A Autonomia Da Vontade e Os Contratos Internacionais

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A autonomia da vontade e os contratos internacionais Cirlene Luiza Zimmermann Publicado em 02/2014. Elaborado em 02/2014. A autonomia da vontade dos contratantes é recurso de relevante utilidade aos interesses do comércio internacional. E o Brasil, apesar de ainda apresentar alguns empecilhos ao uso desse princípio, pouco a pouco tem aceitado a sua validade, o que beneficia os comerciantes nacionais. Resumo: Busca-se com o presente estudo analisar os contratos internacionais e o impacto da autonomia da vontade na sua formulação. Qual a amplitude da autonomia da vontade nos contratos internacionais? Os contratos elaborados entre pessoas físicas e/ou jurídicas de distintos países de um mesmo bloco econômico são realmente internacionais ou poderiam ser entendidos como um terceiro tipo (nacionais, internacionais e interblocos)? Qual a eficácia dos contratos internacionais virtuais e qual a autonomia de vontade das partes existente nestes contratos? Essas são algumas das questões que foram analisadas no decorrer deste artigo. Palavras-chave: Contratos internacionais; autonomia da vontade; contratos internacionais virtuais; contratos interblocos. 1 Introdução Os contratos internacionais são definidos como todas as manifestações bi ou plurilaterais da vontade livre das partes, objetivando relações patrimoniais ou de serviços, cujos elementos sejam vinculantes de dois ou mais sistemas jurídicos extraterritoriais, pela força do domicílio, nacionalidade, sede principal dos negócios, lugar do contrato, lugar da execução, ou qualquer circunstância que exprima um liame indicativo de direito aplicável.

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Direito Internacional Privado

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A autonomia da vontade e os contratos internacionaisCirlene Luiza Zimmermann

Publicado em 02/2014. Elaborado em 02/2014.

A autonomia da vontade dos contratantes recurso de relevante utilidade aos interesses do comrcio internacional. E o Brasil, apesar de ainda apresentar alguns empecilhos ao uso desse princpio, pouco a pouco tem aceitado a sua validade, o que beneficia os comerciantes nacionais.Resumo: Busca-se com o presente estudo analisar os contratos internacionais e o impacto da autonomia da vontade na sua formulao. Qual a amplitude da autonomia da vontade nos contratos internacionais? Os contratos elaborados entre pessoas fsicas e/ou jurdicas de distintos pases de um mesmo bloco econmico so realmente internacionais ou poderiam ser entendidos como um terceiro tipo (nacionais, internacionais e interblocos)? Qual a eficcia dos contratos internacionais virtuais e qual a autonomia de vontade das partes existente nestes contratos? Essas so algumas das questes que foram analisadas no decorrer deste artigo.Palavras-chave: Contratos internacionais; autonomia da vontade; contratos internacionais virtuais; contratos interblocos.

1 IntroduoOs contratos internacionais so definidos como todas as manifestaes bi ou plurilaterais da vontade livre das partes, objetivando relaes patrimoniais ou de servios, cujos elementos sejam vinculantes de dois ou mais sistemas jurdicos extraterritoriais, pela fora do domiclio, nacionalidade, sede principal dos negcios, lugar do contrato, lugar da execuo, ou qualquer circunstncia que exprima um liame indicativo de direito aplicvel.O Direito Internacional, no que se refere aos Contratos Internacionais, tem expandido sua importncia em razo da globalizao e do aumento dos negcios no mercado internacional. Os contratos internacionais tm uma regulamentao muito limitada no Brasil: o art. 9 da Lei de Introduo ao Cdigo Civil (LICC) o nico dispositivo em nossa legislao que trata do tema.Entende-se que os contratos internacionais necessitam de melhor regulamentao em decorrncia do aumento das relaes internacionais de comrcio, atingindo inclusive o comrcio eletrnico. Assim, a importncia da criao de uma legislao mais completa e atual sobre os contratos internacionais no Brasil imperiosa.As partes precisam ser motivadas a valer-se do princpio da autonomia da vontade, sem medo de ofender a ordem pblica ou as leis imperativas, pois tm tido uma aceitao cada vez maior dos Tribunais em todo mundo a vontade das partes como a principal regra do contrato.Assim, o princpio da autonomia da vontade dos contratantes ser analisado na prtica, respondendo a questes como: Quais so os limites desta autonomia? Quais as regras e lei aplicvel ao contrato internacional? Qual a forma de estabelecer a lei aplicvel na ausncia desta indicao?

2 Autonomia da vontade e liberdade contratualJoo Grandino Rodas, no prefcio da obra Contratos Internacionais: Autonomia da Vontade, Mercosul e Convenes Internacionais de Ndia de Arajo, sustenta: a autonomia da vontade, surgida e desenvolvida no direito internacional privado em sede contratual, tema antigo e sempre atual na doutrina desse ramo jurdico[1].Na viso de Irineu Strenger, a autonomia da vontade assumiu, em verdade, o sentido especfico, que jamais perder, do poder de regulamentao das prprias relaes, ou dos prprios interesses, dentro das limitaes maiores ou menores ditadas pela equao do bem individual com o bem comum[2].Segundo Esther Engelberg, o princpio da autonomia da vontade comeou a ser citado pelo fato de vrios autores entenderem que tudo se resumia em questo de fato, mais do que em qualquer questo de direito[3].Citando Amlcar de Castro, a autonomia da vontade das partes nos contratos internacionais explicada como a liberdade de pssaro na gaiola, isto , pode mover-se em certos limites, mas em qualquer direo encontra barreira intransponvel[4].Diante disso, Esther Engelberg conclui que no h a suposta autonomia da vontade visto que o que h a liberdade concedida e limitada pelo direito. No Direito Internacional Privado, o objeto da vontade das partes a escolha do lugar a ser firmado o contrato e no o direito. Qualquer declarao das partes no pode invalidar uma disposio de direito internacional relativa espcie[5].A definio de Niboyet, mencionada no livro de Esther Engelberg, que a autonomia da vontade considerada como poder de escolha da lei competente no existe[6].Esther Engelberg afirma que o art. 9 da lei de Introduo ao Cdigo Civil[7] tem carter imperativo e no comporta a acolhida da doutrina da autonomia da vontade, admitindo como excees os contratos de trabalho que obedecem aos dispositivos legais do lugar onde o trabalho for executado e os contratos de transferncia de tecnologia, que so regulamentados pelo direito interno ptrio, sem levar em considerao o direito conflitual[8].Pontes de Miranda, aludido por Esther Engelberg, conclui que a autonomia da vontade, como princpio ou teoria aceitvel, inexiste no Direito Internacional[9].As partes, ao adotarem uma disposio legal considerada apropriada, fazem da lei adotada uma clusula contratual, sendo que esta tem validade, pois as partes quiseram seu contedo[10].Esther Engelberg, mencionando Joo Grandino Rodas, diz que o trao diferenciador entre um contrato internacional e um outro no internacional, justamente, estar o primeiro potencialmente vinculado a mais de um sistema jurdico. Com isso, a questo do direito aplicvel um problema inerente a qualquer contrato internacional: sendo que alguns defendem o sistema unitrio, objetivando manter a unidade contratual e o esprito a ser aplicvel, enquanto outros, mais realistas, aceitam que o contrato internacional seja regido por mais de um sistema jurdico[11].Conforme a professora da PUC/SP, Ana Paula Martins Amaral, j ensinava Guido Fernando Silva Soares que, desde DArgentre at a assombrosa construo de Savigny, sempre foi ponto pacfico no direito internacional privado que a vontade era elemento de conexo de maior relevncia nos negcios internacionais, de tal forma que, em caso de ausncia de escolha da lei aplicvel, juzes e rbitros buscavam a vontade presumivelmente eleita pelas partes[12].A lei interna nacional reguladora do Direito Internacional Privado a Lei de Introduo ao Cdigo Civil (LICC), de 1942. A Lei de Introduo no tem, perante a doutrina, interpretao pacfica no que se refere consagrao do princpio da autonomia da vontade. O artigo 9, em seu caput, consagra o princpio da lex loci celebrationis (lei do local da constituio do contrato), no se podendo afirmar a existncia da autonomia da vontade para a indicao da norma aplicvel no Direito Internacional Privado, segundo entendimento doutrinrio majoritrio. A corrente doutrinria capitaneada pelo professor Haroldo Vallado entende estar encampada a liberdade de escolha da lei aplicvel pelas partes no pargrafo segundo[13]. Segue a redao completa do dispositivo em questo:Art.9. Para qualificar e reger as obrigaes, aplicar-se- a lei do pas em que se constiturem.1. Destinando-se a obrigao a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, ser esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrnsecos ao ato.2. A obrigao resultante do contrato reputa-se constituda no lugar em que residir o proponente.A controvrsia, como bem sintetizou a professora Ndia de Arajo, tem como pano de fundo a discusso acerca dos direitos subjetivos. A se entender que tais direitos so "conferidos aos indivduos independentemente do que dispe o direito positivo, ou seja, em tendo estes existncia autnoma", consagrada estaria a tese da autonomia da vontade. Adotada, entretanto, "a teoria positivista, segundo a qual os direitos subjetivos somente decorrem de disposio legal", o princpio da lex loci celebrationis inquestionvel[14].A professora Patrcia Galindo da Fonseca explica:A lei do lugar da constituio da obrigao , hoje, uma frmula bastante criticada pelos estudiosos do Direito Internacional. O mesmo ocorre com a frmula proposta por pases vizinhos como Argentina, Uruguai e Paraguai, que utilizam em mbito nacional o local da execuo do contrato como critrio de determinao da lei aplicvel. Procura-se, hoje, no mais das vezes, identificar as normas do direito com o qual o contrato mantenha os vnculos mais estreitos para que as partes possam consagr-lo. A liberdade de escolha da lei aplicvel faz parte de grande nmero de tratados que compe o cenrio das relaes internacionais. A compreenso da necessidade de ser dispensado um tratamento jurdico diferente aos contratos internacionais fez com que, atualmente, a tendncia inexorvel das convenes internacionais seja a adoo deste princpio. A aplicao da lei nacional deve restringir-se aos contratos de direito interno. Os direitos internos desconhecem, como tais, mecanismos jurdicos que assegurem indispensvel adequao jurdica conceitual prpria dos contratos internacionais. parte a controvrsia doutrinria reinante no direito internacional privado ptrio relativamente a gozarem ou no as partes contratuais da liberdade de escolha da lei aplicvel, esta questo no mais requer a importncia de tempos atrs, face tendncia generalizada adotada para a soluo dos problemas relativos aos contratos internacionais. A internacionalizao do mercado fator preponderante para a participao ativa na economia globalizada atravs de ratificaes vrias de diversas convenes.Os contratos internacionais exigem um entendimento jurdico que ultrapasse as fronteiras do jus-positivismo, caracterstico do formalismo dos pases que adotam o "civil-law system", exigindo, igualmente, um horizonte no to pragmtico como aquele caracterizador do sistema jurdico conhecido como "common law". A prtica das relaes internacionais de troca, isto , o comrcio internacional, vem provocando um contgio tal entre as duas famlias jurdicas que a sistematizao harmnica dos princpios fundamentais regedores das transaes internacionais constitui um processo jurdico evolutivo inevitvel.