A Alegria de Ajudar

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C M Y K C M Y K A-24 A-24 Saber viver Editora: Ana Paula Macedo [email protected] 3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155 24 CORREIO BRAZILIENSE Brasília, terça-feira, 1º de setembro de 2009 (No voluntariado), você aprende a valorizar o que já tem e a perceber que é uma pessoa de sorte” Márcia Amino, integrante do grupo Viva e Deixe Viver L evar arte, cultura e um pouco de alento a pacientes interna- dos. Esse é o objetivo de dois grupos de voluntários que ten- tam humanizar a rotina de hospitais de todo o país — o Viva e Deixe Viver, de contação de histórias, e o projeto Música em Hospitais. Os participan- tes dessas iniciativas encantam crian- ças e adultos, ajudando-os a esquecer por alguns instantes as dificuldades que atravessam. E garantem: a satis- fação de ajudar vale mais do que qual- quer pagamento. O Viva e Deixe Viver desenvolve o trabalho de leitura para crianças in- ternadas em sete estados e no Distri- to Federal. Em Brasília desde 2005, a organização atua no Hospital Regio- nal da Asa Sul (HRAS). Segundo Adriana Dias, uma das responsáveis pelo projeto, a principal motivação é a dificuldade que muitos dos peque- nos pacientes têm para ter acesso a livros. “Nossa ideia é usar o tempo que eles passam no hospital para amenizar o sofrimento causado pela doença e, ao mesmo tempo, cultivar hábitos de leitura”, diz. A advogada Márcia Amino, 36 anos, conheceu a iniciativa em 2002, quando morava em São Paulo. Ao se mudar para Brasília, em 2005, não quis abandonar a contação de histó- rias e ajudou a montar a filial do Viva e Deixe Viver na capital. Ela, que sempre gostou de ler, achou no vo- luntariado a possibilidade de enxer- gar as coisas de uma nova maneira. “Você aprende a valorizar o que já tem e a perceber que é uma pessoa de sorte. Às vezes, vemos pessoas com tão pouco, mas que mesmo as- sim são felizes”, conta. Lidar com a rotina dura dos hospitais nunca des- motivou Márcia. “É bem pesado, vo- cê convive com a perda, com doen- tes terminais, e tem de lidar com is- so, trazer um pouco de alegria para o paciente.” Para ela, mesmo com todas as difi- culdades, o trabalho vale a pena. “Doa- mos tão pouco, apenas duas horas por semana, e ganhamos tanto”, diz. A re- compensa vem da satisfação de ver que ela ajudou a diminuir a dor de quem passa por uma situação difícil. “Você aprende a lidar com seus recur- sos, tanto artísticos quanto psicológi- cos, e isso se reflete no seu dia a dia. Você vê que seus problemas não são tão grandes assim.” Mães “O sorriso das crianças é a maior re- compensa”, define Leda Meneses, 48 anos, servidora pública e voluntária na leitura de histórias. Duas vezes por semana, ela vai ao setor de doenças in- fectocontagiosas do HRAS. “Escolhi esse setor por ser um dos mais caren- tes de voluntários”, explica. “Para mim, foi a possibilidade de sair do meu mundo particular e fazer essas pes- soas esquecerem, pelo menos por al- gum tempo, o sofrimento pelo qual es- tão passando.” Leda conta que é importante res- peitar a vontade do paciente. “Algu- mas crianças estão em uma situação muito estressante e, às vezes, não que- rem ouvir a história. Mas, em geral, quando veem as outras compenetra- das, nos ouvindo, acabam se interes- sando”, revela. As mãe são outras que se beneficiam. “Elas ficam muito sozi- nhas e sofrem muito ao verem seus fi- lhos doentes. Muitas vezes, as perce- bemos mais interessadas do que as crianças, pois as histórias remetem a coisas boas, à infância”, conta. Quem tem vontade de participar de projetos desse tipo deve pensar bem se está disposto a doar seu tempo. Se- gundo Adriana Dias, é importante o voluntário estar ciente do que espera por ele. “Não é fácil, lidamos com si- tuações difíceis e, às vezes, imprevisí- veis. Já tivemos casos de piora e com- plicações durante a leitura”, exemplifi- ca. Outro cuidado que deve ser toma- do é não atrapalhar o tratamento. “Há casos em que os pacientes estão sendo medicados, com equipamentos liga- dos ao corpo. Outras vezes, durante a leitura, chega a hora de algum proce- dimento. O contador tem de se com- portar de maneira que não atrapalhe o funcionamento do hospital.” A alegria de ajudar Voluntários que levam música e literatura para pacientes de hospitais contam como a experiência de fazer bem aos outros é recompensadora Por isso, os voluntários passam por uma preparação antes de começar o trabalho. O treinamento inclui ofici- nas, palestras e acompanhamento psi- cológico. “Esse preparo é importante, pois dá suporte e melhora o trabalho feito”, explica Adriana. “O voluntário também tem de estar ciente que não fazemos assistencialismo. Nosso obje- tivo é levar educação, cultura e diver- são para as crianças”, completa. Orquestra Outra iniciativa que há seis anos leva cultura para quem está interna- do é o projeto Música em Hospitais, que transporta uma orquestra de cordas para unidades de saúde de to- do o Brasil. Regida pelo médico e maestro Samir Rahme, a Orquestra do Limiar fará sua primeira apresen- tação em Brasília em 9 de setembro, no Hospital de Base, com um con- certo especial em homenagem ao Ano da França no Brasil. O programa, promovido pela Asso- ciação Paulista de Medicina, com o apoio do Ministério da Cultura, já be- neficiou mais de 15 mil pessoas, entre pacientes, médicos, acompanhantes e visitantes. Para Rahme, levar música aos hospitais vai além de tornar mais humanizada a rotina das instituições. “Significa oferecer um remédio pode- roso para as almas de todos os partici- pantes”, descreve. Segundo ele, o obje- tivo não é fazer musicoterapia. “Apesar de a música, por si só, já ser terapêuti- ca, nós queremos que as pessoas usem esse momento para repensar suas vi- das e avaliar por que estão ali, no que podem melhorar.” O repertório é amplo e vai do barro- co à música popular. “Tocamos músi- cas para as pessoas cantarem junto, outras para elas relaxarem ou simples- mente apreciarem. É essa mistura que faz o público sempre pedir mais”, con- ta. O médico e músico espera que a iniciativa ajude a despertar o espírito de solidariedade, e que projetos seme- lhantes surjam em outros lugares. “Acredito na arte como elemento trans- formador”, conclui o maestro. O grupo Viva e Deixe Viver busca criar o hábito da leitura nos pequenos pacientes A voluntária Leda Meneses conta histórias duas vezes por semana no Hospital Regional da Asa Sul: “O sorriso das crianças é a maior recompensa” Instrumentistas do projeto Música em Hospitais: remédio para as almas Breno Fortes/CB/D.A Press Pérola Byinton/Divulgação - 29/4/09 Arquivo Pessoal

