A APROPRIAÇÃO DA ESCRITA POR CRIANÇAS SURDAS USUÁRIAS DA LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA - Sonia...

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS DE ASSIS SÔNIA MARIA DECHANDT BROCHADO A APROPRIAÇÃO DA ESCRITA POR CRIANÇAS SURDAS USUÁRIAS DA LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA ASSIS – SP 2003

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Este estudo enfoca a apropriação da escrita da Língua Portuguesa por crianças surdas, usuárias da Língua de Sinais Brasileira. Objetiva investigar o desempenho de informantes surdos em Língua Portuguesa, na modalidade escrita, como segunda língua, que tenham acesso através da primeira língua, a Língua de Sinais Brasileira.Para isto, selecionam-se, no Ensino Fundamental, crianças surdas, na faixa etária de 8 a 11 anos, usuárias de língua de sinais, que interagem com professora ouvinte, instrutora e monitora surdas.

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CINCIAS E LETRAS DE ASSIS

    SNIA MARIA DECHANDT BROCHADO

    A APROPRIAO DA ESCRITA POR CRIANAS SURDAS USURIAS DA LNGUA DE SINAIS BRASILEIRA

    ASSIS SP 2003

  • SNIA MARIA DECHANDT BROCHADO

    A APROPRIAO DA ESCRITA POR CRIANAS SURDAS USURIAS DA LNGUA DE SINAIS BRASILEIRA

    Tese apresentada Faculdade de Cincias e Letras de Assis UNESP para obteno do ttulo de Doutor em Letras (rea de Concentrao: Filologia e Lingstica Portuguesa) Orientador: Dr. Rony Farto Pereira.

    ASSIS SP 2003

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) Biblioteca da F.C.L. Assis UNESP

    Brochado, Snia Maria Dechandt B863a A apropriao da escrita por crianas surdas usurias da lngua de sinais brasileira / Snia Maria Dechandt Brochado. Assis, 2003. 431 f. : il.

    Tese de Doutorado Faculdade de Cincias e Letras de Assis Universidade Estadual Paulista.

    1. Crianas surdas. 2. Lngua de sinais. 3. Escrita. 4. Lingstica. I. Ttulo.

    CDD 362.42 410

  • SNIA MARIA DECHANDT BROCHADO

    A APROPRIAO DA ESCRITA POR CRIANAS SURDAS USURIAS DA LNGUA DE SINAIS BRASILEIRA

    Tese apresentada Faculdade de Cincias e Letras de Assis UNESP para obteno do ttulo de Doutor em Letras (rea de Concentrao: Filologia e Lingstica Portuguesa) Orientador: Dr. Rony Farto Pereira.

    Data de Aprovao: / /

    Banca Examinadora:

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  • Para a minha famlia, que partilha comigo

    todos os momentos da vida, a caminhada, as realizaes.

    A eles, por tudo que tm me ensinado solidariedade e amor.

    Para minha me, exemplo de quem venceu as adversidades,

    sem abrir mo de seus valores.

  • AGRADECIMENTOS

    Ao Professor Dr. Rony Farto Pereira, por sua orientao, paciente e respeitosa, meus sinceros

    agradecimentos.

    Professora Dra. Eullia Fernandes, consultora atenta e dedicada, pelas crticas e sugestes valiosas, a minha gratido.

    Professora Dra. Ronice Mller de Quadros, pela ateno e competncia com que sempre me atendeu, o meu carinho.

    Professora Dra. Regina Maria de Souza, Professora Dra. Zilda Gesueli e todos os amigos dos Workshops e Ciclos de Palestras sobre surdez e lngua de sinais, realizados na UNICAMP e dos Simpsios sobre surdez realizados no INPLA/PUC, por todas as oportunidades de dilogo e pela receptividade, o meu carinho.

    Aos meus amigos do Curso de Ps-Graduao, na UNESP, campus de Assis, pelas interlocues e pelo incentivo que impulsionaram este trabalho. A vocs, um grande beijo.

    Aos amigos professores ouvintes e surdos, intrpretes, coordenadores e diretores das escolas pesquisadas, pela solidariedade em me acolher, abrir espao para a pesquisa e discutir comigo

    questes especficas referentes a este estudo. Meus agradecimentos pelo apoio e colaborao.

    Aos amigos e colegas de trabalho da FAFIJA UNESPAR, que me apoiaram e incentivaram de alguma forma na realizao deste estudo.

    Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel CAPES, pelo financiamento da bolsa de estudos.

    Especial agradecimento aos alunos surdos que participaram com suas interlocues e com seus textos escritos, pois sem vocs este trabalho no poderia se realizar.

    A todos que contriburam de diferentes formas para a finalizao deste trabalho, um beijo carinhoso.

  • RESUMO

    Este estudo enfoca a apropriao da escrita da Lngua Portuguesa por crianas surdas, usurias da Lngua de Sinais Brasileira. Objetiva investigar o desempenho de informantes surdos em Lngua Portuguesa, na modalidade escrita, como segunda lngua, que tenham acesso atravs da primeira lngua, a Lngua de Sinais Brasileira. Para isto, selecionam-se, no Ensino Fundamental, crianas surdas, na faixa etria de 8 a 11 anos, usurias de lngua de sinais, que interagem com professora ouvinte, instrutora e monitora surdas. Realizam-se filmagens de episdios e prticas de letramento, em situaes cotidianas na sala de aula, durante os anos 2000, 2001 e 2002, com a participao da pesquisadora e da intrprete de sinais. Dessa forma, identifica informantes surdos pr-lingsticos, usurios da Lngua de Sinais Brasileira; verifica a sua capacidade de compreender e se expressar em sinais; observa a influncia de sua primeira lngua (L1) no desempenho de uma segunda lngua (L2), na modalidade escrita; analisa as produes escritas destes informantes para avaliar este processo. Focaliza os processos interacionais que tomam lugar, por meio da lngua de sinais, na construo da escrita na sala de aula. Adota como pressupostos as proposies tericas da Lingstica Interdependente e do conceito de interlngua. Considera as lnguas de sinais como o caminho natural pelo qual as crianas surdas podem se comunicar de modo efetivo e se desenvolver cognitivamente _ razo por que se julga necessrio oferecer-lhes oportunidade de aquisio desta lngua o mais precoce possvel. Reputa a hiptese de que os mecanismos mentais que levam estruturao do domnio de uma lngua encontram outras bases para desenvolver-se que no esto pautadas na exposio sonora, isto , que o crebro dos seres humanos encontram outras formas de entrada para o domnio das regras gramaticais de uma lngua, mesmo privados da audio, desde que haja interao e ambiente lingstico adequado, isto , contexto sciocultural. Analisa as interlocues ocorridas em sinais enquanto as crianas elaboram, lem ou produzem textos, visando observao do produto enquanto resultado do processo de apropriao da Lngua Portuguesa, na modalidade escrita. Com referncia s produes escritas dos alunos, as observaes indicam que suas interaes com textos escritos em portugus se realizam por meio da lngua de sinais, mediando a elaborao do sistema da escrita.

    Escrita Lingstica Surdo

  • ABSTRACT

    This study focuses the appropriation of the writing, and its use, of the Portuguese as a Second Language, by deaf children who have the Brazilian Language of Signals as their first language. For this, children carrying bilateral serious deafness, at the ages of eight to 11 years old, from Elementary School are chosen. They interact with the head teacher who is not deaf and with an instructor and her helper who are deaf. Daily routines in the classroom, such as literacy are recorded with a camera during the years 2000, 2001 and 2002, with the participation of the researcher and the signal translator. This work identifies subjects carrying pre-linguistic serious deaf who are users of the Brazilian Language of Signals; it verifies their ability to understand and to express themselves through hand signals; it observes the influence of their first language (L1) on their performance when writing a second language (L2); it analyzes the written productions of these subjects in order to evaluate this process. It focuses the interactionism processes that take place, by means of the language of signals, in the construction of the writing in the classroom. It adopts as estimated the theoretical proposals of The Linguistic Interdependence Theory and concept of interlanguage. It considers the languages of signals as the natural way of which deaf children can communicate themselves in an effective way and have a cognitive development _ reason to why is thought necessary to offer them the chance of acquiring this language as early as possible. It considers the hypothesis of that the mental mechanisms that lead to the foundation of the domain of a language, find other bases than the exposition to sounds to get developed, that is, that the brain of the human beings finds other inputs for the domain of the grammatical rules of a language, even deprived of the hearing capability, once it has interaction and is in an adjusted linguistic environment, that is, a socio-cultural context. It analyzes the occurred signal speeches while the children elaborate, read or produce texts, aiming the observation of the product as a result of the process of appropriation of the Portuguese Language, in the written modality. With reference to the written productions of the pupils, the comments indicate that their interactions with texts written in Portuguese happen through the means of the language of signals, mediating the elaboration of the writing system.

    Writing - Linguistic - Deaf

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1: Distino entre aquisio e aprendizagem ....................................................... 40 Quadro 2: Dados gerais dos alunos surdos ..................................................................... 111 Quadro 3: Aspectos morfolexicais de algumas categorias gramaticais ........................... 248 Quadro 4: Ordenao dos constituintes FEL1 .............................................................. 265 Quadro 5: Ordenao dos constituintes MAY2 ............................................................. 269 Quadro 6: Ordenao dos constituintes VI3 ................................................................. 272 Quadro 7: Ordenao dos constituintes WAL4 ............................................................. 274 Quadro 8: Ordenao dos constituintes SUE5 ............................................................. 279 Quadro 9: Ordenao dos constituintes KAT6 .............................................................. 283 Quadro 10: Ordenao dos constituintes AMA7 ........................................................... 285 Quadro 11: Ordenao dos constituintes NAY8 ........................................................... 287 Quadro 12: Ordenao dos constituintes ANGEL9 ...................................................... 289 Quadro 13: Ordenao dos constituintes GUS10 ......................................................... 291 Quadro 14: Ordenao dos constituintes MAU11 ........................................................ 293 Quadro 15: Ordenao dos constituintes DOU12 ........................................................ 295 Quadro 16: Ocorrncias sintticas no gnero narrativo reconto ..................................... 300 Quadro 17: Caractersticas do aluno FEL1 e produo textual ....................................... 382 Quadro 18: Caractersticas do aluno MAY2 e produotextual ....................................... 389 Quadro 19: Caractersticas do aluno VI3 e produo textual .......................................... 395 Quadro 20: Caractersticas do aluno WAL4 e produo textual ...................................... 399 Quadro 21: Caractersticas do aluno SUE5 e produo textual ...................................... 406 Quadro 22: Caractersticas do aluno KAT6 e produo textual ....................................... 414 Quadro 23: Caractersticas do aluno AMA7 e produo textual ...................................... 418 Quadro 24: Caractersticas do aluno NAY8 e produo textual ...................................... 421 Quadro 25: Caractersticas do aluno ANGEL9 e a produo textual .............................. 423 Quadro 26: Caractersticas do aluno GUS10 e produo textual .................................... 425 Quadro 27: Caractersticas do aluno MAU11 e produo textual .................................... 427 Quadro 28: Caractersticas do aluno DOU12 e produo textual .................................... 429