[15]Edgar Amorim afirma, em sua obra Direito Internacional Privado, que a autonomia da vontade teve seu apogeu na poca do Liberalismo, sendo que essa consiste na faculdade de as partes escolherem a lei a ser aplicada nos contratos. Segundo Amorim, o Direito Internacional Privado Positivo sempre a reconheceu, porm, coube a Charles Dumoulin a iniciativa de criar, j no sculo XVI, a autonomia da vontade como elemento de conexo, assim, as partes podiam escolher a lei a ser aplicada no negcio pactuado.A antiga Lei de Introduo ao Cdigo Civil, no seu art. 13, permitia a escolha por parte dos interessados da lei que iria reger os contratos por ele firmados. No entanto, a lei proibiu que, em negcios realizados no Brasil, pudessem as partes contratantes escolher a norma que lhes aprouvesse. Mesmo assim, a doutrina e a jurisprudncia tm admitido que, em se tratando de ato pactuado no exterior com indicao da lei brasileira a ser observada, no somente vlido como plenamente aceitvel.[16]Segundo Rechsteiner, o princpio da autonomia da vontade das partes no uma fonte de direito original, desvinculada da ordem jurdica estatal, assim como no uma regra de direito costumeiro internacional, pois a lei de cada pas que decidir se admite a autonomia da vontade das partes como elemento de conexo. Grande parte do mundo j reconhece tal princpio, porm, na Amrica Latina, inclusive no Brasil, a questo ainda controversa, no sendo a autonomia da vontade reconhecida ainda como elemento de conexo, juridicamente vlido, que possa reger relaes de direito privado com conexo internacional. Nos pases do Mercosul, o princpio no admitido pela jurisprudncia[17].Considerando que a legislao admita a autonomia da vontade, inicia-se outro impasse, como bem comenta Rechsteiner:Na doutrina, contudo, controvertido se as partes podem escolher qualquer direito como o aplicvel ou se esta liberdade sofre certas restries. Quando a prpria lei estabelece limites autonomia da vontade das partes, estas to-somente podem escolher o direito aplicvel em consonncia com a lei. Uma escolha do direito aplicvel que no respeite os limites da lei juridicamente ineficaz, de modo que o direito aplicvel ser aquele consoante a vontade objetiva do legislador, subsidiariamente aplicvel na ausncia de escolha vlida das partes. Quando a lei no estabelecer restries expressas, entendemos que as partes podero escolher qualquer ordem jurdica como direito aplicvel, tendo em vista que todos os direitos so equivalentes.[18]Nas palavras de Irineu Strenger, o sistema jurdico brasileiro, assim como alguns outros, do ponto de vista formal, estabelece restries da autonomia contratual. Existem tambm os pases que adotam restries parciais: alguns limitam a escolha a uma lei que tenha inevitavelmente relaes com as partes ou com a transao; outros, a lei da execuo do contrato; h tambm os que limitam essa possibilidade lei nacional ou domiciliar das partes. A hiptese totalmente liberal reconhece s partes a faculdade de exprimir escolha livre da lei aplicvel, reconhecendo inclusive a possibilidade de escolher legislao neutra, ou Direito que melhor se adapte s circunstncias do contrato. Por fim, Irineu Strenger ressalta que mesmo essa liberdade tem suas limitaes, se ocorrer de as partes, fundadas nos pressupostos da lex mercatoria (da qual falaremos mais adiante), escolherem, para reger seus contratos, os princpios gerais do Direito que regem o comrcio internacional, ou resolvem apoiar-se em sistemas jurdicos desaparecidos, como o Direito romano[19].ngela Bittencourt Brasil, membro do Ministrio Pblico do Rio de Janeiro, destaca que a autonomia da vontade no Direito Internacional Privado no tem as mesmas formas daquela vontade exteriorizada nos contratos de Direito Civil, em que a faculdade privada a tnica do acordo, fazendo lei entre as partes. Para o Direito Internacional Privado, o enfoque da teoria da vontade est ligado faculdade de escolha entre os contratantes sobre a lei que vai imperar o contrato, se de um pas ou de outro. Essa a diferena entre esse tipo de contrato e aquele firmado internamente, onde no se pode escolher qual o sistema jurdico que ir dirimir as controvrsias. No Direito Internacional Privado opta-se por um sistema jurdico e no Direito Privado o sistema o ditado pelas normas legislativas, sejam civis puramente, comerciais ou mesmo trabalhistas. No contrato internacional, por este estar disponibilizado em vrios sistemas jurdicos preciso saber qual ser a lei aplicvel; se doutrina ou lei de origem interna ou internacional e jurisprudncia, ou mesmo um terceiro gnero considerado neutro pelas partes e que se adapte mais s circunstncias do contrato[20].Porm, ngela Brasil ressalta que no devemos pensar que esta autonomia da vontade nos contratos internacionais vai dar s partes um poder quase legiferante, funo especfica do Estado. Escolher a lei que ser usada como norteadora do contrato significa dizer que no acordo deve constar uma clusula especificando-a, podendo ser no Direito Internacional Privado, expressa ou tcita[21].ngela Brasil explica a aplicao da autonomia da vontade pelo mundo:Na Europa e outros pases como os Estados Unidos, a autonomia da vontade est especificada na legislao interna e este fato se deu de fora para dentro, isto , depois da codificao internacional, que foi incorporada s legislaes internas, como ocorreu com a adoo da Conveno de Viena e a Conveno de Roma. Com isto, a autonomia da vontade nos contratos internacionais uma regra universal, e o que antes era baseado em construes doutrinrias e jurisprudenciais, hoje o caminho para que todos os pases a adotem como norma taxativa. O Brasil, tem na Lei de Introduo do Cdigo Civil em vigor, as regras que norteiam os contratos internacionais e preciso ficar atento porque o pas no consagrou a autonomia da vontade nos contratos internacionais e, mesmo os tribunais brasileiros no enfrentaram a questo nem adotaram a tese da autonomia da vontade como se faz nos contratos internacionais assinados em outros pases. Atualmente, a escolha livre de uma lei para ser aplicada em determinado contrato internacional, no encontra amparo da legislao brasileira porque ali no se acha contemplada.[22]Orlando Gomes, citado por Maria Luiza Machado Granziera, define a autonomia privada como o poder de autorregularo dos interesses particulares exercido atravs do contato[23]. O mesmo Orlando Gomes separava a autonomia da vontade em quatro principais tpicos, igualmente citados por Granziera[24]:a) liberdade de contratar ou no contratar: o poder econmico muitas vezes direciona essa liberdade, sendo que a contratao ocorre de acordo com a necessidade, nos termos das possibilidades. Em virtude da escassez do dinheiro, em muitos casos os prprios rgos financiadores determinam quais fornecedores ou transportadores contratar, estabelecendo as condies contratuais, nem sempre vantajosas ao contratante;b) liberdade de negociar livremente sem se submeter imposio da outra parte: nos casos dos contratos internacionais de longa durao, o autor entende ser quase impossvel contratar sem se submeter, ao menos parcialmente, ao poder econmico dos pases mais ricos ou das empresas multinacionais, especialmente quando uma das partes provm do Terceiro Mundo. A parte economicamente mais fraca tende a sofrer influncias do poder econmico de seu cocontratante;c) concluir contratos atpicos: a autorizao pelo sistema legal da criao de novas espcies contratuais, decorrente da necessidade do mundo dos negcios, que a lei ainda no tenha previsto em virtude da rpida evoluo;d) modificar o esquema legal, derrogando os artigos da lei que no sejam normas imperativas: a adequao da lei aplicvel s condies do contrato. H trs mecanismos de adaptao: ou o ordenamento jurdico admite e/ou regulamenta a forma de alterao, ou o mecanismo contratual vai alm das disposies contratuais, ou ainda as partes criam, de acordo com suas prprias necessidades, as regras que nortearo a adaptao desejada.O advogado Zulmar Neves, palestrando no V Congresso Nacional de Direito da Universidade de Caxias do Sul, salientou que a lei aplicvel ao contrato ser a do local da execuo do mesmo, porm, admite que as partes tenham autonomia para escolher a legislao aplicvel e em qual pas seja julgado, apesar das restries que ainda existem no Brasil[25].Na mesma conferncia, o especialista Gabriel Sachett sustentou que apesar da autonomia da vontade no estar regulada no Brasil, os juzes tm aceitado as clusulas resultantes do uso de tal prerrogativa, no intuito de no prejudicarem os comerciantes brasileiros nos negcios internacionais em virtude dos entraves do nosso Judicirio. Explicou ainda, que se a lei escolhida para reger o contrato sofrer alterao, a mudana refletir no contrato, pois vincula.

