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A bancada ruralista e o aprofundamento da questão agrária no Brasil Sandra H. G. Costa 1 Theo Martins Lubliner 2 1-Introdução “Madre terra nossa esperança/Onde a vida dá seus frutos O teu filho vem cantar/ Ser e ter o sonho por inteiro Ser sem-terra, ser guerreiro/Com a missão de semear À terra, terra”(Pedro Munhoz - O Teatro Mágico) 3 O problema da terra no Brasil iniciou no período colonial e na forma de concessão de terras pela Corte Portuguesa. Entretanto, esse problema se enraizou na história com a Lei de Terras de 1850 que instaurou a aquisição de terras através de compra e venda, que persiste até os dias atuais, associada a mecanismos violentos de apropriação e especulação rentista, consolidando uma questão agrária no Brasil. Embora há quem diga que no Brasil não exista mais uma questão agrária, há também quem diga o contrário: a questão agrária nunca foi solucionada e é, ainda, o grande problema econômico, político, ambiental e social a ser resolvido no Brasil. Os principais responsáveis, tanto pela difusão da ideia de que ela acabou, como pela sua permanente existência são os latifundiários. Baseados nas leituras de Oliveira (2001) e Martins (1994), entendemos que o pacto político, gestado durante a ditadura militar, casou numa só figura única latifundiários e capitalistas” . Nesta condição, os latifundiários se constituíram como uma força política, mantendo seu poder através dos políticos ruralistas, que são latifundiários e rentistas, e ao mesmo tempo, também são empresários e industriais, ou seja, capitalistas da agricultura e representantes da classe dos proprietários de terra. Na transição democrática, a bancada ruralista se organizou e passou à defesa “incondicional” da propriedade da terra. Conseguiram direcionar a política agrária, desde a proposta de implementação do I PNRA, e ganharam força nos últimos governos (Lula e Dilma) de modo a dar continuidade a um processo de “contra reforma agrária”, como denomina Oliveira (2010: 287-328). Nesse sentido, imersos neste debate, 1Doutoranda no Programa de Geografia Humana DEGEO/FFLCH/USP- [email protected] 2 Mestrando no Programa de Desenvolvimento Econômico IE/UNICAMP - bolsista Capes; Cursando a Especialização: “Residência Agrária – Educação do Campo e Agroecologia na Agricultura Familiar e Camponesa” - FEAGRI/UNICAMP, [email protected] 3Letra da Música Canção da Terra, Pedro Munhoz, Álbum: A sociedade do Espetáculo, Gravadora Independente, 2011

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A bancada ruralista e o aprofundamento da questão agrária no Brasil

Sandra H. G. Costa1

Theo Martins Lubliner2

1-Introdução

“Madre terra nossa esperança/Onde a vida dá seus frutosO teu filho vem cantar/ Ser e ter o sonho por inteiro

Ser sem-terra, ser guerreiro/Com a missão de semearÀ terra, terra”(Pedro Munhoz - O Teatro Mágico) 3

O problema da terra no Brasil iniciou no período colonial e na forma de

concessão de terras pela Corte Portuguesa. Entretanto, esse problema se enraizou na

história com a Lei de Terras de 1850 que instaurou a aquisição de terras através de

compra e venda, que persiste até os dias atuais, associada a mecanismos violentos de

apropriação e especulação rentista, consolidando uma questão agrária no Brasil. Embora há quem diga que no Brasil não exista mais uma questão agrária, há

também quem diga o contrário: a questão agrária nunca foi solucionada e é, ainda, o

grande problema econômico, político, ambiental e social a ser resolvido no Brasil. Os

principais responsáveis, tanto pela difusão da ideia de que ela acabou, como pela sua

permanente existência são os latifundiários. Baseados nas leituras de Oliveira (2001) e

Martins (1994), entendemos que o pacto político, gestado durante a ditadura militar,

“casou numa só figura única latifundiários e capitalistas”. Nesta condição, os

latifundiários se constituíram como uma força política, mantendo seu poder através dos

políticos ruralistas, que são latifundiários e rentistas, e ao mesmo tempo, também são

empresários e industriais, ou seja, capitalistas da agricultura e representantes da classe

dos proprietários de terra. Na transição democrática, a bancada ruralista se organizou e passou à defesa

“incondicional” da propriedade da terra. Conseguiram direcionar a política agrária,

desde a proposta de implementação do I PNRA, e ganharam força nos últimos governos

(Lula e Dilma) de modo a dar continuidade a um processo de “contra reforma agrária”,

como denomina Oliveira (2010: 287-328). Nesse sentido, imersos neste debate,

1Doutoranda no Programa de Geografia Humana DEGEO/FFLCH/USP- [email protected] Mestrando no Programa de Desenvolvimento Econômico IE/UNICAMP - bolsista Capes; Cursando a Especialização: “Residência Agrária – Educação do Campo e Agroecologia na Agricultura Familiar e Camponesa” - FEAGRI/UNICAMP, [email protected] da Música Canção da Terra, Pedro Munhoz, Álbum: A sociedade do Espetáculo, Gravadora Independente, 2011

pretendemos refletir sobre a questão agrária no Brasil na atualidade e no papel da

bancada ruralista no aprofundamento dessa questão.

2. “Tudo aconteceu um certo dia...”

Apesar do problema da terra no Brasil ter início no período colonial, foi somente

com a Lei de Terras de 1850 que esse problema se enraizou na história brasileira,

proibindo a posse e, portanto, excluindo a possibilidade de acesso a trabalhadores, ex-

escravos e camponeses, e provocando assim conflitos crescentes. Foi, portanto, já nesse

período de definição sobre a propriedade da terra que se gestou a questão agrária no

Brasil.

Até a década de 1960 não existiam dúvidas em relação à existência de uma

questão agrária no Brasil. Havia quase um consenso da necessidade de se resolver os

problemas da pobreza no campo, dos conflitos, da baixa produtividade dos latifúndios e

do mercado interno e que somente uma reforma agrária seria capaz de solucioná-los. No

entanto, após essa década, com a “Revolução Verde” e a modernização conservadora da

ditadura civil-militar, passou-se a defender a ideia de que já não existia mais uma

questão agrária no Brasil e que a reforma agrária não era mais necessária (ao menos não

nos moldes radicalizados propostos pelos movimentos sociais do campo - Ligas

Camponesas, as associações de lavradores e trabalhadores agrícolas, o Movimento dos

Agricultores Sem Terra e a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura - e

pelo governo Jango).

Essa visão era defendida pelas elites agrárias, por intelectuais e uma parcela da

“burguesia industrial”, apoiados nos interesses estrangeiros, opositores ao governo de

João Goulart. Estes opositores, ainda que reconhecessem alguns problemas, defendiam

uma solução conservadora à questão agrária, respaldando-se nas argumentações de

Delfim Netto4

Delfim defendia que através da “modernização do campo” o problema da baixa

produtividade poderia ser solucionado e se manteria o deslocamento de mão de obra

para a indústria e a geração de divisas necessárias para a dinamização da indústria. É

dessa argumentação ainda que derivaria a “teoria do bolo” de que o desenvolvimento

não prescindia da distribuição de renda, mas ao contrário, seria necessário concentrá-la

para gerar investimentos e para, posteriormente, repartir a renda gerada.

4 Delfim Netto não por acaso seria “bem recompensado” exercendo os caros de ministro da fazenda, da agricultura edo planejamento durante o governo militar.