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Processo de aquisio ........................................................................................ 38 Figura 2: Aquisio e aprendizagem em segunda lngua .................................................. 41 Figura 3: Funo do filtro afetivo ........................................................................................ 45

    LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1: Relao entre as ocorrncias sintticas de SVO e TC na produo textual de FEL1 ................................................................................................ 268

    Grfico 2: Relao entre as ocorrncias sintticas de SVO e TC na produo textual de MAY2 ............................................................................................... 271

    Grfico 3: Relao entre as ocorrncias sintticas de SVO e TC na produo textual de VI3 ................................................................................................... 273

    Grfico 4: Relao entre as ocorrncias sintticas de SVO e TC na produo textual de WAL4 ................................................................................................278

    Grfico 5: Relao entre as ocorrncias sintticas de SVO e TC na produo textual de SUE5 ............................................................................................... 282

    Grfico 6: Relao entre as ocorrncias sintticas de SVO e TC na produo textual de KAT6 ................................................................................................ 284

    Grfico 7: Relao entre as ocorrncias sintticas de SVO e TC na produo textual de AMA7 ............................................................................................... 286

    Grfico 8: Relao entre as ocorrncias sintticas de SVO e TC na produo textual de NAY8 ............................................................................................... 288

    Grfico 9: Relao entre as ocorrncias sintticas de SVO e TC na produo textual de ANGEL9 ........................................................................................... 290

    Grfico 10: Relao entre as ocorrncias sintticas de SVO e TC na produo textual de GUS10 ........................................................................................... 292

    Grfico 11: Relao entre as ocorrncias sintticas de SVO e TC na produo textual de MAU11 .......................................................................................... 294

    Grfico 12: Relao entre as ocorrncias sintticas de SVO e TC na produo textual de DOU12 .......................................................................................... 297

  • Grfico 13: Relao entre o total de frases e a ocorrncia de SVO segundo o gnero narrativo reconto de estrias (Relao por aluno) ......................................... 303

    Grfico 14: Relao entre o total de frases e a ocorrncia de TC segundo o gnero narrativo reconto de estrias (Relao por aluno) ......................................... 303

    Grfico 15: Ocorrncias de construes SVO e de TC no reconto de estrias (Relao por aluno) ....................................................................................................... 304

    Grfico 16: Relao entre o total de frases na produo textual e a ocorrncia de SVO (Relao por aluno) ............................................................................... 304

    Grfico 17: Relao entre o total de frases na produo textual e a ocorrncia de TC (Relao por aluno) .................................................................................. 305

    Grfico 18: Ocorrncias de construes TC e de SVO na produo textual (Relao por aluno) ....................................................................................................... 305

    Grfico 19: Relao entre o total de frases na produo textual e a ocorrncia de SVO e TC (Relao por aluno) ...................................................................................306

    Grfico 20: Proporo de ocorrncias de traos sintticos SVO e TC na produo textual dos informantes ...................................................................................306

    Grfico 21: Proporo de ocorrncias de traos sintticos SVO e TC na produo textual no gnero narrativo reconto de estrias ............................................. 307

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1: Relao entre as ocorrncias sintticas de SVO e TC na produo textual de FEL1 ................................................................................................ 268

    Tabela 2: Relao entre as ocorrncias sintticas de SVO e TC na produo textual de MAY2 ................................................................................................271

    Tabela 3: Relao entre as ocorrncias sintticas de SVO e TC na produo textual de VI3 ....................................................................................................273

    Tabela 4: Relao entre as ocorrncias sintticas de SVO e TC na produo textual de WAL4 ................................................................................................278

    Tabela 5: Relao entre as ocorrncias sintticas de SVO e TC na produo textual de SUE5 ................................................................................................282

    Tabela 6: Relao entre as ocorrncias sintticas de SVO e TC na produo textual de KAT6 .................................................................................................284

  • Tabela 7: Relao entre as ocorrncias sintticas de SVO e TC na produo textual de AMA7 ............................................................................................... 286

    Tabela 8: Relao entre as ocorrncias sintticas de SVO e TC na produo textual de NAY8 ............................................................................................... 288

    Tabela 9: Relao entre as ocorrncias sintticas de SVO e TC na produo textual de ANGEL9 ........................................................................................... 290

    Tabela 10: Relao entre as ocorrncias sintticas de SVO e TC na produo textual de GUS10 ............................................................................................ 292

    Tabela 11: Relao entre as ocorrncias sintticas de SVO e TC na produo textual de MAU11 ............................................................................................ 294

    Tabela 12: Relao entre as ocorrncias sintticas de SVO e TC na produo textual de DOU12 ............................................................................................ 297

    Tabela 13: Relao entre o total de frases e a ocorrncia de SVO segundo o gnero narrativo reconto de estrias (Relao por aluno) .......................................... 303

    Tabela 14: Relao entre o total de frases e a ocorrncia de TC segundo o gnero narrativo reconto de estrias (Relao por aluno) .......................................... 303

    Tabela 15: Ocorrncias de construes SVO e de TC no reconto de estrias (Relao por aluno) ........................................................................................................ 304

    Tabela 16: Relao entre o total de frases na produo textual e a ocorrncia de SVO (Relao por aluno) ................................................................................ 304

    Tabela 17: Relao entre o total de frases na produo textual e a ocorrncia de TC (Relao por aluno) ................................................................................... 305

    Tabela 18: Ocorrncias de construes TC e de SVO na produo textual (Relao por aluno) ........................................................................................................ 305

    Tabela 19: Relao entre o total de frases na produo textual e a ocorrncia de SVO e TC (Relao por aluno) ....................................................................................306

    Tabela 20: Proporo de ocorrncias de traos sintticos SVO e TC na produo textual dos informantes ....................................................................................306

    Tabela 21: Proporo de ocorrncias de traos sintticos SVO e TC na produo textual no gnero narrativo reconto de estrias .............................................. 307

  • SUMRIO

    CAPTULO I

    INTRODUO ........................................................................................................... 8 1.1 Alguns estudos: contribuies relevantes ........................................................ 15

    CAPTULO II

    UM ENFOQUE NA AQUISIO DA LINGUAGEM .................................................. 30 2.1 As teorias de aquisio de segunda lngua ...................................................... 31 2.2 A Teoria de Krashen ......................................................................................... 37 2.3 Teoria Lingstica Interdependente .................................................................. 50 2.4 Interlngua ......................................................................................................... 55 2.5 Ampliando conceitos: em direo apropriao da lngua ............................... 68 2.6 A apropriao da segunda lngua pelo surdo .................................................... 70

    CAPTULO III

    A PERSPECTIVA ATUAL DA PESQUISA NA AQUISIO DA LNGUA DE SINAIS E DA LNGUA ORAL ................................................................................... 80 3.1 Alguns estudos sobre a escrita ........................................................................ 80 3.2 A apropriao da escrita na surdez .................................................................. 85 3.3 Relaes entre lngua de sinais e leitura da lngua oral ................................... 92 3.4 A estrutura sinttica da frase e a ordem dos constituintes na escrita das crianas surdas ................................................................................................. 99

  • CAPTULO IV

    CONSIDERAES METODOLGICAS ............................................................... 107 4.1 As condies da pesquisa ............................................................................. 107 4.2 Caracterizao do grupo de informantes ...................................................... 113 4.3 Instrumentos e coleta de dados .................................................................... 119 4.4 Transcrio dos dados .................................................................................. 122 4.4.1 Sistema de notao simplificado ................................................................... 123

    CAPTULO V

    DESCRIO E ANLISE DOS DADOS ................................................................ 127 5.1 Sobre o desempenho das crianas surdas em relao ao uso da Lngua

    de Sinais Brasileira ...................................................................................... 127 5.2 O desempenho das crianas surdas em relao ao uso da escrita da

    Lngua Portuguesa ...................................................................................... 142 5.2.1 Um olhar sobre os textos dos aprendizes surdos ...................................... 144 5.2.1.1 Sobre os textos e o contexto de produo nas escolas investigadas ........ 145 5.2.2 Caractersticas dos alunos e ocorrncias de traos sintticos e

    morfolexicais nos textos ............................................................................... 241 5.2.3 Ordenao dos constituintes e ocorrncias sintticas na produo

    textual .......................................................................................................... 263 5.2.4 Ordenao dos constituintes e ocorrncias sintticas no gnero

    narrativo reconto .......................................................................................... 299

    CONSIDERAES FINAIS ................................................................................... 311

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ....................................................................... 317

  • ANEXOS

    ANEXO A ............................................................................................................ 332 Questionrio aos professores .................................................................... 333 Questionrio aos pais ................................................................................ 335 Ficha de identificao do sujeito ................................................................ 337

    ANEXO B ............................................................................................................ 338 O mico-leo e sua nova companheira ....................................................... 339

    ANEXO C ........................................................................................................... 342 A morte da tartaruga .................................................................................. 343

    ANEXO D ........................................................................................................... 344 Transcries .............................................................................................. 345

    ANEXO E ............................................................................................................ 381 Quadros esquemticos sobre as caractersticas individuais dos sujeitos e sua produo textual .............................................................................. 382

  • 8

    CAPTULO I

    INTRODUO

    O tema focalizado neste estudo vem de indagaes ligadas rea da surdez, uma vez que esta faz parte da minha trajetria acadmica h vrios anos, desde 1991, concluindo curso de ps-graduao direcionado ao atendimento de alunos portadores de necessidades educativas especiais, notadamente da surdez. Mais tarde, em 1996, concluindo o mestrado em Lingstica1, minha dissertao procurou contribuir para o estudo do desenvolvimento lingstico do surdo. Atualmente, pesquisando para a Tese de Doutoramento, investigo o desempenho em Lngua Portuguesa, na modalidade escrita, com informantes surdos que tm acesso atravs da lngua de sinais.