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C M Y K C M YK

A-24A-24

Saber viver EEddiittoorraa:: Ana Paula Macedo [email protected]

3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155

24 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, terça-feira, 1º de setembro de 2009

(No voluntariado), você aprende a valorizar o que já tem e a perceber que é uma pessoa de sorte”

Márcia Amino, integrante do grupo Viva e Deixe Viver

Levar arte, cultura e um poucode alento a pacientes interna-dos. Esse é o objetivo de doisgrupos de voluntários que ten-

tam humanizar a rotina de hospitaisde todo o país — o Viva e Deixe Viver,de contação de histórias, e o projetoMúsica em Hospitais. Os participan-tes dessas iniciativas encantam crian-ças e adultos, ajudando-os a esquecerpor alguns instantes as dificuldadesque atravessam. E garantem: a satis-fação de ajudar vale mais do que qual-quer pagamento.

O Viva e Deixe Viver desenvolve otrabalho de leitura para crianças in-ternadas em sete estados e no Distri-to Federal. Em Brasília desde 2005, aorganização atua no Hospital Regio-nal da Asa Sul (HRAS). SegundoAdriana Dias, uma das responsáveispelo projeto, a principal motivação éa dificuldade que muitos dos peque-nos pacientes têm para ter acesso alivros. “Nossa ideia é usar o tempoque eles passam no hospital paraamenizar o sofrimento causado peladoença e, ao mesmo tempo, cultivarhábitos de leitura”, diz.

A advogada Márcia Amino, 36anos, conheceu a iniciativa em 2002,quando morava em São Paulo. Ao semudar para Brasília, em 2005, nãoquis abandonar a contação de histó-rias e ajudou a montar a filial do Vivae Deixe Viver na capital. Ela, quesempre gostou de ler, achou no vo-luntariado a possibilidade de enxer-gar as coisas de uma nova maneira.“Você aprende a valorizar o que játem e a perceber que é uma pessoade sorte. Às vezes, vemos pessoascom tão pouco, mas que mesmo as-sim são felizes”, conta. Lidar com arotina dura dos hospitais nunca des-motivou Márcia. “É bem pesado, vo-cê convive com a perda, com doen-tes terminais, e tem de lidar com is-so, trazer um pouco de alegria para opaciente.”