Ora, ao defender tal tese, teriam transformando a questão agrária numa simples

questão agrícola, uma vez que a questão agrária não se resumia a um problema de

produtividade, mas ia muito mais além: era um problema não só do capital, mas do

trabalho e da sua relação conflituosa. Os problemas relacionados à pobreza no campo e

na cidade permaneceram, os conflitos no campo aumentaram e outros problemas ainda

foram acrescentados e agravados ao longo das décadas seguintes.

Antes de abordamos essas novas e velhas questões na atualidade, o que faremos

nos tópicos posteriores, faz-se necessário compreendermos a origem do problema que

está enraizado historicamente pela forma de constituição da propriedade da terra no

Brasil.

3. Formação da propriedade privada da terra: “o latifúndio é feito um inço, que

precisa acabar”

Quando trazemos a discussão para a formação do território brasileiro cabe

analisar “O processo de constituição da propriedade privada da terra no Brasil” e o

seu caráter rentista como escreveram Oliveira e Salles (2009:02-03):

É, pois, esta relação entre a propriedade privada capitalista da terra e a rendafundiária que permite que seu proprietário, mesmo sem nada nela produzirpossa se enriquecer. Sobretudo, quando ele se apropria de uma parcela deterra sem despender dinheiro algum por ela, como ocorre no processo degrilagem. Ou seja, o grileiro apropria-se ilegalmente de uma terra pública e, apartir desta apropriação passa a se apropriar da renda fundiária que ela gera.Neste processo ele, pode com a sua venda também ilegal, obter dinheiro quepode ser convertido em capital. Assim, se dá o processo de produção docapital através da apropriação legal ou ilegal da renda fundiária. Está, pois,neste processo de busca do acesso ilegal da terra pública devoluta ou não,pelas elites brasileiras, um dos caminhos da produção não capitalista docapital. (OLIVEIRA; SALLES, 2009:02)

A reprodução da classe dos proprietários de terra no Brasil possui suas

particularidades, sobretudo porque a ocupação e formação do território, ao contrário não

se inicia com a propriedade privada da terra e sim, com o direito de uso concedido pela

coroa portuguesa:

A discussão sobre a origem da propriedade da terra e da questão agrária noBrasil não pode prescindir da afirmativa de que ela deriva dos diferentesprocessos históricos pelos quais o país passou. Isto quer dizer que a formaçãoterritorial brasileira é consequência do processo através da qual o capitalsubmeteu a terra à sua lógica econômica exploração. (...) Porém, coube aoprocesso de ocupação colonial fundada na escravidão iniciar o processo dedestruição dos territórios dos povos indígenas face à nova sociedade que seformava no país pela ação colonialista portuguesa. Entretanto, cabe destacarque este processo não trouxe consigo de início, a constituição da propriedadeprivada capitalista da terra, isto porque a Coroa portuguesa emitiu para osexploradores colonialistas os títulos de sesmarias que lhes davam apenas, o

direito de uso das terras reais. Inclusive, caso não as explorassem, a Coroapodia retomá-las, como estava expresso no texto da Lei de 26 de Junho de1375, que obrigava a prática da lavoura e o semeio da terra pelosproprietários arrendatários, foreiros, etc. (Ibidem, p.02-03)

Para Paoliello (1992), corroborando com Rui Cirne Lima (1954) e Virgínia Rau

(1982), o Regime de Sesmarias foi transplantado para o Brasil, como instrumento da

colonização ultramarina, mas com peculiaridades, imbricado na ordem das Capitanias

Hereditárias, mediadoras de um poder realengo localizado na metrópole distante:

De qualquer modo, na sua raiz, enquanto prática social, está o direito deposse, que orienta o pequeno camponês livre nas bordas da ordemescravocrata, e que compõe a conquista do território e o avanço para ointerior. Tal direito é reivindicado em vários contextos, no passado e nopresente, não só pelos que avançam sobre terras livres, mas também poragregados, e por libertos, que recebem parcelas de sesmos em concessão. Aordenação social do espaço, em terras recém-descobertas, ou recém-abertas, éprecária, e, portanto, constitui campo de conflitos (pode-se dizer que esseentendimento se aplica ao presente, como bem o exemplificam os conflitosem Mato Grosso, Goiás e Pará, considerando-se que as fronteiras nacionaisainda não se esgotaram. Mas esta é apenas uma das faces dos conflitospossessórios no Brasil: o mesmo direito, é acionado, em outros contextos,inclusive em áreas antigas, em vias de “incorporação” após períodosestagnados no que se refere ao desenvolvimento econômico em seu sentidourbano-industrial dominante. Mesmo porque, em tais situações, não se trataapenas de incorporação, mas de confronto com setores especulativos, atéfracamente capitalizados, interessados em acumular terras como reserva devalor, que operam via “grilagem”, isto é, via imprecisão titular, ausência deregularização fundiária, e disputa por terras devolutas, ou seja, revertidas aodomínio público, não demarcadas, portanto via de regra ocupadas porposseiros (que provavelmente as pensam nos moldes tradicionais das terrascomunais, passíveis de re-divisão e apropriação individualizada,diferentemente da definição legal contemporânea da terra devoluta, comonunca passível de apropriação privada por meio da usucapião que reconheceo direito possessório; como certa vez me disse um posseiro, “se é do governo,todo mundo pode entrar”), muitas vezes antigos, que não possuem títulos, porrazões históricas, que menciono adiante.

No limiar da tentativa de regulação das terras do território e consolidação do

Estado, a constituição da propriedade privada da terra e a delimitação das terras

devolutas e das terras particulares, surge, como um foco de disputas por parte das elites

políticas que controlavam o poder Legislativo. Esta questão foi analisada por Ligia

Osório Silva (2008):

(...) No período entre 1822 e 1850 a posse tornou-se a única forma deaquisição de domínio sobre as terras, ainda que apenas de fato, e é por issoque na história da apropriação territorial esse período ficou conhecido como a‘fase áurea do posseiro’Mantidas a possibilidade de apossamento e a escravidão, não havia razãopara que o senhoriato rural pressionasse o Estado a regulamentar a questão daterra. Entretanto, sem a expedição de títulos de propriedade por parte dasautoridades competentes, ficava faltando um elemento importante para aconstituição da classe dos proprietários de terra. Para que tal ocorresse, foipreciso que se consolidasse o processo que o ato de dom Pedro apenas

inaugurara, ou seja, o processo de formação do Estado Nacional. Com odesatamento de vínculos coloniais, abriu-se na verdade um período detransição, em que os proprietários de terras, embora exercendo um papelimportante na organização do novo Estado, ainda estavam sendo regidospelas normas estipuladas no regime colonial. Na realidade, os dois processos– a consolidação do Estado nacional e a formação da classe dos proprietáriosde terras – ocorrem simultaneamente, embora nem sempre de formatranqüila, implicando conflitos e acomodações que estão registrados nosdesdobramentos da história da apropriação territorial e em seu ordenamentojurídico. (OSÓRIO SILVA, 2008:90-91)

Vale ressaltar que, para entender a questão agrária no Brasil é imprescindível o

aporte teórico encontrado nas obras “Cativeiro da Terra” em “O poder do atraso:

Ensaios de sociologia da história lenta” porque nos apresenta uma leitura acerca da

expansão do capitalismo na agricultura no Brasil. Além destas teses de Martins (1979 e

1994), para analisar os conflitos no campo, é fundamental a leitura do livro “Os

Camponeses e política no Brasil”, que apresenta em diferentes contextos a organização

camponesa e sua luta política pela permanência na terra. Dentro desta perspectiva, para

compreensão do desenvolvimento da agricultura capitalista no Brasil incluímos a tese

elaborada por Ariovaldo Umbelino de Oliveira (1999). Estes autores analisam o

desenvolvimento do capitalismo no Brasil como sendo desigual, contraditório e

combinado, pois, à medida que reproduz relações especificamente capitalistas, produz

também, igual e contraditoriamente, relações camponesas de produção, necessárias à

sua lógica de desenvolvimento. Martins (1994) mostra que a história da sociedade brasileira está marcada por

determinações estruturais que demarcam uma realidade configurada por um tempo

singular, o tempo do inacabado. Este, por sua vez, tem como núcleo central do sistema

político persistente, a propriedade da terra.A configuração territorial do processo de desenvolvimento do capitalismo na

agricultura pode ser expressa na lógica de monopolização do território e territorialização

dos monopólios desenvolvida por Oliveira:

O que esse processo contraditório de desenvolvimento capitalista no camporevela, é que [...] o capital territorializa-se. Estamos, portanto, diante do processode territorialização do capital monopolista na agricultura. [...], esse processocontraditório revela que o capital monopoliza o território sem, entretantoterritorializar-se. Estamos, pois, diante do processo de monopolização doterritório pelo capital (Idem, 1996:24-25).