    Em minha trajetria profissional, este interesse est presente desde 1993, como docente de jovens surdos, em Curso Supletivo do Ensino Fundamental. A partir de 1994, j como professora universitria, continuei atuando nos cursos direcionados Educao Especial. Desta forma, em meu cotidiano, tenho convivido com inmeros questionamentos relacionados s situaes lingsticas, culturais e pedaggicas dos surdos, para as quais procuro respostas nas discusses acadmicas, em congressos e simpsios, bem como por meio de pesquisa e da investigao do processo de construo da linguagem, no contexto escolar.

    Ao ingressar no mestrado, na rea de Lingstica, chamava-me a ateno o atraso acadmico da maioria dos surdos e a falta de interao com o professor ouvinte na sala de aula, o que me parecia gerado pela falta de uma lngua em comum. Alm disto, preocupava-me o processo de aquisio da escrita da Lngua Portuguesa pelos surdos, uma vez que apresentavam uma grande dificuldade de oralizao.

    1 BROCHADO, Snia Maria Dechandt. Contribuio para o Estudo do Desenvolvimento Lingstico do Surdo.

    Dissertao de Mestrado. Unesp / Assis: 1996.

  • 9

    Percebendo a importncia da aquisio precoce da lngua de sinais pelo surdo como sua primeira lngua, e desta conscientizao tambm por parte dos pro- fessores ouvintes na sala de aula, cheguei ao doutorado pretendendo discutir as mudanas que o uso dessa lngua provocaria no cotidiano escolar e sua influncia no processo de aquisio da lngua oral2, na modalidade escrita, como segunda lngua para os surdos. Proponho verificar, na amostra pesquisada, a partir dos dados coletados, como crianas surdas usurias da lngua de sinais, esto entrando no mundo da escrita, sem passar necessariamente pela oralidade. Portanto, neste estudo, objetivo analisar como est ocorrendo a apropriao da escrita da Lngua Portuguesa, como segunda lngua, por informantes que tm como primeira lngua a Lngua de Sinais Brasileira; avaliar os processos envolvidos na construo do sistema lingstico em geral e na construo da escrita em particular; observar os sujeitos na interlocuo, em situaes de aprendizagem da escrita, apresentando como suporte lingstico a lngua de sinais; analisar o produto como resultado do processo, ou seja, as produes textuais resultantes da elaborao escrita em variadas situaes do contexto escolar; descrever e analisar a escrita, nos textos produzidos pelos alunos surdos.

    Fundamentada no que observaram Vygotsky (1988, 1989, 1991a, 1991b), quanto linguagem de uma forma geral e outros estudiosos contemporneos, como Fernandes (1990, 1999a, 1999b, 2000, 2002), quanto linguagem e surdez, passei a investigar o processo de apropriao e desempenho de crianas surdas na escrita da Lngua Portuguesa, como segunda lngua, considerando-o como processo mental independente, no associado ao som que as letras podem refletir.

    Atualmente, vrios estudiosos tm se preocupado com a melhor forma de a pessoa surda adquirir o domnio da lngua oral, na modalidade escrita, como segunda lngua. Pensando nisto, Fernandes (1999a:96), em seu artigo O som, este ilustre desconhecido, afirma aos educadores, lingistas e estudiosos da rea, que o som deve ser dispensado no processo de letramento, considerando-se que a sua ausncia no impede o domnio da lngua escrita. Prope dissociar letra e som como meio de iniciar o letramento, uma vez que a escrita uma funo lingstica distinta, que difere da fala oral tanto na estrutura como no funcionamento (VYGOTSKY,

    2 Cabe, neste estudo, precisar o emprego dos termos lngua oral, referindo-se Lngua Portuguesa e outras

    lnguas de modalidade oral-auditiva (fala e escrita) em oposio lngua de sinais referindo-se Lngua de Sinais Brasileira e outras lnguas de modalidade espao-visual (sinalizao manual e no-manual).

  • 10

    1991b:85). A autora acrescenta que o domnio de uma lngua no est ligado escrita, ou oralizao, ou a outra modalidade lingstica, mas depende de mecanismos cerebrais responsveis pelo domnio e pela internalizao de regras gramaticais. Ressalta que, embora para o ouvinte ouvir seja, possivelmente, o principal modo de processamento de entrada para a seleo dessas regras, para o surdo o mesmo no acontece. A lingista afirma ainda que Vygotsky j havia observado, em suas pesquisas, que o desenvolvimento da escrita no repete a histria do desenvolvimento da fala.

    A partir dessas consideraes, reputo a hiptese de que o aprendizado da Lngua Portuguesa (L2), especialmente a construo da escrita por crianas surdas, que usam a lngua de sinais, pode ocorrer como um processo baseado nas significaes contextuais e no domnio de regras gramaticais, por meio de mecanismos cerebrais que no esto submissos ao ouvir ou ao falar. Parto do pressuposto de que a lngua de sinais a lngua natural dos surdos, e, portanto, sua primeira lngua(L1). Com base nessa hiptese proponho desvincular fala (som) do processo de aprendizagem da escrita, lembrando que at para os ouvintes este processo torna-se comum no ensino de uma segunda lngua ou lngua estrangeira com fins instrumentais. No caso dos surdos, torna-se importante a funo da lngua de sinais no processo de aquisio da escrita, considerando que o domnio dessa modalidade de lngua servir de suporte cognitivo para a aprendizagem de um sistema de signos escritos e permitir sua apropriao por surdos que desconhecem o valor sonoro das palavras, como j foi discutido por Fernandes (1990), Ferreira-Brito (1993), Gesueli (1988, 1998), Fernandes, S. (1999), Snchez (1993), Quadros (1997). Decorrente dessa viso de aquisio bilngue, proponho um enfoque scio-antropolgico da surdez que respeita as diferenas e a cultura surda, opondo-se concepo clnico-teraputica, centrada na limitao sensorial do surdo e seu discurso patologizante, relacionado ao dficit e limitao. Como afirma Gesueli (2000), esta forma de entender a surdez, em oposio ao modelo clnico, vai dissoci-la da noo de deficincia e inseri-la no mbito da educao de uma maneira geral, e no mais no mbito da educao especial. Mais especificamente, no contexto de ensino de segunda lngua, quando se tratar da apropriao da escrita da Lngua Portuguesa. Por esta razo no relevante para este estudo a discusso sobre classificao e grau de surdez dos informantes. So surdos, cuja surdez anterior aquisio da lngua oral e cuja proposta de apropriao da escrita da

  • 11

    Lngua Portuguesa mediada pela lngua de sinais. Assim, considero que os aprendizes surdos apresentam dificuldades de aprendizagem da escrita por apresentarem lngua e cultura diferentes do ouvinte, cujo processo de apropriao de uma segunda lngua corresponde ao de uma lngua estrangeira, com interferncia da primeira lngua e decorrente das especificidades da surdez. Quadros (1999) afirma que o ensino da Lngua Portuguesa para surdos sempre foi baseado no processo de alfabetizao de crianas ouvintes e que, por essa razo, os resultados foram considerados um fracasso. Constata que a criana no atingia o domnio da Lngua Portuguesa, porque a lngua era ensinada oralmente e graficamente durante todo o perodo em que a criana ficava dentro da escola (por volta de 10 a 15 anos, ou mais), sem importar-se com o domnio anterior da lngua de sinais. Baseio-me nos seguintes pressupostos: os informantes so surdos pr-lingsticos3, usurios da lngua de sinais, na faixa etria de 8 a 11 anos de idade, alunos do Ensino Fundamental (2, 3, 4 sries); a Lngua de Sinais Brasileira assume um carter mediador e de apoio na aprendizagem do Portugus, como uma segunda lngua; as leituras destes sujeitos so realizadas em lngua de sinais para a compreenso, decodificao, discusso e criao de textos; assim sendo, a lngua de sinais pode interferir na escritura destes sujeitos e se refletir na produo textual em Portugus; no h anlise de compreenso de textos em L2 (Lngua Portuguesa), porque a leitura (compreenso, decodificao), embora parta de texto em L2, toda feita em L1; as produes textuais (o produto) no tm como finalidade testar a compreenso da leitura, pois a leitura j foi garantida por meio da lngua de sinais; procuro, assim, verificar como est ocorrendo o domnio da escrita nestes sujeitos analisados.

    Tomo como objeto desta pesquisa o estudo da produo escrita de informantes usurios da Lngua de Sinais Brasileira para observar e descrever como est ocorrendo este processo a partir do produto, na amostra pesquisada. Com base na anlise da escrita das produes textuais, reexaminando os dados e construindo reflexes, espero contribuir para que os professores possam refletir sobre seu prprio trabalho.

    3 Chama-se de surdez pr-lingstica aquela que se manifesta antes de o indivduo ter adquirido qualquer tipo de linguagem.

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    Fundamentando-me epistemologicamente no interacionismo, sugiro que a apropriao da escrita pelo surdo se d atravs da interao contnua entre fatores internos e externos, individuais e contextuais.

    Nesta perspectiva, analiso os textos escritos por doze (12) crianas surdas pr-lingsticas, de duas escolas, compondo-se de setenta e trs (73) produes, de variados gneros, incluindo bilhetes, avisos, descries, recontos (estrias, passeios, visitas) e outros, conforme demonstram os quadros pormenorizados no captulo V.

    A anlise dos dados objetiva verificar alguns aspectos gramaticais, entre estes, evidenciam-se aqueles relativos escolha e uso de algumas categorias lexicais e ordem das frases, alm de outros aspectos morfolexicais. Inicialmente, estes dados sero observados em toda a produo textual, afunilando-se posteriormente para os textos de modalidade narrativa reconto.

    Ao realizar as anlises dos aspectos sintticos e morfolexicais que se mostrarem relevantes durante o processamento dos dados, apontados nos quadros, tabelas e grficos do Captulo V, no pretendo fazer um estudo exaustivo do tipo de construo da escrita destes informantes, mas compreender a forma como constroem suas produes escritas para descobrir o que representam. Representam marcas da primeira lngua utilizada pelos surdos? Marcas da linguagem interior? Marcas do Portugus escrito? Marcas de uma interdependncia lingstica? Marcas de uma interlngua dos aprendizes em processo de apropriao da L2?

    Essas e outras questes, apontadas como objetivo do trabalho, podero contribuir significativamente para a compreenso da forma como crianas surdas constroem suas produes escritas.

    Essas anlises objetivam apontar aspectos singulares desta escrita, que no devem ser vistos como desvios ou erros, mas que revelam uma competncia lingstica que necessita ser explicada.

