A ANTIGA USINA HIGIENIZADORA DE LEITE DO RECIFE: … · A antiga Usina Higienizadora de Leite do...
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A ANTIGA USINA HIGIENIZADORA DE LEITE DO RECIFE: relato sobre a conservação de um patrimônio moderno
LIMA, KAREN LARISSA SANTOS
RESUMO
O objetivo deste trabalho é mostrar o atual estado de conservação da antiga Usina Higienizadora do Recife, um edifício moderno de caráter industrial e de grande importância para historiografia da arquitetura moderna. Construído em três partes. A primeira corresponde ao surgimento da arquitetura moderna em Pernambuco, mais especificamente na cidade do Recife e a importância do arquiteto Luiz Nunes para o surgimento da mesma. A segunda está relacionada ao estado atual e ao valor cultural do patrimônio objeto de estudo, a antiga Usina Higienizadora de Leite do Recife, que se tornou um Imóvel Especial de Preservação – IEP no ano de 2014, afirmando sua singularidade e por fim, a importância da preservação, da conservação e do novo uso para o imóvel.Foram feitas observações acerca do estado atual do edifício, para identificar os danos e modificações sofridas ao longo do tempo com base em SPOSITO (2008) e ALECRIM (2009), mostrando alguns parâmetros que devem ser levados em consideração preservação do mesmo.
Palavras-chave: arquitetura moderna; patrimônio moderno;conservação
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Arquitetura moderna no Recife
No início do século XX, mais especificamente nos anos 30, são criadas as escolas
livres em Pernambuco dando início ao surgimento das primeiras obras modernas e também
da atuação dos primeiros arquitetos modernos que seguiam a linha de Le Corbusier e de
outros grandes arquitetos modernos da época. O Recife torna-se então um lugar favorável e
pioneiro na inserção dessa nova arquitetura, que com ela trazia a racionalização e a
funcionalidade, tornando-a pioneira.
Segundo Alecrim e Amorim (2010), o presidente do Brasil na época Getúlio Vargas,
começou a inserir políticas de modernização no país, incentivando dessa forma o
desenvolvimento do mesmo. Posteriormente, Marques e Naslavsky (2011) citam as
demandas de obras públicas de caráter social a cargo da Diretoria de Arquitetura e
Construção – DAC, no governo de Lima Cavalcante. Com o intuito de minimizar as
carências infra estruturais, dando espaço para a adoção de construções de linguagem
modernista europeias, proporcionando dessa forma, a vinda do arquiteto Luiz Nunes para o
Recife e que segundo Naslavskytornou-se “o principal protagonista da experiência
modernista entre nós” (NASLAVSKY, 1998, p. 177).
Contribuições do arquiteto Luiz Nunes para o Recife
Nascido em 1909 no Rio de Janeiro, formado pela Escola Nacional de Belas Artes
em 1933, durante a faculdade Nunes liderou, juntamente, com Jorge Moreira a greve contra
demissão de Lucio Costa e em favor das reformas no ensino da arquitetura instituídas por
ele.
A participação do arquiteto Luiz Nunes no movimento moderno no Recife foi de
grande importância, com a chegada dele para dirigir a Diretoria de Arquitetura e Construção
(DAC) no ano de 1934. Segundo Cardoso, conforme citado por Marques e Naslavsky(2011),
“Foi o próprio Luís Nunes que fundou no Recife a Diretoria de Arquitetura e Urbanismo
(D.A.U.)” onde ele pode atuar com o seu conhecimento e o domínio que detinha dos
materiais e das técnicas construtivas modernas, usando o ferro e o concreto armado a seu
favor, proporcionando às edificações transparência, leveza e fluidez.
“Considera-se que o traço singular da arquitetura moderna recifense é a junção da modernidade com a tradição e a cultura local o que pode ser percebido na obra dos principais expoentes desta produção (o mineiro Luiz Nunes nos anos 30, o italiano Mario Russo nos anos 50, o carioca Acácio Gil Borsoi e o português Delfim Amorim nos anos 1950 e 1960) e dos seus discípulos. É este caráter singular, ao mesmo tempo regionalista e moderno, que proporciona o valor cultural da arquitetura moderna no Recife” (SMITH; FREITAS, 2008).
