a 1.365.934.130 réis contra Portugal - o que se pode considerar uma cifra importante, mesmo tendo em atenção todas as eventuais desvalorizações das moedas.

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Bibliografia e Notas do Capítulo 6

1. AHMF-CGGPM. Livro de "Registro de leis e ordens régias", XV /R/25, fls. 6-7. Concessão a Manuel de Albuquerque de Aguiar de autorização para a montagem de uma fábrica de tecidos ordinários no Maranhão. Parecer do Conselho Ultramarino de 10 de junho de 1756.

2. AHMF-CGGPM. Livro de "Registro de leis e ordens régias". XV /R/25, fls. 5-10. Informação prestada pela Companhia, a 25 de junho de 17 56, sobre a instalação da fábrica de tecidos.

3. AHMF-CGGPM. Livro de "Registro de leis e ordens régias", XV /R/20, n. 81 (5-4-1757 a 27-X-1796). Alvará concedido ·a João Baptista Locatelli para a montagem em Lisboa de uma fábrica de tecidos.

4. BARATA, Manoel. Formação Histórica do Pará. Obras reunidas. Universidade Fe­deral do Pará, 1973. A primeira edição s/d tem o prefácio do Dr. Vieira .Fazenda, datado do Rio de Janeiro de 1914, p. 301-307. Os dados estatísticos recolhidos pelo autor nos "Livros da Balança", anos de 1795 a 1802, 1805, 1810, 1813, 1815 e 1818; no Instituto Histórico e Geográfico, os dos anos de 1808, 1810, 1811, 1812 e 1814. Com a anotação de que o "catálogo da livraria do Conde de Linhares" publícado para venda dos livros em Lisboa em 1895 menciona os MSS, com o n. 84, os "Livros da Balança" de 1783, 1790, 1806, 1810, 1813, e com o n. 397, o ano de 1809.

5. AHMF-CGGPM. "Cartas para o Maranhão". XV /R/52, n. 104, fls. 15, Carta de 12 de julho de 1760.

6. AHMF-CGGPM. "Cartas para o Maranhão", XV/R/52, n. 104, fls. 30. Carta de 10 de junho de 1765.

7. AHMF-CGG PM. "Cartas para o Maranhão", XV /R/ 52, n. 104, fls. 134. Carta de·2 de maio de 1767; e Carta de 21 de maio de 1768, fls. 141.

8. AHMF-CGG PM. "Cartas para o Maranhão", XV /R/ 52, n. 104, fls. 106, dirigida ao moleiro José de Carvalho, a 14 de dezembro de 1771; e livro de "Carregações", XV/U/1, de 1760.

9. AHMF-CGGPM. "Cartas para o Maranhão", XV/R/37, fls. 18-19. Carta de 20 de dezembro de 1770 sobre a compra de arroz.

10. AHMF-CGGPM. "Cartas para o Maranhão", XV/R/37, fls. 63. Carta de 23 de junho de 1772 sobre o preço de compra de arroz e a construção de moinhos para o descas,rne.

ti'. AHMF-CGGPM. "Cartas para o Maranhão", XV/R/52, n. 104. Questionário de 17 de junho de 1761 sobre as engenhocas para fabrico de aguardente.

12. ANTONIL, André João. Cultura e opuÚncia do Brasil. Escrito nos primeiros anos do século XVIII. Coleção de Estudos Brasileiros. Salvador, Livraria Progresso Edi­tora, 1955, p. 253.

13. BRITO, Domingos de Abreu e (desembargador). Um inquérito à vida admínis­trativa e econômica de Angola e do Brasil (1592). Publicação revista e prefaciada por Alfredo de Albuquerque Felner. Coimbra, Imprensa da Universidade, 1931, p. 57.

14. NETO, José de Miranda. A foz do rio-mar (Subsídios para o desenvolvimento do Marajó). Rio de Janeiro /São Paulo, Distribuidora Record, 1968, p. 13 O e 132.

15. Respeita aos anos de 1779, 1784, 1794, 1796, 1797 e 1798. 16. Idem, de 1799 a 1802 e 1808. 17. Idem, de 1815 a 1818. 18. Idem, de 1788, 1789, 1794, 1796' e 1797. 19. Idem, de 1808, 1810, 1811, 1812 e 1813. 20. Idem, de 1778 a 1781 e 1784. 21. Idem, de 1785, 1786, 1794, 1796 e 1797. 22. Idem, de 1808, 1810 e 1813. 23. Idem, de 1785, 1786, 1794, 1796 e 1797. 24. Idem, de 1810, 1811, 1812. 1816, 1817 e 1818.

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7 A JUNTA DA ADMINISTRAÇÃO E OS AGENTES

DA COMPANHIA NOS DIFERENTES SETORES DE COMbRCIO

1. Como se sábe, a petição de 5 de junho de 1755, visando à formação da Companhia, foi assinada, em primeiro lugar, por Sebastião José de Carva­lho e Melo, seguindo-se-lhe Rodrigo de Sande e Vasconcelos, Domingos de Bastos Viana, Bento José Álvares, João Francisco da Cruz, João de Araújo Lima (capitão), José da Costa Ribeiro, procurador da Coroa, António dos Santos Pinto, Estêvão José de Almeida (capitão), Manuel Ferreira da Costa (desembargador) e José Francisco da Cruz, os quais vieram a ser acionistas da empresa. À exceção de Sebastião José de Carvalho e Melo, com 6 ações, de José da Costa Ribeiro, com 4 ações, e de José Francisco da Cruz, com apenas 3, todos os outros adquiriram 12 o~ mais ações, e João Francisco da Cruz, 20 ações. Foram, portanto, os elementos que constituíram a primeira Junta da Administração. ·

Em conformidade com os estatutos, a empresa era formada por um cha­mado "corpo político", constituído pelo Provedor, por oito deputados e um secretário, saídos dentre os "homens de negócios da praça de Lisboa e um artí­fice da Casa dos Vinte e Quatro", apoiados por três Conselheiros provenien­tes do "corpo do comércio em quem concorram as mesrp.as qualificações, posto que não tenham a do capital na Companhia" (§ 1.0 ).

Os componentes da Junta da Administração eram eleitos "pela plurali­dade de votos dos interessados que nela tiverem 5.000 cruzados de ações ou daí para dma" (§ 3.0

). Todavia, o mesmo parágrafo ressalva que, "aqueles que tiverem menos (ações), s~ poderão contudo unir entre si para que, perfazendo a dita quantia, constituam em nome de todos um só voto, que poderão nomear como bem lhes parecer, servindo os primeiros eleitos para a fundação pelo tempo de três·.anos". Isto era um princípio geral a observar no futuro, porque "o Provedor, Deputados e Conselheiros serão nesta primeira fundação noinea-

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dos ( ... ) para servirem por tempo de três anos, findos os quais darão conta com entrega aos que forem eleitos nos seus lugares ( ... ) (§ 5.0

).

Foi em face desta disposição estatutária que os subscritores da petição entraram em funções após a aprovação régia da instituição da empresa.

Como se sabe, nem sempre foi respeitado o princípio da convocação de eleições para o "corpo político" dentro do prazo legal, ou seja, de três em três anos.

Paralelamente à Mesa da Administração, funcionava um Juiz Conser­vador com "jurisdição privativa, e inibição de todos os Juízes e tribunais de todas as causas contenciosas em que forem autores ou réus os deputados, con­selheiros, secretários, provedor dos armazéns, escrivães e caixeiros, ou as ditas causas sejam crimes ou cíveis, tratando-se entre os ditos oficiais da Compa­nhia, e terceiras pessoas de fora dela" (§ 7.0

).

Esta disposição concedia a certa classe de agentes da Companhia uma imunidade de que nenhuma outra entidade similar gozava.

Por o considerarmos desnecessário, não nos detivemos na pesquisa dos processos organizados para a eleição da Junta da Administração, numa rigo­rosa ordem cronológica. Assim, referiremos apenas os componentes da Junta em quatro períodos distintos: 1756, 1760, 1768 e 1772, embora em alguns deles não se citem os conselheiros, nem o representante da Casa dos Vinte e Quatro. Nessa conformidade, vê-se que estiveram em exercício:

Em 1756

Rodrigo de Sande e Vasconcelos

Manuel Ferreira da Costa

António dos Santos Pinto

João Francisco da Cruz

Bento José Alvares

Domingos de Bastos Viana

Estêvão José de Almeida

João de Araújo Lima

240

Em 1760

José FranciscÓ da Cruz

Manuel Ferreira da Costa

José Rodrigues Caldas

Paulo Jorge

José Luís Serra

Dâmaso Per.eira

Caetano Jerónimo

Manuel Eleutério de Castro

Domingos de Vilas-Boas

Conselheiros:

Dr. José Rodrigues Estêves

José Rodrigues Bandeira

Jgnácio Pedro Quintela

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Em 1768

lgnácio Pedro Quintela

Anselmo José da Cruz

Francisco José Lopes

Joaquim José Estolano de Faria

Manuel lgnácio Ferreira

João Roque Jorge

Silvério Lima Serra

José Ferreira Coelho

Domingos Lourenço

Conselheiros:

José Rodrigues Bandeira

Manuel Ferreira da Costa

José Rodrigues Caldas

Em 1772

Ignácio Pedro Quintela

Anselmo José da Cruz

Francisco José Lopes

Joaquim José Estolano de Faria

Manuel Ignácio Ferreira

João Roque Jorge

Silvério Lima Serra

José Ferreira Coelho

Domingos Lourenço

Conselheiros:

José Rodrigues Bandeira

Manuel Ferreira da Costa

José Rodrigues Caldas

Se de 1756 a 1760 houve uma mudança radical nos componentes da Junta, de 1768 a 1772 permaneceram em funções os mesmos elementos, tudo fazendo pressupor que não foram convocadas eleições. O grupo tinha-se intei­rado bem dos mecanismos comerciais e eleitorais, e por isso mesmo fez da empresa uma espécie de feudo, onde· trabalhava à vontade, talvez até devido a um certo desinteresse ou comodismo dos outros acionistas, que aceitavam passivamente o recebimento dos dividendos das ações, sem interferirem nos negócios ou na administração. Ou, então, estariam na total ignorância do modo como deveriam conduzir a empresa.

Como referimos nô capítulo 2, só em 1776 se elaborou a "Relação dos acionistas" destinada à eleição de novos corpos gerentes. Ignora-se, todavia, se se chegou a realizar o ato. Não detectamos nada que nos elucidasse a este respeito.

As listas dos corpos gerentes antes apresentadas devem estar longe de corresponder à· realidade. Não foi fácil pesquisar no emaranhado dos papéis para esclarecer este controverso problema da vida da empresa.

A própria contabilização dos proventos auferidos é imperfeita. Umas vezes foram registrados os nomes dos agentes e os montantes dos proventos rece­bidos aos quartéis; outras vezes omitiram-se os nomes, mantendo-se a desig­nação dos cargos ocupados e quantitativos pagos. Após uma indagação nos "Diários" de contabilidade (não tão exaustiva quanto seria de desejar), con­seguimos elaborar a seguinte lista (em mil réis):

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Desembargador-conservador - Pedro Gonçalves Cordeiro Pereira Desembargador - José Correia de Lacerda ....... . ...... .

Estanislau Cunha Coelho ....... . ................... . Procurador-fiscal - José de Seabra e Silva ......... . ..... . Diretor-fiscal - Luís Rebelo Quintela (1769) ..... . ... .. . . . . Contador - José Ignácio da Silva Franco ................. . Secr~tário - Bacharel José Daniel Ribeiro Pereira (17 59) ... .

- Domingos do Passo (1760) ...................... . - José Manuel Ribeiro Pereira (1769) ........ . ..... .

Inspetor - Paulo Xavier Poncetti (1774) ... .. .. . ........ . Porteiros - José Francisco Belo (1769) ........... . . . ... .

- Manuel José de Almeida Brandão (1769) .......... . - Francisco Barbosa de Sousa (1769) ............... . - Francisco de Sousa Lemos (17 69) ......... . ...... .

Ajudante de porteiro - António Feliciano Belo ............ . Escrivão do Juiz - Diogo Martins Lima ..... . ..... ..... . Escrivão da Conservatória (1774) ..... ... .. .. .. .. . . .... . . Procurador da Conservatória - Manuel José de Almeida Brandão

(1774) ...... .. . . ........... .. ................... . Administrador do armazém - Tomás Ramos da Fonseca ..... . Fiel do armazém ( 177 4) ...... ........ .. . .... .. ..... . . . .

Meirinho do Juiz - Cosme Damião de Gouveia .. .' ... .... . . Guarda-livros - João Baptista Dourneau .. . ...... . ...... . Oficial de secretaria - José Ignácio da Silva (1769) .. . . . ... . Caixeiro - António de Almeida Roiz ( 17 69) ....... . . .. .. .

Ajudante de caixeiro - Porfírio de Sousa Fonseca (1769) ... . Caixeiro de cobranças (1774) ...... . . . .. ... .. . . . . . ... ... . Ajudante de caixeiro de cobranças ... . .......... .. . ..... . . Ajudante da Junta da Administração . .. .. .... . ... . .. . .. .. .

Ajudante da Junta da Administração . . .............. . .... . Despachante ... . . . . .. ... ... . . . . ... .. .... .. ... .. . ..... . .

Almoxarife dos armazéns (177 4) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Solicitador (1774) . .. . ... .. . . .... . . ... .. . . . . .. . ... ..... .

300.000 300.000 300.000 200.000 200.000 320.000 320 .000 320.000 320.000

1.000.000 240.000

240.000 240 .000 240.000 100.000 200.000 200.000

240 .000

150.000

320 .000

50.000 600 .000 200 .000 280.000 120.000 300.000

120.000 240.000

120.000 100.000

240.000

180.000

Postos de lado os elementos da Junta da Administração (Provedor, Depu· tados e Conselheiros), a Companhia teve 32 agentes ao seu serviço. A remu· neração mais elevada era a do Inspetor (1.000.000 réis) e, a seguir, a do guarda-livros (600.000) , a do secretário (320.000) e a dos desembargadores (300.000), esta igual à dos caixeiros das cobranças.

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Não conseguimos determinar as remunerações dos membros da Junta da Administração, admitindo-se que elas fossem baseadas numa percentagem sobre o movimento geral havido. B a conclusão a que chegamos em face do fixado para as administrações locais, sobretudo as de África.

2. Por uma questão de simplificação, abordaremos o problema da admi­nistração das diferentes Feitorias, começando por Angola, uma vez que foi a de mais curta duração e aquela de que menor soma de informações possuímos. O primeiro administrador da Companhia que se conhece em Luanda, em 1756, chamou-se Raimundo Jalamá, pessoa a quem Luís António de Oliveira Mendes, no seu "Discurso" proferido na Academia das Ciências de Lisboa, em 1793, se referiu como "sujeito de probidade, digno de todo o crédito, que conta 80 anos de idade ( . . . ) homem pronto e experimentado nos cálculos e projetos mercantis, que por 10 anos vivera na cidade de São Paulo de Luanda por administrador do contrato, e das Companhias do Pará, e Pernambuco, que estava na posse· da compra e remeter para o Brasil, em sortimento das duas Capitanias, um grande número de escravos em todas as estações do ano, finalmente me informou a respeito desta enfermidade ... "; ou seja, aquilo a que se designava por Banzo (melancolia, desespero, apatia, saudade etc 1 •

Raimundo J alamá transferiu-se para o serviço da Companhia de Pernambuco e Paraíba quando esta, em 1759, passou a exercer, em regime de monopólio, o comércio e o tráfico de escravos em Angola. Apesar disso, a do Grão-Pará manteve naquele território certo número de agentes ou intermediários, incum­bidos da compra de escravos, e também com o encargo de cobrar as dívidas relativas a fornecimentos feitos, de 1755 a 1758, a aviados e tumbeiros. Desses intermediários ainda conseguimos referenciar os nomes de 40 que, entre 177 5 e 1781 , forneceram à Companhia um total de 1.606 escravos 2 •

Entre eles figuram 12 oficiais de diversas patentes, um padre e 2 mulheres, chefes de família. Em todo o caso, em 1765, as faturas de Angola eram assinadas por Raimundo Jalamá e Maurício Gonçalves Salgado, como expe· didores dos escravos. Nada mais há a dizer deste setor de comércio no to­cante a pessoal ao serviço da Companhia.

3. No setor de Cabo Verde, podemos afirmar que em 1759 estavam providos nos cargos de administradores principais, efetivos, o capitão-mor Pedro Cardoso e João Freire (de Andrade) e~ como suplentes, o coronel Joa­quim Afonso da Fonseca e o capitão-mor João Delgado Figueira, com resi­dência em Santiago. Quando nesse mesmo ano a Ilha de Santo Antão reverteu à posse da Coroa pelo afastamento compulsório do respectivo donatário, foi nomeado administrador, por parte da Companhia, António de Araújo e Cas­tro. Nesse mesmo ano, seguiu para Santiago como 1.0 caixeiro Manuel de Oliveira Lisboa, com direito à remuneração de 2% sobre o montante das transações por ele efetuadas.

Estava-se ainda na primeira fase de instalação, marcada por hesitações e tateamentos da parte da Junta da Administração. Todavia, em 1760, a empresa procedeu à estruturação dos seus serviços nas ilhas com a nomeação (ou confirmação) do seguinte pessoal, e fixação dos seus ordenados anuaisª:

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N{l Ilha de Santiago: um administrador com residência na Ribeira Grande, de nome José Anastácio Freire, com 160.000 réis. Na Praia, e com o

.'tepcargo "ele. coorq~nar. os. negócips com tpdas. as ,ilhas, os administradores principais, ãrifes referiãos7 Pedró ·.Çardosó e João Freire de Andrade, e um terceiro, Luís António Salgado. No Tarrafal, um único administra­dor, Jorge Teodorico, com o ordenado de 100.000 réis.

Em Santo Antão: um administrador, António Pedro da Costa, com 160.000 réis, e um segundo, com 130.000, possivelmente António de Araújo de Castro.

Na Ilha Brava: uin administrador, Eusébio José do Vale, com 160.000 réis, e um outro, com 100.000.

Em São Nicolau: um administrador, Rodrigo Gonçalves Barros, com 140.000 réis, e um segundo, com 100.000.

Na Boa Vista: um administrador, Francisco José de Almeida, com 140.000 réis, e um segundo, com 60.000 réis.

No Fogo: dois administradores, Pedro Francisco Alfanje e seu irmão Duarte Gomes de Leão, ambos capitães de cavalos, com direito a uma remune­ração de 10% sobre todas as transações efetuadas. Quando na maioria das ilhas os ordenados dos segundos administrado­

res variaram de 60.000 e 100.000 réis, no Fogo eram iguais para ambos. Ape­nas na Boa Vista e no Tarrafal, de Santiago, os ordenados dos administradores foram mais baixos do que os fixados para as restantes ilhas. No Fogo, a re­muneração dos agentes destoava da de todas as ilhas, e não se chegou a saber bem qual teria sido o critério que presidiu a essa diferenciação.

A distribuição do pessoal (e o montante das remunerações) mereceu a aprovação da Junta da Administração, segundo a citada carta de 1760.

A organização deste elenco de pessoal resultou precisamente da neces­sidade de se proceder à intensificação do apanho e exportação da urzela, em virtude do termo do contrato que, em 6 de junho de 1750, fora firmado com José. Gomes da Silva, mais conhecido por "Candeias", e que passou para a Companhia nos precisos termos do § 10 do alvará secreto de 1757. No con­trato com Gomes da Silva, ficara consignado que a contagem do prazo da sua duração só se iniciaria com a chegada a Cabo Verde do seu primeiro navio para .receber carga. E, como isso só se verificou a 25 de março de 1754, a Companhia teve de aguardar a caducidade do acordo para poder dar início ao negócio - o que se verificou em 1759.

o pessoal estabilizou de certa forma, embora com algumas mudanças de pequeno significado. Assim, exp. 1764, foi nomeado administrador em Sapto Antão António José Xavier; em 1767, foi mandado para Cabo Verde, como terceiro caixeiro, João António Pereira, com a remuneração de 1 % sobre as transações; em 1768, foram como administradores - segundo e terceiro, res· pectivamente, Manuel José da Silva Cardoso, colocado nos Mosteiros (Ilha do Fogo), e Manuel José Vicente; e nesse mesmo ano é enviado para São Ni­colau, como. administrador, Joaquim José de Oliveira, dependente da orien­tação dada por Santiago. Em 1769, João António Pereira é beneficiado com um aumento de remuneração de 1 % para 2% e seguidamente transferido

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para Bissau como segundo administrador. Nesse mesmo ano, para colmatar a falta de pessoal, Lisboa manda um 1.0 caixeiro, João Pinto Bernardes, com a remuneração de 3%, e um segundo, José Raimundo Pereira, com 1 %. Entre 1770 e 1777, foram destacados para Cabo Ver_de os seguintes agentes: em 1770, como primeiro caixeiro, António José de Carvalho - que em 1774-1775 veio a ser administrador; como segundo caixeiro, José Nicolau da Cruz; como terceiro caixeiro, Francisco Luís de Oliveira, respectivamente com direito a 2% e 1 % sobre as transações; em 1771' é nomeado primeiro administrador Luís Pedro Le Cor; em 1773, Bento Roiz de Sousa, como pri­meiro caixeiro, e Domingos Duarte Pereira Guimarães, como terceiro caixeiro, respectivamente com 3% e 1 %; em 1775 foram nomeados administradores Domingos Francisce> de Carvalho e Oliveira e José Nicolau da Cruz, para substituírem Luís Pedro Le Cor, António José de Carvalho e Manuel José Vicente; e José Ginioux, terceiro caixeiro, com 3 % ; em 1777 são nomeados administradores José de Almeida Conrado e António Tosé Pires de Lima, e segundo caixeiro José de Lemos, este último com direito a 2% sobre os neg6cios.

Dada a pouca clareza dos despachos de nomeação, não se pode concluir quais as ilhas a que se destinavam esses agentes, tudo levando a crer-1que os destacamentos seriam da competência dos administradores principais. E tanto assim deveria ser que, até à extinção do monopólio, permaneceram em funções o coronel Pedro Cardoso e João Freire de Andrade, consoante se vê da carta de 8 de março de 1780°, pela qual a Comissão Liquidatária comunica a ces­sação do regime de monopólio e anuncia haver eleito "os coronéis João Freire de Andrade e José dos Reis Borges para procederem à cobrança das dívidas ativas pertencentes à Companhia em Cabo Verde (assim como) a co­brança dos efeitos ( . . . ) " 4 • O fato fica, de resto, confirmado pelo lança­mento efetuado no "Diário", em 3 t de dezembro de 1780, nos seguintes termos:

"O coronel Toão Freire de Andrade, de nossa conta, importância de dí­vidas ativas nas Ilhas de Cabo Verde pertencentes à Companhia. até ao fim da administração, que por ordem da Jt.1nta entregou ao devedor Bento Roiz de Sousa para diligenciar a cobrança ( . . . ) 13.193.492 réis" 11 •

E depois passa-se à fase de inventariação e alienação do patrimônio, m6ve1 e imóvel, da Companhia.

4. Em relação ao setor Bissau-Cacheu, os elementos detectados pecam por maiores falhas, pouco se conseguindo averiguar em relação ao período anterior a 1760.

Os cargos de administradores foram ocupados com a mesma irregulari­dade do que a verificada em outras áreas, e para a qual deve ter contribuído não só o clima quente e úmido próprio dos rios, em cujas margens se locali­zavam as lojas e as moradias do pessoal, mas também a intranqtiilidade deri­vada da permanente guerrilha em que viviam os diferentes grupos étnicos, seja no curso do Cacheu, seja no estuário do Geba. Devemos recordar o que se passava em Bissau e na zona costeira até à Ilha de Pecixe, onde os assaltos organizados pelos Bijagós para a captura de Papéis e Brâmes, seguidamente

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vendidos como escravos aos navios do tráfico, ou nas lutas armadas com vista à dominação de povos menos numerosos ou menos preparados para a guerra, tais como os Banhuns e Cassangas, Felupes e Baiotes. A esse propósito são elucidativas as descrições dos séculos XVI e XVII 6

• Tudo isso criava um ambiente de tensão permanente que, de certo modo, influía no espírito dos portugueses que vinham exercer funções nas feitorias da Companhia. Por outro lado, talvez por todas ou algumas dessas razões, verificou-se na área uma maior incompatibilidade entre os administradores e o pessoal subalterno, como mais adiante apontaremos.

Tanto quanto conseguimos determinar, os administradores em serviço neste setor foram os seguintes:

Em Bissau

1765 António Francisco Silva Joaquim Vieira Bernardes

1767 João da Costa Manuel Ribeiro Vieira

1769 João da Costa João António Pereira

1779 Francisco José Gomes Marcelino António Correia

1780 - Pedro Roiz de Sousa Manuel António Barrabino Ravara

Em Cacheu

1760 - José Ramos da Silva Lourenço José Viana

1762 - Lourenço José Viana Pedro Roiz de Sousa

1768 António José Teixeira da Cruz Francisco José Gomes

1773 - Filipe Dâmaso de Aguiar Francisco José Gomes

1776 - Pedro Roiz de Sousa Mariuel António Correia

1778 - Francisco José Gomes Marcelino António Correia

1 780 Pedro Roiz de Sousa Caetano Baltasar Machado de Melo

De todos esses administradores, o que mais tempo ocupou o cargo, ora em Bissau, ora em Cacheu, foi Pedro Roiz de Sousa.

Os administradores eram coadjuvados, em regrá, por três caixeiros, um dos quais servia de escriturário. O mais freqüente era existirem apenas dois. Aos caixeiros competia igualmente o negócio na costa, para norte e para sul - e ilhas dos Bijagós - deslocand(?-se para o efeito nas embarcações peque­nas apropriadas à circulação nos esteiros e pequenos rios. Na parte sul adqui­riam pau Campexe, cola e escravos; nos Bijagós, apenas escravos; e, ao norte, vendiam tecidos, armas de fogo, pólvora, terçados, ferro em barra e a cola que traziam da área da atual Guiné-Conacri e da Serra Leoa. A reali­zação deste tipo de negócios constituiu, por diversas razões, uma fonte de conflitos e um clima de mal-estar entre os administradores e os caixeiros, isto pela circunstância de estes efetuarem, paralelamente com o negócio da Com-

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panhia, transações em seu proveito pessoal. A fiscalização que eventualmente poderiam exercer neste particular os administradores era praticamente nula. Outro fato que influiu bastante na instabilidade dos caixeiros provinha das demasiadas exigências ou impertinências dos administradores. Para não nos alongarmos em mais pormenores (tanto mais que adiante voltaremos ao caso), citamos o fato ocorrido em 1760 entre os administradores de Cacheu e os caixeiros, segundo a comunicação por eles feita a Lisboa, nos seguintes termos:

Os caixeiros são necessários, mas "não como os que cá estão. que nenhum, deles me serve de coisa alguma e principalmente o primeiro caixejro que este ostenta de fidalgo, não se levantando da cama senão quando muito (bem) lhe parece e saindo de casa a toda a hora, de dia e de noite. sem lhe importar mais nada desta casa, e repreendendo-o eu neste particular por várias vezes se não tem emendado, antes sim fazendo cada vez oior, de modo que nem bons dias nem boas noites eu ouço da sua boca, e até se me encontra na rua me nega aquela cortesia que a qualquer negro se deve. O segundo caixeiro, depois da doença da terra, esteve doido formal, agora melhor alguma coisa, anda porém nas luas. se lhe destempera o juízo fazendo trinta desatinos, des­compondo gentes e atirando-lhes com o que acha mais pronto à mão, de modo que não está capaz de poder ficar nesta terra ... "3 •

Quando em 26 de setembro de 1760 7 a Companhia fixou os princíoios básicos da atuação dos adminlstradores destacados em Cacheu, uma espécie de contrato de prestação de serviços, sob a designação de "Obrfoacão dos administradores da Companhia na Praça de Cacheu", ficou estabelecido:

"Por este, por um de nós feito e por ambos assinado, dizemos nós, José Ramos da Silva e Lourenço José Viana, que nós temos aiustado com os senho­res Provedor e Deputados da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão irmos desta cidade para a praça de Cacheu administrar todas as dependências que a dita Companhia tem na dita praça, tanto na venda de efeitos que os ditos senhores nos remeterem, como nos empregos que fizermos para esta cidade e América ou qualquer outra parte que houver a bem da dita Com-panhia". ·

"Que seremos obrigados levar em nossa companhia a contento dos ditos Provedores dois caixeiros inteligentes os quais na dita praça conservaremos em nossa companhia e à nossa mesa, sendo de nossa conta o gasto da mesma, e o daremos a cada um 200 mil réis por ano de seu ordenado."

"Que pela nossa administração nos darão os ditos senhores 5 % , os quais serão contados no valor de todas as expedições que fizermos tanto para esta cidade como para a América, assim em efeitos como em escravatura, dos quais, abatidos o gasto que fizermos no sustento de nossa casa e ordenados de caixeiros, ficará pertencendo ao primeiro nomeado dois terços e ao se­gundo um terço".

"Que sucedendo faltar da vida presente algum de- nós, o que Deus não permita, sendo o primeiro subirá a este lugar o segundo e ao deste o caixeiro mais hábil dos dois, e sendo o segundo da mesma sorte subirá ao seu lugar o caixeiro mais hábil, fazendo-se até aquele tempo conta ao que cada um pertence pelas expedições feitas, para seus herdeiros se apoderarem do que

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lhes pertencerem, ficando pertencendo aos dois que depois existirem o que dali por diante lhes corresponda, e em dito caso daremos logo parte do sucedido para nos mandarem quem faça o lugar que ficar vago".

"Que será da conta dos ditos senhores darem-nos passagem franca tanto para lá como para cá, quando chegar a ocasião de qualquer de nós querermos retirar, o que nunca faremos sem primeiro lho participarmos para mandarem quem nossas vezes fique fazendo".

"Que seremos obrigados a mandar de todas as expedições que fizermos uma formal conta pela embarcação por que for a expedição, conta semelhante pela que se lhe seguir, ficando nós inteiramente proibidos toda a casta de negociação nossa ou alheia que não seja da Companhia e isto debaixo das penas impostas ao dito respeito, e por quanto ao fazer deste recebemos dos ditos senhores Deputados 280.000 réis, nos obrigamos da dita quantia dar conta oelas nossas comissões e a tudo por nossas pessoas e bens havido e por haver" 7•

O documento foi redigido e assinado em Lisboa por ambos os adminis­tradores.

Foi a primeira vez que por escrito foram fixados os proventos dos admi­nistradores e caixeiros neste setor, embora no decurso dos anos os montantes dos proventos - e até as condições de pagamento - viessem a sofrer altera­ções, umas vezes para mais, outras, para menos. Vê-se pelo contrato trans­crito que o salário dos caixeiros passou a ser de 200.000 réis anuais, pagos pelas remunerações· dos administradores; e os destes fixados em 5%, "con­tados no valor de todas as expedições que fizermos, tanto para esta cidade como para a América, assim em efeitos como em escravatura, dos quais, aba­tido o gasto que fizermos no sustento da nossa casa e ofdenados dos caixeiros, ficará pertencendo ao primeiro nomeado (José Ramos da Silva) dois terços e ao segundo, um terço" 7•

Em reforço das condições estipuladas no contrato em apreço, a Compa­nhia ;elaborou, em 31 de dezembro de 1760, umas "Instruções", esclarecendo os obietivos fundamentais da atividade das suas Feitorias. Ain,la que um tanto longas, pareceu-nos de interesse o conhecimento do seu conteúdo 8 :

"Sendo o comércio que a Companhia faz com os resgates dos escravos um dos objetos mais intrigantes para a mesma Companhia e pelo Estado do Grão-Pará, recomendamos a V.m. que cuidem com o maior desvelo em terem comprado diariamente os escravos que puderem, fazendo-lhes as necessárias acomodações para se conservarem com cautelas e livres de doenças até haver ocasião de se transportarem para o sobredito Estado que se oferecerem. Com aquele desvelo cuidarão de balancear as fazendas que lhes remetemos deste Reino e em dar pronta saída aos panos que lhe remeterem, e têm remetido os administradores de Cabo Verde, pelo grande interesse que se segue àqueles moradores e a esta Companhia pelo grimdíssimo prejuízo que virá a resultar do seu empate. Para este fim se nos propõe que seria útil mandar à Compa­nhia algumas embarcações para fazer comércio em Serra Leoa, porém parà esta negociação poder determinar-se com a necessária preparação recomen­damos que a exãminem com a devida individuação -em segredo o · negócio que

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se pode fazer em a dita Serra Leoa, sem contradição de outra qualquer nação estrangeira e os meios de o fazer, e informem de tudo que acharem a este respeito, interpondo os seus pareceres. Ordenamos que por nenhum modo facilitem, antes evitem por todos os meios o seu transporte (de efeitos), decla­rando que irremissivelmente hão-de ser confiscados todos os que forem acha­dos a bordo dos navios na sua chegada a este porto, na forma da resolução de S.M.". .

O documento está assinado por José Francisco da Cruz Paulo Jorge, João Luís Serra, Manuel Eleutério de Castro e Domingos Vilas-Boas.

No fundo, estas instruções incidem principalmente sobre, a compra e saída de escravos, venda de panos de Cabo Verde e negócios com a Serra Leoa. Aqui - embora esteja omissa -, a cola deveria ser dos principais arti­gos a transacionar.

Foi a primeira vez que a Junta da Administração se mostrou favorável às negociações na Serra Leoa que, de resto, haviam sido iniciadas antes, sob a responsabilidade direta das administrações locais, um tanto à revelia de Lisboa. E, provável que a Junta se tivesse apercebido de que os seus agentes faziam o negócio da cola em benefício pessoal, e não no da Companhia.

Tanto parece ter sido assim que, numa longa carta de 8 de maio 1762, a administração de Cacheu esclarecia Lisboa do problema do comércio na Serra Leoa, carta da qual extratamos o seguinte passo: "os gêneros que se tiram da Serra Leoa são escravos e uma fruta a que chamam Cola, e esta se vende com ganho de 200%; porém dana muito e é preciso um grande trabalho com ela, e também dizem que há pau Campeche, porém é pouco. E, certo que os ingleses é que fazem naquele porto um grande negócio pelo grande des­mazelo com que os portugueses deixaram tomar posse ou introduzir os ingle­ses, como em Bissau sucedeu e agora proxim@lente sucede ir lá uma embar­cação inglesa e não só deixarem-lhe fazer negócio no porto, mas também a deixarem-na ir pelos rios fazer. negócio a Geba onde os pobres brancos se acham estabelecidos fazendo negócio ... " 9

Já tínhamos transcrito este trecho em outro capítulo. A sua repetição em nada prejudica esta análise.

Independentemente dos efeitos da concorrência de ingleses no estuário do Geba e na Serra Leoa, a partir de 1766 os negócios da Companhia come­çaram a ressentir-se da atividade dos estrangeiros. Mas, por muitos motivos, a empresa estava incapacitada de lhe pôr cobro, como demonstraremos em outro capítulo. De resto, é a conclusão a que podemos chegar pela leitura da carta de 12 de junho de 1766, endereçada aos administradores de Bissau, António Francisco da Silva e Joaquim Vieira Bernardes, da qual vamos trans­crever as partes mais significativas:

"Para facilitarmos o comércio dessa Praça, vista a alteração que fazem as nações estrangeiras, enquanto elas subsistem, V.m. poderão regular o negócio de sorte que se possam lançar nas fazendas o avanço de 60%; porém de tal sorte que aí e em Cacheu sejam iguais os preços das vendas, ficando o dito lucro livre de todas as despesas" 10

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Uma política comercial errad,a. Se os ingleses e franceses vendiam as fazendas e artefatos mais baratos e compravam os gêneros e os escravos por cotações mais elevadas do que as praticadas pela Companhia, a elevação dos preços de 45% para 60% ainda dificultava mais a sua venda.