    A compreenso da forma como esses sujeitos produzem enunciados escritos, e, principalmente, o esclarecimento sobre o que essas produes representam e sobre as concepes dos sujeitos com relao escrita, podero contribuir para a reviso de muitas interpretaes a respeito das produes dos surdos.

    A relevncia deste estudo se deve ao crescente interesse pela aquisio da linguagem e de lnguas na surdez, principalmente, por pesquisadores da rea da Lingstica, Neurolingstica, Psicolingstica, Educao, Psicologia, Fonoaudiologia.

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    Dessa forma, este tema representa uma vertente rica para discusses e reflexes. Neste caso, especificamente, a discusso destacada o processo de apropriao da escrita da Lngua Portuguesa como segunda lngua, mediada pela Lngua de Sinais Brasileira.

    Outros trabalhos ressaltando a escrita de surdos j foram realizados. Ora analisando o instrumental lingstico de surdos adultos, em Lngua Portuguesa, no que se refere s dificuldades com o lxico, falta de domnio das estruturas sintticas da lngua e ao uso de algumas classes de palavra, fazendo o levantamento das principais caractersticas da produo escrita (FERNANDES, 1990). Ora evocando os processos de ensino e aprendizagem da criana surda, cuja discusso prope uma linha de atuao voltada para procedimentos que dispensam a dependncia das cadeias sonoras da modalidade oral da escrita (FERNANDES, 2002). Ora relatando a experincia sobre o processo de alfabetizao de crianas surdas cuja fala no estava desenvolvida, contrariando a tradio oralista e demonstrando que a criana capaz de pensar e levantar hipteses sobre a escrita. Ora analisando os processos dialgicos ocorridos na sala de aula e caracterizando a participao da Lngua de Sinais na construo do conhecimento, em atividades com narrativas (GESUELI, 1988, 1998). Ora constatando que as dificuldades de escrita dos alunos surdos se relacionavam com as condies de interlocuo em sala de aula e que podiam ser entendidas pelo uso hbrido e indiferenciado de duas lnguas, no contexto da Comunicao Total (GES, 1994). Ora discutindo a escrita atpica dos surdos em contexto escolar, investigando a construo dos aspectos coesivos dos enunciados desses sujeitos, que interagem no plano visuo-gestual (MARINHO-SILVA, 1999). Ora refletindo e analisando na escrita de surdos adultos fatores de textualidade (coeso e coerncia), com o objetivo de demonstrar a construo do significado nas suas cartas pessoais, levando-se em considerao seu grau de fluncia em lngua de sinais (SANTOS, 1994). Ora analisando, discutindo e buscando compreender alguns aspectos da produo escrita de surdos, com vistas a eleger critrios de avaliao diferenciados em relao Lngua Portuguesa, que possam se constituir em subsdios para analisar suas construes singulares, em comparao escrita de ouvintes. (FERNANDES. S.,1999). Ora analisando narrativas de sujeitos surdos em um nvel de 1 a 5 sries, objetivando verificar se organizam suas narrativas em sees e observando o uso de algumas categorias gramaticais (SILVA, 1998). Ora tratando da construo da referncia em

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    Lngua de Sinais Brasileira e na escrita do Portugus (BERNARDINO, 1999). Ora analisando textos escritos por aprendizes surdos (crianas e adolescentes), demonstrando haver correlao entre a qualidade dos textos e as condies de produo envolvidas, propondo uma abordagem que se fundamente numa evoluo em paralelo (L1 e L2), que culminaria na apropriao de um bilingismo funcional (COSTA, 2001).

    A importncia deste estudo no fazer um estudo exaustivo do tipo de construo da escrita dos surdos, mas, sim, descobrir o que tais produes representam. Enfim, oferecer contribuies significativas para a compreenso da forma como os surdos constroem suas produes escritas. Nesse sentido, contribuir para o ensino da Lngua Portuguesa, bem como, para sistemas de descrio, categorizao e anlise de textos produzidos por aprendizes surdos.

    Alm de contribuir com a pesquisa na rea, os resultados deste estudo podero beneficiar: a) a equipe tcnico-pedaggica e os professores das instituies observadas que podero refletir sobre o seu trabalho, com base nos resultados encontrados; b) os profissionais que atuam na rea da surdez e que venham buscar subsdios para seu trabalho; c) novos estudos sobre a aquisio da escrita pelo surdo; d) a busca de estratgias educacionais mais adequadas; e) os alunos, a partir da conscientizao do desempenho que demonstrem ter.

    Metodologicamente, pretendo: . identificar e comprovar o uso da lngua de sinais pelos informantes; . observar se a lngua de sinais est sendo empregada como base para a leitura, compreenso, discusses, interlocues e criao dos textos; . transcrever as filmagens de episdios ocorridos para anlise deste processo; . coletar a produo escrita ; . descrever e analisar o produto da escrita espontnea destes sujeitos.

    O presente trabalho est organizado da seguinte forma: o primeiro captulo apresenta uma reviso geral da literatura na rea da surdez, discutindo os principais temas abordados na pesquisa, com base na literatura especializada; o segundo e terceiro captulos apresentam consideraes sobre o processo de aquisio da linguagem e da escrita, procurando constituir um referencial terico para a abordagem da apropriao da Lngua Portuguesa pelo surdo, como segunda lngua.

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    O quarto captulo contm as consideraes metodolgicas, com a descrio dos principais aspectos do estudo de campo. O quinto captulo apresenta a anlise e a discusso dos dados, enfocando as elaboraes que as crianas fazem por meio do uso da lngua de sinais, em momentos de produes escritas e em atividades de escritura no cotidiano da sala de aula. Concluo o trabalho com uma sntese das anlises e com algumas reflexes a respeito da aquisio da Lngua Portuguesa, na modalidade escrita, por crianas surdas, com base no resultado do estudo.

    Supondo ser possvel a apropriao da escrita de uma lngua oral-auditiva pelo surdo, mediado por uma lngua espao-visual, independente da sua oralizao, recordo as palavras de Catach :

    o homem refletiu seriamente pela primeira vez sobre sua linguagem por meio da escrita e hoje reflete seriamente sobre a escrita por meio de novos sistemas de signos que se colocam diante dele. (CATACH, 1996:6)

    1.1 ALGUNS ESTUDOS: CONTRIBUIES RELEVANTES

    A partir dos anos 80, no Brasil, os estudos referentes surdez e lngua de sinais vm adquirindo um espao bastante significativo, especialmente, no contexto escolar, reafirmando o papel desta lngua no processo de desenvolvimento lingstico, cognitivo e social do surdo, bem como da aprendizagem da escrita da lngua oral, como segunda lngua por este sujeito. Vrios pesquisadores brasileiros (FERNANDES,1990, 1999a, 1999b, 2002; QUADROS, 1990, 1995, 1997a, 1997b, 1999, 2000, 2002; SOUZA,1996, 2000; GESUELI,1988, 1998; GES, 1994, 1996; FERNANDES,S.1998; FREIRE, 1999; SILVA, 1998; SILVA, 1999; FERREIRA BRITO, 1995, 1993, 1989; FELIPE, 1989, 1993; BERNARDINO, 1999; COSTA, 2001; e outros) tm salientado a importncia desta lngua para aquisio da linguagem do surdo e como mediadora na aprendizagem da lngua oral, na modalidade escrita. Estes e diversos outros trabalhos produzidos no Brasil sobre a escrita dos surdos podero oferecer contribuies significativas para a compreenso da forma como os surdos constroem suas produes escritas.

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    Destacam-se nestes estudos questes que so relevantes e que podero servir de referncia para esta pesquisa.

    Alguns estudos, realizados por diferentes pesquisadores, assinalam que os surdos, como os ouvintes, podem se desenvolver lingisticamente, desde que tenham um input lingstico adequado que lhes ensejem a aquisio da lngua de sinais o mais cedo possvel, como primeira lngua. Esse estmulo compreensvel, que facilita a aquisio da primeira e tambm da segunda lngua pela criana surda, visual, ocorrendo na aquisio da Lngua Portuguesa, na modalidade escrita, ou na Lngua de Sinais Brasileira, de modalidade espao-visual. Isso demonstra a plasticidade da capacidade cerebral do ser humano para a linguagem simblica que, mesmo privado da audio, por um processo sciocultural, encontra outros meios para desenvolv-la e express-la.

    Fernandes (1999a), considerando os meios de iniciar o letramento de crianas surdas, esclarece:

    Outro engano supor que domnio de lngua est automaticamente ligado escrita ou oralizao. Dominar a lngua dominar regras gramaticais, e os mecanismos cerebrais responsveis por este processo no esto escravizados leitura ou escrita e tampouco ao ouvir ou falar concretamente.(FERNANDES, 1999a:97)

    A mesma autora salienta que, at para ouvintes, ouvir no o nico ou melhor meio de processamento de entrada para a seleo das regras gramaticais de uma lngua, como se poderia supor, pois os mecanismos mentais que levam estruturao do domnio da lngua encontram outras bases para desenvolver-se que no esto pautadas na exposio sonora (FERNANDES, 1999a:96). Portanto, mesmo para ouvintes, h outras possibilidades de aprendizagem da lngua sem o contato sonoro, considerando-se que fala e escrita so processos distintos. A lingista diz que, no caso do letramento na surdez, a escrita o veculo da aquisio das regras gramaticais, do mesmo modo que a fala (modalidade oral-auditiva) o para as crianas ouvintes (FERNANDES, 1999a:98). Observa que, embora a Lngua de Sinais Brasileira seja, atualmente, respeitada e aceita como melhor opo educacional e primeira lngua do surdo, h lacunas importantes nas orientaes quanto ao aprendizado da Lngua Portuguesa como segunda lngua.