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A atuação de Luiz Nunes começou com o projeto da Usina Higienizadora de Leite do
Recife, no ano de 1934. A produção arquitetônica de Nunes, segundo o repertório
moderno,teve continuidade com projetos como a Escola Rural Alberto Torres de 1936, o
Pavilhão de Verificação de Óbitos da Faculdade de Medicina de 1937 e em Olinda, o mais
emblemático de todos os projetos, a Caixa d’água de Olinda, no ano de 1936; participou de
alguns projetos junto a outros arquitetos, como a Residência de Oficiais, Suboficiais e
Sargentos da Escola de Aprendizes-Marinheiros e Sargentos de 1935 e o Reformatório de
menores, em Dois Irmãos, de 1937.
A Usina Higienizadora de Leite foi o primeiro edifício projetado pelo arquiteto
Luiz Nunes ao chegar no Recife, a pedido do governador Lima Cavalcante “podendo ser
considerado o primeiro edifício modernista do estado de Pernambuco” (ALECRIM, 2009).
Este projeto é um reflexo das posturas do arquiteto frente a racionalização e funcionalidade
da construção, exigidas pelas novas demandas modernas.
“Para muitos, a linha pernambucana começou a desenrolar-se com a atuação de Luiz Nunes, junto à Diretoria de Arquitetura e Urbanismo nos anos 30. Este teria passado o bastão a Mario Russo, o qual, por sua vez, teria deixado um legado que seria enriquecido, final e decisivamente por Delfim Fernandes Amorim e Acácio Gil Borsoi, com repercussões até os dias atuais” (NASLAVSKY, 2004, p. 30).
A antiga Usina Higienizadora de Leite do Recife
A antiga Usina Higienizadora de Leite, também conhecida como CILPE, é um edifício
moderno de caráter industrial projetado para pasteurizar o leite que vinha das regiões
próximas à cidade do Recife, concentrando esse trabalho na
mesma.Apreparaçãodoleitesedava a partir de uma lógica de produção que acompanhava o
leite desde sua chegada “in natura” até a produção do leite pasteurizado e derivados como
por exemplo a manteiga, que era feita com o creme retirado do leite após a desnatação
domesmo. A pasteurização e o processo que elimina as bactérias patogênicas e a atividade
microbiana do leite, só assim, o leite e a manteiga
eramarmazenadosnofrigorificoparaentãoseremliberadosjátratados adequadamentepara
oconsumo.
É um edifício moderno de caráter industrial bastante emblemático e de grande
importância para a historiografia da arquitetura moderna, tendo em vista que é considerado
o primeiro edifício moderno projetado na cidade do Recife, repercute as atitudes racionais
de Nunes frente a construção e funcionalidade exigidas pelo programa. A Usina se
assemelha a fábrica Fagus de Walter Gropius, porém, com algumas adaptações ao clima e
materiais locais.
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“O edifício anunciava as inovações que o arquiteto introduziria na concepção e gestão das obras públicas do estado nos anos subsequentes e de forma emblemática, já que sua proposta veio substituir o projeto elaborado pelo engenheiro-arquiteto Heitor Maia Filho, figura proeminente no cenário estadual” (ALECRIM; AMORIM, 2010).
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Figura 1: Fachadas principal original da Usina Higienizadora do Leite do Recife.
Fonte: MARQUES; NASLAVSKY (2011).
“O volume principal apresenta fachadas nuas rasgadas por aberturas retangulares. O volume colocado na extremidade esquerda, onde se localizam a entrada principal, coroada por uma marquise em concreto armado, a circulação vertical e o sanitário, marca a assimetria da composição. A estrutura independente, com pilares em concreto armado seguindo a mesma modulação, é deixada à mostra na fachada principal. De um modo geral a composição se caracteriza por linhas retas, tetos planos, ausência de ornamentação, aberturas horizontais e quadradas e superfícies lisas” (NASLAVSKY, 1998, p. 208).
