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12 InterMeio: revista do Programa de Pós-Graduação em Educação, Campo Grande, MS, v. 14, n. 28, p. 12-37, jul.-dez./2008 * Professora-pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) RESUMO O presente ensaio procura refletir sobre a educação e a cultura no sentido de constituírem um espaço comum compartilhado que, na senda dos humanistas da Renascença e dos valores inaugurados pela Revolução Francesa, reconheceu a literatura e as artes como laço social e quintessência da cidadania, do conhecimento e do savoir-vivre. Da Universidade Cultural à Indústria da Cultura desaparecem os valores da formação do espírito mediante o livro, substituídos pelas disciplinas performáticas que constrangem à pressa e à “queda tendencial do valor espírito”, concorrendo para as incivilidades contemporâneas. PALAVRAS CHAVE: educação; humanismo; civilidade; indústria cultural; incivilidades. ABSTRACT: This essay attempts at reflecting on education and culture in the way the constitute a shared common space, in the intellectual orientation of the Renaissance humanists and the values inaugurated with the French Revolution, that recognized literature and arts as social ties and the quintessence of citizenship, knowledge and savoir-faire. Values of the formation of the spirit through books disappeared in the movement from the Cultural University to the Cultural Industry, substituted by performatical disciplines that rapidly constrain and lead to the “falling tendency of the spiritual value”, competing with contemporary incivilities. KEY WORDS: education; humanism; civility; cultural industry; incivilities. CULTURA CAPITALISTA E HUMANISMO: EDUCAÇÃO, ANTIPOLIS E INCIVILIDADE CULTURAL CAPITALISTA E HUMANISTAS: EDUCAR, ANTÍPODA E INCIVILIDADE Olgária Chain Féres Matos*

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Olgária Matos. Cultura capitalista e educação

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12 InterMeio: revistadoProgramadePs-GraduaoemEducao,CampoGrande, MS, v. 14, n. 28, p. 12-37, jul.-dez./2008* Professora-pesquisadora daUniversidade Federal deSo Paulo (UNIFESP)RESUMOOpresenteensaioprocurarefletir sobreaeducaoeaculturanosentidodeconstituremumespaocomumcompartilhadoque, nasendadoshumanistasdaRenascenaedosvaloresinauguradospelaRevoluoFrancesa, reconheceualiteraturaeasartescomolaosocial equintessnciadacidadania,doconhecimentoedosavoir-vivre. DaUniversidadeCultural IndstriadaCulturadesaparecemosvaloresdaformaodoespritomedianteolivro, substitudospelasdisciplinasperformticasqueconstrangempressaequedatendencial dovalor esprito, concorrendoparaasincivilidadescontemporneas.PALAVRASCHAVE:educao; humanismo; civilidade; indstriacultural; incivilidades.ABSTRACT:Thisessayattemptsat reflectingoneducationandcultureinthewaytheconstituteasharedcommonspace, intheintellectual orientationof theRenaissancehumanistsandthevaluesinauguratedwiththeFrenchRevolution, that recognizedliteratureandartsassocial tiesandthequintessenceof citizenship,knowledgeandsavoir-faire. Valuesof theformationof thespirit throughbooksdisappearedinthemovement fromtheCultural UniversitytotheCultural Industry, substitutedbyperformatical disciplinesthat rapidlyconstrainandleadtothefallingtendencyof thespiritual value, competingwithcontemporaryincivilities.KEY WORDS:education; humanism; civility; cultural industry; incivilities.CULTURA CAPITALISTA E HUMANISMO:EDUCAO, ANTIPOLIS E INCIVILIDADECULTURAL CAPITALISTA E HUMANISTAS:EDUCAR, ANTPODA E INCIVILIDADEOlgriaChainFresMatos*13Capitalismoculturalomododeproduoqueintegraasrealizaesespirituais no mercado consumidor, segundo as determinaes de custo-benefcio ede amortizaes rpidas de investimento. Cultura capitalista a superestrutura quecorresponde transformao da economia de mercado em sociedade de mercado, naqual nada escapa s leis de compra e de venda, tendo-se universalizado o devireconmico da poltica, sua converso em economia, com o conseqente encolhimentodo espao pblico, proletarizao crescente da sociedade e misria simblica queisso implica. A cultura capitalista a simbiose entre economia e cultura e constitui-sepela dessublimao repressiva de desejos, pela ilimitao do consumo e produopermanente de carncias e de falta, de tal forma que determinando uma cultura doexcesso, a sociedade de mercado atual conduz incivilidade.A cultura humanista e das Luzes, ao contrrio, concebeu a esfera pblica comoa dimenso da vida social e poltica autnoma com respeito s leis do mercado,inscrevendo-se na tradio da skol grega e da Renascena. Essa autarquia evidenciava-se em saberes valorizados, os studia humanitatis. Ccero, como outros autores romanosda Antiguidade, empregaram o termo no sentido geral de educao liberal, isto ,dos livros, de educao literria, a que deram continuidade os sbios italianos dosculo XIV1. Na primeira metade do sculo XV, os studia humanitatis consistiam emum ciclo claramente definido de disciplinas intelectuais - a gramtica, a retrica, ahistria, a poesia e a filosofia moral, e exclua, de certo modo, a lgica, a filosofianatural, a metafsica, a matemtica, a astronomia, a medicina, as leis e a teologia.Tratou-se de uma deciso tanto cultural quanto poltica de enobrecer mais a culturadasociabilidade,dacivilidade,dapolitissedoqueaculturacientfica,porencontrarem-se os studia humanitatis diretamente associados constituio do laosocial. Se, nessa tradio, a cidade lao afetivo, philia, tambm um modoespecfico de economia libidinal que produz idealidades polticas.O que se denomina indstria da cultura - termo cunhado por Adorno nosanos 1940 - significa que os bens culturais perdem sua autarquia, na seqncia domovimento geral de produo da cultura como mercadoria, ... selando a degradaodo papel filosfico-existencial da cultura2. Com efeito, o humanismo da Renascenadesenvolveu a tradio da retrica, de grande longevidade na cultura ocidental, tradioque remonta aos sofistas gregos e continua, nos dias atuais, adaptada s determinaescapitalistas - de onde estar a retrica reduzida a frmulas prontas, idias feitas,1Cf.PFEIFFER,Rudolf.HumanitasErasmiana.Lepizg-Berlin,1931.2SANTAELLA,Lcia.Comunicaoepesquisa,ed.Hacker,2002,p.39.InterMeio: revistadoProgramadePs-GraduaoemEducao,CampoGrande, MS, v. 14, n. 28, p. 12-37, jul.-dez./200814esteretipos e clichs. Os cursos em voga de lngua e composio, de redao eescrita criativa, de propaganda ou correspondncia comercial so variaes modernasda antiga tarefa da retrica, que procurava ensinar a expresso oral e escrita medianteregras e modelos:Dado que os retricos prometem falar e escrever sobre qualquer assunto eosfilsofospensarsobrequalquertema,semprerivalizaram[...].Estarivalidade aparece na polmica de Plato contra os sofistas [...]. Os retricos,apartirdeIscrates,interessaram-sepelamoralegostaramdechamar-sefilsofos, enquanto que, a partir de Aristteles, os filsofos tendem a ofereceruma verso da retrica como parte da filosofia3.Nas origens, retrica e gramtica possibilitavam estudar os textos antigos, porfacultarem o ingresso em seus sentidos; que se pense em Loureno Valla e a interpretaodo texto a Doao de Constantino4 ou Espinosa no Tratado Teolgico-Poltico. Comrespeito ao primeiro, a anlise textual prova a operao de poder da Doao deConstantino-escritoquesepretendiadosculoIV-naprerrogativadepapasdominarem reis, e o Imperador germnico podendo vigi-los ou dep-los. Reza adoao que no terceiro dia da converso de Constantino ao cristianismo - que, hoje,se sabe, do sculo VIII - o Imperador Constantino teria conferido ao papa Silvestre eseussucessoresinsgniasimperiais-opaodeLatroeatoprprioimprio-reservando-se apenas o governo de Bizncio. Conhecedor dos cnones da linguagemclssica, Valla aponta impropriedades na Doao. Ao proceder genealogia da leitura eda interpretao de textos, Valla torna explcita a vocao desse escrito. E RenatoJanine Ribeiro comenta:[...] como falaria Constantino em strapas que jamais existiriam no mundoromano?comoacontecequetantaspalavrasusadascorretamente,porexemplo, seu ou sive em sentido de conjuntivo (e) quando no latim clssicoeram disjuntivos (ou) [...]