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* Doutoranda e Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora de Direito Constitucional, Direito Proces- sual Administrativo e Direito Processual Constitucional do Curso de Direito da Universidade Metodista de São Paulo. Professora de Direito Administra- tivo e Direito Tributário do Curso de Direito do Centro Universitário Salesiano de São Paulo. Professora-associada do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional. ** Mestre em Administração de Empresas pela Universidade Metodista de São Paulo. Pós-Graduada em Administração na área de Qualidade nas Orga- nizações pelo Centro Universitário Nove de Julho – Uninove. Aluna do 8º semestre do Curso de Direito da Universidade Metodista de São Paulo. *** Servidor Público da Prefeitura de São Bernardo do Campo. Aluno do 8º semestre do Curso de Direito da Universidade Metodista de São Paulo. O CONTROLE JUDICIAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS Maria Cristina Teixeira* Anna Christina Kauf Paiuca** José Sebastião Vieira Bicalho*** RESUMO O presente artigo tem como objetivo identificar a atua- ção do Supremo Tribunal Federal quanto à efetivação de direitos fundamentais pelo Poder Executivo no que se refere à realização de políticas públicas relativas aos direitos sociais, especialmente a educação infantil. Ini- cialmente, conceitua os direitos fundamentais e descreve brevemente sua evolução para identificar o direito à educação como direito social. A seguir, examina os ins- titutos da reserva do possível e do mínimo existencial, utilizados pelo Estado para a análise da concretização dos direitos sociais, especialmente, neste trabalho, da educação infantil. Indica também o delineamento da atuação do Judiciário como fiscalizador do Executivo e Legislativo para essas ações. Palavras-chaves: Direito à educação, educação infantil, políticas públicas, direitos sociais

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  • * Doutoranda e Mestre em Direito do Estado pela Pontifcia UniversidadeCatlica de So Paulo. Professora de Direito Constitucional, Direito Proces-sual Administrativo e Direito Processual Constitucional do Curso de Direitoda Universidade Metodista de So Paulo. Professora de Direito Administra-tivo e Direito Tributrio do Curso de Direito do Centro UniversitrioSalesiano de So Paulo. Professora-associada do Instituto Brasileiro deDireito Constitucional.

    ** Mestre em Administrao de Empresas pela Universidade Metodista de SoPaulo. Ps-Graduada em Administrao na rea de Qualidade nas Orga-nizaes pelo Centro Universitrio Nove de Julho Uninove. Aluna do 8semestre do Curso de Direito da Universidade Metodista de So Paulo.

    *** Servidor Pblico da Prefeitura de So Bernardo do Campo. Aluno do 8

    semestre do Curso de Direito da Universidade Metodista de So Paulo.

    O CONTROLE JUDICIAL

    DAS POLTICAS PBLICAS

    Maria Cristina Teixeira*

    Anna Christina Kauf Paiuca**

    Jos Sebastio Vieira Bicalho***

    RESUMOO presente artigo tem como objetivo identificar a atua-o do Supremo Tribunal Federal quanto efetivao dedireitos fundamentais pelo Poder Executivo no que serefere realizao de polticas pblicas relativas aosdireitos sociais, especialmente a educao infantil. Ini-cialmente, conceitua os direitos fundamentais e descrevebrevemente sua evoluo para identificar o direito educao como direito social. A seguir, examina os ins-titutos da reserva do possvel e do mnimo existencial,utilizados pelo Estado para a anlise da concretizaodos direitos sociais, especialmente, neste trabalho, daeducao infantil. Indica tambm o delineamento daatuao do Judicirio como fiscalizador do Executivo eLegislativo para essas aes.Palavras-chaves: Direito educao, educao infantil,polticas pblicas, direitos sociais

  • REVISTA DO CURSO DE DIREITO

    58 Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 6, n. 6, 2009

    ABSTRACT

    This article aims to identify the actions of the SupremeCourt as to the effectiveness of fundamental rights bythe Executive as regards the implementation of publicpolicies on social rights, especially the childrens educa-tion. Initially, conceptualized the fundamental rightsand briefly describes its evolution. Passes, then, to iden-tify the right to education as a social right. Next, exam-ines the institutes of the reservation as possible and theexistential minimum, the state used for the analysis ofthe implementation of social rights, especially in thiswork, early childhood education. The following showsthe design of the supervisory role of the judiciary andthe executive and legislative branch for such actions.Keywords: Right to education, early childhood educa-tion, public policy, social rights