Porém, com o passar do tempo, o edifício perdeu o uso e sofreu algumas
modificações e degradações por vários motivos que acabaram descaracterizando-o. Apesar
de se tratar de um edifício emblemático que faz parte da historiografia da arquitetura
moderna e de ter grande importância para a mesma, encontra-se abandonado e subutilizado
por uma madeireira. A maior parte do mesmo está sem uso e algumas são utilizadas como
depósito de madeira. Seu estado físico tende a agravar-se cada vez mais caso não haja
uma intervenção.
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Figura 2: Fachada principal atual da Usina Higienizadora do Leite do Recife.
Fonte: LIMA
Foi constatado que os anexos construídos no terreno da Usina não têm grande
relevância, com exceção daqueles edificados pela própria usina, como sejam a casa de
máquina e da caldeira. Segundo o estudo de Alecrim (2009), foi observado a importância
desses edifícios por terem sido projetados por Nunes e sua equipe, contendo elementos
relevantes da arquitetura moderna como estrutura independente das alvenarias em concreto
armado, o cobogó e brises. Além dessas edificações, é importante destacar a relevância da
chaminé que apesar de não ter sido projetada por Nunes e sua equipe é um elemento que
ao ser observado remete a tipologia de Usina e também por seu alto gabarito que a torna
um ponto de referência da paisagem urbana do local.
Os acréscimos e as perdas
Além do grave estado de conservação do edifício em estudo, este passou por
algumas modificações em seu volume e em sua espacialidade interna original. Esses tipos
de descaracterização que põem em risco a preservação do patrimônio histórico e sua
identidade cultural são descritas por Amorim (2007) ao tratar da arquitetura moderna
pernambucana.
O autor utiliza a metáfora da morte como base para analisar os motivos pelos quais
os edifícios arquitetônicos se degradam, em partes ou em sua totalidade. No caso, seis
mortes são descritas pelo autor: a morte prematura que é abortada nas fases iniciais de
construção onde a vida ali prevista nem sequer teve oportunidade de germinar; a morte de
nascença que as causas são as mais diversas, como o uso inadequado de material de
construção para o desempenho da função esperada, cálculo equivocado, entre outras; a
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morte por vaidade que acontece quando se tenta modernizar a edificação, são substituídos
ou retirados alguns componentes que faziam parte da identidade do edifício, perdendo
assim sua integridade; a morte por parasitas, que acontece devido a demanda que as
atividades humanas apresentam, como novos usos ou novos proprietários, fazendo
modificações nas partes internas e externas das edificações; a morte por abandono, quando
a arquitetura deixa de ser por nós ocupada e passa a constituir apenas forma edificada e por
fim a morte anunciada que estabelece o princípio de que trocar uma arquitetura por outra é
um bom negócio. Está é conhecida pelas alcunhas de progresso, demanda habitacional ou,
simplesmente, investimento imobiliário, sendo considerada a rainha das mortes
arquitetônicas.
Fazendo um paralelo entre as mortes descritas por Amorim (2007) e o processo de
descaracterização existente na antiga Usina Higienizadora de Leite, observa-se que este
sofre dois destes tipos de morte, a por abandono e a por parasita, das quais se busca
aprofundar.
A morte por abandono está relacionada a falta de uso e de vida humana, tornando-se
apenas forma edificada, matando desta forma a finalidade primeira da edificação e
causando profundas marcas na sua estrutura física, com o passar do tempo. “Dos mais
interessantes, por vida e morte, são as salas de cinema, os estúdios e transmissores de
rádio e TV, e os edifícios industriais”, segundo AMORIM (2007, p. 62).
A Usina Higienizadora de Leite teve vida curta após sair das mãos do poder público e
passando a ser de propriedade privada, porém Amorim (2007, p. 64)ressalta que este tipo
de morte pode ser revertido, havendo a possibilidade de dar vida nova ao edifício.
Já a morte por parasita consiste na inserção de novos componentes ao edifício
original, com o surgimento de novas demandas apresentadas pelas atividades existentes,
descaracterizando o mesmo, até torná-lo irreconhecível, comprometendo desta forma sua
integridade. Estes acréscimos são por ele chamados de ectoparasitismo, quando ocorrem
no exterior do edifício e de endoparasitismo quando modificam a configuração espacial
interna do edifício. No caso da Usina, ocorrem estes dois fenômenos.
