RENATA ELIZA DE OLIVEIRA Repensando as práticas: o ...encherem, literalmente, minha vida de...

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RENATA ELIZA DE OLIVEIRA Repensando as práticas: o papel do Aconselhamento após 30 anos da Epidemia de HIV/AIDS Monografia apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de Especialista em Prevenção ao HIV/AIDS no Quadro da Vulnerabilidade e dos Direitos Humanos Orientadora: Ana Cláudia Wendt dos Santos São Paulo 2011

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  • RENATA ELIZA DE OLIVEIRA

    Repensando as práticas: o papel do Aconselhamento após 30 anos da

    Epidemia de HIV/AIDS

    Monografia apresentada à Faculdade de

    Medicina da Universidade de São Paulo para a

    obtenção do título de Especialista em Prevenção

    ao HIV/AIDS no Quadro da Vulnerabilidade e

    dos Direitos Humanos

    Orientadora: Ana Cláudia Wendt dos Santos

    São Paulo

    2011

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    DEDICATÓRIA

    Às minhas queridas amigas (de trabalho e pessoal):

    Vitória, que “encontrou” o e-mail sobre o referido curso,

    E por sempre me apoiar nos momentos tensos de debates e reflexões em nosso

    trabalho!

    E à Dulcinéia, por me incentivar nos momentos em que pensei em desistir da

    Monografia.

    Sendo muitas vezes uma Mãe para mim!

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    AGRADECIMENTOS

    Primeiramente a Deus pela constante presença em minha vida.

    A toda a minha família, em especial os meus sobrinhos, Pietro e Enrico por

    encherem, literalmente, minha vida de alegria.

    Em especial, ao meu namorado Caio, por estar ao meu lado sempre disposto a ajudar.

    Agradeço pela força, alegria que sempre me acolhe, vive e festeja a vida com muita

    alegria.

    A minha orientadora, que mesmo sem conhecê-la pessoalmente, sempre foi solidária

    e paciente com o “meu tempo”.

    Aos marcantes professores, Ausônia Donato, Paulo Monteiro e Vera Paiva, que antes

    de nos ensinar, demonstraram AMOR no trabalho com a AIDS, mostrando que o

    sentimento e a emoção são sempre as melhores respostas.

    A professora Lígia Pupo, que com seu trabalho e defesa sobre o Aconselhamento,

    despertou em mim indagações que hoje alimentam esse trabalho.

    Aos queridos e inesquecíveis amigos: Sônia, Marco, Marcus Careca e Zulmira, pelas

    ricas discussões, pelas trocas de experiência, pelos incentivos e pelos prazerosos

    almoços na Teodoro Sampaio.

    E por fim, a todos que direta ou indiretamente contribuíram para o meu aprendizado.

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    Estrelas do mar

    Era uma vez um escritor que morava em uma tranquila praia, junto de uma colônia

    de pescadores. Todas as manhãs ele caminhava à beira mar para se inspirar e à tarde

    ficava em casa escrevendo. Certo dia, caminhando na praia, ele viu um vulto que

    parecia dançar. Ao chegar perto, ele reparou que se tratava de um jovem que recolhia

    estrelas-do-mar da areia para, uma por uma, jogá-las novamente de volta ao oceano.

    - Por que estás fazendo isso? Perguntou o escritor

    - Você não vê? Explicou o jovem. A maré está baixa e o sol está brilhando.

    Eles irão secar e morrer se ficarem aqui na areia.

    O escritor espantou-se.

    - Meu jovem, existem milhares de quilômetros de praias por este mundo afora

    e centenas de milhares de estrelas do mar espalhadas pela praia. Que diferença faz?

    Você joga umas poucas de volta ao oceano, a maioria vai perecer de qualquer forma.

    O jovem pegou mais uma estrela na praia, jogou de volta ao oceano e olhou para o

    escritor.

    - Para essa fiz a diferença!

    Naquela noite o escritor não conseguiu dormir, nem sequer escrever. Pela manhã

    voltou à praia e uniu-se ao jovem e juntos começaram a jogar estrelas do mar de

    volta ao oceano.

    Sejamos, portanto, mais um dos que querem fazer do mundo um lugar melhor.

    SEJAMOS A DIFERENÇA!

    (Autor desconhecido)

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    SUMÁRIO

    1 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 6

    1.1 Minha Trajetória ...................................................................................................... 6

    1.2 Questões Norteadoras e Objetivos da Pesquisa .................................................... 9

    2 REFERÊNCIAL TEÓRICO .................................................................................................. 10

    2.1 Breve Histórico da Epidemia da AIDS ................................................................... 10

    2.2 AIDS no Brasil ........................................................................................................ 12

    2.2.1 Os Centros de Testagem e Aconselhamento em DST/AIDS ............................. 16

    2.3 Aconselhamento: Origem Histórica e Conceitual ................................................ 19

    2.3.1 Promoção e Educação em Saúde: Aproximações Históricas e Conceituais .... 22

    3 PROCEDIMENTO METODOLÓGICO ............................................................................... 25

    3.1 Os Conceitos .......................................................................................................... 25

    3.2 Processo de Coleta de Dados ................................................................................ 26

    3.3 Processo de Análise dos Dados ............................................................................. 27

    4 CONCEPÇÕES E PRÁTICAS NO ACONSELHAMENTO ..................................................... 29

    4.1 Conceito ................................................................................................................. 29

    4.2 Processo de Formação para o Aconselhamento .................................................. 31

    4.3 Refletindo sobre a prática do Aconselhamento ................................................... 32

    4.3.1 Facilidades e Dificuldades no processo de aconselhar .................................... 34

    4.3.2 Desafios e Possibilidades .................................................................................. 35

    5 ÁNALÍSE DO CONTEÚDO DE ACORDO COM O OBJETIVO DA PESQUISA ..................... 38

    6 Considerações Finais ..................................................................................................... 42

    7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 45

    8 SIGLAS UTILIZADAS ........................................................................................................ 48

  • 6

    1 INTRODUÇÃO

    1.1 Minha Trajetória

    O interesse em trabalhar com pessoas com HIV/ AIDS surgiu em minha vida

    um pouco antes de eu ingressar na Faculdade. Ao finalizar o segundo grau do Ensino

    Médio e na busca por um curso que seria a profissão da minha vida, conheci uma

    assistente social que trabalhava com pessoas com AIDS em fase terminal. O amor

    que ela tinha pela profissão e o carinho que oferecia àqueles usuários contribuíram

    para a escolha do meu curso e o desejo de trabalhar na área da saúde, mais

    especificamente pessoas vivendo com HIV/AIDS.

    Quando eu estava no segundo período do curso de graduação em serviço

    social, a irmã de uma grande amiga minha veio a falecer e só então fui saber que ela

    era portadora do vírus HIV. Isso mexeu demais comigo e a vontade de “fazer algo”

    para mudar a situação e de trabalhar com essa população só aumentava.

    No quinto período da faculdade era obrigatória a realização do estágio

    curricular e como meu interesse era estagiar na Saúde, de preferência trabalhar com

    pessoas vivendo com HIV, optei em tentar a bolsa no Serviço de Atendimento

    Especializado – SAE da minha cidade (Juiz de Fora – MG). Porém, naquele período,

    eles não abriram vagas. Apesar de desanimada, passei na seleção de estágio para a

    Penitenciária José Edson Cavalieri - MG. Ali, tive o primeiro contato com o que se

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    intitula “Redução de Danos1” e vi que, mesmo não sendo tão específicas, as ações de

    prevenção para HIV/AIDS e principalmente para as Doenças Sexualmente

    Transmissíveis (DSTs) eram necessárias.

    Elaboramos projetos de intervenção para a população da penitenciária (tanto

    para os detentos quanto para os funcionários), desde a sensibilização até distribuição

    de preservativos e testagem para o HIV. Em quatro anos de estágio foram realizadas

    950 testagens e o diagnóstico de 180 portadores de HIV, dentre funcionários e

    detentos. Esse alto número foi alarmante para toda a equipe, o que intensificaram

    ainda mais as ações de prevenção na Unidade.

    Naquele ambiente tive momentos de muitas alegrias e sucesso como também

    tive momentos marcantes de tristeza. Vivenciei mortes por AIDS de pacientes

    diagnosticados tardiamente. Realizei atendimentos em pessoa que contraíram o HIV

    dentro da própria cadeia, vítimas de abuso sexual (violência na própria instituição);

    além dos altos números de DST. Mas também o sucesso pela adesão ao tratamento

    de muitos; a distribuição sistemática do preservativo; a adesão dos funcionários nas

    Campanhas; e o nascimento de uma criança filha de pais soropositivos e depois sua

    soroconversão.