    INTRODUO

    O Supremo Tribunal Federal (STF) tem a funo de guardio

    da Constituio, com competncia relativa ao exame e inter-

    pretao de matrias constitucionais, conforme assinalado no

    artigo 102 da Constituio. Referida atividade realizada

    precipuamente por meio do controle de constitucionalidade das

    leis e atos normativos dos poderes pblicos.1

    O Estado, em sua conduta, se sujeita jurisdio cons-

    titucional do STF quando, em sua atuao positiva, contraria

    preceitos e princpios da Lei Fundamental, ou, omissivamente,

    deixa de cumprir as medidas necessrias concretizao

    deles, conforme se verifica da previso relativa ao controle

    concentrado de constitucionalidade por ao e omisso indi-

    cados, respectivamente, pela Constituio nos artigos 102, I,

    a, III e 103, 2.

    A proteo outorgada ao Colendo Tribunal se mostra cla-

    ramente quando analisamos as diversas decises emanadas

    em casos concretos como, por exemplo, o recurso Agravo de

    Instrumento no 677274/SP de Relatoria do ministro Celso de

    1 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 3. ed. So Paulo: Mtodo,2009, p. 216.

  • Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 6, n. 6, 2009 59

    O CONTROLE JUDICIAL DAS POLTICAS PBLICAS

    Mello, que ratificou a eficcia dos direitos bsicos de ndole

    social diante da inrcia do Poder Pblico Municipal da Cidade

    de So Paulo em atender demanda de vagas em creches e

    na pr-escola para crianas de at cinco anos de idade:

    EMENTA: CRIANA DE AT SEIS ANOS DE IDADE. ATENDI-

    MENTO EM CRECHE E EM PR-ESCOLA. EDUCAO INFAN-

    TIL. DIREITO ASSEGURADO PELO PRPRIO TEXTO CONSTI-

    TUCIONAL (CF, ART. 208, IV). COMPREENSO GLOBAL DO

    DIREITO CONSTITUCIONAL EDUCAO. DEVER JURDICO

    CUJA EXECUO SE IMPE AO PODER PBLICO, NOTA-

    DAMENTE AO MUNICPIO (CF, ART. 211, 2). RECURSO

    EXTRAORDINRIO CONHECIDO E IMPROVIDO.

    Tal deciso, por garantir os chamados direitos de segunda

    gerao, merece um estudo aprofundado, objeto do presente

    artigo, cuja abordagem ser distribuda entre os tpicos: di-

    reitos fundamentais, reserva do possvel, mnimo existencial

    e controle judicial das polticas pblicas.

    1 DIREITOS FUNDAMENTAIS

    Segundo Paulo Bonavides2, citando Carl Schmitt, direitos

    fundamentais so, na essncia, [...] os direitos do homem

    livre e isolado, direitos que possui em face do Estado. Por

    conseguinte, tais direitos buscam a realizao da dignidade

    humana em todas as dimenses, motivo pelo qual foram juri-

    dicamente institudos para resguardar o homem em sua liber-

    dade, suas necessidades e na preservao, calcados no trip

    direitos individuais direitos sociais, econmicos e culturais

    direitos relacionados fraternidade e solidariedade.

    Os direitos fundamentais evoluram historicamente, tendo

    sido sistematizados a partir da Revoluo Francesa e da Decla-

    rao de Direitos do Homem e do Cidado, na qual foram indi-

    cados os direitos individuais, de nacionalidade e cidadania (pri-

    2 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 22. ed. So Paulo:Malheiros, 2008, p. 561.

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    60 Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 6, n. 6, 2009

    meira gerao ou dimenso), passando, no incio do sculo pas-

    sado, para os direitos sociais (segunda gerao ou dimenso),

    inseridos em primeiro lugar nas Constituies do Mxico (1917)

    e da Alemanha (1919) e nos direitos de solidariedade (terceira

    gerao ou dimenso), discutidos e previstos a partir da segunda

    metade do sculo XX, sem que houvesse a excluso, mas sim a

    complementao da gerao anterior pela subsequente.

    Observe-se, a esse respeito, o entendimento de Paulo

    Bonavides3 sobre a existncia tambm de uma quarta gera-

    o de direitos fundamentais que se relaciona ao processo de

    globalizao.

