A Árvore de Phobos

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Conto. A árvore de Phobos é um presente dos deuses da Guerra e do Amor.

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A Árvore de Phobos

E de Ares rompe-escudoCitereia pariu Pavor e Temor terríveis.

Hesíodo

A árvore era linda, frondosa, bem maior do que os prédios que a circundavam, o que

lhe dava imponência e singularidade. As formas do tronco e dos galhos eram suaves,

talhadas, quem sabe, pelas mãos de um deus caprichoso. Sua cor é que causou alguma

controvérsia. Para uns, era negra; para outros, marrom ou, para os últimos, tão clara quanto

o marfim. Acontece que a superfície da madeira refletia diferentemente a luz na mínima

variação do ângulo de visão, o que dava a impressão de que se via uma árvore distinta a

cada vez em que o observador movimentava-se em torno dela. As folhas, verde-escuras,

quase negras, tinham a superfície tão lisa e cristalina quanto um espelho, proporcionando

aos observadores ter em seus rostos e corpos pequenos grãos de luz refletidos.

A notícia espalhou-se pelas cidades vizinhas. Em pouco tempo, multidões de

curiosos afloraram das estradas, o que foi, de início, recebido com agrado. O próprio

Imperador foi consultado para promover a construção de uma vasta rede de templos, além

de novas acomodações para os visitantes.

Até que, na terceira semana após o seu miraculoso aparecimento, tentaram roubá-la.

Nem mesmo foi à noite, como geralmente os ladrões fazem. Fizeram-lhe um cerco

enquanto outros tentaram derrubá-la de todas as maneiras possíveis. O fato é que nem os

homens e seus maiores esforços, seus machados, facas ou quaisquer outros utensílios

surtiram o menor efeito, nem mesmo um arranhão, o que lhes causou um enorme

constrangimento e um considerável alívio entre os moradores locais.

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O resultado é que os que habitavam o “jardim da árvore” – assim é que os

moradores daquela cidade passaram a ser conhecidos – tomaram medidas extremas de

proteção à sua preciosidade. Todos os portões foram selados e, nas estradas de acesso, uma

guarda local passou a barrar a permanência de qualquer homem, mulher ou criança que não

pertencesse às cercanias. O próprio Imperador e sua comitiva foram desencorajados a

realizar uma visita agendada antes do atentado – fato que não seria jamais esquecido.

Ínfimos lugares foram vasculhados a fim de pesquisar se ainda restava um ou outro vindo

de fora. Até os empregados recém-contratados tiveram que ser despedidos. Ninguém mais

podia sequer imaginar a perda daquela árvore. Principalmente agora, quando ela dava os

seus primeiros frutos.

No início, as pequenas flores mal podiam ser vistas em meio às folhas verde-

escuras. Mas elas logo cresceram tão miraculosamente como, aliás, tudo o que acontecia

com aquela maravilha. Amarelas – ao contrário do que um poeta diria milhares de anos

depois –, não eram pálidas; mais pareciam pequenos discos solares. Por essa época, os

estranhos haviam sido expulsos e ninguém de fora soube das flores, como também dos

frutos que vieram depois – da cor do ouro e respingados de vermelho.

A princípio, houve grande medo de prová-los. Mas a curiosidade foi, aos poucos,

vencendo a precaução. Aquele que se aventurou a conhecer-lhes o gosto foi aclamado com

grande pompa e circunstância, já que nenhum animal doméstico ou selvagem submetia-se a

mordê-los. Como é comum nessas ocasiões, um culto especial foi realizado e mesmo a

cobaia, um membro da baixa elite local, foi batizada de “O primeiro homem” – ou aquele

que, em primeiro lugar, provaria o que somente pelos deuses poderia ser conhecido.

Ficaram todos embasbacados a olhá-lo em cima da árvore retirando um dos frutos e

comendo, secretamente a esperar que ele caísse fulminado no chão. Mas não foi isso o que

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aconteceu. Ele não só comeu todo o fruto, como tirou outro e o guardou no bolso, talvez

pensando em jantá-lo mais tarde. Suas palavras foram, numa tradução aproximada do

idioma local “A fruta é doce; amarga um pouco ao final e não tem caroço!”

Na manhã seguinte, havia uma fila em frente à árvore e cada cidadão recebeu a sua

cota merecida. Havia muitos frutos, mas não o suficiente para a coletividade – como

sempre, os ricos e os nobres foram agraciados com mais de um para cada família, enquanto

o resto levou, quando muito, uma pequena lasca amarela a ser dividida da melhor maneira –

a maioria estava satisfeita quando houve a invasão.

O Imperador, a princípio, tinha ódio no olhar quando vislumbrou a árvore. Mas sua

visão magnífica transformou-o radicalmente. Pouco tempo depois, estava tão satisfeito que

mandou trucidar somente o povo, os escravos e, claro, os soldados inssurretos, deixando a

maior parte elite arrependida entre os salvos. Mas essa alegria durou pouco tempo. Durante

as três semanas seguintes em que quatrocentas e oitenta e duas pessoas foram executadas

das mais variadas formas, ele assistiu ao lento desaparecimento da maravilha de seu

império.

A árvore estava a ficar, a cada dia, mais transparente. Numa das muitas manhãs em

que o Imperador acordou mais cedo a fim de melhor contemplá-la, seu desespero foi tão

grande que permaneceu ali, perplexo – imóvel por muito tempo. E ficaria por muito mais se

não tivesse sido interrompido pela presença de um nobre senhor local disposto

voluntariamente a contar pela trigésima quinta vez o motivo de não haver guardado para o

tirano nem mesmo a casca de um dos doze frutos sagrados que lhe foram confiados.

É preciso dizer que, àquela altura, nenhum dos frutos havia sobrado e o Imperador

guardava um secreto rancor de não ter provado sequer um deles. A reação àquela

interrupção foi imediata – o seu punhal desceu preciso na jugular do nobre senhor, que

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ainda deu alguns passos e foi morrer aos pés da árvore. A revelação veio por conta do

sangue que lhe jorrava do pescoço – estranhamente parecia vivificar a transparência do

tronco. É claro que imediatamente o seu cadáver foi cortado em pedaços e todo o seu

sangue extraído a fim de manter a árvore no mundo. Pouco depois, descobriu-se que esse

efeito só era possível com o sangue daqueles que haviam se servido das frutas amarelas.

Antes de ser sacrificada, o Imperador foi informado que a última vítima que havia

provado o fruto queria dar-lhe um presente. Foi com imenso espanto que o Imperador viu,

diante de si, um fruto amarelo e respingado de vermelho – era aquele que “o primeiro

homem” havia guardado e que, agora sabemos, ele não o comera – a alegria do tirano não

foi maior porque, naquele mesmo instante, a árvore desaparecera por completo.

Esta antiga história percorreu diversas tradições e culturas – o pouco que se sabe é

que surgiu entre os Assírios, povo que teve o seu esplendor no século VII a.C. e foi

conhecido por sua crueldade ao dominar e aterrorizar grande parte da Mesopotâmia, dos

reinos de Israel e até do Egito. Presente divino de Assur e de Isthah, ela foi conhecida

durante muitos séculos como a Árvore de Phobos porque, segundo os gregos, o medo é o

que se pode esperar da união entre os deuses da guerra e da paixão.