    Finalizado o estágio, tive outras experiências profissionais (algumas também

    na área da saúde), até que decidi mudar de cidade e Estado e prestei um concurso na

    cidade de São Paulo. Fui aprovada e no momento da escolha do cargo, tive a

    felicidade de ter como opção de trabalho um CTA – Centro de Testagem e

    1 Redução de Danos é um conjunto de políticas e práticas cujo objetivo é reduzir os danos associados ao uso de

    drogas psicoativas em pessoas que não podem ou não querem parar de usar drogas. Por definição, Redução de

    Danos foca na prevenção aos danos, ao invés da prevenção das pessoas ao uso de drogas.

  • 8

    Aconselhamento em DST/AIDS. Ingressei no CTA Pirituba em fevereiro de 2009 e

    lá, juntamente com toda a equipe, trabalhamos, principalmente, a prevenção às

    DST/HIV/AIDS.

    Algo que me inquietou muito quando cheguei ao serviço foi quanto à

    capacitação para o papel do Aconselhador (função a qual exerço no serviço citado).

    Apesar de eu já ter alguma experiência no trabalho com essa população, sempre

    questionei a falta de capacitação ao chegarmos aos serviços (nos é passado apenas o

    que esperam de nós); o perfil desse aconselhador que chega através de um concurso

    público, dentre outras inquietações. E pensando dessa forma, em busca de um

    referencial para as atividades desenvolvidas, fui à procura de capacitações dentro

    dessa área, até que me deparei com a Especialização oferecida pela Faculdade de

    Medicina da Universidade de São Paulo (USP) para obtenção do título de

    Especialista em Prevenção ao HIV/AIDS no Quadro da Vulnerabilidade e dos

    Direitos Humanos.

    As informações sobre a referida Especialização chegaram ao CTA através de

    um e-mail, a qual oferecia aos profissionais envolvidos com as questões de

    DST/HIV/AIDS uma oportunidade de ampliar os conhecimentos sobre o assunto, o

    que veio ao encontro da minha busca por capacitação e melhorar o meu trabalho no

    serviço.

    Neste contexto, ao iniciar a Especialização na Faculdade de Medicina da

    Universidade de São Paulo (USP), no Núcleo de Estudos para Prevenção da AIDS

    (NEPAIDS), o curso de “Prevenção ao HIV no Quadro da Vulnerabilidade e dos

    Direitos Humanos” se fez o lócus prefeito para o desenvolvimento deste estudo.

  • 9

    1.2 Questões Norteadoras e Objetivos da Pesquisa

    Os caminhos que me aproximaram da temática relacionada à AIDS

    compreendem desde meu estágio na Penitenciária José Edson Cavalieri em Minas

    Gerais até trabalhar com Aconselhamento, atualmente, em um Centro de Testagem e

    Aconselhamento em DST/AID em São Paulo/SP. Neste cotidiano, a cada dia

    vivencio novos atendimentos, por se tratarem de uma nova maneira de ver, sentir e

    de ouvir. Esta trajetória desperta em mim questões que, mesmo acreditando nesta

    prática, me faz refletir sobre quais as bases filosóficas e as diretrizes teóricas que a

    fundamenta.

    Assim, algumas indagações me despertaram para o interesse em trabalhar as

    seguintes questões:

    - O Aconselhamento é capaz de mudar as práticas dos usuários?

    - Ao ter informação, o usuário diminui sua vulnerabilidade frente ao HIV?

    - O Aconselhamento pode ser considerado uma prática educativa?

    - Existe um perfil ideal para aquele que exerce o cargo de Aconselhador? Esses

    profissionais são capacitados para realizar o Aconselhamento?

    A busca por responder todas essas questões configura uma pesquisa que tem

    como objetivo geral repensar qual a real importância dada ao Aconselhamento, após

    30 anos de epidemia.

  • 10

    2 REFERÊNCIAL TEÓRICO

    As questões da pesquisa sobre o Aconselhamento juntam-se como o

    surgimento e desenvolvimento da epidemia da AIDS. Para uma melhor compreensão

    do objeto investigado neste trabalho será apresentado a seguir uma breve

    contextualização histórica da epidemia.

    2.1 Breve Histórico da Epidemia da AIDS

    No final da década de 70, nos EUA, aumentava consideravelmente o registro

    de indivíduos homossexuais do sexo masculino com Sarcoma de Kaposi, pneumonia

    e comprometimento do sistema imunológico. Somente em 1983 foi identificado o

    agente etiológico da doença o vírus que foi denominado HIV ou Vírus da

    Imunodeficiência Adquirida. Isto porque, ao prejudicar o funcionamento normal das

    células de defesa do corpo humano, a pessoa fica sujeita a qualquer ataque

    infeccioso, tornando-se alvo de infecções oportunistas (BRASIL, 2004).

  • 11

    Os créditos pela descoberta e identificação do agente infeccioso foram motivos de

    muita disputa e desentendimento na comunidade científica, que disputavam a autoria

    da descoberta.2

    Na década de 80 o diagnóstico da AIDS representava a previsão de morte

    rápida, mas a partir dos anos 90, com o advento dos antiretrovirais (novas drogas),

    houve um progresso considerável na assistência e no tratamento da doença

    (BRASIL, 2002).

    Desde a primeira autorização para o uso de zidovudina (AZT), medicamento

    específico para o tratamento da AIDS nos Estados Unidos em 1987, muitos trabalhos

    científicos foram apresentados e muitos procedimentos mudaram ao longo deste

    período. Se no início o paciente tinha que se submeter à ingestão de uma diversidade

    de remédios em quantidades e horários complicados, sofrendo alta toxidade, hoje já

    existem drogas com baixa toxidade (RACHID,2000).

    A expansão acelerada da doença também impôs a necessidade de ampliar as

    estratégias de controle frente ao número de pessoas infectadas. Isso se confirma com

    a citação a seguir:

    No final de 1999, estimava a Organização Mundial da Saúde (OMS)

    haver mais de 35 milhões de pessoas infectadas pelo HIV em todo o

    mundo e que 16 milhões de pessoas já haviam morrido, incluindo 3,5

    milhões de crianças, em consequência da infecção. (RACHID, 200 p. 4).

    Frente a este panorama, as estratégias de prevenção necessárias para o

    controle da infecção pelo HIV foram sendo configuradas, enfrentando desafios com

    2 Os parágrafos em que não se apresentam referências bibliográficas foram escritos conforme o que

    foi aprendido em aula ao longo do curso de Especialização em Prevenção ao HIV/AIDS no Quadro da

    Vulnerabilidade e dos Direitos Humanos.

  • 12

    as notificações dos casos de AIDS e a disseminação das informações vinculadas ao

    tratamento da doença (PASSARELLI, 2004).

    Nos primeiros anos de atenção à infecção:

    O sistema de monitoramento da epidemia foi direcionado, principalmente,

    para a vigilância dos casos de AIDS e ou para o rastreamento para a

    disseminação do HIV, por meio da vigilância sentinela da infecção pelo

    HIV. Embora esses sistemas sejam imprescindíveis, servem somente para

    registrar as infecções em curso; como resultado, perde-se a oportunidade

    de se obter uma informação antecipada do potencial endêmico. Os

    sistemas de alerta precoce estão baseados nos dados que registram o risco

    da infecção mais do que a infecção propriamente dita. (BRASIL, 2002 p.

    16).

    A partir desses dados, evidencia-se a complexidade de implementação de

    ações de saúde que signifiquem, efetivamente, a construção de políticas públicas

    comprometidas com o controle da infecção pelo HIV e com tratamento da AIDS.

    2.2 AIDS no Brasil

    Segundo Oliveira e Weinstein (2004), o primeiro caso de AIDS registrado no

    Brasil foi em 1980, resultando em óbito imediato. Assim, as publicações do

    Ministério da Saúde (BRASIL, 2004c) dizem que a luta contra as DST surgiu no

    início da década de 80.

    Não se conhecia muito bem o que era esse vírus tão assustador, mesmo entre

    os profissionais de saúde. A contaminação pelo HIV era visto como uma ocorrência

    isolada, restrita a segmentos populacionais bem específicos, como no caso dos

    homossexuais e dos usuários de drogas injetáveis (UDIs) (BRASIL, 2004).

  • 13

    No Brasil, apareceram as primeiras iniciativas voltadas às políticas públicas

    de saúde para combater a AIDS – criação do Programa Estadual de AIDS de São

    Paulo (em 1983) e, posteriormente, em 1988 foi oficialmente criado o Programa

    Nacional de DST/AIDS com a tripla missão institucional de coordenação, elaboração

    de normas técnicas e formulação de políticas públicas (BRASIL, 2002).