Com a finalidade de captar as boas graças dos régulos e outras autori­dades tradicionais, na referida carta, a Junta da Administração recomendava tanto a Bissau como a Cacheu:

''V.m. não faltarão em pagar as dachas (leia-se: taxas ou gratificações) ao rei, tudo na forma que até o presente se costumava e antes de haver a forta­leza, para que nos benquistarmos com o dito rei e se não volte para outra parte o comércio, fazendo de que parte toda a boa diligência para terem per­feita harmonia com esses povos e se extraírem deles todas as conveniências que desejamos, não desprezando qualquer ramo de comércio que aparecer e pondo em prática o do gênero chamado Cola, de que temos notícia em que os seus antecessores nos têm falado. Como essa administração é tão mítica como a de Cacheu, será preciso advertir-lhe q~e cada uma delas tem limite do seu distrito, não devendo V .m. introduzir fazendas algumas nem ocupar­lhes os compradores" 10•

As dachas a que a carta se refere mais não eram do que os tributos que ós régulos lançavam sobre as mercadorias trazidas pelos europeus, os escra­vos embarcados e até para permitirem o exercício do comércio no mato. O termo deriva, é evidente, do português: taxa.

A cobrança desse imposto pelos régulos perdurou através dos tempos até a chamada "pacificação portuguesa". Aqueles que se recusassem a pagá-las sofreriam sanções de vária ordem, incluindo o impedimento da permanência das feitorias. ~ uma prova da ausência de autoridade da parte dos europeus.

Voltamos a repetir: os administradores de Bissau e de Cacheu, pelo menos desde 1760, que se empenhavam no negócio da cola, adquirindo-a na Serra Leoa para a vender nos rios Cacheu, Casamansa e Gâmbia, dolosamente, sem conhecimento de Lisboa, e chamando a si os respectivos lucros das transa­ções, estas feitas evidentemente com os próprios fundos e mercadorias da Companhia. O problema era complexo e mais complexo se foi tornando na medida em que Lisboa estava na dependência da lisura ou da desonestidade dos seus agentes nos rios de Guiné.

No entendimento de que os atos mercantis se poderiam controlar através de instruções ou ordens para os seus representantes neste setor, a Junta da Administração, em carta de 24 de dezembro de 1767, deu indicações do modo de agirem. A tal propósito diz-se nessa carta:

"Lembramos a V.m. a observância das exatas vendas que V.m. devem fazer dos gêneros que venderem por miúdo, tendo um livro separado no que faziam assento de cada parcela a que foram dando saída e no fim se ajunta para em uma adição lançarem a venda em uma conta, como, por exemplo, a aguardente, a pólvora que se vende a frasco, o ferro que se vende a palmo, e outras fazendas que se vendem a miúdo por maior preço, fazerem assento no tal caderno ou livro de cada frasco ou côvado; e no fim fazerem soma de cada

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gênero separado e lançar na conta da venda do gênero tantas frasqueiras de aguardente, a 12.000 réis, tanto; tantas frasqueiras da dita vendidas por miú­do, tanto; tantos barris de pólvora, a 30.000 réis, tanto; tantos barris da dita vendidos a frasco, tanto; tantas barras de ferro vendidas a 12.000 réis, tanto; tantas vendidas a palmo, tanto. Grande era o desejo que estávamos da chegada da galera "São Domingos", capitão Roque José Lisboa, que nos devia trazer notícia dessa Praça e fortaleza, que há muito tempo nos faltava; porém, como é público nesta corte que a dita galera foi apresada pelos argelinos, o que confirma a sua demora" 11•

A Companhia bem tentava' disciplinar os negócios, impondo normas de contabilização das vendas. Só que os seus agentes, ao contrário, teimavam em manter a desordem e a confusão para que Lisboa não se apercebesse, no con­creto, das fraudes cometidas em benefício do pessoal das Feitorias - por vezes através da mancomunação dos vários empregados.

Nos últimos meses de 1768 o administrador de Cacheu, Pedro Roiz de Sousa, por razões não esclarecidas, pediu a exoneração do cargo. A Compa­nhia aproveitou a oportunidade para remodelar os quadros e nomear outros. A escolha recaiu em António Teixeira da Cruz e Francisco José Gomes, res­pectivamente para primeiro e segundo administradores. Todavia, no ajuste ficou expresso que "V.m. não vencerão comissão alguma da venda que fize­rem das fazendas e outro algum gênero nem de outra despesa, e somente por todo o trabalho vencerão comissão das remessas que fizerem de escravos, cera e marfim ou outros quaisquer gêneros para o Pará e Maranhão e esta cidade, ou outros quaisquer portos, contados sobre o custo e gasto das suas carrega­ções, na forma seguinte: primeiro administrador vencerá, sobre o dito importe, 4%; e o segundo administrador vencerá, sobre o -dito importe, 3%, que fa­zem 7%" 12 •

À primeira vista pode parecer que esta decisão não tinha interesse maior. Todavia, ela foi bem pensada, dados os seus reflexos no comércio, em virtude do relativamente insignificante movimento de vendas de mercadorias; e a um mesmo tempo constituía um incentivo para que eles se esforçassem por com­prar cada vez mais escravos, nos quais a Companhia punha todas as suas atenções, porquanto só com o aumento da mão-de-obra compulsória poderia incrementar o desenvolvimento econômico do norte brasileiro. De resto, a empresa tinha consciência de que o negócio principal desse setor gravitava fundamentalmente à volta dos escravos.

Aproveitando este movimento de pessoal, foi mandado para Cacheu "o caixeiro de Bissau, Estêvão Pedro da Silva Lemos, prático no negócio do país, o qual vencerá por seu estipêndio 1,5 % sobre as remessas feitas", nas mesmas condições fixadas para os administradores; e, "para segundo caixeiro, João Gomes Pereira, com a remuneração de 1 % " 12

O caixeiro Estêvão Pedro da Silva Lemos, talvez porque fosse pessoa da confiança da Junta da Administração, não caiu no agrado dos administradores e, mal assumiu as suas funções, entrou em conflito com eles, e a tal ponto as posições se, extremaram que os mesmos administradores, sem que tivessem

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poderes para tanto, resolveram despedi-lo em 1769. O caso chegou ao conhe­cimento de Lisboa e, em carta de 26 de março de 1771, dirigida aos adminis­tradores de Cacheu, a Junta, em termos duros, manifestou o seu desagrado por aquela atitude; e a dado passo da carta diz: "amargamente nos queixamos do despótico e absoluto poder com que, sem jurisdição ou domínio algum, des­pedissem dessa administração o caixeiro Estêvão Pedro da Silva Lemos" 13

Já depois de extinto o monopólio, portanto na fase de liquidação, a Com­panhia resolveu exonerar os administradores de Bissau, Francisco José Gomes e Marcelino António Correia, enviando-lhes a seguinte carta em 6 de junho de 1779:

"Observando esta Junta o pouco ou nenhum zelo com que V.m. têm portado nos interesses da Companhia, procurando unicamente a sua própria conveniência em total prejuízo da mesma (o que nada a esta Junta é oculto), para evitarmos o decurso de maior ruína temos resolvido suspender V.m. dos seus empregos de administradores, para o que mandamos os adminis­tradores de Cacheu, Pedro Raiz de Sousa e Càetano Baltasar de Melo, assumir a gerência" 14

Segundo esta carta e outras anteriores, apura-se que Pedro Roiz de Sousa, que pedira a exoneração do seu cargo de administrador, veio a ser reintegrado pelo menos entre 1775 e 1776, e colocado em Cacheu. Daí que, em 1780, tivesse sido integrado no elenco de Bissau com Caetano Baltasar Machado de Melo. Deduz-se que na fase final, em Cacheu, se tivesse man­tido apenas Manuel António Barrabino Ravara, até pela circunstância de a Companhia haver cessado a sua atividade comercial para se dedicar mais à cobrança das dívidas relativas a empréstimos feitos em anos anteriores.

Como se verifica da lista dos nomes dos administradores, em uma e outra Feitoria, houve períodos relativamente longos (de 2 e 3 anos) durante os quais os administradores se mantiveram em funções, e aparentemente com relações cordiais entre si. Pensamos, contudo, que isso se ficou a dever mais a conveniências pessoais, tolerando-se mutuamente como forma de conseguir os seus interesses materiais, advindos dos negócios ilícitos que desenvolviam, convictos de que a Companhia ignorava a situação. E uma das provas reside na carta de suspensão de Francisco José Gomes e de Marcelino António Correia. ~

5. Como se sabe, a Companhia debateu-se sempre com a falta de mão­de-obra especializada, não só para a reparação das embarcações ao serviço do setor Bissau-Cacheu, como durante as obras de construção da Fortaleza de Bissau. A enorme mortandade entre os operários e trabalhadores enviados de Cabo Verde para a sua edificação obrigou a que a Companhia, em 1767-1768, fizesse embarcar um pequeno grupo de artífices com destino a Bissau, como adiante aludiremos. De Cabo Verde, as autoridades protestavam contra o recrutamento compulsivo de trabalhadores e, sobretudo, pelos maus tratos e péssima (e inadequada) alimentação que se lhes dava. O engenheiro Manuel Germano da Mata, responsável pela obra, não deveria dar a merecida aten­ção a este problema, embora soubesse inviável o recrutamento local de ser-

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ventuários. Só restava, assim, obter serventes e operários em Cabo Verde. A dada altura, porém, a Companhia teve conhecimento das constantes reclama­ções contra a má alimentação, os castigos aplicados e as mortes dos serventes, não só em conseqüência de tudo isso, como também pela ação do clima. e nessas condições que numa longa carta, de 12 de outubro de 1768, dirigi­da ao engenheiro Manuel Germano da Mata, dizia:

"O que suposto é -digno de se lamentar pela notícia que nos tem dado o grande número de pessoas que tem falecido à pura necessidade por causa da ruim distribuição dos mantimentos, o que causa horror nessas Ilhas de Cabo Verde, que os homens que se procuram nelas para ir trabalhar na dita obra antes querem morrer nelas precipitando-se das rochas ao mar do que em padecer nessa terra fomes e misérias a que os obrigam, o que a V.m. terá constado por não poderem deixar de cá chegar esta notícia. E como esta gente é a mais precisa para a fábrica dessa Fortaleza, pois sem ela nada pode resultar, recomendamos a V.m. o seu bom tratamento conciliando-se-lhe as vontades e animando-os ao trabalho, porque só desta sorte pode ter efeito o nosso projeto" 111 •

Como o prazo previsto para a conclusão da obra fosse excedido e as reclamações continuassem a chegar a Lisboa, a 18 de janeiro de 1769, "to­mando como fundamento os prejuízos que causou ao comércio da Companhia a demora na conclusão da Fortaleza" 111 , o engenheiro foi mandado regressar a Lisboa a fim de dar explicações sobre os fatos referidos e ainda sobre os enormes gastos feitos com a construção.

Foi, pois, com o intuito de colmatar a falta de pessoal espe­cializado que a Companhia fez embarcar para Bissau os seguintes indivíduos, em 1767 /1768 16

:

1) Valeriano de Bastos, tanoeiro, com ordenado de 6.000 réis mensais. 2) Joaquim das Chagas, carpinteiro de ribeira. 3) Manuel de Jesus, carpinteiro de ribeira. 4) Joaquim da Silva, calafate. 5) José da Silva, calafate. 6) Isidoro Leal, tanoeiro, com o ordenado mensal de 8.000 réis. 7) Paulo José Alves, cirurgião, com o ordenado de 260.000 réis por ano. 8) Isidoro da Amorim de Lima, cirurgião, com o ordenado de 200.000

réis por ano. 9) João Manuel Teixeira, sangrador, com o ordenado de 100. 000 réis

por ano. 10) José Pereira, 2.º sangrador, com o ordenado de 90 .000 réis por ano. A um mesmo tempo, possivelmente para aliviar as cadeias de Lisboa, o

governo mandou entregar à Companhia "30 degredados de galés ", todos ho­mens, para a empresa proceder ao seu transporte e utilizar o seu trabalho, sendo 6 para Cabo Verde, 12 para Bissau e 12 para Cacheu, conforme se vê da lista seguinte 17:

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N.º

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

14

15

16

17

18

19

20 21

22

23 24 25 26

27 28 29 30

Nomes

Francisco Pereira ..... .

Pedro Rodrigues ...... .

Tomás Garcia ... . , • • • •

Luís da Silva .... . .. .. .

José Raiz de Araújo .. .

António Raiz ......... .

José de Morais ....... .

João António .. .... . .. .

António Martins .. .. . . .

Francisco da Costa

João Raiz Mofado

Manuel Galvão ....... .

António Machado ..... .

Geraldo Dias . . . ..... . .

João Pedro . . . ... . . .. . .

José Soares . .. .... . ... .

Francisco Ferreira

Agostinho Franco

Joaquim José .. . ...... .

António Rodrigues .... .

Romão António ...... .

José Baptista ......... .

António José Coimbra ..

António José ... . ..... .

Joaquim José .. . .. ••• • •

Pedro Garcia . ... . .. . . .

Manuel da Costa . .. .. .

José Pires ............ .

Félix Joaquim dos Santos

Eusébio José . .. ...... .

Idade

50

23 33 38

35

22

35

34

30

43

43

72

52

28

29 28

50

40

30

22

21

28

20 29 30,

23

20

30

20 34

Profissão

Alfaiate

Carpinteiro Alfaiate

Serrador

Serralheiro

Caldeireiro

Ferreiro

Pedreiro

Cabouqueiro

Sapateiro

Sapateiro

Sapateiro

Barbeiro

Sapateiro Barbeiro

Pedreiro

Sapateiro

Sapateiro

Sapateiro

Alfaiate

Barbeiro

Sapateiro

Alfaiate

Sombreiro

Ferrador

Tecelão

Cordoeiro

Tecelão de linho

Seleiro

Alfaiate

Anos de pena a

cumprir

IO

10

lO

10

5

10

T.V. 5

T.V. 10

T.V. 6

10 4

10

T.V. T.V.

10

10

4

5

5

s/ind.

5

5

10

5

5 T.V. T.V.

Destino

Bissau

..

"

"

.,

..

Cacheu

.,

..

Cabo Verde

..

,.

Uns estavam condenados a pena temporária, alguns a penas ligeiras e 7 por toda a vida (T.V.). As profissões destes delinqüentes são muito va­riadas, predominando os alfaiates (6), os sapateiros (7) e os tecelões (2). estes mandados para Cabo Verde.

Ao serviço da construção da fortaleza de Bissau esteve durante algum tempo, como adjunto do engenheiro Manuel Germano da Mata, a quem se atribuía patente de tenente-coronel, um indivíduo, igualmente dado como en-

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genheiro, de nome António Carlos Andréas. Como porém fosse dado a cons­tantes desordens, negligenciando os trabalhos de que fora incumbido, devido principalmente ao uso imoderado do vinho, foi exonerado do cargo, reduzido à condição de soldado e degredado para Cabo Verde 18

• Era casado com Mar­garida Antónia de Castro e Silva. A administração da Companhia, a despeito de tudo, decidiu mais tarde tentar recuperá-lo e, nessas condições, em 2 de setembro de 1770, enviou ao Governador de Cabo Verde uma carta, pedindo­lhe fizesse uma diligência discreta junto de Carlos Andréas, indagando se es­taria disposto a tomar a seu cargo determinados serviços, a saber:

• a elaboração de um "plano dessas ilhas, dos seus portos; da como­didade deles para o comércio; das paragens donde se produz a urzela, que ainda podem estar desconhecidas; do número dos seus habitantes, distinguin­do os sexos, as idades, os negros, os pardos, os brancos, os livres e os escra­vos; das vilas e lugarejos e sítios habitados; e outras notícias desta qualidade de que a mesma Compahia quer ser informada" 18

E, com o fim de esclarecer melhor o que desejava a empresa, na aludida carta, acrescentava-se: "que se ele António Carlos Andréas, emendando-se do seu desprezível vício do vinho, se acha com forças bastantes para empreender semelhante trabalho, este será o único meio de V.m. poder tomar sobre si e recomendá-lo à Corte e lembrar o seu aditamento" 18•

Nada encontramos a respeito desta tentativa de realização de um in­quérito com as características apontadas, relativo a Cabo Verde, por Carlos Andréas. Sabe-se todavia que, por aquela data (1770), António Carlos An­dréas fora incumbido pelo governador de Cabo Verde de fazer uma sindi­cância aos atos dos capitães-mor do Fogo e da Brava que, entrando em con­flito, se acusavam mutuamente da prática de um sem-número de irregulari­dades no exercício dos seus cargos. Nesse conflito estava envolvido o admi­nistrador da Companhia na Ilha do Fogo, Manuel José da Silva Cardoso, acusado na prática de "danos graves da real Fazenda". Concluída a sindi­cância, Andréas informou, entre outras coisas, que "havia na Vila e nos Mos­teiros, casas da Companhia do Grão-Pará e Maranhão que eram adiantadas, a primeira por José Cláudio e a segunda por António da Rosa, sendo este o capitão-mor genro do José Cláudio, que por este fato servia de sargento­mor nos Mosteiros António da Rosa, que igualmente roubava" 10

• A respeito desta sindicância, Senna Barcelos acrescenta: "o sindicante encontrou gran­des embaraços na sua sindicância por ter sofrido as mais atrozes guerras do capitão-mor, do Vigário, que era seu tio, do administrador da Companhia, seu sogro, e do Juiz, seu cunhado, que todos reunidos constituíam um bando de patifes consumados" 19•

O capitão-mor do Fogo era Jorge Henriques. Se tudo isto é verdadeiro, Andréas poderia ser um alcoólico, mas não

um desonesto. Como . sindicante, teve de enfrentar o conjunto de agentes de autoridade, entre si ligados por laços de parentesco e, sobretudo, por interes­ses materiais. E, na defesa destes, não se importavam de cometer toda a espécie de ilegalidades.

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Nada mais se diz em relação a Carlos Andréas, pelo que, repetimos, não deve sequer ter tentado a execução do levantamento, nas condições exi­gidas pela Companhia ao governador de Cabo Verde, na citada carta de 17 de setembro de 1770.

* * *

6. No que· toca ao Setor do Brasil (Maranhão e Pará), as informações recolhidas sobre o quadro do pessoal são escassas. Sabe-se pela correspon­dência que as Feitorias eram dirigidas por administradores (por vezes em número de três, embora o mais corrente só fossem dois), auxiliados por um guarda-livros, por dois ou três caixeiros e um chamado "letrado", este com o ordenado de 200. 000 réis anuais. Ao findar o monopólio, as Feitorias fo. ram providas de um Procurador, a quem cabia o encargo de diligenciar pelo andamento da cobrança das dívidas, dos processos de execução dos devedores e dos espólios deixados por estes quando faleciam; e, até por vezes, a ad· ministração das Roças hipotecadas para garantia de dívidas, por decisão dos tribunais, a fim de assegurar a normal colheita de fr~tos e sua venda com vista à amortização das contas.

Tanto quanto foi possível averiguar, estiveram ao serviço da Companhia os seguintes administradores:

No Maranhão 1) Bernardo Roiz de Lima. 2) Joaquim Barbosa de Almeida. 3) José Vieira da Silva. 4) Miguel José Caetano. 5) Francisco Pereira Vicente Ferreira da Costa. 6) António Botelho de Almeida. 7) Bonifácio José Lamas. 8) Luís António Ferreira de Araújo (falecido em 1800).

A ajuizar pelo conteúdo de uma carta datada do Maranhão, a 10 de março de 1810, dirigida à Comissão Liquidatária por Bernardo Roiz de Lima, houve uma grande estabilidade do pessoal da gerência. Bernardo Raiz de Lima, por exemplo, esteve ao serviço da empresa de 1756 a 1784 (28 anos) e continuou como representante eleito pela Comissão Liquidatária. Casou no Maranhão e em 1804 faleceu-lhe a mulher, de quem houvera "10 filhos me­nores". Quando deixou o serviço da Companhia e passou a auxiliar a co­brança das dívidas, possuía já uma Roça localizada na Ribeira de ltapicuru, várias dezenas de escravos e um feitor branco. Acometido em 1804 de urna doença que o tornou hemiplégico, assim mesmo orientava os serviços da propriedade, com o apoio dos filhos mais velhos, e sem descurar a conser· vação dos bens da Companhia. Quando a sua fazenda de Itapicuru foi as­saltada por uma legião de escravos da área, que pretendiam ser libertados, passou a residir nela com os filhos, de modo a assegurar os seus interesses.

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Esta situação não foi inédita. Quase todos os administradores da Com­panhia compraram as suas Roças, dedicando-se à agricultura e à criação de gado. A maioria faleceu no Brasil, como Francisco Pereira Vicente da Costa e Luís António Ferreira de Araújo, entre outros.

De 1803 a 1807 (ano em que faleceu), exerceu as funções de Procura­dor da Comissão Liquidatária Filipe Luís de O. Campeio, com o ordenado de 200.000 por ano, depois reduzido para 100.000, em 1806.

No Pará Nesta Feitoria apenas referenciamos quatro administradores: 1) Bernardo Simões Pereira (1760) e 2) Vicente Ferreira da Costa, ambos substituídos em 1765 por 3) Joaquim Barbosa de Almeida 4) José Vieira da Silva, estes dois últimos demitidos dos cargos em 1777

por graves irregularidades cometidas. Em carta de 26 de setembro de 1777, dirigida ao governador do Maranhão, a Junta da Administração comunicou haver despedido esses dois administradores porque "cui­davam mais nos seus particulares interesses que nos interesses comuns da Companhia, que para eles deviam aliás servir de primeiro ob;eto das suas fadigas e desvelos, ambição que se fez tanto mais escandalo­sa em Joaquim Vieira da Silva, quanto é mais notório o ir ele para essa administração endividado, e hoie não só achar-se desempenhado, mas ainda opulento e grandemente abastado . .. ".

* * *

7. Parece-nos que não nos devemos limitar a enumerar, nominal ou nu­mericamente, o pessoal ao serviço da Companhia, mas ao mesmo tempo dar a conhecer as relações recíprocas desses agentes e entre eles e os representan­tes da Coroa, em particular n9 que concerne. ao setor Bissau-Cacheu.

Como já se anotou, a nomeação dos capitães-mor para Bissau e Cacheu era feita pelo governo mediante listas com três nomes, escolhidos pela Com­panhia, segundo o alvará secreto de 1757, dentre os quais o rei nomearia um. Esta formalidade pode-nos induzir à idéia de que os escolhidos seriam sempre pessoas de confiança da Junta da Administração e que, portanto, nunca tomariam, no exercício dos cargos, medidas ou atitudes suscetíveis de .prejudicar moral ou materialmente os interesses da empresa. Mas nem sempre isto se deu. Algumas vezes os nomeados, mal ocupavam os postos, impantes da sua autoridade, procediam diferentemente. Por isso mesmo apontamos ca­sos de conflitos entre capitães-mor de Cacheu e de Bissau e igualmente entre estes e os administradores da Companhia. Limitaremos a citação a alguns dos casos mais flagrantes. Fazemo-lo sem obediência à cronologia dos aconteci­mentos.

Em carta de 14 de novembro de 1767, dirigida pela Junta da Adminis­tração ao capitão-mor de Bissau, Sebastião da Cunha Sotto-Maior, foi apre­sentada uma reclamação contra uma ordem que este dera, proibindo o negócio

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no mato - fato que a empresa considerou prejudicial aos seus interesses. Nes­sa reclamação, dizia-se:

". . . Nesta evidência somos obrigados a representar a V.m. o grande prejuízo que esta Companhia recebe (e em que talvez o não refletisse) de um bando que a toque de caixa ~andou publicar em Geba para que os moradores brancos daquela povoação não pudessem ir pessoalmente ao sertão nas suas canoas fazer negócio com o gentio, e que os pretos-forros da terra, chamados grumetes, não pudessem vir a esta Praça a vender os seus escravos, cera, marfim, etc. Poderá haver algum motivo que obrigasse a fazer esta proi­bição; porém não podemos deixar de considerar que, sendo aquela povoação tão útil ao comércio dessa Praça, não sirva de grande prejuízo o aceitar-se o seu comércio quando para este florescer é preciso haver nele toda a fran­queza. Por esta e outras justas razões que maduramente temos ponderado pedimos a V.m. mande levantar o dito (bando) por não sermos obrigados a recorrer para este efeito ao soberano" 20•

O capitão-mor não tomou em consideração a advertência feita no final da carta e manteve a proibição em Geba do negócio itinerante no mato.

A Companhia voltaria à carga, escrevendo-lhe em 18 de janeiro de 1769, nos seguintes termos:

"Por estes tão justificados motivos, pedimos a V.m. logo à chegada desta mande a tom de caixa publicar um édito em que concede uma franqueza de comércio para que toda a pessoa que pretender negociar em qualquer porto de alguma povoação desse distrito possa transportar livremente dessa Praça as fazendas que pretender, solicitando por licença de V.m. se assim for cos­tume, a qual por nenhum princípio lhe será negado" 21 .'

Nenhuma solicitação demoveu o capitão-mor, mesmo a despeito da longa troca de correspondência ( com pouco interesse para o conhecimento da evolu­ção do diferendo) que durou cerca de seis anos.

A Junta da Administração optou, então, talvez incitada pelos administra­dores de Bissau, que viam a decadência do comércio de Geba, por recorrer a procedimento drástico, utilizando a influência de que gozava junto da corte. Baseada provavelmente em eventuais irregularidades cometidas por Sotto-Maior no exercício do seu cargo, a Companhia obteve autorização régia para proce­der à sua prisão, seguida do confisco dos bens que lhe fossem encontrados e cujos valores se demonstrassem incompatíveis com o montante dos seus pro­ventos normais.

Não conhecemos os termos exatos da ordem, mas, pel~ carta de 17 de outubro de 1775, dirigida ao sargento-mor de Bissau, lgnácio Xavier Baião, podemos deduzir alguma coisa. Logo de começo, escreve-se:

"Em uma das ditas cartas nos participa V.m. com cabal individuação e pronta e ativa diligência com que procedeu à prisão do governador que foi dessa Praça, Sebastião da Cunha Sotto-Maior, e de todas as sucessivas provi­dências com que V .m. se portou na segurança dos seus bens e disposição que de todos eles fez, o que tudo não só pareceu muito acertado, mas nos consta ter sido conforme ao agrado de S. Majestade" 22•

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Em substituição de Sotto-Maior foi nomeado capitão-mor de Bissau o alferes-tenente Pedro Jorge Correia, que ali chegou a 10 de abril de 1775.

O sargento-mor lgnácio Xavier Baião elaborou, em 1.0 de agosto de 1777, a relação dos bens confiscados a Sebastião da Cunha Sotto-Maior, e que cons­tavam do seguinte 23 :

Em Bissau:

37 escravos, arrematados pela Companhia . . . . . . . . . . . . . 1 . 722. SOO

6 panos ordinários, de Cabo Verde . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9. 000

17 panos de Bixo, de Cabo Verde ................... .

30 panos de Cabo Verde .......................... .

3 panos azulados, da terra ....................... .

156 panos jugulados da terra ....................... .

236 panos brancos da terra ........................ .

43 grilhões em ferro, para escravos ................. .

Em Geba:

25 panos ordinários de Cabo Verde ................. .

26 panos de Bixo de Cabo Verde .................. .

1 pano de vestir de Cabo Verde ................... .

124 panos jugulados da terra ....... - - ............. .

55 panos brancos da terra

51.000

45.000

4.500

124.000

94.400

5.600

37.500

47.000

4.000

99.200

22.000

Soma ............ 2.265.700

Diversos outros bens . . . . . . . . . . . . . • • . . . . . . . . . . . . 2. 331 . 212

Total ... 4.596.912

Desta relação podemos concluir que Sotto-Maior transgrediu as leis que proibiam o exercício do comércio por parte das autoridades e, nessa base, a Coro.a teria anuído à sua prisão e ao confisco dos bens de natureza mercantil. Ele possuía 37 escravos, certamente para venda, e um sortimento de 105 pa­nos de confecção cabo-verdiana, 574 outros panos de confecção guineense e 43 grilhões em ferro para segurança de escravos, além dos não discriminados.

Outro problema de competências que se deb;:iteu por alguns anos entre os administradores da Companhia em Bissau e Cacheu, e mesmo entre as próprias autoridades, foi o de se saber a qual delas se deveria subordinar o comércio do Presídio de Geba. A partir da fundação do Presídio de Farim (1642-1645) por Gonçalo de Gamboa Aiala, feita pela deslocação forçada dos negociantes brancos fixados em Geba, este centro passou a depender da autoridade de Cacheu - isto a despeito da enorme distância que os separava

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e sobretudo das dificuldades nas comunicações. Como se situa muito próximo de Bissau, a administração da Companhia nesta última Praça entendia que deveria fornecer as mercadorias a crédito e receber os escravos procedentes do leste do território. As autoridades de Cacheu e os próprios agentes da Companhia, porém, pretendiam o contrário: que deveria caber à Praça de Cacheu a jurisdição sobre Geba. O desentendimento entre uns e outros obri­gou a Junta da Administração a ~xpor o caso ao governo, a fim de obter uma resolução definitiva. Fê-lo numa longa exposição de 1776: ,;Primeiramen­te é certo que distando de Cacheu a povoação de Geba 120 léguas caminho de mar, de Bissau só 60 pelo rio acima, pode com mais facilidade e prontidão ser de Bissau socorrida aquela povoação em todo e qualquer tempo do ano, o que não sucederá sendo subordinada a Cacheu. Além do que, se a referida povoação for subordinada à Praça de Cacheu, em pouco tempo seria de todo resgatado por ser uma grande parte dos seus moradores gentios que, faltando­lhe a força para os conter na obediência, livremente se entregam à prática das maiores desordens e com a mais pungente devassidão aos contínuos contra­tadores que farão com os estrangeiros que atualmente andam sempre girando por aquelas costas. Acrescem os prejuízos que em tal caso experimentam os moradores na falta de gêneros para o seu com~.;cio, pois ainda a quererem prover a Cacheu os obterão por um excessivo preço pelas maiores despesas de navegação e transporte e pelas incertezas do tempo. Além dos prejuízos e riscos a que se expõem na referida navegação os moradores, segue a pon­derar os irreparáveis danos que sentirá a Companhia porque em tal caso se verá obrigada a administração de Bissau a não fiar coisa alguma para a povoação de Geba, para não porem em risco o cabe9al da Companhia, pois acontecendo, por exemplo, falecer qualquer devedor e devendo a Companhia proceder à segurança das suas dívidas na apreensão dos escravos antes que fujam, e na arrecadação dos bens antes que se alienem, o que tudo até agora se pratica com brevidade que em tais casos pede e a breve instância permite, serão necessários só para ir a Cacheu despachar uma petição 12 a 15 dias, além dos que hão-de ser precisos para dali ir a Geba, onde, quando chegar a embarcação nem dos escravos haverá memória, nem dos bens vestígios. Não são estes os únicos casos em que a Companhia se sentirá agravada a .verificar­se a pretendida alienação do governo de Geba do comando de Bissau, porque a administração desta Praça continuamente está mandando àquela povoação em diversos tempos a vender cola, a buscar os gêneros da produção daquele distrito, e a ser obrigada a Companhia todas as vezes que quiser a mandar a Geba suplicar a Cacheu licença, que cada uma lhe importará pouco mais ou menos 34. 000 réis, no fim de cada ano em que cabedal não vern a ficar à Companhia só para impetrar licenças, além do risco que correr,1 as embar­cações nos meses de julho, agosto e setembro na passagem do Garamancho no encontro do gentio de Botê, Cacalém e outros mais?"

"Os contrabandos dos moradores de Geba ficarão sendo absolutamente inevitáveis porque, no caso de os ditos serem providos e socorridos de Ca­cheu nas viagens que fizerem para esta Praça, de necessidade há-de passar pelo ilhéu chamado do Elefante, onde costuma estar surtos a negociar muitos

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navios estrangeiros, e com os quais negociarão os escravos e cera que levarem, levados da melhor conveniência que os estrangeiros lhes oferecem, e dali mes­mo voltarem outra vez a Geba sem irem a Bissau, nem a Cacheu" 24 •

Foi a forma de pôr termo a um atrito entre os capitães-mor que durou anos a resolver. A Bissau foi confiada a superintendência sobre o Presídio de Geba.

Outro problema que se deparou, por vezes, no setor de Bissau-Cacheu foi o das relações entre os administradores da Companhia e os moradores, brancos e pretos. Houve a tendência para vexar e maltratar os de menores recursos. Os próprios capitães-mor se queixaram à Junta da Administração das prepotências dos seus representantes nos rios de Guiné. Disso somos esclarecidos através da carta de 28 de outubro de 1769, endereçada aos ad­ministradores de Cacheu, António José Teixeira da Cruz e Francisco José Gomes, e cujo conteúdo procuraremos dar a conhecer nas suas partes essenciais.

"Do mesmo modo que V.m. nos escrevem sobre a decadência dessa Praça originada do ambicioso regime de quem governa, que dominado das suas pensões particulares do improcedente tratamento que usa com os seus mora­dores, que os faz afugentar dos seus domicílios desterrando-se a viver em terras de gentio por não poderem aturar os seus rigores, vexando também essa administração; com este fundamento escreve também o capitão-mor (Ber­nardo de Azevedo Coutinho) queixando-se das absolutas de V.m. que preten­dem obrar tudo sem sujeições nem respeito às justiças de S.M., chegando a prender a um homem em sua casa, fazendo dela cárcere privado, de sorte que foi preciso ao mesmo capitão-mor recorrer a V.m. para a sua soltura" 2~.

Mas não se tratava apenas de abusos dos administradores, prendendo moradores e mantendo-os em cárcere privado. A um mesmo tempo a carta em apreço dá a conhecer as desinteligências entre os agentes da Companhia e o capitão-mor, inclusivamente desrespeitando as ordens recebidas de Lisboa.

"Temos recomendado - · continua a carta - de que sempre procurem cultivar uma perfeita harmonia não somente com o dito capitão mas tam­bém com todos os moradores dessa Praça, sendo muito precisa a do primeiro para o ter propício para todas as dependências da Companhia, e os segundos para a circulação do comércio, e não é justo que V.m., com o título de admi­nistradores, pretendam mostrar-se isentos da jurisdição da Junta e que esta es­teja ao seu arbítrio; e menos que os moradores lhe obedeçam, devendo humi­lhar-se e sujeitar-se a todos conforme requerem os interesses da Companhia; todas estas admoestações eram escusadas, fazendo V.m. um prudente recurso para conhecer o que- é necessário para exercer o seu emprego com satisfação de todos, e como todo o referido é do nosso desagrado, estimamos que daqui em diante evitem todos os motivos que possam dissaboriar-nos" (sic) 25 •

As dissidências com o capitão-mor de Cacheu, Bernardo de Azevedo Coutinho, que fora nomeado por carta régia de 14 de novembro de 1766, eram antigas. Já em carta de 2 de outubro de 1768, que a Junta da Admi­nistração lhe endereçara, chamava-se a sua atenção para o fato de haver

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proibido a todos os moradores o negocto no mato, lançando um bando em que ninguém podia sair da Praça com mercadorias, nem "trazer os seus re­tornos, e girar por esta forma, o seu comércio só pode limitar-se ao pequeno circuito dessa povoação" 26

• E em dado período registra: "Ainda não acre­ditamos esta voz pública e que seja certa ignoramos o fundamento que V.m. terá para esta proibição, que no nosso entender não havendo causa oculta nos persuadimos ser prejudicial ao comércio ... ". E de seguida remata: " ... de­pois desta Junta nos chegaram novos avisos por via de Bissau, a consterna­ção em que se acha o comércio de Cacheu e da grande dissolução da Praça de Farim, tudo causado das opressões que V.m. faz àqueles moradores, o que se nos faz indispensável acudir, solicitando as paternais providências de S.M. para proteção dos seus fiéis vassalos" 26 •

Do teor da correspondência consultada apura-se que a frase anterior (não havendo causa oculta) correspondia ao conhecimento que a Companhia tinha de que as medidas adotadas pelo capitão-mor no tocante à proibição do comércio no mato visavam proteger um seu irmão, o alferes-tenente Francisco José de Azevedo Coutinho, que montara uma rede de intermediários, os quais lhe compravam, no mato, cera e marfim, enviados depois por ele para Lisboa, em nome de terceira pessoa, nos navios da Companhia 25 •

Como sempre a Companhia, sigilosamente, manejou os seus protetores na Corte, e a 10 de dezembro de 1770 comunicava aos seus representantes em Cacheu que, ". . . penetrados do sentimento que nos causam as vexa­ções que o capitão-mor Bernardo de Azevedo Coutinho ocasiona ao comér­cio dessa Praça com o despótico poder que oprime esses moradores, consultou esta Junta a S.M. a nomeação de novo sucessor que foi ·servida confirmar na pessoa de José Vicente Pereira que na presente ocasião segue viagem para a Ilha de São Thiago de Cabo Verde" para receber instruções do governador 27

Os desatinos dos agentes, públicos e privados, não se circunscreviam à disputa de interesses materiais e outros. Por vezes eles tomavam atitudes despropositadas (pelo menos na aparência) e que possivelmente não se jus­tificariam a esta distância no tempo. Queremos referir-nos a um ato praticado pelo sargento-mor, engenheiro Manuel Germano da Mata, enquanto dirigia a construção da fortaleza de Bissau. Não se conhecem os antecedentes e o caso está referido na carta de 29 de março de 1766, que a Companhia endere­çou para Bissau. Depois de algumas considerações, a Junta diz: "Porém, como os juízos humanos nunca são tão sublimes que se lhe não encontrem defeitos, caiu o ~e V.m. no desacerto de mandar queimar a Mesquita do gen­tio; pois sendo preciso não o escandalizar em coisa alguma enquanto eles consentem na fundaçãa da Fortaleza, e houver dependência de os levar po~ bem a esse fim, não devia V.m. dar motivo algum para o irritar, pois é sem dúvida que, sendo bárbaros e destituídos da boa razão, qualquer leve pretexto lhe servirá de fundamento para executarem os seus assaltos, e por essa causa, enquanto se não findar esta obra, procurará V.m. sempre atraí-los com be­nevolência, o que muito lhe recomendamos, e só no caso de ser preciso combater a força com força, usará de rigor que neste ponto é permitido" 28

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Vê-se do exposto que- a própria Companhia estava consciente da sua im­potência militar, em face de eventuais ataques das populações nativas, e por essa razão pretendia evitar atritos que pudessem provocar sublevações susce­tíveis de prejudicar ou impedir a construção da fortaleza.