Portanto, a formação de latifúndios tem no seu constructo histórico a dimensão

do conflito deflagrados inicialmente com os indígenas (povos originários) e, em

seguida, com as comunidades quilombolas que foram se formando no período

escravocrata, constituindo uma disputa permanente entre latifundiários e a classe

camponesa.

4. Olhar para os ruralistas e “ romper as cercas da ignorância”

O protagonismo dos parlamentares nos debates desde os primeiros anos da

República, foi apresentado por Lígia Osório (2008), naquele período, grande questão

posta na agenda política, era a incapacidade dos proprietários de terra de

institucionalizarem o poder sobre as terras do território nacional, a participação dos

parlamentares foi decisiva nesta histórica passagem das terras públicas ao domínio

privado. Lígia Osório Silva (2008:105-107), ao escrever sobre “O primeiro projeto de lei

de terras” expôs na atuação legislativa a representação dos cafeicultores do Rio de

Janeiro. Neste estudo, a autora também examinou a atuação de senadores e deputados

representantes de fazendeiros latifundiários nas disputas pela regulação das terras cujo

projeto de lei melhor representasse seus anseios. Osório Silva (2008:153-179), ainda

evidenciou a participação do poder Legislativo, quando analisou a tramitação da lei nº

601, de 18 de setembro de 1850, a Lei de Terras. Como também procedeu no contexto

posterior da “Consolidação das leis civis”. No limiar deste contexto, que se desdobram contornos de um período que

favoreceu a formação da classe dos proprietários de terra no Brasil, é também na virada

do século XIX que a historiografia analisa o surgimento do ruralismo no Brasil.

Mendonça (2005) propõe recortar o ruralismo brasileiro ao longo da Primeira República

em contraposição à grande burguesia cafeeira paulista, identificada ou não com as

“oligarquias” dos estados da federação, para desvendar a materialidade dos canais

específicos de organização, expressão e difusão das demandas dos proprietários rurais

vinculados a setores/regiões distintos.Nota-se que na ditadura militar a ação dos ruralistas se dava pela forma de ação

direta de determinadas lideranças de cada segmento ou produto nas negociações com os

governos. O que quer dizer que durante os governos militares o termo ruralista como

autodenominação ou como termo identificador não era usado e sim ‘nós os

proprietários’, ‘nós os empresários5. Ou seja, a autodenominação e a identificação de

ruralista irrompem com Ronaldo Caiado e a União Democrática Ruralista, a UDR, no

5 Em sua tese de doutorado Bruno (2002) apresenta o discurso adotado pelos proprietários de terra na construção deuma identidade entre eles, através de uma “retórica patronal” que evoca a figura do produtor e empresário ruralcapitalista como legítima e que, ao mesmo tempo, desqualifica o “trabalhador rural” nos anos 1980. BRUNO, ReginaÂngela Landim.” O ovo da serpente: monopólio da terra e violência na nova república”. 2002. 316p. Tese(Doutorado)- Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2002.

bojo da democracia formal e representativa, que ocorreu durante a Nova República,

quando começaram a atuar de forma organizada no Congresso Nacional (Constituinte

1986-1988). Oliveira (2001: 192-200) se refere a esse contexto de crescimento brutal da

violência no campo como reação “militarizada” dos latifundiários para frear a

implementação do IPNRA6. Neste momento parece ter sido criado esse conceito de

Bancada Ruralista e aparece em uma nova forma de ação parlamentar, a organização da

Frente Parlamentar da Agropecuária foi um momento em que a Bancada Ruralista

procurou, como o nome diz, ampliar suas alianças e superar algumas divergências

internas.É importante lembrar que, naquele momento foi articulada, em 1986, a Frente

Ampla da Agropecuária, e na mesma década de 1980, também foi constituída a União

Democrática Ruralista (UDR). Foi este o contexto destas articulações dos latifundiários

que projetaram nacionalmente estes sujeitos (Bancada Ruralista e UDR) na aparente

desordem dos conflitos agrários no Brasil, já na tentativa da transição para a

consolidação do vindouro período democrático. A participação destes representantes ou pertencentes das elites agrárias do país

no processo de territorialização do capital na agricultura no Brasil se dá via controle da

estrutura burocrática legal do Estado e uso de instrumentos jurídicos (através da

proposição, votação e disputa por a participação em Comissões, Projeto de Emenda

Constitucional - PECs, Projeto de Leis - PLs; Medidas Provisórias - MPs; Planos e

Orçamentos; Fundos, etc.). Como também, via burla da Constituição Federal (grilagem

de terras públicas, cerco e posse de terras, proposição de projetos de lei

inconstitucionais). De acordo com Oliveira (2007:148):

Dessa forma, as elites nacionais vão se tornando proprietárias de terras ecapitalistas da agricultura para produzirem mercadorias para o mercado mundial.Estas elites são, portanto, parceiras e muitas vezes sócias dos monopóliosmundiais do agronegócio. Não há diferença entre eles, pois as elites defendemaqui os interesses do capital mundial. São estas elites que estão grilando as terraspúblicas do país. (Idem, 2007:148)

No bojo destas questões, os deputados federais ruralistas portam-se como

defensores das grandes empresas do agronegócio, as empresas multinacionais e

nacionais dos grãos e de outros setores, tais como: ADM, Cargill, Bunge, Louis

Dreyfus, Amaggi, Caramuru, Cutrale, Citrosuco, Votorantin, Nestlé, Pepsico, Danone,

6 Refere-se ao I Plano Nacional de Reforma Agrária (IPNRA)- Ariovaldo Umbelino de Oliveira. “A longa marchado campesinato brasileiro: movimentos sociais, conflitos e Reforma Agrária” Revista Estudos Avançados 15 (43),2001. Pp. 185-206. Sobre este contexto de organização dos latifundiários frente ao IPNRA, ver também o texto deRegina Bruno (2009) “Um novo campo de conflito agrário. As associações patronais em defesa da propriedade e omovimento de ocupação de terra durante a Nova República” In: Um Brasil Ambivalente - Agronegócio, Ruralismo eRelações de Poder, Rio de Janeiro: Mauad X; Seropédica, RJ: EDUR, 2009. Pp.63-112

Aracruz, Friboi, Bertin, ou como representantes de entidades, organizações, agências

que representam os interesses dos ruralistas tais como: Confederação Nacional da

Agricultura; Sociedade Rural Brasileira; Organização das Cooperativas do Brasil, União

Democrática Ruralista, Conselho Nacional do Café, Associação Brasileira dos

Criadores de Zebu, dentre outras. Os conflitos no campo reforçados pela representação

ruralista no Congresso, desdobram de motivações particulares, ou de grupos familiares

que se articulam e territorializam a defesa de um interesse ou projeto de classe.Consideramos que a Bancada Ruralista tem, desde seu surgimento, se mostrado

um sujeito social chave nos desdobramentos políticos e na proposital persistência da

questão agrária. Sendo assim, mostra-se indispensável, na leitura dos conflitos agrários,

atentarmo-nos nas ações dos proprietários de terra, que foram ou ainda são senadores,

deputados federais e estaduais, governadores, prefeitos nos diferentes contextos

históricos. Isso porque, além do apoio político-ideológico destes parlamentares entregue

a classe dos proprietários de terra, deve ser lembrado também o envolvimento direto dos

políticos nas disputas e conflitos pela terra no Brasil.O que se desenha neste processo é uma apropriação do Estado, uma tentativa de

controle do território, e os consequentes conflitos travados entre ruralistas, contrários

aos camponeses, quilombolas e indígenas numa disputa desigual pelo território, em que

a balança do aparato estatal pesa a favor dos capitalistas e dos rentistas. Cabe aqui

retomar a crítica feita por Martins (2011:08) às instituições políticas no Brasil.