3 Limites da autonomia da vontadeIrineu Strenger destaca que se deve admitir a autonomia da vontade das partes nos contratos internacionais, porm, da mesma forma, deve-se ter cuidado com o absolutismo invocado e sustentado por alguns autores. Destaca entre os elementos limitadores, as leis imperativas internas do territrio no qual o contrato deve ser executado e as regras de ordem pblica[26].Segundo Maria Granziera, a autonomia da vontade s tem existncia jurdica quando exercida dentro dos limites e segundo as condies de uma determinada lei[27].Alm da observncia das leis imperativas e das regras de ordem pblica, a fraude lei tambm deve ser considerada como limitadora da autonomia da vontade na elaborao de um contrato internacional.3.1 Ordem pblica e lei imperativaA ordem pblica, conforme Esther Engelberg, o mais importante obstculo extraterritorialidade e eficcia do direito aliengena no territrio dos Estados. Porm, muita confuso ainda existe entre leis imperativas e leis de ordem pblica. As leis imperativas, isto , aquelas que no podem ser afastadas pela vontade das partes, que podem ser de duas categorias: umas visam os indivduos, outras a sociedade, protegendo um interesse geral. Estas ltimas so as leis de ordem pblica[28].Ordem pblica, conceituada por Irineu Strenger, o conjunto de normas e princpios que, em um momento histrico determinado, refletem o esquema de valores essenciais, cuja tutela atende de maneira especial cada ordenamento jurdico concreto[29].Assim, ordem pblica a moral bsica de uma nao, medida pela sensibilidade mdia da sociedade. So os valores da sociedade como um todo em determinada poca, levando em considerao, quando se trata de Direito Internacional Privado, a base social, poltica e jurdica, enquanto que para o Direito Interno considera apenas as questes jurdicas.A ordem pblica apresenta as seguintes caractersticas:a) relatividade ou instabilidade: varia de acordo com a poca, sendo que o que pode ser aceito pela moral da sociedade em uma determinada poca, em outra pode ser totalmente descartado;b) contemporaneidade: a ordem pblica aplicada ser a da data do julgamento e no a da data do fato;c) fator exgeno: o ato ou sentena estrangeira que violar a ordem pblica ser barrado e repelido, no sendo aceito pelo ordenamento brasileiro.Irineu Strenger explica o papel da ordem pblica e sua aplicao nos contratos internacionais:A ordem pblica sempre desempenha importante papel, devendo-se, porm, distinguir a interna da externa, ou internacional. A primeira noo refere-se aos princpios de base, ou, como muitos chamam, ao Cdigo moral e tico estabelecido e respeitado num sistema jurdico particular. A segunda noo refere-se a normas legais imperativas, que no podem ser evitadas nem excludas pelo acordo das partes. No que concerne ordem pblica interna, devem-se levar em considerao somente a ordem pblica do foro e a do lugar no qual o julgamento deve ser objeto de eventual execuo. Menos fora tero sempre a ordem pblica do lugar da concluso do contrato e a do lugar da arbitragem.[30]Cada Estado estabelece sua ordem pblica. As regras de ordem pblica, expressamente qualificadas, pelo legislador so imperativas, mas sempre possvel um tribunal considerar de ordem pblica certa regra, mesmo que no o tenha sido assim declarada pelo legislador[31].As leis imperativas so as que atuam medida que um dos elementos da relao contratual localiza-se dentro do territrio, mesmo com a submisso do contrato a uma lei estrangeira, por acordo de vontades. Exemplifica Irineu Strenger: clusulas ligadas a disposies do Direito do Trabalho[32].Rechsteiner cita em sua obra Direito Internacional Privado: teoria e prtica a Conveno Interamericana sobre o Direito Aplicvel aos Contratos Internacionais, elaborada na Conferncia Especializada Interamericana de Direito Internacional Privado em 1994. A Conveno faculta a modificao superveniente da lei escolhida, desde que no afete a validade formal do contrato, nem direitos de terceiros[33].Em regra, as partes escolhem o direito aplicvel, por ocasio da celebrao do contrato ou de um outro negcio jurdico, perante o qual o direito internacional privada da lex fori admite a autonomia da vontade. Muitas legislaes aceitam ainda a escolha do direito aplicvel numa data posterior, inclusive durante o processo, desde que se trate de contratos internacionais. Ademais, permitida a alterao da escolha do direito aplicvel, j feita entre as partes, por vrias legislaes nos mesmos termos.[34]Observa Esther Engelberg que no Brasil permitida a incorporao de artigos de leis estrangeiras ou nacionais ao contrato internacional, sem prejuzo das regras de Direito Internacional Privado, que determinaro a lei aplicvel, tais dispositivos figuraro como clusulas contratuais desejadas pelos contratantes. Os limites da incorporao so traados pelos preceitos de ordem pblica. Assim, permite a invocao de tratados ou costumes internacionais. A incorporao pode se dar pela transcrio dos dispositivos ou pela simples invocao dos mesmos no contrato. As normas incorporadas no sofrero quaisquer alteraes que estes dispositivos originais venham a sofrer[35].Segundo Ana Paula Martins Amaral, a ideia de se adotar a lex mercatoria (que ser estudada na seo 1.3.1) como direito aplicvel regulamentao do contrato internacional encontra inmeras barreiras, como a ofensa ordem pblica dos Estados envolvidos na relao. Aceitar que um direito, se que assim podemos cham-la, advindo da comunidade dos comerciantes, seja chamado para reger um negcio jurdico, seria considerado contrrio aos princpios essenciais do Estado, ferindo a ordem jurdica vigente.Segue a autora, dizendo que a lex mercatoria pode ser aceita nas decises arbitrais, mas tais decises encontrariam problemas quando necessitassem ser homologadas para ento produzirem efeitos jurdicos num determinado Estado. A tese de que as decises arbitrais no so dotadas de sano, a no ser aquela advinda do poder estatal, no possuindo assim plena eficcia, combatida pelos defensores da lex mercatoria, que argumentam estar a comunidade internacional munida de inmeros meios para assegurar o cumprimento das sentenas sem recorrer ao poder estatal. Entre esses, destacam-se as sanes pecunirias, morais e privativas, como fornecimento de cauo para garantir as custas da arbitragem ou a execuo da sentena, a publicidade da inexecuo da sentena, a suspenso de qualidade ou o direito de membro, a interdio de utilizar no futuro as facilidades arbitrais do agrupamento e a interdio de acesso s bolsas ou mercados controlados pela instituio arbitral[36].Rechsteiner esclarece que as regras do Direito Internacional Privado utilizam-se sempre nos casos perante os quais o direito aplicvel aquele decorrente da autonomia da vontade das partes. Sendo assim, a reserva da ordem pblica interfere quando o direito escolhido pelas partes um determinado direito estrangeiro que viola princpios fundamentais da lei do pas[37].Destaque-se que no Brasil, a declarao da ineficcia dos atos contrrios ordem pblica est prevista no art. 17 da LICC:Art. 17. As leis, atos e sentenas de outro pas, bem como quaisquer declaraes de vontade, no terro eficcia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pblica e os bons costumes.Gabriel Sachett concorda que autonomia da vontade seja limitada pelas normas de ordem pblica, no podendo prejudicar o hipossuficiente da relao (casos das relaes de consumo), alm de recordar da necessidade de observncia questo da fraude lei[38], que ser estudada em seguida.3.2 Fraude LeiRegistre-se inicialmente que regras de conexo so as normas estatudas pelo Direito Internacional Privado que indicam o direito aplicvel s diversas situaes jurdicas conectadas a mais de um sistema legal, como o caso dos contratos internacionais do comrcio.Segundo Jacob Dolinger, d-se a fraude lei no Direito Internacional Privado quando o agente, artificiosamente, altera o elemento de conexo que indicaria a lei aplicvel[39].Fraude lei, portanto, a fuga do indivduo de um ordenamento jurdico para outro que lhe seja mais favorvel.A fraude lei tem dois componentes, que se somam, abuso do direito e a ordem pblica: o abuso de algum direito para se pr sob a proteo de uma lei a fim de fugir ordem pblica da lei originalmente competente[40].Toda fraude lei uma ofensa ordem pblica, porm o contrrio nem sempre aplicvel.A autonomia da vontade das partes nos contratos internacionais limitada pela fraude lei, sendo que ela ocorre no caso de submisso de uma relao obrigacional lei de um pas com o qual o contrato no tem qualquer relao (lei neutra) e na submisso a uma lei estrangeira quando a relao jurdica eminentemente interna (partes e objeto nacionais)[41].Jacob Dolinger explica que o Direito Internacional Privado brasileiro concentrou sua preocupao em matria de fraude lei na questo do divrcio (art. 7, 6 da LICC), enquanto na Argentina h disposies expressas com relao aos contratos: o art. 1.207 do Cdigo Civil dispe que os contratos realizados em pas estrangeiro para violar as leis da Repblica no tm valor algum ainda que no sejam proibidos no lugar em que se tenham celebrado, e no art. 1.208, figura a mesma regra para a hiptese contrria, que os contratos realizados na Repblica para violar direitos e leis de uma nao estrangeira no tero efeito algum[42].Forum Shopping a procura por um ordenamento jurdico em que as partes (ou uma delas) pensam que lhes ser feita mais justia, ou onde tero mais probabilidade de xito, por uma ou outra razo[43]. Enfim, ao invs de optar pela lei que deveria ser aplicada naquele contrato internacional, optam por outra mais interessante para os objetivos das partes.O forum shopping insere-se no estudo da fraude lei, pois muitas vezes, as partes se desviam de sua lei sem mudar de nacionalidade, sem trocar de domiclio, mas simplesmente recorrendo ao Judicirio de um outro pas, que admite sua competncia jurisdicional para todos que a ele recorrem. So chamados de juzos facilitrios.Francescakis, apud Jacob Dolinger, classifica tal situao de fraude indireta lei aplicvel. Considera que na fraude lei, modifica o direito aplicvel pela mudana da nacionalidade da parte, com o manifesto intuito de fugir da lei originariamente aplicvel. J no forum shopping ocorre uma violao. No ocorre mudana no direito competente, mas a busca de outra jurisdio, recusando-se aplicao da lei competente a aplicao de uma outra lei, incompetente[44].Alguns pases admitem o forum shopping em suas legislaes. O Brasil nega tal possibilidade, sendo que o STJ no reconheceria uma sentena (judicial ou arbitral) relacionada a um contrato em que as partes tivessem se valido de tal prerrogativa.