Nesta fortificação todos punham as maiores esperanças de que obstaria às investidas dos nativos e da navegação estrangeira. Todavia, após a con­clusão da obra, verificou-se que para pouco serviu nesses aspectos.

Muito longe nos levaria este problema de intrigas, brigas e desentendi­mentos entre autoridades e agentes da Companhia que, por dilatados anos, produziu um mal-estar, e de algum modo terá concorrido para a desagrega­ção do comércio na área. O que se apura é que para essa intranqüilidade também concorreu a luta de interesses materiais e de vaidades: cada qual cioso do seu posto, função ou poder, uns e outros visando amealhar proventos - se possível enriquecer -facilmente -, talvez com alguma justificação, se considerarmos as magras remunerações (em particular as dos agentes da Co­roa, em regra pagas sempre tardiamente - com atrasos de anos). Tudo isso deveria, de certo modo, estar ligado a uma defesa instintiva dos homens pe­rante os inúmeros riscos que corriam, em razão do clima físico, do mau passadio, da vida dura no mato e da intranqüilidade derivada da agressivi­dade das populações aborígenes.

O exercício de qualquer cargo ou ocupação exigia uma contrapartida expressa em dinheiro ~u bens equivalentes, que teria de ser conquistada tão rapidamente quanto possível. E daí cada um procurar obter, sem olhar a meios, lícitos ou ilícitos, um pecúlio - modesto ou avultado. Por essas razões temos de analisar o comportamento dos capitães-mor e dos agentes da Companhia, dentro deste quadro de condicionalismos, e não dentro dos pa­râmetros da vida do nosso tempo.

Bibliografia e Notas do Capítulo 7

1. MENDES, Luís António de Oliveira. Discurso acadêmico, proferido na Academia das Ciências de Lisboa, em 12 de maio de 1793. "Memórias econômicas da Academia das Ciências de Lisboa", t. 4. Tipografia da Academia. 1812. p. 1-82. Ver Companhias Pombalinas, l. ed., Porto, 1969, p. 494-558; 2. ed., Lisboa, 1983, p. 364-420.

2. Doe. n. 19, v. 2 desta obra. 3. AHMF-CGGPM, XV/D/46. Carta da Administração de Cabo Verde para a Junta

da Administração em Lisboa, de 13 de junho de 1760, sobre a fixação de ordenados ao pessoal.

4. AHMF-CGGPM, XV/R/34. "Cartas para Cacheu e Bissau" (25-10-1778 a 13-3-1814) dirigidas aos administradores Pedro Rodrigues de Sousa e Manuel Caetano Barrabino Ravara, em 8-3-1780.

5. AHMF-CGGPM. Livro "Diário" E, XV/R/11, lançamento n. 518, de 21 de dezembro de 1780.

6. MOTA, A. Teixeira da. "Atividades marítimas dos Biiagós nos séculos XVI e XVIII". ln: Memoriam a António Jorge Dias, t. 3, Lisboa, 1974, p. 243 ss.

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7. AHMF-CGGPM. "Obrigações dos administradores da Companhia na Praça de Cacheu, José Ramos da Silva e Lourençe José Viana", de 20 d6 setembro de 1760, XV/R/36. Livro de "Cartas para Cacheu e Bissau" (25-1-1760 a 4-4-1778).

8. AHMF-CGGPM. ;Livro de "Cartas para Cacheu e Bissau", XV /R/36. Carta diri· gida em 31 de outubro de 1760 aos Administradores e assinada pela Junta da Adminis­tração: José Francisco da Cruz; Paulo Jorge, João Luís Serras, Manuel Eleutério de Castro e Domingos de Vilas-Boas. •

9 . AHMF-CGGPM. "Cartas para Cacheu e Bissau", XV /R/46. De Cacheu para Lisboa, em 8 de maio de 1762, assinada por Lourenço José Viana e Pedro Roiz de Sousa.

10. AHMF-SGGPM. Livro de "Cartas para Cacheu e Bissau", XV /R/36 (de 23-1-1760 a 4-4-1778). Carta de Lisboa para os Administradores de Bissau, António Francisco Silva e Joaquim Vieira Bernardes, p. 222.

11 . AHMF-CGGPM. Livro de "Cartas para Cacheu e Bissau" (25-1-1760 a 4-4-1778), XV /R/3 6. Carta de Lisboa de 24 de dezembro de 17 67 para João da Costa e Manuel Ribeiro Vieira, em Bissau, p. 276.

12. AHMF-CGGPM. "Cartas para Cacheu e Bissau" (25-1-1760 a 4-4-1778) , XV /R/36. Carta de 2 de outubro de 1768, aceitando a exoneração pedida por Pedro Roiz de Sousa e nomeando em substituição Pedro José Teixeira da Cruz e Francisco José Gomes, p. 298/299.

13 . AHMF-CGGPM. "Cartas para Cacheu e Bissau" (25-1-1760 a 4-4-1778), XV/R/36. Carta para Cach~u. datada de 1771, sobre o despedimento do caixeiro Estêvão Pedro da Silva Lemos, p. 298 e 336. ·

14. AHMF-CGGPM. "Cartas para Cacheu e Bissau" (25-10-1778 a 13-3-1814), XV/R/34. Carta de 6 de junho de 1779, suspendendo os administradores de Bissau Fran­cisco José Gomes e Manuel António Correia e mandando-lhes fazer entrega dos bens ao administrador de Cacheu.

15. SARAIVA, José Mendes da Cunha. A fortaleza de Bissau e a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão. Lisboa, Publicações do Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, 1947, p. 27. '

16 . AHMF-CGGPM. "Cartas para Cacheu e Bissau", XV /R/36. Carta de 26 de janeiro de 1760 a 4 de abril de 1778, fls . 303.

17 . AHMF-CGGPM. "Registro de Leis e Ordens Régias" (5 de abril de 1757 a 12 de março de 1814), XV/R/19, n. 80. Lista de degredados mandados para Cacheu, Bissau e Cabo Verde. Datadas do Palácio da Ajuda, a 5 de janeiro de 1770.

18. AHMF-CGGPM. Livro de "Re!?istro de Leis e Ordens Régias" (de 7 de julho de 1755 a 9 de janeiro de 1879), XV/R/22, n. 83. Carta dirigida ao governador de Cabo Verde em 2 de setembro de 1770 sobre o engenheiro António Carlos Andréas, fls. 27-28.

19. BARCELOS. Cristiano José de Senna. Subsídios para a história de Cabo Verde e Guiné. T. 3, Lisboa, Tipografia da Academia, 1905, p. 52-53.

20. AHMF-CGGPM. "Cartas para Cai:heu e Bissau", XV /R/ 36. Carta de 14 de novembro de 1767, da Junta da Administração para o capitão-mor Sebastião da Cunha Sotto-Maior, em Bissau, sobre a apreciação do comércio no mato, em Geba.

21 . AHMF-CGGPM. "Cartas para Cacheu e Bissau", XV /R/36. Carta dirigida pela Companhia, em 18 de janeiro de 1769, ao capitão-mor Francisco Roque Sotto-Maior, pedindo para franquear o negócio no mato (fls. 307).

22 . AHMF-CGGPM. "Cartas para Cacheu e Bissau", XV/R/36. Carta de 17 de outubro de 1775, dirigida ao sargento-mor de Bissau Ignácio Xavier Baião, sobre a prisão e confisco dos bens do capitão-mor Sebastião da Cunha Sotto-Maior.

23. AHMF-CGGPM. "Avulsos". XV/D/46 ( 1760-1835). Relação dos bens confis­cados ao capitão-mor Sebastião da Cunha Sotto-Maior, elaborada em !.º de agosto de 1777 pelo sargento-mor lgnácio Xavier Baião, de Bissau.

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24. AHMF-CGGPM. Registro de "Exposição da Companhia", XV/R/26, fls. 15-V .1 17. Exposição sobre a que entidade deveria caber a jurisdição do Presídio de Geba: 5e a Bissau, se a Cacheu.

25. AHMF-CGGPM. "Cartas para Cacheu· e Bissau", XV /R/36, fls. 316. Carta de 28 de outubro .de 1769, dirigida a Cacheu.

26 . AHMF-CGGPM. "Cartas para Cacheu e Bissau", XV /R/36, fls. 300-302, diri­gida em 2 de outubro de 1768 ao capitão-mor de Cacheu, Bernardo de Azevedo Cou­tinho.

27. AHMF-CGGPM. "Cartas para Cacheti e Bissau", XV/R/36, fls. 354. Carta de 10 de novembro de 1770, dirigida aos administradores de Cacheu, comunicando a substi­tuição do capitão-mor Bernardo de Azevedo Coutinho por José Vicente Pereira.

28 . AHMF,CGGPM. "Cartas para Cacheu e Bissau", XV/R/36, fls. 181. Dirigida ao sargento-mor Manuel Germano da Mata, em 29 de março de 1766.

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8 A DECAD:E:NCIA DA POSIÇÃO PORTUGUESA

NO OCIDENTE AFRICANO

1. A perda da pos1çao portuguesa no comércio e na fixação em toda a costa ocidental africana não constituiu um fenômeno novo durante a vida da Companhia monopolista. Vinha de séculos atrás, e a fundação da Com­panhia, em parte pelo· menos, teve em vista diminuir ou estancar o acelera­mento dessa decadência. Diversos fatores (alguns já apontados em capítulos anteriores) contribuíram para isso. A nosso ver - sem que tenhamos a in­tenção de lhe dar uma hierarquia de valores - 1 podemos apontar os seguintes:

• A carência de meios financeiros e humanos por parte da Coroa, fato que de si agravava a situação, na medida em que se dilatava a exten­são territorial descoberta ou conquistada, sem se consolidarem com forças militares os pontos-chave.

• A desmedida concorrência comercial desencadeada desde o segundo quartel do século XVI pelos franceses, ingleses, holandeses, acompa­nhada de atos de pirataria e da guerra de corso.

• As guerras entre grupos étnicos africanos, visando ao domínio dos povos mais fracos, guerras essas motivadas por ambições das camadas político-religiosas, com vista à criação de grandes estados ou para a difusão de credos religiosos, dos quais se destaca o islamismo.

• As operações de razia e escravização de oovos, imolementadas em particular - e com alguma sutileza - pelos traficantes de escravos que jogavam com a intriga COII).O forma de manter o estado perma­nente de tensão entre os chefes e, conseqüentemente, evitar o mais possível o entendimento entre eles.

• A cobiça e a ânsia de poder e da posse de elementos representativos de riqueza, sempre manifestadas pelas camadas sociais mais destaca­das: régulos, sacerdotes-mágicos, almamis e outros.

• O negócio considerado (pelas leis) ilícito e portanto feito em contra­bando, designadamente por estrangeiros.

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Não é fácil - antes quase impossível - dar uma visão, mesmo esbatida, do que foi a luta dos africanos entre si e destes com os traficantes, nacionais e estrangeiros, nos quase quatro séculos de vigência do tráfico negreiro. De resto, este é um problema Hgado com o da história da ocupação européia nesse con­tinente, e que ainda está multo longe de ser feita ou mesmo projetada.

Se meditarmo·s um pouco no que foi esse "campo de batalha" na costa africana, relacionando os l:lcontecimentos com o progresso urbanístico da costa do sul da França e da Inglaterra, e o enriquecimento destas potências através do tráfico de escravos, talvez se lance uma luz acerca do assunto. Lembremo· nos dos portos de armação dos navios negreiros e do que eles vieram a ser como centros urbanos e de negócios e talvez, então, possamos compreender melhor o grande investimento de capitais e de meios materiais para esse im­portante comércio.

Numa escala mais modesta podemos apontar para a intervenção dos espa­nhóis no tráfico, como Sevilha, Cádiz, São Lúcar de Barrameda e outros por· tos do sul.

Estas curtas citações mais não representam que simples pontos de referên­cia, e que em nossa opinião pareceram necessárias para uma melhor e mais ajustada avaliação da evolução do problema durante a segunda metade do sé­culo XVIII, quando surgiu a Companhia.

Como dissemos em outro passo, Portugal tentou frouxamente barrar o caminho à concorrência das nações mais poderosas, quando enveredou pela criação de Companhias monopolistas destinadas ao abastecimento do Brasil em mão-de-obra escrava. Falhas de capitais e mesmo de apoios oficiais, essas pri­meiras empresas viveram sempre em dificuldades de toda a ordem: de navios, de mercadorias, de crédito e sobretudo de uma iniciativa .arrojada, determinan­te. Parece mesmo que, logo à nascença, elas sentiam as suas próprias fraque­zas e, pior do que tudo, por uma incapacidade congênita, não reagiam. Daí que, nos regimentos dados aos capitães-mor e no articulado dos estatutos das empresas (de 1676 a 1690), se fixasse o princípio de obrigatoriedade da ma­nutenção - e da construção - de fortins, apelidados de fortalezas, indispen­sáveis à defesa de cada Feitoria comercial implantada, no Casamansa, no Ca­cheu, em Bissau, em Guínala, como se pode provar por quantiosa documenta­ção. Outro ponto em que essas leis insistiam era na proibição da entrada de navios estrangeiros - e de comércio - nos portos portugueses. Os fortins construídos, quer por falta de materiais resistentes e de meios para a sua im­portação, quer pela incúria dos agentes da Coroa, mais não representaram do que um meio defensivo extremamente vulnerável, mesmo ao ataque dos nati· vos, pela circunstância de as instalações ( as chamadas "Casas Fortes") serem cobertas a colmo e, portanto, facilmente sujeitas a serem incendiadas pelas próprias populações locais - o que se deu com desusada freqüência -, pela falta de artilharia e mesmo de espingardas e de pólvora.

Além destas falhas, em regra, as fortificações estavam desprovidas de guarnições treinadas e em condições de se oporem a qualquer ataque do ini­migo 1 • São Jorge de Mina, por exemplo, onde o rei de Portugal mandou cons­truir uma enorme fortaleza, obedecendo aos requisitos militares daqueles tem-

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pos, precisamente por carênci_a de guarmçoes e de pólvora, não pôde resistir ao embate dos ingleses que dela se apossaram, expulsando os portugueses.

Outra ·deficiência grave, gue tornava vulnerável esses sistemas defensivos, residia na falta de reabastecimento regular, seja de armamento, seja de víveres, o que colocava os oficiais e os soldados na situação deprimente de terem de sustentar-se com os produtos da terra, e quando as autoridades tradicionais os forneciam; de terem de andar nus (ou quase) e falhos de qualquer sentido de disciplina militar, precisamente porque de Lisboa não lhes enviavam os fardamentos e o mais que era necessário.

Quando alguns autores apontam a expansão portuguesa em África como tendo sido apoiada por um espírito militarista e por fortes contingentes de tropas, começamos por pensar que eles possuem uma noção pouco exata do assunto - isto para não dizer uma noção errada. Se excepcionarmos a or­ganização das armadas que expulsaram do Brasil holandeses e franceses, e de Angola (os primeiros), nos séculos XVII e XVIII, a defesa das poucas posições ocupadas no ocidente africano, constituiu uma série sucessiva de fracassos, manifestação de penúria de toda a ordem, precisamente pelas razões sucintamen­te apresentadas: carência de meios financeiros (até de crédito na banca es­trangeira), de meios militares, terrestres e navais, para enfrentar as investidas dos opositores ou inimigos - estes fortemente armados e com os seus planos, a médio e longo prazo, bem definidos. Está amplamente comprovado que as guarnições portuguesas, em particular nos rios de Guiné, eram compostas de muito poucos europeus, oficiais e soldados - estes em regra degredados -, vencendo soldos miseráveis, sempre em atraso durante anos, sem armamento nem fardas, vivendo uma vida de salteadores. Essas guarnições eram compostas por dois ou três europeus, enquadrando as milícias recrutadas (compulsivamen­te) em Cabo Verde. A falta de pagamento atempado dos soldos obrigava-os a vender catanas ou terçados - quando não as próprias armas -, a orga­nizarem-se em bandos, fazendo assaltos aos poucos estabelecimentos comer­ciais fixos nesses miseráveis núcleos urbanos, saqueando-os para se poderem sustentar, isto é, para comerem. E quantas rebeliões dos. soldados houve em que prendiam os oficiais por os responsabilizarem pelo pagamento atrasado dos ptés? :e. melhor não falarmos nisso. Para uma situação degradante de pe­miria, os portugueses apenas conseguiram impor-se pela persistência, pela te­nacidade, que fizeram deles heróis à força. A ocupação militar portuguesa pri­mou sempre pela habilidade de "dividir para reinar", aproveitando-se das de­sinteligências entre os grupos étnicos para se apoiarem naqueles que a eles se juntavam.

Como dissemos, foi norma formar as guarnições de Cacheu, Ziguichor, Farim, Bissau e outras, com soldados milicianos recrutados nas Ilhas de Cabo Verde, na sua maioria pretos e mulatos. Esses soldados, quando se descuidavam e ultrapassavam a linha convencional que separava os núcleos de palhotas pertencentes aos negociantes dos agrupamentos nativos, eram capturados e de­pois vendidos como escravos aos navios negreiros estrangeiros, como está documentalmente comprovado 1 •

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Cada posto militar nos rios de Guiné, em princ1p10, era dotado de uma guarnição de 15 a 20 soldados (os de Farim e Geba nunca ultrapassaram os 8); mas a falta de gêneros alimentícios e de meios de tratamento de doenças (algumas delas características das áreas tropicais) faziam com que ficassem reduzidas a meia dúzia de homens válidos. Por outro lado, as diferenças de soldos entre os que prestavam serviço em Cacheu e os que estavam em Bissau era de tal ordem, que os de Cacheu desertavam para Bissau (soldados, cabos e até sargentos), onde se apresentayPm, pedindo a sua incorporação a fim de poderem auferir melhores salários. 1! também de notar que o pagamento dos soldos foi quase sempre feito em espécies (panos de Cabo Verde, aguardente, pólvora, terçados etc.), e era com esses meios que conseguiam adquirir dos na­tivos os gêneros de subsistência. Também nesses aspectos de pormenor existe toda uma vasta gama de documentação ao alcance dos eventuais interessados no esclarecimento da matéria.

No aspecto militar - tanto quanto nos elucida a documentação -, du­rante séculos, a vida das chamadas Praças e Presídios foi sempre dura e miserável. A tropa vivia enclausurada nas paliçadas de estacaria de madeira ou nos redutos constituídos por montes de terra ensacada, como forma de­fensiva e, portanto, impossibilitadas de tomar a iniciativa do ataque às forma­ções militarizadas dos chefes e povos aborígenes. Ou, então, adotando uma política de contemporização perante a hostilidade dos povos confinantes. Repe­timos: uma miséria de que poucos se aperceberam ainda, talvez pela circuns­tância de nunca se terem inteirado do que foi escrito.

2. Como se sabe, a Companhia do Grão-Pará construiu a Fortaleza de Bissau, que veio a ser denominada de "São José" em homenagem ao monarca, mas apresentada com o nome de "Nossa Senhora da, Conceição", no parecer do Conselho Ultramarino, na convicção de que, dotado o pequeno burgo desse meio defensivo, a um mesmo tempo evitaria a entrada no porto de navios estrangeiros e também os ataques dos Papéis-Brâmes fixados nas áreas circun­vizinhas. Concluída a construção, foi decretada a constituição da sua guarni­ção de 80 praças, e os oficiais julgados convenientes; mas nunca foi possível tê-la completa. Serviu, na realidade, de barreira às investidas do grupo étnico Papel-Brâme. Mas não impediu, no entanto, que os navios estrangeiros conti­nuassem a entrar no porto e a fazer o percurso nos rios Geba e Grande de Bçilola (ou Rio de Buba), onde comerciavam livremente sem serem perturbados pelos portugueses. Tinham o apoio das autoridades tradicionais, que os auxi­liavam (e desejavam) no comércio. O pequeno negociante fixo ou itinerante, no mato, igualmente lhes dispensava apoios de diversa ordem. Convinham-lhes essas transações, uma vez que assim podiam adquirir mercadorias por preços mais baixos do que os praticados pela Companhia, e vendiam os seus gêneros e escravos por cotações mais altas.

3. Esta longa introdução foi necessária para auxiliar a entender os casos concretos registrados durante a vigência da Companhia. E principalmente para recordar que, cerca de cinqüenta anos após a extinção do monopólio, a Fran­ça, conluiada com a Inglaterra na defesa dos interesses comuns da costa ociden­tal, dava os primeiros passos para se assenhorear do rio Casamansa, ao ocupar

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em 1828 os ilhéus situados na foz do mesmo rio, dominando dessa forma todo o seu curso e, sobretudo, depois de, em 1837, haver estabelecido um fortim na nascente do referido curso de água, ou seja, em Sejo ou Selho (o Sedhiou dos franceses). Foi uma longa luta surda, cujo epílogo se ficou a dever ao Ato Geral da Conferência de Berlim (1884-1885), de que a França se apro­veitou para impor a Portugal o acordo de 12 de maio de 1886, pelo qual se apossou de jure daquela grande via de navegação e, conseqüentemente, do Presídio de Ziguichor. Foi esse documento que deu lugar ao "nascimento" do que se chamou "Guiné Portuguesa".

De acordo com os dados ao nosso alcance, apontaremos certos fatores que, em nosso entender, mais influíram na decadência da posição portuguesa nesse setor da costa africana, durante a governação da Companhia. No fundo, trata­se apenas do desenvolvimento (ou agravamento) que vinha do antecedente. As­sim, temos:

• as freqüentes guerras entre grupos étnicos; • a fuga dos moradores dos núcleos de povoamento fixo para o mato,

em conseqüência do despotismo e das arbitrariedades dos capitães-mor e dos próprios agentes da empresa, o que fazia avolumar o chamado contrabando;

• a concorrência feroz dos negociantes estrangeiros, facilitada pelos ré­gulos e pelos traficantes itinerantes locais;

• a comprovada incapacidade do poder político e do diminuto número de negociantes-armadores portugueses nos rios de Guiné para enfren­tar os estrangeiros, e muito menos ainda para os afastar da área.

Esta enumeração não envolve qualquer sentido de prioridade dos even­tos. Isoladamente ou em conjunto, todos eles concorreram, em maior ou me­nor escala, para o descalabro da posição portuguesa.

As guerras entre grupos étnicos, fenômeno bastante antigo 2 , perduraram ainda até ao início do século XX.

Acerca de alguns dos aspectos enunciados - e a comprovar as nossas afirmações - transcreve-se a carta de 10 de maio de 1775, endereçada ao rei pelo capitão-mor de Cacheu, António Vaz de Araújo (referida em outro capítulo). "A Companhia - diz - não pode fazer negócio com o gentio e menos pôr casa de negócio nas Praças de Farim e Ziguichor e quando a ponha é só para vender aos moradores e não aos gentios ( ... ) . A guerra de Farim que tem aumentado muito faz com que se não cuide do modo de ar­recadação dos direitos da Fazenda Real que aqui só se paga quando quer, e como quer; eu não posso passar ordens a este respeito porque não tenho for­ças para as fazer executar e o que se não há-de fazer é melhor se não intente. Nesta Praça estão os moradores em tal evicção que ignoram inteiramente o que é obediência e o que é política e atenção; cada um vai para onde quer, mandam embarcações para onde lhes parece e de nada sabe o governo; daqui nascem todas as discórdias para os fazer conter nos limites do seu dever é necessário castigo que esta não é gente que se leve com prudência; os ricos porque têm mais força que o governo e não temem e os pobres porque não têm nada a perder, saltam a tabanca, estão livres e vão para os seus parentes

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e vêm à Praça cada vez que querem. ( ... ) O socorro desta Praça deve vir do Reino e se vierem mulheres será muito bom para o estabelecimento e conservação, precisa-se que em cada Praça destas houvesse dez casais de gente do Reino, não haveria as desordens que há, nem os atrevimentos que se vêem. As mulheres é grande socorro porque não gasta à Fazenda Real cá nada ( ... ) e estabelecidas com os moradores os farão conter na devida obri­gação e obediência e não fugiam para o gentio. As tropas que achei nesta Praça foram um alferes-tenente assim chamado, que faz as vezes de sargento­mor, um ajudante, um sargento, dois cabos, vinte soldados, dos quais e dos outros que vieram comigo de Cabo Verde. Chegou o socorro de Bissau, cin­qüenta homens, o refugo daquelas tropas, confessado por eles, e como se demorou tempo tem havido alguns rebates em Farim e algumas corridas em que os gentios cativaram alguns dos nossos pretos e querem dois em lugar de um _por resgate e pelos brancos (que cativam) querem muito mais. Se nos cativarem alguns, o resgate que lhe deve dar é com pólvora e bala, que pô­los no costume de os resgatar me parece o não devemos fazer porque então tem em Guiné outros Mouros de Argel."

Era a situação de miséria e de desprestígio em que se vivia! Mas, continuemos. Em carta de 8 de maio de 1762, os administradores de

Cacheu comunicavam a Lisboa: "Conhecemos o grande desvelo com que V.m. desejam o aumento do

negócio desta Companhia; ( ... ) porém ( ... ) está o gentio destas aldeias com um tão terrível projeto que em quantas guerras que temi havido desde o ano passado e tabancas que têm quebrado (se) por acaso amarram algum cativo e só sim o seu intento é matar, por cuja razão não poderá com facilidade apresar .escravatura para mais de dois navios" 8 •

Segundo tudo indica, tratava-se da guerra entre os (então) Papéis de Cacanda e Pecau com os Felupes de Batê e de Mata de Ucó, contenda que durou anos e com conseqüências graves para os grupos minoritários. Uns e outros dedicavam-se à pirataria na costa e por vezes com vista a impedir os assaltos dos Bijagós, que atormentaram toda a .costa durante séculos.

Para não sobrecarregar o texto de citações deste gênero, reproduzimos de seguida, parcialmente, a petição da Companhia feita ao rei a 22 de agosto de 1777, no sentido de serem autorizados empréstimos aos negociantes do mato. A título de justificação do pedido, a empresa diz: " ... ser de absoluta necessidade o fiar-se àqueles moradores fazendas para com elas, entrando-se pelo sertão, irem traficar com o gentio entre o qual muitas vezes ficam, ou voluntários ou cativos, pela ocasião das freqüentes e contínuas guerras qu~ entre o mesmo gentio a cada passo suscitam e de que resulta poder-se conside­rar a dívida daqueles portos quase impagáveis" 4

Em qualquer parte do munc,lo, as guerras entre os povos foram (e se• rão) inevitáveis. Só que, no cas9 considerado (e em muitos outros), o CO·

mércio é que as fomentava e alimentava, direta ou indiretamente. :É recordar apenas que a própria Companhia,: em todo o período da sua atividade, levou para Cacheu e Bissau 29. 748 espingardas e 1.541 pares de pistolas; 8.087 quintais de pólvora (461 toneladas) e 64.089 terçados ou catanas, quase

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tudo isto suscetível de servir a fins bélicos. Para comprar escravos tornava­se indispensável fornecer todo esse material. Não tinha à mão outras opções. Ela própria alimentava a guerra, de cujas conseqüências se lamentava depois.

Se quiséssemos apontar outros exemplos, bastaria referir a guerra desen­cadeada pelos Fulas-pretos, ou Fulas-cativos, para se libertarem do jugo dos seus "senhores", os Puta-fulas (ou Fulas do Puta) e dos Fulas-forros que, iniciada em 1840, só veio a terminar ao findar o século, isto com paragens e recrudescimentos vários 1 . Merece a pena meditar um pouco sobre este con­flito, para se poder avaliar a evolução do território.

Se analisarmos com atenção alguma documentação da Companhia, tal­vez possamos concluir que os acontecimentos se interligam e se tenha de entender um como conseqüência, próxima ou remota, direta ou indireta, do outro ou outros. Queremos dizer que o autoritarismo dos capitães-mor oca­sionava a fuga dos moradores das concentrações comerciais e implicitamente facilitava o chamado contrabando. Por outro lado, os negociantes itinerantes e os fugidos para o mato em resultado das exigências abusivas das autoridades, na defesa dos seus interesses, mancomunavam-se para facilitar as transações com os navios estrangeiros. Em face desta interligação dos eventos, decidimos fazer a análise dos elementos existentes nos arquivos da Companhia, segundo uma ordem cronológica, que nos pareceu a mais perceptível. Vejamos por­tanto a evolução dos acontecimentos a propósito; das prepotências dos capi­tães-mor, da fuga dos negociantes, do contrabando e da desenfreada concor­rência dos navios estrangeiros nos portos que a coroa portuguesa considerava sua pertença.

Em carta de 19 de fevereiro de 1763, dirigida ao capitão-mor de Cacheu, Filipe José de Sotto e Matos, a Companhia dizia: "conquanto aos contra­bandos que V.m. nos diz fazem pessoas súditas e subordinadas desta Com­panhia, nos causa grande desprazer pelo prejuízo que causa à mesma e jun­tamente pela transgressão das ordens de S.m.; porém, permita-nos V.m. di­zer-lhe que a observância delas cabe a V.m. para castigar os que cometerem semelhantes abusos, sendo os dessa administração pouco vigilantes em obser­varem semelhantes desmandos, os quais pedimos a V.m. para cessar, preve­nindo-se com as cautelas que para isso forem precisas" 5

O capitão-mor comunicara a Lisboa que empregados da Companhia se dedicavam ao negócio em proveito próprio, infringindo assim as determina­ções régias; e a resposta foi uma chamada de atenção no sentido de ele cumprir as suas obrigações, perseguindo os infratores.

Na petição da Companhia de 6 de agosto de 1765, relativa à construção da fortaleza de Bissau (e já transcrita em capítulos anteriores), invoco.u-se a presença quase constante de navios ingleses e franceses (em número de 12 de uma só vez) no porto de Bissau, vendendo mercadorias e comprando escravos por preços muito mais elevados do que os praticados pela Compa­nhia. Esta considerou o fato lesivo dos seus interesses e dos da Coroa. Mas o que se pretende salientar nesta petição é que a Companhia se apercebeu· da gravidade da situação, caso não fossem adotadas medidas tendentes a pôr cobro ao "abuso" dos estrangeiros. J! o que se v.ê da citada petição:

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"Pelo que fica ponderado, e pelo claro conhecimento que tem a Junta de que, perdido o comércio de Bissau, por necessária conseqüência se perderá também o de Cacheu, e Ilhas de Cabo Verde, como inseparáveis, porque os principais gêneros, com que se resgatam os escravos em Bissau, e mais portos adjacentes àquela ilha, são os panos das fábricas das Ilhas de Cabo Verde, que se permutam aos gêneros transportados deste Reino; servindo a Praça de Cacheu como de depósito dos referidos panos, e de estância, ou feira aos escravos com eles resgatados ... " 6

Foi apenas uma questão de tempo: acelerou-se a decadência de Cacheu (de forma irreversível) e com ela a de Ziguichor e Farim, para mais tarde atingir Bissau. O revigoramento da economia desta última ilha só se veio a dar - em conseqüência da sua posição geográfica - cerca de um século depois, e isso mesmo pela alteração da política de partilha do continente africano. ·

E tanto que naquela segunda metade do século XVIII tudo correu mal nos rios Casamansa e Cacheu que, em carta de 28 de outubro de 1769, en­dereçada ao capitão-mor de Cacheu, Bernard~ de Azevedo Coutinho, dizia a Companhia que "sem embargo do que a V.m. expusemos em nossa carta de 2 de outubro do ano passado a respeito da decadência em que se acha o negó­cio nessa Praça e das grandes vexações que padecem os seus moradores de Farim e Ziguichor e do que V.m. a este respeito nos responde: ainda con· tinuando as queixas com mais fervor, justificadas com a deserção que delas fazem os moradores habitantes, querendo estes viver desterrados entre os gentios do que suportar uma sujeição tão onerosa" 7• Daí por diante até 1777 a situação destas Praças e Presídios foi-se tornando cada vez mais gravosa para os moradores, isto se tivermos em atenção o teor das cartas trocadas pela Junta da Administração com as autoridades.

Assim, logo a 20 de outubro de 1770, a empresa escreve ao mesmo ca­pitão: 11

".É tão natural como certa a morte entre os viventes e por esta causa nos não admira o falecimento que tem acontecido dos sete moradores que V.m. nos expressa e como neste mundo à falta de uns segue o nascimento de outros, bem podia suceder que a dos ditos defuntos se não sentirem se esti­vessem criados novos comerciantes; mas como estes procuram evitar vexações buscando asilos favoráveis às suas partículares conveniências, como já a V.m. informamos em nossa carta de 2 de outubro de 1768, por cujo motivo se não deve V.m. queixar-se da desproporção dessa Praça, Ziguichor e Farim; mas sim somente cedo sentimos a falta de comércio pela deserção dos moradores que, impedidos de o fazerem, preferem a habitação com os gentios, à sujeição onerosa que padecem, deixando-nos desprevenidos de que as nossas insinua­ções possam remediar tantas desordens" 8

••

Como se verifica, no decurso de um ano, a correspondência trata da deserção dos negociantes-moradores das Praças e Presídios, fugindo às prepo­tências, aos desmandos e exigências injustificáveis do capitão-mor.