    1.1 Direitos sociais

    Conjuntamente com os direitos individuais, coletivos, de

    nacionalidade e de cidadania, os direitos sociais so uma esp-

    cie de direitos fundamentais. Segundo Jos Afonso da Silva4,

    [...] so prestaes positivas proporcionadas pelo Estado direta ou

    indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que pos-

    sibilitem melhores condies de vida aos mais fracos, direitos que

    tendem a realizar a igualizao de situaes sociais desiguais.

    Constitucionalmente garantidos, os direitos sociais foram

    indicados no artigo 6 da Carta Magna, nos seguintes termos:

    So direitos sociais a educao, a sade, o trabalho, a mora-

    dia, o lazer, a segurana, a previdncia social, a proteo

    maternidade e infncia, a assistncia aos desamparados, na

    forma desta Constituio. Os direitos relativos ao trabalho

    foram discriminados nos artigos 7 a 11 e nos demais no T-

    tulo VIII do texto constitucional. Tm como finalidade possi-

    bilitar a superao das carncias individuais e sociais, medi-

    ante aes previstas em lei e realizadas por meio de polticas

    pblicas do Estado.

    3 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 570.4 SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed.

    So Paulo: Malheiros, 2009, p. 289.

  • Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 6, n. 6, 2009 61

    O CONTROLE JUDICIAL DAS POLTICAS PBLICAS

    Assim, os direitos sociais representam prerrogativas cons-

    titucionais indisponveis. Dentre os citados, destaca-se, para

    o estudo proposto, o direito educao.

    1.1.1 DIREITO EDUCAO E EDUCAO INFANTIL

    O direito educao , segundo observao de Jos Luiz

    Quadros de Magalhes5,

    [...] um dos mais importantes direitos sociais, pois essencial

    para o exerccio de outros direitos fundamentais. a educao

    instrumento para o direito sade e para a proteo do meio

    ambiente, preparando e informando a populao sobre a pre-

    servao da sade e respeito ao meio ambiente. Educao no

    apenas o ato de informar. Educao a conscientizao,

    ultrapassando o simples ato de reproduzir o que foi ensinado,

    preparando o ser humano para pensar, questionar e criar.

    Nesse diapaso, traz consigo alto significado social e ine-

    gvel valor constitucional, haja vista o disposto no artigo 205

    da Lei Fundamental:

    A educao, direito de todos e dever do Estado e da famlia,

    ser promovida e incentivada com a colaborao da sociedade,

    visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para

    o exerccio da cidadania e sua qualificao para o trabalho.

    A esse respeito, oportuno lembrar a lio de Celso Bastos6,

    para quem:

    esse dispositivo possui carter bifronte, pois, simultaneamente

    garantia do direito do povo de receber educao, concede-lhe

    o direito de exigir essa prestao estatal, como tambm atribui

    prpria sociedade o direito de ministrar o ensino.

    5 MAGALHES, Jos Luiz Quadros de. Direito Constitucional. Belo Horizon-te: Mandamentos, 2000, p. 237.

    6 BASTOS, Celso. Curso de Direito Constitucional. So Paulo: Saraiva,2000, p. 482.

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    62 Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 6, n. 6, 2009

    luz do dispositivo legal transcrito, tem-se que o pleno

    desenvolvimento da pessoa s possvel se tiver, desde a ten-

    ra idade, acesso aos bens da vida necessrios ao seu progres-

    so fsico e mental, ou seja, sade, alimentao, moradia, apoio

    familiar e sistema de ensino adequado. Tanto a Constituio

    como o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA) trazem

    mandamentos vinculantes obrigao de tornar efetivo o

    acesso ao ensino infantil, mormente, em creche e pr-escola.

    CF Art. 208. O dever do Estado com a educao ser

    efetivado mediante a garantia de: [...]

    IV educao infantil, em creche e pr-escola, s crianas at

    5 (cinco) anos de idade;

    CF Art. 211. A Unio, os Estados, o Distrito Federal e os

    Municpios organizaro em regime de colaborao seus sistemas

    de ensino. [...]

    2 Os Municpios atuaro prioritariamente no ensino funda-

    mental e na educao infantil.

    ECA Art. 54. dever do Estado assegurar criana e ao

    adolescente: [...]

