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1 A AGROINDÚSTRIA DO LEITE EM SÃO JOÃO DEL REI – MG E A DIALÉTICA DA PRODUÇÃO DO ESPAÇO AGRÍCOLA Otávio Boseja Universidade de São João Del Rei- UFSJ [email protected] Lígia Maria Brochado de Aguiar Universidade Federal de São João Del Rei- UFSJ [email protected] Resumo Nas últimas quatro décadas (1980/1990/2000/2010), a produção agropecuária, especialmente, a agropecuária leiteira, passou por grandes transformações, determinadas pela técnica e pela ciência de base industrial, o que significou uma nova divisão territorial do trabalho social e, consequentemente, a ampliação da dialética da produção agrícola. O propósito deste trabalho é analisar este período, a partir da agroindústria leiteira do município de São João Del Rei, cidade da mesorregião das Vertentes. Palavras- chave: Circuito Espacial Produtivo e Círculos de Cooperação. Agroindústria. Pecuária. Leiteira. Território. Divisão territorial do trabalho. Dialética da produção agrícola . Introdução O sistema agroindustrial leiteiro da microrregião de São João Del Rei, a partir das suas relações com o circuito inferior e superior da economia local, apresenta não só atributos espaciais de contiguidade, mas, de dispersão e, também, atributos simbólicos como memória e identidade que se integram à indústria do turismo, fatores que a nosso ver, constituem possibilidades de explicar a articulação do território e as diversas etapas espacialmente separadas da produção, que não se encerra em si mesma, mas, que se realiza na apropriação da mais valia. Até a década de 1980, são as empresas nacionais e as cooperativas que dominam os mercados regionais da atividade leiteira no país. Este domínio regional dos mercados se deve às características tanto técnicas da produção do leite pasteurizado, quanto à necessidade de refrigeração para sua maior durabilidade e, também, à intervenção do Estado na regulação de preços pagos ao produtor. As transnacionais do setor

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A AGROINDÚSTRIA DO LEITE EM SÃO JOÃO DEL REI – MG E A DIALÉTICA DA PRODUÇÃO DO ESPAÇO AGRÍCOLA

Otávio Boseja Universidade de São João Del Rei- UFSJ

[email protected]

Lígia Maria Brochado de Aguiar Universidade Federal de São João Del Rei- UFSJ

[email protected]

Resumo Nas últimas quatro décadas (1980/1990/2000/2010), a produção agropecuária, especialmente, a agropecuária leiteira, passou por grandes transformações, determinadas pela técnica e pela ciência de base industrial, o que significou uma nova divisão territorial do trabalho social e, consequentemente, a ampliação da dialética da produção agrícola. O propósito deste trabalho é analisar este período, a partir da agroindústria leiteira do município de São João Del Rei, cidade da mesorregião das Vertentes. Palavras- chave: Circuito Espacial Produtivo e Círculos de Cooperação. Agroindústria. Pecuária. Leiteira. Território. Divisão territorial do trabalho. Dialética da produção agrícola .

Introdução

O sistema agroindustrial leiteiro da microrregião de São João Del Rei, a partir das suas

relações com o circuito inferior e superior da economia local, apresenta não só atributos

espaciais de contiguidade, mas, de dispersão e, também, atributos simbólicos como

memória e identidade que se integram à indústria do turismo, fatores que a nosso ver,

constituem possibilidades de explicar a articulação do território e as diversas etapas

espacialmente separadas da produção, que não se encerra em si mesma, mas, que se

realiza na apropriação da mais valia.

Até a década de 1980, são as empresas nacionais e as cooperativas que dominam os

mercados regionais da atividade leiteira no país. Este domínio regional dos mercados se

deve às características tanto técnicas da produção do leite pasteurizado, quanto à

necessidade de refrigeração para sua maior durabilidade e, também, à intervenção do

Estado na regulação de preços pagos ao produtor. As transnacionais do setor

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abocanhavam o mercado de outros derivados do leite como o iogurte, leite longa vida,

sobremesas lácteas, etc.