A Companhia, alarmada com a debandada dos moradores e com as con­seqüências que daí advinham, endereçou em 1769 uma exposição ao rei, de­nunciando a "situação catastrófica em que se encontra o comércio de Zigui-

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chor e Cacheu" 8• Embora um tanto longa, tentaremos transcrever as suas

partes principais: "Tanto a devassa e conta do dito capitão-mor de Cacheu, como de vá­

rias informações dos administradores, se depreende o deplorável estado a que se acha reduzida a Praça de Ziguichor, pela absoluta temeridade com que se portam os seus habitantes, não só praticando um livre e manifesto contra­bando com pungente escândalo das leis e com notável detrimento dos inte­resses desta Companhia, mas inda recebendo no seu porto navios estrangeiros e com eles comerciando francamente, chegando a tanto o seu despótico e in­considerado procedimento que não só os acoitam e protegem, mas inda com mão armada os defendem quando o governo, a requerimento dos administra­dores da Companhia, intenta contra eles proceder ao confisco em que incor­rem todas aquelas embarcações que furtivamente comerciam nos portos ve­dados contra as Ordenações. Este despótico procedimento dos moradores de Ziguichor se confirma com o fato ultimamente acontecido no dia 25 de julho do presente ano, no qual segundo se mostra da devassa e conta, havendo aportado antes uma chalupa francesa ao porto da referida Praça de Ziguichor e sendo informados os administradores da Praça de Cacheu do público comér­cio que estava fazendo com os moradores, requereram ao capitão-mor man­dasse proceder ao confisco da sobredita chalupa, e mandando-se efetivamente para este fim uma pequena embarcação com as ordens precisas, chegando esta a Ziguichor e intimando-se ao capitão francês viesse a bordo da embarcação da Companhia com ele confederados os moradores se puseram com armas para a defenderem; o que sendo pelo administrador que ia encarregado da diligên­cia e vendo-se sem forças para poder resistir a semelhante violência, se retirou para Cacheu deixando aos moradores na sua rebelião e aos estrangeiros no seu despotismo e que é de maneira que infestando contundentemente aquelas costas, parecem menos comerciantes que piratas, pelos furtos que fazem em gentes forras nas mesmas Praças. Enquanto o segundo ponto que compreende a tomadia de uma escuna inglesa, ambos os sobreditos Desembargadores nos seus pareceres concordam ser justamente feita por assim o determinarem as leis e alvarás. A Junta porém refletindo em que a causa destes e outros teme­rários procedimentos que estão ameaçando a ruína daqueles domínios não é outra mais que a falta de forças e ao desamparo quase total de gente branca em que se acham aquelas Praças, sendo esta falta a que anima a ousadia dos estrangeiros e que fomenta a rebelião dos moradores, pois estes não achando poder a que temam, e respeitem, temerariamente se esquecem das obrigações dos vassalos, e aqueles não encontrando força que os coíba, indignamente que­brantam da fé de comerciantes e amigos. Nestes termos a Junta suplica ( ... ) se;am remetidos para aquelas Praças alguns criminosos que se acham nas ca­deias, calcetas e galés desta cidade, para que distribuídos por onde mais neces­sários forem possam ali servir. Igualmente representa e suplica ( ... ) que vista a situação daquelas Praças, a esterilidade do seu território e a pobreza dos seus moradores não podem admitir ou sustentar-se nelas tropas regulares, por isso achar-se de toda relaxada, esquecida e Ignorada a disciplina militar ao menos haja V.M. que todos aqueles soldados que achando-se alistados ( ... ) quise-

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rem voluntariamente ir servir naqueles Presídios, o possam livremente fazer. Como porém estas necessárias providências ( ... ) suplicam para acautelar os inconvenientes, desordens, e os tumultos que naquelas Praças se experimen­tam não serem bastantes para evitar o escandaloso contrabando que os estran­geiros até agora costumam fazer naqueles portos e no mar não encontrarem poder que os intimide e ao mesmo tempo que segure aquelas costas, dos furtos e piratagens com que até agora têm sido infestadas, tem a Junta determinado armar uma pequena embarcação que ande cruzando aqueles rios e defendendo aquelas costas de todos os insultos que os estrangeiros possam nelas cometer" 9•

Foca-se neste documento a desarticulação dos negócios, a indisciplina dos moradores, a ativa ação dos navios mercantes franceses e ingleses, os inciden­tes ocorridos com a tentativa de aprisionamento da chalupa etc., sem que se esconda que tudo isso se devia "à falta de força e ao desamparo quase total da gente branca em que se acham aquelas Praças, sendo esta falta a que anima a ousadia dos estrangeiros e que fomenta a rebelião dos moradores, pois estes, não achando poder a que temam e respeitem, temerariamente se esquecem das suas obrigações, e aqueles, não encontrando força que os coíba, indignamente quebrantam da fé de comerciantes e amigos", pelo que solicita a Junta "sejam remetidos para aquelas Praças alguns criminosos que se acham nas cadeias, calcetas e galés desta cidade ... " 10

~ mais uma confissão clara da fraqueza de meios militares resultante obviamente da eterna penúria de recursos financeiros para a manutenção das Praças e Presídios, ou seja, a defesa da integridade territorial e a dos mora­dores. Foi a "praga" que perdurou em todos os tempos.

A despeito de tudo isto, apenas em 1775/1776 foi decretada a formação "de uma companhia de infantaria com 80 homens, co~ seus respectivos ofi­ciais, cujos soldados V.M. deve escolher da gente dessa Praça e que julgar mais disciplinados e fortes para suportarem o trabalho de Ziguichor e Farim" 11

Mesmo correndo o risco de tornar demasiado longa esta parte, entende­mos de todo o interesse transcrever outras cartas e exposições que esclarecem o evoluir da grave situação comercial - os incidentes com os navios estran­geiros - por que passa a área no decurso dos anos de 177 5 a 1777.

Em 1775, a Companhia emite um longo parecer "acerca dos aconteci­mentos ocorridos em Cacheu e Bissau com navios estrangeiros empregues no contrabando de escravos, cera e marfim; e nele se afirma 12

:

"Na carta de 24 de abril de 1773 nos avisaram os administradores de Cacheu do notável prejuízo que a Companhia experimentara pelos contraban­dos que nas costas daquele continente faziam os estrangeiros extraindo da Praça de Ziguichor muita cera, escravos e marfim, e que por terem então notícia de que naquela Praça se achavam uma chalu_pa francesa, outra inglesa, e ter esta já segunda vez arribado para dentro com água aberta depois de haver mandado por terra 16 escravos para a Gâmbia, onde tinha um navio para receptáculo dos seus extravias, i:: que assim excitados dos ditos administrado­res destes justos motivos, e lembrados das freqüentes advertências que para evitarem os contrabandos sempre lhes repetimos, se haviam resolvido a fazer nela a apreensão remetendo-nos de tudo um auto. Depois, em carta de 28 de

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abril do mesmo ano, respondendo-nos às queixas que lhes havíamos feito da decadência em que observamos ir o comércio daquele continente, então nos dão os ditos administradores por principal motivo desta declinação, da entrada dos ingleses e franceses no porto da Praça de Ziguichor donde continuam a tirar as ditas nações avultadas porções de cera e escravos, cujo público con­trabando que eles destituídos de superior auxílio não podiam evitar e que se achavam os ditos estrangeiros naquelas costas tão absolutos que apesar de recentemente apreensão da chalupa se tinha arrojado a entrar no porto da referida Praça uma chalupa francesa onde se achava em franquia defronte da mesma Praça negociando, e que depois de haverem roubado 12 escravos que iam em uma canoa tinham acometido uma aldeia de gentios ali vizinha, da qual roubando 10 escravos haviam hostilizado e morto aos mais, cujo escan­daloso procedimento tinha sido imitado de outra chalupa, também francesa, armada em guerra. As mesmas notícias nos ratificaram os ditos em carta de 29 de janeiro de 1774, na qual depois de nos descreverem a triste situação a que se achava reduzido o comércio daquele continente, achando-se naquela ocasião absorvido por quatro embarcações inglesas e francesas que em Zigui­chor se achavam tratando (leia-se: negociando), livremente, o seu escandaloso contrabando, concluíram pedindo-nos que quiséssemos prover aquela Praça dos necessários reparos e gente. Segue-se a confirmação dos mesmos avisos e:n carta de 18 de abril de 1774, acrescentando o despotismo das ditas duas nações ia crescendo mais •naqueles portos pela falta que encontravam de resis­tência de tal modo que se achavam quase senhores da Praça de Ziguichor, e que entendiam que a Companhia jamais tiraria o grande cabedal que aqueles moradores lhe devem, e que se achavam como levantados. Logo depois, em carta de 17 de junho do mesmo ano, tivemos novas confirmações daquelas desordens, pois indo subindo cada vez mais o descontentamento revoltoso da­queles moradores que chegaram a querer matar o cabo que os governava, o qual salvando, por fugir, a vida não poderá evitar o ser primeiramente muti­lado e arrastado, recolhendo-se fugitivo para o mato, levando consigo avultado cabedal que ficou devendo à administração. Chegando a tanto a sua alucina­ção (dos moradores) que sabendo o capitão-mor de Cacheu que naquele mesmo ano se achava na referida Práça um bergantim francês comerciando publica­mente e sendo requerido pelos administradores para que nele mandasse fazer apreensão, o dito capitão-mor mandou uma chalupa com ordens necessárias para fazer a presa; se frustrou a diligência porque o cabo da Praça (de Zigui­chor) junto com os moradores dela pegando em armas, e mandando gente para bordo do bergantim, os fizeram ir para baixo da bandeira de V. Majestade. Finalmente, no mesmo ano de 1774, os administradores de Cacheu avisaram os de Bissau para que aguardassem as embarcações a fim de irem fazer presa em um bergantim francês que se achava com pungente escândalo das leis fazendo um público contrabando na Praça de Ziguichor; e fazendo os ditos administradores ao governador de Bissau o pedido entrincheirando-se para a gente se poder nelas reparar em razão de ser o bergantim grande, e estar com ele conspirando o povo da terra para a sua defesa. Prontas que foram, parti­ram no dia 26 as ditas embarcações que portadoras eram de 220 homens de

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armas a seu bordo e montadas com sua artilharia em direitura à Praça de Ziguichor onde chegaram no dia 27, e postando-se com linha adiante da Praça umas, e prolongando-se outras pelo bergantim, o capitão desta vendo que toda a resistência que intentasse seria frustrada, sem haver ofensa de parte a parte, se rendeu- sem tiro de peça, vindo logo a bordo da escuna que fazia vezes de capitania fazer entrega do dito bergantim, o qual se recolheu depois de 10 de outubro ao porto de Bissau e aqui fazendo-se o inventário de tudo foram recolhidos os gêneros que compunham a sua carga na casa daquela admi­nistração como um depósito até ser julgada a dita tomadia, constituída por fazendas, escravos, cera e marfim. Além dos escravos que se apresaram já tinha mandado o dito capitão 20 para a Gâmbia, comprados todos naquela Praça de Ziguichor, a preço de 140.000 réis" cada um 12

Nos anos seguintes (1776 e 1777) continuou a ser apreciada a situação da concorrência de estrangeiros, a falta de forças militares e das irregularida­des cometidas pelos administradores da Companhia.

Dirigindo-se ao sargento-mor de Cacheu, António Vaz de Araújo, a Com­panhia agradece-lhe as diligências feitas no sentido de efetuar as "cobranças do avultado cabedal que tem disperso por esses moradores", e depois acrescenta:

"Conhecemos lhe poderá ser atenta a pouca polícia desses povos, a sua pouca subordinação e limitada poder para os reprimir; porém a sua mesma pouca cultura e nenhuma ordem os fará também timoratos, e a prudência de V.M. em os saber levar suprirá uma grande parte da força; porque à Junta lhe não é possível pôr nessa Praça um poder de milícia regular como a do Reino, por não admitir uma tal despesa o pouco lucrativo comércio desses continentes, por cuja consideração já S. Majestade regulou ao núII,1ero determinado de 80 praças a guarnição dessas Praças ... " 13•

Em face da redação das cartas, ficamos na dúvida se seriam 80 praças para Bissau e outras 80 para Cacheu. A verdade é que, em 1850, os orça­mentos das duas Praças previam apenas 42 soldados para cada uma delas.

A 19 de fevereiro de 1777, a Junta da Companhia escreveu ao sargento­mor de Bissau, lgnácio Xavier Baião, respondendo a uma comunicação que este fizera de navios estrangeiros freqüentarem os portos portugueses sem qualquer espécie de autorização: "A respeito do que V.M. nos expõem de que as embarcações estrangeiras continuamente freqüentam esses portos e que pela sua freqüência de se cometerem muitos extravies, e devemos dizer a V.M. que toda esta sua ponderação só pode bastar e despertar a sua vigilância e cuidado; mas não para ele logo proceder a apreensões sem ponderados exames, para que não aconteça serem estes procedimentos estranhados de S. Majes­tade como na realidade o foram os que têm praticado os administradores de Cacheu e de Cabo Verde, que aqui tomamos a restituir com perdas e danos; e agora ultimamente o que V.M. praticou com a chalupa cujo capitão a esta V.M. remeteu preso e que chegado que foi fez certo ser a referida embarca­ção de S.M. Britânica e ter desse porto chegado por motivos que a V.M. mani­festou, sem embargo dos quais V.M. injustamente o retivera por leves descon­fianças que para V.M. não podiam ter fundamento algum depois de saber que

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a mesma embarcação havia estado em Cacheu, cuja administração longe de a reter a auxiliou do que necessitava sem que lhe fizesse pagar ancoragem" 14•

Durante um longo período, esta questão do apresamento de navios mer­cantes estrangeiros pelos capitães-mor deu lugar à troca de correspondência, por vezes em tom azedo, entre eles e a Companhia. Debatia-se a interpretação da legalidade ou ilegalidade da apreensão, mesmo dentro dos portos portugue­ses, interpretação que nem sempre estava ao alcance da preparação na matéria dessas autoridades. Os capitães dos navios haviam adquirido uma "manha" imensa. Quando comerciavam ilegalmente e eram capturados, invocavam ava­ria grossa e apresentavam os protestos às autoridades portuguesas. Estas, pe­rante a ausência de indícios seguros de que não estavam em transgressão, mes­mo assim os julgavam boas presas. Um dilema: se não apresavam os navios estrangeiros apanhados a comerciar, a Companhia repreendia os seus agentes; se, astuciosamente, as presas, enviadas para Lisboa, conseguiam defender-se, a empresa tinha de pagar indenizações por perdas e danos - como se pode ver da documentação transcrita. Assim, do mesmo modo, a Companhia verberava o procedimento.

Resta agora apreciar a carta de 26 de março de 1777, dirigida ao sargen­to-mor de Cacheu, António Vaz de Araújo, respondendo a uma datada de de­zembro de 1776, na qual abordava o problema das más relações entre o refe­rido sargento-mor e os administradores da empresa. A dado passo, diz-se: " . . . sentimos a falta daquela boa harmonia que desejavamos houvesse entre V.M. e os nossos administradores, pelas ruins conseqüências que se seguem a semelhantes desordens, as quais todas redundam em prejuízo dos moradores dessa ·Praça, e por conseqüência dos interesses desta Companhia. Não duvida­mos de que os nossos administradores poderão ter paixões particulares para melhor encobrirem os seus interesses e que nas vendas que fizerem não prati­quem com todos a devida qualidade. Para obviar às fraudes que nas compras e carregações dos escravos poderá haver, incumbimos V.M. a legalizar as faturas, estas as não deve V.M. aprovar achando-as menos verdadeiras porque na diferença dos preços por que carregarem os escravos é que a Companhia poderá ser a mais prejudicada. Pelo que pertencer às negociações que os ditos costumam fazer para esses portos, queremos dar a preferência a que elas sejam satisfeitas pelos seus respectivos moradores, isto é, q virem os negociantes dos portos adjacentes negociar a essa Praça ou os seus moradores irem negociar com aqueles porque é bem certo que se isto sempre se praticasse não teria a Companhia dívidas tão avultadas sem esperanças de ver a sua cobrança; porém isto só se poderá observar havendo quem compreenda fazer aquela negociação porque, a não haver, forçosamente os administradores devem procurar os meios mais oportunos para darem saída aos gêneros que tiverem e à compra da escra­vatura, e mais efeitos desse continente para deles fazerem remessas, para que ao contrário de todo se acabaria o comércio que há anos a esta parte está em uma decadência total para esta Companhia, pois que a maior parte da cera que vem dessa Praça é de pessoas tais que não tendo comércio para este Reino não sabemos o título para que é adquirida a não ser pelo meio do contrabando que praticam, o qual· V.M., como muitas vezes temos advertido, pela obriga-

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ção do seu cargo está na urgente necessidade de o evitar, procurando ao mesmo tempo com a sua prudência o evitar todas as ocasiões de se desgostar com os ditos administradores, deixando-os livremente obrar em tudo que for comércio de que eles estão encarregados para que depois nos seus desacertos não tenham eles o subterfúgio a que se acolherem, de que V.M. os embaraça neste ou naquele particular" 15 •

Como se vê, debate-se um caso melindroso, em que o sargento-mor acusa os empregados da Companhia de práticas ilícitas, tanto no negócio de cera como no dos escravos. A Companhia dá uma resposta astuta, mas clara. E tanto assim é que, numa espécie de contra-acusação, termina. a carta com o seguinte trecho: "a cera que constava do conhecimento que V.M. nos enviou foi beneficiada da forma das suas determinações, e o seu líquido entregue às pessoas a quem V.M. o ordenou, as quais a V.M. confirmarão o referido" 15

Quer dizer: o sargento-mor também negociava. Comprava cera e carre­gava-a nos navios da Companhia à consignação desta, para que a vendesse e entregasse o valor a determinadas pessoas! Cada um fazia pela vida o melhor que lhe fosse possível, considerando sempre as condições adversas de um meio físico e humano, em que imperavam inúmeras dificuldades e muito poucas vantagens.

Bem visto os problemas, talvez tivesse sido preferível colocar este do­cumento no capítulo referente a pessoal. Como, no entanto, este tipo de· fric­ções e as práticas mercantis teriam concorrido para agravar a decadência da posição portuguesa, preferimos enquadrá-lo aqui. Se isso está bem ou está mal, é discutível. Seguimos o critério que de momento nos pareceu mais acertado.

Temos a impressão de que trouxemos a lume pistas que permitem uma mais clara e ampla visão da queda vertiginosa do comércio português, a partir de. certa época, de modo lento mas constante, neste setor da costa ocidental africana. Conseguimo-lo?

Bibliografia e Notas do Capítulo 8

1. CARREIRA, António. Documentos para a história das Ilhas de Cabo Verde e Rios de Guiné - séc. XVII-XVIII. Lisboa, 1983; e Os portugueses nos Rios de Guiné (1500-1900). Lisboa, 1984, ambas edições do autor.

2. ALMADA, André Alvares de. Tratado breve dos Rios de Guiné - 1594. Lisboa, Edição de Luís Silveira, 1946.

3. AHMF-CGGPM. "Cartas para Cacheu e Bissau", XV /D/46. Carta de 8 de março de 1762 dos administradores de Cacheu sobre as guerras entre os povos da região.

4. AHMF-CGGPM. Livro de "Registo de Exposições da Companhia", XV/R/26, fls. 21, 24 e 26. Petição de 22 de agosto de 1777.

5. AHMF-CGGPM. "Cartas para Cacheu e Bissau", XV /R/36. Dirigida ao capitão­mor Filipe José de Sotto e Matos, em 19 de fevereiro de 1763, sobre o contrabando praticado nos portos.

6. SARAIVA, José Mendes da Cunha. A fortaleza de Bissau e a Companhia do Grão-Pará e Maranhão. Lisboa, Publicações do Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, 1947, p. 39.

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7. AHMF-CGGPM. "Cartas, para Cacheu e Bissau", XV /R/36, fls. 324. Carta de 28 de outubro de 1769 para o capitão-mor de Cacheu, Bernardo de Azevedo Coutinho.

8. AHMF-CGGPM. "Cartas para Cacheu e Bissau", XV /R/36. Carta para o capi­tão-mor de Cacheu, Bernardo de Azevedo Coutinho, de 20 de outubro de 1770, sobre a deserção dos moradores das Praças, fls. 348.

9. AHMF-CGGPM. "Registo de Exposições da Companhia", XV /R/26. Aborda a "situação catastrófica em que se encontra o comércio de Cacheu e de Ziguichor", 1769.

10. Sobre o envio de degredados para Bissau e Cacheu. consultar a lista nominal de 1770, transcrita no capítulo 7.

11. AHMF-CGGPM. "Cartas para Cacheu e Bissau", XV /R/36: uma de 17 de outubro de 1775, para Bissau, e outra de 20 de novembro do mesmo ano, para Cacheu. sobre a fixação dos contingentes militares de cada Praça, fls. 383-384.

12. AHMF-CGGPM. "Registo de Exposições da Companhia", XV/R/26, fls. 8-11. Petição de 1775 sobre os acontecimentos ocorridos com navios estrangeiros em Cacheu e Bissau.

13. AHMF-CGGPM. "Cartas para Cacheu e Bissau", XV /R/36. Carta de 1776 para o sargento-mor de Cacheu, António Vaz de Araújo, abordando a situação comercial.

14. AHMF-CGG PM. "Cartas para Cacheu e Bissau", XV /R/3 6. Carta de 19 _ de fevereiro de 1777 para o sargento-mor de Bissau, lgnácio Xavier Baião, sobre os navios estrangeiros que exercem comércio nos portos, fls. 391-392.

15. AHMF-CGGPM. "Cartas para Cacheu e Bissau", XV /R/36. Carta de 26 de março de 1777 para o sargento-mor de Cacheu, António Vaz de Araújo, sobre o negócio feito pelos administradores da Companhia em proveito próprio.

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9 O NEGOCIO A FIADO - O SEU APROVEITAMENTO

PELOS AGENTES DA COMPANHIA PARA A PRÁTICA DE FRAUDES - O ACUMULAR DAS DÍVIDAS

E DIFICULDADES NA SUA COBRANÇA - AS COMISSÕES LIQUIDATÁRIAS

1. Nos termos do n.º 28 do Estatuto de 1755, à Companhia ficou ve­dado o negócio por miúdo; e para que não houvesse interpretações forçadas ou contraditórias, esse .mesmo número definiu os tipos de transações, esti­pulando:

"Não poderá ( ... ) vender por miúdo; mas antes o fará em grossas partidas por si e seus feitpres, as quais nestes reinos não poderão nunca ser menores de 200 mil réis, nem 100 mil réis nas Capitanias do Grão-Pará e Maranhão, fazendo-se sempre as vendas nos armazéns da mesma Compa­nhia, e nunca em tendas, ou semelhantes casas particulares ... ".

Foi possivelmente pelas condições impostas neste número - vedando à Companhia o negócio por miúdo - que ela teve de recorrer ao recruta­mento de, pelo menos, 1.184 colonos que disseminou por Bissau, Pará e Maranhão, e aos quais ia fornecendo mercadorias e escravos a crédito, sob a condição de liquidarem os seus débitos em gêneros da terra ou (mais rara­mente) a dinheiro; ou aceitando gêneros à consignação destinados a serem vendidos em Lisboa, nos leilões, ou através de negociações com os comer­ciantes interessados.

O número 28 do Estatuto a que aludimos foi completado com o dis­posto no n.º 23. Este determinou que "nas fazendas secas ( ... ) não poderá vender por mais de 45%, em cima do seu primeiro custo em Lisboa, quando forem pagas com dinheiro de contado, e, sendo vendidas a crédito, se acres­centará o juro de 5% ao ano, rateando-se pelo tempo que durar a espera".

Os administradores da Companhia nos diferentes setores de comércio, baseados nos dispositivos do Estatuto de 1755 e bastante nas instruções com­plementares que a Junta da Administração lhes transmitia, para mostrarem o seu interesse pela venda de mercadorias e de escravos - em que a em­presa se mostrava altamente empenhada - passaram a fazer vendas a crédito um tanto discricionariarnente e muitas vezes sem cuidarem de averiguar da

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capacidade de solvência dos devedores. Esta será, pois, uma face do pro­blema. A outra surge quando alguns administradores mais arrojados e argu­tos se aperceberam de que o "negócio a fiado" lhes poderia servir de vál­vula de escape para escamotearem as suas desonestidades. Tal tarefa estava extremamente facilitada pelos métodos de contabilidade usados, não só sobre­carregando as contas dos clientes com hipotéticos fornecimentos, como dei­xando de lhes debitar as mercadorias - o que para todos os efeitos corres­pondia a existências em armazém. Três outros estratagemas foram usados: o não-envio periódico e regular, como estava determinado, das relações no­minais de devedores e respectivos montantes; o lançamento nas contas dos devedores de juros indevidos; e os fornecimentos a clientes, por vezes capi­tães-mor, padres etc., de fazendas e escravos em quantidades desproporcio­nadas aos proventos (e funções) que auferiam, correndo o risco de serem transferidos para outras jurisdições e tornar-se, assim, difícil ou impossível a cobrança.

Em todas as diferentes modalidades de "negócio a fiado", os agentes da Companhia procuravam obter ilicitamente benefícios pessoais, lesando portanto a empresa. Seria de todo inútil fazer a análise de todas as cartas em que esse problema foi abordado. A Companhia sabia desses procedi­mentos irregulares, más não lhe era possível pôr-lhes cobro. Em qualquer caso, traremos para aqui cerca de meia dúzia de documentos extraídos do arquivo da empresa, e que servem para comprovar o exposto.

Logo, em carta de 12 de outubro de 1768, endereçada a Bissau, a empresa invectiva os administradores, dizendo-lhes: "não deixamos de re­parar na grande parcela de que é devedor o capitão-mor António Fernandes Lopes Godins Sanches, da quantia de 6.400.000 réis, e muito mais estranha­mos a notícia que nos deram sobre a dita importância lhe fiaram outra de 3.000.000 réis, devendo reparar nos grandes riscos a que expõem a Com­panhia empatando-lhe tão avultados cabedais em mãos de pessoa com tão pouca segurança para pagar, quando querem ausentam das terras quando lhes parece para outras onde não podem ser executadas como temos expe­rimentado no mesmo capitão-mor em parcelas de muito menos consideração" 1 .

São em número considerável os agentes da Coroa e do clero no setor Bissau-Cacheu que ficaram a dever à Companhia. Mais adiante daremos a lista nominal da maior parte. O reparo tardio da Companhia ficava-se a dever ao atraso com que lhe eram enviadas as listas dos devedores, insistentemente pedidas às diversas administrações, e que estas deliberadamente deixavam de remeter.

Cerca de três anos depois do reparo feito a Bissau, coube a vez de a Companhia se dirigir aos administradores do Maranhão, José Vieira da Silva e Bonifácio José Lamas, em carta de 8 de novembro de 1771, dizendo:

"Reconhecemos ( ... ) ser muito excessivo o cabedal que se deve a essa administração. Quando findou a administração passada importou a re­lação das dívidas em 567.184.717 réis, o que nos causa tal pavor que em nossas sucessivas (cartas) lhes proibimos a ampliação doS: ditos fiados com a pena de serem responsáveis por seus bens, pela maior quantia que acresce aos que V.m. deram tão pouca atenção que a diminuição que esperávamos

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foí o aumento de 42 contos e tantos mil reis; à vista desta desordem nos admiramos como nos podemos conter nos limites do sofrimento, vendo a pouca observância com que V.m. cumprem as nossas ordens. Faz-se incrível que em uma tão exorbitante soma de dívidas qual é a de 609.518.515 réis que ao presente existe pela última relação que dela nos mandaram haja só de faltas 2.116.029 réis. O tempo nos mostrará o engano e não será a pri­meira vez que a casa dessa administração tenha tanto facilitado alguns par­ticulares desta Companhia com que depois se não experimentasse o con­trário" 2 •

Pela correspondência trocada, vê-se que a administração do Maranhão estava decidida a manter a confusão nas listas dos devedores, muitas delas respeitando a empréstimos antigos, de anos. É o que se pode concluir da carta que a Companhia expediu a 8 de maio de 1772, e da qual extratamos os seguintes trechos:

"A adição de 119 contos de réis de juros de que a administração pas­sada se debitou é para nós tão confusa que para a sua clareza necessitamos de explicações de V.m. que ainda com a que na dita carta nos mandaram se não podem sossegar as dúvidas que a este respeito se podem seguir, tudo ori­ginado do errado método que V.m. observam na conta dos juros, confun­dindo-se com a do principal a qual lhe ordenamos que extingam, abrindo novamente a dos juros em conta separada para evitar dúvidas que se of e­recem e de que neste particular não estamos bem capacitados. Primeiramente do que vai no princípio do seu parágrafo que estes 119 contos são de juros vencidos em todo o período da administração passada, e no fim do parágrafo dizem mais que com a entrega da presente administração lhe debitaram a cada devedor as suas importâncias que no todo faz a dita quantia de 119 contos. Agora perguntamos a V.m. que é a importância dos juros que re­ceberam que não nos pode constar por semelhante exorbitância de contas o mesmo nos faz excitar a dúvida se os 567 contos de réis de dívidas que a administração passada entregou à presente se entram também os juros de cada um devedor ou se é somente a importância da dívida que contraiu" 3 •

Com a substituição de alguns membros da administração, tudo con­tinuou na mesma. Para complicar mais a contabilização, no Maranhão, deli­beraram agravar o custo das mercadorias com 45%, mas fazendo coincidir sobre o preço no destino, quando, em face do estatuído no número 28, tal percentagem deveria recair sobre o preço por que foram faturadas em Lisboa - excluídos portanto os gastos até ao destino 4

Ent.retanto, as atenções da Companhia voltaram-se para as dívidas resul­tantes de fornecimentos a crédito, feitos em Cacheu; e solicitou os bons ofí­cios do capitão-mor António Vaz de Araújo, em carta de 1776 (esta em res­posta às de 4 e 6 de março do mesmo ano), dizendo:

"vemos quanto está da nossa parte agradecer a V .m. as eficazes diligên­cias com que V.m. se tem aplicado às cobranças do avultado cabedal que esta Companhia tem disperso por esses moradores, e confiamos dos de V.m. queira continuar com a mesma diligência ainda que reconheçamos lhe po­derá ser atenta a pouca polícia desses povos, a sua pouca subordinação e li­mitado poder para os reprimir" 5 •

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As dívidas acumuladas nos outros setores não preocupavam demasia­damente a Junta da Administração. As suas atenções viraram-se, já em 1775. para o Maranhão e o Pará. As de Cabo Verde, Bissau-Cacheu representavam aproximadamente pouco mais de 6% do total do Maranhão e do Pará. ~ assim que, a partir de 1777, talvez por se pressentir o fim do monopólio, se intensificam as diligências não só para se determinar o montante exato das dívidas, como em particular para que se proceda à sua arrecadação.

A 24 de setembro de 1777, a Junta da Administração expediu para o Maranhão uma carta a acusar a recepção d~ lista dos devedores elaborada até 31 de janeiro de 1776. E a tal propósito diz - além do mais - a Junta: "Com grande desprazer foi vista nesta Junta a lista das avultadíssimas dívidas que alguns devedores desse Estado até 31 de janeiro de t 776 estão devendo a essa administração, contraídas pelos seus antecessores, sendo grande parte delas perdidas ou mal seguras, tudo por culpa dos mesmos administradores por não observarem as nossas ordens que expressamente sempre lhe foram determinadas para de nenhuma forma venderem fiado, senão a pessoas esta­belecidas no comércio e seguras, e abonadas, e que tudo observaram tanto pelo contrário, que venderam a clérigos frades; pessoas inabilitadas para o comércio que lhes é proibido pelas suas constituições e leis do Reino, e tam­bém a viúvas e toda a qualidade de pessoas até ao preto Jgnácio Luís, a todos sem segurança alguma, e o mais é que no mesmo ano de 1775 con­traíram dívidas com pessoas que não devendo coisa alguma lhe fiaram avul­tadas quantias que logo se declararam pouco ou nada seguras, que melhor fora dizer logo perdidas, sendo o mais escandaloso devedor e o maior da dita lista, o Padre Aires António Roiz, o qual sem nunca diminuir a sua dívida sempre lhe foram aumentando até à quantia de, 21 .284.707 réis sem embargo de serem de diversas jurisdições e estranhos para o comércio" 6 •

Os responsáveis por esta atuação foram os administradores do Mara­nhão, sobretudo Joaquim Vieira da Silva. Sobre este indivíduo a Companhia, em carta de 26 de setembro de 1777, dirigida ao governador daquele Estado, Joaquim de Melo e Póvoas, anunciando a demissão daquele administrador, espraiava-se em considerações (e justificações) sobre o problema das impor­tantes dívidas existentes.

"Sendo para nós - escreve a Junta - coisa lamentável vermos os empatados cabedais que existem nas mãos dos moradores dessa Capitania, e ao mesmo tempo refletindo em que não obstante o visível aumento das suas culturas por esta Junta promovido, e por V. Ex.ª auxiliado, eles mora­dores longe de procurarem saldar as suas atrasadas contas, pelo contrário, iam cada vez mais contraindo novas dívidas, concorrendo para estes novos empenhos a facilidade que nos foi constante tinham os administradores pas­sados em fiarem os cabedais desta Companhia tão larga como imprudente­mente, e vendo por outra parte que os ditos administradores cuidavam mais nos seus particulares interesses que nos interesses comuns da Companhia, que para eles deviam aliás servir de primeiro objeto das suas fadigas e des­velos, ambição que se fez tanto mais escandalosa em Joaquim Vieira da Silva, quanto é mais notório o ir ele para essa administração endividado, e hoje não só achar-se desempenhado, mas ainda opulento e grandemente abastado;

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por todas estas razões nós resolvemos a despedi-los da administração de que estavam encarregados não só para fazermos cessar todos os referidos danos, como para vermos no pleno conhecimento pelas contas que eles prontamen­te deviam dar ( ... ) . Porém esta diligência que devia ser meramente filha da sua verdade e honra ( ... ) não tem surtido o desejado efeito, continuando nós por culpa desta sua negligência na mesma confusão em que há tantos anos laboramos e sem sabermos a quantidade das dívidas e qualidade dos devedores que temos nessa Capitania, cuja referida comissão, depois de tantas positivas ordens nossas, se faz suspeitosa de ser nelas deliberado propósito de nunca tal efetuarem para assim talvez ocultarem as dívidas suas pessoalmente contraídas, ou dívidas que existindo hoje em mãos de pessoas inábeis são delas legitimamente responsáveis pelo pouco zelo com que fiavam sem segurança. Em cujos termos rogamos a V. Ex.ª queira interpor a sua autoridade para ( ... ) que os ditos administradores sem perda de tempo dêem logo as suas con­tas ( ... ) e as justas medidas sobre a arrecadação dos cabedais ( ... ) haven­do-os ou das mãos dos moradores que bem os puderem pagar, ou havendo-os pelos bens de quem se mostrar que indireta e abusivamente os confiou" 7 •

Foi o mesmo que pregar no deserto. O governador nada fez por não que­rer ou por lhe ser impossível tomar medidas efetivas que conduzissem à co­brança dos débitos. Segundo parece, os administradores visados já se haviam retirado do Maranhão e ninguém sabia do seu paradeiro. Estava-se a escassos quatro meses da extinção do monopólio, decisão que muita gente já esperava ou pressentia estar próxima.