4 Lei aplicvelNicola Minervini apresenta o seguinte fluxograma quanto competncia de legislaes para contratos[45]:4.1 Lex MercatoriaEnsina o advogado Frederico do Valle Magalhes Marques, que a lex mercatoria teve origem na Idade Mdia, em resposta aos direitos feudais, plenos de privilgios, que entravavam as relaes de comrcio. Surgida nas Feiras, como ordenamento a reger as relaes entre os comerciantes, de modo uniforme, atravs da aplicao obrigatria dos usos e costumes comerciais. Em certo desuso quando das grandes codificaes, a nova lex mercatoria emerge na atualidade como um corpo de normas jurdicas, escrito ou no, ainda incompleto, que visa regncia das relaes internacionais do comrcio, como um poder normativo independente do direito positivo dos Estados. Isso porque para o comrcio internacional, a utilizao do mtodo conflitual como meio de soluo dos litgios apresenta caractersticas de incerteza e imprevisibilidade inaceitveis para a sua dinmica. Desta forma, sua vocao universalista leva em conta as necessidades do comrcio internacional, suas relaes, e no as legislaes estatais internas[46].Ana Paula Martins Amaral elucida que os tribunais, antes da existncia das legislaes nacionais, ao julgarem litgios, no utilizavam a "Common Law" e sim a Lex Mercatoria, entendida como o costume dos comerciantes, o direito dos contratos, aplicado independentemente da lei do lugar e da lei pessoal das partes que agiam em p de igualdade no processo. Na Inglaterra, do sc. XV, prevalecia a ideia de que os mercadores no eram obrigados pelas leis inglesas, mas deviam ser julgados de acordo com a lei natural, que alguns denominam lex mercatoria, que universal no mundo.Com a criao do Estado nacional, a lex mercatoria comeou a perder foras, j que os costumes dos comerciantes foram integrados ao seu sistema jurdico. Porm, segundo Ana Paula Martins Amaral, a vontade continuou sendo elemento fundamental dos contratos mercantis. Segundo ela, se se tornou defeso s partes a aplicao de uma lex mercatoria, a autonomia da vontade prevalecia, permitindo s partes a escolha de um estatuto que regulasse os atos entre comerciantes nos contratos internacionais[47].Irineu Strenger aponta em seus estudos, trs tendncias para a lex mercatoria:A primeira, situando-a como uma ordem legal autnoma, criada espontaneamente pelas partes envolvidas nas relaes econmicas internacionais e existindo independentemente dos sistemas nacionais; a segunda, imaginando-a como um corpo de regras suficiente para decidir uma disputa, operando como alternativa de uma diferente lei nacional aplicvel; e a terceira, considerando-a como complemento de uma lei nacional aplicvel, vista como nada mais que uma gradual consolidao dos usos e determinadas expectativas do comrcio internacional.[48]Simplificando, Ana Paula Amaral leciona as mesmas trs correntes que tentam explicar a nova lex mercatoria[49]:a) direito anacional ou ordem jurdica autnoma, criada espontaneamente pelos agentes do comrcio internacional, cuja existncia independe dos ordenamentos jurdicos estatais;b) lex mercatoria seria uma alternativa para a ordem jurdica aplicvel, por constituir um corpo suficiente de regras jurdicas que permitem decidir um litgio entre agentes do comrcio internacional;c) lex mercatoria se destinaria a complementar o direito nacional aplicvel, constituindo-se numa consolidao dos usos e costumes do comrcio internacional.Irineu Strenger define lex mercatoria como "um conjunto de procedimentos que possibilita adequadas solues para as expectativas do comrcio internacional, sem conexes necessrias com os sistemas nacionais e de forma juridicamente eficaz"[50].Citando Philippe Kahn, Esther Engelberg explica que so cinco as fontes formais da nova Lex Mercatoria[51]:a) Contratos-tipo: associaes nacionais e internacionais de um mesmo ramo profissional estabelecem uma regulamentao jurdica para reger o contrato de venda de determinados produtos e servios e todos os contratos acessrios (seguro, transporte);b) Condies Gerais de Compra e Venda: o Conselho Econmico e Social da Organizao das Naes Unidas, atravs da Comisso Econmica para a Europa, estabeleceu algumas regras gerais aplicveis a todos os contratos, s restando s partes regular em cada caso particular as questes relativas ao preo, prazo, modo de entrega e condies de pagamento, visto estas no poderem ser fixadas previamente;c) Comecon (Conselho de Entreajuda Econmica que rene a Rssia, Polnia, Tchecoslovquia, Bulgria, Romnia, Hungria, Albnia, Alemanha): criou condies gerais e consequentemente uma frmula nica para as relaes comerciais entre esses pases;d) Incoterms: obra da Cmara de Comrcio Internacional, editada pela primeira vez em 1936. Sero tratados em captulo parte;e) Leis Uniformes: Trata-se de um projeto preparado pelo Instituto Internacional para Unificao do Direito Privado (UNIDROIT), sobre a venda internacional de bens mveis corporais.Ana Paula Martins Amaral acrescenta como fontes da nova Lex Mercatoria, os princpios gerais do direito, os usos e costumes comerciais internacionais e a jurisprudncia arbitral.Para Batisffol, referido por Esther Engelberg, as partes podem estipular que o seu contrato no ser submetido lei alguma, ou ainda, isentar-se de sofrer os efeitos da eventual modificao da lei escolhida que seria declarada aplicvel aos contratos em andamento[52].Os princpios gerais do direito, geralmente ligados s relaes contratuais, como o princpio da boa-f, pacta sunt servanda, culpa in contrahendo, exceptio non adimplenti contractus, dever de limitar danos, entre outros. Tais princpios abrangem tanto o direito interno quanto o internacional e so extrados do estudo do direito comparado de diversos ordenamentos nacionais e do raciocnio abstrato dos rbitros.Os usos comerciais derivam da adoo voluntria e repetida dos mesmos procedimentos por parte da generalidade dos operadores comerciais econmicos. Tais conceitos no podem ser definidos com preciso e, na prtica, so acolhidos com certa elasticidade.Irineu Strenger destaca que, efetivamente, so fontes da lex mercatoria as regras emanadas das organizaes internacionais e/ou entidades privadas com atuao representativa das comunidades comerciais, mas enfatiza que no basta uma entidade elaborar uma frmula padro de contrato ou editar regras, pretendendo que se incorporem lex mercatoria, indispensvel que a comunidade comercial adote e aceite tais contratos ou regras nas suas relaes dirias de negcios[53].A jurisprudncia arbitral o ambiente em que a lex mercatoria se concretiza. De fato, estreita a ligao entre lex mercatoria e a arbitragem. Jos Alexandre Tavares Guerreiro, citado por Ana Paula Martins Amaral, com muita propriedade, expe a questo:A lex mercatoria pressupe a existncia de uma comunidade de operadores do comrcio internacional que possui interesses prprios e que encontra na arbitragem comercial internacional o mecanismo adequado para a aplicao de normas aptas a resolver as pendncias instauradas quanto aos contratos celebrados, no mbito dessa comunidade, pelas partes respectivas. A jurisprudncia arbitral integra, por sua vez, o contedo da lex mercatoria, a qual, mesmo sem constituir ordem ou sistema, tende a se institucionalizar, cada vez mais superando a insuficincia do mtodo de conflitos (de leis e de jurisdio) do direito internacional privado, para a disciplina dos contratos internacionais, j que o resultado da aplicao desse mtodo exatamente a determinao de uma lei nacional, o que j no mais se coaduna com as necessidades contemporneas.[54]Irineu Strenger acompanha tal entendimento quando expe que o regime arbitral o que melhor exprime a independncia do comrcio internacional no que concerne soluo de seus problemas, residindo nos textos de suas decises os melhores repositrios para justificar a lex mercatoria[55].A autonomia da vontade, princpio fundamental na realizao dos contratos internacionais, permite s partes a escolha da lei para reger a obrigao. A lex mercatoria, entendida como um novo direito surgido da comunidade de comerciantes pode ser chamada, segundo alguns doutrinadores, a regular o contrato. Atravs da autonomia da vontade as partes encontrariam na lex mercatoria um veculo eficaz para regular suas negociaes e governar seus negcios. Regras especficas para cada situao vivida no comrcio internacional, criadas pela prpria comunidade de comerciantes, seriam a resposta adequada para os novos desafios do mundo globalizado.[56]A professora Ana Paula Martins Amaral ainda aclara que os componentes da lex mercatoria poderiam ser aceitos como parte integrante dos contratos internacionais, mas no poderiam figurar como um novo direito. Seriam eles considerados apenas usos e costumes do comrcio internacional, que a exemplo dos Incoterms so utilizados nos contratos com base na autonomia da vontade. So com isso, aceitos pela justia dos Estados, mas no se apresentam como parte de um novo direito considerado supranacional. A autonomia da vontade seria, assim, o acesso permitido aos usos e costumes internacionais para figurarem nos contratos, mas no os validariam como "direito" e sim como complemento do direito nacional aplicvel ao caso concreto[57].A Conveno Interamericana sobre o Direito Aplicvel aos Contratos Internacionais permite ao juiz aplicar sempre as regras da Lex Mercatoria ao contrato internacional, e isso independente do direito aplicvel ao contrato[58].Gabriel Sachett entende que a Lex Mercatoria, por ser um direito anacional e assim contrariar a ordem pblica, e o Cdigo Bustamante[59] no devem mais ser usados na elaborao de contratos internacionais[60]. A orientao para a no utilizao do Cdigo Bustamante deve-se ao fato de ter sido revogado tacitamente pela LICC de 1942 (lei posterior derroga o tratado anterior quando em conflito com esse). Porm, deve-se considerar que no mais indicado seu uso porque suas regras no correspondem mais s tendncias modernas do Direito Internacional Privado, alm de ser muito abrangente, abordando assuntos no relacionados rea, e vago em alguns contedos. Seu campo de atuao tambm limitado, em virtude do reduzido nmero de causas de Direito Privado com conexo internacional nos pases vinculados juridicamente ao Cdigo.Na viso do Mestre Irineu Strenger, a lex mercatoria ainda um processo longe de seu fim, mas o que j existe de palpvel e definido permite esperar pelo alargamento de seu domnio[61].Irineu Strenger conclui que o comrcio internacional encontra, na lex mercatoria, o amparo de que necessita, embora ainda tenha muitas conquistas a fazer nesse campo, cuja potencialidade ilimitada, porque caminha pari passu com o progresso[62].Conclusivamente, recomendado o uso da lex mercatoria, por ser um direito prprio dos comerciantes, com regras mais claras e prximas da realidade desses, especialmente quando a soluo de eventuais conflitos estiver direcionada ao sistema arbitral.4.2 Necessidade de lei especfica e uniformeAs relaes econmicas internacionais tm-se desenvolvido de forma to grandiosa nas ltimas dcadas, especialmente depois da criao dos blocos econmicos, que as legislaes existentes podem ser consideradas insuficientes ou mesmo inexistentes para regulamentar tais negcios. Da, a necessidade de uma evoluo normativa nesta rea jurdica, especialmente para que o Brasil no seja prejudicado no comrcio internacional em virtude dessa lacuna legislativa.O professor Wagner Menezes apresenta sua crtica:A bem verdade, a ausncia de um conjunto de normas codificadas disciplinando a aplicao do direito ao conflito de normas no espao, leva a uma grande confuso e ao desconhecimento da matria. A despeito da sua importncia, o Direito Internacional Privado tem seu fio condutor inserto na Lei de Introduo ao Cdigo Civil, local de certa forma desconfortvel para uma disciplina cujo objeto outro do que aquele previsto pelo Cdigo Civil.[63]Irineu Strenger registra em sua obra a inrcia do legislador nacional para empreender a conquista de um direito mais abrangente e efetivo, capaz de exercer tutela vlida dos interesses do comrcio internacional. Em face dessa inrcia, os praticantes do comrcio internacional elaboram sistema que lhes prprio, fundamentado na liberdade contratual[64].O Projeto de Lei do Senado n 269, de 16/09/2004, do Senador Pedro Simon[65], dispe sobre a aplicao das normas jurdicas, prevendo em seu artigo 12 (Captulo III - Direito Internacional Privado; Seo I - Regras de Conexo):Art. 12. Obrigaes Contratuais - As obrigaes contratuais so regidas pela lei escolhida pelas partes. Essa escolha ser expressa ou tcita, sendo altervel a qualquer tempo, respeitados os direitos de terceiros. 1 Caso no tenha havido escolha ou se a escolha for ineficaz, o contrato, assim como os atos jurdicos em geral, sero regidos pela lei do pas com o qual mantenham os vnculos mais estreitos. 2 Na hiptese do 1, se uma parte do contrato for separvel do restante, e mantiver conexo mais estreita com a lei de outro pas, poder esta aplicar-se, a critrio do Juiz, em carter excepcional. 