A Avaliação Psicológica dos Vigilantes

2
1 VIEIRA, Carlos Eduardo Carrusca. A avaliação psicológica dos vigilantes: identificando os efeitos do trabalho sobre a saúde mental. Belo Horizonte: Sindicato dos Empregados de Empresas de Vigilância de Minas Gerais, 2009 (Texto informativo). A avaliação psicológica dos vigilantes: identificando os efeitos do trabalho sobre a saúde mental Carlos Eduardo Carrusca Vieira Professor da PUC Minas [email protected] A aprovação no exame psicológico é um dos pré-requisitos previstos pela Lei 7.102/83, regulamentada pelo Decreto 89.056/83, para que uma pessoa possa exercer a profissão de vigilante. Após ingressar na área da segurança privada, o vigilante deve se submeter a essa avaliação periodicamente, para que possa participar dos cursos obrigatórios de reciclagem profissional e permanecer em exercício da profissão. O procedimento de avaliação psicológica é um exame no qual o psicólogo deve avaliar as funções psicológicas e cognitivas do vigilante, e sua saúde mental, de uma forma mais ampla, analisando se as condições apresentadas pelo trabalhador lhe permitem o exercício da profissão. As avaliações são momentos importantes para identificar os possíveis danos causados pelo trabalho à saúde dos trabalhadores. Os efeitos do trabalho sobre a saúde muitas vezes são lentos e progressivos, podendo passar despercebidos pelos profissionais que avaliam os vigilantes. Frequentemente, os vigilantes se queixam de passar por psicotécnicos sem que sejam escutados de forma cuidadosa, o que dificulta o acompanhamento das condições de saúde da categoria. A ausência de uma entrevista de devolução clara e objetiva reforça a impressão dos trabalhadores de que a avaliação psicológica é uma mera burocracia. Por esses motivos, entendo que o avanço das reflexões e práticas na área da avaliação psicológica na vigilância é necessário. Em primeiro lugar, é fundamental exigir dos profissionais responsáveis a qualidade nas avaliações e a escuta cuidadosa das situações de trabalho, uma vez que elas ocupam lugar central no depoimento de vigilantes acometidos por transtornos mentais, muitas vezes associados às experiências laborais. É preciso que os avaliadores tenham um profundo conhecimento acerca do trabalho dos vigilantes. Mais do que saber o “perfil do candidato” é preciso saber também o “perfil do trabalho”, suas exigências e seus riscos reais! Para isso, é necessário escutar detidamente as experiências de trabalho e como cada uma delas afeta a vida do trabalhador. Mais do que saber o “perfil do candidato”, é preciso saber também o “perfil do trabalho”! O segundo ponto diz respeito às próprias avaliações periódicas. É também importante realizar avaliações comparativas do resultado atual da avaliação psicológica e daquele que fora obtido anteriormente. Isto permitiria visualizar certos problemas que evoluem silenciosamente, mas que se transformam em verdadeiras catástrofes e/ou doenças mentais, sendo erroneamente classificadas como “incidentes repentinos” ou “absolutamente imprevisíveis”. Todo acontecimento e doença mental têm uma história, e é preciso resgatá-la.

Transcript of A Avaliação Psicológica dos Vigilantes

Page 1: A Avaliação Psicológica dos Vigilantes

1

VIEIRA, Carlos Eduardo Carrusca. A avaliação psicológica dos vigilantes: identificando os efeitos do trabalho sobre a saúde mental. Belo Horizonte: Sindicato dos Empregados de Empresas de Vigilância de Minas Gerais, 2009 (Texto informativo).

A avaliação psicológica dos vigilantes:

identificando os efeitos do trabalho sobre a saúde mental

Carlos Eduardo Carrusca Vieira

Professor da PUC Minas [email protected]

A aprovação no exame psicológico é um dos pré-requisitos previstos pela Lei

7.102/83, regulamentada pelo Decreto 89.056/83, para que uma pessoa possa exercer a profissão de vigilante. Após ingressar na área da segurança privada, o vigilante deve se submeter a essa avaliação periodicamente, para que possa participar dos cursos obrigatórios de reciclagem profissional e permanecer em exercício da profissão.

O procedimento de avaliação psicológica é um exame no qual o psicólogo deve avaliar as funções psicológicas e cognitivas do vigilante, e sua saúde mental, de uma forma mais ampla, analisando se as condições apresentadas pelo trabalhador lhe permitem o exercício da profissão. As avaliações são momentos importantes para identificar os possíveis danos causados pelo trabalho à saúde dos trabalhadores. Os efeitos do trabalho sobre a saúde muitas vezes são lentos e progressivos, podendo passar despercebidos pelos profissionais que avaliam os vigilantes.