Os anexos acrescentados a volumetria do edifício original surgiram devido a
necessidade de adaptação das novas atividades desempenhadas na usina enquanto ativa.
Apesar destes parasitas levarem o edifício a morte, foram necessárias para acompanhar o
crescimento do mesmo e mantê-lo ativo por mais tempo, prolongando, desta forma, sua
vida.
“Cabe, no entanto, ressalvar que mudanças de uso ou nas demandas de uso podem gerar modificações no corpo edificado, e que algumas são
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necessárias para manter esse mesmo corpo vivo. Assim sendo, a postura cooperativa deve estabelecer os limites complacentes e os divergentes” (AMORIM, 2007, p. 57).
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Figura 3: Modificações sofridas.
Fonte: ALECRIM; AMORIM 2010.
O térreo sofreu mais acréscimos do que perdas. Foram acrescidos 5 novos volumes
como (1) a torre com monta cargas,(2) uma pequena guarita na lateral direita do edifício, (3)
além do fechamento dos pilotis da plataforma de carga e descarga onde criou-se um saque
na parte central da mesma, elemento máximo do repertório moderno e os outros (5 e 6)
decorrentes da expansão das áreas, dessa forma não houve grandes mudanças nas
paredes internas original do edifício, a maioria dos acréscimos desse pavimento foram para
expandir as áreas existentes, não havendo grandes mudanças nas paredes internas
originais do edifício. Já no pavimento superior as mudanças foram mais significativas, com
maiores mudanças das paredes internas, (6) além das mudanças de expansão. É possível
perceber que o edifício da Usina sofreu mais acréscimos do que perdas. As modificações
mais significativas foram no pavimento superior, com o acréscimo de um volume na parte
posterior do edifício logo acima do volume posterior existente no térreo e um novo volume
construído ao lado da sala de maquinas frigorificas. Isso repercutiu modificações da
espacialidade interna e externa do mesmo.
Além dos acréscimos e perdas
Os estudos de SPOSITO (2008) e ALECRIM (2009) sobre os acréscimos e perdas
da Usina, serviram como base para realização do estudo apresentando neste tópico. A partir
da análise desses trabalhos, visitas em campo e a leitura sobre mapa de danos de TINOCO
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(2009), foi desenvolvido em três etapas as modificações externas do edifício, com base no
que TINICO (2009) descreve como anamnese, trata-se de um dos procedimentos usados na
investigação dos danos sofridos pela edificação. Assunto esse, que será descrito no próximo
tópico. A primeira etapa mostra a fachada do projeto original do edifício, a segunda se refere
as alterações descaracterizadoras e, por fim, a terceira que vai além dessas alterações e
mostra os principais danos causados pela falta de manutenção ao longo do tempo.
Figura 4: Fachadas principal e posterior original, com modificações sofridas e principais danos.
Fonte: ALECRIM, 2009; SPOSITO, 2008; LIMA.
Além dos anexos outras transformações foram observadas na fachada principal do
edifício, como: (1) o fechamento e adição de volume no terraço existente no térreo por
alvenaria, possuindo marcações de aberturas entaipadas; (2) mudança na modulação das
aberturas do primeiro pavimento que tem como consequência a presença de paredes
internas, antigas e novas comprometendo a leitura da fachada; (3) perda do elemento
vazado localizado acima do bloco vertical; (4) acréscimo de um pequeno volume (guarita) na
lateral do edifício; (5) presença de crosta negra em grande parte da fachada e o restante do
(6) revestimento em desagregamento, (7) pintura descaracterizadora, (8) elementos
espúrios como placa de anúncio e pequenos buracos, como observado na figura acima.
Já na fachada posterior observa-se um maior número de danos e modificações,
como: a (9) perda do elemento vazado localizado acima do bloco vertical; (10) adição de
uma torre com monta cargas; (11) acréscimo de um volume com nova modulação de
aberturas diferentes das originais encontradas do lado direito; (12) presença de elementos
espúrios como canos, escada de marinheiro e ferragens, (13) vegetação, (14) alvenaria
exposta, (15) buracos; (16) perda de uma parte da marquise; (17) novo revestimento em
cerâmica, (18) crosta negra e (19) desagregamento de revestimento.