3 A forma dos atos e contratos rege-se pela lei do lugar de sua celebrao, permitida a adoo de outra forma aceita em direito. 4 Os contratos realizados no exterior sobre bens situados no Pas, ou direitos a eles relativos, podero ser efetuados na forma escolhida pelas partes, devendo ser registrados no Brasil de acordo com a legislao brasileira.Justificativa: Relativamente ao art. 12 do projeto, "debateu-se no regime da LICC se os contratantes tm liberdade de escolher a lei aplicvel para suas avenas, uma vez que o legislador no incluiu disposio expressa a respeito, como se v em Irineu Strenger Autonomia da Vontade em Direito Internacional Privado, So Paulo, Revista dos Tribunais, 1968, principalmente s pp. 193 ss. Haroldo Vallado interpretava o 2 do art. 9 (A obrigao resultante do contrato reputa-se constituda no lugar em que residir o proponente) como indicadora de que a regra se baseia em uma presuno, da o termo reputa-se, do que deduzia que a presuno cessa se e quando as partes elegem lei aplicvel ao contrato. Esta posio no conquistou unanimidade, mas pode-se afirmar que a tendncia da moderna doutrina brasileira no sentido de admitir a autonomia das partes contratantes para fixar a lei a ser aplicada.No mundo contemporneo, a liberdade das partes para fixar a lei aplicvel est consagrada nas mais importantes convenes de direito internacional privado, - Conveno de Roma sobre Lei Aplicvel s Obrigaes Contratuais, de 1980 (art. 3), Conveno da Haia sobre a Lei Aplicvel Compra e Venda de Mercadoria, de 1986 (art. 7), e Conveno Interamericana sobre Direito Aplicvel s Obrigaes Contratuais, Mxico, 1994 (art. 7), esta assinada pelo Brasil. Mario Giuliano e Paul Lagarde, falando sobre o art. 3 da Conveno de Roma, assinalam que a norma consoante a qual o contrato regido segundo a lei escolhida pelas partes constitui 'uma reafirmao da regra consagrada atualmente no direito internacional privado de todos os estados membros da Comunidade, bem assim da maioria dos direitos dos outros paises' (Journal Officiel des Communauts Europennes, 31.10.80, C 282, p. 15). Resoluo do Institut de Droit International (Basilia, 1991) acolheu a autonomia da vontade das partes em contratos internacionais firmados entre pessoas privadas (Revue Critique de Droit International Priv, 1992, p. 198).O projeto seguiu basicamente a ideia contida na Conveno do Mxico de 1994, assinada pelo Brasil, cujo art. 7 dispe: 'o contrato rege-se pelo direito escolhido pelas partes. O acordo das partes sobre esta escolha deve ser expresso ou, em caso de inexistncia de acordo expresso, depreender-se de forma evidente da conduta das partes e das clusulas contratuais, consideradas em seu conjunto. Essa escolha poder referir-se totalidade do contrato, ou a uma parte do mesmo. A eleio de determinado foro pelas partes no implica necessariamente a escolha do direito aplicvel.Assim, dispe o art. 12 do Projeto, no seu caput 'As obrigaes contratuais so regidas pela lei escolhida pelas partes. Essa escolha ser expressa ou tcita, sendo altervel a qualquer tempo, respeitando os direitos de terceiros'.Tambm interessa reproduzir o art. 8 da mesma Conveno: 'As partes podero, a qualquer momento, acordar que o contrato seja total ou parcialmente submetido a um direito distinto daquele pelo qual se regia anteriormente, tenha este sido ou no escolhido pelas partes. No obstante, tal modificao no afetar a validade formal do contrato original nem os direitos de terceiros'.Segue-se o mais importante em matria de contratos internacionais - a lei aplicvel na inexistncia de escolha das partes. Novamente o projeto inspira-se na orientao das convenes internacionais j referidas, seguindo mais de perto a Conveno do Mxico de 1994, mais clara e mais precisa que a Conveno de Roma.O projeto formulou a regra contida no 1 do seu art. 12, de forma mais concisa do que a redao constante no art. 9 da Conveno do Mxico, mas o preceito de que o contrato se rege pela lei do pas com o qual mantenha os vnculos mais estreitos reflete perfeitamente a regra mais detalhada da Conveno que se encontra assim redigida: 'No tendo as partes escolhido o direito aplicvel, ou se a escolha do mesmo resultar ineficaz, o contrato reger-se- pelo direito do Estado com o qual mantenha os vnculos mais estreitos. O tribunal levar em considerao todos os elementos objetivos e subjetivos que se depreendam do contrato, para determinar o direito do Estado com o qual mantm os vnculos mais estreitos. Levar-se-, tambm, em conta os princpios gerais do direito comercial internacional aceitos por organismos internacionais. No obstante, se uma parte do contrato for separvel do restante do contrato e mantiver conexo mais estreita com outro Estado, poder-se- aplicar a esta parte do contrato, a ttulo excepcional, a lei desse outro Estado.Assim, o projeto integra-se no moderno direito internacional privado uniformizado, que, aps muitos anos de incertezas, optou pela frmula que manda aplicar a lei do pas com o qual o contrato mantm os vnculos mais estreitos.As outras solues, i.e., a lei do pas onde a obrigao se constituiu (LICC, art. 9) ou a lei do pas onde o contrato deva ter cumprido (soluo do DIP francs), no so satisfatrias em todos os casos. A soluo ora proposta deixa o julgador livre para escolher a lei com a qual o contrato esteja mais vinculado, quer entre as duas acima referidas, quer qualquer outra.Ainda seguindo a orientao das j referidas convenes, o 2 do art. 11 do projeto dispe que, quando uma parte do contrato for separvel do restante e mantiver conexo mais estreita com a lei de outro pas, esta poder ser aplicada em carter excepcional, conforme conhecida doutrina de direito internacional privado que admite o dpeage: aplicao e vrios sistemas jurdicos aos contratos "plurilocaliss" na expresso de Batiffol e Lagarde (Droit International Priv, Paris, LGDJ, 1983, Tomo II, n 574, p. 274).O 3 versa a forma dos atos e dos contratos, determinando sua regncia pela lei do lugar de sua celebrao, em obedincia secular regra locus regit actum. Tambm aqui, seguindo o princpio da lex voluntatis, admite-se a adoo pelas partes de outra forma aceita em direito.A LICC prev, no 2 do art. 9, que, 'destinando-se a obrigao a ser executada no Brasil e dependendo da forma essencial, ser essa observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrnsecos do ato'. A parte final do dispositivo aceita a regncia da forma pela lei do local de celebrao do ato, mas a primeira parte do preceito criou dvidas e divergncias, eis que jamais se conseguiu esclarecer exatamente a que 'formas essenciais' o legislador se refere.Assim, se um imvel situado no Brasil for vendido ou hipotecado no exterior por instrumento particular, h dvida sobre se o documento poder ser registrado, para valer contra terceiros no Pas. Divide-se a doutrina a este respeito: 'forma essencial' incluiria a obrigao legal de tais atos serem firmados por instrumento pblico (Amlcar de Castro, Direito Internacional Privado, Rio de Janeiro, Forense, 1977, n. 230, pp. 424-5), ou referir-se-ia imprescindibilidade do registro, aceitando-se, todavia, que o documento a ser registrado se materializasse, no estrangeiro, pelas formas usuais no local onde firmado (Clovis Bevilaqua, ob. cit., p. 250).O 4 do art. 12 do projeto espanca a dvida ao dispor que os contratos realizados no exterior sobre bens situados no Pas, ou direitos a eles relativos, podero ser efetuados na forma escolhida pelas partes, devendo ser registrados no Brasil de acordo com a legislao brasileira.[66]A Seo II explana sobre a Aplicao do Direito Estrangeiro:Art. 15. Lei Estrangeira - A lei estrangeira indicada pelo Direito Internacional Privado brasileiro ser aplicada de ofcio; sua aplicao, prova e interpretao far-se-o em conformidade com o direito estrangeiro.Pargrafo nico. O juiz poder determinar parte interessada que colabore na comprovao do texto, da vigncia e do sentido da lei estrangeira aplicvel.Justificativa: O art. 15, ao tratar da aplicao do Direito Estrangeiro, leva em considerao que "a doutrina ptria aceita pacificamente que as regras de conexo indicadoras de aplicao de leis estrangeiras constituem direito positivo brasileiro a que o julgador est adstrito. Como diz Oscar Tenrio (ob. cit., vol. I, p. 145): 'o juiz tem o dever de aplicar o direito estrangeiro em virtude de determinao da lex fori. No sistema anglo-americano, o direito estrangeiro considerado como fato e no como lei. Consoante jurisprudncia majoritria da Corte de Cassao francesa, o juiz tem a opo de aplicar ou no a lei estrangeira, quando as partes no a invocam. Como afirma Vallado, diverso o sistema brasileiro: 'a lei estrangeira lei, direito e no fato, estando superada a antiga posio discriminatria, de sua inferioridade lex fori, de que somente esta seria direito, seria lei. o princpio da equiparao dos direitos, da igualdade entre o direito estrangeiro e o nacional...' (ob. cit., vol. I, p. 465).No sistema interamericano, seguindo o art. 408 do Cdigo Bustamante, a Conveno sobre normas Gerais de Direito Internacional Privado, Montevidu, 1979, em seu art. 1, estabeleceu a obrigatoriedade da aplicao da norma estrangeira determinada pela regra de conexo do direito conflitual. O projeto estabelece a mesma norma ao determinar a aplicao ex officio da lei estrangeira indicada pelas regras do Direito Internacional Privado.A segunda parte do dispositivo consagra a orientao de que o direito estrangeiro deve ser aplicado, provado e interpretado como no pas de origem, coincidindo com o disposto no Cdigo Bustamante, arts. 409 a 411.No pargrafo nico, fica mantido o disposto no art. 14 da LICC e no art. 337 do Cdigo de Processo Civil, que possibilita ao juiz obter colaborao das partes na comprovao do texto, vigncia e sentido da Lei estrangeira".[67]Art. 16. Reenvio - Se a lei estrangeira, indicada pelas regras de conexo da presente Lei, determinar a aplicao da lei brasileira, esta ser aplicada. 1 Se, porm, determinar a aplicao da lei de outro pas, esta ltima prevalecer caso tambm estabelea sua competncia. 2 Se a lei do terceiro pas no estabelecer sua competncia, aplicar-se- a lei estrangeira inicialmente indicada pelas regras de conexo da presente Lei.Justificativa: Com relao, ainda, aplicao do Direito Estrangeiro e estabelecendo, especificamente, a regra do reenvio, encontra-se o art. 16.At 1942, nossos tribunais aceitavam o reenvio que o direito internacional privado de outro pas fizesse nossa lei. Assim, quando o direito internacional privado brasileiro mandasse aplicar lei de outro pas e o direito internacional privado desse outro pas remetesse a aplicao s leis brasileiras, aceitava-se tal indicao.A proibio do reenvio por parte do art. 16 da LICC no foi, em geral, bem recebida pelos jusprivatistas brasileiros. Tanto a doutrina (Haroldo Vallado), como a jurisprudncia (Luiz Galotti) manifestaram severa crtica ao legislador. A doutrina nacional advoga, inclusive, a aceitao do reenvio feito pela lei indicada por nosso direito internacional privado lei de um terceiro pas - reenvio de segundo grau.A melhor ilustrao do reenvio de segundo grau dada pela hiptese de Ferrer Correa. Pessoa de nacionalidade portuguesa, domiciliada na Espanha, julgada no Brasil. Segundo o direito internacional privado brasileiro, deve ela ser julgada pela lei de seu domiclio - Espanha. O direito internacional privado espanhol indica a aplicao da lei da nacionalidade da pessoa - Portugal - com o que a lei conflitual portuguesa concorda. Dessa maneira, Portugal e Espanha querem aplicar a lei portuguesa, ao passo que o Brasil deseja a aplicao da lei espanhola. No faz sentido que a vontade da lei do pas do domiclio e do pas da nacionalidade da pessoa sejam rejeitadas pela vontade da lex fori (Lies de Direito Internacional Privado, Coimbra, Universidade, 1963, pp. 577-8). Da propugnar-se pela aceitao do reenvio, inclusive de segundo grau, como estabelecido no projeto.[68]Art. 17. Qualificao - A qualificao destinada determinao da lei aplicvel ser feita de acordo com a lei brasileira.Justificativa: O art. 17 expressa que "a qualificao destinada determinao da lei aplicvel ser feita de acordo com a lei brasileira". Justifica-se para tanto que "o processo de indicao da lei aplicvel realiza-se na conformidade das regras e princpios do direito internacional privado brasileiro, da submeter-se a qualificao dos elementos definidores da situao jurdica nossa lei. Exceo somente foi aberta para os bens, art. 11, que so regidos e tambm qualificados pela lex rei sitae. Segue-se assim o Cdigo Bustamante: regra geral sobre qualificao pela lex fori art. 6 e qualificao pela lex causae para os bens (arts. 110 e 112)".