    Quadros (1997a, 1997b, 1999, 2002) enfocando o contexto da pessoa surda, ao tratar do processo de aquisio da Lngua de Sinais Brasileira, como L1 e da

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    aprendizagem da Lngua Portuguesa, como L2, considera que a aquisio da linguagem em crianas surdas deve ser garantida atravs de uma lngua espao-visual que, no caso do Brasil, a Lngua de Sinais Brasileira. No entanto, observa que mesmo tendo esta lngua garantida, a educao dos surdos apresenta inmeros problemas que vo alm das lnguas envolvidas no processo educacional. Quadros (1997a) cita vrios estudos, como o de Andersson, 1994; Ahlgren, 1994; Ferreira-Brito, 1993; Berent, 1996; Quadros, 1997b; entre outros, que, a partir de diferentes lnguas de sinais e seu processo de aquisio, passaram a investigar o processo de aquisio por alunos surdos de uma lngua escrita que representa a modalidade oral-auditiva. Esses autores pressupem a aquisio da lngua de sinais como aquisio da L1 e propem a aquisio da escrita da lngua oral-auditiva como aquisio de uma L2. Quadros (1997b:81) aponta aspectos fundamentais da segunda lngua por alunos surdos:

    a) o processamento cognitivo espacial especializado dos surdos; b) o potencial das relaes visuais estabelecidas pelos surdos; c) a possibilidade de transferncia da Lngua de Sinais Brasileira para o

    Portugus; d) as diferenas nas modalidades das lnguas no processo educacional; e) as diferenas dos papis sociais e acadmicos cumpridos por cada

    lngua; f) as diferenas entre as relaes que a comunidade surda estabelece com

    a escrita tendo em vista sua cultura; g) um sistema de escrita alfabtica diferente do sistema de escrita das

    lnguas de sinais4; h) a existncia do alfabeto manual que representa uma relao visual com

    as letras usadas na escrita do Portugus. Alm de considerar que os estudos de aquisio de L2 so consensuais ao

    tratar das questes internas, como a capacidade para a linguagem, seqncia natural e perodo sensvel como pressupostas, discute, ainda, outras questes externas, que devem ser consideradas, pois podem determinar o processo de

    4 Sign Writing (SW), a escrita de sinais sistema desenvolvido por Valerie Sutton e que est sendo utilizado em

    algumas escolas no processo de alfabetizao de crianas surdas. Para maiores informaes consultar:www.signwriting.org e/ou CAPOVILLA, F.C. e RAPHAEL, W. D.(editores). Dicionrio Enciclopdico Ilustrado Trilnge da Lngua de Sinais Brasileira. So Paulo: Ed. da Universidade de So Paulo, 2001.

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    ensino de lnguas. So elas: o ambiente, o tipo de interao (input, output e feedback), a idade, as estratgias e estilos de aprendizagem, os fatores emocionais, os fatores sociais e o interesse dos alunos.

    Aponta para uma proposta educacional bilnge, que prope tornar acessvel criana duas lnguas no contexto escolar, considerando a lngua de sinais como lngua natural e partindo desse pressuposto para o ensino da lngua escrita. Considera ainda que a maioria das crianas surdas que chegam s escolas filha de pais ouvintes, por isso a presena de surdos adultos torna-se imprescindvel como membro de sua comunidade cultural, lingstica e social para criar sua identidade e adquirir sua lngua. Esclarece ainda que o domnio da lngua nativa no garante o acesso a uma segunda lngua, pois o domnio da L1, apesar de ser pressuposto para o ensino de L2, no parece ser suficiente para que o processo de aquisio da L2 se concretize (id.,1997a:30) porque vrios fatores determinam esse processo. Quanto ao ensino da lngua oral-auditiva, sugere que a preocupao primeira deve centralizar-se com os aspectos formais e do significado da lngua, que so questes internas, para depois preocupar-se com as formas de expresso, que so externas, para que o aprendiz tenha uma lngua viva e significativa e no uma expresso mecnica e sem sentido. Os aspectos formais da lngua, isto , aspectos do processamento lingstico internos, referem-se aquisio de conceitos e de desenvolvimento semntico. A preocupao que se deve ter no ensino da lngua oral (LP) de centralizar-se nos fatores internos, para, posteriormente, ocupar-se com a forma de expresso (fala e escrita), que a parte externa de uma lngua. Desse modo, a lngua ser mais facilmente apreendida pelo surdo e ser portadora de significado, excluindo uma aprendizagem mecnica. Isto quer dizer que no adianta ater-se, primeiramente, forma de expresso da lngua oral (articulao da fala ou grafia da escrita), sem torn-la significativa. Parece que o objetivo de Quadros, ao discorrer sobre esse processo, ressaltar a importncia de priorizar, na aquisio, os aspectos formais ou internos, que tratam dos processamentos lngsticos conceituais e semnticos da lngua, ao invs de preocupar-se somente com os aspectos externos ou formas de expresso, seja a articulao da fala ou a grafia da escrita.

    Lembra ainda que a implementao de uma proposta bilnge-bicultural no Brasil exige das escolas um trabalho que se inicia com a abertura de espaos para profissionais surdos que possam ser formados para servirem de modelo lingstico-

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    cultural para os alunos surdos e a formao dos prprios profissionais quanto Lngua de Sinais Brasileira e aos pressupostos da educao bilnge. Considera que a forma mais adequada para a aquisio da segunda lngua por crianas surdas a aprendizagem de forma sistemtica da lngua oral-auditiva (apud QUADROS, 1997a:34). Aplicando os pressupostos de Krashen, distingue que a Lngua de Sinais Brasileira adquirida pelos surdos brasileiros de forma natural, mediante contato com sinalizadores, e a partir desta aquisio deve ser assegurado um trabalho sistemtico com a L2, considerando a realidade do ensino formal. Lembra que, segundo Wallin (apud QUADROS, 1997a), na Sucia, o ensino da leitura e escrita para surdos feito atravs da lngua de sinais com um mtodo semelhante ao que usado no ensino de lnguas estrangeiras para crianas.

    Para Ferreira-Brito (1993), a lngua de sinais deve ser garantida ao surdo como primeira lngua, sendo responsvel pelo seu desenvolvimento lingstico, cognitivo, social. A lngua portuguesa dever ser ensinada com nfase na escrita, considerando que o canal de aprendizagem do surdo visual. Considera as lnguas de sinais como lngua nativa por se apoiarem em uma modalidade de lngua espao-visual que , naturalmente, acessvel s pessoas que no ouvem.

    Propondo uma abordagem realista da surdez e sua aceitao como diferena lingstica e cultural, bem como, conseqentemente, da Lngua de Sinais Brasileira, como primeira lngua e Lngua Portuguesa como segunda lngua, sugere o bilingismo diglssico como soluo para a integrao social e educao do surdo brasileiro.

    O Bilingismo, mesmo que atingido parcialmente, seria o mais apropriado s necessidades da pessoa surda, cuja potencialidade habilita-se a um desenvolvimento pleno da linguagem, contanto que para isso, haja input necessrio. E os dados lingsticos que lhe serviro de input sero transmitidos principalmente atravs de um canal gestual-visual, a Lngua de Sinais, j que sua audio est danificada. (FERREIRA-BRITO,1993:53)

    A lingista esclarece ainda que uma tendncia mais atual tem considerado que o bilingismo, uso da lngua de sinais e da lngua oral em suas especificidades, em situaes diferentes, condio sine qua non para a integrao psico-social e para o sucesso educacional do surdo.

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    Explica que

    ... os surdos, devido falta de audio, requerem educao especial bilnge. O tipo de Bilingismo o diglssico, isto , o uso em separado de duas lnguas, mesmo que de modalidades diferentes, cada uma em situaes distintas. A Lngua de Sinais ser usada em todas as situaes em que uma lngua materna usada nas escolas, exceto no que se refere escrita e leitura, onde ela pode ser o meio, mas no o objetivo. A lngua oral ser ensinada enquanto segunda lngua e ser o veculo de informao da tradio escrita. (id.,1993:65)

    Quanto relao entre lngua de sinais e a apropriao da lngua oral, ela diz que, atualmente, acredita-se que o bom desempenho em lngua de sinais no v facilitar a pronncia das palavras e das oraes da lngua portuguesa, porm, dar ao surdo mais contedo semntico a dizer, posto que seu desenvolvimento cognitivo ser normal, isto , equivalente quele do ouvinte (id.,1993:49). Ferreira-Brito (1993), ao apresentar esta proposio, sugere que os aspectos articulatrios da lngua oral no sero favorecidos pela aquisio da lngua de sinais por ser a fala um processo fisiolgico, restringido pela perda sensorial. Do ponto de vista cognitivo, o domnio de uma lngua materna (L1), mesmo que de modalidades diferentes, ser um fator facilitador para a apropriao da segunda lngua (L2). Conforme postulado pela Lngstica Interdependente, h uma competncia bsica comum (CUP) entre primeira lngua e outras lnguas aprendidas, posteriormente. De acordo com Cummins o nvel de desenvolvimento na lngua materna das crianas um forte prognstico de seu desenvolvimento na segunda lngua (CUMMINS, 2002). Isto quer dizer que as crianas que j trazem uma slida base em sua lngua de sinais (L1), desenvolvem mais habilidades na alfabetizao da lngua usada na escola. No caso deste estudo, seria a escrita da Lngua Portuguesa que seria beneficiada, pois o conhecimento e as habilidades cognitivas das crianas se transferem entre lnguas (CUMMINS, 2002); porm este processo parece no facilitar a produo de sons da fala dos surdos que um processo fono-articulatrio, dependente da audio.

    A autora (id.,1993:67) lembra que, embora os surdos estejam rodeados por lnguas orais, elas so aprendidas atravs de mtodos semelhantes aos utilizados para o ensino de segunda lngua devido ao bloqueio sensorial que tais pessoas apresentam com relao ao input lingstico sonoro que as circunda. Alerta que a

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    Lngua Portuguesa uma lngua oral, de modalidade oral-auditiva em oposio Lngua de Sinais Brasileira que uma lngua de sinais, de modalidade espao-visual, e que, dessa forma o Portugus deve ser considerado a segunda lngua dos surdos brasileiros e nfase especial deve ser dada leitura e escrita, posto que o input grfico tambm visual e que s se atinge verdadeiramente o intelecto da pessoa surda atravs da viso. Ressalta a importncia da apropriao de ambas as lnguas e estabelece analogia entre a lngua de sinais e a fala da lngua oral, dizendo que a sinalizao da lngua de sinais a fala do surdo, correspondendo fala na lngua oral e que, se fala e escrita so processos distintos, a lngua de sinais insubstituvel para o surdo.

    Assim, a aquisio de uma lngua gestual-visual tem para a criana surda uma funo to importante no seu desenvolvimento quanto a aquisio de uma lngua falada para a criana ouvinte desde a mais tenra idade, antes da aprendizagem da escrita. Ela funciona como suporte do pensamento, como meio de comunicao e atravs dela que o surdo pode fazer uma leitura do mundo (id.,1993:68).

    Alisedo-Costa (1981), citada por Ferreira-Brito, como uma especialista em aquisio da lngua escrita por surdos, julga uma grande conquista a considerao da escrita como sistema autnomo com relao fala. Para ela, a lngua escrita veicula o significado independentemente da fala e no apenas uma tcnica de transcrio da lngua falada. Observa-se na prtica que os leitores surdos geralmente traduzem o texto escrito para lngua de sinais, confirmando ser desnecessria a anlise dos elementos fnicos.