Nosso regime fundiário, inventado no século XIX para assegurar relaçõesretrógradas de trabalho em substituição à escravidão que terminava,implantou se como mediação irremovível de nosso capitalismo de extremosdesencontrados. Um capitalismo que concilia processos econômicos deponta, de alta ciência e sofisticada tecnologia, e elaboradas relaçõestrabalhistas, com relações servis de trabalho, que vão até o limite daescravidão por dívida. O latifúndio e as instituições políticas que delenasceram e permaneceram criaram no Brasil um tipo de mentalidade quedomina os valores e domina as condutas, sobretudo a conduta política. Olatifúndio se foi, já não é o mesmo do longo período da história pré-modernado Brasil. No entanto, ficou o seu legado, a armadura das instituições, até arebeldia social desmentida todos os dias por um conformismo preguiçoso,uma desmemória antipolítica, uma espera messiânica, um milenarismoretrógrado, um apreço reacionário pelas aparências. Martins (2011:08)

Na história agrária brasileira, tal conduta política que relaciona intimamente

instituições estatais com os latifundiários, podem ser lidas, dentre tantos outros

exemplos, nos contextos nacional e estadual apresentados respectivamente por

Ariovaldo Umbelino de Oliveira (2001) e Feliciano (2010). Oliveira (opcit: 192-200)

descreveu “A longa marcha do campesinato brasileiro: movimentos sociais, conflitos e

Reforma Agrária”7 ao traçar um percurso histórico da luta desenvolvida pelos

camponeses pela terra no Brasil, no contexto da “Nova República” a mobilização dos

latifundiários frente ao I Plano Nacional de Reforma Agrária (IPNRA) e o aumento da

violência no campo a partir da ação da UDR. Enquanto, na tese de doutorado de Carlos

Alberto Feliciano (2009:77-83), “Território em disputa: terras (re)tomadas no Pontal

do Paranapanema” contextualizando as disputas travadas frente ao I PNRA, ele trará

articulação ruralista diante deste contexto. Buscou situar o surgimento da UDR e da

Bancada Ruralista. Mais adiante em seu texto (Feliciano, op.cit.: 114-153) vai

questionar a não realização da reforma agrária no governo do ex-presidente Luiz Inácio

da Silva e realça o protagonismo da Bancada Ruralista neste contexto debatendo a ação

da Bancada Ruralista diante da questão da CPMI da Terra. Neste trabalho Carlos

Feliciano trouxe uma importante contribuição para o entendimento da ação do Estado

diante dos conflitos de terra no Pontal do Paranapanema, pois discutiu a ação da UDR

no Pontal frente a organização dos movimentos de luta pela terra na década de 1990.

“Mas a divisão e formas de atuação da classe ruralista, esteve nítida no Pontal. De

acordo com um ex-secretário de Justiça e da Defesa da Cidadania, houve um racha

dentro da classe, e o Estado aproveitou para convencer os proprietários a negociar a

terra.” (FELICIANO, op.cit.:395) Em seguida, o autor apresenta arquivos que mostram

as posturas e posicionamentos adotados pela UDR, MST e ITESP diante das disputas e

posicionamento com a política do governo no final dos anos de 1990.

5. E no presente, o ruralista “produz a intolerância”

A geopolítica ruralista em curso tem na sua concepção atrasada a expansão de

propriedades pelo território que culmina em enfrentamentos diretos ou indiretos e

conflitos por terras envolvendo os camponeses8 (posseiros, agregados, sitiantes e os

movimentos sociais organizados no campo), incluindo também disputas por porções dos

7 Ariovaldo Umbelino de Oliveira. “A longa marcha do campesinato brasileiro: movimentos sociais, conflitos eReforma Agrária” Revista Estudos Avançados 15 (43), 2001. Pp. 185-206. Este contexto será aprofundado pelo autornos capítulos “O I PNRA e o governo da “Nova República” e “A Constituinte de 1988 e a derrota do I PNRA” In:Modo capitalista de produção, agricultura e reforma agrária, Oliveira (2007).8 Martins (1981: 21-22) escreve que a inserção das palavras “Camponês” e “Campesinato” no vocabulário brasileirose deu, a partir da política nos anos 1950. Anteriormente denominados por caipira, caiçara, tabaréu, caboclo. Nestetexto também define, diferencia e discute as diferentes formas de luta dos posseiros, arrendatários e pequenosproprietários. Quando escreve sobre Função Econômica e Composição do Campesinato Brasileiro: agregados,sitiantes e posseiros: “Mas não somente os agregados constituiam o campesinato da época. Também havia osposseiros e os sitiantes. Ambos às vezes se confundiam, porque a condição de posseiros dizia respeito à relaçãojurídica com a terra, quando o camponês tinha a posse, mas não tinha o domínio. O sitiante era o pequenoagricultor independente, dono de um sítio, um lugar na terra, e não de uma semaria. Agregados e moradores eramtambém, no entanto, tidos como sitiantes, já que sua área de roça no interior da fazenda também era definida comosítio, ou roçado.” (Idem: 21-22)

territórios das comunidades indígenas e quilombolas para a expansão de áreas para o

agronegócio junto a todas questões socioterritoriais ligadas a este modo de produzir na

agricultura. Nesta celeuma os políticos ruralistas são sujeitos sociais ativos na dinâmica de

expansão capitalista da agricultura ocupando posição de destaque na questão agrária

brasileira quando se apropriam das terras do território para auferir a renda da terra ou

para a expansão do capital na agricultura. Com intuito de defender seus interesses de classes, senadores e deputados

federais se organizam na Bancada Ruralista no Congresso Nacional. Esta é formada por

parlamentares oriundos de partidos distintos dispostos a defender um assunto ou tema

específico que em ultima instância culminam na defesa da propriedade da terra e da

expansão capitalista na agricultura. Ou seja, um grupo de parlamentares que se

mobilizam para defender no Congresso Nacional os interesses ruralistas, encaminhando

Projetos de Lei, mobilizando suas bases eleitorais e outros deputados e senadores

aliados para fazerem pressão sobre o Congresso e o Governo. Além da autoidentificação

como ruralistas, em geral, existem diferentes formações profissionais e ao longo de suas

trajetórias políticas exerceram ou exercem cargos públicos eletivos ou não eletivos de

esfera municipal, estadual e federal. Os deputados federais podem ascender a outras

posições no Senado Federal, nos Ministérios e manterem suas articulações com a

bancada na Câmara dos Deputados, como também podem transitar para outros cargos

do Legislativo e do Executivo.Nos três últimos governos, dos presidentes Fernando Henrique Cardoso (FHC),

Luiz Inácio da Silva e Dilma Rousseff, as políticas têm favorecido o avanço do

agronegócio e o fortalecimento da Bancada Ruralista. O primeiro foi marcado pela

consolidação e avanço das políticas neoliberais no país, como também pelas ações dos

movimentos sociais no campo, que se opuseram às políticas deste período, dentre elas

as de privatizações do setor energético e das telecomunicações, bem como de expansão

do agronegócio que pressionou a fronteira agrícola sobre o domínio amazônico. No

governo seguinte, de Luiz Inácio da Silva, as políticas ruralistas inconclusas no governo

anterior foram levadas a cabo e avalizadas pela bancada de representação dos interesses

da classe dos proprietários de terra no Congresso Nacional. Sendo assim, a questão

agrária recente no país inclui novas e velhas questões demandadas pelos ruralistas no

sentido de frear um possível avanço da justiça social no campo, alargando as

possibilidades de ampliação do agronegócio no território brasileiro.