[69]Art. 18. Fraude Lei - No ser aplicada a lei de um pas cuja conexo resultar de vnculo fraudulentamente estabelecido.Justificativa: O art. 18 exprime a norma que se ocupa de coibir a fraude lei. "Embora no conste na LICC dispositivo expresso sobre a fraude lei, a antiga regra do 6 do art. 7, ineficcia do divrcio de brasileiros obtido no exterior - representava a sano do legislador contra procedimento para fraudar a indissolubilidade matrimonial imposta pela lei brasileira de ento".A conveno Interamericana sobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado, de 1979, dispe, no art. 6: 'No se aplicar como direito estrangeiro o direito de um Estado Parte quando artificiosamente se tenham burlado os princpios fundamentais da lei de outro Estado Parte'. O projeto segue tal orientao.[70]Art. 19. Direitos Adquiridos - Os direitos adquiridos na conformidade de sistema jurdico estrangeiro sero reconhecidos no Brasil com as ressalvas decorrentes dos artigos 17, 18 e 20.Justificativa: O reconhecimento de direitos adquiridos no exterior uma das principais conquistas do direito internacional privado e vem expresso no art. 19, "visando a evitar que situaes j consolidadas na conformidade do direito estrangeiro aplicvel, devam submeter-se ao direito do foro que, em sendo diferente, poderia negar validade e/ou eficcia ao que j foi corretamente adquirido alhures. Nisso, o projeto se afasta da orientao da j aludida Conveno Interamericana sobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado de 1979, cujo art. 7 reza o seguinte: 'As situaes jurdicas validamente constitudas em um Estado Parte, de acordo com todas as leis com as quais tenham conexo no momento de sua constituio, sero reconhecidas nos demais Estados Partes...'. Exigir que a situao tenha sido validamente constituda de acordo com todas as leis com as quais tenha conexo no momento de sua constituio, no se conforma com o direito internacional privado brasileiro, que segue a orientao de Antoine Pillet, no sentido de que um direito regularmente adquirido em um pas, de acordo com as leis l vigentes, produzir seus efeitos em outra jurisdio (Principes de Droit International Priv, Paris, Pedone, 1903, pp. 496 e ss.).Assim, tambm na homologao das sentenas estrangeiras, a deciso da corte de outro pas no precisa ter sido julgada em conformidade com o sistema jurdico que seria indicado pelas regras de conexo de nossa lei conflitual, pois cada jurisdio julga consoante as regras de conexo de seu sobredireito. Isso representa respeito internacional pelos direitos adquiridos. O projeto perfilha o consagrado no Cdigo Bustamante e em vrias Convenes da Haia".[71]Art. 20. Ordem Pblica - As leis, atos pblicos e privados, bem como as sentenas de outro pas, no tero eficcia no Brasil se forem contrrios ordem pblica brasileira.Justificativa: O art. 20 do projeto impede que as leis, atos pblicos e privados, bem como as sentenas de outro pas, tenham eficcia no Brasil, se forem contrrios ordem pblica brasileira, visto que "o mais importante princpio do direito internacional privado, tanto nas fontes internas, como nos diplomas internacionais, a ordem pblica: regra de controle que impede a aplicao de leis, atos e sentenas estrangeiras, se ferirem a sensibilidade jurdica ou moral ou ainda os interesses econmicos do Pas. Qualquer lei que deva ser aplicada, qualquer sentena que deva ser homologada, qualquer ato jurdicos que deva ser reconhecido, deixaro de s-lo se repugnarem os princpios fundamentais do direito, da moral e da economia do foro."[72]A Seo IV fala sobre o Direito Processual e Cooperao Jurdica Internacional e traz em seu art. 23:Art. 23. Escolha de Jurisdio - A escolha contratual de determinada jurisdio, nacional ou estrangeira, resultar em sua competncia exclusiva.Justificativa: No art. 23, o projeto veio permitir a escolha, pelas partes, de foro de sua preferncia para julgar as controvrsias decorrentes do negcio jurdico, o que adqua nossa lei s prticas correntes no comrcio internacional e reitera posio consagrada na jurisprudncia.[73]Todavia, referido Projeto de Lei encontra-se com situao de arquivado ao final da legislatura, desde 07/01/2011[74], no havendo qualquer perspectiva de prosseguimento em sua tramitao.A concorrncia cada vez mais livre no contexto mundial faz com que se multipliquem as relaes comerciais e contratuais a nvel internacional. Gera-se o problema: de um lado, os contratos de compra e venda internacional necessitam de regras detalhadas; de outro, normal que cada parte se empenhe em se sujeitar s regras de um sistema jurdico conhecido. A questo do foro competente importantssima, visto que este deve assegurar que eventuais litgios sejam resolvidos de maneira eficiente e previsvel.Robert Seybold entende que o Brasil seja favorvel aplicao da Conveno de Viena da ONU sobre os Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias, atravs da aplicao da mesma como lei favorvel ao contrato, pois face nova lei de arbitragem, que garante a autonomia da vontade, no mais possvel aceitar que a Lei de Introduo ao Cdigo Civil possa ser interpretada de forma a restringir tal liberdade fundamental[75].Rechsteiner defende que o Brasil deveria introduzir o princpio da autonomia da vontade das partes na sua legislao, pois assim estar seguindo as tendncias mais modernas, que aceitam amplamente tal princpio, de forma a facilitar o comrcio internacional e garantir a certeza do direito nesse tipo de relaes jurdicas[76].Rechsteiner cita ainda a Conveno Interamericana sobre o Direito Aplicvel aos Contratos Internacionais (CIDIP V), concluda em 1994 no Mxico, que admite a autonomia da vontade das partes para escolha do direito aplicvel a um contrato internacional. Tal escolha dever ser expressa ou tcita, uma vez que o texto convencional permite que se depreenda essa escolha da conduta dos contratantes e das clusulas contratuais[77].Joo Lac Kuhn, analisando a autonomia da vontade nos contratos do Mercosul, identifica a falta de uma legislao especfica no bloco, observando que se tenta criar um bloco econmico, com ideias similares e objetivos nicos, mas no se abre mo de regras internas, que s servem para retardar o avano da verdadeira unificao em busca de uma regra comum. Apesar de toda doutrina internacional apontar para o reconhecimento do princpio da autonomia da vontade, nos contratos realizados no mbito do Mercosul no ocorre sua aplicao no que tange escolha da lei aplicvel. Regula-se sempre, imperativamente, pelas legislaes nacionais envolvidas, pelo domiclio das partes, pela concluso ou, ainda, pela execuo dos contratos. Restringe-se, destarte, no universo global, apenas autonomia privada, ou seja, o poder de contratar vinculado interveno estatal dos pases-membros na mitigao da autonomia da vontade[78].A lei especfica que se est buscando pode originar-se de estudos e resultados de pesquisas e trabalhos realizados pela Organizao Mundial do Comrcio OMC, haja vista que essa organizao busca facilitar a aplicao das regras de comrcio internacional, j acordadas internacionalmente; e servir de foro para negociaes de novas regras ou temas relacionados ao comrcio[79].Os comerciantes internacionais clamam por uma lei especfica sobre contratos internacionais, pois s assim tero maior segurana jurdica em seus negcios externos.4.3 Contratos InterblocosO contrato interblocos tratar-se-ia de um terceiro tipo de contrato, bastante assemelhado a um contrato nacional quanto clareza na forma de realizao, cumprimento ou discusso no caso de descumprimento. Seria regulado por uma legislao aplicvel em todo o bloco econmico e julgado por tribunais com competncia territorial abrangendo igualmente todos os pases do conjunto que o integra.Pensando nesse contrato interblocos e na sua aplicabilidade, preciso avaliar a situao do bloco econmico em que o Brasil est inserido e sua aceitabilidade: o Mercosul ainda uma pretenso de chegar a um mercado comum, com integrao aduaneira (ainda imperfeita, pois falta uma legislao aduaneira harmonizada Cdigo Aduaneiro do Mercosul), e livre circulao de bens (inexiste poltica comercial, gerando constantes impasses) e pessoas. Comparado Unio Europeia, o Mercosul um bloco em queda livre, enquanto aquele um bloco estvel e com vontade de progredir. Quando falamos em integrao, remetemo-nos a um sistema monetrio comum (na UE j concretizado com a moeda nica Euro), a uma unio poltica, unicidade normativa (universalizao de normas), a existncia de um Tribunal Supranacional, a um Parlamento que represente o bloco.Na Unio Europeia j existe um Parlamento Europeu (que legisla pelo bloco) e os Tribunais de Justia e de Contas Supranacionais, sendo que os Estados Partes delegaram parte de suas competncias a esses rgos supranacionais, que as cumprem conforme determinado. O surgimento de uma regulamentao quanto aos contratos nesse bloco econmico deve ser algo prximo (talvez at j haja algum projeto neste sentido) e com todas as possibilidades de ter perfeita aplicabilidade, retirando dos contratos realizados entre pessoas fsicas ou jurdicas daqueles pases as dificuldades pertinentes, especialmente quanto s contrariedades nos entendimentos, existentes nos contratos internacionais.O contrato interblocos, entendemos, dever estar regulamentado no Direito de Integrao.Direito de Integrao o ramo do direito que estuda os fenmenos produzidos no campo jurdico, que so fruto de um processo de integrao econmica, social e comercial entre pases soberanos, seja de forma mais aprofundada como na unio monetria ou mais liberal como as zonas de livre comrcio ou unio aduaneira.O Direito de Integrao tem seu marco divisor com o Direito Internacional quando se estabelece um tratado com a finalidade de se promover uma integrao regional econmica. A partir desse momento, com a dinamizao das normas de aproximao legislativa e de aprofundamento do processo integracionista, as normas e regulamentos surgidos no mais interessam ao Direito Internacional e sim, ao Direito de Integrao, que vai estudar e compreender esses processos.[80]A professora Patrcia Galindo da Fonseca apontava, com boa perspectiva, poucos anos depois da criao do Mercosul:A instituio de um novo bloco econmico no Cone Sul, composto por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, criado em 26 de maro de 1991 pelo Tratado de Assuno e o posterior estabelecimento do Mercado Comum, em 17 de dezembro de 1994, com a celebrao do Protocolo de Ouro Preto, implica em uma nova perspectiva de comrcio internacional. O MERCOSUL, hoje, constitui-se em uma unio aduaneira. A Tarifa Externa Comum, a TEC, o instrumento viabilizador de tal realidade, atravs da cobrana de tarifas aduaneiras idnticas entre os Estados membros para as mercadorias originrias de terceiros pases. A instituio da zona de livre comrcio no esgota o tratado do MERCOSUL, sendo um dos seus objetivos. Experincias anteriores, como a Associao Latino-Americana de Livre Comrcio (ALALC), constituda em 1960 pelo Tratado de Montevidu e a Associao Latino-Americana de Integrao (ALADI), que sucedeu a primeira, mostraram-se ineficazes. O Mercado Comum do Cone Sul, em seus pouco mais de dois anos de vida efetiva, d sinais de vitalidade poltica distinta. importante, entretanto, atentar que uma das razes do xito deste primeiro perodo estar ainda presente, entre os seus signatrios, o esprito de cooperao e integrao que inspirou sua criao. O processo evolutivo dos tratados internacionais implica em conflitos de maior alcance que no foram at o presente momento articulados no caso do MERCOSUL.Vislumbrar conquistas ante o xito da implantao do MERCOSUL papel a ser exercido pelos protagonistas polticos. Atuando no cenrio jurdico, a reflexo sobre o posicionamento do Brasil no cenrio do mercado internacional exige uma dimenso diferente. O seu recente reingresso no Instituto Internacional para a Unificao do Direito Privado (UNIDROIT) representa um passo significativo, traduzindo tendncia inevitvel de interao no palco das relaes jurdicas internacionais. A sua efetiva integrao no mercado internacional demanda procedimentos concretos.[81]Irineu Strenger entende que os contratos internacionais, pela sua natureza, normalmente no ficam subordinados a regimes unitrios, a no ser os casos de uniformidade do direito, nem se submetem de forma espontnea e direta normatividade de um nico Estado[82].A est a importncia da existncia do conceito de contrato interblocos, pois no seriam contratos vinculados legislao de um nico Estado, mas de um conjunto de Estados, que, com um Parlamento unificado, conjuntamente convencionariam tais normas.A necessidade da criao de um novo direito, de cunho regional, integrado ao Direito Internacional, regulamentando esta nova espcie de contratos, osinterblocos, decorre das j existentes polticas comerciais liberais, que permitem a circulao de bens e servios sem restries. De nada adianta um comrcio livre se, na hora de contratar ou resolver um empecilho no contrato, as partes encontram imensas dificuldades, em virtude das discrepncias e dvidas de um contrato internacional. preciso o bom senso dos pases integrantes dos blocos econmicos, no sentido de cederam um pouco de sua soberania, com o intuito de conseguir-se adotar um modelo comunitrio para reger as relaes comerciais.