? O diadema, identificado coroa, seria feito domais puro ouro de gemas preciosas. Mas o diadema, explica o scholarrenascentista, no passa, na verdade, de um pano. E Constantinopla nopoderiasercitadacomoSpatriarcalporqueaindanemsequerforaplanejada [...]. [Alm disso]a pseudo-Doao no poderia datar do sculoIV [...]. Da crtica histrica e estilstica, procede Valla diretamente a umacrtica de idias. Afirma que imprpria essa linguagem, de matriz religiosa,3KRISTELLER,R.ElPensamientoRenascentistaysusFuentes,ed.FondodeCulturaEconmica,1982, p. 4. No consta o nome do tradutor. Outros autores, ao contrrio, consideram o cancelamentodo ensino da retrica nos anos escolares no incio do sculo XX, na Frana, como sinal do declniodaculturahumanistaeliterria.Cf.Dictionnaire de Rhrtorique,PUF.4Cf.RIBEIRO,RenatoJ.A ltima razo dos Reis,ed.CiadasLetras,1993.InterMeio: revistadoProgramadePs-GraduaoemEducao,CampoGrande, MS, v. 14, n. 28, p. 12-37, jul.-dez./200815na voz do imperador que agora se reconhece sdito do Papa. Constantinooutorgaaopapaafaculdadedeordenarpadres[...].[AfilosofiapolticadeValla]umadennciapungentedadominaopolticaalcanadapela religio5.Alm disso, uma vez a literatura grega traduzida pelos humanistas para o latim,o estudo da gramtica alterou no s o conhecimento do grego, mas tambm a prpriapercepo do passado e da lngua latina, considerando-se a retrica como a arte defalar de maneira adequada; no apenas uma maneira de se expressar de modo elegante,pois ela que permite efetiva participao nos assuntos da cidade. Humanistas comoAlberti e Vergrio no aceitavam, ao contrrio, estranharam o que Plato dizia dossofistas, pois no concebiam a vida poltica e a liberdade sem a participao nas disputasprprias vida republicana6. A idia do cidado ativo, por sua vez, no se dissociava deuma pedagogia e da eficcia dos studia humanitatis na formao dos cidados. Ostratados da poca, Della famiglia, de Alberti, e De ingenuis moribus, de Vergrio,enumeram as obrigaes dos pais com os filhos, o que inclua educ-los em uma belacidade. Enfatiza-se a aquisio das artes liberais que se tornam patrimnio da vidainteira, independentes que so com respeito s condies materiais de vida de cadaum, pois estas, diversamente da posse definitiva dos saberes literrios (que propiciamum abrandamento dos costumes e tolerncia) podem sofrer os revezes da fortuna.Uma boa educao jamais se perde e um bem mesmo para quem no nasceu emfamlia abastada ou em uma cidade de renome e fama, pois a educao permite reuniro que foi dado pela natureza e a beleza das artes liberais. Embora distante do princpiodo direito de acesso de todos educao - que viria a ser um objetivo essencial dopensamento republicano moderno - importa aos humanistas a aquisio da virt pelaeducao; por isso esta - e no a riqueza ou o nome de famlia - deve ser louvada:Manifesto , pois, que a verdadeira nobreza existe s pela virtude da alma. Aabundnciaderiquezas,ouagrandezadegeraespassadas,nopoderdarouretirarnobreza,poissuasedeprpriaaalma,queanatureza,imperatriz de todas as coisas, coloca igualmente em todos, desde o nascimento,no por dom hereditrio, mas por doao e graa divina7.Como demonstrao, cita Scrates, homem pobre, filho de uma parteira, masque mudou a filosofia e se transformou em um dos mais importantes personagens de5Cf.p.60-65.6Recusava-se,sim,adialticaescolsticaesuasquerelasquepoucotinhamrelaocomocorposocial. Cf. Loureno Valla e Alberti, entre outros. BIGNOTTO, Newton. Origens do RepublicanismoModerno.UFMG:Humanitas,2001.7Cf.MONTEMAGNO,Buonacorsoda.DeNobilitate,p.142.InterMeio: revistadoProgramadePs-GraduaoemEducao,CampoGrande, MS, v. 14, n. 28, p. 12-37, jul.-dez./200816seu tempo. O aprender s depende, para o humanista, do gosto e do talento, e no dequalidades consangneas e hereditrias.Virt e fortuna so, na Renascena, temas constantes, j que Virt a afirmaodo valor pessoal do homem que constri, por si mesmo, seu destino; com ela vencebenefcios e males, contingncias e incertezas que no tm poder sobre ela:[...]vejoquemuitosculpamafortuna[porseusmales]semqueestasejacausa verdadeira e percebo que muitos, tendo fracassado por sua estultciaemcasosdesgraados,oatribuifortuna,esequeixamporteremsidolevados e trados por suas flutuantes ondas, nas quais eles mesmos, estultos,seprecipitaram;e,assim,muitosineptosdizemqueacausadeseuserrosencontra-seemoutrasforas[...].Sooshomensacausa,namaioriadasvezes,detodoseubemedetodoseumal[...].Indague-seasrepblicas,pense-seemtodososprincipadosdopassadoesedescobrirque,paraadquirir e multiplicar, para obter e para conservar a majestade e a glria jconseguidas, em nenhum caso valeu mais a fortuna do que as boas e santasdisciplinasdoviver8.Para a arte de viver primordial o conhecimento da lngua e da literatura, poistm fora emancipadora; concorrem para a descoberta de tudo o que obscurece eprejudica as relaes entre os homens no espao da cidade. Assim, os Livros sagrados:eles somente os so, quando se desconhece sua lngua, de onde resultam atitudessupersticiosas, como a crena em intervenes divinas e milagres. Marilena Chau observaque s h decreto divino para o leitor que desconhece a gramtica hebraica. Por isso,Espinosa mostra que a Bblia nasce de necessidades histricas da poca em que foiescrita:[...] aquele que pretende conhecer um texto obrigado a assumir a naturezatextualdoobjetoqueinvestiga.Aregrafundamentaldotrabalhohistricoconsiste em nunca perder de vista a lngua em que o documento foi escrito[...].Alinguagem[...]anicaviadeacessomentedoshebreus,aoesprito hebraico, isto , a seu sentido. Na produtividade corprea da linguageminscreve-seaprodutividadementaldosentido[...].Portadoradesentido,alinguagem faz com que o ato de ler a Escritura seja o de buscar o esprito desua letra. Nem espiritualismo metafrico nem farisasmo da letra: a filologiado Teolgico-Poltico no admite a separao da forma e do contedo9.Oestudodaslnguaseosstudia humanitatistrazemconsigotambmoautodomnio como ideal de Ego e da Cidade, autodomnio que viria a se constituircomo o ideal da vida civilizada, pois o citadino, diferentemente do guerreiro antigo que8Cf.ALBERTI,L.B.I Libri della famiglia.Firenze:G.Mancini,1908,p.2-6.9Ohierglifodecifrado:escrevereler.In.PolticaemEspinosa,ed.CiadasLetras,2003,p.19.InterMeio: revistadoProgramadePs-GraduaoemEducao,CampoGrande, MS, v. 14, n. 28, p. 12-37, jul.-dez./200817no necessitava dar prova de grande conteno, deve ocupar-se cada vez mais docomportamento na plis. Assim, o humanismo cvico da Renascena cria a politesse apartirdagraa.Provenientedogrego,charissignifica,simultaneamente,oreconhecimento e o ato com o qual se adquire reconhecimento.No Dictionnairetymologique de la langue latine de Meillet e Ernout, a gratia favor, crdito, influnciae, tambm, fora de atrao, beleza10. O dicionrio registra um significado ativo e outropassivo do adjetivo gratus. No passivo, gratus acolhido com favor ou reconhecimento,bem-vindo. Ativo, vem a ser que demonstra reconhecimento. Ingrato, ao contrrio, aquele que no acolhido com reconhecimento ou no merece reconhecimento;na forma ativa: que no demonstra reconhecimento, no grato. No ThesaurusLinguae Latinae define-se graa nos termos segundo os quais ela a inclinao daalma a fazer o bem gratuitamente ou resposta a algum benefcio recebido, aplicando-sea pessoas e a coisas: se a pessoas, ela o conjunto das qualidades que definem quem agradvel aos sentidos e ao esprito. , pois, uma espcie de beleza que indica agentileza e politesse, a delicadeza nas maneiras e nos comportamentos. No mbitomoral, a graa virtude e atitude, predisposio natural que incita a amar e a fazer obem; pode coincidir com a misericrdia, a clemncia ou gratido, ter reconhecimentopor algum favor recebido11.Encontrada na teologia, na poltica e na esttica, a graa diz sempre respeito aum Outro e ao sentimento que suscita, implicando ao de dar e receber, sendo a regrauniversal da vida dos corteses12. Na tradio de Aristteles, cortesia senso de medida qual se acrescenta a discrio, propiciando a cada um evitar excessos e buscar o justo-meio, enfatizando-se o decoro. Iniciada nas cortes medievais, a curialitas - a cortesiaera a nobreza dos modos13. O campo semntico da urbanidade abrange os escritos daRoma Antiga, Ovdio e Ccero - cujas reflexes contrapunham villania - amor eboasmaneiras, aurbanitas vencendo a rusticitas. Para Ccero, um cavaleiro devia prezarao mximo a lealdade, a generosidade, a franchise. Convinha-lhe ser tambm leteratus- o letrado capaz de compor e entender versos em latim, para o aprimoramento doesprito e do convvio pblico.10 ERNOUT, A. e MEILLET, A. Dictionnaire tymologique de la langue latinehistoire des mots. Paris,Klincksieck,1959-1960.11EmTeologia,agraaumaddivadeDeusouaprpriabondadedivina.Nodireito,agraaum ato de magnanimidade do poder que, pelo interesse pblico, pode revogar uma condenao.Cf.Dictionnairealphabtique et analogique de la langue franaisedeP.Robert,1970.12 Baldassare Castigliore, de formao humanista, tem sua obra publicada pela primeira vez no anode1528,emVeneza.13Cf.Burcke,Peter.As fortunas d O Corteso,ed.Unesp,1997,p.25.CortesiaingressanolatimnapassagemdosculoXIaosculoXII.InterMeio: revistadoProgramadePs-GraduaoemEducao,CampoGrande, MS, v. 14, n. 28, p. 12-37, jul.