    A sociedade civil também começou a se organizar por intermédio da

    fundação de Organizações Não-Governamentais (ONGs) como – GAPA, ABIA e

    Pela Vida, que passaram a lutar pelos direitos das pessoas que vivem com HIV e

    AIDS (BRASIL, 1997).

    Nos primeiros anos da epidemia de AIDS, o Programa Nacional consolidou-

    se como uma estratégia governamental. Paralelamente, organizações da sociedade

    civil se mobilizaram para o combate à epidemia, na luta pelo preconceito e pela

    discriminação e, principalmente, na defesa dos direitos civis e sociais das pessoas

    que viviam com HIV/AIDS, bem como na cobrança incisiva por ações

    governamentais mais efetivas (BRASIL, 2004).

    Já a década de 90 se configurou como um período de grandes conquistas. Em

    1990 foi aprovada a Lei Orgânica da Saúde, marco referencial da criação do Sistema

    Único de Saúde (SUS), que consolidou e avançou o processo de reforma sanitária no

    País. Assim, a saúde foi contemplada na nova Constituição a partir de uma ótica

    baseada em direitos sociais, representando um avanço (GRANGEIRO, 2004).

    Considerando as condições do sistema sanitário, a IX Conferência Nacional

    de Saúde realizada em 1992, reafirmou a descentralização e municipalização do

    sistema de saúde, além de destacar o controle social através do funcionamento dos

  • 14

    Conselheiros de Saúde que envolvia os diferentes setores interessados.

    (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005a).

    Em 1992, através da articulação entre a sociedade civil, o Estado e os

    organismos internacionais, tivemos estabelecido o reconhecimento definitivo da

    AIDS como prioridade de Saúde Pública.

    Assim, a Lei nº 9313, de 13 de novembro de 1996, implantou a distribuição

    gratuita, pela rede pública, dos antiretrovirais. Como decorrência disso, em dez anos

    a média de sobrevida, a partir do diagnóstico, passou de cinco meses para cinco anos

    (BRASIL, 2000).

    Além disso, foi publicado o primeiro Manuel de consenso em terapia

    antiretroviral e criada a Rede Nacional de Laboratórios para realização de exames de

    carga viral e contagem de células CD43 (BRASIL, 2004).

    Todas essas estratégias adotadas pelo governo brasileiro, aliado à luta da

    sociedade civil e dos infectados pelo HIV/AIDS, fizeram com que, no final dos anos

    90, os Boletins Epidemiológicos apontassem a redução na taxa de mortalidade e

    morbidade da doença, com a melhora da qualidade de vida dos portadores do vírus

    Em síntese, os principais resultados, após esse período, foi a acentuada

    queda da mortalidade por AIDS, principalmente, em duas grandes regiões do País,

    São Paulo e Rio de Janeiro; a consolidação de uma rede nacional de direitos

    humanos em DST/HIV/AIDS; o acesso gratuito e universal aos medicamentos

    3 CD4 é uma molécula que se expressa na superfície de algumas células T, macrófagos e na célula

    dendrítica. (Wikipédia/www.wikipedia.org.br). Células CD4 são tipos de glóbulos brancos que melhor indicam o funcionamento do sistema imunológico de uma pessoa com HIV.

  • 15

    antiretrovirais; a articulação inter-institucional nas diferentes esferas do governo; a

    criação dos Centros de Testagem e Aconselhamento em DST/AIDS (CTAs); e o

    estabelecimento de mecanismos efetivos de cooperação técnica horizontal com

    países da América Latina e do Caribe, países africanos de língua portuguesa, países

    da Europa e organismos internacionais especializados (BRASIL, 2004b).

    Nos anos 2000 temos o surgimento das chamadas “novas tecnologias” de

    prevenção e o avanço no conhecimento científico contribuem, ainda mais, para a

    diminuição da incidência da AIDS e redução da mortalidade.

    Os principais desafios atuais na área da saúde são a redução da incidência de

    AIDS nos diferentes segmentos populacionais em situação de vulnerabilidade,

    principalmente entre a população de baixa renda; a erradicação da Sífilis congênita

    no País e principalmente a garantia dos direitos de cidadania e de uma melhor

    qualidade de vida para as pessoas vivendo com HIV/AIDS e, sobretudo, a

    priorização das ações voltadas para as DST (PASSARELI, 2004 p.15).

    Além disso, o que se pode dizer é que em três décadas, mudou-se o perfil da

    epidemia da AIDS, que começa a se expandir em maior proporção em cidades do

    interior do país (interiorização), em pessoas em condição de pobreza ou miséria e de

    baixa escolaridade (pauperização), e em mulheres de todas as idades e camadas

    sociais (feminilização) (MORENO 2006).

    Após trinta anos de descoberta da doença, ela ainda continua sem cura,

    provocando grandes transformações na vida daqueles que convivem com a mesma. A

    própria AIDS mudou de identidade ao longo de sua história. Hoje falamos em uma

    doença crônica e em pessoas vivendo com HIV e não mais morrendo em função de

  • 16

    terem adquirido o vírus. Mas apesar disso, existe todo um significado que os

    portadores dessa doença carregaram e, infelizmente, ainda carregam. Vergonha, ira e

    medo de serem portadoras de uma doença que dizia muito mais que o diagnóstico:

    dizia sobre quem era a pessoa que a adquiria, sobre os hábitos que possuía e sobre

    seu estilo de vida. Portanto, o que se conclui é que a AIDS, desde sempre, além de

    ser uma doença viral, é também uma doença social, sendo considerada, ainda hoje,

    como um dos mais sérios problemas de saúde pública.

    2.2.1 Os Centros de Testagem e Aconselhamento em DST/AIDS

    Em meados de 1987/1988 começou a ser estimulada a criação, em nível

    nacional, de Centros de Orientação e Apoio Sorológico (COAS), sendo estes

    renomeados sem 1997, pela Coordenação nacional de DST/AIDS, como Centros de

    Testagem e Aconselhamento (CTAs) (BRASIL, 2004).

    Os CTAs constituíram-se como uma modalidade alternativa de serviço de

    saúde, devendo oferecer a possibilidade de realizar o teste sorológico do HIV de

    forma gratuita, confidencial e anônima. Nesses serviços, o oferecimento dos testes

    teria a finalidade de promover educação e aconselhamento para os indivíduos sob

    risco de infecção e àqueles já infectados. Outro dos objetivos dos CTAs era desviar a

    demanda por testes sorológicos nos bancos de sangue, devido ser muito elevada

    (BRASIL, 2004).

    Os Centros de Testagem e Aconselhamento (CTAs), portanto, são

    compreendidos como serviços de prevenção das DST/AIDS e do uso indevido de

  • 17

    drogas, tendo suas ações dirigidas e adequadas às necessidades da população onde

    atuam. Os CTAs servem como referência para a oferta de informações sobre

    prevenção e realizam, em parceria com outras instituições (Organizações Não

    Governamentais e Organizações Governamentais- ONG), atividades extramuros,

    procurando atingir grupos populacionais vulneráveis à infecção pelo HIV e

    comunidades de difícil acesso que muitas vezes não chegam ao serviço. (BRASIL,

    2004b).

    A história do Aconselhamento e os desdobramentos do uso do teste

    sorológico para identificação do HIV, ao longo dos anos, apontam para diversas e,

    muitas vezes, controversas posições no campo científico e da prática profissional. Os

    CTAs constituem locais destinados a ampliar o acesso ao diagnóstico precoce da

    infecção pelo HIV e ao Aconselhamento, dentro das normas e princípios que não

    firam os direitos humanos e garantam a voluntariedade na realização de sorologia

    anti-HIV (BRASIL, 1999a).

    Além disso, os CTAs são unidades de saúde que oferecem testagem para as

    hepatites B e C e sorologia para Sífilis, atendendo a demanda social, tanto por

    procura espontânea como por indicação de outros serviços de saúde. O sigilo, o

    acolhimento e o aconselhamento são marcas específicas desses serviços. Quando

    algum usuário é diagnosticado como positivo para o vírus HIV, por exemplo, este é

    encaminhado para as unidades de referência para tratamento ao HIV/AIDS,

    recebendo toda assistência e acompanhamentos necessários. O mesmo acontece com

    sorologias positivas para as Hepatites e/ou Sífilis. Nesse caso, os usuários são

    referendados às Unidades de Atenção Básica, para tratamento e acompanhamento.