5 Condies de validadePara a formao vlida de um contrato internacional do comrcio, bem como dos contratos em geral, necessrio que em seu contedo constem: a) as partes devidamente qualificadas; b) o objeto, de maneira explcita e pormenorizada; c) as diferentes estipulaes avenadas; e d) as sanes, expressamente previstas. O consentimento tambm aspecto primordial em qualquer contrato. Assim, um negcio ser nulo se no houver o acordo dos contratantes. A vontade das partes deve ser real, efetiva, consciente e livre. A inexistncia de tais requisitos pode ensejar aes anulatrias[83].Irineu Strenger entende que, na prtica do comrcio internacional, as manifestaes de vontade no precisam ser formalizadas em contratos especialmente elaborados, sequer h a necessidade da presena fsica das partes. Assim, as partes podem recorrer ao telex, telegrama ou telefone, apesar de tais ferramentas no serem as mais indicadas para contratos importantes, visto que um contrato fechado por esses meios, poder ter dificuldades na determinao do momento em que se formou definitivamente, ou seja, ter dificuldades em definir se ainda ou no possvel a retratao, se a partes eram capazes poca da celebrao do contrato, a fixao do tribunal competente. Destaca Irineu Strenger: Jurisprudencialmente, salvo conveno das partes fixando o lugar e a data da concluso do acordo, os tribunais consideram, em geral, que o contrato formado no lugar onde a oferta foi aceita[84].Irineu Strenger conclui que, genericamente, as condies de validade de um contrato podem ser fundadas tanto na ordem interna como na internacional, sendo certo que a ordem pblica internacional somente se convalida mediante tratados, convenes ou acordos, ou por fora de leis imperativas nacionais[85].Zulmar Neves confirma que os pressupostos de um contrato internacional sejam os mesmo de um nacional, ou seja, os requisitos do art. 104 do Cdigo Civil, quais sejam:Art. 104. A validade do negcio jurdico requer:I - agente capaz;II - objeto lcito, possvel, determinado ou determinvel;III - forma prescrita ou no defesa em lei.E continua dizendo que as intenes de um contrato so mais importantes do que todas as clusulas. O objeto, seus motivos, o que cada parte espera do contrato so fundamentais. Afinal, segundo Zulmar Neves, isso que ser discutido numa situao de execuo. Destaca ainda que o prembulo do contrato deve ser extremamente claro, pois este ser a base para o entendimento, interpretao e discusso das clusulas do contrato.Por fim, explica ainda que, exceto que algum dos pases envolvidos exija forma especfica (o que raro) para a formalizao do contrato, qualquer instrumento vlido (fax, e-mail, carta ou guardanapo de restaurante), desde que o escrito seja a expressa manifestao da vontade das partes[86].5.1 Contratos internacionais virtuaisComrcio Eletrnico[87]: o comrcio de mercadorias que atravessam fronteiras por meios eletrnicos uma nova esfera do comrcio, em que a produo, publicidade, venda e distribuio dos produtos realizada atravs das redes de telecomunicaes. Segundo a OMC, os exemplos mais evidentes de produtos distribudos eletronicamente so livros, msica e vdeos, transmitidos atravs de linhas telefnicas ou de Internet.Na Declarao sobre o Comrcio Eletrnico Mundial, adotada pela Segunda Conferncia Ministerial da OMC (Genebra), celebrada em 20 de maio de 1998, instalou-se o Conselho Geral da OMC que estabeleceria um programa de trabalho amplo para examinar todas as questes relacionadas com o comrcio eletrnico mundial que afetavam tal comrcio. De antemo, os membros da OMC acordaram que manteriam a prtica vigente de no impor direitos aduaneiros sobre as transmisses eletrnicas[88].ngela Brasil v os contratos internacionais feitos atravs da Internet como uma preocupao recente, sendo que considera essa rea do direito, vital para o desenvolvimento do e-commerce e para a tendncia de formao de holdings virtuais, que juridicamente se traduzem em processos integracionistas, como o Mercosul[89].A autora entende que a escolha do direito aplicvel ao contrato internacional virtual dever ser expressa, devido distncia entre os contratantes e para evitar maus entendidos[90].Em seu estudo, explica ainda que o contrato internacional virtual uma situao jurdica complexa, por envolver vrios aspectos que no podem ser tratados conjuntamente e, por isso, a lei aplicvel ao contrato dir respeito apenas sua substncia e aos seus efeitos. Segunda a procuradora, esta realidade conhecida como Dpeage (direito francs) ou fraccionamiento (direito espanhol), mecanismo pelo qual um contrato dividido em partes diversas, onde cada uma delas ser submetida a leis diferentes. Isso pode ocorrer em dois nveis: primeiramente, o Direito Internacional Privado ir dizer que a substncia pode ser regida por uma lei, enquanto a capacidade das partes, a sua forma e execuo sero regidos por outro sistema jurdico. No segundo nvel, a prpria autonomia da vontade das partes ir determinar se uma ou mais leis sero aplicveis aos contratos. Essas regras tm que ser seguidas nos contratos on-line, como o so nos contratos formais. O Dpeage ou fragmentao (direito brasileiro) ser usada quando determinada situao jurdica passvel de utilizao de leis diferentes, aplicveis aos diversos aspectos do contrato. Isso decorre da limitao da autonomia da vontade, que rege os contratos internacionais, que implica ento na decomposio do contrato em seus vrios elementos, para a aplicao em cada uma de suas partes, da lei pertinente[91].Um contrato de compra e venda, desses que se v diariamente nas pginas da WEB, em que o comprador de um pas e o vendedor de outro, mais de uma ordem jurdica podem estar aptas a disciplinar o contrato. Suponhamos que os contratantes estejam no Brasil, mas o objeto do negcio se encontre em outro pas: neste caso o contrato assume a feio internacional e pode ser regidos pelo Dpeage, principalmente no que diz respeito soluo dos conflitos da decorrentes, porque a forma no pode ser mudada. A oferta, a aceitao, garantias e outras so aquelas dispostas na legislao do pas onde foi feito o negcio. Os contratos pela Internet devem seguir as regras dos contratos por correspondncia no mesmo passo que indica o Cdigo Bustamante - Cdigo de Direito Internacional Privado - onde est explicitado que os contratos por correspondncia s se aperfeioaro quando as legislaes dos pases envolvidos estiverem com as suas condies cumpridas.[92]Analisando a questo do consumidor e os contratos internacionais virtuais, ngela Brasil explica:Quanto lei aplicvel, temos que os contratos celebrados pela Internet podem ser considerados contratos entre ausentes e, segundo as regras deste instituto, estes contratos seguem as regras determinadas pelo lugar de residncia do proponente, que neste caso seria o domiclio do vendedor. Aplicar o Cdigo de Defesa do Consumidor, nestes casos, seria impossvel, de forma coercitiva, porque este se limita jurisdio brasileira e no se pode levar a nossa lei para resolver problemas judiciais em tribunais de outros pases. de se comentar que nenhuma lei nacional aplicvel em outro pas devido s questes das soberanias e, considerando-se que o Cdigo de Defesa do Consumidor brasileiro s tem aplicao dentro de nossas fronteiras, para uso deste Codex preciso que o foro seja nacional. Se o "locus" eleito na transao for aliengena este instrumento de proteo ao usurio no ter aplicao por fora da independncia dos povos, ainda que ele tenha a sua aplicao sobreposta a outras normas tendo em vista o seu carter pblico de proteo.[93]ngela Brasil exemplifica a situao do consumidor nos contratos internacionais, citando o caso de um consumidor que adquiriu um produto eletrnico com vcio redibitrio em uma loja dos Estados Unidos e ingressou em tribunal brasileiro para tentar ser ressarcido de seu prejuzo, sendo que o Superior Tribunal de Justia julgou procedente o pedido entendendo que a empresa americana deveria diretamente responder pelo vcio do produto[94].Na verdade, a empresa americana, em vista do mandado brasileiro, no estava obrigado a cumprir o seu comando, pois um tribunal estrangeiro no tem "longa manus", a no ser que houvesse um Tratado Internacional ou uma carta rogatria para o cumprimento do "decisum". Porm, em recente deciso, o Tribunal estabeleceu que se a firma estrangeira tiver filial no Brasil, esta ter que responder pelos defeitos do negcio, aumentando a segurana das transaes na web.[95]O advogado especialista em Direito Eletrnico, Marcos Gomes da Silva Bruno, apresenta posio contrria ngela Brasil, entendendo que essa nova modalidade de contratao internacional traz alguns problemas, mas que so facilmente resolvidos pela legislao em vigor:A partir do momento que h a formao de um contrato eletrnico com o fornecedor estrangeiro (aquele que no tem sede fsica no Brasil), cria-se, obviamente, uma obrigao de adimplemento da obrigao. Essa obrigao gerada (entrega do produto ou servio, sem qualquer vcio ou defeito), quase sempre dever ser adimplida no Brasil, eis que a compra via Internet tem a entrega domiciliar como sua maior comodidade e inovao.Com efeito, estabelece o artigo 88, inciso II, do Cdigo de Processo Civil, que competente a autoridade judiciria brasileira quando no Brasil tiver de ser cumprida a obrigao.Em contrapartida, o artigo 101, inciso I, d Cdigo de Proteo e Defesa do Consumidor, aplicvel em contratos internacionais de consumo, estabelece a possibilidade de opo pelo consumidor do domiclio em que deseja demandar a outra parte. Nesse contexto, eventual medida judicial da parte contratante nacional, em face da internacional, poder ser movida no Brasil ou no estrangeiro, escolha da parte nacional, caso trate de relao de consumo.Definido o foro, passamos anlise da lei aplicvel. certo que o artigo 9, da Lei de Introduo ao Cdigo Civil, estabelece a aplicabilidade da lei do pas em que se constituiu a obrigao, porm no 1, do mesmo artigo, h previso de que destinando-se a obrigao a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, ser esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrnsecos do ato.Portanto, o 1, do artigo 9, da LICC, traz fundamento para a aplicao do direito brasileiro (CDC, por exemplo), mas h que se ter cautela, vez que embora movida a ao no Brasil, a execuo de eventual sentena, obrigatoriamente, se dar no pas de origem da parte estrangeira, devendo ser observados, de forma analgica, os requisitos do artigo 15 da Lei de Introduo ao Cdigo Civil, sob pena de restries na eficcia da sentena em solo estrangeiro.