-dez./200818Em seu livro A Civilizao dos Costumes, Norbert Elias acompanha, aolongo do processo civilizatrio, a passagem do cavaleiro - o militar mundanoqueagecomoumleo,aocortesocortsegracioso,queagecomdisciplina e arte. Antdoto violncia guerreira, a boa educao, a mesura, asobriedade, a conteno - a graa - eliminam a rudeza, constituindo a urbanidade.Ao tratar do Ancien Regime, Taine escreve:... [os homens] atingem, ao mesmotempo, a extrema fraqueza e a extrema urbanidade. Quanto mais uma aristocraciase torna polida, mais ela se desarma14. O corteso perfeito constri a existnciacom obra de arte, selecionando o que louvvel, a exemplo de Zuxis ... queescolheu cinco jovens para delas fazer uma nica figura de excelentssima beleza15.Nesta linhagem, Castiglione transforma a vida de Corte em centro de um universomoral:... para ele a corte era to fundamental para a boa vida como a cidade-estado o era para Aristteles16.Com a sprezzatura, Castiglione amplia, modificando-a, a idia de boasmaneiras, revelando que a distino do homem de corte provm de certaindiferena diante de comportamentos que constrangiam o nobre no exerccio dopapeldecorteso,sendo,ento,depretioosentimentoaristocrticoporexcelncia,desprezo,antesdemaisnada,doignbil.Deslocandoanaturalidade da atitude nobre como propriedade inata, a nobreza do corteso- sua sprezzatura - no deve aparecer como resultado de esforo deliberado e detrabalho de si, mas requer ser incorporada em cada um, pois a distino dohomem de maneiras do fidalgo no deriva da aplicao de normas (s quais,deresto,todospodemteracesso),masdeinteriorizaodevaloresecomportamentos,oquepermitenolhesprestarateno.Porisso,umcomportamento naturalmente medido vem a ser um sinal de nobreza inata.Desfazer-se de afetao, realizar boas aes sem fadiga e quase sem pensar, velara arte de consegui-lo, eis a sprezzatura de que deriva a graa:[...] porque cada um sabe como as coisas raras e bem-feitas so difceiseafacilidadegeragrandicssimomaravilhamento,esforar-se,como14 Cf. LAncien Regime. In. Origines de laFrance Contemporaine, LAncien Regime, La Rvolution,ed Robert Laffont, 1986, p 125.No Antigo regime, a Igreja encaminha os nobres para a Cavalaria,visandoconteroucanalizaraviolncia,fixandoprazosduranteosquaisficaproibidaaguerraentre os bares, dirigindo o esprito blico para os inimigos da f crist - muulmanos ou pagosda Europa Oriental ou hereges do sul da Frana. Os torneios representam uma mmica guerreira,comavantagemdeasarmasseremartificiais.Todotipodeexcessoacontido.Cf.ELIAS,Norbert.LaCivilisationdesMoeurs.15CASTIGLIONE,Baldassare.LivrodoCortesoI,p.26.16STONES,L.Thecrisisofthearistocracy-1558-1641,Oxford,1965,p.400.InterMeio: revistadoProgramadePs-GraduaoemEducao,CampoGrande, MS, v. 14, n. 28, p. 12-37, jul.-dez./200819se diz, puxar pelos cabelos, fazer estimar pouco cada coisa, por maiorqueseja.Pode-sedizerqueaverdadeiraarteaquenopareceserarte; assim, no se deve aplicar-se em outra coisa seno em escond-la.Porque, se descoberta, retira o crdito de tudo e faz o homem ser poucoestimado17.A sprezzatura implica, pois, esconder o esforo, ostentar discretamentefacilidadeenaturalidade,comoaobra-de-artequedevedemonstrarespontaneidade18. No homem de corte, a afetao excesso de arte e vem aser um vcio, observado no sculo seguinte a Castiglione por La Rochefoucauld:... nunca se to ridculo pelas qualidades que se tem, que por aquelas queafetamos ter. Com efeito, a percepo da corte como cena da vida em pblicoviria a se extroverter na esfera pblica, atingindo, no Ancien Rgime, entre ossculos XVII e XVIII, um novo patamar.Reino das aparncias, sim, mas sem elas de nada vale a verdade ntima. Porisso a corte o microcosmo de observao dos costumes, onde nasce, assimdizer, a psicologia, reavivando a Retrica de Aristteles e o estudo das paixes, afim de tornar receptivo ao acolhimento o ouvinte de um discurso, independentedesuaveracidadeoufalsidade.Percepopungentedadiferenaentreoconhecimento e a vida, a Retrica permite enfatizar que a verdade questo deLgica, impotente, assim, diante dos caracteres e paixes. Eis a grande importncia,na constituio da esfera pblica, da ateno aos Caracteres - de Teofrasto e LaBruyre - quando se rene a plis clssica ao sculo dos reis. A esse respeitoRenato Janine Ribeiro anota:Teofrasto-discpulodeAristteles-investigouostiposmoraisemumaAtenasaindamarcadapelatradiorepublicanaequeportantopossuacomo lugar principal de encontro pblico a praa, a gora - e os Caracteresde La Bruyre, seu tradutor e comentador, que se voltam sobretudo para acondutanobreecortes,emborasemdescurardacidade.Emsuma,nostempos modernos, que hoje se tornaram Antigo regime, a vida espetculo- teatro, sonho -, e a corte a produo consciente, deliberada, in vitropoderamosdizer,dessaespetacularidade19.Antes de degradar-se em frmula de pouca eficcia, a etiqueta foi uma pequenatica, pois sua difuso - os manuais que recomendavam como se comportar mesa,como no beber de uma sopeira, no comer com as mos - no pretende a higiene e17CASTIGLIONE,Baldassare.O Livro do Corteso,p.26.18Cf.LAROCHEFOUCAULD. Mximas e reflexes.Trad.LedaRenriodaMotta.19Cf.AGlria.In.Os Sentidos da Paixo,ed.CiadasLetras,1987,p.109.InterMeio: revistadoProgramadePs-GraduaoemEducao,CampoGrande, MS, v. 14, n. 28, p. 12-37, jul.-dez./200820a sade, mas o respeito ao Outro, visando agrad-lo. Mximas e sentenas consistiamem orientao no infortnio ou na boa-sorte, no significavam formalismo ou frieza emsociedade, mas sim um modo de expressar os sentimentos; e, justamente porque ... aspaixes eram muito fortes, os homens convencionaram regras para no se ofenderemuns aos outros20. Com a etiqueta a sociedade aprende a comportar-se.O verbete Manire da Enciclopdia de Diderot e dAlembert esclarece que[...] as maneiras devem exprimir o respeito e a submisso dos inferiores aossuperiores, os testemunhos de humanidade e condescendncia dos superiorescomosinferiores,ossentimentosdebenevolnciaedeestimaentreosiguais. Elas regram seu mantenimento, elas os prescrevem s diversas ordens,aoscidadosdediferentesestratos.V-sequeasmaneiras,assimcomooscostumes,devemmudarsegundoasformasdegoverno[...].Nospasesdespticos, os testemunhos de humanidade e de condescendncia da partedos superiores reduzem-se a bem poucas coisas. [...]. Os superiores s afetampelos inferiores desprezo ou uma insuficiente piedade [...]. Nas democracias,nosgovernosemqueopoderlegislativoresidenocorpodanao,asmaneirasmarcambempoucoasrelaesdedependncia;[...]aliberdadese manifesta nas atitudes, nos traos e aes de cada cidado. Nas aristocraciasenospasesemquealiberdadepblicanomaisexiste,masondesedesfruta de liberdade civil [...] agrada-se pelo consentimento ou mesmo pelasvirtudes,easmaneirasso,assim,geralmentenobreseagradveis[...].Normalmente,nestespases,observa-seprimeiravistaumacertauniformidade,oscaracteresparecemassemelhar-se,porqueasdiferenasficam escondidas pelas maneiras [...]