  • 18

    O Ministério da Saúde, por meio da Coordenação Nacional de DST, AIDS e

    Hepatites Virais, preconiza algumas normas quanto ao funcionamento dos Centros de

    Testagem e Aconselhamento:

    Os CTAs devem estar situados em locais de fácil acesso, tanto para a

    população geral quanto para as populações alvo. Os CTAs podem

    desenvolver suas atividades nas dependências de unidades sanitárias que

    já sejam referência de saúde para a população local. Recomenda-se que a

    equipe técnica do CTA tenha dependências exclusivamente destinadas a

    realização das suas atividades, como sala para recepção, atendimento

    coletivo, atendimento individual, coleta de sangue e arquivo. Os horários

    de atendimento devem ser organizados a fim de oferecer alternativas

    acessíveis aos diferentes segmentos populacionais. Observadas as normas

    de biossegurança, higiene e coleta de sangue, unidades volantes podem

    ser disponibilizadas para as populações de difícil acesso e/ou que habitam

    em áreas distantes do local de instalação do CTA (BRASIL, 1997, p.12).

    Os testes sorológicos podem ser realizados de forma anônima ou não. Todo usuário

    deve ser acolhido no serviço de acordo com suas necessidades. O acolhimento

    realizado deve ampliar a capacidade do serviço de identificar e responder aos

    problemas de saúde da população e promover o bom uso do mesmo.

    O acolhimento é aqui entendido como uma ferramenta de gestão e não um

    simples “acolher”, ou fazer uma triagem. Este acolhimento deve ser pautado nos

    princípios de acessibilidade, universalidade, resolutividade, integralidade e

    humanização do atendimento, que visa qualificar, reorientar e articular a oferta e

    organização do serviço à demanda e necessidade de saúde.

    A confidencialidade e o sigilo são princípios que devem prevalecer durante

    todo atendimento, sendo que ao usuário deve ser garantida uma rede de assistência

    que acolha a demanda por ele gerada. Nenhum CTA poderá funcionar sem que exista

    essa rede assistencial. Para tanto, os profissionais que atuam nos Centros de

    Testagem e Aconselhamento possuem diferentes formações: aconselhadores

  • 19

    (profissional de nível superior), coletadores de sangue (auxiliares ou técnicos de

    enfermagem), agente de apoio administrativo, vigilantes (ensino médio) e

    profissionais de limpeza (ensino fundamental) (BRASIL, 2004).

    Dado seu caráter interdisplinar, todos os profissionais das equipes que atuam

    em CTAs devem participar e compartilhar todos os momentos e fluxos de

    atendimento, observando as competências específicas de cada categoria profissional

    (BRASIL, 1998a).

    2.3 Aconselhamento: Origem Histórica e Conceitual

    O Aconselhamento está relacionado a uma técnica desenvolvida por Frank

    Parsons4 (1909). Ele pretendia desenvolver um processo racional de auto-avaliação

    com jovens que pudesse associar a análise das oportunidades de trabalho que

    existiam no mercado (com o advento da Revolução Industrial), articulado com as

    características das diferentes ocupações e com os talentos e as características

    individuais da personalidade (PUPO, 2007).

    No entanto, a tradição de pensamento que deu origem à prática do

    Aconselhamento e as concepções teóricas que a fundamentaram no decorrer da

    história não focavam o “individuo em seu contexto”. Assim, o aconselhamento se

    concentrou por anos, em uma abordagem psico-educativa e relacional dos problemas,

    4 Frank Parsons é considerado, na literatura internacional, o pai da orientação vocacional, profissional

    e de carreira, em função de seu pioneirismo na sistematização teórico-técnica dos primeiros trabalhos

    da área realizados em Boston nos Estados Unidos.

  • 20

    enxergando o indivíduo com um ser quase independente, não inserido em nenhum

    contexto (social, político, econômico) (AYRES, 2003).

    No Brasil, a associação entre a prática do aconselhamento e a AIDS surgiu

    inicialmente no âmbito das Organizações Não Governamentais, a partir de trabalhos

    voluntários e de grupos de apoio entre pares. Ao mesmo tempo, essas ações foram

    desenvolvidas e expandidas para diversos segmentos populacionais, com vistas a

    implantar ações de prevenção (BRASIL, 1999a, p.9).

    Conforme relatado no Manual de Diretrizes dos CTAs:

    A história do aconselhamento e os desdobramentos do uso do teste para o

    HIV, ao longo dos anos, nos apontam para as diversas e muitas vezes,

    controversas posições que concorrem no campo científico da prática

    profissional. Nos primeiros anos da epidemia, alguns países como a

    Inglaterra e os EUA já dispunham de Serviços de Aconselhamento

    destinados a grupos sociais minoritários, entre estes: homens que fazem

    sexo com homens e usuários de drogas. (BRASIL, 1999a, p.9).

    Dessa forma, essas ações passaram a incorporar o apoio psicológico das

    pessoas afetadas pela doença, servindo como suporte emocional para as questões

    como morte, luto, manifestação de doenças oportunistas e suas consequências para a

    adaptação das pessoas a uma nova condição corporal e social, adesão as terapias

    medicamentosas, entre outras (MORENO, 2006).

    Conhecer, reconhecer e resgatar a dimensão psicossocial da AIDS e suas

    representações é um desafio implícito na prática de testagem e no aconselhamento.

    O Aconselhamento tem se mostrado como ferramenta útil e deve ser utilizado

    em vários programas e ações de saúde como prática de serviço que permita ao

    profissional ser crítico e reflexivo e que garanta intervenções éticas, técnico-

  • 21

    científicas, ancoradas no desenvolvimento de políticas públicas que fortaleçam a

    promoção da Saúde (BUSS, 2003).

    A incorporação do aconselhamento pelos serviços de saúde é um grande

    desafio, pois, até o momento, esta prática realiza-se principalmente nos serviços

    especializados em DST/HIV/AIDS e em algumas Organizações Não

    Governamentais. Esses serviços estão mais habituados a incluir na rotina de trabalho

    as questões sobre sexualidade, drogas, vulnerabilidade e direitos humanos, parte

    indissociável dos campos da prevenção ao HIV/AIDS e da educação em saúde.

    Para PUPO (2007), o aconselhamento é assim definido:

    “O Aconselhamento é uma relação interpessoal e intersubjetiva pautada

    fundamentalmente em valores humanos específicos, que sustentam,

    amparam e legitimam atitudes e experiências comunicativas, visando

    construir condições facilitadoras para a solução de problemas específicos,

    tomada de decisões importantes e para o desenvolvimento de estratégias

    factíveis e convenientes para o indivíduo, na transformação de sua

    realidade. Para isso, pode também fazer uso de recursos técnicos,

    científicos e sociais.” (PUPO, 2007 p. 17).

    Segundo Grangeiro (2004), a prática do aconselhamento desempenha um

    papel importante no contexto da epidemia no Brasil desde a criação do Programa

    Nacional de DST/AIDS, se reafirmando como um campo de conhecimento

    estratégico para a qualidade do diagnóstico e da atenção à saúde. Dessa forma, fica

    indissociável pensar a prevenção efetiva das DST/HIV/AIDS sem considerar a ação

    do aconselhamento.

    Entre os desafios presentes nesta prática, temos o (des)-preparo dos

    profissionais. Esses profissionais devem estar preparados para uma escuta ativa e

    particularizada, pois aconselhar em AIDS requer muito mais do que apenas informar

    sobre como se contrai o vírus e como se protege da doença. Não é um simples

  • 22

    repasse de informações, sendo que estas por si só não alteram/mudam a condição dos

    sujeitos. Aconselhar requer que reconheçamos o contexto da promoção da saúde,

    prevenção das doenças e educação em saúde, além de ver o outro como sujeito de

    direito, como uma pessoa inserida no contexto e que possui seus projetos de

    felicidades (PUPO, 2007).

    2.3.1 Promoção e Educação em Saúde: Aproximações Históricas e Conceituais

    Falar em promoção da saúde requer compreender as propostas teórico-

    metodológicas que explicam os processos de saúde e doença, implicando conhecer

    estratégias educativas no contexto dos modelos de assistência à saúde. Precisa-se de

    uma perspectiva ampla para reduzir o impacto da infecção pelo HIV sobre as

    sociedades na medida em que é preciso conhecer, estudar, ver e entender dimensões

    como saúde, corpo, sexualidade, afeto, relações humanas, confiança, solidariedade

    (BRASIL, 2004b).

    Compreender o Aconselhamento em AIDS como uma estratégia de promoção

    da saúde implica contextualizar os processos de constituição da educação em saúde,

    bem como empreender incursões conceituais.