Este quadro transformou-se durante a década de 90. A liberação dos preços em todos os

elos da cadeia produtiva, a abertura comercial, bem como, a criação do MERCOSUL

permitiu maior competitividade e desencadeou um processo de fusões e aquisições,

comandado em grande parte pelas transnacionais, o que levou a uma diminuição dos

preços em todos os elos da cadeia produtiva do leite. Como consequência as

cooperativas ficaram em desvantagem em relação às empresas privadas de capital

externo, as transnacionais, que se posicionaram com vantagens num mercado mais

competitivo, dinâmico e de maior valor agregado.

A atuação das transnacionais na captação de matéria-prima, processamento, fabricação,

distribuição e comercialização da produção levam à diversificação de produtos para

atender a nichos do mercado, ou seja, a segmentação da produção torna possível às

empresas agregar valor aos seus produtos.

Por outro lado, as cooperativas e empresas privadas nacionais pouco diversificaram os

seus produtos buscando vencer a concorrência através dos preços. No entanto, após o

Plano Real, com a estabilização monetária, as exigências de uma economia de escala, de

obtenção de matéria-prima a menores preços e, ampliação da rede de distribuição

tornaram-se fatores imprescindíveis para o desenvolvimento do setor.

Nossas problematizações se dão, no sentido de responder, como se dá o movimento da

produção do espaço agrícola da cidade de São João Del Rei, cidade da Mesorregião das

Vertentes, diante da refuncionalização do espaço agrícola brasileiro que, resulta numa

nova divisão territorial do trabalho.

Neste trabalho, primeiramente, apresentamos a área de estudo e sua caracterização.

Desenvolvemos, em seguida, nossas reflexões sobre o espaço econômico e geográfico e

a necessidade da periodização para a análise empírica. Apresentamos aspectos gerais da

agroindústria do leite em Minas Gerais e, no município de São João Del Rei. No último

tópico, nosso movimento é no sentido de compreender a nova divisão territorial do

trabalho social e o processo de ampliação da dialética da produção agrícola.

Finalmente, consideramos que o desenvolvimento deste setor da economia, no

município, se dá de forma contraditória: ao mesmo tempo em que, está atrelado a

saberes e fazeres historicamente construídos na região, a agregação destes saberes e

fazeres se realiza de modo a se constituir num padrão estandardizado de

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produção/consumo para facilitar a territorialização do capital. Por outro lado, também,

se verifica a importância dos estudos regionais para compreender como se dá esta

territorialização e a oligopolização do espaço agrário.

ÁREA DE ESTUDO

Mapa 1 - Destaque da Mesorregião do Campo das Vertentes

O mapa 1 ilustra o Estado de Minas Gerais e tem em destaque a mesorregião do Campo

das Vertentes dividida em suas três microrregiões, Barbacena, São João Del Rei e

Lavras. Segundo dados retirados do IBGE de 2006 a 2011, a mesorregião tem 36

municípios ao todo distribuídos nas três microrregiões sendo que tem como o seu eixo

São João Del Rei e como polo regional Barbacena. Como região de estudo, a

microrregião de São João Del Rei possui 15 municípios que são Conceição da Barra de

Minas, Coronel Xavier Chaves, Dores de Campos, Lagoa Dourada, Madre de Deus de

Minas, Nazareno, Piedade do Rio Grande, Prados, Resende Costa, Ritápolis, Santa Cruz

de Minas, Santana do Garambéu, São João Del Rei, São Tiago, Tiradentes. Essas

cidades juntas tem um total de 181.376 habitantes e com a inserção da Universidade

Federal de São João Del Rei (UFSJ), nos últimos 20 anos a cidade de São João Del Rei

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tem recebido mais habitantes e se destacado em sua importância na mesorregião e até

mesmo no cenário de Minas Gerais

O ESPAÇO ECONÔMICO E O ESPAÇO GEOGRÁFICO

O conceito de meio técnico, científico e informacional foi formulado por Milton Santos

nos anos 80, em sua obra Espaço e Método. Santos e Silveira (2001), numa obra síntese,

apresentam a formação socioespacial brasileira atual com base na realidade da

globalização, partindo do pressuposto que toda “ação pressupõe uma técnica”. Os

autores afirmam que o “meio geográfico não pode ser desvinculado da noção de

técnica”.