. Aqui as maneiras no apenas incomodama natureza, mas elas a transformam.Foi Alexis de Tocqueville quem analisou, em cerimoniais, a influncia da democraciana modificao das regras do savoir-vivre, indicando os laos entre cortesia, civilidade,etiqueta e polidez. O captulo Algumas reflexes sobre as maneiras americanas deDemocracia na Amrica considera-as como manifestao do estado social e poltico dasociedade, permitindo saber quando se vive sob leis de uma democracia ou de umaaristocracia. Pelo fato de os cerimoniais serem mais simples na democracia, Tocquevilleinterroga a nova forma de sociabilidade poltica e o estatuto das maneiras e a tendncia informalidade na Amrica republicana. De incio, Tocqueville reconhece, nisto, uma respostaao Antigo Regime, na vontade explcita, deliberada e permanente de abolir privilgios edesigualdades, suprimindo costumes e disputas da sociedade de Corte. Tocqueville, noentanto, no desconhece que os humanistas e os moralistas, protegidos contra os efeitosdeletrios da simulao e da dissimulao que a vida na corte implicava, preocupavam-se com as maneiras, isto , com o aperfeioamento de si.20RIBEIRO,RenatoJ,op.cit.,p.111.InterMeio: revistadoProgramadePs-GraduaoemEducao,CampoGrande, MS, v. 14, n. 28, p. 12-37, jul.-dez./200821No por acaso, e pela primeira vez na Europa, a partir de Lus XIII, na Franahouve a deciso poltica de criar academias, em seguida reformadas e novas fundadaspor Luiz XIV e Luiz XV, transferindo-se os cuidados com a educao de Versalhes aParis,centro,agora,daRepblicadasLetras,quandoacortepassouaviverestreitamente associada s Academias do rei. Nesta poca, mostra Marc Fumaroli, ogrand monde torna-se pblico e rbitro da grande reputao de que passa a desfrutaro livro, a lngua e a literatura francesa. Em contrapartida ao latim praticado nasuniversidades, Lus XIV promove a koin francesa com a lngua e literatura, enfticoem promover uma identidade coletiva compartilhada e valorizada por todos:Em Paris, como na Roma de Tito Lvio, o francs literrio e o francs daconversao,diferentementedoquesepassavanaItlia,eramumamesmalngua.Estalngua,interiorizara,porassimdizer,asexignciasretricas da urbanitas latina: clareza, preciso, delicadeza, naturalidade[...]. Viver nobremente, este modo aristocrtico de ser, cuja superioridadeforaestabelecidapelaAntigidadegrega,permaneceunaFrana,emtempos de paz, o nico ideal, apto a rivalizar com a vida contemplativado monge, o que supe [...] o atrativo da vida dos castelos e a companhiaurbana,eaprticadesinteressadadasdisciplinasdoespritotomadasdeemprstimoaeruditoseletrados.A skol dosgregos,ootiumdoslatinossooidealcomum,partilhadoporletradosefidalgos21.Se, sob Lus XIV, a lngua e a literatura francesa foram decretadas bens deutilidade pblica, por ser o francs, a igual ttulo que a lngua grega na Grciaclssica, fator de identidade coletiva e nacional, a transformar uma populao empovo, constituindo uma philia social, a individuao psquica e coletiva que sechamaria Nao: A Academia Francesa, criada em 1635, propriamente umainstituio da realeza visando engendrar um esprito nacional. Ela definiu a Nao,no fim do sculo XVII, em seu primeiro Dicionrio, como o conjunto dos habitantesdeumpaspartilhandoasmesmasleis,amesmalngua,valorescomuns,reconhecendo-se todos, nesses valores22.A partir da Revoluo Francesa, com o desaparecimento das hierarquiassociais fundadas na honra, com a passagem do Antigo Regime baseado em privilgiosprivatizantesparaademocracia,oestilodevidaeasmaneirasdacortesedemocratizam, na preocupao com respeito ao Outro:21Cf.FUMAROLI,Marc,op.cit.p.41e35.22Cf.STIEGLER,Bernard,LaTlcratiecontrelaDmocratie, ed.Flammarion,2006,p.72.InterMeio: revistadoProgramadePs-GraduaoemEducao,CampoGrande, MS, v. 14, n. 28, p. 12-37, jul.-dez./200822[...]peladistnciaedistinoqueelasinstauram,asmaneiraspodemreconheceraqualidadeouovalor,podemtambmlesarehumilhar,provocaramarguraedio.Tm,noobstante,porfuno,estabelecerformas de mediao, prevenir o contato direto dos corpos. Tentam impedira irrupo da imediatidade, da violncia e entendem assim proteger o euprofundo23.Ao distinguir maneiras democrticas e aristocrticas, Tocqueville indica que,no novo regime, os comportamentos no se pautam por nenhum modelo idealdado antecipadamente para a imitao de todos, acrescentando que ... estas coisasso fteis, mas a causa que as produz sria24. Neste sentido, Norbert Elias refere-se aos tratados de educao dos prncipes, aos manuais de civilidade, de etiqueta ede boas-maneiras voltados aos nobres e, mais tarde, aos burgueses, tratados queprocuravammodelareinfluenciartemperamentos,sentimentosecondutasinstitucionalmente valorizados, concorrendo para os processos de socializao. Nestehorizonte, a Repblica das Letras a quintessncia do Estado Cultural25, onde aUniversidade , por excelncia, instituio socializadora e civilizatria.A Universidade Moderna nasce do projeto dos enciclopedistas, da RevoluoFrancesa e do estabelecimento da educao nacional, iniciado por Condorcet, emuma poca democratizante que concebia a ampla formao do povo para quepudesse governar e decidir sobre todas as questes visando a liberdade e a felicidadena vida em comum dos homens, fazendo da cultura um bem compartilhado, umamemria comunicada como patrimnio coletivo, direito de todos na alternncia dasgeraes. Nas novas instituies do Saber fundadas pela Revoluo - as bibliotecaspblicas, os museus de Histria natural, das Artes e da Tcnica, assim como asnovas escolas primrias e as especializadas - o saber deveria circular como um livroaberto. Na Paris revolucionria e ps-revolucionria[...]oconhecimentodomundofoicanalizadoemnovosmodosdecirculaoerepresentadosimbolicamente.Osnovosmuseus,comsuasnovas formas de organizao e de exposio - a galeria dos quadros do23HAROCHE,C,Desformesetdesmaniresemdmocratie,In.Raisons Politiques,n.1,fvrierde2001,p.92.24Cf.opcit.,p.183.25MarcFumaroliconsideraaformaodacivilidadefrancesaapartirdadeciso,tantopolticaquantocultural,defortaleceraculturacomolaosdecoesosocialedephiliapoltica.Cf.QuandlEuropeparlaitfranais,ed.Fallois;LaDiplomatiedelEsprit,ed.Gallimard;LtatCulturel,ed.deFallois.InterMeio: revistadoProgramadePs-GraduaoemEducao,CampoGrande, MS, v. 14, n. 28, p. 12-37, jul.-dez./200823Louvre, o Museu de Histria Natural, o Conservatrio das Artes e Ofcios,o Museu dos Monumentos franceses - tornam-se os lugares da legibilidadedomundo26.A educao constitui-se como uma reflexo acerca das experincias histricas eexistenciais, legadas pelo tempo, visando a autonomia que , por isso, princpio regulador,fundamentado na Idia de humanidade e de sua destinao. O objetivo social daUniversidadeModernaeraproduzirculturaetransmiti-la,ambasasatividadesindissociveis do iderio de uma identidade nacional para o fortalecimento espiritual dademocracia. Lembre-se que desde a Grcia clssica, passando por Lutero, Igncio deLoyola, Condorcet at Jules Ferry, a alfabetizao e a educao nacional constituram aoperao poltica de maior envergadura por significarem - no caso da Frana e dospases que acompanharam os valores republicanos - a constituio de um povo queno seria mais apenas populao, por fortalecerem, assim, uma organizao democrtica,cosmopolita e universalizvel. Neste sentido Jacques Rancire observa:[...] a Repblica nascente [que se seguiu Revoluo Francesa] subscreve oprograma de refazer um tecido social homogneo que suceda, para alm dodilaceramentorevolucionrioedemocrtico,oantigotecidodamonarquiae da religio. Eis por que o entrelaamento da instruo e da educao lheessencial.Asfrasesqueintroduzemascrianasdaescolaprimrianouniverso da leitura e da escrita devem ser indissociveis das virtudes moraisque lhe determinam o uso [...]. O programa de Jules Ferry [em 1903] baseia-senaunidadedacinciaeunidadedavontadepopular.Identificandorepblica e democracia como uma ordem social e poltica indivisvel, JulesFerry reivindica, em nome de Condorcet e da Revoluo Francesa, um ensinoque seja homogneo em todo o pas, do mais alto grau ao mais elementar.De onde o desejo de suprimir as barreiras entre o primrio, o secundrio eoensinosuperior27.O Iluminismo e a Revoluo Francesa encontravam na educao o fortalecimentopoltico e espiritual da democracia, e foram exitosos em seu projeto civilizatrio porqueentendeu que a educao, a cultura e as artes eram um bem a que todos tinham26STIERLE,Karlhenz,LaCapitaledesSignes:ParisetsonDiscours,ed.MaisondesSciencesdelHomme,Paris,2001,p.3.Todasestasinstituiesdizemrespeitoaumamemriaorganizadaeparticipativa da escrita alfabtica como forma de troca simblica - o que se encontra em questonomomentoemqueasnovastecnologiasdacomunicaopromovemumadissociaoentreescritaelngua,porumlado,entredemocraciaprodutoradesocializao,desingularidades,subjetividadeseapseudo-participaodastecnologiasdecomunicaoquenoesto,ainda,voltadasparaatransindividuaodasorganizaespolticasesociais.SegundoBernardStiegler,as indstrias de programas, sobretudo,televisivas, impem ao meio associativo que a Internet- no relaes entre indivduos - investimentos relacionais dirigidos para a lgica das mercadorias,controlando, assim, as trocas simblicas, ou ainda, dessimbolizando, dissociando. (Cf. La Tlcratiecontre la Dmocratie, op.it).27Rancire,Jacques,La Haine de la Dmocratie,Paris:LaFabrique,2005,p.73.InterMeio: revistadoProgramadePs-GraduaoemEducao,CampoGrande, MS, v. 14, n. 28, p. 12-37, jul.