45-artigo_responsabilidade_trabalhista_estado.pdf

8
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELOS DÉBITOS TRABALHISTAS DAS EMPRESAS POR ELE CONTRATADAS. ADC Nº 16/2010 X SÚMULA 331 DO TST. Matheus Carvalho Procurador da Fazenda Nacional Professor do curso COMPLEXO DE ENSINO RENATO SARAIVA INTRODUÇÃO: O presente trabalho visa analisar a nova redação conferida à Súmula 331 do TST, após a declaração formal de constitucionalidade do artigo 71, §1º da lei 8666/93, afastando a responsabilidade do estado pelos débitos trabalhistas das empresas contratadas para prestar serviços ao ente público. Ocorre que, antes de discutirmos a solução tomada pelo pleno do Tribunal Superior do Trabalho, se faz necessárias algumas considerações acerca da responsabilidade civil do estado, bem como das relações contratuais da fazenda pública. DO PODER DEVER DE FISCALIZAÇÃO DO CONTRATO ADMINISTRATIVO: Os contratos administrativos são aqueles que a Administração celebra sob o regime público, com todas as prerrogativas inerentes à condição de Estado. São regidos pela Lei 8666/93, que estipula suas normas gerais. Neste sentido, o artigo 58 da mencionada lei estipula as chamadas cláusulas exorbitantes, implícitas em todos os contratos administrativos, não dependendo de previsão expressa na avença.

Transcript of 45-artigo_responsabilidade_trabalhista_estado.pdf

  • RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELOS DBITOS TRABALHISTAS

    DAS EMPRESAS POR ELE CONTRATADAS.

    ADC N 16/2010 X SMULA 331 DO TST.

    Matheus Carvalho

    Procurador da Fazenda Nacional

    Professor do curso COMPLEXO DE ENSINO

    RENATO SARAIVA

    INTRODUO:

    O presente trabalho visa analisar a nova redao conferida Smula 331 do TST, aps a

    declarao formal de constitucionalidade do artigo 71, 1 da lei 8666/93, afastando a

    responsabilidade do estado pelos dbitos trabalhistas das empresas contratadas para prestar

    servios ao ente pblico.

    Ocorre que, antes de discutirmos a soluo tomada pelo pleno do Tribunal Superior do

    Trabalho, se faz necessrias algumas consideraes acerca da responsabilidade civil do

    estado, bem como das relaes contratuais da fazenda pblica.

    DO PODER DEVER DE FISCALIZAO DO CONTRATO ADMINISTRATIVO:

    Os contratos administrativos so aqueles que a Administrao celebra sob o regime

    pblico, com todas as prerrogativas inerentes condio de Estado. So regidos pela Lei

    8666/93, que estipula suas normas gerais. Neste sentido, o artigo 58 da mencionada lei

    estipula as chamadas clusulas exorbitantes, implcitas em todos os contratos

    administrativos, no dependendo de previso expressa na avena.

  • Celso Antnio Bandeira de Mello, sobre o tema, explicita que as prerrogativas da

    Administrao no chamado contrato administrativo so reputadas existentes por fora de

    ordenao legal ou das clusulas exorbitantes da avena. Evidentemente, sua exorbitnia

    ocorre em relao do Direito Privado e consiste em abrigar disposies nele inadmissveis

    ou incomuns. MELLO, Celso Antnio Bandeira de, 26 ed., ed. Malheiros.

    De fato, todos os contratos celebrados pelo estado, sob o regime pblico, gozam de

    prerrogativas decorrentes destas clusulas exorbitantes, em decorrncia da supremacia do

    interesse pblico sobre o interesse privado.

    Entre estas prerrogativas se encontra o poder que goza o ente pblico de fiscalizao do

    objeto contratual. Em verdade, trata-se de verdadeiro poder-dever da administrao pblica,

    haja vista que comprovada a ausncia de fiscalizao, o Estado poder responder por

    omisso, por eventuais danos causados pela empresa.

    A professora e doutrinadora Fernanda Marinela, acerca da fiscalizao do contrato dispe

    que a fiscalizao o poder-dever da administrao de fiscalizar efetivamente a execuo

    do contrato administrativo e est previsto no art. 67 da mencionada lei, ao exigir que a

    execuo do contrato seja acompanhada e fiscalizada por um representante da

    Administrao especialmente designado, sendo permitida a contratao de terceiros para

    assisti-la e subsidi-la de informaes pertinentes a essa atribuio. MARINELA,

    Fernanda, 5, ed. Ed. mpetus, 2011.

    DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSO:

    Por seu turno, a maioria da doutrina entende que a conduta omissiva do ente estatal gera

    responsabilidade civil. Com efeito, a falta de atuao do Estado no geraria

    responsabilidade objetiva, pura e simples, respondendo, nestes casos, desde que fique

    comprovada a m prestao do servio ou prestao ineficiente de sua atividade.

    Ressalte-se que a Responsabilidade aplicvel, neste caso, decorre a teoria da Culpa do

    Servio ou faute du service. Relembre-se que tal teoria entende que a m prestao do

    servio ou a prestao ineficiente geraria a responsabilidade subjetiva do Estado. Assim,

  • no necessria a comprovao da culpa do agente pblico, bastando a comprovao da

    m prestao de servio.