Do meio natural, aos “sucessivos meios técnicos”, o homem, através do seu próprio

corpo foi transformando a natureza determinando outras maneiras de estar no tempo e

habitar o mundo. A cada inovação técnica no modo de produzir modifica as relações de

trabalho e a sua divisão também, o que implica em uma reorganização territorial do

espaço geográfico e das suas funções.

Os meios técnicos e a divisão do trabalho resultam no espaço mecanizado da produção,

da circulação e da industrialização.

O território usado, a cada período técnico caracteriza um arranjo espacial, cuja dinâmica

funciona de modo a criar as ligações necessárias entre os espaços, conforme as

necessidades, sob o capital, de integrar o território ao mercado.

No Brasil, a sucessão dos meios técnicos pode ser caracterizada, inicialmente, pela sua

escassez e pelo tempo lento. A atividade econômica acontecia onde as necessidades

produtivas encontravam condições favoráveis. O território usado, aos poucos foi se

organizando conforme a incorporação das técnicas pela produção. Para integrar-se ao

mercado, a produção precisa circular, fase em que o capital, na forma de conjunto de

fixos, objetos localizados, naturais e sociais, também chamado de sistemas de

engenharia, se incorpora ao território.

Segundo Milton Santos (1994, p. 78) não há oposição entre espaço econômico, conjunto

de pontos e fluxos, e espaço geográfico, também chamado de banal no sentido de

pertencer a todos. Os “fixos provocam fluxos”, movimento, circulação e, a acumulação

capitalista se torna dependente, cada vez mais, deste movimento.

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Em razão do longo processo de internacionalização da economia, quanto mais os

lugares são a expressão desse processo, o espaço geográfico, sinônimo de território, se

torna “intercâmbio importante com o espaço instrumentalizado, culturizado, tecnificado

trabalhando segundo os ditames da ciência.” (Santos, 1994, p.43)

Os estudos regionais são relevantes para a compreensão das diferentes geografizações

promovidas pela lógica global do novo modo de produzir e acumular:

hoje uma cidade pode não manter intercâmbio com sua cidade vizinha imediata e, no

entanto, manter relações intensas com outras muito distantes, mesmo fora do seu país”

(Santos, 1994, p.49)

Portanto, para Milton Santos (1994), não se pode mais falar em “circuitos regionais de

produção” porque houve “uma crescente especialização regional, com os inúmeros

fluxos de todos os tipos, intensidades e direções”. (Santos, 1994, p. 49).

A análise dos circuitos espaciais de produção juntamente com os círculos de

cooperação, nos oferece a “espacialização da produção – distribuição - consumo como

movimento circular constante. Captar seus elementos determinantes é dar conta da

essência do seu movimento”. (Moraes, 1985, p.4)

Até a década de 80, são as empresas nacionais e as cooperativas que dominam os

mercados regionais da atividade leiteira no país. Este domínio regional dos mercados se

deve às características tanto técnicas da produção do leite pasteurizado quanto à

necessidade de refrigeração para sua maior durabilidade, quanto à intervenção do

Estado na regulação de preços pagos ao produtor. As transnacionais do setor

abocanhavam o mercado de outros derivados do leite como o iogurte, leite longa vida,

sobremesas lácteas, etc.

Este quadro transformou-se durante a década de 90. A liberação dos preços em todos os

elos da cadeia produtiva, a abertura comercial, bem como, a criação do MERCOSUL

permitiu maior competitividade, desencadeando um processo de fusões e aquisições,

comandado principalmente pelas transnacionais, o que levou a uma diminuição dos

preços em todos os elos da cadeia produtiva do leite. Como consequência as

cooperativas ficaram em desvantagem em relação às empresas privadas de capital

externo, as transnacionais, que se posicionam com vantagens num mercado mais

competitivo, dinâmico e de maior valor agregado.