No governo de FHC, ocorreu a primeira renegociação da dívida agrícola através

da Lei nº. 9.138 de 29/11/95 e, posteriormente, no segundo mandato, a 2ª renegociação

das dívidas agrícolas Lei nº. 9.866 de 9/11/99. A renegociação das dívidas agrícolas foi

incorporada como pauta da bancada ruralista naquela legislatura e teve sequência no

governo Luis Inácio, assim como o Projeto de Lei 1876/99 que tratou de assuntos

relativos à criação do novo Código Florestal Brasileiro, que após conflituosa tramitação

ao longo desta última década, em 06/07/12, recebeu parecer favorável nas comissões do

Senado e da Câmara, pela sua alteração, foi sancionado foi aprovado pelos ruralistas e

vetado parcialmente da presidente Dilma Rousseff). A consolidação do neoliberalismo

no governo FHC influenciou nos desdobramentos para a política agrícola do país,

reforçando a posição privilegiada das elites agrárias naquele contexto de transformações

da política econômica mundial. Por sua vez, se for considerada a imbricada posição que

ocupa na defesa dos interesses da classe dos proprietários de terra, a Bancada Ruralista,

naquele governo promoveu avanços em pautas que tiveram reflexos imediatos sobre a

territorialização do capital na agricultura. Compreender a derrota da reforma agrária e de seus defensores e a vitória dos

latifundiários permite entendermos o reino do modelo do agronegócio no período

subsequente até os dias de hoje. A política de crédito talvez seja o exemplo mais

evidente do poder do agronegócio. Somente uma organização muito bem articulada,

suficientemente poderosa e influente poderia transformar seus créditos em subsídios

através da renegociação permanente e perdões de suas dívidas com a utilização de

recursos públicos. Seria através dessa prática que o agronegócio se sustentaria

economicamente9. Todos os tipos de recursos, políticas econômicas e incentivos

passaram a ser dados para a expansão da empresa rural monocultora, até mesmo em

momentos de crises externas10.

9 “Assim, ao arrancar subsídios extraordinários ao governo, o agronegócio poderia novamente impulsionar aprodução nacional de grãos na década subsequente.” (ACSELRAD, 2012:71) “Assim, manteve-se o interesse dogrande proprietário pelo crédito rural, cuja vantagem crucial foi desde então oferecer ao menos parte do capital doagricultor a custos subsidiados pelo controle dos juros e pela chamada equalização, que isenta o tomador dopagamento de uma parte do custo do crédito, paga pelos cofres da União.” (ACSELRAD, 2012:122)10 “ (...) vantagens da maciça atração de capitais externos e dos períodos de apreciação do real para captar recursosoriginários de transações com empresas brasileiras e estrangeiras, valendo-se ao mesmo tempo do socorro do governoquando a área externa da economia entrava em crise.” (ACSELRAD, 2012:83). “(...) a política de financiamento ruralprivilegiaria grupos setoriais de peso político estratégico para a estabilidade dos governos, sobretudo daquelesconstituídos pelo voto direto, a partir de 1988. Na década de 1990, é altamente provável que tais grupos tenham sidocontemplados de maneira especial pelos programas do SNCR, em benefício da estabilidade política do governo.Grandes empresários da economia rural, por aspectos teóricos e empíricos da macroeconomia liberal e do SNCR,teriam boas razões para se acomodarem politicamente às reformas dos anos 1990” (ACSELRAD, 2012:.iv). “Mesmoassim, nas décadas de 1980 e 1990 o agronegócio pareceu ser penalizado com a liberalização. “[em 1999] o diretor deEconomia Agrícola do Ministério da Agricultura, Edilson Guimarães, admitiu plenamente a concentração dosdébitos. E acrescentou: o pagamento em dia das parcelas diminuía à medida que aumentava o valor da dívida. Assim,a inadimplência era maior entre os grandes devedores - talvez os maiores beneficiários da repactuação geral”(ACSELRAD, 2012:162). “(...) privilégio de grandes empresários rurais no acesso ao crédito subsidiado concorre

No governo do presidente Luiz Inácio da Silva houve uma sequência desse

processo, reforçado ainda por novas pautas que estão expressas na articulação ruralista

diante de projetos que impedem o avanço da justiça social no campo e alargam as

possibilidades do avanço do agronegócio. Entre esses projetos estão: I) Projeto de

Emenda Constitucional nº 265/2004, a PEC do Trabalho Escravo; II) Comissão

Parlamentar Mista de Inquérito da Reforma Agrária e Urbana - CPMI da Terra; III)

Medidas Provisória 422 convertida na LEI Nº 11.763, de 1º de agosto de 2008; IV) Medida

Provisória 458 convertida na LEI Nº 11.952, de 25 de junho de 2009 ; e V) CPI do MST -

Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para investigar supostos repasses de verbas

públicas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Isso nos leva a refletir sobre os fundamentos da política brasileira, conforme

escreveu Martins (2011)

(...) através das mediações que a traduzem em questão política, a questãofundiária, em particular o latifúndio e a tendência latifundista da propriedadeda terra no Brasil, continua a reger os fundamentos da política brasileira,mesmo através das ações de quem latifundiário não é.” Martins (2011:07)

Na atualidade, o que está em questão, é que as pautas dos latifundiários e

empresários do agronegócio, quando colocadas no embate político são na maioria

vencidas pela Bancada Ruralista no Congresso (que em sua maioria são pecuaristas e

rentistas), trazendo severas consequências no interior da questão agrária, uma vez que o

cerne da agenda ruralista é a apropriação das terras, em grande parte já ocupadas pelos

camponeses e também pelos quilombolas e indígenas.Sendo assim, investidos de poder pelos capitalistas da agricultura nas entidades

de representação de interesse patronal, pelos eleitores através do voto (nos cargos

públicos eletivos e outras posições na estrutura burocrática do Estado), e protegidos

pelo sobrenome e pelo patrimônio, os ruralistas tem travado um luta contra a classe

camponesa, os povos indígenas e quilombolas e intentam cercear os seus direitos

escrevem mais capítulos sangrentos na história da apropriação do território nacional. O

Mapa 01 representa a localização dos conflitos no campo e disputas pelo território, em

que os ruralistas estiveram envolvidos diretamente, em levantamento realizado até 2012.

para explicar o apoio das elites do agronegócio a governos neoliberais que, na década de 1990, instalaram umambiente de escassez de recursos financeiro” (ACSELRAD, 2012:170)

Mapa 01 – RURALISTAS: conflitos no campo e disputas pelo território

Este mapa representa a localização das áreas onde as práticas ruralistas de

grilagem de terras, “escravidão temporária”, enfrentamento direto de deputados e

senadores com movimentos sociais organizados, sobretudo, onde tem ocorrido uma

disputa geopolítica pelos territórios indígenas para dispor destas terras para a agressiva

expansão do agronegócio. As terras improdutivas declaradas ao INCRA (2003) pelos

ruralistas, somam 218.853 hectares, além daquelas terras improdutivas em nome das

empresas 279.082 hectares que poderiam resolver parte da demanda das famílias

acampadas a mais de uma década, em beira de estrada. Portanto, se há uma omissão do

Estado quanto a esta questão, é porque a elite agrária encontra-se organizada em várias

frentes e não permite nenhum avanço na regulação do território, pelo contrário, a

incursão emergente no discurso da Bancada Ruralista é no sentido de atravancar e

retroceder na ampliação dos direitos conquistados pela Constituição de 1988.