    No documento Educação em Saúde: histórico, conceitos e propostas

    (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005a), o Comitê de Especialistas em Planejamento e

    Avaliação dos Serviços de Educação em Saúde, órgão pertencente à Organização

    Mundial de Saúde (OMS), destaca que o foco da educação em saúde deve estar

    voltado para a população e para a ação. De uma forma geral seus objetivos são:

  • 23

    Encorajar as pessoas a adotar e manter padrões de vida sadios; usar de

    forma judiciosa e cuidadosa os serviços de saúde colocados a sua

    disposição; tomar suas próprias decisões, tanto individual como

    coletivamente, visando melhorar suas condições de saúde e as condições

    do meio ambiente (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004a).

    No Brasil, as diversas reorganizações administrativas do Ministério da Saúde,

    ocorridas entre 1964 e 1980, foram acompanhadas por uma mudança terminológica:

    a educação sanitária passou a ser denominada de educação em saúde, tentava-se uma

    transformação conceitual. Todas essas mudanças, entretanto, não contribuíram para a

    tarefa principal que seria a introdução do componente da educação nos programas de

    saúde desenvolvidos pelo Ministério e pelas Secretarias Estaduais de Saúde (BUSS,

    2003).

    Em meados da década de 70, ocorreu uma transformação decisiva com a

    implantação dos primeiros sistemas nacionais de informação de saúde, o Sistema de

    Informação sobre Mortalidade (1976) e o Cadastro de Estabelecimentos de Saúde

    (1979). No processo de implantação desses sistemas, os veículos de comunicação

    foram chamados a colaborar na divulgação da importância de contar com dados

    confiáveis. Utilizou-se pela primeira vez e de forma bastante tímida, a propaganda e

    o marketing subliminar (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005a).

    Todos os processos históricos condicionam modos e perspectivas de

    compreender as práticas e os conceitos no âmbito da produção da ciência. O conceito

    contemporâneo de promoção de saúde surgiu e desenvolveu-se de forma mais

    vigorosa nos últimos 25 anos, em países como o Canadá, EUA e países da Europa

    ocidental (BUSS, 2003).

  • 24

    Quatro importantes Conferências Internacionais (BRASIL, 2002) marcaram,

    historicamente, o desenvolvimento do conceito de Promoção da Saúde: Otawa

    (1986), Adelaide (1988), Sundsval (1991) e Jakarta (1997), estabelecendo as bases

    conceituais e políticas da promoção da saúde. Na América Latina, em 1992, realizou-

    se a Conferência Internacional de Promoção da Saúde (OPAS, 1996), trazendo

    formalmente o tema para o contexto sub-regional (BRASIL, 2002).

    Conforme Buss,

    A promoção da saúde consiste nas atividades dirigidas centralmente à

    transformação dos comportamentos dos indivíduos, focando nos seus

    estilos de vida e localizando no seio de suas famílias e, no máximo, no

    ambiente das “culturas” da comunidade em que se encontram. Neste caso,

    os programas ou atividades de promoção da saúde, tendem a concentrar-

    se em componentes educativos, primariamente relacionados com riscos

    comportamentais cambiáveis, que se encontrariam, pelo menos em parte,

    sob o controle dos próprios indivíduos. O que caracteriza modernamente a

    promoção é a constatação do papel protagônico dos determinantes gerais

    sobre as condições de saúde. (BUSS, 2000 p.165).

    Nesta perspectiva, saúde é produto de um amplo espectro de fatores

    relacionados com a qualidade de vida, incluindo um padrão adequado de alimentação

    e nutrição, de habitação e saneamento, boas condições de trabalho e renda,

    oportunidades de educação ao longo da vida dos indivíduos e das comunidades.

  • 25

    3 PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

    3.1 Os Conceitos

    Na construção da presente pesquisa surgiram vários caminhos. Um dos

    cuidados foi seguir uma direção que contemplasse as diferentes faces da questão a

    ser estudada. Segundo Richardson ET AL (1999) a metodologia consiste em

    procedimentos e regras utilizados para se chegar a um objetivo. Entretanto, Minayo

    (2004) afirma que a metodologia inclui as concepções teóricas de abordagem, cujo

    conjunto de técnicas possibilita a apreensão da realidade e também o potencial

    criativo do pesquisador. Para a autora, entrar no campo da metodologia social é

    penetrar em um mundo polêmico onde há questões não resolvidas onde o debate tem

    sido perene e não conclusivo.

    Refletir sobre saúde, sobre modelos de atenção e educação, requer considerar

    as expressões dos próprios sujeitos, seus valores e concepções.

    Entende-se a pesquisa como:

    Um processo que se estabelece na dimensão das relações sociais, onde a

    provisoriedade, o dinamismo e a especificidade são características

    fundamentais (MINAYO, 2004, p. 23).

    É neste campo que situo o objeto deste estudo, ou seja, repensar qual a real

    importância dada ao Aconselhamento, após 30 anos de epidemia de HIV/AIDS.

  • 26

    A natureza do objetivo delineado, bem como as constantes buscas na

    literatura sobre o Aconselhamento, além das indicações da própria coordenação do

    Curso de Especialização, levou-me a optar pela análise qualitativa dos dados.

    3.2 Processo de Coleta de Dados

    Para a realização da presente monografia, foi utilizado como técnica de

    pesquisa a Revisão Bibliográfica, dentro da bibliografia nacional, de artigos, textos,

    manuais e livros relacionados com a temática citada. Referida revisão foi realizada

    no período de julho a outubro de 2011, iniciando com a busca de artigos e textos

    científicos.

    A pesquisa bibliográfica se faz fundamental em todo trabalho científico e

    consiste no levantamento, na seleção, no fichamento e no arquivamento de

    informações relacionadas à pesquisa.

    O acesso a bibliografia pode ser feita de dois modos básicos: manualmente ou

    eletronicamente. Nesta pesquisa, foi decidida a busca pelos dois processos. O método

    mais simples foi o de acessar o site da Bireme (Biblioteca Regional de Medicina) e

    posteriormente o do SCIELO – Scientific Eletronic Library Online ou o do Google

    acadêmico (HTTP://scholar.google.com.br).

    Para a coleta de dados manualmente, foram selecionados todo o material

    referente à Aconselhamento em DST/AIDS e textos que o relacionavam como uma

    prática educativa, utilizados e referendados durante o curso.

    http://scholar.google.com.br/

  • 27

    A presente investigação se estruturou nas seguintes fases:

    a- Levantamento de artigos, teses e livros sobre o Aconselhamento em

    DST/AIDS, a partir das bases de dados do LILACS, SCIELO e Google

    Acadêmico; e referências bibliográficas citadas durante o curso de

    especialização;

    b- Levantamento dos Manuais Nacionais sobre o Aconselhamento em

    DST/AIDS;

    c- Identificação das principais referências teóricas utilizadas para fundamentar

    os manuais selecionados e os textos sugeridos no curso;

    d- Sistematização e análise crítica deste material.

    Para a pesquisa eletrônica, foi selecionada uma palavra chave

    “Aconselhamento” e, posteriormente, esta palavra foi cruzada com “DST/AIDS”,

    preferindo-se sempre os arquivos que continham os textos completos.

    Foram levantados e analisados 22 documentos que descreviam sobre a prática

    do Aconselhamento em DST/AIDS, de forma a delimitar seus principais problemas,

    seu processo histórico e seus desafios.

    3.3 Processo de Análise dos Dados

    Para análise das referências bibliográficas selecionadas, foi utilizada a técnica

    da análise temática (Minayo, 2004), que consiste em descobrir a presença de temas

  • 28

    significativos relacionados ao objeto de estudo. O material obtido foi analisado em

    três etapas:

    -Na pré-análise, foram feitas leituras e releituras das entrevistas, para

    impregnação da pesquisadora pelo material. Fez-se então a leitura mais progressiva

    no sentido de buscar os temas que contemplassem o objetivo inicial.

    -Na exploração do material, de acordo com o objetivo do estudo, foram

    criadas categorias e subcategorias temáticas.

    -O material foi selecionado e será descrito e discutido nos capítulos seguintes,

    assim como foi explicitado naqueles precedentes.

  • 29

    4 CONCEPÇÕES E PRÁTICAS NO ACONSELHAMENTO

    4.1 Conceito

    No decorrer da história, pessoas em crise, que apresentavam alguma

    dificuldade de lidar com seus problemas cotidianos, necessitavam de outros

    indivíduos para conseguir ajuda, ou seja, para solucionarem seus problemas, o que

    favorecia seu crescimento pessoal e ajustamento social.

    Nesse sentido, o termo Aconselhamento vem sendo utilizado para uma

    extensa variedade de intervenções, relacionadas ao bem estar e desenvolvimento

    social. Utilizado em diferentes concepções do ser humano, esse tipo de “ajuda” veio

    sendo aperfeiçoada, acumulando diferentes técnicas e saberes. Tal prática foi se

    estruturando e definiu-se como uma atividade específica e como profissão (PUPO,

    2007).