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Apesar do grau de descaracterização e de má conservação, a essência do edifício
continua presente e possível de ser identificada em muitas partes, como: no térreo a
marcação dos pilares, a semelhança entre as esquadrias novas de ferro e as antigas,
presença de paredes originais em alvenaria estrutural e azulejos, que, na maior parte, dão
acesso ao exterior. Enquanto no pavimento superior a principal causa da descaracterização
é a modificação das paredes internas juntamente com a mudança de modulação das
aberturas (SPOSITO, 2008).
A importância do restauro
Após o levantamento do estado atual do edifício, pode-se perceber que é inevitável
que seja feito o restauro do mesmo, pois isso irá possibilitar que as suas características
originais sejam retomadas e recuperadas, para que ele possa voltar a ser reconhecido e
prossiga a desempenhar um novo papel na vida urbana da cidade e ser apreciado pela
sociedade. A restauração é um meio utilizado para que não se perca um monumento.
Segundo a Carta de Veneza (1964), ela “tem por objetivo conservar e revelar os valores
estéticos e históricos do monumento”, sendo assim, o desejo de prolongar a vida do
mesmo,“a restauração será o restabelecimento da substância de um bem em um estado
anterior conhecido”, como definido na Carta de Burra (1980).
Para que o edifício passe por um projeto de restauro é necessário que,
primeiramente, seja feito um mapa de danos que mostrará minunciosamente, através de
levantamentos e documentos gráfico-fotográfico, o estado de conservação do mesmo
permitindo que sejam identificados com facilidade seus problemas e suas deteriorações.
Este minucioso levantamento deverá orientar a restauração do edifício.
A semelhança de alguns vocábulos da área da medicina, a compreensão do estado
de “saúde” da edificação, é de fundamental importância para a elaboração da intervenção
de restauro dela. Um termo bastante utilizado pelos profissionais que fazem esse tipo de
investigação é o termo patologia que em medicina é a parte que estuda as doenças e no
“âmbito do patrimônio edificado, corresponde às investigações para o conhecimento das
alterações estruturais e funcionais, produzidas por ações endógenas ou exógenas, nos
materiais, nas técnicas, nos sistemas e nos componentes construtivos” (TINOCO, 2009, p.
4); a palavra patogenia também é bastante utilizada e significa o estudo da origem das
doenças ou as condições que influenciaram seu desenvolvimento, ou seja, como os agentes
naturais e artificiais influenciam no processo de degradação dos materiais e componentes
construtivos; outros termos usados são anamnese e sintomatologia, o primeiro está
relacionado as primeiras informações sobre o princípio e evolução da doença que o médico
recebe em um primeiro contato com o paciente. No âmbito da edificação se trata de
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observações feitas para identificar os danos e modificações que a edificação sofreu em sua
cronologia, enquanto o segundo termo está ligado a parte da patologia que estuda os
sintomas das doenças, que se refere a identificação dos efeitos causados pelos agentes
naturais e artificiais (agentes patogênicos).
Segundo TINOCO (2009), existem três métodos para se investigar a conservação de
uma edificação; o direto que possui ações invasivas e destrutivas, porém, possibilita o
conhecimento preciso das causas e origens das deteriorações. Para que isso seja possível
são feitas fragmentações ou destruição de parte dos elementos que possuem danos, por
isso esse método não é recomendado, só é utilizado em último caso; o indireto é um método
não destrutivo, são feitas análises através da interpretação “de documentos escritos,
gráficos, iconográficos, testemunhos orais, emprego de tecnologias e instrumentos
especiais” e por fim o método misto, que prioriza o método não destrutivo, procura o
equilíbrio entre o método direto e indireto, utilizando o direto quando necessário e de
maneira minimalista (TINOCO, 2009, p. 5 a 6).