Periodização e análise empírica

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A necessidade de periodização, ou seja, a consideração das respectivas “fases de

instalação de novos instrumentos de trabalho e de criação de novos meios de trabalho”

(Santos, 1994, p. 114), é indispensável segundo Milton Santos, para a realização da

análise empírica.

Neste trabalho, nossa análise tomará como referência o período em que predomina o

paradigma do padrão tecnológico pós-fordista ou flexível. Milton Santos (1996, p.191)

chamou de meio técnico, científico e informacional o espaço geográfico que caracteriza

este período que, para ele, é a “cara da globalização”.

No âmbito da cadeia produtiva do leite no Brasil, este período caracteriza-se por novas

“solidariedades materiais e organizacionais”. As bacias leiteiras estruturadas de modo

regionalizado no território, a partir dos anos 90, ultrapassam os limites regionais com as

inovações proporcionadas pelos meios técnicos, científicos e informacionais, não

caracterizando mais um circuito regional produtivo, mas um circuito espacial de

produção. Os circuitos espaciais de produção nos oferecem do ponto de vista analítico,

o uso do território por parte dos agentes da produção e a hierarquia dos lugares na escala

regional.

A cadeia produtiva do leite no Brasil, sofreu uma grande reestruturação a partir dos anos

90 com a desregulamentação do mercado, da abertura comercial externa

(MERCOSUL), da estabilização da economia brasileira e, da implementação de normas

sanitárias rígidas.

Em estudo realizado pela CEDEPLAR-UFMG (2002), a capacitação tecnológica e o

grau de especialização são os principais fatores que explicam a diferença na produção e

na produtividade do setor, sendo capazes de indicar as microrregiões que despontam

como as mais competitivas.

A PECUÁRIA DO LEITE EM MINAS GERAIS

Minas Gerais é o maior produtor de leite do país (40% da produção nacional) sendo que

os demais Estados: Goiás, Rio Grande do Sul e São Paulo são cada um,

respectivamente, responsáveis por 10% da produção de leite no país.

Entre os produtores de leite há os especializados na atividade leiteira; os que realizam

esta atividade de forma secundária, para viabilizar o capital de giro ou a subsistência da

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família, e aqueles que a realizam de forma complementar à cria de bezerros para

engorda e recria. Não é difícil encontrar em uma mesma microrregião desde produtores

especializados até pequenos produtores.

Dados do SEBRAE/FAEMIG (1996) chamam atenção quanto fato do número de

pequenos e médios produtores serem maior do que os grandes produtores, mesmo que, a

maior parte do leite produzido tenha a sua procedência dos grandes produtores

localizados nas mesorregiões norte, Jequitinhonha, Vale do Mucuri, Triângulo

Mineiro/Alto do Parnaíba, Vale do Rio Doce e Nordeste de Minas.

Galinari, Campos, Santos e Biazi (2002) afirmam as diferentes distribuições destes

tipos de estabelecimentos entre as regiões do Estado, “em maior ou menor grau, tem

uma alta correlação com o desempenho ou eficiências das mesmas”.

São os produtores especializados que contribuem para a melhora da produtividade.

Técnicas como silagem, ordenha mecânica, resfriamento e melhoria genética do

rebanho se beneficiam de fatores de “posicionamento geográfico” que possibilitam

“ganhos em maior escala, atualização técnica da produção, acesso a insumos, mercado

regional de laticínios maior, disponibilidade de informação sobre métodos de manejo da

fronteira tecnológica do setor.”

Para Almeida (2001:118) a agropecuária leiteira deverá conservar a tendência de

especialização maciça que, reduzirá a oferta do produto a um número pequeno de

produtores especializados, levando à expulsão de milhares de produtores não

especializados. A configuração de oligopsônio é um problema enfrentado no setor

leiteiro, no qual a estrutura do mercado, com poucos compradores e muitos vendedores,

pressiona o preço para baixo do produto.