6- A permanência da questão agrária “Ser e ter o sonho por inteiro, ser sem-terra,

ser guerreiro, com a missão de semear a terra, terra”

Se em algum momento a questão agrária foi posta em discussão e parecia que

seria solucionada foi a partir da década de 1950 e, sobretudo, no início dos anos 1960.

No entanto, a ditadura civil-militar, sua “solução” conservadora11 para a questão agrária

11 Além da adoção dos padrões de produção da revolução verde, o governo civil-militar criou também uma“resposta” à reforma agrária. Logo após o golpe, criou-se o estatuto da terra que visava substituir o ambicioso projetode reforma agrária proposto no governo Goulart. O Estatuto da Terra de 1964 fora uma fantasia modernizante queescondia o seu verdadeiro caráter conservador. Este tinha em seu artigo segundo a garantia a todos de acesso àpropriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei, que previa, em seu primeiroparágrafo, que a propriedade da terra deveria, simultaneamente: favorecer o bem-estar dos proprietários e dostrabalhadores que nela trabalham, assim como de suas famílias; manter níveis satisfatórios de produtividade; assegura

e a constituição do modelo do agronegócio não só aprofundaram os velhos problemas,

mas também geraram outros novos.

Esse fora o “novo” caminho do desenvolvimento econômico brasileiro, mesmo

que isso implicasse em uma maior dependência12. Ao contrário do que se afirmar

insistentemente que é o agronegócio quem sustenta a economia brasileira, o que se

verificou na prática, como mostra a política de crédito rural, é o contrário13. É na

verdade a economia brasileira, ou seja, o povo brasileiro quem, a duras penas,

sustentava e ainda sustenta o agronegócio14.

Esse modelo, além de ser um sanguessuga dos recursos públicos, ao contrário de

resolver a questão agrária, ele a complexificou. Hoje, a questão agrária se caracteriza,

principalmente, pelos seguintes aspectos: difícil acesso à terra; numerosos latifúndios

improdutivas para especulação (que muitas vezes se encontram disfarçadas de

pastagem); os conflitos entre latifundiários e indígenas, camponeses, quilombolas,

ribeirinhos, extrativistas, pescadores e os assassinatos de lideranças de movimentos e

trabalhadores são crescentes; o êxodo rural torna as grandes cidades cada vez mais

inchadas; os camponeses permanecem em meio à pobreza; aumento dos desmatamentos

pela expansão da fronteira agrícola; desgaste crescente do solo; contaminação do solo e

das águas; contaminação exponencial dos trabalhadores rurais que têm contato direto

com veneno na lavoura; o aumento dos preços dos alimentos; e contaminação de boa

parte dos alimentos que compõe a alimentação básica dos trabalhadores brasileiros.

As pesquisas da Comissão Pastoral da Terra mostram, anualmente, a tendência

crescente dos conflitos e a manutenção desde a década de 1990 dos assassinatos no

a conservação dos recursos naturais; e observar as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entreos que a possuem e a cultivam. No entanto, essa lei não seria cumprida.12“a agricultura sob o capitalismo monopolista mundializado, passou a estruturar-se sobre três pilares: na produçãode commodities, nas bolsas de mercadorias e de futuro e nos monopólios mundiais. Primeiro, visou transformar todaprodução agropecuária, setor de celulose e madeira plantada e extrativista, em produção de mercadorias para omercado mundial. Portanto, a produção de alimentos deixou ser questão estratégica nacional, e, passou a sermercadoria a ser adquirida no mercado mundial onde quer que ela seja produzida. (...) Segundo, as bolsas demercadorias e futuro tornaram-se o centro regulador dos preços mundiais das commodities (...) Terceiro, aconstituição dos monopólios mundiais permitiu o controle monopolista da produção das commodities do setor. (...)As empresas mundiais nasceram pois, tanto de empresas estrangeiras como das nacionais que possuindo o controlemonopolista da produção galgam o patamar mundial associando-se majoritariamente com empresas nacionaisconcorrentes. Essas empresas articulam-se através de dois processos monopolistas territoriais no comando daprodução agropecuária mundial: a territorialização dos monopólios e a monopolização dos territórios.” (OLIVEIRA,2012:7)13 “O Banco do Brasil (BB), criado em 1808, teria na década de 2000 cerca de 70% de sua carteira destinada ao agronegócio, provendo 60% do crédito rural distribuído no País (Acevedo & Delgado, 2003: 175). Com ele, o Brasil tornou-se um dos casos históricos de maior sucesso da intervenção do Estado em favor do desenvolvimento capitalista no setor agrícola.” (ACSELRAD, 2012:31)14 “Afirma-se, habitualmente, que o setor agrícola de exportação subvenciona a economia brasileira, quando averdade é o inverso disso: a economia brasileira é que subvenciona o setor agrícola de exportação. (apud Rodrigues,2005: 95).” (ACSELRAD, 2012: 30)

campo, que na maioria das vezes, terminam com a impunidade. São diárias as notícias

de assassinatos, não só de lideranças de movimentos e sindicatos, mas de trabalhadores

de modo geral, indígenas e quilombolas, e são também frequentes os massacres, como o

de Eldorado dos Carajás em 1996, onde foram brutalmente assassinadas 19 pessoas, e o

de Felisburgo, onde morreram 5 pessoas e 12 foram feridas a balas.

Tabela 1 - Comparação dos Conflitos (2004-2013)

Fonte: CPT, 2013

O mais recente levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT, 2013), nos

mostra (Tabela 01) as situações de violência no campo, assassinatos, superexploração,

imersos num conjunto de conflitos trabalhistas, conflitos por terra e também por água. O

número de ocorrências de conflitos por terra aumento de 2004 para 2013, passando de

752 chegando a 763 ocorrências. As ocupações e retomadas de terra diminuíram, mas

numa proporção muito inferior aos assassinatos no campo que foram de 37 pessoas

mortas em 2004 para 29 em 2013, embora o número de pessoas envolvidas tenha caído

quase que pela metade15. Ou seja, podemos dizer que de 2004 a 2013 a proporção de

pessoas assassinadas por pessoas envolvidas em conflitos dobrou. Já no caso indígena,

os números são ainda mais assombrosos16. Podemos concluir, portanto, que ainda que o

15 Em 2013 estiveram envolvidas em conflitos 435.075 pessoas, enquanto em 2004 haviam sido 965.710.16Em artigo assinado por Dom Erwin Kräutler, presidente do CIMI e por Dom Enemésio Lazzaris, presidente daCPT, publicado na Folha de São Paulo, no dia 17/09/2013, relata-se: “No Mato Grosso do Sul, a Terra Kadiwéu,

número de assassinados tenha reduzido, acirrou-se a violência e brutalidade dos

latifundiários em conflitos pela terra.