A despeito de semelhante posição, a obsessão da Companhia pelo "negó­cio a fiado" era tal que, em 22 de agosto de 1777, solicitava à rainha autori­zação para fiar mercadorias aos negociantes do mato, atuando no setor Bis­sau-Cacheu. Aparentemente, isto parece-nos um comportamento contraditório, uma vez que se lastimava do fato de não poder cobrar as dívidas em aberto e, ao mesmo tempo, manifestava a intenção de manter o "negócio a fiado". Vejamos, em parte, os termos dFi petição:

" . .. Comunica a Junta que no que respeita às dívidas de que se acham responsáveis as administrações dos portos de Guiné, jamais, ape&ar de toda a vigilância, poderão ser evitáveis, por ser de absoluta necessidade o fiar-se àqueles moradores fazendas para com elas, entrando-se pelo ;Sertão, irem tra­ficar com o gentio entre o qual muitas vezes ficam, ou voluntários ou cativos, pela ocasião das freqüentes e contínuas guerras que entre o mesmo gentio a cada passo se suscitam e de que resulta poder-se considerar as dívidas daque­les portos quase impagáveis. Também se roga que havendo a Junta compor-' tado desde o seu princípio na importação de escravos, como se comportam os mais negociantes que carregam a escravatura para os outros portos da Amé­rica, contando sobre esta sua introdução aqueles módicos lucros que podem cobrir e ressarcir não só o primeiro custo e despesa dos transportes e viagens, e registrando-se enfim pelos preços dos muitos que daqui remetem os parti­culares para serem vendidos: há cinco anos a esta parte querendo a mesma Junta que este benefício que procurara aqueles Estados fosse completo e dar aparência de comércio lucrativo os tem feito e fez vender pelo seu verdadeiro

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custo sem avanço algum, legalizando a verdade e o desinteresse das ditas vendas com a assistência dos governadores ... " 8

Após a extinção do monopólio é que a Junta da Administração tomou verdadeiramente consciência da gravidade da extensão das dívidas nas Ca­pitanias do norte do Brasil. O curioso é que a documentação consultada é omissa em relação aos problemas do Pará. Toda ela está orientada, como se vai ver, para o Maranhão, aqui incluindo a dependência de Parnaíba. A 7 de fevereiro de 1778 - pouco mais de um mês após a publicação do decreto da extinção dos. privilégios - a Junta endereçou aos administradores de Parnaíba, Joaquim José Ferreira de Sousa e Gregório Fernandes Ribeiro, uma carta do seguinte teor:

"Logo que V.m. este receberem, suspenderão a venda de todas as fa­zendas ou outros quaisquer gêneros fiados, que tiverem em ser, não vendendo senão a dinheiro de contado ou a troco de efeitos, e isto por qualquer preço que puderem alcançar, as quais vendas devem ser feitas a pessoas que logo de continente quiserem receber as tais fazendas ou gêneros, porquanto não ha­vendo pessoa que assim deste modo os compre, remeterão logo todos os que restarem pelas sumacas que nesse porto estiverem ou a ele chegarem, para o porto do Maranhão, a entregar ao nosso administrador Luís António Ferreira de Araújo" 9•

A Companhia teve conhecimento de inúmeras irregularidades cometidas à sombra do "negócio a fiado" por parte dos administradores do Maranhão, e aproveitou a oportunidade que a cessação do privilégio lhe deu para participar ao governador Joaquim de Melo e Póvoas o caso, em carta de 9 de fevereiro de 1778. Desta missiva vamos focar os pontos principais:_

"Informada esta funta pelas contínuas e repetidas queixas que se nos têm representado da perniciosa conduta com que se tem portado no exercício do seu emprego o administrador Marçal Ignácio Monteiro, esquecendo-se dos seus deveres e procurando somente as suas particulares conveniências, em tanto prejuízo dos interesses desta Companhia como em desassossego dos mo­radores deste Estado (e de vendas a fiado) determinamos ( ... ) seja ._excluído do seu cargo, para não poder executar mais ato algum de jurisdição, sendo somente obrigado a fazer entrega e ajustar a sua conta com o mesmo admi­nistrador Luís António Ferreira de Araújo; igualmente determinamos se.ia expulso do exercício de caixeiro o seu irmão Custódio José Monteiro ( ... )" 10

.

E, continuando nessa mesma linha de orientação, no tocante a dívidas, a Junta da Administração - já nessa altura com funções de Comissão Liqui­datária - definiu (ou redefiniu) a política a seguir em relação aos escravos ainda por vender. E, nessas condições, endereçou à administração do Mara­nhão. em março de 1778, uma carta da qual extratamos alguns trechos:

"Para o porto de Cacheti expedimos nesta ocasião a corveta 'São Fran­cisco Xavier', capitão Francisco Jacques Caldeira, para transportar para esse porto toda a escravatura que se achar naquela administração, a qual chegada que seja a salvamento V.m. os mandará descarregar ( ... ) procurando-lhe todo o benefício para uma favorável venda que fará ern leilão público pelo melhor preço que puder alcançar a dinheiro de contado ou a troco de efeitos, e por nenhum modo fiados, por não estarmos já ligados à antiga obrigação de serem

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avaliados, e somente na falta de haver quem os compre pelo seu justo preço ou valor, os poderá vender a pessoas sólidas e de inteira confiança, e que não forem devedores à Companhia, com a expressa condição, porém, de pagarem·· as suas importâncias com gêneros da primeira safra, sendo os seus preços regu-' lados pelos que correrem na ocasião da entrega, tudo em conformidade do que já lhe avisamos em nossa carta de 6 de fevereiro do presente ano" 11 •

Com vista a acautelar possíveis desvios de gêneros pertencentes a nego­ciantes ou lavradores do Maranhão, com a finalidade de se esquivarem ao pagamento das suas dívidas à Companhia, esta, em carta de 4 de julho de 1778, fez uma exposição ao governo sobre o assunto. Dela extraímos o trecho que mais interessa ao problema das dívidas:.

" ... E para que se iluda - diz a petição - esta providencia se reco­mende aos governadores a que usem de todos os meios e cautelas para evitar as fraudes que costumam praticar os devedores da Companhia, já ocultando seus bens e frutos, já fazendo-os remeter em nomes supostos de pessoas que não devam à Companhia como faziam quando eram obrigadas a lhas consignar nas avultadas remessas que fizeram nos anos de 1775, de 269.000 cruzados; no ano de 1776, de 465.000 cruzados; e no ano de 1777, de 560.000 cruzados, os quais e outras avultadas parcelas dos anos anteriores se fossem aplicadas a pagamento de suas dívidas, nem hoje os suplicantes estariam vacilando nos meios de haverem os capitais da Companhia, nem importunariam a régia pa­ciência de V. Majestade para facilitar a dita providência" 12

Se a estimativa dos gêneros embarcados no Maranhão por processos ilí­citos, da parte dos devedores à Companhia, eles teriam atingido 1.294 cru­zados, ou sejam, qualquer coisa como 517.600.000 réis, parcela apreciável e que faria diminuir o montante global das dívidas.

A extinção dos privilégios da Companhia, a par das dívidas, acarretou sérios problemas aos agentes da coroa em todos os setores. Aquele que mais sentiu os efeitos da falta de pagamento pontual dos ordenados foi o sargento­mor de Bissau, lgnácio Xavier, Baião que, em 15 de julho de 1778, dirigiu uma carta à Junta da Administração da Companhia expondo a situação em que os designados "filhos da folha" estavam reduzidos, não apenas pela falta de quem lhes desse gêneros a crédito, como porque, devido ao "pouco ou nenhum rendimento que a Fazenda Real tem para acudir ao que há de tanta necessidade, pois me poria na consternação de vexar alguns moradores mais· capazes deste distrito". E, a concluir, escreveu: "Enquanto às mesadas com que V.m. têm até agora contribuído para a manutenção da minha famílià· desejava que fizesse a mesma graça, pois bem sabem que deste país não há gêneros com que possa acudir ao tratamento da minha casa, cujo soldo por V.m. dado, incluído vai na letra que a V.m. remeto que do Real Erário sejam V .m. satisfeitos" 13 •

Se algumas dúvidas ainda restassem sobre a penúria de réditos deste setor de Bissau-Cacheu, esta petição do sargento-mor fá-las-iam desaparecer. Ao ter conhecimento da cessação dos privilégios da Companhia, sentiu perfeitamente que a família, a residir em Portugal, ficaria desamparada e sem meios de subsistência, caso a empresa deixasse de lhe fazer o abono da mesada. E o

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departamento a seu cargo não conseguia cobrar rendimentos suficientes para cobrir os ordenados dos agentes do rei.

A partir de junho de 1779, o próprio governo, provavelmente pressionado pelos inúmeros interessados nos negócios da Companhia, designadamente os 269 acionistas, chamou a si a questão da cobrança das dívidas, embora sem qualquer efeito prático, até porque nem se chegara ainda à conclusão sobre o número exato de devedores no Maranhão e no Pará, nem sobre o montante dos seus débitos. Isto só veio a ser apurado pela Comissão Liquidatária, após porfiadas diligências. Havia todo um conjunto de devedores, sobretudo no Maranhão, que, gozando de influência no meio, travava o encerramento das contas, sem ter em consideração que estava em jogo um importante patrimô­nio (mercadorias, imóveis, navios etc.) de duas grandes empresas cujos mono­pólios haviam cessado: a do Grão-Pará e Maranhão e a de Pernambuco e Paraíba.

Embora bastante longo, decidimos transcrever o documento na íntegra, para auxiliar o entendimento da posição que, por essa altura, foi tomada pelos poderes constituídos, embora mais tarde todo o entusiasmo manifestado em 1779 viesse a esfriar mercê da evolução que os trabalhos das Comissões Li• quidatárias sofreram, pela influência da política anti-Pombal.

O documento está datado de 25 de junho de 1779, assinado pelo Secre· tário de Estado, Martinho de Melo e Castro, e endereçado ao governador do Pará, José Pereira Caldas. Nele se diz:

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"Os deputados da Junta da Administração da Companhia do Grão­Pará e Maranhão, e encarregados principalmente da cobrança das dívidas da mesma Companhia, fizeram à rainha Nossa Senhora a representação junta e em conseqüência dela ordenou Sua Maj. que V. Sr.ª logo que re· ·ceber este mande vir à sua presença os comissários' da dita Companhia e que estes lhe apresentem as relações de todos os devedores dela, com a importância líquida do que cada um estiver devendo e, nas margens aonde vierem os nomes dos mesmos devedores, uma breve informação da qua­lidade de cada um deles, isto é, se são lavradores ou negociantes em grosso ou em miüdo; se são comissários, se vivem das suas fazendas, se têm emprego, ofícios ou postos, de que se sustentam, se têm fundos ou meios procedidos das suas vendas, da sua lavoura, do seu comércio, da sua indústria, ou das suas ocupações; se os referidos comissários não tiverem feito as referidas relações, com as especificações e clarezas acima refe­ridas, V. Sr.ª lhes ordenará que logo, e sem a menor perda de tempo, as façam, e se para mais exactidão delas se fazerem como há-de ser preciso alguns homens de boa reputação e verdade, que tenham melhor e mais exacto conhecimento do país e dos habitantes deve, V. Sr.ª os mandará vir à sua presença para que deponham do que souberem ao dito respeito; e todas as mais diligências que for preciso fazer, ou pelo Ministro da Justiça, ou pelas Câmaras, ou pelos Juízes Ordinários dos lugares, ou por outro qualquer meio por onde se possa melhor conseguir um exacto e individual conhecimento dos devedores e suas possibilidades, V. Sr.ª a mandará praticar à custa da dita Companhia por expressos e ordens diri­gidos às pessoas que melhor o puderem informar".

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Concluídas as ditas relações, na forma acima indicada, V. Sr.ª con­vocará uma Junta a que preside, composta dos referidos comissários, dos Ministros das Letras, que se acham nessa Capitania, e daquelas pessoas de mais conhecida probidade, que lhe parecer, para que na mesma Junta se assente e decida quais são de entre os ditos devedores aqueles que, combinado os seus fundos ou rendimentos deles com as suas dívidas, se acham em estado de pagar logo sem vexação, e quais os que precisam de tempo para satisfazerem o que devem, arbitrando-se a estes últimos uma consignação anual, nem tão prolongada que eternize · a dívida e a faça por conseqüência incobrável, nem tão curta que arruine o devedor e o ponha em situação de não poder concluir o seu pagamento, e de não ter com que possa subsistir: um meio-termo e um prudente arbítrio entre estas extremidades, por meio da qual a Companhia se embolse do que se lhe deve, e os habitantes des~a Capitania se não arruinem, é o que S. Maj. quer que sirva de regra neste importante negócio; e é o que invio­lavelmente se deve praticar com todos aqueles devedores que com sinceri­dade e boa fé forem satisfazendo segundo as suas possibilidades, na for­ma do que se lhes arbitrar. Com aqueles devedores porém que, abu­sando da real benignidade, procurem iludir o suave arbítrio acima indi­ca e com subterfúgios, fraude e enganos se quiserem levantar com o alheio e não pagar o que devem, com estes, depois de verificada a má fé e malicia, se • deve logo mandar proceder executivamente, na con­formidade do cap. 37 da instituição da Companhia, que S. Maj. con­firmou e prometeu manter e fazer cumprir debaixo da sua real pala­vra, pelo alvará de confirmação da mesma Companhia de 7 de junho de 1755. Logo que se tiver assentado na referida Junta a forma de se fazerem estas cobranças, deve V. Sr .a, como especialmente encarregado por S. Maj. desta diligêncià, e os Ministros que aí se achem pela obri­gação que lhes impõe o cap. 37 acima referido, mandar avisar a todos os devedores da Compan.hia para que venham entrando com os seus pagamentos, na forma assentada na mencionada Junta, e que estes se vão remetendo em ouro, ou em efeitos, a esta cidade. Entre as refe­ridas fraudes, cavilações e enganos de que, poderão ainda querer usar os devedores de má fé, o mais pernicioso é o de fazerem passar os seus gêneros a este: Reino, debaixo de nomes supostos ou de os venderem dissimuladamente a quem não é devedor da Companhia, para se eva­direm por este meio ao pagamento do que se lhe ,deve como até ao presente se tem praticado, e de que procede originariamente o impor­tante cabedal da Companhia que ali se acha em mãos dos particulares, sendo digno de maior escândalo que se vejam constantemente entrar neste porto os navios carregados de gêneros dessa Capitania, trazendo metade deles e dos de maior valor, por conta desses habitantes, e que devendo os mesmos habitantes as grossas somas que são conhecidas, se mande entregar o produto dos mesmos gêneros aos seus correspon­dentes, e se não veja alguma ordem de pagamento do que devem. Os fundos da Companhia não pertencem aos inimigos da Coroa de Por­tugal para que os comissários com eles se levantem; são propriedade

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dos vassalos desta Coroa, pertencentes na maior parte a viúvas, órfãos, conventos de religiosas, Capelas e lugares pios, e não há maior desam­paro que depois que o capital destas diferentes classes de vassalos, dignos da mais eficaz protecção de S. Maj., se confiou aos habitantes dessa Capitania para com ele negociarem, traficarem e cultivarem a terra, dando-se-lhes a crédito, entre os mais gêneros, a escravatura de que procede a maior parte da dívida, e de que têm tirado as impor­tantes utilidades que são conhecidas, paliando-os ao mesmo tempo da penúria a que os reduziu a liberdade dos índios, estejam ainda os mes­mos habitantes ingratos a estes beneficiários, querendo-se locupletar dos fundos alheios, pelos estranhos modos acima indicados, e que as viúvas, os órfãos, os Conventos de religiosas, os administradores das Capelas e lugares pios e outros úteis e inocentes vassalos de S. Maj., a quem os mesmos fundos pertencem, sejam testemunhas oculares de os ver cavilosarnente girar entre os americanos e seus correspondentes, sem poderem ser senhores do que é seu. Este reprovado e inaudito compor­tamento, que até agora correu livre, por falta de quem o coibisse, deve V. Sr.a, em causa comum com os ministros que se acham nessa Capi­tania, evitar na sua origem, por aqueles meios que lhe parecerem mais eficazes, sem portanto prejudicar ao livre e lícito comércio que S. Maj. tem mandado estabelecer nessa Capitania. De tudo o que obrar V. Sr.ª avisará imediatamente remetendo com a possível brevidade, assim a Junta dos deputados da Companhia, corno a esta Secretaria de Estado, cópias das relações dos devedores , na forma que ficam acima indicadas, e fazer expedir sem perda de tempo para Mato Grosso urna cópia desta carta, para que ali se execute na mesma forma· que no Pará, tudo o que nela se determina. E lembro a V. Sr.ª que deve abrir a primeira sessão da Junta de que acima falo, lendo em voz alta esta carta" 14

Foi urna longa transcrição, talvez enfadonha para os que têm menor inte­resse no problema; mas elucidativa bastante para o entendimento do que se veio a passar. A tornada de posição do Secretário de Estado parece, à primeira vista, que daria resultados eficazes. Os acontecimentos, porém, desmentiram todas as boas intenções. Tanto assim foi que a liquidação total nunca se chegou a fazer e a agonia da empresa tornou-se longa e tormentosa até 1914, data em que se encerrou este tumultuoso processo.

2. Após mudanças dos componentes das Comissões Liquidatárias - numa fase inicial, um para cada Companhia - há conhecimento da nomeação, por decretos de 2 de setembro de 1797, de 15 de novembro de 1802 e de 14 de junho de 1803, de urna constituída pelo desembargador Feliciano José Alvares da Costa Ribeiro, Filipe Carlos da Cunha Souto e Matos e de António Rodri­gues de Oliveira. Julgava-se que com estas nomeações se conseguiria imediata­mente o apuramento das contas da Companhia, e que disso deveria resultar um perfeito conhecimento das dívidas a cobrar 15• Todavia, "pouco se havia conseguido neste importante assunto, quando ocorreu a invasão francesa destes reinos e esta calamidade pública, bem corno a da guerra que lhe sucedeu, veio a paralisar completamente os trabalhos da Junta, interromper toda a corres­pondência com as suas administrações subalternas no Ultramar, e privá~la das

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remessas de efeitos, letras e dinheiro que anterionnente recebia em resultado das cobranças ali efectuadas" - diz o relatório de 1836 15

• Foi essa Comissão presidida pelo Barão de Tilheiras que veio a determinar, após laboriosas inves­tigações, o montante global das dívidas à Companhia: 1.451.275.017 réis. E, mesmo assim, pomos algumas reservas se esse número correspondeu inteira­mente à realidade. Mais adiante, far-se-á a separação desse montante segundo os setores de comércio e igualmente o dos débitos do Erário Régio. Entretanto, antes disso, a "Contadoria da Junta de Liquidação dos Fundos das extintas Companhias" havia já detectado um desvio de numerário e mercadorias, feito pelo deputado João Roque Jorge, no montante de 346.923.657 réis, consoante se vê da exposição feita a 10 de maio de 1810 10• Este deputado falecera a 19 de abril de 1803. Como então não tivesse sido ainda averiguado o processo utilizado por este deputado para efetuar semelhante desfalque, no relatório de 25 de setembro de 1821, da autoria do contador, à "Junta de Liquidação dos Fundos das extintas Companhias", José Joaquim Lopo, o assunto foi escla­recido um pouco. Num período do aludido relato afirma-se:

" ... Também a Sociedade do Comércio Exclusivo das Ilhas de Cabo Verde, de que era sócio o deputado João Roque Jorge, entendia-se que o ficava sendo pela Junta da Companhia, e quem me persuado aquele deputado teria inculcado como útil aos interesses dos accionistas esta medida, pelo que pelo contrário tão perniciosa foi! Desta incompetente união resultou portanto, como necessária conseqüência, confundirem-se de tal sorte os negócios da Companhia com os da Sociedade Exclusiva que, principiando os ditos comuns administradores a tomar por avaliação para serviço da Sociedade todas as casas, gêneros e mais utensílios per­tencentes à Companhia, e sacando por conta do produto destes objectos algumas letras sobre os ditos directores daquela Sociedade, a favor da Junta, nunca porém remeteram as indispensáveis contas e balanços rela­tivos à cobrança das dívidas, até que afinal terminaram inteiramente toda a correspondência .com a Junta, ficando por este motivo ilíquidas, como se acham, as contas das administrações de Cacheu e Bissau, em que se mostra a Companhia credora actualmente de 30.676.799 réis, importância das dívidas activas relativas a prédios que parece ainda possuir naquelas ilhas" 17

Merece a pena continuar a analisar o caso do desfalque do deputado João Roque Jorge, escalpelizado pela Comissão Liquidatária no seu relato de 12 de março de 1836 15 , e de que transcrevemos o seguinte período:

"Também se compreende naquelas dívidas (1.451.275.017 réis) a do casal João Roque Jorge por 353.329.725 réis, contraída durante o seu exercício de deputado da Companhia do Grão-Pará e Maranhão. Poucos ou talvez nenhuns recursos ofereça a herança deste devedor, para paga­mento de semelhante alcance e tanto mais achando-se seqüestrados todos os seus bens para solução de outra dívida que também contraíra na Repartição da Fábrica das Sedas (do Rato), de que foi director. Todavia prosseguem por parte da Junta, pelos meios judiciais competentes, as precisas diligências para verificar a formal arrecadação desta dívida e minorar quanto ser possa tão grande prejuízo dos accionistas" 11'.

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Tendo permanecido prolongado tempo como deputado da Companhia (de 1768 a 1803), João Roque Jorge, a par dos jogos políticos e mercantis usados pelos diferentes grupos de interesses, desempenhou um papel duplo na empresa: dirigia a atividade comercial desta e, ao mesmo tempo, aproveitando-se das oportunidades, desviava fundos e mercadorias para outras sociedades em que entrara como sócio ou como dirigente. Foram os casos da Fábrica das Sedas do Rato e da Sociedade Exclusiva do Comércio das Ilhas de Cabo Verde, criada a l .º de janeiro de 1783 pelo prazo de quatro anos (a terminar a 31 de dezembro de 1786), com vista a susbtituir a do Grão-Pará e Maranhão; e possivelmente de outras negociações como as do extremo-oriente. Só dessa forma poderia valer-se das posições detidas para praticar um alcance de tão elevado montante. E isso resultou em prejuízo dos acionistas.

Como se apura, o valor do alcance registrado em 1810 (346.923.657 réis) veio a ser retificado pela Comissão de 1836, que o fixou em 353.329.725 réis, isto é, mais de 6.606.068 réis. Segundo tudo indica, esse deputado ultra­passou todos os outros desvios cometidos pelos diferentes administradores da empresa no Brasil.

À data da extinção do monopólio, as dívidas da Fazenda Real deveriam ser muito superiores aos quantitativos apurados pela Comissão Liquidatária de 1836. Esta indica o total global (particulares e Estado) de 1.715.795.568 réis, esclarecendo que tal montante compreendia "as dívidas deste reino ( ... ) da Fazenda Pública por 462.185.814 réis, contraídas por diferentes repartições do Estado; e posto deste muito tempo se tenham empregado todas as diligên­cias para a sua efectiva liquidação e pagamento, nada se tem podido conseguir até ao presente, pela falta que há de esclarecimentos e notícias daquelas repar­tições a semelhante respeito, e que os documentos e títulos apresentados por parte da Companhia não têm podido suprir a legalidade que é mister" 15

; e, ainda, os 353.329.725 réis do alcance do deputado João Roque Jorge, anterior­mente referido.

Ora, se dos 1.715.975.568 abatermos os montantes dos débitos da Fazenda Pública (462.185.814) e o do alcance de Roque Jorge (353.329.725), temos que os negociantes, lavradores e outras diversas entidades privadas deviam 1.100.280.029 réis, na sua maior parte dos residentes no Brasil.

Para nós é de admitir que nos débitos da Fazenda Pública, à data do relato de .1836, não tivessem sido incluídos os contabilizados nos finais de 1799, pois no lançamento n.º 722, de 10 de setembro de 1833 18

, foram levados à conta de Lucros e Perdas os seguintes quantitativos:

Débito da Fazenda Real em Bissau . . . . . . . . . . . . . . . . 536. 738

Idem, idem em Cacheu .......................... 35.717.667

Idem, idem em Cabo Verde . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42. 669. 364

Idem pela construção da fortaleza de Bissau . . . . . . . . 230. 530. 688

Total . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 309.454.457

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Estamos convencidos de que a anulação destas contas, apresentadas como débitos da Fazenda Pública, se ficou a dever a qualquer decisão superior que, para tanto, se teria baseado no fato de a Companhia haver gozado do privi­légio da cobrança de rendimentos públicos e de isenção de direitos alfandegá­rios e emolumentos, consoante fora estipulado nos números 9 e 10 do alvará secreto de 1757. No gozo de semelhantes concessões, a Companhia teria neces­sariamente de dar contrapartidas. E a construção da fortaleza de Bissau, entre outras, seria uma das compensações.

Partindo desta dedução, os 462.185.811 réis, que sistematicamente o Erário Régio se recusou a pagar, deveriam respeitar a essas despesas ou a outras de duvidosa proveniência. A Comissão Liquidatária, em 1836, escla­receu um pouco o assunto, ao afirmar:

"além das circunstâncias pouco satisfatórias em que se acha a arrecada­ção daquelas duas parcelas que ficam indicadas (as dívidas da Fazenda Publica e o alcance de Roque Jorge), é para lamentar que se não possam conceituar melhor muitas outras, de que se compõe a soma total, que ainda hoje se deve à Companhia. A autenticidade destas dívidas, ofere­cendo em geral grandes dificuldades no processo da sua arrecadação, já pela falta de notícias de muitos devedores ou dos seus actuais repre­sentantes, já pela carência de meios que na maior parte das outras con­corre para poderem satisfazer os seus alcances, toma por conseguinte mui precária e contingente essa mesma arrecadação, que em tais cir­cunstâncias apenas se poderá considerar realizável em um terço da soma que representa" 111

Neste campo das dívidas da Fazenda Pública, não fomos capazes de chegar a uma conclusão tanto quanto possível exata entre as apresentadas pela Companhia e as apuradas pelas Comissões Liquidatárias.

Como se disse, aceitemos .que as dívidas respeitantes a Bissau, Cacheu e Cabo Verde foram levadas à conta de "Lucros e Perdas" e, portanto, anula­das. Mas como então se justifica que· tanto a Comissão de 1780 como a de 1846/1875 tivessem apresentado um extenso rol de dívidas da Fazenda Pública no Brasil, e que montam a 841.805.796 réis, provenientes de pagamentos dos ordenados das classes civil, militar e eclesiástica e de despesas com a constru­ção de casas em Borba, Tabatinga, Mato Grosso etc., e de algumas repartições públicas do Reino - débitos de 1762 em diante e reclamados a partir dt 1780 a 1851? Como se vê, o montante exigido é quase o dobro do quantita­tivo registrado em 1836 pela Comissão. Algumas das verbas constantes do quadro que a seguir apresentamos teriam sido liquidadas ao rondar dos anos de 1780? Não tomamos àqui uma posição decisiva em presença de um tal desencontro de cifras. Registramos o fato quanto mais não seja para se aquila­tar do custo anual da manutenção das guarnições militares e do clero missio­nário no norte do Brasil.

Consoante os dados referenciados (não foram localizados os de 1765 a 1769), as dívidas do Estado à Companhia eram de diferentes proveniências 19•

~5

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Anos Discriminação Quantias

1762/ 1764 Folhas das classes civil, militar e eclesiástica em Mato Grosso, Borba, Tabatinga, São José de Macapá . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39.038.141

1770. . Construção das casas de Borba, São José de Macapá, Rio Negro e Tabatinga, fortificações e armamento para defesa da fronteira . . . . . . 262.854.339

1771 Idem, idem, idem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147.165.325

1772/ 1775 Folhas das classes civil, militar e eclesiástica de Mato Grosso, Borba, Tabatinga e São José de Macapá . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101.105.880

1776/1779 Idem, i9em, idem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105.638.294

1780 Custo das casas construídas na Vila de Borba 11.831.092

1851

Custo das casas construídas em Tabatinga . .

Obras no Mato Grosso e Rio Negro, e com­pra de armamento para defesa da fronteira .

Suprimentos para as despesas feitas com as obras de Borba, Tabatinga, armamento do Rio Negro e desembolso no Mato Grosso

Dívida pela Repartição da Alfândega

Idem, pela Repartição dos Armazéns

Idem, pelo Arsenal do Exército ........ . .

Idem, dos dízimos do Pará . . ......... .. .

Idem, do Arsenal da Marinha ... . . . .. .. .

Idem, da extinta Repartição da Tenência . .

Idem, do extinto Erário e da Casa da Moeda

Total ....... . ... .

13.492.070

66.056.449

72.681.397

1.871.806

1.685.031

539.250

409.546

6.166.660

1 .351.367

9.919.149

841.805. 796

Passemos agora a analisar as dívidas das entidades privadas. 3. Aceitemos - mesmo como mera hipótese de trabalho - que em 1836

as dívidas dos clientes (negociantes, lavradores, "filhos da folha" e outros) se situassem nos 1.100.280.029 réis. O relatório da Comissão é omisso quanto às regiões em que residiam esses devedores. A contabilidade da empresa, em 1779, registra apenas os nomes dos devedores do setor Cabo Verde e Bissau-Cacheu; e nem globalmente aponta os do Brasil. Segundo um levantamento sucinto por nós efetuado nos setores antes referidos, existiam 723 devedores de pequenas somas,. distribuídos da seguinte forma 20 :

296

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De Cacheu, Farim e Ziguichor, abrangendo 352 devedores 53. 607. 602

De Bissau e Serra Leoa, abrangendo 120 devedores . . . . 15. 157. 911 De Cabo Verde - Ilhas de Santiago,. Fogo, Maio, Brava,

Boa Vista, São Nicolau e Santo Antão, abrangendo 251 devedores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17. 561. 913

Total 86.327.426

Nestas condições, as dívidas nesta parte da África corresponderiam a 7,8% do conjunto; cabendo ao Brasil e Angola 1.013.952.603 réis (92,2%). Sobre a identidade dos devedores, nem uma palavra. Teriam esses elementos ficado no Brasil quanqo Martinho de Melo e Castro ordenou a inventariação dos débitos pelo governador Pereira Caldas?

Demo-nos ao trabalho de elaborar listas nominais dos devedores daqueles 86.327.426, mas unicamente dos agentes militares, do clero e de instituições religiosas e, em casos especiais, os de empréstimos feitos a autoridades tradi­cionais, na condição de os seus débitos serem solvidos em escravos e _aos cabo­verdianos moradores na Serra Leoa. Todos estes deviam à Companhia, no total, 36.365.941 réis., O restante (49.961.485 réis) respeitava a indivíduos cujas identidades e ocupações não foi possível determinar.

Segundo as áreas,• temos 20 :

CABO VERDE

1) Padre António Semedo .......................... .. . . 2) Padre Belchior Ribeiro Moreira . . . . . . . . . . . . . . ....... . 3) Padre Carlos de Mendonça . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . , 4) Câmara da Achada Grande .... • . . .................... 5) Convento da Ribeira Grande ........................ . 6) Igreja de Nossa Senhora da Luz .................... • , 7) Cônego Francisco Lopes da Conceição ................ . 8) Padre Francisco Lobo .................. . _ ........... . 9) Abade Francisco Pereira ............................ .

1 O) Padre Gregório Mendes ............................. . 11) Frei José óe Alcais .............................. . . . 12) Mestre-escola ..................................... . 13) Igreja de Santo Amaro Abade ....................... . 14) Irmandade do Santíssimo ........................... . 15) Vigário João Gonçalves Cabral ...................... . 16) Vigário João de Espínola ........................... . 17) Cônego João Leitão do Vale ......................... , 18) Capitão-mor João da Fonseca . . . . . . . . . . . . . ......... . í 9) Capitão Luís Tavares .............................. . 10) Padre Luís Sanches ................................ .

25.934 87.014 5.262

109.906 59.341 89.720

453.251 75.783 12.520 48.855 2.800

13.031 106.633 259.870

13 .180 7.443

260.246 91.081

1.868 31. 337

297

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21) Padre Francisco Sanches Alvernaz ................... . 22) Coronel Manuel Semedo . . . . . . . . . . . ................ . 23) Frei Manuel Vila-Nova ............................. . 24) Padre Manuel Gomes da Fonseca ................... . 25) Padre Manuel Gonçalves Tavares (Herdeiros) .......... . 26) Santa Casa da Misericórdia ......................... . 27) Padre Manuel Ribeiro do Livramento ................. . 28) Coronel Manuel Tavares ........................... . 29) Mestre-escola, Manuel Vaz .......................... . 30) Padre Paulo Fortes Rezende ........................ . 31) Padre Paulo Gomes de Sequeira ..................... . 32) Alferes Pedro Vieira ............................... . 33) Padre Pascoal Vaz ................................. . 34) Capitão Pedro Tavares ............................. . 35) Padre Rafael Gomes de Espínola .................... . 36) Padre Rodrigo de Oliveira ......................... .

Total em mil réis ..................... .

BISSAU

1) Sargento-mor Sebastião da Silva Bravo ................ . 2) Hospício de Bissau ................................. . 3) Capitão Joaquim Lopes ...................... , ...... . 4) Capitão Francisco de Sousa Varela ................... . 5) Tenente Bernardino António Alvares de Andrade ....... . 6) Capitão Cristóvão Lopes Godins ..................... . 7) Capitão Bento Vieira da Cruz ...................... . 8) Alferes Pedro Jorge ............................... . 9) Alferes Francisco Nunes ............................ .

10) Capitão José Luís de Braga ............... . , ....... . 11) Alferes José Joaquim Pereira ....................... . 12) Tenente António Martins ........................... . 13) Alferes Domingos Vaz ............................ . , 14) Soná Silá, fidalgo de Paiunco ........................ . 15) O Rei de Catarina, para pagar com 5 escravos ........ . 16) O Rei de Cambula, para pagar com 2 escravos ........ . 17) O Rei de Cambaju, para pagar com 5 escravos ........ . 18) O Rei de Pachisse, para pagar com 1 escravo ......... . 19) O Rei de Cam-Santi, para pagar com 1 escravo ........ . 20) Fidalgo de Cam-Santi, para pagar com 2 escravos ....... .

Total em mil réis

298

...................... ,_

158.712 37.839 12.879 16.851 28.002

192.480 165.863

13 .395 23.959 72.142 9.973 2.762

15.391 1.868

111. 651 45.812

2.644.654

974.813 108.000 415.000

2. 651.388 592.000 550.500 334.591 36.425 10.200 15.000

163.758 9.000 3.000

640.000 350.000 125.000 226.300 65.000 59.500

112.000

7 .441.475

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SERRA LEOA

1) João Mendes ..................................... , 2) Domingos Raiz ............ . . . .................... . 3) Jorge de Espínola ..... .. ............. . . ... ... . : .... . 4) Manuel António Silva ........ . .... . ........ . . . ..... , 5) Martinho Fernandes .... .. . . . . ................... .. . . 6) Luís de Moura ............ .. . . .................. .. . 7) Damião de Góis ...... . .. ... .......... .. ......... . . 8) Marco Lopes ...... . .................. ... ........ . . . 9) Quebuno Jorge .... . . . . . ..... . . .. . . ..... .. ... . ..... .

10) Fodé Sissé . . . ..... .. ... . . .... ... ... . ... . .. , .... . . . . 11) Calamá Tambá . ... . . .... . .... . . ... ...... .. .... ... . _ 12) Senim .. . . .... . . ...... ....... .. ............ . .. .. . . 13) Banimá . .. . ........... . ... .. ............ ... ...... . 14) Franklay ................... . . . ... . , ..... . ...... .. . 15) Bantefá .. .. .............. . .. . . .... ..... . .. . ...... . 16) Sirá .. . ... . . .. . .. ..... . ... . . . . . ..... . .. ... ....... . 17) Tomáz Backer . . . .. .. .. . . . . ... ... . ...... .... ... . .. . 18) Cazimão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 19) Soleimane .. . . .. ..... . . . ... . .............. ... ..... . 20) Burnay Mancacot .. .... . . • _ ... .. . .. ...... .. .. ...... . 21) Irmão do rei Sosso . . . . ... .... . .. ..... ... . .... .... ,

Total . .............. . ... . ............ .

184 .000 106.000 178.000 56.000 83.000 18.000

215.000 30.000 26.000

294 .000 4 .000

10 .000 17.000 4.000

14 .000 10 .000

3 . 183 .000 55 .000 55.000 95.000 15 .000

4.652.000

Os sete primeiros são cabo-verdianos que residiam na Serra v~oa.

CACHEU

1) Padre Francisco Lobo de Andrade . . ..... . .... .. ..... . 2) Capitão Carlos Carvalho de Alvarenga ... . .. •. .. .. ..... 3) Padre João de Espínola ......... ... .. .... . ... . .... . . . 4) Padre Manuel da Graça .... . .. . . .. . .. . . . ..... ... .... . 5) Capitão-mor António Fernades Lopes ................ . . 6) Meirinho Gregório Lopes ... . ... . ............ . . . ..... . 7) Igreja de Ziguichor ..... ... .......... . ..... . ....... . 8) Alferes-tenente Francisco José de Azevedo ... .. ... .. ... . 9) Mestre Domingos António .... . ....... . . . . .. . .. ... .. . .