-dez./200824igualmente direito, prevenindo que o miserabilismo institusse como poltica de Estado,nos moldes das polticas educacionais contemporneas vigentes, segundo as quais ... melhor dar pouco para muitos do que muito para poucos28. Entendeu que um povocomea a existir por suas necessidades espirituais.Eis por que a privatizao da educao, assim como de outros servios pblicosde cunho social, designa a renncia a essa tarefa e repassa do pblico ao privado asegurana no futuro do Povo. Em outras palavras:[...] os servios de sade, a rede de transporte, o correio, a educao, sosupostos operar na durao, seno na permanncia do tempo, pararesponder a necessidades sociais inscritas no tempo longo [...] O Estadotransfere ao mercado sua capacidade de assegurar o futuro dos cidados29.A Universidade regida por uma relao especfica com o tempo, em conflitocom a acelerao constante do mercado mundial e das revolues tecnolgicas queproduzem obsolescncia permanente. Alm disso, proscreve o tempo poltico dasdemocracias, que supem o agon - a disputa verbal - conflito, dissenso e memriapoltica, pois a democracia a possibilidade de aprimorar e pluralizar os pensamentos,o que ocorre ... quando os expomos publicamente para ver se concordam tambmcom o entendimento dos outros30.A acelerao do tempo produz um dficit simblico28 Trata-se de uma atitude radicalmente diversa das proposies do monoplio dos cursos pr-vestibular,quepretendemumnicoemesmovestibularemtodoopas.Osistemafrancsdecidiupelaidentidade coletiva e nacional por meio de valores comuns compartilhados pela qualidade de suasinstituiespblicasdeformao.OprojetocivilizatrionaFranafoiadecisodeconstituirumapopulao em povo mediante a educao pblica, laica e universal fundada na lngua, na literaturae nos saberes tcnicos. Ela estabeleceu e realizou a formao de todos com igual direito educaoecultura.RicosepobreslemHomeroeVirglionooriginalgregoelatinoporquedividemosmesmosbancosescolares.Nestesentido,oexamefinalprvioaoingressonaUniversidadenonecessitadecursinhosnemdetraining.Comoempresa,aeducaonopodesecomprometercomosvalorespblicos,poisnopodeestarexclusivamentevoltadaparaaconsolidaoecontinuidade da vida institucional a longo prazo, porque sofre diretamente as presses do mercado.A instituio do espao pblico no Iluminismo europeu, a diferenciao entre o pblico e o privadomarcava o limite ao poder do mercado sobre a educao, garantidor de autonomia com respeito sdeterminaes econmicas e materiais imediatas, onde o interesse comum se sobrepe ao interessedasinstituiesprivadas.Observe-se,aindaqueaUniversidadePblica,gratuitaedequalidadetemseusdiascontados,acomearpelocerceamentodaautonomiauniversitria,controledeseuoramentoeinviabilizaoprogressivadeseucrescimentoeodeseuquadrodocente,desuasedificaes,etc,comodesviodefinanciamento dasUniversidadesPblicasparaosetorcomercialeprivado,supostosubstitutodaeducaopblicaquerenunciaasuaprerrogativadegarantiremlongoprazoacoesoeducacional,intelectualeculturaldopas.29Cf.SANTISO,Javier,LenteurPolitiqueetvtesseconomique,In.ZAWADISKI,Paul(org.).Malaise dans la Temporalit, PublicationsdelaSorbonne,Paris,2002,p.124.30 KANT, I. Anthropologie du point de vue pragmantique, trad. A. Renaukt, Paris, ed. Darnier-Flammarion,1993,pargrafo53.InterMeio: revistadoProgramadePs-GraduaoemEducao,CampoGrande, MS, v. 14, n. 28, p. 12-37, jul.-dez./200825no mundo, pois a faculdade de simbolizao a da intersubjetividade e da cultura,aquilo que sanciona o passado e consolida o que digno de renome e fama. Nestesentido, indiciando o passado, a Universidade um documento histrico, traz para opresente o mundo que o gerou, e as esperanas do passado, tanto as realizadas quantos decepcionadas, auxiliam a ampliar e aprofundar os critrios de considerao dopresente. Se a escola olha para trs em um mundo que olha para frente porque setrata de a Universidade comunicar uma herana. Como escreveu Hannah Arendt: ... ,justamente, para preservar o que novo e revolucionrio em cada criana que a educaodeve ser conservadora31. Autrquica frente ao transitrio, a Universidade dilogoentre as geraes.A impermanncia das coisas humanas diz respeito sua fragilidade e ao desejode mant-las no tempo, e a Universidade participa do desafio de enfrent-las: ... oremdio original, pr-filosfico, que os gregos haviam encontrado para essa fragilidade,foi a fundao da plis32. Se a futilidade da vida mortal requer a memria, a plis seulugar preferencial, ela cria, a um s tempo, a democracia e a filosofia, pois ... a cidade j uma forma de memria organizada33. Oscilando entre o rumor da praa pblica ea escola - a skol grega, o espao para a liberdade do pensamento, distncia doatarefamento da vita activa e do tempo controlado por cronmetros - o dilogo filosficose faz a cu aberto e tambm na Academia. Lembre-se que o Ocidente foi porta-voz daAcademia fundada por Plato no sculo V a.C. Ela representou a criao de um espaode recolhimento com respeito cidade que a cercava; um lugar dedicado ao estudodos nmeros e das figuras geomtricas puras; afastada da agitao permanente dagora. Era uma reserva de autonomia, sem violncia, um refgio a que demagogos dopovo e os aparelhos repressivos da cidade no tinham acesso. Assim tambm ocorreuentre os sculos IX e XII na Europa Ocidental, com a criao das Universidades, cujoncleo de origem foi teolgico, mas seus intelectuais foram clrigos bons cristos,mas que davam mais preferncia aos escritos do pago Virglio que ao Eclesiastes, maisa Plato que a Santo Agostinho. Plato e Virglio esto repletos de ensinamentos moraise cientficos. Se verdade que o mesmo pode ser dito do Gnesis - obra de cincianatural e cosmologia - o que distingue as fontes a atitude frente ao conhecimento, aincorporao do saber grego e rabe cultura crist. Para isso, os centros universitriosdurante sculos atraam intelectuais de todas as naes religiosas, ordens e procedncias31Cf.LaCrisedelducation.InLa Crise de la Culure, edGallimard,1989,p.247.32ARENDT,Hannah,Condition de lHomme moderne, p.221.33Idem,p.222.InterMeio: revistadoProgramadePs-GraduaoemEducao,CampoGrande, MS, v. 14, n. 28, p. 12-37, jul.-dez./200826geogrficas, eram centros de convivncia internacional. Os primeiros intelectuais foramaqueles cujo trabalho era estudar e ensinar: ... a primeira grande figura do intelectualmoderno, nos limites da modernidade do sculo XII foi Abelardo, o primeiro professor[...], ele acredita no valor ontolgico de seu instrumento: o Verbo34. A Universidade tema inteligncia como arma eficaz, a nica que pode conduzir s verdadeiras vitrias eque permite ingressar pouco a pouco nos mistrios de Deus. Desde o incio, a dvidacomo mtodo: ... ns nos dirigimos para a pesquisa duvidando, e pela pesquisapercebemos a verdade, escrevia Abelardo em seu livro Sim e No, onde confrontapassagens discordantes das Escrituras, para reduzir seu desacordo35. Ensinava-se nasUniversidades o saber greco-rabe, cuja traduo para o latim possibilitou a revoluocultural daquela poca. Foram leitura e traduo para o latim o que permitiu a assimilaodessa cultura espiritual pelos intelectuais do Ocidente. Foi o rei castelhano Don AfonsoX, El Sabio quem, nos anos 1250 auspiciou a Escola de Tradutores de Toledo, onde ogrego, o latim, o rabe e o hebraico permeavam-se, como escreveu Haroldo de Campos,... em um confraterno e seminal movimento translatcio36. As dimenses ticas epolticas da Universidade - em livros e tradues - consistiram em ter promovido umespao convivial no-excludente, transcultural e plural.A extraterritorialidade com respeito ao poder o acontecimento maior da histriadas idias da Europa, que permitiu a transmisso das grandes obras e dos grandesautores, no