A Tabela 01 mostra também os conflitos por água no Brasil. Esses somaram 93

casos, revelando a face da privatização da água a serviço do grande capital e

monopolização deste recurso (na produção de grãos, celulose e papel, nas grandes obras

de engenharia como as barragens como Santo Antônio e Jirau no Rio Madeira, Belo

Monte no Rio Xingu e o desastroso projeto de Transposição do São Francisco). Os

conflitos relacionados com a questão hídrica no Brasil revelam que a geopolítica

nacional, pra esta questão, anda na contramão da democratização dos recursos e da

discussão ambiental necessária para manutenção da vida nos ecossistemas, bem como

da reprodução social das comunidades ribeirinhas envolvidas neste conflito.

De acordo com Carlos Walter Porto-Gonçalves e Danilo Pereira Cuin

“Geografia dos Conflitos por Terra no Brasil (2013), Expropriação, violência e r-

existência, da expansão do agronegócio e das terras ruralistas”, confirmam que o Estado

foi protagonista nos conflitos no campo, sobretudo nas obras do Programa de

Aceleração do Crescimento (PAC) envolvendo obras de complexo industrial-portuário.

Agravando ainda mais este contexto, a ação ruralista tem incidido sobre os territórios

indígenas, principalmente nos estados do Mato Grosso do Sul e da Bahia.

Primeiramente, a articulação da Bancada Ruralista se deu frente a demarcação da Terra

Indígena Raposa Serra do Sol, que através da PEC 215/2000 pretende retomar esta

pauta. Enquanto, o Projeto de Emenda Constitucional PEC 215/2000 tem como

proposta “acrescenta o inciso XVIII ao art. 49; modifica o § 4º e acrescenta o § 8º

ambos no art. 231, da Constituição Federal.” Não sendo suficiente, os parlamentares

ruralistas agirem na ilegalidade na expansão de suas terras, pretendem através desta

PEC, inserir na Carta Magna “as competências exclusivas do Congresso Nacional a

aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a

ratificação das demarcações já homologadas; E ainda pretende estabelecer “os critérios

e procedimentos de demarcação serão regulamentados por lei.”

Ainda são frequentes as denúncias de trabalho escravo ou análogo ao escravo

por todo o Brasil. A superexploração dos trabalhadores rurais, que se manifesta pelas

demarcada a há cem anos e homologada há quase 40, continua invadida. Relatório do CIMI ( Conselho IndigenistaMissionário) registra que, de 2003 a 2012), ocorreram no Estado 317 assassinatos de indígenas, dos 563 ocorridos nopaís nesse período. (CPT, 2013).

baixíssimas remunerações17, se dá também pelos maus-tratos e pelo encarceramento por

“dívida”. Apesar de esse fator ser um requisito para que propriedades sejam

desapropriadas para fins de reforma agrária, não é o que se verifica na prática.

Geralmente, quando há constatação, o que ocorre no máximo é uma modesta

indenização. Desde o ano 2000 circula na Câmara uma Proposta de Emenda à

Constituição (PEC) que pretende desapropriar sem indenização as propriedades que

possuírem trabalho escravo. No entanto, há mais de 13 anos, o projeto está emperrado

porque os ruralistas julgam ser muito difícil definir o conceito de trabalho escravo. O

que mostra mais uma vez a força política desses grupos, que sem qualquer tipo de

pudor, querem relativizar os direitos humanos.

Os conflitos trabalhistas (trabalho escravo e superexploração), tiveram nesta

última década uma considerável redução dos números. Possivelmente devido uma

intensificação da ação Ministério Público Federal nestes casos. Vale ressaltar que essa

questão não é uma realidade estrita ao Brasil e ao trabalho no campo, mas é reproduzido

também no trabalho na indústria, e em outros países configurando um fenômeno

inerente à reprodução do capitalismo mundializado.

A situação a qual os trabalhadores se veem obrigados a vender sua força de

trabalho está ligada diretamente a falta de acesso à terra, fruto da crescente

concentração, da grilagem e do descumprimento da legislação, o que caracteriza a

questão fundiária. Segundo o Censo de 2006 do IBGE, enquanto 44,5% dos

proprietários de terra possuem apenas 2,36% do total de área cultivada, cerca de 0,27%

dos proprietários possuem quase 30% dessa área. Uma parte de monocultivo, outra

improdutiva18, incluindo terras de grandes empresas e, até mesmo, bancos públicos e

privados19, que se fundem constantemente20.

17 “Os baixíssimos rendimentos do trabalho no campo evidenciam a estreita correlação entre agronegócio esuperexploração do trabalho – fato que se manifesta no fato de que atualmente o rendimento médio dos trabalhadoresrurais pobres é de aproximadamente 80% do salário mínimo e que o rendimento médio dos trabalhadores rurais nãopobres é 40% inferior ao rendimento médio nacional.” (SAMPAIO JR., 2012:2)18 No cadastro do Incra as propriedades produtivas são assim caracterizadas, enquanto quando se referem àsimprodutivas é utilizado o símbolo “***”.

19 Dentre os maiores proprietários estão: 1º - MOACIR ELOY CROCETTA BATISTA CIA LTDA com 246.467 hectares(ha); 2º PARANCRE com 195.309 ha; 3º - JONAS AKILA MORIOKA com 175.142 ha; 4º- BANCO DO BRASIL S/A com quase 165 mil ha; 5º – MAGESA com 132.878 ha; 6º - BANCO BRADESCO S/A com 131.347 ha; e 7º - CIA MELHORAMENTOS DO OESTE DA BAHIA com 121.411 ha.

20“O setor sucroenergético até a década de 90 era predominantemente ocupado por empresas de origens familiaresnacionais. Com a constituição da Cosan (uma aliança entre a família Dedini e parte da família Ometto) a empresalançou ações nas bolsas de valores nacional e internacional, comprou a Esso Mobil no Brasil e depois constituiu jointventure com a Shell, dando origem à Raizen. Ninguém comprou ninguém, apenas aliados associaram-se no mesmonegócio.” (OLIVEIRA, 2012:1-15). Ainda de acordo com Oliveira (2012:9) no setor de celulose e de madeiraplantada o processo de fusão apresenta aparentemente processo inverso ao setor sucroenergético, ou seja, são osgrupos nacionais "comprando", quer dizer, fundindo-se com grupos internacionais. O autor explica que o GrupoVotorantim comprou as ações do grupo norueguês Aracruz Celulose, depois da venda de 49,99% das ações do Banco

A crescente concentração de terras foi e é o fator determinante da expulsão da

população rural para as cidades, dando origem e aprofundando o problema do inchaço

dos grandes centros urbanos e à Questão Urbana. Iludida com a possibilidade de

conseguir um emprego, expulsa à força do campo e impossibilitada de retornar, uma

grande massa de trabalhadores deslocou-se para as cidades. Os processos que levaram à

modernização da agricultura e ao crescimento acelerado da indústria foram os grandes

responsáveis pelo aumento da pobreza no campo e o processo desgovernado de

urbanização21 que hoje se reflete no problema do emprego e do subemprego, da

moradia, da mobilidade e do transporte, da indigência, da violência, da favelização, da

moradia, do saneamento e da especulação imobiliária.