    IV atendimento em creche e pr-escola s crianas de zero a

    seis anos de idade;

    ECA Art. 208. Regem-se pelas disposies desta Lei as aes

    de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados cri-

    ana e ao adolescente, referentes ao no-oferecimento ou oferta

    irregular: [...]

    III de atendimento em creche e pr-escola s crianas de zero

    a seis anos de idade.

    Convm esclarecer que a Constituio utiliza as palavras

    educao e ensino para designar realidades distintas. A

    primeira indica o processo global de desenvolvimento da pes-

    soa, e a segunda a aquisio de conhecimento formal. A esse

    respeito, escreve Nina Ranieri7:

    7 RANIERI, Nina Beatriz. Autonomia Universitria. So Paulo: Edusp, 2000,p. 168.

  • Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 6, n. 6, 2009 63

    O CONTROLE JUDICIAL DAS POLTICAS PBLICAS

    Educao [...] constitui o ato ou efeito de educar-se; o processo

    de desenvolvimento da capacidade fsica, intelectual e moral do

    ser humano, visando a sua melhor integrao individual e so-

    cial. Significa tambm os conhecimentos ou as aptides resul-

    tantes de tal processo, ou o cabedal cientfico e os mtodos

    empregados na obteno de tais resultados [...]

    [...] Ensino, por sua vez, designa a transmisso de conheci-

    mentos, informaes ou esclarecimentos teis ou indispens-

    veis educao; os mtodos empregados para se ministrar o

    ensino, o esforo orientado para a formao ou modificao da

    conduta humana [...]

    Estabelecidos os conceitos de educao e ensino, cumpre

    agora definir o que so polticas pblicas, ou seja, atividades

    do Estado que se relacionam com as aes dos poderes

    Legislativo e Executivo para sua previso e execuo, para a

    realizao e o cumprimento dos princpios e objetivos do Es-

    tado brasileiro, indicados na Constituio, nos artigos 1 a 4,

    dentre os quais destacamos a cidadania e a dignidade da

    pessoa humana (CF, artigo 1, II e III), bem como a constru-

    o de uma sociedade livre, justa e solidria e a garantia do

    desenvolvimento social (CF, artigo 3, I e II). Sobre o assunto,

    oportuna a lio de Maria Paula Dallari Bucci8, para quem

    polticas pblicas so as aes de coordenao dos meios

    disposio do Estado, harmonizando as atividades estatais e

    privadas para a realizao de objetivos socialmente relevantes

    e politicamente determinados.

    Uma vez desrespeitado o comando legal para a imple-

    mentao de polticas pblicas, surge a figura do Ministrio

    Pblico9 que, ao atuar como custus legis, promover ao com

    8 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Polticas Pblicas.So Paulo: Saraiva, 2006, 279.

    9 Estatuto da Criana e do Adolescente:Artigo 209. As aes previstas neste Captulo sero propostas no foro dolocal onde ocorreu ou deva ocorrer a ao ou omisso, cujo juzo ter com-petncia absoluta para processar a causa, ressalvadas a competncia daJustia Federal e a competncia originria dos tribunais superiores.

  • REVISTA DO CURSO DE DIREITO

    64 Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 6, n. 6, 2009

    o objetivo de obter a tutela jurisdicional para que se d efetivo

    cumprimento do direito educao para a criana.

    A Administrao Pblica no pode se valer de juzos de

    convenincia e oportunidade com a inteno de descumprir a

    obrigao de atender demanda de cada criana a ver-se

    matriculada em creche ou pr-escola. O direito educao de

    crianas de at cinco anos deve ser plenamente atendido. Nesse

    momento, vale transcrever pargrafo motivador da deciso do

    AI 677274/SP, cujo entendimento se coaduna com o nosso:

    O objetivo perseguido pelo legislador constituinte, em tema de

    educao infantil, especialmente se reconhecido que a Lei Fun-

    damental da Repblica delineou, nessa matria, um ntido pro-

    grama a ser implementado mediante adoo de polticas pblicas

    conseqentes e responsveis notadamente aquelas que visem

    a fazer cessar, em favor da infncia carente, a injusta situao

    de excluso social e de desigual acesso s oportunidades de

    atendimento em creche e pr-escola , traduz meta cuja no-

    realizao qualificar-se- como uma censurvel situao de

    inconstitucionalidade por omisso imputvel ao Poder Pblico.