Para ela, mesmo com todas as difi-culdades, o trabalho vale a pena. “Doa-mos tão pouco, apenas duas horas porsemana, e ganhamos tanto”, diz. A re-compensa vem da satisfação de ver

que ela ajudou a diminuir a dor dequem passa por uma situação difícil.“Você aprende a lidar com seus recur-sos, tanto artísticos quanto psicológi-cos, e isso se reflete no seu dia a dia.Você vê que seus problemas não sãotão grandes assim.”

Mães“O sorriso das crianças é a maior re-

compensa”, define Leda Meneses, 48anos, servidora pública e voluntáriana leitura de histórias. Duas vezes porsemana, ela vai ao setor de doenças in-fectocontagiosas do HRAS. “Escolhiesse setor por ser um dos mais caren-tes de voluntários”, explica. “Para mim,foi a possibilidade de sair do meumundo particular e fazer essas pes-soas esquecerem, pelo menos por al-gum tempo, o sofrimento pelo qual es-tão passando.”

Leda conta que é importante res-peitar a vontade do paciente. “Algu-mas crianças estão em uma situaçãomuito estressante e, às vezes, não que-rem ouvir a história. Mas, em geral,quando veem as outras compenetra-das, nos ouvindo, acabam se interes-sando”, revela. As mãe são outras quese beneficiam. “Elas ficam muito sozi-nhas e sofrem muito ao verem seus fi-lhos doentes. Muitas vezes, as perce-bemos mais interessadas do que ascrianças, pois as histórias remetem acoisas boas, à infância”, conta.

Quem tem vontade de participar deprojetos desse tipo deve pensar bemse está disposto a doar seu tempo. Se-gundo Adriana Dias, é importante ovoluntário estar ciente do que esperapor ele. “Não é fácil, lidamos com si-tuações difíceis e, às vezes, imprevisí-veis. Já tivemos casos de piora e com-plicações durante a leitura”, exemplifi-ca. Outro cuidado que deve ser toma-do é não atrapalhar o tratamento. “Hácasos em que os pacientes estão sendomedicados, com equipamentos liga-dos ao corpo. Outras vezes, durante aleitura, chega a hora de algum proce-dimento. O contador tem de se com-portar de maneira que não atrapalhe ofuncionamento do hospital.”

A alegria de ajudar

Voluntários que levam música e literatura para pacientes de hospitais contam como a experiência de fazer bem aos outros é recompensadora

Por isso, os voluntários passam poruma preparação antes de começar otrabalho. O treinamento inclui ofici-nas, palestras e acompanhamento psi-cológico. “Esse preparo é importante,pois dá suporte e melhora o trabalhofeito”, explica Adriana. “O voluntáriotambém tem de estar ciente que nãofazemos assistencialismo. Nosso obje-tivo é levar educação, cultura e diver-são para as crianças”, completa.

OrquestraOutra iniciativa que há seis anos

leva cultura para quem está interna-do é o projeto Música em Hospitais,que transporta uma orquestra decordas para unidades de saúde de to-do o Brasil. Regida pelo médico emaestro Samir Rahme, a Orquestrado Limiar fará sua primeira apresen-tação em Brasília em 9 de setembro,no Hospital de Base, com um con-certo especial em homenagem aoAno da França no Brasil.

O programa, promovido pela Asso-ciação Paulista de Medicina, com oapoio do Ministério da Cultura, já be-neficiou mais de 15 mil pessoas, entrepacientes, médicos, acompanhantes evisitantes. Para Rahme, levar músicaaos hospitais vai além de tornar maishumanizada a rotina das instituições.“Significa oferecer um remédio pode-roso para as almas de todos os partici-pantes”, descreve. Segundo ele, o obje-tivo não é fazer musicoterapia. “Apesarde a música, por si só, já ser terapêuti-ca, nós queremos que as pessoas usemesse momento para repensar suas vi-das e avaliar por que estão ali, no quepodem melhorar.”

O repertório é amplo e vai do barro-co à música popular. “Tocamos músi-cas para as pessoas cantarem junto,outras para elas relaxarem ou simples-mente apreciarem. É essa mistura quefaz o público sempre pedir mais”, con-ta. O médico e músico espera que ainiciativa ajude a despertar o espíritode solidariedade, e que projetos seme-lhantes surjam em outros lugares.“Acredito na arte como elemento trans-formador”, conclui o maestro.

O grupo Viva e Deixe Viver busca criar o hábito da leitura nos pequenos pacientes

A voluntária Leda Meneses conta histórias duas vezes por semana no Hospital Regional da Asa Sul: “O sorriso das crianças é a maior recompensa”

Instrumentistas do projeto Música em Hospitais: remédio para as almas

Breno Fortes/CB/D.A Press

Pérola Byinton/Divulgação - 29/4/09

Arquivo Pessoal