sentido que lhes confere o historiador Jakob Burckhardt. Grandes so squilo,Fdias, Plato, Plotino, Rafael, Galileu, Kepler, mas no os grandes navegadores porque... a Amrica poderia ser descoberta mesmo se Colombo tivesse morrido recm-nascido.Mas A Transfigurao no teria sido pintada se Rafael no o tivesse feito37". Grandesso aqueles sem os quais o mundo seria incompleto.H nas obras de arte e de pensamento desejo de imortalidade e garantia dedurao. Neste sentido, Hannah Arendt refere-se tradio grega e romana que valorizavaa velhice como apogeu da vida, no somente em razo da sabedoria e experinciaacumuladas, mas por sua maior proximidade aos ancestrais e ao passado:34Cf.LEGOFF,Jacques,OsIntelectuaisnaIdadeMdia,ed.Brasiliense,1989,p.39-47.35 Cf. LE GOFF, J., LeTemps des Cathdrales: lart et la socit980 -1420, ed. Gallimard, 1976, p.141e ss.36HaroldodeCampos,DeBabelaPentecostes:umautopiaconcreta,In.FABRINI,Regina(org.)Interpretao.SoPaulo:Louise,1998.37Cf.ReflexessobreaHistria,RiodeJaneiro:Zahar,1961,p.203.Dentreosnavegadores,Colombogrande,masapenasporquenohesitou,comosgrandesdeseutempo,assumirateoriadaformaredondadaTerra.InterMeio: revistadoProgramadePs-GraduaoemEducao,CampoGrande, MS, v. 14, n. 28, p. 12-37, jul.-dez./200827[...] a essncia prpria do esprito romano [...] era a de considerar o passado[...] como modelo e, em todos os casos, os ancestrais como exemplos vivosparaseusdescendentes.Chegavamesmoaacreditarquetodaagrandezaresidia no que j foi, que a velhice assim o pice da vida de um homem eque sendo j quase um ancestral, o idoso deve servir de modelo aos vivos38.Sua exemplaridade comunicava-se aos descendentes, da mesma forma que oprofessor,aomostrarocaminhodasabedoria,compartilhavasuaexperincia,prodigalizavaconselhos,indicavamodelosaosquaisseconformar,transmitiaconhecimentos. Foi Ccero quem no sculo I a. C criou a palavra humanitas para falardo povo romano que alcanara sua identidade mediante o cultivo da literatura e dafilosofia grega, tornando-se por meio delas... fino, morigerado e humanus. Humanismoe valores morais reuniam, assim, ... aquele misto de erudio e urbanidade que spodemos circunscrever, como observa Panofsky, ... com a palavra to desacreditada:Cultura39.Esse iderio - que assegurou dignidade s Cincias do Esprito por meio daUniversidade moderna e que se ligava ao projeto de realizao de uma identidadecultural da nao - no mais se encontra protegido, pois a Universidade Cultural foisubstituda pela Universidade de Excelncia, sem que se atribua a esta um contedocultural - o que se deveu, em grande medida, privatizao da educao, sob oargumento que em uma democracia deve existir o direito de escolha e conviver opblico e o privado. Ocorre que esta convivncia desestabiliza o sistema pblico deensino, em particular o universitrio, o que, de fato, beneficia o ensino privado:[...] o modelo privatista de organizao e gesto que vem sendo implantadojhmuitotempo,sobpretextodaeficinciaedaprodutividade,tendeadissolver a diferena entre instituio pblica e organizao privada [...]. Odesequilbrio gerado pela imposio do modelo privatista da relao custo/benefcioedaeficinciarefletidanosresultadosimediatosdesmentenaprtica o princpio democrtico da convivncia entre o pblico e o privado40.Porisso,asprpriashumanidadesoscilamentreprestaodeserviosaoconsumidor e a prtica da pesquisa que atua, esta, como valor de troca, como atraode investimentos das agncias financiadoras. O mercado torna-se o nico critrio detransformao dos programas educacionais e, por isso, de comportamentos intelectuais.nacontramodahegemoniadomercadoque,naUniversidadePblica,...o38Idem,ibidem.39Cf.O Significado das Artes Visuais, ed.Perspectiva,1976,p.20.40 SILVA, Franklin Leopoldo, A Perda da Experincia da Formao na Universidade Contempornea.InRevista Tempo Social, vol3,n1,2001,p.36.InterMeio: revistadoProgramadePs-GraduaoemEducao,CampoGrande, MS, v. 14, n. 28, p. 12-37, jul.-dez./200828pensamento trabalho no produtivo, no deve procurar ser econmico, ele se inscrevemelhor na economia do desperdcio do que naquela restrita do clculo41.Tanto as Cincias quanto as Humanidades se desenvolveram a partir da literaturae da filosofia. Estas se encontram duradouramente vinculadas s suas origens de laosocial. Que se pense na Academia platnica e no Liceu aristotlico, prottipos dasUniversidades, apogeu do espao de individuao e de cidadania poltica. A educao portadora da philia, do lao de afeio, ternura, admirao, sublimao e convivncia:... sem philia no h futuro poltico, isto , paz social. Nesta proximidade convivialcultiva-se[...] o savoir-faire e o savoir-vivre, a educao conseguindo, a partir destessaberes, formas de superego e de sublimao que os gregos denominavamdemos[...].Pornatureza,omercadonopodeproduzirnenhumtipodephiliaporqueseusobjetosso,porprincpio,calculveisesempredescartveis,enquantoqueosobjetosdephilia[nemvalordeuso,nemvalor de troca, mas valores de puro afeto] e por isso, no tm preo algum42.A costura simblica entre o passado e o presente, entre as diversas idades davida (a cultura como eixo de pesquisa, produo e irradiao de saberes), corresponde Universidade da Cultura, a das relaes sociais e de Phylia nacional, que est sendosubstituda pela Universidade do conhecimento ou da excelncia, pelas tecnologiasde informao e comunicao, a formao pela performance, o sentido dos saberespelo know-how tcnico, produzindo incivilidade: ... a economia de mercado evoluipara uma sociedade de mercado, para o desenvolvimento da sociedade da informao.Sociedade de mercado , por isso, a da dissociao43". Neste sentido, o enfraquecimentodo prestgio nacional e da idia de constituir-se um povo - esse amor da nao por elamesma - regride. Neste sentido, todas as formas de integrismo e comunitarismo, deidentidades e discriminaes positivas inscrevem-se no desaparecimento da philiapoltica, vindo a seruma erstaz de philia que tenta dissimular o desamor polticotransferindo a philia para fantasmas comunitrios, portadores de graves conflitos eregresses [tnicas] e xenfobas44.No horizonte da cultura de informao, a Universidade tende a se converter emprestadora de servios, o que no sem conseqncia para a vida social:41Cf.Readings Bill, Universidade sem Cultura?,RiodeJaneiro:UERJ,2002,p.80.42STIEGLER,Bernard,LaTlcratiecontrelaDmocratie,Paris:Flammarion,2006,p.16-110.43STIGLER,B,op.cit.,p.88.44STIEGLER,B.,opcit.p.70.InterMeio: revistadoProgramadePs-GraduaoemEducao,CampoGrande, MS, v. 14, n. 28, p. 12-37, jul.-dez./200829[...] o capitalismo de servios generaliza um processo de proletarizao emque os produtores perdem seu savoir-faire, enquanto os consumidores perdemseu savoir-vivre - e, por isso mesmo, a vida perde seu sabor, se verdadeque os saberes so o que - enquanto saperes, torna o mundo saboroso, e omundo s o com a condio de ter sabor, o que supe um saber-estar-no-mundo,oquejustamentesedenominasaber-viver e,atmesmo,arte-de-viverequeemseuconjuntoformaumacivilidade,umapolitesse45,umafelicidade, umaalegria de viver.Etimologicamente[...] a palavra sabor (sapor) est ligada a sbio (sapiens) [...]. Nas tribos primitivasinvestia-se um homem com a autoridade de provar as plantas para selecion-las para o consumo alimentar. Esse homem era o sapiens, o sbio. De ondeseconcluiqueosbionooerudito,esimohomemqueentendedesabores[...].Essamodalidadeprimitivadesaber,ainiciaonassutilezasevanescentesdosabor,preparaamentedoiniciadoparaasespeculaescosmolgicaseteolgicasporondecomeatodacincia46.O homem culto, educado, aquele que assimilou as conquistas espirituais emateriais de tal forma que as regras da boa convivncia se expressam de acordo comuma tica do comportamento, tica que autogoverno dos afetos e o que afasta todaviolncia. Desenvolver, enfim, as boas-maneiras era uma das caractersticas do savoir-faire e do bem viver.Em seu ensaio Dos riscos que se corre nas Cincias Sociais, Gabriel Cohntraduz o sentido deste savoir-faire para o registro da Universidade, chamando a atenopara o que a caracteriza nos moldes humanista e iluminista, a formao universitriaque deve conter mtodo no conhecimento e exerccio ldico ou tomando de emprstimoas palavras de Pascal, esprit gometrique et esprit de finesse:Rigorefinura:semoconcursodeambasnohcomobemformularosproblemas,nemcomoorientar-senasintrincadasviasdesuasoluo.Trabalharbemcomambasessasdimensesumdosmaioresdesafiosdaformaouniversitria[...].Poisapreocupaodejuntarorigorcomafinura que mais nitidamente separa a formao do adestramento especializado,do training. Os modelos europeus do incio do sculo XX que inspiraram aUSP na fase de sua implantao (basicamente o francs e o alemo, com oprimeiroincidindomaisnashumanaseosegundonasexatas)contemplavam a questo da formao. O modelo norte-americano, que aospoucosfoi-seinstalandoevaisetornandohegemnico,temcomofocoaidiadotraining.