    2 RESERVA DO POSSVEL E MNIMO EXISTENCIAL

    Superada a difcil conjuntura de observncia e execuo,

    com o surgimento do Estado Social e as Constituies da

    segunda metade do sculo XX, os direitos fundamentais dei-

    xaram o carter programtico e adquiriram uma exigibilidade

    processual protetora e de aplicabilidade imediata.10 Desse

    modo, cabe ao Legislativo e ao Executivo a implantao de

    polticas pblicas que garantam a prestao material garan-

    tidora da efetividade dos direitos de segunda gerao.

    Artigo 210. Para as aes cveis fundadas em interesses coletivos oudifusos, consideram-se legitimados concorrentemente:I o Ministrio Pblico; [...] 1 Admitir-se- litisconsrcio facultativo entre os Ministrios Pblicos daUnio e dos estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta Lei. 2 Em caso de desistncia ou abandono da ao por associao legitimada,o Ministrio Pblico ou outro legitimado poder assumir a titularidade ativa.

    10 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 564.

  • Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 6, n. 6, 2009 65

    O CONTROLE JUDICIAL DAS POLTICAS PBLICAS

    3.1 Reserva do possvel

    O Estado, muitas vezes, alega a inexistncia de recursos

    em virtude de limitao oramentria para justificar o no-

    cumprimento da sua obrigao constitucional em relao

    realizao dos direitos sociais. Esquece, todavia, que a tutela

    das finanas pblicas no pode ser vista como um fim em si

    mesma, uma vez que ele existe para atender s necessidades

    do ser humano, em todos os seus direitos fundamentais, se-

    jam individuais, sociais ou de solidariedade, e no o contrrio.

    Essa prestao, persecutria da superao das carncias

    sociais e individuais, traz consigo, como no poderia ser dife-

    rente, a necessidade de dispndio do errio, motivo pelo qual

    o Estado, por mera convenincia e oportunidade, muitas ve-

    zes, busca se eximir da obrigao constitucional, justificando-

    se por meio do instituto da reserva do possvel.

    Referida teoria, criada pela doutrina alem, estabelece que

    a efetivao dos direitos sociais se condiciona s limitaes de

    ordem econmica, para sustentar a impossibilidade do atendi-

    mento integral da necessidade relativa educao infantil. Essa

    ideia no pode ter uma aceitao inocente e modesta em nosso

    ordenamento jurdico, mesmo porque as realidades do Brasil e

    da Alemanha so completamente diferentes, tanto aquela rela-

    tiva s questes econmicas quanto sociais, bem como porque

    nosso pas possui peculiaridades que merecem ser analisadas:

    Nesse sentido, reconheceu a Corte Constitucional alem, na

    famosa deciso sobre numerus clausus de vagas nas Univer-

    sidades (numerus-clausus Entscheidung), que pretenses

    destinadas a criar os pressupostos fticos necessrios para o

    exerccio de determinado direito esto submetidas reserva do

    possvel (Vorbehalt des Mglichen).11

    11 MENDES, Gilmar Ferreira. Os direitos fundamentais e seus mltiplossignificados na ordem constitucional. Disponvel em: .Acesso em: 27 abr. 2009.

  • REVISTA DO CURSO DE DIREITO

    66 Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 6, n. 6, 2009

    No artigo 212 da Constituio, os constituintes reserva-

    ram 18% da receita da Unio e 25% da receita dos Estados,

    do Distrito Federal e dos Municpios, no mnimo, na manu-

    teno e desenvolvimento do ensino12. Essa receita enten-

    dida como resultante de impostos, compreendida a proveni-

    ente de transferncias.

    3.2 Mnimo existencial

    De acordo com Ricardo Lobo Torres13, possvel definir o

    mnimo existencial como um direito s condies mnimas de

    existncia humana digna que no pode ser objeto de interven-

    o do Estado e que ainda exige prestaes estatais positivas.

    preciso, no entanto, que o oramento cumpra metas prio-

    ritrias, indispensveis ao pleno desenvolvimento da pessoa

    humana, tidas como mnimo existencial, independentemente

    da disponibilidade, ou no, de recursos materiais pelo Estado.