10) Hospício de Bissau .... . . . ... .. ..... . ..... .. .. . ..... . 11) Tenente Manuel dos Santos .. .. . .......... .. ........ . 12) Capitão-mor Bernardo de Azevedo Coutinho ... . . .. . .. . . J 3) Cirurgião Francisco Xavier da Silva .......... . ..... . . . 14) Visitador Padre Luís Gomes Barbosa . . ... , . .... ...... . 15) Capitão Pedro da Costa de Alvarenga . .. .... . .. .. .... .

189.585 84 . 130 35.600

477.350 279 .340 119. 100 261. 522 441 . 020

3 .950 297 .972 857 .622

1.184 .425 46.571

2.600.429 180 .091

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16) Capitão Mateus Fernandes .......................... . 17) Capitão-cabo Manuel Pereira do Rego, de Ziguichor .... . 18) Capitão Anastácio Domingos Fontes .................. . 19) Vigário Luís Barbosa Sanches ...... . ................. . 20) Capitão-mor João Vicente Pereira ............. . ...... . 21) Capitão-mor Filipe José de Souto e Matos ............ . 22) Capitão Joaquim António Vargas .................... . 23) Padre Francisco Lobo .............................. . 24) Padre Pedro Fidalgo de Andrade, de Farim ........... . 25) Padre Manuel Fernandes de Sousa, de Ziguíchor ....... . 26) Padre Manuel da Graça, de Ziguichor ................ . 27) Vigário Luís Monteiro Sanches, de Cacheu ............ . 28) Hospício de Cacheu ............................... . 29) Capitão António da Costa de Alvarenga .............. . 30) Capitão Joaquim Baptista, de Farim .................. .

80.000 2.623.001

220.000 534.817 921. 594 409. 183

8.100 79.437

383.805 635.432 652.947 236.800

1. 621. 280 l. 237. 588 4.925.121

Total ................... •. ............ 21.627 .812

Estas dívidas de Cabo Verde representaram pouco mais de 7% do con­junto. Destas relações podemos concluir que, do montante das dívidas, pouco mais de 42% era dos "filhos da folha", militares, clero e instituições religiosas.

4. As dívidas de Angola e do Brasil, a partir praticamente do termo dos privilégios da Companhia, passaram a ser protestadas pelos mais variados mo­tivos. Os devedores aperceberam-se de que a empresa deixara de beneficiar do apoio e da proteção governamental e não temiam as execuções judiciais. Para o efeito, contestavam os saldos devedores com o fundamento de que os admi­nistradores haviam lançado nas contas mercadorias não fornecidas e juros inde­vidos, por mal contados. Todas as razões serviram para se esquivarem à liqui­dação. Independentemente das contestações, bem fundadas ou infundadas, os devedores se beneficiaram das diversas conjunturas: • a primeira, à que já fizemos alusão, foi a da invasão da Península Ibérica

pelas tropas de Napoleão, e que obrigou a deslocação da família real para o Brasil, seguida da suspensão da navegação mercante por alguns anos;

• a perturbação causada pela instabilidade das instituições (um governo no Brasil e o chamado "governo do Reino") que desconjuntou a máquina admin~strativa e fez com que perdesse a eficiência, seguindo-se a própria independência política do Brasil;

• por último, o não-reconhecimento pelo Pará do governo legítimo instalado no Rio de Janeiro.

E em que tudo isso teria influído na cobrança dos créditos da extinta Companhia?

Preferimos neste particular utilizar as informações constantes do rela· tório da Comissão Liquidatária datado de 1836 111 • Convém, no entanto, escla­recer desde já que cada Comissão Liquidatária (a partir da nomeada em 1797) era composta por 4 deputados, 2 conselheiros e 1 secretário, além de

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outro pessoal auxiliar, cujos ordenados certos montavam a 17. 798.000 réis por ano.

"Enquanto porém estas (primeiras) Juntas se ocupavam das vendas (das mercadorias) e arrecadações inerentes, pouco atenderam à líquida­ção e ajustamento das contas dos diversos devedores deste Reino; de sorte que tendo falecido uns depois dos outros deputados, conselheiros e secretário da Junta do Pará, sem que ao conhecimento do governo chegasse a notícia destes incidentes, para providenciar pela substituição dos lugares vagos, veio finalmente a ficar único depositário de toda a inspecção da Junta, pelo espaço de sete anos, o deputado João Roque Jorge" 15

, que assim pôde gerir livremente todo o patrimônio da empre­sa, obedecendo a um critério discricionário. Foi, portanto, essa liber­dade de acção que lhe permitiu dispor abusiva e dolosamente dos bens e utilizá-los em negociatas meramente pessoais.

A seguir - como já aludimos antes - deu-se a invasão francesa, com as conseqüências também apontadas. Entretanto, anos depois, "libertado subse­qüentemente o Reino do jugo estranho ( ... ) a Junta pôde conseguir do gover­no então existente no Rio de Janeiro, por instrução de 2 de junho de 1812 ( ... ) pela qual ~e deram enérgicas providências em benefício da cobrança das dívidas no Pará e Maranhão" 15 •

As invasões francesas atingiram duramente Portugal em geral, e a Com­panhia não escapou aos efeitos da ação destrutiva das tropas. Em termos de sanções pecuniárias, a contribuição de guerra lançada e os donativos destina­dos ao resgate dos portugueses cativos em Argel, pagos pela Companhia, dão­nos, de certo modo, uma imagem do que foram esses tempos atribulados. A Companhia foi obrigada a pagar, em 1808 e em 1814, a importância de 14.154.620 réis, a saber 21 :

N .0 903, de 26 de agosto de 1808 - "Contribuição de guerra exigida pelo governo francês: à Caixa, pelo que entregamos à Contadoria da Real Junta de Comércio para os 6 milhões da contribuição imposta pelo decreto de 1.º de fevereiro de 1808" .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 3. 104. 000 "Contribuição exterior de defesa" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1. 800. 620 N.º 1.313, de 30 de dezembro de 1814: "Entregue no cofre dos donativos aplicados · ao resgate dos portugueses cativos em Argel" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9. 250. 000

Total ................................ 14.154.620

Fazemos esta referência mais a título de curiosidade do que verdadeira­mente pelo seu interesse no contexto da análise dos problemas da empresa.

* * *

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Quando· tudo parecia entrar na normalidade, "teve lugar a dissidência do Brasil e nos procedimentos hostis que se perpetraram contra a propriedade dos súditos portugueses ali estabelecidos, foram vítimas sacrificadas ao ódio e rancor daqueles povos os interesses das administrações das Companhias. Con­fiscaram-se-lhes os seus bens, que foram vendidos em hasta pública, e entregue o seu produto nos cofres da Fazenda Nacional; e até se procedeu à cobrança das dívidas ativas das Companhias, como se fossem dívidas fiscais pertencentes à mesmo Fazenda; atacado o governo de Portugal com manifesto <lesar, e ofensa dos direitos das gentes, uma propriedade particular que aliás deveria ser respeitada e mantida incólume" 111 •

Em face desta difícil situação, a Comissão Liquidatária, a 18 de outubro de 1823, foi autorizada a mandar ao Brasil, em missão especial de contato com as autoridades e para tentar aplanar as dificuldades, o deputado José Antó­nio Soares Leal, o qual se desempenhou muito bem do encargo. A própria Comissão o diz:

"o resultado desta importante comissão correspondeu à confiança que se havia depositado na pessoa do comissionado, por isso que depois de muitas fadigas e despêndios obteve do Governo do Rio de Janeiro a publicação da Portaria de 22 de janeiro de 1824, pela qual se mandaram reintegrar aquelas administrações na posse do seu antigo exercício, posto que com a obrigação de entrarem nos cofres da Fazenda Pública, por depósito, com o produto da arrecadação que fizessem. O reconhecimento do Brasil parece que deveria para logo fazer cessar todos os obstáculos que até então houvessem embaraçado a marcha dessas administrações, e a remessa dos fundos recebidos para este Reino; mas como isso não aconteceu em razão da repugnância que mui espe~ialmente apresentava a Junta da Fazenda ( ... ) foi ainda mister a expedição do aviso de 18 de novembro de 1827" e de outras diligências que "haviam tolhido o livre expediente desta importante arrecadação" 15 •

A resistência do governo em não deixar sair o dinheiro da cobrança de dívidas é compreensível. Se o permitisse indiscriminadamente, isto agravaria a difícil situação da sua tesouraria num momento crítico da vida da jovem nação. À Junta Liquidatária em Portugal não deveria ser estranho este por­menor.

* * *

Para além da cobrança das dívidas, a Comissão Liquidatária teve de enfrentar muitos outros problemas, dos quais os mais importantes estavam relacionados com o confisco da propriedade imobiliária. A este propósito, o relatório em apreço diz:

.302

"Outro assunto também que tem merecido todo o cuidado da Junta é a reivindicação de um grande prédio pertencente à Companhia ( ... ) situado na cidade do Pará, o qual tendo sido seqüestrado e vendido pela Junta da Fazenda daquela Província, por ocasião da guerra da indepen­dência do Brasil, ainda não foi restituído apesar das mais eficazes dili­gências para isso empregadas não só junto do governo do Rio de Janeiro,

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mas também pelo uso de meios judiciais, de cuja decisão até hoje está pendente este negócio, que pode bem ser considerado um valor excedente a 30.000.000 réis. A oscilação política em que tem permanecido aquela malfadada Província do Pará, e muito particularmente a última catástrofe de que foi vítima, tomam mui contingentes neste momento as esperan· ças de uma pronta e satisfatória resolução. Todavia, ele se achou reco~ mendado aos cuidados da administração da Companhia naquela provín­cia, bem como no Brasil ao Cônsul português no Rio de Janeiro; e por isso deverão sucessivamente prosseguir todas as diligências para obter o seu ultimatum apenas se restabeleça no Pará o governo legítimo ... " 15•

Não foram apenas as dificuldades levantadas pela situação política do Brasil que embaraçaram a solução dos vários assuntos pendentes. Também tiveram de ser enfrentados empecilhos derivados da contingência da vida das próprias comissões locais encarregadas de todo o conjunto das diligências.

Neste particular, diz o relatório: "A acção administrativa da Companhia no Maranhão tem sofrido

uma interrupção ocasipnada pelo falecimento do último administrador, Caetano José da Cunha, pois que não tendo sido possível encontrar pessoa idônea e capaz que dela tenha querido incumbir-se pelas dificuldades que oferece, foi necessário confiar a guarda e segurança do respectivo car­tório aos negociantes daquela cidade, Mendes & Season, que mui atencio­samente a isso se prestaram do melhor agrado; todavia, como em razão dos últimos acontecimentos do Pará se acha presentemente um dos admi­nistradores da Companhia, José Pedro Freire de Gouveia, julgou a Junta conveniente, em atenção aos seus particulares conhecimentos dos negócios da Companhia, incumbi-lo interinamente desta administração" ir;.

"A arrecadação das dívidas em Angola foi encarregada por Portaria de 23 de Dezembro de 1829, repetida em 12 de Abril de 1832, a João António de Morais Faião, Luís Gomes Ribeiro e Bernardo Maurício Alvares da Costa Pinto, e como não tenham dado até ao presente conta alguma do resultado desta incumbência, tem a Junta dado ultimamente as providências necessárias par"a que seja ali encarregado uma outra pessoa de confiança ... " 15

Depois disso nada se ficou a saber deste caso. Para que a análise do problema das dívidas e a alienação do patrimônio

da Companhia fossem completamente esclarecidas, deveríamos acrescentar o rol dos nomes e quantitativos em dívida, tanto as de Angola como as do Brasil. Mas, por estranho que possa parecer, todas as medidas mandadas adotar pelo Secretário de Estado Martinho de Melo e Castro, com o vigor expfesso no ofício antes transcrito, não produziram os resultados esperados. Por isso mesmo, pomos de parte o assunto, dada a impossibilidade de o aflorar com dados credíveis.

No entanto, a Comissão viu-se a braços com um outro problema comolexo, que foi o relacionado com o patrimônio imobiliário da Companhia, localizado em Lisboa, na rua da Boa Vista, e de que o governo abusivamente se apropriou e utilizou - uma espécie de confisco. Depois de uma interminável troca de correspondência entre a Comissão Liquidatária e o governo, no sentido da

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"reivindicação dos prédios da Companhia à Boa Vista, que por ordem do gover­no de 12 de outubro de 1797 e 26 de janeiro de 1798 haviam sido destinados para aquartelamento da Brigada Real da Marinha", a Comissão conseguiu que o "Ministério do Reino publicasse a portaria de 2 de setembro de 1835, orde­nando a restituição e, assim, pôs termo a uma antiga reclamação que a justiça e boa fé do governo não podem deixar de atender" 15 •

"Esses prédios e alguns outros que lhe são contíguos - diz o rela­tório de 1836 -, bem como o solo em que se acham construídos, consti­tuem dois prazos foreiros de 18.000 réis anuais à Câmara Municipal de Lisboa, e o seu rendimento anual excede a 3.000.000 réis; porém é tal o estado de ruína em que se acham alguns destes edifícios que o seu pronto reparo demanda um considerável despêndio, hoje incompatível com as forças do cofre das Companhias. Além disso sempre a Junta corresponde ao objecto da sua incumbência que consiste em liquidar para distribuir, e não em receber para capitalizar" 15 •

A recuperação dos prédios só veio a concretizar-se em definitivo após 21 anos, contados do relatório de 1 1836. :É o que se tem de concluir do seguinte passo do relatório da Comissão, datado de 2 de abril de 1857:

"Ultimou-se a venda dos prazos da extinta Companhia do Grão­Pará e Maranhão à rua da Boa Vista, de que se havia dado contas nas reclamações que acompanharam o balanço geral de 1855. Este contrato foi celebrado entre a Junta e a Direcção da Companhia Lisbonense de Iluminação a Gaz, por escritura de 10 de setembro de 1856, lavrada nas notas do tabelião desta cidade João Baptista Ferreira e com o produ­to da venda dos referidos prazos abriu a Junta a 26 de novembro seguinte o pagamento de um novo rateio aos accioni,stas da extinta Com­panhia que continua a realizar-se na conformidade do respectivo aviso" 22

.

Mas qual foi o montante desta alienação? E que quantitativo atingiu a cobrança das dívidas de Angola e do Brasil? A escrita não nos dá qualquer resposta a nenhuma destas interrogações. Nem sequer o quadro de distri­buição de dividendos as elucida, uma vez que o último registro nele feito é o que se reporta ao ano de 1824! Portanto, podemos afoitamente afirmar que o total dos dividendos escriturados (mesmo após o resgate total das ações, feito entre 1782 e 1783) é superior ao constante do quadro inserto no capí­tulo 2, ou seja, um total de 1.127.914.836 réis (242,2% do capital investido); e ainda maior do que o registrado no relatório de 1836 (por inexplicável que possa parecer). Segundo este documento, a distribuição foi de "906.756.000 réis, por 195,% % do capital das acções pertencentes aos accionistas da Com­panhia do Grão-Pará e Maranhão; e 1.523.200.000 réis, correspondentes a 112 % das de Pernambuco e Paraíba" 15 •

Aqui ficam registradas mais umas anomalias da escrita e dos relatórios das Comissões Liquidatárias. E não possuímos elementos que as possam aclarar, pelo menos perante a escrita da empresa.

Do que não restam dúvidas nenhumas é que as dívidas não foram cobra­das na totalidade; e assim mesmo os acionistas, em 69 anos (1755 a 1824), receberam não só o capital investido, como também 242,2% de dividendos - isto na pior das hipóteses. E maiores seriam os lucros se não tivesse

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havido tanta dilapidação. de valores, tantos roubos, alcances e outros proce-dimentos dolosos. '

Um ~s.s.unto que merece o nosso reparo é o que concerne ao destino dado aos montantes obtidos com a venda dos navios da empresa, alguns deles utilizados, após a extinção dos privilégios, nas chamadas "negociações" com o extremo-oriente, consoante se verá no próximo capítulo. Também aqui, a escrita e os relatórios das primeiras Comissões, primam por um silêncio total - o que consideramos estranho. No entanto, se pensarmos um pouco no clima de confusão, de abandono e de incúria vivido após o decreto de janeiro de 1778, talvez possamos, pelo menos em parte, encontrar uma espécie de justifi­cação para as falhas apontadas. O que dissemos, apoiados na documentação arquivada, parece suficiente para a compreensão de todo esse processo -em que o patrimônio da empresa esteve envolvido.

Com a série de embaraços que se depararam às Comissões Liquidatárias, o encerramento total das contas da empresa só veio a ter lugar em 1914, isto é, cerca de 136 anos após a extinção do monopólio.

Bibliografia e Notas do Capítulo 9

1. AHMF-CGGPM. Cartas para Cacheu e Bissau. XV /R/36, fls . 291. Carta para Bissau, de 12 de outubro de 1768, acerca do débito do capitão-mor António Fernandes Lopes Godins Sanches.

2. AHMF-CGGPM. Cartas para o Maranhão. XV/R/37, fls. 40/41. Carta de 8 de novembro de 1771 para os administradores José Vieira da Silva e Bonifácio José Lamas, sobre o elevado montante das dívidas: 609.518.515 réis.

3. AHMF-CQGPM. Cartas para o Maranhão. XV /R/37, fls. 55-66. Carta de 6 de maio de 1772,. tratando do lançamento de 119 contos de juros na conta "dívidas".

4. AHMF-CGGPM. Cartas para o Maranhão. XV /R/37, fls. 114. Carta de 1774. 5. AHMF°CGGPM. Cartas para Cacheu e Bissau. XV /R/36. Carta para o sargento­

mor de Cacheu Aqtónio Vaz de Araújo, em 1776, sobre a cobrança das dívidas. 6. AHMF-CG;GPM. Cartas para o Maranhão. XV /R/37, fls. 240. Carta de 24 de

setembro de 1777, sobre o elevado montante de dívidas acusado em 3 f de janeiro de 1776. '

7. AHMF-CGGPM. Cartas para o Maranhão. XV/R/32, n. 104, fls. 312-313. Carta de 26 de setembro de 1777 para o governador Joaquim de Melo e Póvoas, comunicando a demissão do administrador José Vieira da Silva e pedindo providências no sentido de ser efetuada a cobrança das dívidas .

. 8 . AHMF-CGGPM. Exposições da Companhia. XV /R/26, fls. 21, 24 e 25. Expo­sição à rainh~ a 22 de agosto de 1777, pedindo autorização para fornecer a crédito, aos moradores e negociantes dos portos de Guiné, mercadori~s para fazerem negócio no mato.

9 . AHMF-CGGPM. Cartas para o Maranhão. XV /R/37, fls. 253. Carta de 7 de fevereiro de 1778, para Paranaíba, ordenando a suspensão de todas as vendas a crédito.

10. AHMF-CGGPM. CarJas para o Maranhão. XV/R/52, n. 104, fls. 334-335 .. Carta de 9 de fevereiro de 1778 para o governador Melo e Póvoas, comunicando o despedimento do administrador Marçal lgnácio Monteiro e do caixeiro Custódio José Monteiro.

11. AHMF-CGGPM. Cartas para o Maranhão. XV /R/32, fls. 256. Carta de março de 1778 para o Maranhão, regulando as condições de venda de escravos idos de Cacheu.

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12. AHMF-CGGPM. Registro de "Leis e ordens régias". XV fR/26, fls. 28-29. Petição da Companhia, de 4 de julho de 1778,. sobre o problema do desvio de gêneros por parte dos devedores à Companhia para fugirem ao pagamento dos seus débitos.

13. AHMF-CGGPM. Registro de "Leis e ordens régias". XV /R/23, fls. 55-56. Petição do sargento-mor de Bissau, Ignácio Xavier Baião, de 15 de julho de 1778, à Junta da Administração, sobre a forma de lhe continuar a pagar a mesada à família, em Lisboa.

14. AHMF-CGGPM. Livro de "Demonstrações". XV /V /18, fls. 333. Documento n. 5, de 23 de julho de 1779, dirigido ao governador do Pará, João Pereira Caldas, pelo Secretário de Estado Martinho de Melo e Castro, em nome da rainha, ordenando a inven­tariação rigorosa dos devedores à Companhia.

15. AHMF-CGGPM. Livro de "Demonstrações". XV/V/18 (1759/1841). Relatório de 12 de março de 1836, da C~missão Liquidatária constituída pelo Barão de Tilheiras, por Augusto Soares Leal e José Joaquim Lobo. Ver doe. n. 10 do volume 2 desta obra.

16. AHMF-CGGPM. Leis e ordens régias. XV /R/26, fls. 103, 109 e 117. Exposição de 10 de maio de 1810 a esclarecer o montante do alcance praticado pelo deputado João Roque Jorge, no montante de 343.923.657 réis, e que este havia falecido a 19 de abril de 1803. ·

17. AHMF-CGGPM. Leis e ordens régias. XV /R/25, fls. 133. Exposição de 25 de setembro de 1821, do Contador José Joaquim Lobo, .sobre o alcance de João Roque Jorge e as dívidas de Cacheu e Bissau, estas no valor de 30.676.799 réis.

18. AHMF-CGGPM. "Diário" L. XV/S/1 (1815/1833). Exposição da Junta da Companhia de 11 de outubro de 1780. XV /R/26, fls. 56 e 78. Lançamento n. 722, de 10 de setembro de 1833, e contas da Junta Liquidatária de 1841 /1876. XV /R/18, fls. 48.

19. AHMF-CGGPM. Extrato A. XV /V /9. Lançamento n. 110. 20. AHMF-CGGPM. Extrato A. XV /U/9. Lançamentos n. 345, 372 e 61. 21. AHMF-CGGPM. "Diário" J. XV/R/15 (1787/1814). Lançamentos n. 903 e

1.313. 22. AHMF-CGGPM. Contas da Junta Liquitária de 1841 ~ 1875. Livro XV /R/18.

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10 LUCROS E PREJUfZOS ACUMULADOS

1. Como houve ocasião de registrar anteriormente, os elementos relativos a "Lucros e perdas" da Companhia são incompletos. A escrita é omissa quan­to aos apuramentos' de 1775 em diante; e, por isso mesmo, limitamo-nos à apresentação dos Balanços registrados de 1756 a 1774. Ter-se-ia dado o extra­vio do livro seguinte? Não nos podemos pronunciar em concreto. E certo que, a partir da data da extinção do regime de monopólio, a escrituração mostra que se entrara numa fase caótica. As administrações regionais, se até aí re­metiam a escrita (incluindo balanços) com atrasos de anos, mal se apercebendo de que os serviços centrados em Lisboa acusaram os efeitos da medida gover­namental, relaxaram ainda mais o seu procedimento. Foi o período de total confusão, propício à prática· de verdadeiros roubos, falsificação de contas de clientes, sobrecarregando-as com fornecimentos fictícios e juros indevidos, com o objetivo de encobrirem as suas faltas. O caso do deputado João Roque Jorge, exposto no capítulo anterior, é uma das provas mais completas da desorganização que se seguiu à fase de relativa disciplina do pessoal, e também da forma or­ganizativa. Outro exemplo foi dado pela roubalheira do administrador José Vieira da Silva, no Maranhão. E quantos outros casos não puderam ser inves­tigados pelas mais diversas razões?

Os elementos recolhidos no livro de Balanços, de 1756 a 1774 (XV /R/18), permitiram a elaboração dos quadros anexos a este capítulo, e que compreen­dem:

• lucros líquidos em "fazendas enviadas para África e Brasil", segundo os setores de comércio;

• lucros líquidos obtidos com a venda de "efeitos" (gêneros) proceden­tes de África e do Brasil;

• lucros acumulados, obtidos na venda de fazendas e de "efeitos" nos diferentes setores de comércio, segundo as seguintes rubricas:

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- fazendas e "efeitos" de África e do Brasil, - urzela de Cabo Verde, - algodão do Maranhão e do Pará, - escravos de Guiné e de Angola, - fretes de embarcações;

• prejuízos contabilizados· nas rubricas de: - fazendas e efeitos (África e Brasil), - escravos de Guiné e de Angola, - navios e seus costeamentos.

Ainda que incompletos - como se disse -, permitem fazer um juízo de valor, necessariamente parcial, da movimentação havida nos 19 anos. Cor­respondem a uma amostragem com algum significado.

Como o eventual leitor pode consultar os quadros anexos, elaborados por anos - e com o detalhe ·apontado -, vamos limitar a análise aos lucros e prejuízos acumulados naquele decurso de tempo e de harmonia com a ordem apresentada.

2. Nesta base, temos, por setores de comércio, o resultado dos lucros acumulados na venda de fazendas (ou seja, as metcadorias em geral) enviadas:

Quadro A

Setores de comércio Lucros líquidos

% acumulados

Angola ....................... . 44.777.113 3,9 Bissau ......................... . 131.112.758 11,5 Cacheu ........................ . 149.626.325 13,1 Cabo Verde .................... . 114.278.933 10,0 Maranhão ...................... . 224.706.527 19,6 Pará .......................... . 479.256.947 41,9

Total 1.143.758.603 100,0

Os lucros acumulados pela venda de "efeitos" (gêneros) enviados de África e do Brasil para Portugal e para "fora do Reino" estão representados pelos seguintes valores:

Quadro B

Setores Lucros líquidos

% acumulados

Pará .......................... . 403.989.851 62,1 Maranhão ...................... . 127.413.096 19,6 Cabo Verde .................... . 1.951.324 0,3 Cacheu ........................ . 10.474.135 1,6 Bissau ......................... . 3.970.320 0,6 "De fora do reino" ............. . 103.187.193 15,8

Total 650.985.919 100,0

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Lucros acumulados segundo as rubricas:

Quadro e Rubricas

Fazendas e "efeitos" para e da África e Brasil ..................... .

Urzela de Cabo Verde .......... ~· Algodão do Maranhão e do Pará .. . Escravos de Guiné e Angola .....•. Fretes de embarcações ........... .

Total

Lucros líquidos totais

1.794.744.522 209.593.051 104.553.925 118.354.305 183.554.031

2.410.799.834

%

74,4 8,7 4,3 4,9 7,7

100,0

A soma dos quadros A e B corresponde ao total da rubrica de "fazendas e efeitos" enviados e trazidos da África e do Brasil. Segundo o critério adota­do na contabilização, foram criadas rubricas especiais para a urzela, para o algodão, para os escravos e para os fretes das embarcações. Daí que, em prin­cípio, se possa alcançar um lucro acumulado (bruto) de 2. 410. 799. 834 réis, lucro esse que, necessariamente, diminuirá em face dos prejuízos sofridos em algumas rubricas.

Se tivermos em conta a descontinuidade territorial, as aptidões dos solos e a diminuta população da época, foi Cabo Verde que proporcionalmente deu maiores lucros à Companhia ( 114. 278. 933 + 209. 593. 031 = 323. 872. 084) - 16,3% do total líquido apurado. Por outro lado, se quiséssemos aventar uma hipótese bastante consistente, e calcular muito por baixo os benefícios obtidos com o fornecimento da panaria a Bissau-Cacheu, no valor de 371.236.950, cujo lucro mínimo teria sido de 50% sobre a faturação - e que nos dá 185. 618. 000 -, então o total ascenderia a 509. 490. 000 - números redondos (25,7%). Note-se que propositadamente nos afastamos das taxas de 100 e

· 200% aplicadas sobre o custo e despesas, várias vezes apontadas na cor­respondência.

Passemos agora à apreciação dos prejuízos acumulados. Para idêntico pe­ríodo de tempo, os prejuízos contabilizados são considerados no quadro D, a saber:

Quadro D

Rubricas

Em fazendas e "efeitos" ~ ........ . De escravos de Guiné e Angola ... . De navios e seus costeamentos .... .

Total

Total dos prejuízos

152.745.573 88.930.364

213.534.536

455.210.473

%

33,6 19,5 46,9

100,0

Vê-se aqui que nem a urzela nem o algodão deram prejuízos; e, os es­cravos, um lucro bastante módico, se tivermos em linha de conta o número ad­quirido e o capital investido. Mas isso será apreciado mais adiante. Os pre-

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Jmzos visíveis até 1774 ligam-se à exploração da frota. Esses também serão considerados posteriormente.

Condensando os resultados globais (lucros e prejuízos), temos os seguintes valores:

Rubricas Lucros Prejuízos Resultados líquidos acumulados acumulados

Fazendas e efeitos 1.794.744.522 152.745.573 + 1.641.998.949 Urzela ......... 209.593.051 + 209 .593 .051 Algodão em rama 104.553.925 + 104.553.925 Escravos ....... 118.354.305 88.930.364 + 29.423.941 Embarcações 183.554.031 213.534.536 29.980.505

Totais ....... 2.410.799.834 455.210.4 73 1.985.569.866

Em face deste apuramento, os lucros líquidos acumulados totalizaram 1.985.569.866 réis. Todavia, temos de ter em consideração que, por essa épo­ca, a Junta da Administração não dispunha ainda de parte dos elementos de contabilidade, quer pelo atraso no fecho dos balanços dos diferentes setores de comércio, quer por dois outros fatores que podiam influenciar os resultados:

• o prejuízo acusado na conta "embarcações" - fretes e costeamen­tos - devido não apenas ao apresamento pelos argelinos (e outros que sob esta capa atuavam na guerra de corso), como ao naufrágio de navios, alguns carregados de escravos e, portanto, com reflexos nas contas;

• a existência de certo número de escravos no setor Bissau-Cacheu, e mesmo nos portos do Brasil, muitos deles vendidos a prazos de dois a três anos, e cuja cobrança só se viria a fazer (tal como a contabili­zação) muito tempo depois. E de assinalar o fato de a empresa, após o fim do monopólio, ter recebido para amortização ou liquidação de dívidas muitos escravos, de seguida vendidos. Os valores dessas tran­sações eram afetos às contas gerais, alguns anos depois. E desses lan­çamentos não encontramos qualquer vestígio.

E também conveniente lembrar que, depois de 1774, a Companhia man­dou construir na Bahia alguns navios para substituir os naufragados ou apre­sados, atribuindo-lhes os mesmos nomes que tinham os desaparecidos. Só desta forma se pode justificar a utilização, de 1779 em diante, de vários navios, enviados ao extremo-oriente em viagens de negócios, como se registra­rá no capítulo seguinte.

Assim, esta tomada de posição, ao apresentar os resultados positivos das negociações efetuadas nesses 19 anos, visa duas ordens de razões:

• demonstrar a eficiência, na fase inicial, da gestão da empresa -que tão atacada tem sido -, ainda que utilizando dados parciais;

• dar a conhecer elementos contabilísticos que de outra forma talvez nunca viessem a público, por ninguém se ter dado ao trabalho de proceder ao levantamento. .

Por outro lado também, para uns tantos, pouco interesse merecem as ativi­dades mercantis dos portugueses, ocorridas há mais de 230 anos - velharias que não têm qualquer interesse para a juventude destes tempos.

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COMPANHIA DO GRÃO-PARÁ E MARANHÃO

Lucros líquidos da venda de "fazendas enviadas" para África e Brasil, nos anos de 1756 a 1774.

Mercadorias enviadas para o comércio em África e no Brasil

Anos Pará Maranhão Cabo Verde Cacheu ' Bissau Angola Total 1756 41.304$773 584$742 7.599$361 4.196$573 53.685$449 1757 12.549$808 18.322$576 - 10.068$661 40.941$045 1758 8.931$518 2.722$712 10.644$360 4.334$834 26.633$424 1759 565$089 22.475$057 8.605$934 31.646$080 1760 18.233$594 16.638$379 8.116$155 15.311$697 13.454$164 71.753$989 1761 49.060$525 22.164$828 25.591$304 23.902$874 18.633$276 23.395$743 162.748$550 1762 45.930$257 16.770$612 3.536$541 2.777$554 6.528$511 75.543$475 1763 16.748$095 8.276$419 1.986$480 9.205$144 4.453$449 2.960$940 43.630$527 1764 26.971$400 10.091$792 8.726$010 9.326$909 9.228$242 3.725$684 68.070$037 1765 18.148$119 15.495$039 11.871$102 12.858$672 429$512 58.802$444 1766 21.943$404 17.701$917 3.351$604 5.471$633 5.739$235 54.207$793 1767 23.187$768 20.186$120 5.336$323 5.332$781 8.218$015 62.261$007 1768 19.696$060 14.556$968 4.424$137 8.396$305 6.942$775 54.016$245 1769 30.955$249 9.532$729 3.714$956 6.551$462 10.678$748 61.433$144 1770 55.183$625 11.322$880 5.581$802 10.165$280 9.711$588 91.965$115

1771 33.847$827 8.273$755 2.558$988 8.342$017 9.224$556 62.247$143 1772 9.173$174 9.643$439 1.507$176 6.782$771 5.650$405 32.756$965 1773 15.672$800 12.126$360 1.480$247 8.819$877 3.012$914 41.112$198

1774 31.718$951 12.452$883 1.298$339 2.390$366 2.443$374 50.303$913

Soma 479.256$947 224.706$527 114.278$933 149.626$325 131.112$758 44.777$113 1.143.758$603

Fonte: AHMF-CGPM. Livro de "Balanços" (1756-1774). XV/V/18. 1.,,1 Por "fazendas enviadas" entendiam-se os tecidos (estampados e de seda, linho, chapéus etc.), ferragens, frasqueiras de

aguardente, pólvoras, espingardas, barras de ferro etc.

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\;I COMPANHIA DO GRÃO-PARÁ E MARANHÃO -N

Lucros líquidos da venda de "efeitos" (gêneros) vindos de A/rica e do Brasil, -de 1756 a 1774, segundo as áreas de proveniência. -

Anos Pará Maranhão Cabo Verde Cacheu Bissau "De fora Total do Reino"

1756 10.080$660 10.080$660

1757 59$455 458$102 5.591$764 6.109$321

1758 8.931$518 524$499 1.026$282 6.818$261 17.300$560

1759 64.108$552 179$898 64.288$450 1760 35.260$446 1.951$324 2.880$674 40.092$444

1761 50.716$847 522$990 8.153$579 59.423$416

1762 54.365$487 9.054$805 63.420$292

1763 3.451$107 3.451$107

1764 13.875$705 4.083$052 17.958$757

1765 26.222$119 1.558$736 177$731 4.873$543 32.832$129

1766 34.180~919 1.632$636 332$697 4.383$645 40.529$897

1767 1.158$936 5.750$936 64$274 6.015$064 12.989$210

1768 18.881$697 24$340 1.583$341 957$201 2.943$139 24,389$718 1769 20.760$618 2.109$089 1.458$172 735$568 4.276$173 29.339$620

1770 31.117$852 26.411$272 644$653 768$797 7.082$686 66.025$260 1771 22.597$799 15.801$138 669$529 181$694 10.964$367 50.214$527 1772 20.064$821 25.345$379 629$861 78$680 4.416$664 50.535$405 1773 1.746$535 28.438$455 1.426$838 973$098 3.791$528 36.376$454 1774 21.315$897 132$934 33$277 ' 4.146$584 25.628$692

Soma 403.989$851 127.413$096 1.951$324 10.474$135 3.970$320 103.187$193 650.985$919

Fonte: AHMF-CGPM. Livro de "Balanços" (1756-1774). :XV/V/18. Por "efeitos" eram considerados os gêneros e produtos (cacau, café, cravo, arroz e outros, marfim, cera etc., oriundos de Africa e do Brasil. Sob o título "Efeitos vindos do norte", ou "Efeitos de fora do Reino", entendiam-se certos pro-dutos manufaturados, importados da Europa.

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COMPANHIA DO GRÃO-PARA E MARANHÃO Lucros contabilizados nas rubricas abaixo indicadas, nos anos de 1756 a 1774.