    Com o tempo, os profissionais que realizam o Aconselhamento perceberam

    que os problemas que pretendiam resolver, tinham raízes mais profundas, o que

    prejudicava em sua solução (MORENO, 2006).

    Segundo Pupo (2007), foi dentro deste contexto que a publicação feita por

    Carls Rogers de seu “Counseling and Psychotherapy” (1942) teve um impacto tão

    relevante. E também, pode-se dizer, que a partir dai, iniciou-se a confusão entre o

    que seria o Aconselhamento e a Psicoterapia.

  • 30

    Em seu texto, a referida autora afirma que Rogers sempre considerou

    Aconselhamento e Psicoterapia duas práticas muito próximas; pois segundo ele, os

    princípios que orientam a psicoterapia não se diferenciavam dos princípios que

    fundamentam todas as relações humanas consideradas construtivas, não avaliando

    como importante fazer uma clara distinção entre as duas práticas.

    Ao mesmo tempo, muitos dos teóricos da Psicologia concordam que existe

    semelhança entre o Aconselhamento e as Práticas Educativas. Aqui, o

    Aconselhamento é colocado como um processo individualizado e personalizado de

    aprendizagem de informações e conhecimentos sobre os temas, as habilidades, os

    comportamentos, os valores, as atitude, dentre outras, do mesmo modo que se

    constituem as Práticas Educativas.

    Porém, vimos que algumas ações de Aconselhamento permanecem trazendo

    conteúdos prontos (tipo “receitas de bolo”), para serem difundidas de forma

    descontextualizada e acrítica, enxergando o processo educativo como um mero

    repasse de informações.

    Muitas são as linhas, as abordagens e os posicionamentos teóricos que vêm

    fundamentando a prática do Aconselhamento no decorrer dos anos. Algumas

    enfocando mudanças de comportamentos e hábitos, no repasse de informações como

    alternativas de ajuda aos sujeitos. Contudo, há outras que enfocam os aspectos

    afetivos e cognitivos em conjunto, na busca de soluções conjuntas, pautadas no

    diálogo e na experiência do cotidiano (PUPO,2007).

  • 31

    Assim, podemos perceber que o Aconselhamento, ao longo de sua trajetória e

    após os 30 anos de epidemia, apresenta ainda uma dose de imprecisão, de

    ambigüidade e de múltiplas visões.

    4.2 Processo de Formação para o Aconselhamento

    O Aconselhamento foi concebido como uma prática a ser executada por

    qualquer profissional de saúde, desde que capacitado para isso. E ai está a questão

    chave desse capítulo. Seus objetivos, suas características, suas bases teóricas não são

    ensinadas em nenhum curso de formação superior ou profissionalizante. Seu

    contorno tem de ser aprendido no próprio fazer profissional, em uma postura, muitas

    vezes, autodidata do profissional de saúde que busca se fundamentar das condições

    necessárias para o trabalho, bem como o desenvolvimento das habilidades

    necessárias para um bom aconselhador (MORENO, 2006).

    Pupo (2007) coloca que, muitas vezes, os profissionais que realizam o

    Aconselhamento, por não possuírem formação adequada para implementar tal tarefa

    e por possuírem diferentes concepções sobre seus objetivos, tornam-no distinto,

    sendo visto como um simples repasse de informação, tratado de forma banalizada ou

    como uma atividade pré-estruturada, seguida a moldes prontos.

    Os profissionais de saúde que realizam o Aconselhamento carecem, portanto,

    de uma fundamentação teórica e técnica, afim da superação dos problemas citados

    acima.

  • 32

    O Aconselhamento concentra conteúdos e conceitos tanto da psicologia

    clínica e social, como da educação. Assim sendo,

    (...) banaliza-se esta atividade como uma ação que “qualquer pessoa com

    o mínimo de compreensão sobre os objetivos propostos, com um pouco

    de bom senso e com um rápido treinamento, pode realizar e não se discute

    quais conhecimentos são necessários para que os aconselhadores

    consigam promover reais mudanças de comportamento, manejar situações

    de crise, identificar bloqueios afetivos, cognitivos e manejá-los de forma

    consistente, fornecer suporte psico-social, ou promover uma ação

    educativa de forma crítica e contextualizada, ou seja, uma ação educativa

    que não equivalha a um repasse acrítico de informações. (PUPO, 2007 p.

    79).

    Dessa forma, promover debates, capacitar teórica e metodologicamente os

    profissionais da Rede Especializada em DST/AIDS, de uma forma rotineira e

    contínua se faz mister para um bom resultado junto aos usuários do serviços.

    4.3 Refletindo sobre a prática do Aconselhamento

    O Aconselhamento surgiu como uma resposta a demandas sociais que

    emergiam, caracterizando-se como uma prática de utilidade pública. Surgiu como

    uma forma de ajustamento e adaptação social (PUPO, 2007).

    Segundo Pupo (2007), caracteriza-se como uma prática ambígua, pouco

    definida. Não possui uma teoria específica e sim uma forma de executá-la (prática),

    uma racionalidade, uma proposta, um instrumental, tornando-se muito frágil na

    medida em que é influenciada por outros campos teóricos.

  • 33

    Em outras palavras, Aconselhamento seria ajudar o indivíduo a se ajudar, a

    tomar decisões sobre sua vida e aumentar seu discernimento/clareza e consciência de

    si mesmo na situação. Essa ajuda é estruturada e personalizada para a resolução de

    situações difíceis, de crise, para a solução de problemas específicos (às vezes

    situacionais) e para a “tomada de decisões”.

    Para tanto, deve-se criar um espaço para uma auto reflexão do sujeito e não

    apenas para o repasse de informação, devendo haver o manejo adequado das

    emoções e vivências do indivíduo. Envolve uma comunicação confidencial, privada

    e personalizada, tendo uma intencionalidade.

    Por não ter um campo teórico definido, o Aconselhamento apropria-se de

    outras teorias, resultando muitas vezes em uma confusão conceitual. Para muitos

    autores, como Pupo (2007), Moreno (2006) e Monteiro (2010), existe um grande

    terreno de indiferenciação, principalmente entre o aconselhamento, a psicoterapia e a

    ação educativa.

    O Aconselhamento também apresenta uma dimensão educativa, pois envolve

    um processo de aprendizagem. Porém ele não é uma ação educativa, e sim uma ação

    na esfera do Cuidado.

    De uma forma geral, Aconselhamento, Psicoterapia e Práticas Educativas não

    são em absoluto a mesma coisa e algumas diferenças fundamentais também não

    podem ser ignoradas. As três práticas aqui discutidas pretendem contribuir para uma

    análise e um posicionamento crítico do indivíduo diante da realidade; pode existir o

    oferecimento de informações específicas; e as três dependem de um processo de

  • 34

    comunicação dialógico e intersubjetivo. Porém cada uma apresenta suas

    especificidades (PUPO, 2007).

    Nesse contexto, o aconselhamento tem se mostrado como ferramenta útil e

    deve ser utilizado em vários programas e ações de saúde como prática de serviço que

    permita ao profissional ser crítico e reflexivo e que garanta intervenções éticas,

    técnico-científicas, ancoradas no desenvolvimento de políticas públicas que

    fortaleçam a promoção da Saúde.

    4.3.1 Facilidades e Dificuldades no processo de aconselhar

    Aconselhar em HIV/AIDS significa, em linhas gerais, estar aberto ao outro,

    “ajudar o outro a ajudar-se”. Como resultado desse processo, espera-se o aumento do

    controle e domínio do indivíduo sobre determinada condição, área ou situação da

    vida, com a finalidade da ampliação de seu campo perceptivo e do conhecimento

    sobre a problemática vivida. Quando esse processo não acontece, compromete todo o

    trabalho do Aconselhamento.

    Há, também, algumas situações que dificultam o cotidiano de quem realiza o

    Aconselhamento como: a falta de preparo do aconselhador; a dificuldade de

    comunicação dos testes cujo resultado foi positivo; a existência de preconceitos;

    usuários que apresentam diversidades culturais e sociais; falta de recursos humanos

    nas Unidades de Atendimento Especializado; o não conhecimento da Rede

    Especializada, dentre outras (MORENO, 2006).