[Trata-se]deenfrentarafundoaquestodaarticulao45Cf.STIEGLER,B.,Ars Industrialis,Paris:Flammarion,2006,p.45.46KUJAWSKI,O Sabor da Vida,p.244.InterMeio: revistadoProgramadePs-GraduaoemEducao,CampoGrande, MS, v. 14, n. 28, p. 12-37, jul.-dez./200830entre rigor e finura [...], a questo, enfim, de como converter a universidadenoambientemaispropcioaoaprendizadoeaoexercciodeformasdeintelignciacapazesdeassociarasmaisseverasexignciasdaatividadeanalticacomacapacidadedeperceberrelaesfinasqueescapemdasmalhas dos mais poderosos esquemas formais [...] a inteligncia bem adestradamas que s se aventura em terreno j demarcado e arado e teme o que nodomina , no sentido literal do termo, idiota47.Proveniente do grego, idiotes significa algum que se educa e se forma emseparado, que solitrio, simples, particular e, por extenso semntica, pessoa desprovidade inteligncia e de razo:[...] qualquer pessoa idiota a partir do momento que s existe em si mesma,incapaz de aparecer de um modo diferente do que aquele em que se encontrae tal qual : incapaz, pois, e em primeiro lugar, de refletir-se [...] de duplicar-se sem tornar-se logo um outro [...], um ser unilateral cujo complemento emespelhonoexiste48.Essa impossibilidade de estabelecer relaes justamente aquilo de que Adornotrata, quando lembra o exame final de filosofia pelo qual deveriam passar todos osestudantes na rea de Humanidades da Universidade de Hessen. Um deles declara aAdorno interessar-se pela filosofia de Bergson, e Adorno pergunta-lhe ento que laosele poderia estabelecer entre o filsofo do lan vital e a pintura impressionista. Dadoo espanto absoluto do estudante, Adorno desiste da questo e lhe pede ento que fales de Bergson. A perda do sentido e das relaes finas que se estabelecem entre ascoisas processo de proletarizao no conhecimento, puro know-how, acompanhandoa mesma lgica do trabalho do proletrio: o produtor que - perdendo seu savoir-faireque passa mquina - se torna pura fora de trabalho. Proletarizao no conhecimentosignifica, pois, perda do sentido do saber. Quanto ao consumidor, ele perde seu savoir-vivre, os indivduos consumindo o que no necessitam e necessitando o que noconsomem, reduzindo-se condio de poder aquisitivo.Neste sentido, a Universidade e a Educao em geral perdem o sentido daexperincia e resultam no empobrecimento cognitivo, em aumento de informao eem desestima do saber. o que diz Bento Prado Jr. acerca da pobreza intelectual e daescalada da insignificncia, a leitura e na escrita universitria contempornea, que sedetectam no declnio do gnero literrio e filosfico ensaio que Montaigne, Camus,Sartre, Cioran, Merleau-Ponty, Adorno, Benjamin e ele prprio praticavam:47p.43e46.48ROSSET,Clment,Le Rel:Trait de lidiotie,Paris:Minuit,2003,p.42-43.InterMeio: revistadoProgramadePs-GraduaoemEducao,CampoGrande, MS, v. 14, n. 28, p. 12-37, jul.-dez./200831[...] o ensaio se situa entre o conceito e a intuio potica, privilegiando suafuno mediadora [...], sem a qual o conceito vazio e a intuio cega [...].Entre filosofia e literatura, trata-se de recuperar o poder de verdade da literatura[...]ededevolverfilosofiaumalinguagemvivaqueelaperdeuemsuaproduo/reproduo intramuros nas instituies escolsticas [...]. [O ensaio]foi substitudo pelo gnero trash do paper, inventado pela universidadenorte-americana(segundoolemapublishorperish)emultiplicadopelaindstriadoscongressosnomundoglobalizado49.O criticismo significa, no ensaio como forma filosfica, a liberao daquilo queKantdenominavaSchulphilosophie-afilosofiaescolar-trazendodevoltaadisponibilidade ao pensamento, as dvidas, as hesitaes e as contradies, isto , aliberdade, no sentido contrrio escolarizao da filosofia, que indissocivel, esta, desua tecnificao. Como observa Bento Prado Jr: ... o interesse propriamente filosficodas tcnicas conceituais no est justamente em seus limites, como insistia Plato naCarta VII e Wittgenstein em todos os seus escritos50?A Universidade o espao em que se exerce a livre faculdade de julgar, onde sefazem experincias de pensamento e de conscincia. A raiz per de experincia estpresente em peritus, quem teve experincia de, quem hbil em algo, o experto;encontra-se tambm em periculum que, de incio, significava ensaio e prova e, depois,risco. Per e peiro reaparecem tambm em portus (porto e porta). Portus em latim e oporus grego significam a sada que se encontra ao caminhar pelas montanhas. passagem.O caminho que leva ao porto opportunus. Ortega y Gasset escreve:Operigosononecessariamentemaleadverso,aocontrrio,podeserbenficoefeliz[...].Oradicalperdepericulum omesmoqueanimaapalavra experimentar, ex-perincia, ex-perto, perito [...]. O sentido originriodo vocbulo experincia ter passado por perigos51.Em alemo experincia Erfahrung, cuja raiz fahr- que, no antigo alemo,significava atravessar uma regio durante uma viagem quando no havia mapas deorientao. Era a incurso em territrio desconhecido, era viajar por terras ignotas, sem guiaprvio - o hods sem o mthodos. O caminho sem rumo definido, sem meta, possibilidadede descaminho e extravio. Para descobrir qual o caminho entre os incontveis que se devetomar, h que ensaiar, provar. Note-se, pois, que o prefixo ex opera uma mudana noconceito de perigo, pois este aquilo sem o qual a experincia no se d.Esta requer, naacademia, os rigores do more geomtrico, mas tambm o essai, a tentativa, o ensaio como49PRADOJR.,Bento.PrefcioaSartre,Situaes I, trad.CristinaPrado,ed.Cosac&Naify,2005.50Cf.ApresentaoaolivrodeJeanneMarieGagnebin,Lembrar, Escrever, Esquecer, ed.34,2006,orelha.51Cf.ObrasCompletas,VII,p.188.InterMeio: revistadoProgramadePs-GraduaoemEducao,CampoGrande, MS, v. 14, n. 28, p. 12-37, jul.-dez./200832contrapartida da ordem autorizada e consagrada. Com efeito, o que Montaigne diz da leitura,vale para o exerccio do pensamento que nunca chega a um termo definitivo. Eis por queo filsofo dizia no ler livros, mas que os folheava sem ordem e sem objetivo preciso, pices dcousues, aleatoriamente, atento menos ordem das razes e mais desordemvivida e vital de teses e de possibilidade de refutao. Montaigne no deixa de acrescentarque a leitura uma forma de felicidade e deve ser feita com prazer e por curiosidade. Essaexperincia atomista no estudo indica um pensamento in progress, fazendo-se, no pordisjuno, mas por acrscimo e incluso. Trata-se de um saber cumulativo, ou melhor, quese acrescenta e transforma, no extremo oposto do especialista, ou melhor, do expert. Estafigura delineia-se no treinamento das formas analticas da inteligncia; inteligncia que sev despojada de sua conotao prpria de interligar, de pr em relao, s relacionandoo mesmo com o mesmo, perdendo a relao entre meios e fins. A esta circunstncia Weber,antes de Adorno e Horkheimer, denominou razo instrumental que se constitui emcientificismo, isto , de adeso acrtica cincia e suas prticas, adeso idia de progressolinear e contnuo, ao redimensionamento da racionalidade em sentido tecnolgico (o queabrange a economia e a poltica), ao abandono do ideal de reflexo, contemplao eliberdadede pensamento e, por fim, exaltao do mercado como sucedneo da busca dafelicidade. Como observou Horkheimer: ... as foras econmicas adquirem o carter depoderes naturais cegos que o homem, a fim de poder preservar-se a si mesmo, devedominar, ajustando-se a elas52.A educao adaptada s contingncias do mercado de trabalho coincide com apassagem da Universidade Cultural Universidade do Conhecimento ou da Excelncia - ados experts - e dissolve a experincia da cultura geral na noo de cultura comum, acultura mdia, de estilo miditico, aquela adaptada sociedade de massa e que ... tempor finalidade essencial preparar os jovens para entrar no mundo tal qual ele 53. Ementrevista Tlrama, Tzvetan Todorov diz:[...] h algum tempo que, na escola, parou-se de refletir sobre o sentido dostextosesepassouaestudarpreferencialmenteosconceitosemtodosdeanlise[...].Estouconvencidodeque,paraacedergrandeliteratura,deve-se primeiro aprender a amar a leitura [...]