Ao descrever os procedimentos usados na investigação dos danos, TINOCO (2009)o
divide em três etapas de estudo: levantamento de informações, análise dos danos e
definição da conduta. O levantamento de informações é realizado através de “vistorias no
local’, onde se observam a existência e a gravidade dos danos, a extensão e o alcance dos
problemas, as características físico-químicas dos materiais e danos e o registro dos
resultados da visita; de levantamento de dados históricos sobre os problemas surgidos
(anamnese), onde os estudos são feitos por meio de documentos escritos e orais; e por
último ensaios e estudos locais e laboratoriais complementares, após todos esses
procedimentos é feita a análise de todos os dados levantados e, em seguida, vem a
definição da conduta, onde serão mostradas as propostas para resolução dos problemas, a
partir do material que foi levantado. Nessa etapa se deve levar em consideração três
aspectos: o grau de incerteza sobre os efeitos, a relação custo-benefício e a disponibilidade
de tecnologia para execução dos serviços.
A representação das patologias é feita por meio de documentos escritos,
fotográficos, desenhos digitalizados e esboços, que dão suporte ao projeto de restauro da
edificação e “para auxiliar a identificação do que deve ser evidenciado e ilustrado no mapa,
ou seja, representar as partes que serão objeto de intervenção na fase da resolução dos
danos, recomenda-se a elaboração de Fichas de Identificação de Danos – FIDs” (TINOCO,
2009, p. 14). A junção da representação gráfica digitalizada dos danos com as FIDs resulta
no mapa de danos que deve ser claro e objetivo. De modo a subsidiar a restauração do bem
protegido.
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A partir dos estudos feitos, as diretrizes para o projeto de restauro são: preservar ao
máximo a estrutura original do edifício, recuperar a espacialidade externa e interna do
mesmo, restaurar a proporção das aberturas e algumas adaptações de acessibilidade, como
a instalação de rampas acessíveis e plataforma elevatória.
Como intervir
As discursões em torno da preservação da arquitetura moderna é um assunto que
vem tomando maior proporção nos últimos anos, com a criação do DOCOMOMO. “A
arquitetura moderna é uma parte fundamental do patrimônio cultural do século 20 e, como
tal, necessita ser preservada para as novas gerações” (MOREIRA, 2011).
Porém, apesar de tal importância, é uma produção recente se comparada aos tipos
mais antigos, como por exemplo a arquitetura do século XIX e da época colonial, que são
facilmente reconhecidas e valorizadascomo patrimônio pela sociedade diferentemente da
arquitetura moderna, um dos dilemas quando se trata da preservação da mesma. A
sociedade em geral, não tem conhecimento do seu valor e em alguns casos não sabem
identificá-los, papel esse que está sendo apenas dos especialistas, quando deverias ser da
sociedade junto a eles, porém isso se faz necessário para evitar o desaparecimento de tal
patrimônio.
No ano de 2014, a usina foi reconhecida como um Imóvel Especial de Preservação –
IEP. A lei que regulamenta esses imóveis é a nº 16.284, de 22 de janeiro de 1997 e define
os IEP’s situados no Município do Recife, estabelece as condições de preservação,
assegura compensações e estímulos para sua proteção e dá outras providências. Segundo
o Art 2º da Lei nº. 16.284, os IEP são exemplares isolados de arquitetura significativa para o
patrimônio histórico, artístico e/ou cultural da cidade do Recife, cuja proteção é dever do
Município e da comunidade, porém, apesar disso ter acontecido ele continua abandonado.
Tendo em vista que o edifício da antiga Usina Higienizadora de Leite está
abandonado e seu terreno é subutilizado como depósito de uma madeireira e
estacionamento, uma intervenção é indispensável e um novo uso faz-se necessário, pois, a
conservação do imóvel muitas vezes vem atrelada ao uso, mantendo-o sempre ativo e
preservado pelas pessoas que o utilizam. A intervenção é um modo de reativar o edifício,
fazendo com que ele seja utilizado pela sociedade e com isso passe a ter manutenção
adequada e com frequência, mantendo o mesmo conservando, evitando dessa forma que
retorne ao estado atual.
A partir do momento em que a população passa a ter conhecimento sobre o
patrimônio, reconhece-o como bem cultural, passa a ter consciência que é
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responsávelpelasuapreservação.Umfatorquepodeajudarnaconservaçãodoedifício é se sua
função for útil a sociedade, ajudando assim a conservação domesmo.O terreno onde
encontra-se o edifício da Usina tem espaço para implantação de novas edificações, caso
seja demandado pelo novo uso. A Usina está localizada próxima a uma comunidade,
residências, comércio e hospitais, trazendo variações para implantação de um novo uso.