Fazendas , Algodão . ~scravos e "efeitos" ou Urzela de Fretes de Total Anos gêneros para e da Cabo Verde do· Maranhão , -de -Guiné· e : embarcações dos lucros

África e Brasil e Pará ,. 'de Arigo!a

1756 63.766$109 437$960 10.699$879 74.903$948 1757 47.050$366 5.515$929 52.566$295 1758 43.933$984 77$870 27.622$923 71.634$777 1759 95.934$530 16.642$893 4.116$028 116.693$451 1760 111.846$433 4.486$252 4.343$639 39.834$353 160.510$677 1761 222.171$966 16.676$575 119$511 6.483$885 245.451$937 1762 138.963$767 14.666$146 19.968$328 16.454$147 190.052$388 1763 47.081$634 7.079$195 19.192$38~ 3.389$347 76.742$564 1764 86.028$794 26.947$046 1.741$013 445$923 115.162$776 1765 91.634$573 28.758$061 45.414$239 22.239$036 188.045$909 1766 94.737$690 6.912$856 1.478$571 6.218$946 109.348$063 1767 75.250$217 12.092$312 505$520 876$663 88.724$712 1768 78.406$963 27.080$982 2.916$444 10.196$984 118.600$373 1769 90.772$764 14.082$462 1.781$115 106.636$341 1770 . 157.990$435 18.220$246 13.671$199 6.811$485 196.693$365 1771 112.461$670 13.127$157 4.426$375 130.015$202 1772 83.292$370 6.972$079 10.462$071 2.576$498 103.303$018 1773 77.488$652 5.703$705 r2.750$856 21.302$786 117.245$999 1774 75.932$605 6.787$977 63.243$424 2.504$033 148.468$039 Soma 1.794.744$522 209.593$051 104.553$925 118.354$305 183 .554$031 2 .410. 799$834

Fonte : AHMF-CGPM. LivrQ de "Balanços" (1756-1774) . XV/V/18. Por "fazendas" entendem-se todas as mercadorias de fabrico europeu e outro, ferragens, ferramentas, qiantimentos, tecidos diversos, etc., enviados para África e Brasil; e por "efeitos" e "gêneros" entendem-se os produtos originários de África e do Brasil, tais como: marfim, cera, cacau, café, cravo, algodão, arroz, gengibre, óleo de copaúva e outros trazidos para Portugal.

O total dos lucros conseguidos com a comercialização das "fazendas" foi de 1.143.758$603 réis; e o dos gêneros ou ''efeitos", de. 650:985$919 réis.

v,I No tocante a "efeitos", a urzela e o algodão, contabilizaram-se em rubricas individualizadas. Em nenhum deles se -v,I registraram prej~ízos.

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COMPANHIA DO GRÃO-P~RA E MARANHÃO

Preiuízos contabilizados nos anos de 1756 a 1774 nas rubricas a seguir indicadas.

Fazendas e Escravos Anos "efeitos" para e de Guiné e de Navios e seus

Total da África .e do Angola costeamentos Brasil

1756 6.316$145 6.316$145 1757 194$535 3.582$926 5.918$357 9.695$818 1758 17.547$140 17.547$146 1759 12.210$213 12.210$213 1760 264$508 1.869$924 ~.134$432 1761 22.357$153 98$524 11.217$811 33.673$488 1762 4.653$476 45.373S628 50.027$104 1763 39.255$343 8.392$720 47.648$063 1764 5.815$692 14.027$668 19.843$360 1765 9.762$142 2.802$085 12.564$227 1766 l 1;089$840 11.089$840 1767 11.036$62i 5.755$556 9.096$700 25.888$877 1768 14.912$271 12.3~8$540 27.300$811 1769 3.469$774 9.894$225 13.363$999 1770 13.902$660 16.607$026 9.815$408 40.325$094 1771 1.883$840 8.288$435 7.395$017 17.567$292 1772 1.671$112 25.669$246 16.490$735 43.831$093 1773 12.357$479 7.648$757 20.006$236 1774 11.356$233 16.571$172 16.249$836 44.177$241 Soma 152.745$573 88.930$364 213.534$536 455.210$473

Fonte : AHMF-CGPM. Livro de "Balanços" (1756-1774). XV/V/ 18.

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11 O COMJ;:RCIO COM O EXTREMO-ORIENTE

1. Não foi possível determinar com grande exatidão a data em que a Com· panhia iniciou os seus negócios com o extremo-oriente. A correspondência consultada é omissa a tal respeito e nos registros de contabilidade apenas referenciamos um lançamento, muito sintético, no fecho do Balanço de 1761, respeitante a "negociações com Macau" 1 ; e, mesmo assim, sem a especifica­ção da natureza das mercadoria1i ou valores transportados, nem do que se trouxe no retorno. A sua especificação está limitada a: "lucro na negociação de Macau, 130.082.522 réis". Convenhamos que, na altura, parecia ser um negócio auspicioso, em que o lucro líquido auferido atingiu os 130 contos de réis. Depois disso, perde-se o rastro a negociações com esses distantes ter­ritórios. Tudo leva a crer, contudo, que se tratou de uma tentativa de lança­mento no mercado de Macau de vinhos portugueses e de importação de mer­cadorias exóticas: lot1ça fina, mobiliário em madeira de sândalo ou outra, chá etc., tal como se viria a verificar com outros negociantes de Lisboa nos fins do século XVIII 2

No entanto, a correspondência deixa transparecer que, em conseqüência do moroso andamento dos trabalhos das Comissões Liquidatárias, se tornava imperioso agir no sentido de não paralisar de todo a atividade mercantil, com a finalidade de obter: rendimentos que permitissem sustentar a engrenagem burocrática em funcionamento através da Comissão Liquidatária, esta con­sumindo ordenados certos (de deputados, conselheiros, secretário e um ou outro auxiliar). A situação financeira da Companhia não era brilhante devido à falta de comércio com África e Brasil e às múltiplas dificuldades encontradas na cobrança das dívidas ativas. Por outro lado, as Comissões Liquidatárias punham todo o empenho em manter certo ritmo na distribuição dos divi· dendos ao_s acionistas. Nessa conformidade, um grupo de deputados mais ativos, logo em 1778 (em 1779 e em 1780), teve a idéia de encetar (ou reco­meçar) o comércio com o extremo-oriente, ainda que com caráter esporádico,

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mas autônomo, das Comissões Liquidatárias (estas um tanto ignorantes do -mecanismo mercantil), designadamente com Goa, Costa do Malabar, e de _Co­romandel e Bengala, empreendimento este a que deram a designação de "nego­ciação". Para o efeito, utilizaram em pequena escala mercadorias de fabrico nacional, sobretudo vinhgs, com vista à introdução em Portugal de bens de consumo corrente no oriente. Das três primeiras viagens nada referenciamos na escrita; portanto, não nos podemos pronunciar quanto aos processos segui­dos, quantitativos de mercadorias expedidas e de resultados obtidos.

Tudo parece indicar que em 1781, por pressão de alguns interessados nesse tipo de negócios, o grupo que liderava a "negociação" procurou dar-lhe um cunho de legalidade e outras bases financeiras. Nessa conformidade, o grupo requereu à rainha a necessária autorização, concedida por decretos de 22 de fevereiro e 11 de- março de 1781. Ao abrigo dessas disposições legais, emitiram 569 ações nominais, com o valor de 200.000 réis cada uma, e mais 161, com o valor de 400.000 réis, ou seja, 730 ações, com o valor global de 178.200.000 réis 3 • A própria rainha adquiriu de pronto 50 ações de 200.000 réis, equivalentes a 10 contos. Da relação nominal dos acionistas que investi­ram no empreendimento, além da rainha, contam-se: membros da nobreza (Conde de São Miguel, Condessa da Ribeira Grande, Visconde de Barbacena), confrarias rêligiosas (a de Nossa Senhora da Conceição, na Universidade de Coimbra), desembargadores, conselheiros, chanceler da Casa da Suplicação e Intendente Ger<1l da Polícia, firmas comerciais, nacionais e estrangeiras, pe­quenos e grandes negociantes, e outros não identificáveis. Ao todo, formaram 73 acionistas. Destes, 63 do sexo masculino e 10 do sexo feminino. Alguns deles detinham 115 ações da Companhia do Grão-Pará , e Maranhão e 184 da de Pernambuco e Paraíba. Eram os que se instalavam em todos os em­preendimentos desta natureza. Dos 18 maiores acionistas, destacamos os seguintes:

1) João Roque Jorge, deputado da do Grão-Pará ... . 2) José Domingues . ... . .............. . ... . .... . 3) José Ferreira Coelho ......... . . .... . .. .. .... . 4) Joaquim Pedro Quintela .......... . .......... . 5) A rainha ...... ... .... , , ............... 1 • •• ,

6) Miguel Lourenço Pires .......... , .......... ~. 7) Manuel Joaquim Jorge . ._ ..................... . 8) Paulo Jorge .............. ... .. .. ...... . ... . 9) Joaquim Roiz Vieira Bot~lho ......... .. ... . . .

10) Caetano Correia de Seixas (Dr.) . .. .... ........ . 11) Pedro Ferreira Mascarenhas ...... . . ....... . .. . 12) Matias Lourenço de Araújo .... . ...... .. .... . 13) Anselmo José da Cruz (deputado da do Grão-Pará) .

Total ....... .

316

26 .400 .000 13.000.000 11.600 .000 10.000.000 10.000.000 8.400.000 7.000.000 6.800.000 5.200.000 5.000.000 4.000.000 4.000.000 3.800.000

115 . 200. 000

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Os pequenos acionistas, em número de 60, ocupavam as seguintes posi­ções, segundo a ordem do valor global das ações detidas:

De 200.000 . . . . . . . . . . . . . . 15 De 1.400.000 ............ 400.000 .............. 8 1.600.000 . ........... 1 600.000 .............. 7 1. 800.000 • • 1 ••••••••• 2 800.000 .............. 3 2.000.000 . ........... 18

1.000.000 .............. 3 2.800.000 • - 1 ••••••••• 1 1.200 .000 .............. 1

Total 60

Este grupo deveria ser formado por indivíduos de menores recursos financeiros, isto a avaliar pelos 23 primeiros, que possuíam 35,4% do capital; e os restantes 64,6% estarem na posse de apenas 13 acionistas.

Realizado o capital necessário ao comércio a que se propunham, a 21 de julho de 1781, os dirigentes do grupo requereram aos serviços do Arsenal da Marinha a avaliação do casco e apetrechos do navio "Grão-Pará" (per­tença da Companhia), para fins contabilísticos e de segurança da proprie­tária. Visavam assim atribuir determinado valor (o da avaliação) ao navio, valor esse que seria garantido pelos fundos da "negociação" - ou seja, do capital subscrito.

Embora a partir de 1803 a escrita da empresa se apresente confusa, irregular e com largos vazios, designadamente de 1805 em diante - isto em conseqüência das perturbações provocadas pela invasão francesa e da falta de livros -, tentaremos a apresentação de quanto detectamos, lamentando a falta de dados mais esclarecedores acerca das mercadorias transportadas.

Esta "negociação" de 1781 foi orientada para a "Costa de Coromandel e Bengala". Os lançamentos· feitos no "Diário" e livros auxiliares serão apre­sentados por ordem cronológica:

N.º 2, de 31 de julho de 1781 - "Navio 'Grão-Pará' casco e demais pertences obtidos por avaliação do Arsenal da Marinha" ......................... . N.0 10, de 12 de outubro de 1781 - "Carregação para a Costa de Coromandel e Bengala, pelo navio 'Grão­Pará' ":

• "Fazendas cqmpradas na praça" .. • "Dinheiro em ouro e prata" .... • "Gastos diversos"

28.454. 051 96.000.000

420.030

Soma .................... .

16.200.000

124.874.081

141.074.081

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Quer dizer: se abatermos este montante ao capital subscrito, os dirigen­tes da "negociação" ficaram ainda com um saldo de 53.325.919 réis.

A crédito desta operação, temos os seguintes lançamentos:

N.º 51, de 9 de junho de 1783 - "Importância do líquido rendimento da carregação que remetemos pelo navio 'Grão-Pará', capitão Manuel José Belém" . . . . 162 . 630.391 N.º 411, de 30 de dezembro de 1796 - "Lucro ha-vido na carregação da Costa do Coromandel" . . . . 37. 756. 310 N.º 441, de 27 de junho de 1803 - " Lucro do navio 'Grão-Pará' pela carregação de partes durante. a viagem" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66. 979. 333

Total ............. . 267.366.034

Do último lançamento infere-se que o navio transportou carga diversa de terceiros (na designação da época: "carga de partes"), mediante a co­brança de fretes, permitindo-lhe um apreciável benefício de 66.979.333 réis - cerca de 25% do total dos lucros. Só esta operação cobriu o montante da avaliação do casco e apetrechos, proporcionando ainda um benefício de 50.779.333! Só que, para o grupo, o tempo não contava. Veja-se que entre a largada do navio em 1781 até ao apuramento dos resultados medearam apenas 22 anos!

* * *

2. Considerando agora a distribuição dos lucros e o resgate das ações emitidas (o que se mostra confuso pela circunstância de muitos lançamentos terem sido feitos em conjunto - misturando os dividendos com o valor do resgate das ações, sem qualquer especificação), temos os seguintes lançamentos:

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N.º 209, de 4 de maio de 1784 - "Pago à rainha Nossa Senhora, das 50 ações que entregamos ao Arce­bispo de Thessalonia" . . ... . •.. . .. . . . ...... . . . . . . N.º 275, de 1785 - " Rago a José Ferreira Coelho pelo valor das suas ações" .. . ..... . ... . ......... . .... . N.º287, de 20 çle julho de 1785 - "Pago a diversos de ações e dividendos" . . ..... .. . ... .. . .. . . .... . . . . . N.º 288, de 1785 - "Pago a José Ferreira Coelho, pelo valor de suas ações" . . .......... . .. . . . .. .. .. . . . .

10 .000.000

9 .800.000

57.935.904

1.800.000

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Depois seguem-se os lançamentos em termos genéricos: "Pago a diversos pelas ações e dos lucros da navega­ção para a Costa do Coromandel": Em 1785 - lançamentos n.ºs 289, 294, 296, 297, 300,

303, 304 e 312 .................... . Em 1786 - lançamentos n.º 351, 352,357,360 e 361 Em 1787 - lançamentos n.ºs 379, 392 e 394 ....... . Em 1792 - lançamento n.º 396 ................. . Em 1793 - lançamentos n.ºs 398 e 399 .......•.... Em 1796 - lançamentos n.ºs 406 e 412 .......... . Em 1803 - lançamentos n.ºs 429, 433 e 434 ..... .

Total ........... .

40.540.000 8.340.000

51.300.000 3.298.750 4.137 .154

240.000 15 .185. 302

202. 577. 110

O total dos lucros contabilizados (incluindo os fretes cobrados), os dividendos pagos e o mo,ntante das ações Tesgatadas (202.577.110) mostram uma diferença para menos de 64.788.924 réis. Tal como foi organizada a con­tabilização, não nos é possível chegar a conclusões mais seguras e esclarece­doras. Temos de aceitar os números tal como os livros os registram.

Em boa razão,, se os lucros foram de 267 .366.034 réis, a este quantita­tivo temos de abater o capital investido ( 178.200.000) e restituído. Nessa ordem de idéias, os dividendos distribuídos (ou que deveriam ser distribuídos) · ficariam reduzidos a 89.166.034 réis - o que nos dá cerca de 50% do inves­timento -, montante este que consideramos diminuto, não só em atenção ao p~ríodo de tempo em que o capital esteve empatado, como também pela própria natureza de semelhante negociação. Como exemplo, registrarhos o fato de em 1796 / 1797, em uma "negociação" similar, o negociante da praça de Lisboa, José Gomes da Silveira, com um investimento de 145.596.742 réis, haver apurado um lucro líquido de 93.658.742 (64,3% do capital) 2

Indo mais longe, mas aqui com as incertezas e dúvidas quanto ao total inves­tido, recordamos que a "negociação" de 1761, com Macau, deu um lucro líquido de 130.082.522 réis.

Tudo isto são as conclusões permitidas, e possíveis, em face do que os dados da contabilidade nos indicam. Corresponderão inteiramente à realidade ou serão apenas uma faceta das contas? O arrastamento das vendas por tão prolongados anos facilitou a confusão que reinou no domínio da escrita após a extinção do monopólio?! Uma coisa é certa: se os lucros foram efetiva­mente os referidos (267 .366.034 réis), e a distribuição igualmente a constante da escrita (202.577.110), deixaram de ser contabilizados 64.788.924 .réis!

Cada vez nos convencemos mais de que a confusão reinante na empresa é a responsável por todas estas contradições. A distribuição de dividendos contabilizados foi a possibilitada pelos recursos financeiros, até dado mo­mento. As mercadorias vindas do oriente devem ter permanecido nos arma­zéns, sem viabilidade de venda. Isto pode ser uma das muitas hipóteses a explicar semelhante imbróglio.

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Tenhamos em mente que todo o movimento descrito decorreu de maio de 1784 - data da restituição à rainha do valor das suas ações - a meados de 1803, ou seja, aproximadamente 20 anos! E com a agravante de se terem referenciado apenas dois lançamentos concretos: o referente à rainha e o de José Ferreira Coelho (o n.º 42 da lista nominal). Todos os outros lança­mentos primaram pela falta de clareza, de especificação dos nomes e dos quantitativos - os provenientes de dividendos e os do valor das ações resgatadas.

As falhas da escrita também se evidenciam na não-referenciação das des­pesas feitas com o navio, nos quase dois anos de viagem (1781 a 1783); nas soldadas da tripulação; nas comissões então correntemente atribuídas ao ca­pitão e ao imediato pela administração das "negociações"; nas despesas do desembaraço do navio nos portos de escala ou de destino etc. :e. possível que tais encargos tivessem sido lançados quando da venda das mercadorias tra­zi~as - o que poderá ter ocorrido em 1804 ou ·mesmo em 1805.

Outro ponto a considerar neste emaranhado processo é o de saber se foi ou não pago à Companhia o frete do navio, numa viagem tão longa e demo­rada. Acautelaram-se os~interesses do armador com o ato da avaliação; mas, nos registros, nada se diz a esse respeito. Ou a liquidação do fretamento seria precisamente o valor da avaliação? Se assim se deva entender, há a deduzir do saldo os 16.200.000 da avaliação. Não nos podendo pronunciar em con­creto sobre tantos pontos aflorados, será melhor desviar as atenções deste caso e referir ao acontecido em anos anteriores, baseando-nos no parecer apresentado pelo Secretário de Estado Martinho de Melo e Castro e por Maurício José Cramer Vanzeller, em 11 de dezembro de 1780 4, e que pode lançar alguma luz sobre a desorganização das contas a tão curto período de tempo do termo do monopólio.

3. Desse documento, apenso ao relatório da Comissão Liquidatária de 1836 5

, extratamos uma pequena parte que julgamos bastante elucidativa:

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" ... ainda estavam por liquidar do negócio feito em Angola, Ben­guela e Costa da Mina, consistindo no valor de 24 embarcações da lotação de 8.110 toneladas inglesas, das quais 13 faziam o giro deste Reino para a América; 7 navegavam de Lisboa e Pernambuco para A/rica; e 2 eram mandadas. para os Estados da lndia e se esperam no próximo ano, e 2 voltaram ultimamente daquele Estado para o Reino, importando as 20 primeiras embarcações, com os seus costeamentos e no estado que existiam, 952 mil cruzados, 333 mil e duzentos e doze réis, e importando as 4 últimas com as suas carregações, que nos :anos de 1778, 1779 e 1780 se expediram para o Estado da lndia, três via­gens para Goa, e uma a correr os portos da costa do Malabqr, Coro­mandel e Bengala, em 1.175 cruzados trinta e um mil 184 réis, consistindo unicamente na liquidação de diversas carregações de fazendas qve se remeteram para as Capitanias de Pernambuco e Paraíba e na venda de outras que se achavam em ser naquelas alfândegas como também nas somas que os moradores estavam devendo à Companhia do Grão­Pará e Maranhão, parte procedida de fazendas a crédito, e parte pelos

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adiantamentos e suprimentos de dinheiro, escravos e outros gêneros ( ... ) montando as ditas adições e dívidas na quantia de 3.997 mil cru­zados 234 mil seiscentos e quarenta réis".

Como se vê a "negociação" de 1781 fora antecedida das de 1778, 1779 e 1780, nas quais se utilizaram dois navios em cada viagem. Todas estas negociações foram feitas com capitais cuja proveniência não foi esclarecida. A única que teve um fundamento seguro, e legal, foi a de 1781.

* * * 4. Qu~remos salientar que, a partir da segunda metade do século

XVIII até os trinta primeiros anos do seguinte, os armadores portugueses (em reduzido número, é certo) ocuoaram-se ativamente no comércio com o Oriente, passando pelas Ilhas de Reunião, Maurícias e outras, até Macau. A título de exemplo apontamos José Nunes da Silveira, negociante-armador de Lisboa, que, de 1796-1797 até 1836, fez transportar no seu brigue "Dili­gente" e em outros navios, pára Portugal, 209 caixas de chá, 325 caixas de canga (ou ganga), 1.600 chávenas e outra louça fina, canela e diversos produtos. Essas viagens prosseguiram nos anos seguintes. Trata-se de um período em que, tanto quanto sabemos, poucos (ou nenhuns) estudos foram elaborados acerca deste comércio entre Portugal e o Oriente.

Em 1978, ao elaborar um estudo sobre o tráfico negreiro na costa oriental 2 , dissemos na introdução: "Aqui renovo o incitamento aos jovens estudiosos dos problemas econômicos para que se lancem nas pesquisas que conduzam à elaboração de estudos acerca do comércio com o Oriente, ba­seados na contabilidade do negociante-armador Nunes da Silveira para esse período de meio século". Indicamos algumas pistas e ficamos aguardando o aparecimento de um "herói" que se abalançasse a tanto. Infelizmente, todo o importante acervo documental jaz nos Arquivos da excelente Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, à espera de um pesquisador curioso, ou a aguardar melhores dias. O pior é que de quando em vez surgem grupos de "entusiastas" a anunciar a feitura da "História da Colonização Portu­guesa em África", como se isso constituísse tarefa fácil. Fica-se por vezes com a impressão de que ensandeceram repentinamente!

Bibliografia e Notas do Captíulo 11

1 . AHMF-CGGPM. "Diário". XV/R/5 e XV/R/6, de 31 de dezembro de 1761. Balanço das negociações com Macau.

2. CARREIRA, António. O tráfico português de escravos na c<>sta orie11tal africana nos começos do século XIX - estudo de um caso. Lisboa, Estudos de Antropologia Cultural n. 12, 1979.

3. AHMF-CGGPM. Relatório da Comissão Liquidatária, de 12 de março de 1836. Livro de "Demonstrações". XV /V /18.

4. AHMF-CGGPM. Livro de "Demonstrações". XV /V /18, f!s. 329. Doe. n. 2 apenso ao relatório da Comissão Liquidatária de 1836, assinado por Martinho de Mello e Castro e Maurício José Cremer Vanzeller, a 11 de dezembro de 1780.

5 . AHMF-CGGPM. Livro de "Demonstrações". XV/V/18, fls. 328. Relatório da Comissão Liquidatária de 1836. Apenso n. 10 ao v. 2 desta obra.

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12 CONCLUSÕES

1, Por estranho que possa parecer a alguns, inicia-se este capítulo com a transcrição parcial da "Introdução" à História de Portugal, 'da autoria do inigualável historiador que foi Alexandre Herculano, o homem que inovou os estudos da historiografia moderna naquele país, comprovando de modo exemplar que, sem fontes escritas credíveis, não existe História como ciência. Por isso mesmo, não agradou a muitos naqueles tempos e continua a não agradar ainda hoje a algumas camadas da sociedade portuguesa, em especial àquelas que persistem em apresentar textos inegavelmente bem escritos, mas ... apoiados, por vezes, em fontes de pouca consistência.

Mas apreciemos o que, em 1846, dizia o exilado de Vale de Lobos. A trans­crição é longa. Todavia, necessária e útil.

"O patriotismo - escreve Herculano - pode inspirar a poesia; pode aviventar o estilo; mas é o péssimo conselheiro do historiador. Quantas vezes, levado de tão mau guia, ele vê os fatos através do prisma das preocupações nacionais, e nem sequer suspeita que o mundo se rirá, não só dele, o que pouco importará, mas também da creduli­dade e da ignorância do seu país, .o qual desonrou, querendo exaltá-lo! Dos que por má fé assim procedem não falo eu aqui. Esses lisonjeiros das multidões são tão abjectos como os lisonjeiros dos reis, quando os reis eram os dispensadores das reputações e das recompensas!" ( ... ) ":8, sem dúvida, custoso ver desfazerem-se em fumo crenças arreigadas por séculos, a cuja inspiração nossos avós deveram, em parte, o esforço e a confiança na providência em meio dos grandes riscos da pátria; crenças inventadas, talvez, pata espertar os ânimos abatidos em cir­cunstâncias dificultosas. Sei isto; mas também sei que a ciência histó­rica caminha na Europa com passos ao mesmo tempo firmes e rápidos, e que se não tivermos o generoso ânimo de dizermos a nós próprios ,a

verdade, os estranhos no-la virão dizer com mais cruel franqueza. Ca-

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luniadores involuntários do seu país são aqueles que imaginam estar veiculada a reputação dos antepassados a sucessos ou vãos, ou engran­decidos com particularidades não provados nem prováveis. Acaso Por­tugal não achará nas memórias verídicas da sua longa existência recor­dações formosas e puras para nos repreender, com a energia e glória de outros tempos, da degeneração e decadência presentes? Quem assim o crê insulta a memória de gerações, que valiam mais que nós, e que recusari_am, se pudessem fazê-lo, façanhas que não praticaram, virtu­des que não tiveram; porque possuíam outras que não eram suas, e de que nunca os progressos da história hão-de esbulhá-las. Temei que o resultado deste aferro a tradições mentirosas seja perfeitamente con­trário aos vossos desejos, e que o escalpelo da crítica, às vezes dema­siado sutil; querendo apagar os vestígios da credulidade, involuntaria­mente corte pelo são em sucessos, aliás grandes e indubitáveis. Conto com as refutações - conto, até, com as injúrias. Estas não me inco­modam; porque me parece não serem argumentos históricos demasiado concludentes; essoutras estimo-as, porque entre elas é possível encon­trar observações que sirvam para corrigir ·o meu livro. Muitas destas refutações, já o prevejo, hão-de estribar-se na opinião de historiadores, e antiquários, eruditos, ilustres, gravissimos, profundos, e com todas as mais qualificações, que se costumam agregar ao nome de qualquer escritor moderno quando, na falta de monumentos ou diplomas legí­timos, se querem sustentar opiniões absurdas ou infundadas. Aos que assim me impugnarem, desde já declaro, que nunca os hei-de perturbar na bemaventurança do seu tempo. A discussão entre nós fora impossível; porque seguimos caminhos diversos. Eles tratam a, história como uma questão de partido literário; eu apenas a considero como matéria de ciência". ( ... ) "Era dizer em resumo o que o leitor há-de ver e julgar no processo do livro. Pareceu-me uma inutilidade, e por isso a omiti. O tempo, como é fácil de supor, não me sobeja, para o consumir em coisas inteiramente escusadas. O que, porém, não se escusa é confessar eu aqui as obrigações que devo. As coleções impressas de monumentos históricos, que todos, ou quase todos, os países possuem faltam neste nosso. Documentos avulsos, derramados por obras escritas em épocas nas quais as luzes diplomáticas quase que não existiam, mal podem, às vezes, pelo errado da sua leitura e por se acharem confundidos com diplomas forjados, ser aceitos como autoridades seguras. Outro caráter têm os que se encontram nas Memórias da Academia Real das Ciências; ou as obras publicadas pelos seus sócios; mas esses documentos, na maior parte, reduzem-se a simples extratos, como convém aos fins, que se propõem os autores que os citam. Assim, quem se ocupar da história portuguesa, há-de sepultar-se nos arquivos públicos, e descobrir entre milhares de pergaminhos, freqüentemente difíceis de decifrar, aquele que faz ao seu intento; há-de indagar nos monumentos estrangeiros onde é que se encontram passagens que ilustrem a história do seu país; há-de avivar as inscrições, conhecer os cartórios particulares das catedrais, dos municípios e dos mosteiros; há-de ser paleógrafo, antiquário, via-

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jante, bibliógrafo, tudo. Como bastaria um indivíduo sem abundantes recursos pecuniários, sem influência, sem uma saúde de ferro, a tão grande empresa? Fora impossível. :e. na verdade vergonhoso que Por­tugal se não tenha associado ainda ao grande impulso histórico dado pela Alemanha, por esse foco do saber grave e profundo, a toda a Europa; mas a culpa não é dos nossos homens de letras, e sobretudo da juventude,, entre a qual não falta engenho nem boa vontade. A culpa é de quem pretende que o arquiteto dê a traça do edifício e carreie para ele a pedra e o cimento. A primeira coleção diplomática portuguesa, tentada e reduzida em parte a efeito, não conta mais de três anos de data". ("Advertência" à primeira edição, t. 1, p. 17-20).

E, na "Introdução", Herculano acrescenta: ". . . reduzindo como eles (historiadores antigos) a história a uma

arte sem objeto fora de si, em vez de a considerarem como ciência social destinada a enriquecer o futuro com a experiência do passado, sabiam, todavia, aproveitar melhor certos toques que tornam mais fáceis de imaginar, permita-se-me a expre&são, as linhas, contornos e cores das épocas. Se, enfim, as narrações dos cronistas são por uma parte triviais e até baixa&,-pelo hábito que eles tinham de particularizar circunstâncias mínimas, fazem-nos por outra parte perceber mais claramente a índole real dos indivíduos ou da geração de que tratam, ao passo que os his­toriadores antigÓs só nos apresentam os homens com os gestos e me­neios convencionais e estudados de fora, do senado, do templo, da so­lenidade pública. O cronista da idade média, para nos pôr diante dos olhos os grandes vultos que passaram na terra, alevanta dos túmulos os seus cadáveres e infunde-lhes de novo a vida, ao passo que o escritor grego ou romano apeia dos pedestais as estátuas dos homens públicos, corretas, porém frias e mortas, e, como a estátua no banquete de D. João Tenório, fá-las caminhar ante nós com um gesto solene, mas inflexível e pesado" (p. 27).

Até parece que estamos no Portugal de 1987! Se analisarmos bem a situação, temos a concluir que na sociedade por­

tuguesa daqueles tempos não se via com bons olhos uma personalidade vigo­rosa e frontal como Herculano. Os "doutores" e a aristocracia nunca perdoa­ram a este autodidata de superior craveira intelectual o fato de ele lhes ser em tudo superior - porque aqueles não eram nada, apenas ridículos.

Mostrou-nos Herculano dois modos diferentes de elaborar a história, cada um na época própria: a antiga e a moderna. Aquela representativa de uma "história morta" preparada para as mentalidades do tempo; esta, a histó­ria com a sua feição científica.

Incontroversamente que este trecho de Herculano, acabado de reproduzir, mostra o homem de corpo inteiro, com um caráter muito pouco condizente com o dos intelectuais de há século e meio. Não podia de modo algum agradar às classes dominantes, quer pela crítica mordaz, quer pelo desassombro com que aflorava os problemas sociais. -Não foi apenas na História de Portugal. Lembremo-nos, entre outras obras, a História da origem e estabelecimento da

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Inquisição em Portugal, Eu e o clero, Monge de Cister, e todo um vasto e bem-construído conjunto de estudos que nos legou. A frontalidade com que analisou a sociedade tinha, fatalmente, de lhe granjear inimizades e detratores - como ele próprio reconheceu antes que ninguém. Os pigmeus bem quiseram diminuí-lo. Não o conseguiram. O fato teve repercussão no seu tempo; e ainda agora muitos nem sequer o citam. Esquecem-no deliberadamente.

Na verdade, o papel desempenhado por Herculano na evolução da histo­riografia em Portugal foi, mesmo insensivelmente, decisivo para a mudança -ia a dizer viragem - das mentalidades.

Mas apontar Herculano é relembrar um seu contemporâneo talentoso que foi Oliveira Martins. Este infatigável trabalhador - também ele autodidata -deixou-nos uma importante obra nos variados domínios das ciências humanas e sociais, com particular relevo para a História de Portugal, O Brasil e as colônias portuguesas, Os sistemas dos mitos religiosos etc .. A ele faremos refe­rência mais adiante.

Hoje em dia dep~ramo-nos com historiadores que se ,lhes equiparam. e. ver a obra de Damião Peres, infelizmente já falecido; de Magalhães Godinho, com A economia dos descobrimentos henriquinos e Os descobrimentos e a eco­nomia mundial (além de muitas outras); o distinto geógrafo e historiador Or­lando Ribeiro, e tantos outros que poderíamos apontar. Limitamo-nos a estes três nomes, sem que isso represente menos apreço e consideração pelos restantes.

2. Com a apresentação dos trechos de Herculano, tivemos determinados objetivos - e mal iríamos se fôssemos além, nós, modestos aprendizes da história:

a) tentar a chamada de atenção dos jovens que se interessam pelos temas históricos, sobretudo em relação a África, no momento decisivo da vida da sociedade portuguesa em que tanto se fala, aberta 9u encapotadamente, da elaboração de "Estudos africanos" ou mesmo qa "História da colonização portuguesa em África", trabalhos em que, segundo se diz, estão empenhados alguns "noviços" e a "velharia", e intelectuais até aqui virados para outros domínios do saber; e por isso mesmo;

b) recordar que a "História da colonização portuguesa no Brasil" só foi publicada cerca de um século (ou mais) após a independência oficial daquele grande país sul-americano. E esta mesma está hoje ultrapassada, como é nor­mal, em face das achegas trazidas por Jaime Cortesão, Duarte Leite e outros. Daí que, a nosso ver, pareça um tanto bizarro querer lançar as bases da his­tória da presença portuguesa no continente africano à distância de escassos doze anos da independência das antigas colônias. A haver uma ação em tal sentido, parece-nos que se impõe seja encaminhada cautelosamente, com segu­rança, e depois de escolhidos os quadros de coordenadores, de executantes, assegurados apoios financeiros e outros. E também que o acervo documental relacionado com as ex-colônias não seja olhado como uma espécie de papéis inúteis;

e) comprovar que na feitura da presente obra seguimos, no possível, o critério e a orientação preconizados por especialistas na matéria. O nosso tra­balho está baseado numa documentação de todo o créd.ito e, em especial, n~.

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contabilidade da empresa, na qual pesquisamos todos os elementos de natu­reza estatística e outros. O método e a esquematização (como se disse em outro passo) foram encontrados precisamente no estudo do conjunto de números e de manuscritos e livros diversos. Inspiramo-nos essencialmente no resultado das recolhas, fugindo à tentação de procurar uma ossatura em qualquer tra­balho similar. Preferimos ser criticados por erros, falhas, deficiências ou por não seguirmos orientações clássicas, a deixar de expressar as nossas próprias idéias ou pontos de vista. Não se trata de falso orgulho; mas apenas princípios pessoais, ou talvez por uma questão de temperamento, e nada mais. O que foi o calvário das pesquisas consta do volume 2 (introdução). Não o 'vamos repetir aqui. Todavia, para se ajuizar do trabalho levado a efeito, apenas ano­tamos as dimensões dos livros de contabilidade da Companhia: 60-70 cm de alto; 45-50 cm de largura; 10-15 cm de lombada.

Por diversas razões, pensamos _que estes aspectos pouco ou nada interes­sam para a compreensão dos problemas levantados neste capítulo. Registra­mo-los como uma espécie de acidente de percurso, e nada mais.

3. Ao apresentar as conclusões, visamos: a) à análise, muito sucinta, dos fatos mais relevantes da evolução econô­

mica e social do Brasil, a partir da instituição das primeiras Capitanias como forma de enquadramento da ação da Companhia do Grão-Pará e Maranhão, isto com a finalidade de a situarmos no devido lugar na evolução do ter­ritório;

b) fazer uma rápida resenha das conjunturas sociais e políticas que mais influíram no processo de liquidação dos bens da Companhia, isto é, no pe­ríodo de tempo em que a economia do território foi mais afetada pelas dife­rentes crises, incluindo as subseqüentes à independência de jure.