. Os fins da leitura de textosliterrios so os de melhor compreender o sentido deles e, por meio deles, oquenosdizemdaprpriacondiohumana54.QuesepensenoestabelecimentodoscursosdeLnguaeLiteraturanasUniversidades Brasileiras, ou melhor, na separao de ambas, constituindo-se uma cincia52HORKHEIMER,M.EclipsedaRazo,ed.Labor,1976,p.108.53 DUBET, F. M. LHypocrisie scolaire. Pour un collge enfin dmocratique?, Paris: Seuil, 2000, p. 178.54Cf.LeituraeLeitores,apudJorgeColi,CadernoMais,n.777,p.2.InterMeio: revistadoProgramadePs-GraduaoemEducao,CampoGrande, MS, v. 14, n. 28, p. 12-37, jul.-dez./200833lingstica, uma analtica da linguagem e no uma associao entre lngua e literatura.A Lei de Diretrizes e Bases do MEC assim define o ensino da lngua e literatura brasileiras.Estabelece que a lngua portuguesa ser considerada como ... um instrumento decomunicao, acesso ao conhecimento e acesso cidadania (artigo 36, pargrafo 1).Fica a cargo das escolas ensinar ou no um pouco de literatura. Recorde-se que a lngualiterria como troca simblica forma a civilidade pela socializao participativa daescrita alfabtica; por pratic-la que se transforma a relao com a lngua, que se tornalogos, e o cidado se torna sujeito de direito - pois uma coisa ter acesso lngua oral- aquela que se fala sem e antes de se conhecer as regras da gramtica - outra coisa dominar uma lngua, pois aqui se exige tempo e leitura - o que, de acordo com asconsideraes de Peter Sloterdijk, consiste, para aqueles que cedem simples oralidade, compresso do tempo e a sua acelerao, em uma das piores provaes. A leituraatenta equivale tortura chinesa na qual a lentido a alma da crueldade:[...] para os modernizadores, o mundo deveria ser construdo de tal forma aquetodasassituaespossveispudessemserformuladasemumBasicEnglish-umprincpioquefuncionaperfeitamenteemaeroportoseemreuniesdeconselhosempresariaiseporquenoemoutrassituaes?queasprticasculturaismaisdesenvolvidaslhesoresistentes.precisodias inteiros para ler o Fausto. Uma obra como Guerra e Pazmobiliza o leitordurante vrias semanas e quem quer que deseje se familiarizar com as sonataspara piano de Beethoven e os quartetos de corda do Reno deve consagrar-lhesmuitosmeses55.O Basic English, a lngua instrumental da comunicao, tomado, por suahegemonia no mundo contemporneo, como modelo para o ensino de todas as lnguas- o que no permite dominar uma lngua, pois isto exige esforo de ateno ecompreenso do relevo das palavras na lngua literria. Assim, o portugus bsicoparticipa da frmula contempornea da educao, quando se abandona o ensino dalngua a partir de sua literatura, na separao entre lngua e literatura, com a proliferaode disciplinas lingsticas antiliterrias. A literatura foi substituda nos currculos escolarese universitrios pela frmula -comunicao e expresso. Esta, como observa LeylaPerrone-Moyss56, traz consigo a idia banalizadora de - dilogo entre indivduos -,grupos, professor-aluno, etc, reduzindo-se a - norma padro da lngua - a simples -interesse de uma elite -, preocupada em legitimar seu poder poltico e econmico.Note-se que o crescimento do analfabetismo secundrio herdeiro direto da difuso de55Cf.Le Palais de Cristal: lintrieur du capitalisme plantarie,trad.OlivierMannoni,edMarenSelll,p.372-373,2006.56 Cf. PERRONE-MOISES, Leyla, Literatura para Todos. In. Revista Literatura e Sociedade, n. 9, 2006.InterMeio: revistadoProgramadePs-GraduaoemEducao,CampoGrande, MS, v. 14, n. 28, p. 12-37, jul.-dez./200834um ensino medocre da lngua sem literatura, de modo a que elaboraes presumivelmentecomplexas no chegam a ser compreendidas. Quanto desregulamentao da lngua ede suas normas pblicas comuns a todos, ela se faz, em particular pelo iderio da scio-lingstica - para a qual - o errado certo - porque corresponderia a expresses prpriasa cada grupo e que devem desautorizar a lngua - autorizada - que vista apenas comovontade de poder. Atitude coerente, de fato, com a qualidade do portugus falado eescrito no Brasil, uma vez que, sendo a - norma culta - discriminatria e o falar incorretolegtimo, a escola fica sem funo claramente definida.A tendncia ao desaparecimento da literatura como lao social corresponde stransformaes da lngua, de seu papel e funo no capitalismo contemporneo. Naimpossibilidade de discernimento de valores - entre o verdadeiro e o falso, o bem e omal, o bom-gosto e o mau-gosto - a literatura no mais considerada elaborao literria,do pensamento e da sensibilidade, no mais arte, mas - expresso -de gnero, deetnia, de classe, de uma poca. A lngua fica assim constrangida acelerao dasinformaes e ao aprendizado na forma da distrao e do entretenimento. O capitalismocontemporneo no aceita o longo prazo, em funo das taxas de amortizao rpidarequeridas pelo capital investido. Em uma democracia, ... o nvel de vida social no semede pela quantidade de protenas consumidas [...]. A elevao do nvel de vida ,antes de mais nada, a elevao da vida do seu esprito57.Freud, em seu livro A psicologia das Massas e a Anlise do Eu, reflete sobre oempobrecimento da capacidade de sublimao. Assim, tambm, o capitalismo pulsionalcontemporneo significa rebaixamento do rendimento intelectual, abandono dasprticas de transformao do impulso em desejo, em particular aquelas favorecidaspelas disciplinas formadoras. Deste ponto de vista[...]sobaexignciadamodernizaodosaber,daadaptaoarealidadessociaisnovas,seproduzumsaberespecializadoeestreito,rapidamenteultrapassadoesemutilidade.Produz-senopensamentoumaperdadeinteligibilidade,umaperdadesentido,umaespecializaosemfinalidadeourazo,umailegibilidade[...].Oindivduocontemporneoquerserinformadoenoeducado[...],eletendencialmenteineducvel[...];umacoisa pedir educao, outra ser capaz de receb-la58.O que se recebe entra de imediato em processo de avaliao, em uma cultura daavaliao que visa um controle administrativo crescente da vida institucional e profissional.57STIEGLER,B.,Renchanter leMonde, op.citp.170.58 HAROCHE, Claudine, L. Appauvrissement de l espace intrieur dans 1 individualisme contemporain.InRevueVariations.LaThoriecritiquye.HritagesHrtiques,2005.InterMeio: revistadoProgramadePs-GraduaoemEducao,CampoGrande, MS, v. 14, n. 28, p. 12-37, jul.-dez./200835A Escola e a Universidade so instituies que instituem, que instauram, umaordem comum de valores e saberes cujo intermedirio o professor. No por acaso, oespao pblico democrtico que nasce a partir da consolidao dos valores da RevoluoFrancesa, denominou o professor de instituteur, o instituidor, que no apenas umrepresentante do Estado, mas, antes de tudo, da Repblica e, por isso, do povo - razopela qual este pedagogo um funcionrio pblico. Ele institui formas de sociabilidadee de produes simblicas que promovem a elevao do estudante - que em francsse diz lve e no aluno. Etimologicamente aluno significa sem lume, semluz, em estado de passividade no conhecimento, do qual no se apropria efetivamente,fazendo dele um modo de vida. J lve elevao, o prprio da educao, poiseleva o aluno e sublima o povo. Este processo de elevao vem do fato de se daracesso por meio de artifcios quilo que espontaneamente e isoladamente cada umno pode obter e que preciso adotar. Na educao e por meio dela, diferenciam-seo eu e o ideal do Eu, pela qual formam-se um povo e uma coletividade, comoideal de uma populao. essa a razo principal de a Grcia antiga - ptria da polticae da democracia - ter institudo a cidadania por intermdio do grammatists - do mestredas letras, a escola tendo-se tornado uma matriz identificatria, uma forma de philia,a philia poltica que a cidade. Por isso ela deve ser pblica, dever do Estado, encargoda cidade.RefernciasALBERTI, L. B. I Libri della famiglia. Firenze: G. Mancini, 1908.ARENDT, Hannah. La Crise de l ducation. In. La Crise de la Culture. Frana: Gallimard,1989.______. Condition de lHomme moderne. Paris: Gallimard, 2002.BIGNOTTO, Newton. Origens do Republicanismo Moderno. 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