Vale ressaltar que nesse contexto, seja feito um estudo sobre intervenções projetuais sobre
o patrimônio edificado e a relação entre o preexistente e o novo.
Para esse tipo de intervenção, onde terá a presença de uma nova edificação junto a
um patrimônio, o estudo poderá ser feito a partir das análises de DeGracia (1992) e Andrade
Júnior (2006). Intervir consiste em modificar, dessa forma Gracia (1992) analisa uma série
de projetos coletados por ele, que sofreram intervenções, cria uma metodologia para tal
análise e adota um critério racional que pode ser adaptado. O objetivo do estudo feito por
Gracia, consiste em criar um método para se intervir de forma consciente, onde exista um
diálogo entre a nova arquitetura, o patrimônio edificado e o contexto em que se insere.
Andrade Júnior (2006) utiliza os estudos feitos por De Gracia (1992) e vai além. Ele
analisa a edificação preexistente, o espaço urbano e alguns de seus aspectos para se fazer
uma boa intervenção e demonstra-os. A análise das intervenções é feita restringindo-se as
intervenções que modificam externamente a forma arquitetônica da preexistência. “Portanto,
deixa de lado o espaço arquitetônico interno e visando estabelecer parâmetros para a
análise da forma do objeto arquitetônico em seu contexto urbano” (ANDRADE JÚNIOR,
2006, p. 198), através dos seguintes critérios de intervenção: implantação, volumetria,
escala, densidade ou massa, ritmo e cores e texturas dos materiais de acabamento.Para
este autor a arquitetura contextualista deve estar em consonância com as preexistências e
critérios, onde consonante é a intervenção que, “em lugar de simplesmente atuar em
contraste com as preexistências ou repetir de maneira literal e anacrônica os seus diversos
aspectos formais, buscam reinterpreta-los de maneira criativa e moderna” (ANDRADE
JÚNIOR, 2006, p. 263) e dissonante é quando o novo projeto não leva em consideração as
preexistências do contexto em que ocorre.
A intervenção no edifício da antiga Usina Higienizadora de Leite de Recife,tem
comoobjetivotornartaledifícioacessívelàpopulaçãoparaqueamesma tenha consciência da
importância histórica e do valor desse patrimônio cultural da cidade, que no estado que se
encontra atualmente, tal importância, passa despercebida pelo olhar de muitos, que não
fazem ideia do seu valorcultural.Além disso e fundamentalmente, que onovoseja
pensandoemproldacomunidadequehabitaaregiãoequejátem convivência com o edifício,
mesmo queindiretamente e necessitam de espaço de lazer, capacitação e convivência para
sua melhor qualidade de vida.A conservação depende da continuidade de um uso ou da
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inserção de um novo uso. Se nada for feito e o edifício continuar na situação em que se
encontra atualmente, continuará passando despercebido pelo olhar da sociedade e não terá
o reconhecimento do seu devido valor pela mesma.
Referências:
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AMORIM, Luiz. Obituário Arquitetônico: Pernambuco modernista. Recife: o autor, 2007.
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MARQUES, Sonia; NASLAVSKY, Guilah. Eu vi o modernismo nascer… foi no Recife. Arquitextos, São Paulo, ano 11, n. 131.02, Vitruvius, abr. 2011. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.131/3826>. Acesso em: 10 set. 2015.
MOREIRA, Fernando Diniz. Os desafios postos pela conservação da arquitetura moderna. [Editorial]. Revista CPC, n.11, p. 152-187, nov.2010/abr. 2011.
NASLAVSKY, Guilah. Modernidade Arquitetônica no Recife: arte, técnica e arquitetura de 1920 a 1950. Tese (Mestrado em Arquitetura). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Universidade de São Paulo. São Paulo, 1998.
NASLAVSKY, Guilah. Arquitetura Moderna em Pernambuco, 1951 – 1972: as contribuições de Acácio Gil Borsoi e Delfim Fernandes Amorim, 368 p. Tese (Doutorado) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2004.
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SPOSITO, Mariana. Conservação do patrimônio moderno: usina higienizadora de leite Luiz Nunes:proposta de restauro para um novo uso. Monográfica (Graduação em
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