    Observa que, por mais contraditrio que possa parecer, o domnio de uma lngua de sinais pelo surdo mais importante para o objetivo de aprendizagem da escrita que um desempenho razovel da fala da mesma lngua. A intermediao da fala na aprendizagem da escrita seria melhor compreendida com a interferncia de uma lngua de sinais na aquisio da escrita, considerando que o surdo cuja lngua materna uma lngua de sinais freqentemente usa sinais quando l um texto, por isso, obviamente, certos problemas ocorrero como, por exemplo, a influncia da

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    estrutura da LSCB5 na escrita do Portugus. Contudo, mesmo assim, as vantagens de ordem cognitiva devem prevalecer quando se trata do ato de ler e escrever (FERREIRA-BRITO, 1993:71).

    ... mais importante que o surdo tenha possibilidades cognitivas de organizar suas idias ou o contedo do que l ou escreve do que saber estruturar com detalhes, frases do Portugus sem que transmita contedos semnticos de forma coesa e coerente. conhecido o fato de que surdos com domnio de uma lngua de sinais consigam expressar-se e interpretar textos de forma inteligente embora com certos erros de ortografia, concordncia e outros, assim como conhecido o fato de que surdos apenas oralizados tm enormes dificuldades em expressar-se por escrito embora saibam estruturar gramaticalmente frases escritas. (id.,1993: 72).

    Argumenta que, dadas as diferenas estruturais entre fala e escrita, parece mais adequado trat-las como duas lnguas diferentes do ponto de vista formal. Do ponto de vista cognitivo, entretanto, a fala e a escrita no constituem sistemas inteiramente autnomos posto que a aprendizagem eficaz da segunda pressupe a instalao anterior da primeira no aprendiz. Considerando que a aquisio da escrita essencialmente um processo cognitivo, afirma que a lngua de sinais pode ser considerada a fala para o surdo, pois ela ser perfeitamente substituvel por uma lngua de sinais que desempenhar no surdo todas as funes cognitivas necessrias alfabetizao, isto , ao aprendizado da leitura e da escrita.

    Dada a funo mediadora que desempenha no processo de aquisio da escrita na Lngua de Sinais que o surdo poder apoiar-se para efetuar a leitura da palavra escrita. Nestes termos tem-se que reconhecer que h intermediao da fala no processo de aprendizagem da escrita. E a fala para o surdo seria sua Lngua de Sinais, importantes na interpretao de textos, na criao de expectativas e na recriao do discurso escrito. (id.,1993:70)

    5 Leia-se Lngua de Sinais dos Centros Urbanos Brasileiros, denominao empregada pela autora citada, em

    oposio LSKB, lngua de sinais dos ndios urubu-kaapor, tribo da Amaznia, no Brasil; substituda pela sigla LIBRAS Lngua de Sinais Brasileira a partir de setembro de 1993, por ocasio do II Congresso Americano de Bilingismo Lngua Oral/ Lngua de Sinais, posto que LSCB era somente adotado por lingistas em suas pesquisas acadmicas, enquanto que a comunidade surda utilizava o nome LIBRAS. Atualmente, a tendncia parece ser utilizar a sigla LSB - Lngua de Sinais Brasileira por atender s normas internacionais de outras lnguas de sinais.

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    Conclui que o processo de alfabetizao do surdo mais complexo do que a dos ouvintes falantes nativos da lngua escrita a ser aprendida porque ter que ser um ensino especial uma vez que depende do domnio de uma lngua de sinais pelo professor e, sobretudo, pelo surdo.

    Silva (1998) pesquisa a escrita de sujeitos surdos que estavam em um nvel inicial de escolarizao (de 1a. a 4a. srie) e em etapas mais adiantadas (5a. srie em diante), com o objetivo de, inicialmente, determinar se os escolares surdos conseguem organizar suas narrativas em sees, como proposto por Labov & Waletzky (1967); posteriormente, verifica o emprego das categorias gramaticais que so utilizadas pelo surdo na sua produo escrita de narrativas, pois foi bastante saliente o uso diferenciado dessas categorias pelos escolares surdos na narrativa escrita.

    A partir de um corpus constitudo de narrativas escritas, produzidas pelos sujeitos em trs situaes e em condies experimentalmente definidas, verificou-se que tanto a interferncia da Lngua de Sinais Brasileira, quanto o nvel escolar podem estar concorrendo para a elaborao das regras da gramtica do Portugus. Aponta para o fato de que a presena de uma lngua materna parece ser fator importante para o uso adequado das categorias funcionais pelos surdos e tambm que suas narrativas poderiam atingir um nvel maior de categorias se o sistema de sinais estivesse mais presente na vida desses escolares surdos. Notou-se tambm que o avano escolar aliado ao melhor domnio da lngua do a esses sujeitos melhores condies de escrita.

    Quanto ao uso das categorias gramaticais, os resultados da pesquisa demonstraram que a inadequao das produes escritas pelos sujeitos surdos est relacionada ao uso diferenciado ou a escassez das chamadas categorias funcionais ou gramaticais. Com relao s narrativas, pode-se afirmar que, quanto mais os surdos avanam em sua escolaridade, lidam melhor com esse gnero textual e passam a ter um entendimento maior das funes narrativas como dos recursos da gramtica da Lngua Portuguesa.

    Marinho-Silva (1999) conduz uma pesquisa com o objetivo de refletir sobre as produes escritas do sujeito surdo, abordando como so construdas as relaes de sentidos e discutindo aspectos da coeso textual desses sujeitos. Discute a

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    importncia da escrita na educao do sujeito surdo no contexto escolar, focalizando os aspectos coesivos nas produes escritas desses sujeitos e apontando a relao de sentidos contida nos enunciados de suas produes textuais.

    Para isto toma como objeto de estudo redaes de surdos que estudam em escola regular, em nvel de escolaridade de 5a. a 8a. srie, com a presena de intrprete, com o objetivo de observar os aspectos coesivos e o sentido da produo textual, fundamentando-se nos estudos de Koch para compreender as formas de coeso textual. Segundo a pesquisadora citada, h duas grandes modalidades de coeso: coeso referencial (ou referenciao) e coeso seqencial (ou seqenciao). A coeso referencial a que se estabelece entre dois ou mais componentes da superfcie textual que remetem a um mesmo referente do texto. A coeso seqencial aquela que diz respeito aos procedimentos lingsticos por meio dos quais se estabelecem diversos tipos de interdependncia semntica e / ou pragmtica entre segmentos do texto medida que o faz progredir. A primeira est ligada ao j dado, a segunda ao elemento novo. Dentro da perspectiva apresentada, a coeso referencial obtm-se por meio de dois mecanismos bsicos: a substituio e a reiterao. Existe substituio quando um componente da superfcie do texto retomado por outro, o que chamado de anfora; quando aponta outro que vem a seguir, chamado de catfora. A coeso seqencial se faz por meio de procedimentos de recorrncia ou progresso.

    Com base no resultado das anlises, percebe-se a interferncia da Lngua de Sinais Brasileira nas redaes e a condio bilnge do surdo, intervindo de modo significativo nos textos escritos.

    A autora reitera que

    O surdo aprendiz de portugus no apresenta as mesmas caractersticas de escrita de um ouvinte e que a aprendizagem da lingua(gem) escrita faz-se necessria de modo a possibilitar a esses sujeitos a ampliao das condies de indivduos singulares e sujeitos plurais no convvio social. (MARINHO SILVA, 1999:8)

    Conclui que

    Em toda atividade discursiva, a interao lingstica mediada pela imagem que os sujeitos tm ou constroem de seus interlocutores, sejam surdos ou falantes de qualquer lngua. No caso dos surdos, a via mais prxima para a construo de conhecimentos a lngua de

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    sinais, conseqentemente deve-se estar atento s condies de produo do texto escrito. (MARINHO SILVA, 1999:91)

    A anlise dos dados apresentados por Marinho-Silva (1999) confirmam as seguintes hipteses em relao aos textos escritos dos sujeitos surdos:

    os textos escritos apresentam caractersticas de um aprendiz de segunda lngua, considerando a lngua de sinais como primeira lngua;

    ratificando os pressupostos tericos, os textos so construdos conjuntamente pelo leitor e escritor a partir da interao marcada pelas pistas colocadas nos textos;

    o professor o interlocutor imediato do surdo nos textos construdos no espao escolar;

    a necessidade de se estabelecer uma relao teoria-prtica no trabalho com alunos surdos, discutindo as dificuldades de aprendizagem da segunda lngua;

    a necessidade de novas investigaes, pois a escassez de pesquisas e trabalhos pedaggicos relativos escrita do sujeito surdo dificultam o estudo e deixam em aberto muitas lacunas, principalmente o que diz respeito s superposies entre lnguas de sinais e escrita;

    as dificuldades encontradas na escrita dos surdos podem ser a referncia pedaggica para o trabalho com a segunda lngua;

    todos os sujeitos produzem textos com certas similaridades, mas os mesmos so capazes de escrever textos coesos e coerentes, sendo os problemas apresentados de ordem de aprendizagem de uma outra lngua(gem);

    medida que o nvel de escolaridade vai aumentando, e o aluno estando exposto lngua de sinais na sala de aula, esses sujeitos melhoram qualitativamente seus textos, lanando mo de conhecimentos assim adquiridos;

    os surdos so capazes de produzir o texto com sentido e, provavelmente, sua escrita reflete a traduo de um conjunto de idias, pensamentos construdos por intermdio da lngua de sinais;

    a importncia do trabalho pedaggico com a lngua de sinais para o processo de aprendizado do sujeito surdo, considerando-se sua situao bilnge ao analisar as condies de sua produo escrita no ensino do Portugus;

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    a aprendizagem da escrita da lngua deve ater-se estrutura semntico-pragmtica e estruturao de mecanismos cognitivos importantes na produo do texto escrito, no se atendo metalinguagem;

    a lngua de sinais deve assumir o papel intermedirio na aquisio da escrita, visto que ela a via natural para o surdo organizar e adquirir conhecimentos;

    a importncia da presena do intrprete que, por ser proficiente em ambas as lnguas, favorece um trabalho coletivo e solidrio com o professor e o processo de interlocuo para a construo dos conhecimentos;

    o ideal que professores e surdos faam uso da Lngua de Sinais Brasileira; enfatiza a necessidade de se reavaliar o cotidiano da sala de aula e o ensino

    de Portugus para surdos, tendo em vista que os textos carregam muitos problemas decorrentes do ensino.