    Nesse sentido a advertncia do ministro Celso de Mello14:

    No se mostrar lcito, no entanto, ao Poder Pblico, em tal

    hiptese mediante indevida manipulao de sua atividade

    financeira e/ou poltico-administrativa criar obstculo artifi-

    cial que revele o ilegtimo, arbitrrio e censurvel propsito de

    fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a pre-

    servao, em favor da pessoa e dos cidados, de condies

    materiais mnimas de existncia.

    A realizao da dignidade da pessoa humana no pode

    depender da existncia de disponibilidade financeira ou

    razoabilidade da pretenso individual. O Judicirio pode e

    12 CF, Artigo 212. A Unio aplicar, anualmente, nunca menos de dezoito, eos Estados, o Distrito Federal e os Municpios vinte e cinco por cento, nomnimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente detransferncias, na manuteno e desenvolvimento do ensino.

    13 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiroe Tributrio. V. III: Os Direitos humanos e a Tributao Imunidades eIsonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 269.

    14 ADPF 45. Voto do Ministro Celso de Mello. 24/04/2004.

  • Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 6, n. 6, 2009 67

    O CONTROLE JUDICIAL DAS POLTICAS PBLICAS

    deve garantir o direito de crianas de at cinco anos de idade

    se verem matriculadas em creche e em pr-escola15, impondo

    que os Municpios aloquem os recursos necessrios. Para isso,

    dispem de oramento pblico passvel de suplementao de

    crditos oramentrios ou de remanejamento de recursos

    destinados s reas de menor significncia para a devida

    prestao do servio educacional infantil.

    O Poder Executivo se reveste da figura do violador nega-

    tivo do texto constitucional ante o no-atendimento s de-

    mandas sociais, no presente caso, a prestao de servios

    educacionais infantis, com base na reserva do possvel.

    O mnimo existencial deve ser consagrado com a aplica-

    o dos recursos expressamente previstos na Lei e com a fis-

    calizao do gasto. Simplesmente a omisso inadmissvel,

    haja vista que falta de recursos financeiros no h mesmo

    porque h que ser demonstrada , mas sim, ao que se perce-

    be, mau gerenciamento deles. A administrao pblica muni-

    cipal est diante da concretizao de polticas pblicas que se

    traduzem em direitos sociais constitucionalmente garantidos

    e alicerados em princpios constitucionais slidos como a

    dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado brasilei-

    ro, previsto no artigo 1, III da Constituio. A esse respeito,

    cabe a transcrio de parte do voto do ministro Celso de Mello

    na deciso relativa ADPF 45:

    No se ignora que a realizao dos direitos econmicos, sociais

    e culturais alm de caracterizar-se pela gradualidade de seu

    processo de concretizao depende, em grande medida, de um

    inescapvel vnculo financeiro subordinado s possibilidades

    oramentrias do Estado, de tal modo que, comprovada, obje-

    tivamente, a alegao de incapacidade econmico-financeira da

    pessoa estatal, desta no se poder razoavelmente exigir, ento,

    considerada a limitao material referida, a imediata efetivao

    do comando fundado no texto da Carta Poltica.

    15 Nesse sentido, ADPF 45/DF - Rel Ministro Celso de Mello - Informativo/STF n 345/2004.

  • REVISTA DO CURSO DE DIREITO

    68 Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 6, n. 6, 2009

    No se mostrar lcito, contudo, ao Poder Pblico, em tal hip-

    tese, criar obstculo artificial que revele a partir de indevida

    manipulao de sua atividade financeira e/ou poltico-adminis-

    trativa o ilegtimo, arbitrrio e censurvel propsito de frau-

    dar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preser-

    vao, em favor da pessoa e dos cidados, de condies mate-

    riais mnimas de existncia.16

    3 O CONTROLE JUDICIAL DAS POLTICAS PBLICAS

    O Poder Judicirio, em face da inao do Pode Executivo em

    efetivar polticas pblicas necessrias ao atendimento dos direi-

    tos sociais, deve, munido de seu habitual zelo, fazer cumprir os

    encargos poltico-jurdicos que sobre este pairam, com aspecto

    mandatrio. A esse respeito, entende Marcelo Novelino17:

    [...] os tribunais tm, no apenas a faculdade, mas o dever de

    desenvolver e evoluir o texto constitucional em funo das exi-

    gncias do presente. Cabe-lhes descobrir os valores consensuais

    existentes no meio social e projet-los na tarefa interpretativa.