As políticas públicas surgem para mitigar custos sociais através de capacitação,

treinamento para transformar os produtores não especializados em especializados, ou

seja, políticas voltadas para a modernização e redução das desigualdades intersetoriais.

A PECUÁRIA DO LEITE EM SÃO JOÃO DEL REI – MG

Na microrregião do Campo das Vertentes, a pecuária leiteira é tradicional e está

associada à produção de queijo desde o século XIX, porém, apresenta baixa

rentabilidade, segundo diagnóstico rural da microrregião elaborado pela Empresa de

Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG) e Secretaria de Estado da

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Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais (2010, p. 34) que, sugerem para

este setor ações direcionadas para a “gestão da atividade, redução dos custos de

produção de leite e promoção do associativismo”.

A estrutura fundiária fragmentada em pequenas propriedades, a degradação ambiental

(voçorocas), e os baixos índices de modernização tornou esse território mais vulnerável

à seletividade e à competitividade deste período que, busca a utilização cada vez mais

intensiva de capital e de tecnologias avançadas.

A Cadeia Agroindustrial do Leite

Apresentamos a cadeia agropecuária da agroindústria leiteira segundo, a RAIS, com

finalidade de ilustrar a sua complexidade e, também, porque a sua compreensão nos

permite acompanhar a sua espacialização, segundo a mesma lógica do movimento da

produção, distribuição e consumo, ou ainda, entender como os fluxos materiais e

imateriais (circulação) deixam as suas marcas, nos subespaços, mais especificamente,

na microrregião de São João Del Rei.

O conceito de cadeia produtiva é diferente do conceito de circuitos espaciais produtivos.

Para Castillo e Frederico (2010, p. 466) esses conceitos: [...] pertencem a corpos

teóricos distintintos, mas compartilham vários pressupostos e alguns procedimentos

analíticos, tornando oportuno o estabelecimento de suas diferenças.

A cadeia produtiva tem como objetivo a produtividade sistêmica. Nesta abordagem, o

espaço e a região são considerados ambientes externos, um fator entre outros, que pode

afetar positivamente ou negativamente o processo produtivo. (Castillo e Frederico, 2010

p. 468)

Segundo os autores, os circuitos espaciais de produção proporcionam uma abordagem

que: [...] desloca o foco da empresa para o espaço geográfico. O objetivo deixa de ser a identificação de gargalos que dificultem a plena integração funcional e prejudiquem a competitividade final dos produtos e passa a ser as implicações sócio-espaciais da adaptação de lugares, regiões e territórios aos ditames da competitividade, bem como, com o papel ativo do espaço geográfico na lógica de localização das atividades econômicas, na atividade produtiva e dinâmica dos fluxos. (2010, p. 468)

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Figura 1. Representação Gráfica simplificada da cadeia produtiva do leite

A ampliação da dialética da produção agrícola e novas solidariedades orgânicas

Desde o período Colonial, passando pela Independência, até às primeiras décadas da

República prevalece no Brasil uma agricultura voltada para a exportação, portanto, um

regime interno de acumulação que pouco se preocupou em organizar articuladamente o

território.

Na monocultura exportadora há uma divisão social e territorial simples do trabalho.

Mas, à medida que, o modo de produção capitalista vai envolvendo os diferentes

Governo Indústria de Insumos

Fornecedor de Insumos

Produtor de Leite Indústria Artesanal

Cooperativa

Grandes indústrias

Beneficiamento Processamento

Atacado Varejo

Consumidor

Sindicato Associações

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circuitos produtivos agrícolas e arranjos territoriais, a divisão social e territorial do

trabalho vai se aprofundando. Quando a hegemonia agroexportadora chega ao fim, nos

anos 30, a urbanização e a industrialização tornam-se a base de um novo modelo

produtivo de acumulação voltado para o mercado interno.

O processo de regionalização do Brasil, segundo Seabra e Goldstein (1996), na

perspectiva da articulação territorial interna foi produto da industrialização.