Frequentemente, os vigilantes se queixam de passar por psicotécnicos sem que sejam escutados de forma cuidadosa, o que dificulta o acompanhamento das condições de saúde da categoria. A ausência de uma entrevista de devolução clara e objetiva reforça a impressão dos trabalhadores de que a avaliação psicológica é uma mera burocracia.

Por esses motivos, entendo que o avanço das reflexões e práticas na área da avaliação psicológica na vigilância é necessário.

Em primeiro lugar, é fundamental exigir dos profissionais responsáveis a qualidade nas avaliações e a escuta cuidadosa das situações de trabalho, uma vez que elas ocupam lugar central no depoimento de vigilantes acometidos por transtornos mentais, muitas vezes associados às experiências laborais. É preciso que os avaliadores tenham um profundo conhecimento acerca do trabalho dos vigilantes. Mais do que saber o “perfil do candidato” é preciso saber também o “perfil do trabalho”, suas exigências e seus riscos reais! Para isso, é necessário escutar detidamente as experiências de trabalho e como cada uma delas afeta a vida do trabalhador. Mais do que saber o “perfil do candidato”, é preciso saber também o “perfil do trabalho”!

O segundo ponto diz respeito às próprias avaliações periódicas. É também importante realizar avaliações comparativas do resultado atual da avaliação psicológica e daquele que fora obtido anteriormente. Isto permitiria visualizar certos problemas que evoluem silenciosamente, mas que se transformam em verdadeiras catástrofes e/ou doenças mentais, sendo erroneamente classificadas como “incidentes repentinos” ou “absolutamente imprevisíveis”. Todo acontecimento e doença mental têm uma história, e é preciso resgatá-la.

Page 2: A Avaliação Psicológica dos Vigilantes

2

VIEIRA, Carlos Eduardo Carrusca. A avaliação psicológica dos vigilantes: identificando os efeitos do trabalho sobre a saúde mental. Belo Horizonte: Sindicato dos Empregados de Empresas de Vigilância de Minas Gerais, 2009 (Texto informativo).

De acordo com a Portaria MTb 3.435/85, quando o psicólogo realiza a avaliação do vigilante, além do atestado de aptidão ou inaptidão, ele deve elaborar um laudo descritivo, que deve permanecer sob a sua guarda e à disposição do psicólogo que fizer o exame periódico seguinte. Entretanto, embora a legislação indique a possibilidade de juntar os laudos para fazer um exame comparativo, dificilmente se encontra uma clínica na área da vigilância que adote esse procedimento.

A situação das reprovações é outra questão problemática e que merece aprofundamento, principalmente nos casos em que vigilantes que carregam consigo anos de experiência na área são considerados “inaptos para a função”. Mais do que emitir um parecer dizendo que o indivíduo está “inapto”, os psicólogos têm a obrigação de dar encaminhamento ao problema que for identificado. E, ao contrário do que imaginam algumas Empresas de Vigilância, dar encaminhamento não significa demitir sumariamente o vigilante, com a justificativa de que, agora, ele “não está apto” para o trabalho. Não basta também informar aos vigilantes que foram reprovados. É necessário explicar como pode o vigilante ter sido aprovado no primeiro exame de sanidade mental, quando ingressou na vigilância, e ter sido reprovado após anos de trabalho. Sem dúvida, esse é um bom exemplo de como é importante considerar no psicotécnico as avaliações pregressas. Fundamental nesses casos é diagnosticar a relação entre o trabalho e os problemas identificados. E, além disso, uma vez constatado que o trabalho está relacionado aos distúrbios mentais ou restrições apresentadas pelo vigilante, não deveríamos considerar a obrigatoriedade da emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT)? E mais: em vez de serem demitidos por “inaptidão”, os vigilantes que se encontram nessas situações não deveriam ser afastados da função, encaminhados para os serviços de atenção à saúde do trabalhador e protegidos em seus direitos trabalhistas e previdenciários?

Julgo ser fundamental que as empresas assumam a sua responsabilidade nos casos de vigilantes acometidos por distúrbios mentais, dando o devido suporte.

Por fim, os vigilantes devem ser informados de que possuem o direito de serem escutados e avaliados pelos profissionais com o respeito e profissionalismo necessários. Mais do que uma burocracia, o exame deve servir para identificar os efeitos silenciosos do trabalho sobre a saúde mental dos vigilantes.