Da primeira para a segunda metade do século XVI, foram criadas as Capitanias da Bahia e de Pernambuco, cujo povoamento se iniciou quase de pronto por portugueses. Os donatários e moradores reconheceram logo a espe­cial aptidão das terras para o cultivo da cana sacarina, do tabaco, de tubér­culos etc. A abundância de água, o regime de chuvas completavam as con­dições ótimas para o desenvolvimento de uma agricultura rendosa, comple­mentada com a criação de gado, sobretudo o vacum, necessário ao trabalho dos engenhos. A Euror>_a tinha necessidade premente de açúcar, sempre em maiores quantidades. De resto, era o cultivo da cana-de-açúcar a mola real da política econômica delineada pela coroa portuguesa para as terras descobertas, como se deu com a Madeira, Cabo Verde e São Tomé, onde se começou pela cultura da cana e o apetrechamento com trapiches, alambiques, tachos em cobre, indispensáveis ao fabrico do açúcar e da _aguardente. As poucas zonas produtoras de açúcar na época não tinham condições para alimentar um consumo crescente do produto.

Não se sabe qual teria sido de início o volume numérico da !população européia entrada nas duas Capitanias. O que não se pode discutir é o espírito de iniciativa e o arrojo de que deram provas os primeiros colonos. A popula­ção nativa da área, além de escassa e dispersa pela enorme extensão dos ter­ritórios, não possuía o mínimo de condições para levar a cabo a tarefa a que os colonizadores se propunham. Em todo caso, antes de encontrar outra so-

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lução mais vantajosa, tiveram de se servir dos aborígenes para dar o arranque da agricultura canavieira.

No último quartel do século XVI, as notícias mais concretas indicam a introdução em Pernambuco e na Bahia de escravos africanos, levados possivel­mente do Rio dos Forcados, do Rio d'El Rei e do norte de Angola, servindo a ilha de São Tomé de base de apoio aos navios transportadores. Seguidamen­te os colonos europeus procuraram suprir certas carências, importando plantas e animais da Ilha da Madeira e das Ilhas de Cabo Verde, e em menor escala de São Tomé. Di-lo Gabriel Soares de Sousa, no seu Tratado descritivo do Brasil em 1587, em termos singelos mas concludentes:

"As primeiras vacas que foram à Bahia, levaram-nas de Cabo Verde (ilhas) e depois de Pernambuco, as quais se dão de feição, que parem cada ano e não deixam nunca de parir por velhas. As éguas foram à Bahia de Cabo Verde, das quais se inçou a terra a ponto de se venderem mais baratas, sendo tão formosas como as melhores da Península; da Bahia levaram cavalos a Pernambuco, onde se vendem por bol!l preço. As ovelhas e cabras foram de Portugal e de Cabo Verde, as quais se dão muito bem. Para os jumentos, porcos, galinhas, pombas, perus, patos e gansos, que todos se davam muito bem no seu. novo habitat, não se indica a proveniência: apenas se diz, genericamente, que eram ig~ais ou melhores do que em Espanha (Península Ibérica) ou Portugal?'. ( ... ) "E comecemos nas canas-de-açúcar, cuja planta levaram à Capitania dos Ilhéus da Madeira e de Cabo Verde; a terra recebeu-as de tal ma­neira que, em tamanho, duração e falta de exigências, se avantajam aos demais outros sítios onde eram cultivadas" ( ... ) "Foram os pri­meiros cocos à Bahia de Cabo Verde, donde se encheu a terra ... ; a árvore originária do Oriente, e trazida da 1ndia a Cabo Verde, tornou­se no litoral do Brasil muito mais importante do que nas ilhas que ser­viram de elo da cadeia da sua expansão" ( ... ) "O arroz, que tanto se semeava em brejos como em terra enxuta, é tão grado e formoso como o de Valência. Levaram a semente do arroz ao Brasil de Cabo Verde. Da Ilha de Cabo Verde e de São Tomé foram à Bahia inhames que se plantaram ná terra logo, onde se deram de maneira que pasmam ps Negros de Guiné que são os que usam dele" 1

Como se vê, o contributo das Ilhas de Cabo Verde ao desenvolvimento econômico do Brasil foi importante e mesmo decisivo para a prosperidade do território.

A ajuizar pelas descrições de Antonil (séculos XVII-XVIII), as Ilhas de Cabo Verde, por aquelas mesmas épocas, devem ter fornecido ao Brasil, escravos ladinos (talvez em números modestos), aptos a servir nos engenhos como trapicheiros, alambiqueiros, carpinteiros, calafates etc., uma vez que o cultivo da cana e o fabrico do açúcar e da aguardente começaram ·no arqui­pélago muito primeiro do que no Brasil, e mesmo em São Tomé. Cabo Verde recebera da Ilha da Madeira os ensinamentos neste tipo de atividade, pois desta ilha vieram esses "oficiais mecânicos" para preparar e ensinar a gente da terra.

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Não se conhece concretamente a data em que começaram a ser levados para as Capitanias do Brasil os primeiros contingentes de escravos de Angola. A referência uais remota data de 1575 e consta do relatório do desembar­gador Domingos de Abreu e Brito (1592), baseado na escrituração dos livros de registro de escravos embarcados na Feitoria de Luanda de 1575 a março de 1591, e destinados "às partes do Brasil e 1ndias de Castela". Quantos te­riam ido para o Brasil e quantos para as 1ndias de Castela? Isto é que não está, indicado. Por evidente não se pode fazer a destrinça das quantidades embarcadas para cada uma das áreas, até pela circunstância de, na altura, Portugal se encontrar sob o domínio de Castela. Abreu e Brito registra que do "ano de 1575 até o ano de 1591 em 4 de março" saíram "52.052 peças de escravos, os quais devem de direitos à Fazenda de V. M. três mil réis cada uma", o que totaliza 156.159.000 réis (p. 34). Nesse número não e!}tram, segundo o mesmo desembargador, os descaminhados aos direitos devido à mancomunação do Feitor real com os contratadores, e que ele estima em um terço dos despachados.

Se a cifra apontada para os embarques de 1575 a 1591 fosse exata, a média de escravos despachados seria da ordem dos 3.250 por ano - bastante baixa comparativamente com as registradas a partir do século XVII. Foi, por­tanto, com esta minguada quantidade de mão-de-obra que Pernambuco e a Bahia iniciaram a agricultura canavieira e outra. De qualquer modo, mesmo na­queles recuados anos, o desenvolvimento econômico pode considerar-se bas­tante satisfatório. e. o próprio Abreu e Brito que o esclarece, no tocante a Pernambuco (em 1591).

"Em a Capitania de Pernambuco há 63 engenhos d'açúcares os quais moem e fazem cada um em cada safra de cada ano o menos que botam em tulha são 6.000 arrobas d'açúcar entrando na cópia das 6.000 arrobas os açúcares pretos a que chamam mascavado que vem a fazer soma os ditos 63 engenhos a 6.000 arrobas um por outro 378.000 arro­bas d'açúcar" (p. 27). E a seguir acrescenta: "entendendo-se que há em as comarcas de Pernambuco outros muitos engenhos, uns come­çados, e outros não acabados que com facilidade se saberá os que de novo têm lançados a mais ... " (p. 58).

A partir dos finais do século XVI e primeiras décadas do XVII, os freqüentes ataques da esquadra francesa à Ilha de São Tomé, com o objetivo principal de se apoderar do açúcar ali produzido forçaram os proprietários dos engenhos e os lavradores a transferir todo o seu equipamento (trapiches, alambiques, tachos de cobre etc.) para o Brasil, fugindo assim aos saques de que estavam sendo vítimas. Este fato terá certamente concorrido para aumentar o número de engenhos e conseqüente produção açucareira e de aguardente.

A dominação de Portugal pela Espanha, com todos os prejuízos advin­dos da guerra de corso movida pelas potências- européias ao tempo inimigas da Espanha - e que se estendia aos domínios portugueses porque se con­fundiam com os dos ocupantes - não estancou substancialmente o envio de escravos africanos para o Brasil. Por razões óbvias, fugimos à indicação de cifras representativas do tráfico: não existem levantamentos exaustivos dos

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arquivos portugueses, quer por desinteresse dos investigadores, quer por ca­rência de fontes de informação credíveis, umas desaparecidas por acidentes, outras inutilizadas pelos contratadores e pelos feitores reais, com o intuito de encobrir as suas desonestidades; e as cifras mais divulgadas pecam por defei­tos vários, entre os quais se avoluma a falta de indicação dos portos de em­barque e de destino - isto sem falar na origem étnica. Em regra, só aceita­mos números extraídos de despachos alfandegários - os mais aproximados da realidade. Rejeitamos os cálculos com base em extrapolações e outros tipos semelhantes de avaliação. Uma fonte de confusões no registro de topônimos caídos em desuso ou extremamente genéricos, como: Guiné, Costa da Guiné, Costa da Mina, Costa dos Escravos etc. Aceitamos o fato como normal para aqueles tempos em que a geografia da costa africana era pouco conhecida dos europeus; e, mais tarde, devido à alteração de designações toponímicas, como todos sabem.

Na realidade, não era possível desenvolver a economia do Brasil nos sé­culos XVI e XVII sem o recurso à mão-de-obra escrava, abundante e barata. Por muito que, atualmente, nos insurjamos contra esse tipo de trabalho com­pulsório, há que ter em consideração as mentalidades e as estruturas sócio­políticas dos tempos. Por isso, Antonil disse que "os escravos são as mãos e os pés do senhor de engenho, porque sem eles no Brasil não é possível fazer, conservar, e aumentar fazenda, nem ter engenho corrente" (p. 47). O mesmo autor, que viveu de perto os problemas da escravidão, lança na sua obra alguma luz sobre o caso da proveniência dos escravos, ou mais concretamente para a confusão estabelecida já então: "os (escravos) que vêm para o Brasil são Ardas, Minas, Congos, de São Tomé, d' Angola, de Cabo Verde, e alguns de Moçambique, que vêm nas naus da fndia" (p. 47). Como se verifica, os escravos eram "identificados" por etnônimos (poucos) e pelos topônimos. E, no fundo, tudo isso era confuso e fugia da realidade.

Ora, só com uma "importação" maciça de escravos as Capitanias (Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro etc.) teriam atingido, na transição do século XVII para o XVIII, um tão elevado grau de prosperidade, em especial no tocante à produção agropecuária. Não resistimos à tentação de, muito sumariamente, registrar as exportações e rendimentos das aludidas Capitanias naquelas épo­cas. A esse respeito Antonil escreve: " ... da opulência do Brasil em proveito do Reino de Portugal, porei aqui agora o resumo do que nestas quatro partes tenho apontado, que por junto não deixará de causar maior admiração do que pode ter causado por partes" (p. 250). Em resumo, refere:

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45. 620 caixas de açúcar branco, macho, batido e mascavo, aos preços de 640, 1.000, 1.200 e 1.600 réis/arroba ..................... .

27 .500 rolos de tabaco a 12.124 e 16.600 réis/arroba 11. 000 meios de sola a 1.640, 1.760 e 1.900 réis cada

Pau-brasil ........................... . 100 arrobas de ouro ...................... .

Total ........... .

2.535.142.800 344.650.000 201. 800. 000 48.000.000

614 .400.000

3.743.992.800

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E isto sem· tomar em conta o valor dos contratos de arrendamento da pesca da baleia que, por 6 anos, rendia na Bahia 110.000 cruzados. e, no Rio de Janeiro, por 3 anos, 45.000 cruzados; o contrato dos dízimos reais, na Bahia, no valor aproximado de 200.000 cruzados; no Rio de Janeiro, 97 .000 cruzados; em São Paulo, 60.000 cruzados, "fora os das outras capi­tanias menores, que em todas notavelmente cresceram"; "o contrato dos vi­nhos, que na Bahia se arrematou por 6 anos em 195.000 cruzados; em Per­nambuco, por 3 anos, em 46.000 cruzados; e, no Rio de Janeiro, arrematado por 12 anos, a 20.000 cruzados cada ano; o contrato das aguardentes da terra e de fora, avaliado por junto em 32.000 cruzados; o rendimento da Casa da Moeda do Rio de Janeiro que, fazendo em dois anos 3 milhões de moedas de ouro, deu lucro a El-rei, que o compra a doze tostões a oitava, mais de 600.000 cruzados, além das arrobas dos quintos que cada ano lhe vão; os direitos que se pagam nas alfândegas dos negros, que vêm cada ano de Angola, São Tomé e Mina em tão grande número aos portos da Bahia, Recife e Rio de Janeiro, a 3.500 réis por cabeça; e os 10% das fazendas no Rio de Janeiro, que importam por ano 80.000 cruzados ... " (p. 250/251).

Como é normal, as cifras da produção de açúcar divergem segundo os autores. Lúcio de Azevedo (l~pocas de Portugal econômico) registra para Per­nambuco uma produção anual de 1.297 .500 arrobas. Como vimos, Antonil indica um dado número de caixas, deduzindo-se que cada caixa conteria 35 arrobas. Nesta base teríamos 1.596.700 arrobas - o que se aproxima um tanto da indicação. 'de Lúcio de Azevedo.

"Deste tabaco - escreve Antonil - se permite a extração de 13.000 arrobas para a navegação da Costa da Mina, que se arrumam em 500 rolos pequenos de 3 arrobas; os quais também pagam 70 réis por cada . rolo para o sobredito contrato da Câmara, e importa em 1.000 cruzados" (p. 168).

Em relação ao ouro, cuja extração se iniciou nos finais do século XVII, Antonil não esconde as graves perturbações havidas no apanho, na circula­ção, no pagamento do quinto. "Não há causa tão boa, que não possa ser ocasião de muitos males, por culpa de quem não usa bem dela" (p. 236). E mais adiante o mesmo autor acrescenta: "Convidou-se o ouro a jogar larga­mente, e a gastar em superfluidades quantias extraordinárias sem reparo, com­prando (por exemplo) um negro trombeteiro por 1.000 cruzados, e uma mu­lata de maltrato por dobrado _preço, para multiplicar . com ela contínuos e escandalosos pecados. Os vadios, que vão às minas para tirar ouro, não dos ribeiros mas dos canudos, em que o ajuntam, e guardam os que trabalham nas catas, usaram de traições lamentáveis, e de mortes mais que cruéis: ficando estes crimes sem castigo; porque nas minas justiça humana não teve ainda tribunal, nem o respeito, de que em outras partes goza, aonde há ministros de suposição, assistidos de numeroso e seguro presídio; e só agora poderá su­perar-se algum remédio, indo lá o governador e ministros. E até. os Bispos, e Prelados de algumas religiões, sentem sumamente o não se fazer conta algu­ma das censuras, para reduzir aos seus bispados e conventos não poucos clé­rigos, e religiosos, que escandalosamente por lá andam, ou apostados, ou fugi­tivos. O irem também às minas os melhores gêneros de tudo o que se pode

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desejar foi causa que cr,escessem de tal sorte os preços de tudo o que se vende, que os senhores de engenho e os lavradores se achem grandemente empenha­dos, e que por falta de negros não possam tratar do açúcar-, nem do tabaco, como faziam folgadamente nos tempos passados, que eram as verdadeiras minas do Brasil e de Portugal. E o pior é que a maior parte do ouro, que se tira das minas, passa em pó e em moedas para os reinos estranhos; e a menor é a que fica em Portugal e nas cidades do Brasil: salvo o que se gasta em cordões, arrecadas, e outros brincos, dos quais se vêem hoje carregadas as mulatas de mau viver e as negras, mais que as senhoras" (p. 237-38).

Aqui está a indicação segura da crise da agricultura canavieira e outra por que passaram as Capitanias do litoral devido à extração do ouro. Não ficam dúvidas de que a descoberta do ouro em Minas Gerais se, por um lado, permitiu um grande surto de prosperidade generalizada, por outro foi também causa de graves perturbações sociais e políticas. Mas, mais do que tudo isso, concorreu - repete-se - para a crise da agricultura da Bahia, de Pernam­buco, de Alagoas etc., sobretudo porque provocou o surto de uma legião de atravesspdores que desencaminhavam os escravos das zonas agrícolas por exce­lência, para as Minas Gerais onde os vendiam por preços elevados, como ano­tou Antonil no trecho transcrito; e também para a intensificação do tráfico de escravos orientado para o Rio de Janeiro, de onde seguiam para a área aurí­fera, permitindo aos intermediários auferir lucros substanciais, em face dos altos preços pagos pelos minçiros, em relação às baixas cotações praticadas pelos lavradores e senhores de engenho. Pode dizer-se que esta foi a primeira grande crise econômica que as Capitanias da Bahia e de Pernambuco sofreram; e que se viria a acentuar com a concorrência movida pelo açúcar das Antilhas e, mais tarde, pelo da beterraba açucareira que se começou a cultivar na Europa. Por outro lado, as constantes alterações de critérios seguidas pela Metrópole, ora criando ora extinguindo Casas de Fundição e Casas da Moeda, no período de 1700 a 1735, tendo em vista impedir o contrabando do ouro, também concorreram de certo modo para agravar outros males. Sobre o assun­to é útil a consulta ao trabalho de Silveira Cardoso 2 sobre a cobrança do quinto em Minas Gerais.

Se, por um lado, a agricultura em geral, na Bahia, em Pernambuco e Rio de Janeiro, e a descoberta dos filões auríferos de Minas Gerais permitiram o desenvolvimento e a criação de fontes de riqueza - tudo na base do trabalho escravo -, isto se deu de forma desigual no todo territorial. Para tanto con­correram muitos fatores. Permaneciam em estado embrionário de desenvol­vimento vastas regiões, a norte. e a sul. Daí que, nos meados do século XVII, se tivesse tentado o aproveitamento, no norte, das chamadas "drogas do ser­tão" (devido ao declínio das especiarias do Oriente), no Pará e no Maranhão, em particular. Reconheceu-se contudo a quase impossibilidade de obter ali resultados compensadores, por absoluta falta de mão-de-obra local (como refe­rimos em outro capítulo), dada a reduzida, e dispersa, população autóctone. Lançou-se portanto mão do grande recurso dos tempos: a formação de empre­sas monopolistas para o tráfico de escravos africanos para abastecer o norte. Os resultados foram, de início, pouco ou nada animadores, para não dizer desastrosos. Por isso mesmo as autoridades do norte estiveram durante longos

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anos a clamar contra o marasmo a que estava votado o território, atido à eco­nomia de subsistências. Entretanto, Pernambuco e a Bahia não se conforma­ram com a situação resultante da crise da agricultura e exigiram à Metrópole a criação de companhias destinadas ao transporte das suas mercadorias para os mercados consumidores (africanos), sobretudo aguardente e tabaco -como forma de obterem escravos por preços razoáveis e com eles recolocarem a sua agricultura no mesmo plano eril que estava antes. A luta travada com Portugal tendente à cri~ção das companhias não foi fácil nem rápida. As razões eram as de sempre: um total desinteresse dos poderes constituídos, a falta de determinação política e, designadamente, a penúria do Tesouro régio. O que se drenava para a Europa em valores (o ouro, por exemplo) era empregue em despesas supérfluas e nada reprodutivas, com nula influência no fomento da riqueza. e recordar que da extinção da Companhia dQ Estado do Maranhão à formação das de Grão-Pará e Maranhão, e de Pernambuco e Paraíba, decor­reram cerca de 70 anos! Os senhores de engenho e lavradores de Pernambuco e da Bahia, após prolongadas e difíceis negociações, conseguiram em 1759 a formação da almejada companhia, e isso mesmo porque a de Grão-Pará houve facilitado a negociação ao desistir dos seus direitos ao setor de Angola. Toda­via, o alvará de concessão do monopólio limitou em certa medida a ação da Companhia de Pernambuco e Paraíba, ao excetuar da área da sua jurisdição o comércio nos " portos do sertão, Alagoas e Rio de São Francisco do sul, o qual será livre a todas e quaisquer pessoas como até agora tem sido" (art. 25); assim como "a navegação não embarace a que para os mesmos portos de África se faz da Bahia, e Rio de Janeiro, antes pelo contrário, se coadjuvarão reciprocamente a Companhia, e as referidas duas praças . . . " (art. 26) . Tal concessão permitiu à empresa carrear para Pernambuco, nos cerca de 20 anos de monopólio, 45.079 escravos de Angola e mais 9.474 da Costa da Mina -ou seja, um total de 54.575 - dos chegados vivos, como apontamos em capítulo próprio deste trabalho.

e portanto neste contexto que foi criada a Companhia do Grão-Pará e Maranhão (1755), cuja ação analisamos ao longo deste estudo. O papel desta e da sua contemporânea (de Pernambuco) pode ser considerado de grande importância para a economia brasileira e mesmo para Portugal. Se observar­mos bem o desenvolvimento do Brasil no seu conjunto, mesmo considerando a evolução parcelar (e lenta) de cada uma das grandes regiões de que se compõe este subcontinente, temos de aceitar como naturais as conjunturas por que passou durante o longo tempo referido. Foram próprias e normais; foram crises de crescimento. E isso torna-se mais evidente ao observar: 1.0 ) o fenô­meno dos quilombos; 2.º) as revoltas e motins de evidente cariz político­social.

Ligado à importação de volumosos contingentes de escravos africanos está o problema da fuga de escravos dos engenhos e das lavouras para forma­rem os seus quilombos - a única forma de se libertarem do jugo dos seus donos, e que trouxe sérios prejuízos à economia e à tranqüilidade dos povoa­dos e das próprias propriedades. Segundo as melhores fontes de informação conhecidas, o grande quilombo dos Palmares, localizado na Serra do Barriga, ter-se-ia formado em 1630, coincidindo com a chegada dos holandeses a Per-

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nambuco. Seguiram-se-lhe outros de menores proporções (mas nem por isso menos prejudiciais), constituindo no seu conjunto "uma ameaça tremenda para os pobres moradores das aldeias próximas de Porto Calvo, Alagoas, Rio Gran­de, São Francisco e Serinhaem, até 1694, em que foram extinctos ... " após custosas expedições militares, consoante elucida Ernesto Enes 3 • O de Palma­res só foi tomado e destruído em 1697. Não devemos subestimar a influência que as fugas de escravos tiveram no campo econômico. Não era apenas o capi­tal investido na aquisição do escravo, mas a falta que ele fazia ao trabalho da lavoura e do engenho, além dos assaltos, seguidos da destruição de planta­ções, rapto de mulheres etc., a intranqüilidade das pessoas nos trajetos, no sertão e nas aldeias, com mortes e espancamentos 3 •

Com a introdução, nos finais do século XVIII e começos do XIX, de es­cravos oriundos da chamada Costa da Mina, o ciclo das pequenas e grandes sublevações (algumas muito localizadas) abriu as perspectivas das revoltas em massa. Nas levas de escravos foram Iorubas, Achantis, Eués, Fans, Fulas, Haus­sás e outros, muitos deles portadores de uma cultura de tipo muçulmana, supe­rior à dos Bantas, que até dado momento predominavam no setor Bahia-Per­nambuco. Organizaram-se em grupos e levaram a cabo levantes na Bahia e em Pernambuco, a começar nos primeiros anos de 1800; e que duraram, mesmo com intermitências, até às décadas de 1830. Quer dizer, ainda não se tinham apagado os ecos da revolta das Minas, chefiada por Xavier, "O Tiradentes", quando eclodiu a dos Haussás e outros, seguidos ou acompanhados de toda uma série de motins políticos e sociais no Pará, a partir de 1821 até 1835, acontecimentos minuciosamente descritos por Domingos Baiol e outros. Poste­riormente à segunda crise econômica da área canavieira, derivada dos levantes e motins, registra-se a que teve por palco a intensificação do cultivo do cafe­zeiro na parte sul do país, e da qual derivou1 de 1852 a 1861, a deserção da Bahia, incitados pelos atravessadores, de qualquer coisa como 12.370 escravos (segundo os registros da Polícia daquelr; Estado) - êxodo que se prolongou por mais anos, conforme nos elucida a História do Banco da Bahia, p. 175.

Admite-se que as sucessivas revoltas de escra".os ocorridas na Bahia e em Pernambuco (e a que fizemos referência antes) não tiveram conseqüências mais funestas pela circunstância de não haver entre os revoltosos uma unidade firme de objetivos e de comando, uma coesão forte, fato que conduziu a muitos fra­cassos. Cada etnia reivindicava para si a liderança das operações e a ambição de criar o seu "Rei" próprio - no que não havia unanimidade. Esse fato e a denúncia oportuna de conjurações às autoridades devem ter concorrido para uma maior divisão entre as várias "Nações" em luta, propiciando assim, em parte, o enfraquecimento das lutas e a submissão dos rebelados.

* * *

· 4. :e. dado assente entre a maioria dos estudiosos que o Brasil se tornou independente no dia em que a família real desembarcou no Rio de Janeiro em 1808, e que decretou a abertura dos portos "ao comércio de todas as nações amigas, livre o exercício de qualquer indústria, criados os tribunais supremos, abolida, assim a apelação para Portugal, fundada uma imprensa, um banco e

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escolas superiores, abertos os sertões aos exploradores de todo o mundo", como registra Oliveira Martins (p. 96). Estava-se portanto a 17 anos da eclosão da revolução chefiada por Xavier, "O Tiradentes", Maciel do Rio e Freire de Andrade (1789). Abortada a rebelião, os chefes foram condenados à pena ca­pital e os menos responsáveis degredados para África. Com destino a Angola foram degredados por cinco anos Inácio José da Silva Alvarenga, enviado para Encoje (e que faleceu à chegada); Francisco de Paula Freire de Andrade e Luís Vaz de Toledo, para Cambambe; José Alves Maciel, para Massangano; e Domingos de Abreu Vieira, para Muxima 4. O objetivo desta revolução seria a proclamação de uma república independente possivelmente por inspiração do modelo da América do Norte (1776), antecipando-se portanto à revolta de São Domingos (Haiti), em 1804, e a todas as que sucessivamente eclodiram na América Central e do Sul.

Em que medida este ato (e outros) influenciou os movimentos políticos a partir de 1822 e mesmo os motins ocorridos no Pará, e que duraram anos? A toda esta série de movimentos não foram estranhos os princípios políticos e sociais agitados pela Revolução Francesa. Recordemos apenas a ação desen­volvida por certos grupos de franceses de apoio à independência da América do Norte.

O Brasil crescera com demasiada rapidez, mercê da formação das suas camadas de intelectuais mais válidos, da exploração das suas riquezas_, e de outras potenciais, e'm estado latente, mas perceptíveis a qualquer. A abolição do tráfico negreiro concorreu para que os homens mais lúcidos tomassem cons­ciência do que a "colônia" valia, em especial quando a política européia se agitou com o consulado de Napoleão, seguido da invasão da Península Ibérica. Tudo isto provocou o surto de uma imigração branca, em escala nunca conhe­cida, oriunda de quase todos os países europeus, e que r~conheceu o "Brasil país do futuro", onde podia melhorar as suas precárias condições de vida, ou mesmo enriquecer. Era a mão-de-obra precisa para substituir o escravo, cuja libertação estava já à vista de toda a gente.

Portugal, ocupado e preocupado com os enormes problemas do retângulo peninsular, acrescidos dos das terras de além-mar (Guiné, Angola, Moçambi­que), falho como sempre de recursos humanos e muito mais de financeiros, sem crédito na banca internacional, perdera as possibilidades (se alguma vez as teve!) de acreditar na conservação do seu domínio no grande Brasil. Asse­melhava-se a uma casca de cágado a querer suportar o peso de um elefante.

Os portugueses residentes no Brasil e os já ali nadas não deviam acreditar na viabilidade de a Metrópole manter o domínio nesse imenso espaço geográ­fico. As lutas políticas e sociais geradas, primeiro, pela ocupação de Portugal pelos exércitos franceses e pela intromissão dos governantes ingleses (o cha­mado "governo do Reino"), tudo isso agravado com a agitação resultante do regresso do rei, procedente do Brasil, e pelos que ficaram no Rio a atear a chama bruxuleante - quase apagada - da dualidade das duas coroas, mais não fizeram do que abreviar o 7 de setembro. Depois, o prosseguimento das lutas liberais, que duraram anos, mesmo após a Convenção de Évora-Monte, em 1834.

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'É. aqui a altura de passar a palavra a Oliveira Martins. Assim, embora com algum exagero à mistura com verdades inatacáveis, diz no Brasil e as Co­lônias Portuguesas:

"Ao desembarcar no Rio de Janeiro, D. João VI e os seús manda­rins tiveram acesso (sic) de atividade, que o Inglês, sentado com o rei no trono, fomentava para explorar; um acesso (sic) de atividade, que, porém, libertava para todo o sempre o Brasil da Metrópole ( ... ). Já se dissipara na América o entusiasmo nascido com a chegada do mandarinato português. Quando D. João VI desembarcou, com os seus 200 milhões de cruzados, com mais de 15 mil servos tauxiados de fitas e cruzes, conselheiros, desembargadores, marqueses, condes e comen• dadores, monsenhores e cônegos, e D. Maria I doida - os brasileiros, no pasmo natural diante da frandulagem aparatosa da corte, embriaga­ram-se, acreditando-se elevados a grandes alturas. Pouco a pouco foram, porém, vendo quanto valiam esses esplendores da Metrópole. Os man­darins que sugavam Portugal apenas sabiam devorar também o Brasil. Parecia, primeiro, que a capital portuguesa passara para o Ultramar, e com ela todas as virtudes e qualidades, verdadeiras ou supostas, dos portugueses da Europa; e via-se agora que os portugueses e brasileiros eram ambos vítimas de uma família de roedores dourados e fardados. A nuvem de gafanhotos que desde o XVII século devorava tudo em Portugal, pousava agora no Brasil para em casa o digerir mais à von­tade. Os brasileiros, com a educação forte e natural do trabalho, come· çaram a perceber que não podia representá-los nem dirigi-los esse man­darinato português; e que nada havia de comum entre eles e a corte, composta de 'um príncipe fraco e boçal, governando• em nome de sua mãe louca; de uma princesa intrigante, pródiga e desregrada, de quem vivia separado pelas suas constantes infidelidades; e de um rapaz estou­vado e ambicioso' (F. Gervinus). A desordem, a imoralidade, a baixeza, a dissipação da corte, a venalidade dos mandarins, a subserviência aos Ingleses, e por fim a empresa do Uruguai (1817), fizeram rebentar um protesto antigo, para abafar o qual já em vão se declarara Reino o Brasil (1815), unido a Portugal que ficava nas condições de um se­nhorio brigantino na Europa. Independente de Portugal já se achava o Brasil desde 1808; os protestos de agora não se dirigiam contra o espectro do estado de colônia já histórico; dirigiam-se contra a Corte, contra o mandarinato dos portugueses que tinham ido para a América prosseguir na sua vida da Europa. Era desses, e não do infeliz Portugal - mais oprimido, mais desgraçado, mais miserável ainda sob o governo do procônsul Beresford -. que os brasileiros queriam tornar-se inde­pendentes. Expulsar os hóspedes importunos que tinham invadido a casa e governavam nela como casa sua, eis a significação das revolu­ções malogradas de 1817, na Bahia e em Pernambuco" (p. 96-98).

Mesmo com alguma dose de exagero, a descrição possui inegável rea· lismo. E como, em regra, não somos dados à reflexão dos ev~ntos históricos, tudo isso caiu rapidamente no esquecimento em Portugal.

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A revolução liberal de 1820 fez o rei regressar mais depressa a Portu­gal; e durante mais de uma dúzia de anos, o país sofreu convulsões sociais e políticas, atentados pessoais, assassinatos, perseguições, deportações para África e, no fundo, a dissipação larvar da sua magra riqueza. Aparentemente, para os menos avisados, estes acontecimentos nada têm a ver com o nosso tema principal (a Companhia do Grão-Pará e Maranhão). Todavia, importa recordar que todos os acontecimentos descritos tiveram, direta ou indireta­mente, em maior ou menor escala, certa repercussão na atribulada vida da Comissão Liquidatária da empresa, designadamente no que obstaram ou difi­cultaram a cobrança das dívidas de particulares e do Estado à empresa, e à alienação dos bens patrimoniais (prédios em Lisboa, no Maranhão e no Pará), causando desse modo consideráveis prejuízos e danos aos acionistas.

A situação de decadência a que o ,país chegou tem muito a ver com a governação de D. João V, durante a qual afluiu a Portugal considerável soma de valores, em especial o ouro, procedentes do Brasil, e que foram dilapi­dados em obras de duvidoso interesse coletivo, mas também na importação de bens suntuários, muitos deles inúteis, para dar largas à ostentação pelin­tra da nobreza, autêntico insulto à miséria e carências do povo. Portanto, o . mal - ou os males - deste tipo de comportamento do "mandarinato" por­tuguês vem de muito distante no tempo. Em época mais próxima dos even­tos de que nos ocupamos, o ouro vindo do Brasil representou "um caudal de riqueza bem diversamente empregado, e ao Tesouro nacional uma verba imprevista com a qual D. João V pôde dar largas à sua ostentação frades­ca", e o restante - que o rei não teve tempo de gastar em inutilidades -veio . a ser aproveitado ( uma pequena parcela) por Pombal para reconstruir Lisboa e, de modo geral, uma parte substancial do país.

Em face deste tipo de governação, não nos parece que Portugal tivesse um mínimo de probabilidades de se manter como potência soberana num território como o Brasil, por essa altura em franco crescimento demográfico. A incapacidade de assumir uma administração eficiente e de viabilizar a exploração econômica gerou a cobiça de nações mais ricas e mais realistas - como a Inglaterra - que, espreitando as oportunidades propiciadas por cada conjuntura, planearam cautelosamente- o afastamento dos ocupantes que apenas tinham a seu favor o chamado "direito histórico" de descoberta; mas que se mostraram, a partir de dado momento, incapazes de levar a cabo uma exploração econômica condizente com a época. Portugal pontificou e realizou, na verdade, a sua pªrte (nada de desprezar), num período da evo­lução do processo histórico, e enquanto os condicionalismos dos anos 800 não impuseram uma radic_1;1l mudança ou transformação dos velhos esque­mas, já então caducos .. A sua ação conduziu à formação de uma grande nação, territorial e lingüisticaménte unificada, dotada de uma população ra­cialmente diversificada, e que soube miscigenar-se e tornar-se um cadinho de brancos, índios e negros - a mais notável mestiçagem que se conhece. Daí que o Brasil seja diferente em múlt~plos aspec.tos dos países colonizados pelos espanhóis.

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.E muito possível que alguns leitores considerem um tanto desproposi­tada uma parte deste capítulo. Qualquer que seja o juízo de valor ou opinião formulados, o exposto traduz apenas a forma de pensar do autor, sem ne­nhuma preocupação de agradar ou de desagradar quem quer que seja.

·Bibliografia e Notas do Capítulo 12

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fNDICE DAS GRAVURAS (Extratexto)

1) Ação n.º 98 (Algezira), emitida em nome· de D. José de Toca Velasco, Chanceler da Ordem de Alcântara e do Conselho de Sua Majestade Católica (rosto e verso), 50/51.

2) Mapa - Rotas dos navios da Companhia do Grão-Pará e Maranhão, 98. 3) Extratos de faturas n. 26 e 27, de 1765_. do embarque de 145 e 140 escra­

vos, respectivamente, de Cacheu com destino ao Maranhão, 111. 4) N.º 56 - "Carregação" de diversas mercadorias destinaçlas a Santiago, de

Cabo Verde, em 1.º de abril de 1760 (rosto e verso), 146. 5) Extratos de fatura n. 16, 98 e 99, de panos de algodão carregados em

Cabo Verde com destino a Cacheu e Bissau, nos anos de 17q5 e 1766, 152/153/154. _

6) N.º 1 - "Entrada" de 1765 sacas de cacau; 195 sacas de café; 150 em­brulhos de cravo fino; 250 paneiros de cravo grosso; 23 paneiros de salsa; 50 barris de óleo de copaúva; 163 atanados; 1.800 couros em cabelo; e 95 paus. vindos do Maranhão, conforme nota de remessa de 19 de outubro de 1762 (e respectiva lista de vendas), 173.

7) Condições de leilão efetuado a 13 de abril de 1772, de gêneros procedentes do Maranhão, acompanhadas de lista detalhada dos que iam ser leiloados. Contém os nomes dos arrematantes e os preços de cada produto adjudicado (11 folhas), 178.

8) Condições de leilão efetuado em 13 de maio de 1772, de gêneros proce­dentes do Maranhão e do Pará e respectiva lista dos que iam ser leiloados. Contém os nomes dos arrematantes e os preços de cada produto adjudicado (cinco folhas), 190.

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