José Graziano da Silva (1981) argumentando que, os camponeses, do ponto de vista

capitalista iriam inevitavelmente desaparecer, colocou na industrialização da

agricultura, a chave, para a análise e explicação do desenvolvimento do capitalismo no

campo.

A questão fundamental para Graziano da Silva (1981) era saber como o capital comanda

o processo produtivo, independente da propriedade da terra.

Recorrendo a Marx, Graziano (1981, p. 22) diria que o “progresso técnico”, as

“inovações tecnológicas”, seriam responsáveis para superar as dificuldades

representadas pela propriedade privada da terra.

São João Del Rei, durante a primeira (re) estruturação produtiva da agricultura foi

excluída da experiência da modernização (anos 70) que, ocorreu de forma seletiva

territorialmente, privilegiando áreas, produtos, segmentos sociais concentrando terra e

crédito, absorvendo tecnologia, tanto na produção, como na administração com a

finalidade de reproduzir a mais-valia.

Sobretudo, com a globalização, temos a “ampliação da proletarização do camponês”, a

substituição da simples divisão do trabalho do espaço rural pelos complexos

agroindustriais que se caracterizam pela sua integração à indústria.

Esta reestruturação produtiva no campo, no entanto, não resolveu as disparidades

sociais e regionais que, ao contrário se agravaram e, ainda, promoveu impactos

ambientais da produção agrícola de grande magnitude.

Pequenas propriedades, degradação ambiental (voçorocas) e, os baixos índices de

modernização tornaram o território da produção agrícola em São João Del Rei mais

vulnerável à seletividade e à competitividade deste período que, busca a utilização cada

vez mais intensiva de capital e de tecnologias avançadas.

As redes de produção agropecuária associam, segundo Denise Elias (2006, p.13):

[...] empresas agropecuárias, fornecedores de insumos químicos e implementos mecânicos, laboratórios de pesquisa biotecnológica, prestadores

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de serviços, agroindústrias, empresas de distribuição comercial, empresas de pesquisa agropecuária, empresas de marketing, cadeias de supermercados, empresas de fast food etc. Como resultado, temos a intensificação da divisão do trabalho, das trocas intersetoriais, da especialização da produção e a formação de arranjos produtivos agrícolas, assim como, na reestruturação das cidades nas adjacências, a mostrar o aprofundamento da territorialização do capital no campo e da monopolização do espaço agrícola.

Segundo Elias (2006, p. 10), há “vários circuitos produtivos associados à economia

agrícola”. “Assim como, inúmeras superposições particulares de divisões territoriais de

trabalho”. Os circuitos produtivos da atividade leiteira envolvem, em São João Del Rei,

desde a agricultura familiar, não integrada à agroindústria, e pequenos produtores

integrados a ela, arrendatários, que produzem e comercializam através de intermediários

ou não, o leite in natura, bruto, para os consumidores da cidade, bem como, os médios e

grandes produtores que, podem ou não estar integrados à agroindústria. Ao lado da

presença das relações capitalistas, contraditoriamente, se ampliam as relações dialéticas

de produção e a divisão social e territorial do trabalho, a presença das relações não

capitalistas com o aumento do trabalho familiar no campo.

Considerações Finais

A ação cooperativa sugerida como saída para a crise do setor implica necessariamente a

análise do circuito espacial de produção e dos círculos de cooperação, de modo não só,

a interceptar os mecanismos de captura da mais valia, como também, explicar as novas

solidariedades horizontais e verticais.

Em outras palavras, a espacialização do circuito espacial produtivo e dos círculos de

cooperação demonstra o caráter essencial dos fluxos para a realização da produção e os

diferentes usos do território.

A dispersão do circuito espacial de produção implica na articulação das diversas frações

do espaço e na hierarquização dos lugares, ou seja, na análise da logística existente,

segundo as diversas temporalidades existentes e o uso seletivo dos sistemas técnicos.

Implica, sobretudo, avaliar a densidade normativa, quer dizer, as formas de

solidariedade e de conflitos entre as diversas escalas de poder.

Referências

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