Essa concentração de terras, além de ter também como objetivo a pura

especulação, teve seu crescimento na produção de monoculturas de exportação. Ao

consolidar o modelo do agronegócio, em um curto espaço de tempo, o Brasil passou de

exportador de produtos alimentícios para importador líquido desses mesmo produtos22 a

caminho de ser um dos maiores exportadores de commodities do mundo. Não é atoa que

os preços dos alimentos no Brasil são tão altos23. Se 70% da produção de alimentos

provém da agricultura familiar, que foi reduzida ao longo dos anos e tende a ser

reduzida ainda mais enquanto aumenta a população urbana, não é difícil imaginar

porque os preços dos alimentos subiram e ainda são impressionantemente caros em um

país de proporções continentais e com terras férteis em quase toda sua extensão. A

produção de alimentos no Brasil é sistematicamente substituída pela produção de

commodities, tanto pelos incentivos à produção como pelos incentivos à venda,

reduzindo a produção de alimentos e elevando seus preços.

É importante destacar ainda que os alimentos não chegam caros à mesa do

trabalhador porque o agricultor cobra altos preços pelos seus produtos, mas ao contrário,

esse fica com apenas uma pequena parcela do preço final do produto, enquanto os

atravessadores e as redes de distribuição (que configuram grandes oligopsônios), ficam

com a maior parte da venda ao consumidor final.

Votorantin para o Banco do Brasil.21 “modernização acelerada da agricultura e o elevado crescimento da indústria vieram acompanhados dacontinuidade da pobreza no campo e de um processo caótico de urbanização acelerada que generalizou o problema dosubemprego para as grandes metrópoles” (SAMPAIO JR., 2012:18). 22 “De grande exportador de arroz, algodão e milho, Brasil se tornaria importador líquido desses produtos (Lopes,1992).” (ACSELRAD, 2012:83)23 “A escolha acarretou a escassez de recursos para os demais ramos da agricultura, afetando particularmente a produção de gêneros essenciais à alimentação das populações urbanas, com a consequente alta do custo de vida, penalizando a indústria ao elevar seus custos e restringir sua demanda (Burbach & Flynn, 1982: 103, 110-111).” (ACSELRAD, 2012:31-32)

O processo expandiram das grandes propriedades não se fez somente da

expropriação de terras de camponeses, mas também pela expansão da fronteira agrícola,

sobretudo no pantanal e na amazônia, expropriando, principalmente, indígenas e os

povos das florestas, causando um desmatamento assustador e sem precedentes.

Mais ainda, não foi e não é só através do desmatamento que a expansão do

latifúndio e do agronegócio cometeu atrocidades ambientais. A plantação de

monoculturas, de gêneros não nativos (como é o caso do eucalipto) e o uso crescente de

agrotóxicos destroem a biodiversidade e os nutrientes da terra, contaminam os

mananciais e as pessoas que consomem esses produtos (direta ou indiretamente), os

vizinhos das propriedades e os trabalhadores rurais. Há ainda a questão dos

transgênicos que, além de destruírem a diversidade natural das sementes e patentear o

DNA, ainda são alvo de muitas dúvidas em relação aos danos que podem causar à

saúde. É importante ressaltar aqui que, ao contrário do que insistem em afirmar as

empresas produtoras (como Monsanto, Syngenta, Cargill e Bunge), os pacotes

combinados de transgênicos e agrotóxicos aumentam cada vez mais a necessidade de

utilização desse último, uma vez que ele causa a aceleração da seleção de pragas mais

resistentes.

Segundo Bombardi (2012:7), “O uso intensivo de agrotóxicos tem sido

responsável por milhares de mortes na última década (1900 casos de morte por

intoxicação por agrotóxicos no período de 1999 a 2009) e dezenas de milhares de

intoxicações no mesmo período (62 mil intoxicações notificadas, segundo o

SINITOX)”, ao mesmo tempo em que o número de intoxicações continuam muito

elevados. Essas intoxicações, muito comuns entre os trabalhadores das unidades

utilizadoras de agrotóxico e entre camponeses vizinhos a estas terras, tem sido também

cada vez mais comum entre a população urbana intoxicada por alimentos

“envenenados”, transformando essa questão em um problema de saúde pública nacional.

7. Considerações Finais

A elite agrária retrógrada, que descansa nas tramas da rede de poder

historicamente constituída, tem ampliado o capital na agricultura, usando o caminho

dito “moderno” as práticas mecanizadas dentro da lógica financeira atreladas com os

monopólios globais para produção de commodities, agro combustíveis, grãos, carne,

para exportação, ao passo que recorrem às práticas mais vis para obter a renda fundiária

no campo.Portanto, a questão agrária encontra-se na ordem dia, na desordem dos conflitos

e na emergência de uma solução, que nada mais é do que a reforma agrária. A

Constituição Federal de 1988, fruto de disputas que envolveram a organização e

reivindicação popular, prevê em seu artigo 184 que “compete à União desapropriar por

interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo

sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com

cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do

segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei”. Em seu artigo 186,

a Constituição define que a função social é cumprida quando a propriedade rural atende,

simultaneamente, os seguintes requisitos: aproveitamento racional e adequado;

utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

observância das disposições que regulam as relações de trabalho; exploração que

favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores24. No entanto, apesar de

constar na constituição a lei de reforma agrária, os problemas no campo não só

persistem, como aumentaram.

Nesse sentido, não há dúvidas que há uma questão agrária no Brasil e que, na

verdade, ela nunca foi resolvida e por isso os problemas econômicos, políticos, sociais e

ambientais só se agravaram ao longo do tempo, evidenciando a necessidade de uma

reforma agrária. Não a “política de assentamentos” das últimas décadas disfarçada de

reforma agrária, que na verdade, como se costuma dizer nos assentamentos: não passa

de uma política para “esconder pobre no mato”. Essa é, na verdade, uma contrarreforma

agrária, que tende a reduzir o número de assentamentos.

Dentro dessa luta, a reforma agrária deve, necessariamente, questionar o modelo

do agronegócio. Como pode um modelo que emprega apenas 26% da mão de obra no

campo e que produza apenas 30% dos alimentos consumidos no Brasil utilizar 70% das

terras disponíveis e concentrar 86% do crédito do setor rural25? Esse quadro preocupante e a não realização da reforma agrária só se explica pela

existência e força da classe dos proprietários de terra, que sequer permitem que se

imponha um limite para a propriedade da terra. Esses não admitem que a terra sirva

como meio de vida e sobrevivência, terra para moradia, terra para produção de

alimentos para as pessoas que habitam este território, como praticam os indígenas, os

24 O que já não é muito diferente do que era a Lei de Terras de 1964.25 IBGE-2010

quilombolas e a classe camponesa. Daí, a “Canção da Terra” do grupo Teatro Mágico,

que emprestou um pouco de poesia à frieza da questão dos nossos dias, nos parece

apropriada para arrematar este ensaio, que tal qual a questão agrária ainda não se

encerrou...

“Canção da Terra(O Teatro Mágico)

Tudo aconteceu num certo dia

Hora de ave maria o universo vi gerar

No princípio o verbo se fez fogo

Nem atlas tinha o globo

Mas tinha nome o lugar

Era terra, terra

E fez o criador a natureza

Fez os campos e florestas

Fez os bichos, fez o mar

Fez por fim, então, a rebeldia

Que nos dá a garantia

Que nos leva a lutar

Pela terra, terra

Madre terra nossa esperança

Onde a vida dá seus frutos

O teu filho vem cantar

Ser e ter o sonho por inteiro

Ser sem-terra, ser guerreiro

Com a missão de semear

À terra, terra

Mas apesar de tudo isso

O latifúndio é feito um inço

Que precisa acabar

Romper as cercas da ignorância

Que produz a intolerância

Terra é de quem plantar

À terra, terra”

Referências Bibliográficas

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BOMBARDI, L. M. “Agrotóxicos e agronegócio: arcaico e moderno se fundemno campo brasileiro”, 2012. Disponível em: aao.org.br/aao/pdfs/larissa-mies-bombardi-artigo-agrotoxicos-2012.pdf

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