    Sagus observa que esta compreenso se associa ao chamado

    ativismo judicial, doutrina que confere ao Judicirio um

    protagonismo decisivo nas mudanas sociais e na incorporao

    de novos direitos constitucionais aos j existentes, partindo do

    pressuposto de que esse Poder, em geral, seria o mais habilitado

    funo de plasmar em normas os atuais valores da sociedade.

    Corrobora esse entendimento Andreas Joachim Krell, ci-

    tado pelo autor18, ao observar que:

    [...] a apreciao dos fatores econmicos para uma tomada de

    deciso quanto s possibilidades e os meios de efetivao des-

    ses direitos cabe, principalmente, aos governos e parlamentos.

    Em princpio, o Poder Judicirio no deve intervir em esfera

    16 Idem.17 NOVELINO, Marcelo. Op. cit., p. 73.18 NOVELINO, Marcelo. Op. cit., p. 374.

  • Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 6, n. 6, 2009 69

    O CONTROLE JUDICIAL DAS POLTICAS PBLICAS

    reservada a outro Poder para substitu-lo em juzos de conve-

    nincia e oportunidade, querendo controlar as opes

    legislativas de organizao e prestao, a no ser, excepcional-

    mente, quando haja uma violao evidente e arbitrria, pelo

    legislador, da incumbncia constitucional. No entanto, parece-

    nos cada vez mais necessria a reviso do vetusto dogma da

    separao dos Poderes em relao ao controle dos gastos p-

    blicos e da prestao dos servios bsicos no Estado Social,

    visto que os Poderes Legislativo e Executivo no Brasil se mos-

    traram incapazes de garantir um cumprimento racional dos

    respectivos preceitos constitucionais.

    O Poder Judicirio pode e deve garantir a efetivao dos

    direitos sociais, impondo que a administrao pblica aloque

    os recursos necessrios para seu cumprimento.

    CONCLUSO

    A sociedade brasileira tem enfrentado situaes difceis

    relativamente educao infantil, direito de todos e obrigao

    do Estado, conforme preceitua o artigo 208, inciso IV, da Lei

    Maior, subdiviso de outro direito social: o direito educao

    como um todo, prevista no artigo 205 do mesmo Diploma Legal.

    Diuturnamente, tomamos conhecimento do descaso com que os

    sujeitos de direitos sociais, em especial a educao infantil,

    objeto deste trabalho, so tratados, os quais no tm condies

    de ser matriculados em creches ou em pr-escolas, configuran-

    do um abandono calcado em conjecturas de quem tem o dever

    de proteg-los. Falta de edificaes de creches e de pr-escolas,

    bem como de profissionais qualificados e material didtico, so

    apenas alguns exemplos das deficincias existentes.

    grande a quantidade de mes carentes, necessitadas da

    prestao do servio educacional para seus filhos de at cinco

    anos de idade, que, por no terem recursos suficientes para

    pagar uma creche ou pr-escola infantil particular, procuram

    a administrao pblica municipal para conseguir vaga a fim

    de matricular suas crianas e poder, assim, trabalhar para

  • REVISTA DO CURSO DE DIREITO

    70 Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 6, n. 6, 2009

    auferir o mnimo necessrio de renda que custeie a sua sub-

    sistncia e a de suas famlias.

    Em face de todo o apresentado, conclui-se que o problema

    da falta de vagas em creches e pr-escola para crianas de at

    cinco anos, especificamente no municpio de So Paulo, tendo

    em conta o acrdo ora analisado, somente ser resolvido se

    houver vontade poltica, gerenciamento oramentrio eficiente,

    competncia administrativa e gesto ntegra dos recursos.

    cedio que a prerrogativa de formular e executar pol-

    ticas pblicas funo primria do Legislativo e do Executivo;

    todavia, excepcionalmente, absolutamente cabvel que o

    Poder Judicirio determine que tais polticas sejam implanta-

    das ante a inao dos outros poderes, caracterizada pelo

    descumprimento dos encargos sob sua responsabilidade, com-

    prometendo, assim, ante sua omisso ou incompetncia, a

    eficcia e a integridade dos direitos sociais.

    No se trata de judicializar a administrao pblica ou de

    se ter o Poder Judicirio como administrador. Todos devem

    cumprir a lei, e, diga-se de passagem, no presente caso se

    trata da Constituio; este tambm o entendimento de nossa

    Suprema Corte.

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