  • 35

    Passarelli (2004, p.16), em relação às dificuldades presentes no universo do

    aconselhamento, quer seja do aconselhador ou do aconselhado, relata:

    Se existe um consenso sobre a real eficácia dos modelos que apostam na

    cidadania e na promoção de uma relação igualitária entre os agentes e os

    sujeitos da intervenção, existem também limites e desafios que subjazem

    a essas crenças. Em primeiro lugar, temos a distância considerável entre o

    SUS e o lugar aonde efetivamente a prevenção vem sendo realizada. O

    cotidiano da prevenção não é o mesmo da assistência, sendo que também

    os atores, agentes e públicos são diferentes. Além disso, são bem

    conhecidos os percalços para se alcançar a participação popular imersos

    que estamos em sistemas de educação e de decisões políticas altamente

    hierarquizadas e verticais, as prerrogativas em que acreditamos, que

    permitem implementar os nossos modelos de intervenção, ainda estão

    ,muito longe de estarem minimamente realizadas, o que nos dá a

    impressão muitas vezes, de que o trabalho nem começou. (PASSARELLI,

    2004 p.16).

    Como facilitador, a experiência acumulada dos profissionais de saúde que já

    exercem a função de aconselhadores, contribui para a boa realização do trabalho,

    além da participação em treinamentos.

    Inicialmente, o Aconselhamento se restringia ao roteiro presente em um

    questionário. Com o desenvolvimento da prática, esta atividade foi priorizando

    progressivamente a relação interpessoal. Antes existia uma formalidade em cima

    durante o processo de escuta, fazendo com que o técnico ficasse limitado ao

    questionário (PASSARELI, 2004).

    Sabe-se que o vivenciar de experiências positivas, com a adoção de práticas

    mais seguras, a negociação de possíveis soluções e quando existe a devolutiva por

    parte dos usuários, também contribui para um bom desenvolvimento de todo o

    processo de Acolhimento.

    4.3.2 Desafios e Possibilidades

  • 36

    Passadas três décadas da epidemia de HIV e AIDS, observam-se mudanças

    no perfil da epidemia no país. A história dos serviços de testagem foi marcada por

    diferentes momentos da epidemia e conferiu maior visibilidade a prevenção das

    DST/AIDS.

    Os CTAs, através do Aconselhamento, têm sido determinantes para garantir o

    direito à assistência médica e a terapia combinada a todos que delas necessitam.

    Esses serviços, a partir do Aconselhamento, recolocaram nos cenários das políticas

    públicas a importância da promoção da saúde, ancorada tanto no nível individual

    quanto no coletivo. Considerando a singularidade e as diversidades dos sujeitos,

    percorreram-se caminhos que abrangeram desde a falta de informação ao preconceito

    e da discriminação à vulnerabilidade social, e se trouxe para a cena diária dos

    serviços, a escuta, a valorização da história de cada um, percebendo as limitações

    pessoais e contextuais e, então, construiu-se conjuntamente possibilidades de

    mudança e negociações (BRASIL, 2004).

    A incorporação do Aconselhamento por outros serviços de saúde é um dos

    grandes desafios enfrentados atualmente. Seria o ideal que também fosse levado para

    todas as Unidades Básicas de Saúde os testes rápido para o HIV, Hepatites virais do

    tipo B e C e para Sífilis, pois dessa forma, expandir-se-ia a prática do

    Aconselhamento para esses serviços. É sabido que seria um árduo trabalho a

    sensibilização dos profissionais de saúde para o desenvolvimento de processos

    formativos e a implementação dessa estratégia de prevenção.

    Passarelli (2004: p.16) relata enfaticamente a necessidade de desenvolver a

    área da prevenção em AIDS em diversos serviços de saúde e reforça:

    Precisamos conquistar na prevenção os mesmos sentidos positivos que

    construímos para a resposta brasileira no campo da assistência. E tal fato

    não ocorre se não realizarmos um debate que, efetivamente, revele e

  • 37

    promova as interfaces entre prevenção e a Assistência. (PASSARELLI,

    2004 p.16).

    Outra questão que nos coloca como um grande desafio é quanto à busca por

    estratégias que visem aumentar a adesão do paciente portador do HIV/AIDS ao

    tratamento. A falta de adesão ainda acontece, mesmo com todo o investimento do

    Ministério da Saúde em disponibilizar os medicamentos para o tratamento da doença.

    Como possibilidades existentes, têm-se que colocar a busca por “novas

    tecnologias” de prevenção. Temos atualmente a PEP – Profilaxia Pós-Exposição, que

    se refere a uma estratégia no enfrentamento à AIDS e a uma forma de prevenção da

    infecção pelo HIV na qual são usados os medicamentos que fazem parte do coquetel

    utilizado no tratamento da AIDS, para pessoas que possam ter entrado em contato

    como o vírus recentemente, pelo através da relação sexual sem o uso de preservativo.

    Esses remédios precisam ser tomados por 28 dias, ininterruptamente, para impedir a

    infecção pelo vírus, mas isso tudo sempre com orientação médica.

    Além disso, estudos como essa Monografia esse que visem contribuir e

    superar aspectos críticos detectados na prática do Aconselhamento junto com o

    aprimoramento técnico podem melhorar a qualidade e eficácia dos serviços prestados

    ao tratamento das DST e do HIV/AIDS, e aperfeiçoar a área de prevenção de

    doenças e promoção da saúde.

  • 38

    5 ÁNALÍSE DO CONTEÚDO DE ACORDO COM O

    OBJETIVO DA PESQUISA

    Após estudo das referências selecionadas, chegou-se a diferentes concepções

    de como se fazer o Aconselhamento, descritas a seguir:

    Para Miranda, Barroso e Silva (2008), o Aconselhamento é visto sob a

    perspectiva freireana, ou seja, como uma atividade de educação para a autonomia do

    sujeito. Para as autoras citadas, o Aconselhamento contém três componentes

    principais: o apoio emocional ao cliente; apoio educativo; e avaliação de riscos, que

    propicia a reflexão sobre valores, atitudes e condutas. Dessa forma, evitaria ser

    comparado a um “bate papo” descomprometido e conduzido à vontade do

    aconselhador.

    Neste texto, é colocado que para se trabalhar na prevenção do HIV/AIDS,

    algumas teorias da Educação em Saúde poderiam ser utilizadas, entre elas a

    abordagem humanista, comportamental e político-social. Porém, faz-se necessário

    uma metodologia educativa que estimule o “educando” (aqui entendido como o

    sujeito da ação) a uma reflexão crítica sobre a sua realidade e a construção de seu

    discurso para a autonomia.

    Em outro texto, “Aconselhamento em HIV/AIDS: um conceito a partir dos

    profissionais”, o conceito de Aconselhamento foi dado pelos próprios profissionais

    de saúde de um serviço ambulatorial. Nesse estudo de natureza exploratória e

    descritiva, a informação teve um lugar de destaque, aparecendo frases como “o

    aconselhamento é basicamente orientar as pessoas que procuram para fazer o teste”

    ou “quando eu penso em aconselhamento eu vejo a importância de como a gente

  • 39

    transmite uma informação de maneira correta (...) ser um reprodutor daquela

    informação. Observa-se presente neste texto a forte assimilação do Aconselhamento

    como uma prática educativa.

    Apesar de também ser embasado em teorias de Paulo Freire, nota-se no

    referido texto o desconhecimento, por parte dos profissionais entrevistados, da real

    finalidade do Aconselhamento. Como bibliografia, esses profissionais citavam as

    obras de Paulo Freire, os manuais disponibilizados pelo Ministério da Saúde, porém

    ainda permanecia em seus discursos a idéia de “grupo de risco”.

    Conforme o texto de Moreno (2006), a dinâmica do Aconselhamento varia

    muito em função dos profissionais envolvidos, variando também de acordo com o

    resultado do teste, caso fosse negativo ou positivo. No primeiro caso, valeria ressaltar

    junto ao usuário que aquele resultado não significava imunidade ao vírus, e deveria

    ser explicado o período de janela imunológica5. Deveria ainda reforçar a importância

    da adoção de práticas seguras.

    Já na revelação do diagnóstico positivo, a autora citada coloca que esse

    profissional deveria estar capacitado para oferecer apoio emocional, respeitando o

    tempo de assimilação do diagnóstico; saber lidar com os sentimentos (ira, desespero,

    medo, rejeição); informar sobre sua nova condição, diferenciando ser um portador do

    vírus e de estar propriamente doente; informar sobre o tratamento; informar sobre a

    adoção de medidas preventivas a fim de evitar a reinfecção pelo HIV ou por DST;

    orientar sobre a necessidade de revelar o resultado a terceiros (parceiros, amigos,

    familiares) e encaminhar, quando necessário, para serviços complementares

    (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1999a).

    5 Adota-se aqui o período, preconizado pelo Ministério da Saúde, de 60 dias.

  • 40

    Outra questão importante levantada por Moreno (2004) é quanto à forma

    como o usuário é recebido e acolhido pela equipe de saúde desde sua entrada, como

    um fator determinante para sua permanência e seguimento do processo de

    atendimento como um todo. Deve-se construir uma relação de confiança que é criada

    na medida em que esse usuário é respeitado, atendido em suas dúvidas e

    necessidades, não o fazendo se sentir discriminado, mas com a possibilidade de

    recorrer ao serviço quando dele necessitar.