    Sueli Fernandes (1999) pesquisa a escrita da Lngua Portuguesa por alunos surdos, em diferentes faixas etrias e nveis de escolarizao, em textos coletados a partir de diferentes estratgias de produo, com o objetivo de analisar, discutir e compreender alguns aspectos da produo escrita de surdos, para eleger critrios de avaliao diferenciados em relao Lngua Portuguesa. Apresenta alguns critrios em relao forma e estrutura do texto, referentes a aspectos morfossintticos e outros, em relao ao aspecto semntico ou de contedo. Suas discusses so baseadas em fundamentos histricos, polticos, lingsticos e pedaggicos que circunscrevem novas definies e representaes dos surdos e da surdez.

    Nas produes escritas analisadas pela referida autora, no que tange a aspectos morfossintticos, constatam-se particularidades refletidas na estruturao frasal do Portugus: limitao lexical que conduz a textos limitados e, muitas vezes, ilegveis e incompreensveis; especificidades no emprego das trs pessoas pronominais; omisso de artigos; uso inadequado ou ausncia de conectivos; concordncia nominal e verbal inadequadas pela interferncia da falta de gnero/nmero da LS; tendncia a apresentar os verbos na forma infinitiva; a prioridade na ordenao sinttica dos enunciados depende do contexto e deve-se nfase ao que se quer destacar; ordem peculiar no ato de negao. Este ltimo, por apresentar a especificidade de que, em algumas situaes, h a posposio da negativa forma verbal, que uma das formas em que se d a ordem dos sinais na negao em lngua de sinais.

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    Em relao ao aspecto semntico, os textos destes informantes surdos apresentam limitao ou inadequao lexical e recursos coesivos utilizados em lngua de sinais, refletindo-se nos seus textos escritos.

    Os resultados confirmam a premissa de que a estruturao de sentenas escritas pelos surdos est determinada, por um lado, pela sintaxe e morfologia da lngua de sinais, por isso apresentam-se distanciadas dos padres de um falante nativo da Lngua Portuguesa e, por outro lado, h evidncias de uma inter-relao com as estruturas lingsticas desenvolvidas metodologicamente pela escola. Constata-se a influncia da falta de uma pedagogia competente no ensino da Lngua Portuguesa para surdos.

    A autora conclui que, ao analisar os textos que serviram de base, no pretende fazer afirmaes categricas, nem identificar caractersticas, tendo em vista a amostra analisada, mas apresentar um olhar diferenciado nas produes escritas desses alunos a fim de permitir rever a avaliao da Lngua Portuguesa. Embasando-se nas constataes da interferncia da lngua de sinais nestas produes, prope alguns critrios mais especficos para a avaliao da lngua oral em relao forma e estrutura do texto; quanto ao aspecto semntico constata que os textos caracterizam-se pela limitao ou inadequao lexical, o que acaba por prejudicar a argumentao; e h marcas da oralidade, ou seja, uma configurao discursiva baseada em recursos coesivos utilizados na Lngua de Sinais Brasileira. Sugere aos professores ouvintes de alunos surdos: a) reconhecer que tm diante de si um usurio de uma lngua diferente; b) imprescindvel o conhecimento dessa lngua; c) concretizar o dilogo na prtica, respeitando as possibilidades e limitaes e auxiliando na construo de sua identidade surda.

    Ressalta tambm que a Lngua Portuguesa considerada uma segunda lngua para o surdo ou, at, uma lngua estrangeira, na medida em que falada por uma comunidade com a qual no h identificao lingstico-cultural, ocorrendo dificuldades dos surdos em estabelecer uma comunicao verbal consistente com os ouvintes.

    Salienta ainda que

    Ao considerar-se a escrita, suas produes encontram inmeros obstculos que so potencializados na medida em que as prticas preconizam o bom desempenho em linguagem oral como requisito

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    necessrio aprendizagem da linguagem escrita .(FERNANDES, S.,1999:65).

    Com base em outros autores, prope vislumbrar a escrita sob um novo enfoque, distanciada do vnculo inerente mantido com a oralidade, conforme proposto nas prticas pedaggicas tradicionais.

    Ao tratar do conceito de alfabetizao e da acepo dos termos correlatos alfabetizado e analfabeto, lembra:

    A alfabetizao tradicional, que se impe desprovida de sentido ou com um nico sentido canonicamente prescrito, ignora o conhecimento comunicativo e lingstico no escolar ou pr-escolar que j possuem os alunos, desconsiderando o sentido mais amplo da alfabetizao em sua relao com a vida. (id.,1999:61)

    A lingista explica ainda que ler e escrever so prticas culturais e que pressupem relaes interculturais, pois embora dependam de processos individuais, so adquiridas e exercitadas em contextos coletivos, socialmente organizados (FERNANDES, S.,1999:61). Salienta a importncia de se saber qual a experincia do alfabetizando em relao cultura escrita, que idias e conhecimentos possui a respeito e de que modo se utiliza deles para estabelecer relaes com o outro e consigo mesmo.

    Esses conceitos embasam diferentes prticas lingstico-discursivas realizadas pela educao escolar, considerando ou no os saberes anteriores escola, o respeito ou desrespeito s diferenas e cultura dos grupos no alfabetizados, ignorando ou no o valor do contexto na construo de significados escritos, refletindo, assim, no modo como se enfoca a apropriao da escrita significativa da Lngua Portuguesa pelo surdo e como ele constitui sua identidade. Por estas razes, essas questes constituem-se em pano de fundo na alfabetizao de grupos marginalizados, em que se incluem os surdos.

    Outros trabalhos podem, tambm, oferecer contribuies importantes para a presente pesquisa e para a compreenso do processo de apropriao da escrita do Portugus, como : os trabalhos sobre estrutura frasal em Lngua de Sinais Brasileira, de Felipe (1988) sobre o signo gestual-visual e sua estrutura frasal na lngua dos sinais dos centros urbanos do Brasil; a tese de doutorado de Quadros (1999) Phrase Structure of Brazilian Sign Language, considerando-se que a escrita do surdo, nos

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    perodos iniciais, apresenta muitas caractersticas da lngua de sinais nas produes escritas; a dissertao de Gesueli (1988) sobre a aquisio da escrita pela criana no ouvinte e a sua tese (1998) sobre a aquisio da escrita e o conhecimento produzido na interlocuo em Lngua de Sinais; a tese de livre docncia e a publicao de Ges (1994, 1996) Linguagem, surdez e educao analisa textos de surdos do ensino supletivo; segundo esta autora, o estudo diz respeito coeso e coerncia, principalmente, e aos modos pelos quais os surdos concebem suas prprias experincias de linguagem; o trabalho abrange, ainda, um estudo sobre as dificuldades de linguagem do surdo, configuradas a partir da perspectiva da professora. A tese de Souza (1996) em Que palavra que te falta? O que os surdos e sua lingua(gem) de sinais tm a dizer lingstica e educao, apresenta anlises crticas das implicaes dos problemas dialgicos nas interaes professor-aluno surdo na construo dos conhecimentos e da escrita; A dissertao de Santos (1994), que trata da produo e anlise da escrita de cartas pessoais de adultos surdos; a dissertao de Santos Filha (1996) um estudo avaliativo que enfoca a linguagem de crianas deficientes auditivas do INES; a proposta de um projeto de ensino de Portugus como segunda lngua desenvolvido no INES e assessorado por Freire (1999), visando ao desenvolvimento de um currculo e de uma metodologia de ensino de L2; a dissertao de Bernardino (1999) que aborda a construo da referncia em Lngua de Sinais Brasileira e no Portugus escrito, e a tese de doutorado de Costa (2001) que investiga a apropriao da escrita por crianas e adolescentes surdos.

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    CAPTULO II

    UM ENFOQUE NA AQUISIO DA LINGUAGEM

    Considerando-se que o aprendiz de uma segunda lngua (L2) parte de um estado inicial monolnge, associado sua lngua materna, em direo a um estado final bilnge, associado lngua-alvo, a questo que muitos lingistas e psiclogos se colocam como e quanto os dois sistemas lingsticos (L1 e L2) permanecem separados no crebro dos falantes. No caso de crianas surdas, falantes da Lngua de Sinais Brasileira como primeira lngua, apropriando-se da escrita do Portugus como segunda lngua, a situao torna-se mais complexa, dado que ambas so lnguas de modalidades diferentes (espao-visual e oral-auditiva) e vias de recepo e expresso tambm diversas. Uma adquirida visualmente e expressa-se por sinais, a outra possui a recepo auditiva e a expresso falada ou escrita.

    Considerando-se o contexto lingstico da pessoa surda, para quem a primeira lngua a Lngua de Sinais (L1) e para quem a Lngua Portuguesa uma segunda lngua (L2) com uma funo social determinada, que propomos uma reviso breve de algumas teorias que visam aquisio da linguagem, objetivando uma discusso da perspectiva do bilingismo. Alertamos para a especificidade da proposta de educao bilnge para surdos, em que h duas lnguas de modalidades diversas, sendo uma de modalidade espao-visual e a outra, oral-auditiva. Visando aos estudos sobre aquisio/aprendizagem de lnguas, neste captulo, apresentamos reflexes e discutimos pontos de algumas teorias de aprendizagem e teorias lingsticas que formulam hipteses sobre estes processos. O enfoque neste estudo est centrado na aquisio da linguagem e na apropriao da escrita do Portugus, como segunda lngua.

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    2.1 AS TEORIAS DE AQUISIO DE SEGUNDA LNGUA

    Enfocamos aqui a discusso de teorias sobre ensino-aprendizagem, mais especificamente, verificar as contribuies da teorias de ensino-aprendizagem mais relevantes para o ensino de segunda lngua em situao de sala de aula, com o objetivo de entender quais condies devem ser criadas na sala de aula que possam favorecer o desenvolvimento da linguagem.

    Segundo Grosjean (1982), saber uma segunda lngua pode tornar uma pessoa bilnge desde que ela use a L2 de forma regular e fluente. Sendo assim muitos tericos tm pesquisado o modo pelo qual se aprende ou se adquire uma segunda lngua.