[96]Exaurida a questo da legislao aplicvel nos contratos internacionais virtuais, faz-se necessrio o debate sobre a privacidade e segurana jurdica desses contratos. Nesse contexto, precisa buscar o conceito de certificado digital.Um certificado digital um arquivo eletrnico que identifica quem seu titular, pessoa fsica ou jurdica, ou seja, um documento eletrnico de identidade. Quando so realizadas transaes, de forma presencial, muitas vezes solicitada uma identificao, por meio de um registro que comprove a identidade. Na Internet, como as transaes so feitas de forma eletrnica, o certificado digital surge como forma de garantir a identidade das partes envolvidas.[97]A MP 2.200-2, de 24/08/2001, garante validade jurdica aos documentos assinados eletronicamente com os Certificados Digitais emitidos no mbito da ICP-Brasil dando assinatura digital a mesma eficcia probatria da assinatura de punho. Segue texto do art. 1 da citada MP:Fica instituda a Infra-Estrutura de Chaves Pblicas Brasileira ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurdica de documentos em forma eletrnica, das aplicaes de suporte e das aplicaes habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realizao de transaes eletrnicas seguras.Segundo a Receita Federal do Brasil, hoje, a certificao digital considerada uma ferramenta de segurana extremamente eficaz, garantindo a integridade das informaes que trafegam na Internet e identificao da origem e do destino. E segue:A certificao digital garante privacidade nas transaes (garantia de que as informaes trocadas nas transaes eletrnicas no sero lidas por terceiros), integridade das mensagens (garantia de que as informaes trocadas nas transaes eletrnicas no foram alteradas desde que foram assinadas), autenticidade (garantia de identidade da origem e destino da transao), assinatura digital (assinatura eletrnica baseada em mtodos criptogrficos que gerada a partir de um conjunto de regras e que atribui ao documento a possibilidade de aferir, com segurana, sua integridade e a identificao do autor do documento eletrnico) e no repdio (garantia de que somente o titular do certificado digital poderia ter realizado determinada transao, impedindo que os integrantes de uma transao venham a contestar ou negar uma transao aps sua realizao).[98]Diante disso, entende-se que para tornar inquestionvel um contrato internacional virtual, faz-se necessrio que o mesmo tenha sido concludo com o uso de certificao digital.

6 Liberdade clausular e seus principais problemasJunto com a questo da liberdade de escolha da lei aplicvel pelas partes surge o problema da ausncia de definio, quando preciso estabelecer regras que permitam determinar o interesse das partes quando da formulao do contrato.O elemento da legalidade nunca deve ser esquecido quando falamos em autonomia de vontade, pois antes de qualquer vontade individual, deve estar o interesse coletivo, diante do qual, todos devemos respeito s leis imperativas, ordem pblica em geral, soberania nacional e os bons costumes.Irineu Strenger entende que a liberdade clausular proporciona prazer e felicidade s pessoas em geral, explicando:Essa a razo profunda pela qual a vontade privada um elemento que anima as situaes jurdicas e, mesmo nas situaes subjetivas que encontram sua fonte na lei, a vontade privada pode declinar desse modo de aquisio e desistir de seu direito, seja pela via da transferncia, seja num caso normal, seja mesmo quando a transferncia impossvel por motivo de abandono.[99]Irineu Strenger, como renomado autor que , afirma que as leis do Estado devem servir de garantia, de tutela e de complemento liberdade das pessoas e, assim define, a autonomia da vontade:Autonomia da vontade a faculdade concedida aos indivduos de exercer sua vontade, tendo em vista a escolha e a determinao de uma lei aplicvel a certas relaes jurdicas nas relaes internacionais, derivando da confiana que a comunidade internacional concede ao indivduo no interesse da sociedade, e exercendo-se no interior das fronteiras determinadas, de um lado, pela noo de ordem pblica, e, de outro, pelas leis imperativas, entendendo-se que, em caso de conflito de qualificao, entre um sistema imperativo e um sistema facultativo, a propsito de uma mesma relao de direito, a questo fica fora dos quadros da autonomia, do mesmo modo que somente se torna eficaz medida que pode ser efetiva.[100]Irineu Strenger segue, diferenciando o entendimento dos subjetivistas e dos objetivistas quanto ao tema:Para os subjetivistas puros, a vontade prima sobre a lei, ou seja, o ajuste de vontades suficiente para dar nascimento ao contrato. A priori as partes no esto submetidas, pelo contrato, a nenhuma das leis estatais em presena. medida que escolhem a lei aplicvel, esta adquire fora obrigatria, em razo da vontade das partes. A lei escolhida assume o carter de disposio contratual. Para os objetivistas puros, a lei prima sobre o contrato, a vontade no desempenha nenhum papel na determinao da lei aplicvel, que fica na dependncia da localizao objetiva do contrato. Assim, o elemento de conexo imperativo e nico do contrato a lei do lugar de sua constituio ou concluso, como ocorre em diversos ordenamentos.[101]Irineu Strenger defende a autonomia da vontade dos contratantes como recurso extremamente til na perspectiva da previsibilidade do direito, da segurana das transaes e dos interesses do comrcio internacional. Ressalta ainda que, embora o Brasil ainda no tenha aderido legislativamente autonomia da vontade, os procedimentos das autoridades administrativas ligadas ao comrcio exterior e as prprias decises judicirias apontam para a aceitao da validade e fora das clusulas de eleio do direito aplicvel. E conclui: A presso do comrcio internacional nesse sentido tem sido irresistvel, permitindo afirmar que o nico obstculo ao princpio da autonomia da vontade nos contratos internacionais do comrcio a ofensa ordem pblica, assim mesmo com a crescente amenizao desse bloqueio[102].

7 Consideraes finaisO comrcio internacional faz parte da vida de cada cidado no mundo globalizado em que vivemos. Nesse contexto, os contratos internacionais, diferenciados dos contratos internos por trazer um elemento de estraneidade que pode vincul-lo a dois ou mais sistemas jurdicos, apontam como um estudo de fundamental importncia.A autonomia da vontade, juntamente com o elemento de negocialidade e a necessidade de dois ou mais sistemas jurdicos afetados, so as principais caractersticas dos contratos internacionaisAssim, percebemos que a autonomia de vontade uma necessidade prtica do comrcio internacional, especialmente pela falta de legislao especfica e uniforme na matria, porm somente poder prevalecer quando no conflitar com norma imperativa ou de ordem pblica.Um dos principais aspectos a considerar no mbito da autonomia da vontade a eleio do foro do contrato, ou seja, o local onde as eventuais desavenas entre as partes sero julgadas. A determinao do foro dever ser uma das maiores preocupaes dos envolvidos em um contrato internacional, pois sua omisso ou dubiedade podero acarretar problemas difceis, praticamente impossveis de resolver, gerando desconforto e prejuzos para as partes, prejuzo esse que pode alcanar impossibilidade de futuras negociaes internacionais. Conclumos da, que a presena de um advogado especialista em Direito Internacional essencial na elaborao de um contrato internacional, pois poder evitar lstimas futuras dos comerciantes.A autonomia da vontade das partes tambm alcana a possibilidade de escolha da lei aplicvel ao contrato, que poder ser a legislao de um determinado pas (um dos pases contratantes ou um terceiro pas), a lex mercatoria, ou as regras de uma conveno internacional que prev a arbitragem para soluo dos eventuais conflitos decorrentes do negcio.Ocorrendo alterao na lei escolhida para reger o contrato, temos opinies divergentes sobre sua interferncia no mesmo. Tem-se que, se o dispositivo for transcrito, no sofrer influncia da alterao legislativa, enquanto que, se apenas citado, ser alcanado pela alterao. Para uma maior segurana jurdica das partes envolvidas no negcio, anota-se como ideal, a insero de uma clusula que preveja que qualquer modificao na lei elegida, no afetar o contrato.A ausncia de lei especfica sobre os contratos internacionais e os temas que os envolvem ameaam a evoluo do comrcio brasileiro neste ambiente de disputa global, prejudicando os comerciantes nacionais. A uniformizao jurdica necessria para dar continuidade neste processo, regras comuns garantem segurana jurdica aos envolvidos, independente de serem provenientes de um pas de Primeiro Mundo ou em desenvolvimento.A regulamentao de um contrato interblocos parece simptica, pelo fato de introduzir benefcios s pessoas envolvidas com negcios em tal esfera. A elaborao de uma lei uniforme nos blocos econmicos encontra sua maior dificuldade nas particularidades de cada ordenamento nacional, e no sentimento de soberania (simples pretexto, pois se trata de protecionismo) dos pases-membros, pontos estes, que ainda impedem que suas legislaes sejam acrescidas por um ato uniformeinterblocos.A evoluo do comrcio eletrnico trouxe consigo a necessidade da discusso sobre a validade dos contratos internacionais virtuais. Tais contratos tm validade, sendo que a segurana jurdica e a privacidade dos contratantes nesta espcie contratual so obtidas atravs da recente inovao tecnolgica conhecida como certificao digital. Tambm pudemos identificar que a legislao nacional protege o consumidor nas contrataes virtuais extraterritoriais.Enfim, a autonomia da vontade dos contratantes recurso de relevante utilidade aos interesses do comrcio internacional. E o Brasil, apesar de ainda apresentar alguns empecilhos ao uso desse princpio, pouco a pouco tem aceitado a sua validade, o que beneficia os comerciantes nacionais, fazendo-os participarem mais ativamente do comrcio mundial.

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