    Indo de encontro com a autora acima, Araújo (2003) defende que o

    Aconselhamento não deve ser uma prática exclusiva dos CTAs. Entretanto, questiona

    se os profissionais de saúde estariam capacitados à efetiva execução dessa prática.

    Após sua pesquisa, verificou-se que o Aconselhamento em DST/AIDS, em sua

    maioria, é realizado por Psicólogos, Assistentes Sociais e Enfermeiros, e a maioria

    destes profissionais foram treinados nos próprios serviços e não participaram de

    curso de qualificação específicos. Para o autor, essa prática ainda está em construção

    e vem sofrendo modificações para se adaptar às demandas apresentadas pela

    população.

    Pensando em capacitações específicas (como citado no parágrafo anterior)

    que abranjam os profissionais de saúde que trabalham com Aconselhamento, seria

    ideal que fosse realizado, inicialmente com a Rede Especializada em DST/AIDS,

    uma pesquisa qualitativa no qual se colheria, através de questionário, por exemplo,

    informações do que os profissionais de saúde entendem sobre o Aconselhamento.

    Em seguida, após análise qualitativa dos dados, fosse dada uma devolutiva dessa

    pesquisa e assim, uma Capacitação para esses profissionais, retomando conceitos e

    temas e trazendo as novas tecnologias em termos de prevenção e assistência.

  • 41

    Sendo utilizado praticamente em todo o presente trabalho, temos o texto da

    Lígia Pupo (2007) que discute o Aconselhamento, desde sua origem histórica e

    conceitual até fundamentação teórica, analisado sob uma ótica crítica. Para a autora,

    o Aconselhamento vai para além de uma prática educativa, pois

    Ajuda as pessoas a lidarem com a dimensão afetiva emocional e social de

    sua vivência, personalizando informações e mensagens. Desse modo, as

    informações fornecidas não se perdem em conteúdos generalizantes e

    impessoais, mas ao contrário, devem ser aprendidas de forma particular,

    contribuindo para a tomada de decisões mais conscientes e facilitando a

    adoção de atitudes mais favoráveis em relação à própria saúde. (PUPO,

    2007 p.4).

    Uma questão muito importante observada nos textos referendados, é a grande

    ausência de inserir o Quadro da Vulnerabilidade e dos Direitos Humanos na temática

    Aconselhamento. Dos 22 textos analisados, apenas o de Pupo (2007) e Moreno

    (2006) sinalizam esse desafio.

    Em síntese, pode-se dizer que, após a exposição destas diferentes concepções

    sobre Aconselhamento, viu-se que os textos, em geral, apresentaram uma

    “Abordagem Centrada na Pessoa” de Carl Rogers, como a linha teórica mais

    explicitada. Que muitos autores confundem o Aconselhamento com outras práticas

    oriundas da Psicoterapia e Educação, mostrando sua complexidade; e que nem

    sempre essa prática apresenta um consenso democrático, de construção coletiva;

    muitas vezes é uma prática de saúde ignorada, banalizada, ou realizada sem

    fundamentação teórica.

  • 42

    6 Considerações Finais

    Em seu cotidiano o profissional de saúde que trabalha com Aconselhamento

    depara-se com inúmeros desafios, entre eles o de auxiliar os usuários a encontrar

    uma melhor solução frente aos seus problemas.

    Trabalhar com essas questões exige sensibilidade, conhecimento,

    competência, compromisso, respeito à diversidade, e, sobretudo, um olhar cuidadoso,

    amplo e humano.

    O Aconselhamento para as DST/AIDS constitui-se como um processo de

    diálogo entre o profissional de saúde e o usuário do serviço acerca das vivências

    deste em relação aos riscos de infecção pelo HIV e das possibilidades de adoção de

    medidas preventivas. É preciso que este profissional esteja atento para ouvir as

    histórias de vida dos usuários, suas experiências, dificuldades, dúvidas e crenças,

    pois é isso que lhes permitirá identificar conjuntamente os contextos de

    vulnerabilidade e os riscos presentes na vida de cada pessoa que busca o serviço,

    bem como as possibilidades de proteção de que cada uma dispõe.

    Durante o Aconselhamento, o profissional deve ir além da transmissão da

    informação. Deve avaliar riscos, considerando os contextos de vida de cada pessoa e,

    ainda, trabalhar sentimentos adversos que apresentam por ocasião da testagem e

    conhecimento da condição sorológica para o HIV.

    Inserir o Aconselhamento na rotina dos serviços, principalmente na Rede

    Básica de Saúde, constitui ainda um grande desafio. É uma abordagem que exige dos

    profissionais habilidades específicas e uma boa administração do tempo de

  • 43

    atendimento, seja quando da utilização do método convencional de diagnóstico ou do

    teste rápido.

    Passadas mais de três décadas da epidemia de HIV/AIDS, observam-se

    mudanças significativas na importância e no significado do Aconselhamento. Neste

    trabalho, não me propus a dar respostas. Quis apenas trazer algumas reflexões para o

    universo do Aconselhamento, e a partir daí, refletir conscientemente o que estamos

    fazendo em nossa prática dia a dia nos serviços. Acredito que não podemos cruzar os

    braços frente a uma epidemia que não cessa, que precisamos nos instrumentalizar a

    fim de construir uma sociedade melhor, mais justa e igualitária. Acredito, dessa

    forma, que a partir das indagações propostas, possamos compreender melhor as

    dificuldades e os entraves ainda presentes no caminho da prevenção e do

    Aconselhamento.

    Diante de tal estudo, paro e volto a perguntar qual a real importância do

    Aconselhamento após os 30 anos de epidemia de AIDS e não tenho dúvidas em

    responder que, somente através da reflexão crítica e da troca de ideias e experiências

    advindas de campos diversos do saber poderemos encontrar “luzes” que, além de

    reduzir o impacto pela infecção do HIV sobre as sociedades, transformem

    efetivamente nossa maneira de ver e entender a saúde, o corpo, a sexualidade, os

    afetos, as relações humanas e a solidariedade. Destaco, nesse sentido, que o espaço

    ocupado pelo Aconselhamento é estratégico, pois nesse momento deve-se ter a

    noção de que apenas o conhecimento não basta e que mudanças exigem informação

    culturalmente inserida, treinamento nas habilidades para negociar e tomar decisões,

    apoio legal e social para práticas seguras, acesso aos meios de prevenção e

  • 44

    motivação para mudanças, isso numa lógica pautada no diálogo e na defesa dos

    Direitos Humanos.

  • 45

    7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    Achkar S. Aconselhamento e prevenção, alcances e limites. In: Brasil. MINISTÉRIO

    DA SAÚDE. Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA): integrando prevenção e

    assistência. Brasília, Ministério da Saúde, 2004.p. 26-37.

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    saúde. Rio de Janeiro. CNPq, FAPERJ e IMS. 2003.

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    Brasil, MINISTÉRIO DA SAÚDE. Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA):

    Integrando prevenção e assistência. Brasília. Ministério da Saúde, 2004b.

  • 46

    Brasil, MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Política de Saúde. Coordenação de

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    Saúde, 2002.

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    Richardson, RJ E cols. Pesquisa Social: métodos e técnicas. 3ª Ed. São Paulo: Atlas

    2004.

  • 48

    8 SIGLAS UTILIZADAS

    ABIA- Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS

    AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

    AZT- Zidovudina

    BIREME- Biblioteca Regional de Medicina

    CD4- Cluster of Differentation ou Grupamento de Diferenciação 4

    CTA – Centro de Testagem e Aconselhamento em DST/AIDS

    COAS – Centro de Orientação e Apoio Social

    DST- Doenças Sexualmente Transmissíveis

    EUA- Estados Unidos

    GAPA- Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS

    HIV- Vírus da Imunodeficiência Humana

    LILACS- Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde

    MG- Minas Gerais

    MS- Ministério da Saúde

    NEPAIDS- Núcleo de Estudos para Prevenção da AIDS

    OMS- Organização Mundial da Saúde

    ONG- Organização Não-Governamental

  • 49

    OPAS- Organização Pan-Americana da Saúde

    PEP- Profilaxia Pós Exposição ou Post Exposure Prophylaxs

    SAE – Serviço de Atendimento Especializado

    SCIELO – Scientific Eletronic Library Online

    SP- São Paulo

    SUS- Sistema Único de Saúde

    UDI- Usuário de Drogas Injetáveis

    USP – Universidade de São Paulo