    Ellis6 (1990), considerando o papel da teoria na pesquisa da aquisio de segunda Lngua (AL2), relata que, para Hakuta, o objetivo principal da teoria a descrio, a caracterizao da natureza e das categorias lingsticas, as quais constituem a interlngua do aprendizado em qualquer ponto do desenvolvimento. A construo das teorias preocupa-se tambm com a explicao, alm da descrio. O termo explicao, segundo Schumann, pode significar:

    a) seqncia da aquisio, a ordem e o processo responsvel por ela; b) o que motiva o aprendizado e o que causa o cessar desse aprendizado. H duas abordagens de teorias segundo Long (1983), citado por Ellis, a

    primeira chamada de teoria-depois-pesquisa, a segunda pesquisa-depois-teoria, sendo que cada uma possui estgios especficos. Tanto uma abordagem quanto outra tem sido usada nas pesquisas de AL2, com seus prs e contras, de acordo com o que se deseja explicar.

    Ellis (1990) prope revisar algumas teorias de AL2: O Modelo de Aculturao; O Modelo de Nativizao; A Teoria do Discurso; O Modelo do Monitor; O Modelo de Competncia Varivel; A Hiptese Universal; A Teoria Neurofuncional.

    O Modelo de Aculturao definido por Brown (1980) como o processo de se adaptar a uma nova cultura. A lngua possibilita demonstrar o processo de comunicao dos membros de uma comunidade. Aculturao e AL2 so

    6 ELLIS, R Understanding Second Language Acquisition 6th ed. Oxford:.Oxford University Press, 1990.

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    determinadas pelo grau de distncia social e psicolgica entre o aprendiz e a cultura estrangeira.

    A Teoria de Aculturao ou pidginizao defendida, entre outros, por Schuman (apud ELLIS,1990) postula que a aquisio de L27 parte de um processo de aculturao e que a proficincia na L2 determinada pelo grau em que o indivduo assimila a cultura do grupo da lngua-alvo8. Distingue trs funes da linguagem: a comunicativa, a integradora e a expressiva. Para o autor, o processo de aculturao, no caso de imigrantes, afetado pela distncia social e psicolgica entre a cultura do indivduo e a nova cultura do pas em que est inserido o aprendiz. Indica a igualdade social entre os grupos de L1 e L2, as semelhanas entre as duas culturas alm do desejo de permanecer no pas estrangeiro, como fatores que diminuem a distncia social. Para diminuir a distncia psicolgica, cita a ausncia de choques culturais e grande motivao por parte do indivduo.

    Esta teoria tenta explicar a aquisio de L2 em um ambiente natural o indivduo est inserido no pas em que se fala a lngua-alvo. Quadros (1997a) ressalva que, no caso dos surdos, embora estejam imersos no meio em que se usa a lngua-alvo, tendo em vista a sua limitao sensorial, h impedimento do acesso natural a uma lngua oral-auditiva, como o Portugus. O autor dessa teoria ressalta que aspectos como a atitude em relao L2 e a motivao do indivduo so relevantes e podem ter um papel semelhante na aprendizagem de L2 em uma sala de aula.

    Sugere ainda que, quando a distncia social e psicolgica grande, o indivduo ter dificuldades para ir alm dos estgios iniciais do processo de desenvolvimento da nova lngua, e a nova lngua permanecer pidginizada, ou seja, fossilizada em formas simples e reduzidas.

    O Modelo de Nativizao uma continuidade do modelo de aculturao. De acordo com Andersen (apud ELLIS, 1990), a AL2 ocorre como resultado

    de duas foras gerais: a) nativizao em que o aprendiz baseado no que sabe, cria

    7 Distingue-se o termo segunda lngua (L2) para o caso em que a lngua estudada usada fora da sala de aula da

    comunidade em que vive o aluno e lngua estrangeira (LE) para quando a comunidade no usa a lngua estudada, como o caso de um brasileiro que estuda espanhol no Brasil. Para os dois casos pode-se usar como termo abrangente a sigla L2. (LEFFA, 1988)

    8 Entende-se por lngua-alvo (LAL) a lngua que o aprendiz pretende dominar como uma segunda lngua (L2),

    partindo do conhecimento da sua lngua materna (L1).

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    hipteses sobre L2; b) desnativizao em que o aprendiz acomoda a informao recebida, remodelando o sistema interlingual.

    H falhas nos modelos, segundo Ellis (1990), j que no explicam a internalizao e uso do conhecimento de uma L2. Afirma que so modelos de AL2 e no de aprendizagem de LE.

    A Teoria do Discurso postula que os aprendizes desenvolvem competncia na segunda lngua atravs da ativa participao na interao comunicativa, mais especificamente, na negociao do significado (HATCH, 1978). Essa teoria ressalta o papel de estratgias conversacionais na aquisio de segunda lngua.

    Na Teoria do Discurso, a comunicao a matriz do conhecimento lingstico. Ellis (1990) cita que, para Hatch (1978), o interesse explicar como se d a AL2: 1 O desenvolvimento sinttico da segunda lngua segue uma seqncia natural, prpria da aprendizagem de lngua. 2 Os falantes nativos ajustam seu discurso a fim de negociar o significado com falantes no-nativos. 3 - As estratgias conversacionais usadas para negociar o significado e o conseqente input influem na AL2 de formas diferentes, propiciando ao aprendiz:

    a) adquirir primeiro aquelas estruturas s quais ele se expe com mais freqncia, isto , a pessoa aprende a gramtica da L2 na mesma ordem que a ordem da freqncia dos vrios destaques do input; b) apropriar-se inicialmente de frmulas, isto , blocos de palavras no analisados, presentes no ambiente lingstico. O aprendiz adquire as frmulas recorrentes e ento, mais tarde, as analisa como partes componentes das mesmas;

    c) o aprendiz ajudado a construir sentenas verticalmente no incio do processo, isto , apropriar-se de partes do discurso do interlocutor e utiliz-las em seus prprios enunciados; Esta teoria preocupa-se com o processo de AL2 e no explica as estratgias

    do aprendiz para AL2. O Modelo do Monitor de Krashen, conhecido e difundido, fundamenta-se em

    cinco hipteses: 1. hiptese da aquisio e aprendizagem; 2. hiptese da ordem

    natural; 3. hiptese do monitor; 4. hiptese do input; 5. hiptese do filtro afetivo.

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    Neste modelo, algumas variveis devem ser consideradas: aptido em relao aprendizagem, atitude em relao aquisio; o papel da lngua materna; rotinas e padres; diferenas individuais e idade.

    Recebeu muitas crticas, entretanto ressaltam-se quatro pontos importantes: diferena entre aquisio e aprendizagem; monitor; a variabilidade; o conceito de input. Esta teoria ser apresentada com mais detalhes no tpico 2.2.

    O Modelo da Competncia Varivel postula que o modo como uma lngua aprendida, um reflexo do modo como ela usada; o desenvolvimento ocorre como resultado da aquisio de novas regras a partir da participao em vrios tipos de discursos e de regras j adquiridas pelo aprendiz.

    O modelo explica a variabilidade do uso da lngua pelo aluno e os processos internos e externos responsveis pela AL2. Entretanto, faltam explicaes sobre os processos primrios e secundrios de incorporar o papel do input.

    A Hiptese Universal refere-se influncia da L1 na aprendizagem de L2 e considera que o conhecimento lingstico homogneo, ignorando a variabilidade. A Teoria dos Universais Lingsticos, ou Teoria da Gramtica Universal, postula que o ser humano tem um componente lingstico gentico e inato que d conta de aspectos lingsticos comuns a todas as lnguas. A partir desse componente, ativado pelo insumo presente no ambiente lingstico do aprendiz, o indivduo desenvolve a linguagem, seja a lngua materna ou a segunda lngua.

    Essa teoria tenta explicar a aquisio de L2 atravs de um componente lingstico, biolgico e inato, que comum a todas as pessoas. A aquisio de lngua ocorre atravs de um dispositivo Language Acquisition Device (LAD). De acordo com esse modelo, a aquisio restringida por propriedades da Gramtica Universal, que se constitui de princpios gerais (universais) e opes de variao ou parmetros.

    Para a situao de sala de aula, o aspecto dessa teoria que mais se sobressai diz respeito aos assim chamados itens lingsticos marcados e no marcados de uma lngua. Itens marcados so aqueles aspectos gramaticais especficos de uma determinada lngua, que no fazem parte de uma gramtica universal comum. Itens no marcados, por sua vez, so aquelas estruturas encontradas em todas as lnguas. Os primeiros apresentariam maior dificuldade de aquisio que os segundos, e conseqentemente exigiriam maior e mais freqente quantidade de input no ambiente lingstico do aprendiz para que a aquisio viesse

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    acontecer. Segundo este enfoque todo ser humano capaz de adquirir uma segunda ou mais lnguas, mas uma caracterstica de aquisio da linguagem que parece existir um perodo crtico prximo puberdade, isto , um perodo em que conexes neurolgicas so estabelecidas em face dos estmulos externos (no caso, a exposio a uma lngua), sem as quais a aquisio da linguagem no alcana o resultado descrito na primeira infncia. O perodo no qual a experincia pode desencadear o estabelecimento freqentemente limitado no tempo, e isso o perodo crtico (MEC/SEESP, 2002). Os efeitos do perodo crtico so freqentemente observados na aquisio de segunda lngua.

    A Teoria Neurofuncional tem como premissa bsica que existe uma conexo entre funo da lngua e anatomia neural, considerando, inclusive, uma especializao diferenciada para cada um dos hemisfrios cerebrais. Est baseada em estudos neurolingsticos e considera a ligao existente entre a funo da linguagem e o crebro. Entretanto no existem provas que indiquem a localizao exata do processamento da linguagem no hemisfrio esquerdo ou direito do crebro. Portanto, consideram-se as duas reas do crebro: a direita e a esquerda no processo de aquisio da linguagem.

    Para Lamendella (apud Ellis, 1990) h dois tipos importantes de aquisio: a aquisio primria da lngua (L1) que pode ser verificada em crianas de 2 a 5 anos e a aquisio secundria que se divide na aprendizagem de LE e aquisio natural de LE, aps 5 anos de idade. Aponta dois sistemas importantes: a hierarquia da comunicao e a hierarquia cognitiva.

    A Teoria da Interlngua, defendida por Selinker (1972), diz que, na aprendizagem de uma segunda lngua, o aprendiz desenvolve sistemas de lngua especiais que renem traos tanto da lngua base (lngua materna) quanto da lngua meta (segunda lngua), alm de mostrar marcas lingsticas caractersticas. Estes estados de lngua intermedirios so conhecidos pelo nome de interlngua. definida como um sistema lingstico separado, construdo pelo indivduo, como result