    A administrao pblica, ao ser alertada da necessidade de prestao de certo servio,

    havendo a reiterao do problema, estar demonstrada a m prestao do servio. Ex.:

    segurana pblica. Situao de uma pessoa que assaltada em frente a uma delegacia, ou

    em uma rua onde os assaltos se tornaram freqentes.

    Neste sentido, Fernanda Marinela ensina que Nas condutas omissivas, no no fazer do

    Estado, hoje a doutrina e a jurisprudncia dominantes reconhecem a aplicao da teoria

    da responsabilidade subjetiva, estando assim o dever de indenizar condicionado

    comprovao do elemento subjetivo, a culpa e o dolo, admitindo a aplicao da culpa

    annima ou culpa do servio, que se contenta com a comprovao de que o servio no foi

    prestado ou foi prestado de forma ineficiente ou atrasada. MARINELA, Fernanda, 5, ed.

    Ed. mpetus, 2011.

    Nesta esteira, entende-se que a ausncia de fiscalizao do contrato administrativo

    configura omisso relevante a ensejar responsabilizao do ente estatal, caso essa m

    fiscalizao enseje danos a terceiros.

    Foi neste diapaso que surgiu a nova redao da Smula 331 do TST, visando a

    responsabilizao do Estado que se omite na fiscalizao dos contratos, caso esta omisso

    seja causadora do no pagamento de verbas trabalhistas ao empregado destas empresas.

    Tratemos dela mais cautelosamente.

    ADC 16 E A NOVA REDAO DA SMULA 331 DO TST:

    Conforme j explicitado, no dia 24 de novembro de 2010 (publicado no DJE e DOU de

    03/12/2010) foi declarada a constitucionalidade do Art. 71, 1. da Lei n 8.666/93, por

    meio da Ao Direta de Constitucionalidade n. 16/2010. O dispositivo legal declarado

    vlido dispe que:

  • " 1A inadimplncia do contratado, com referncia aos encargos

    trabalhistas, fiscais e comerciais no transfere Administrao Pblica a

    responsabilidade por seu pagamento, nem poder onerar o objeto do

    contrato ou restringir a regularizao e o uso das obras e edificaes,

    inclusive perante o Registro de Imveis."

    Ressalte-se que o texto da lei, ora em comento, sempre foi tratado, com profundo desprezo,

    pela Justia do Trabalho ou mesmo negligenciado pelos magistrados trabalhistas que

    aplicava, em sentido diametralmente oposto, a Smula 331 do TST que, at ento,

    determinava a responsabilidade subsidiria do Estado pelos dbitos trabalhistas das

    empresas contratadas.

    Ocorre que, com a deciso da ADC n16, e, diante da grande demanda de causas

    trabalhistas em que o Estado figura como responsvel subsidirio, o Judicirio trabalhista

    ficou sem rumo, no sabendo de que modo julgar as referidas causas. O fato que, aps a

    deciso do Supremo Tribunal Federal, em sede de controle concentrado, no seria mais

    possvel ignorar o texto legal.

    O fato que a responsabilizao subsidiria do ente pblico colocava o trabalhador e at a

    empresa empregadora, em uma zona de conforto indiscutvel, por ter o ente pblico

    (sempre solvente) a lastrear estas relaes de emprego.

    Em verdade, a soluo de todos os problemas estava ameaada, haja vista o fato de que, at

    ento, em ltima instncia, no conseguindo o adimplemento dos dbitos pela empresa,

    exigiria esta obrigao do Estado, apto a quitar os dbitos e fazer justia social com o

    dinheiro do contribuinte.

    Com a finalidade de discutir a repercusso da deciso do STF nas demandas trabalhistas, o

    pleno do Tribunal Superior do Trabalho, no dia 24 de maio de 2011, se reuniu para definir

    uma nova redao para a Smula 331 do TST.

    Desta forma, foi alterado o inciso IV e foram acrescentados dois novos incisos, ficando, da

    seguinte maneira, a nova redao da Smula 331:

  • IV O inadimplemento das obrigaes trabalhistas, por parte do

    empregador, implica a responsabilidade subsidiria do tomador

    de servios quanto quelas obrigaes, desde que haja

    participado da relao processual e conste tambm do ttulo

    executivo judicial.

    V Os entes integrantes da administrao pblica direta e

    indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condies do

    item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento

    das obrigaes da Lei n. 8.666/93, especialmente na fiscalizao

    do cumprimento das obrigaes contratuais e legais da

    prestadora de servio como empregadora. A aludida

    responsabilidade no decorre de mero inadimplemento das

    obrigaes trabalhistas assumidas pela empresa regularmente

    contratada.

    VI A responsabilidade subsidiria do tomador de servios

    abrange todas as verbas decorrentes da condenao.

    Nota-se, claramente, que a inteno do tribunal foi de definir uma responsabilidade civil

    por omisso do estado, em virtude na no fiscalizao do contrato firmado, nos moldes

    determinados pelo artigo 58 da lei 8666/93. Assim, a responsabilidade do Estado no

    decorreria do mero inadimplemento das obrigaes laborais da empresa, mas sim da

    conduta culposa no cumprimento das obrigaes da Lei n. 8.666/93 por parte do ente

    estatal.

    Em um primeiro momento, parece lgico o novo raciocnio estampado no verbete, mas, em

    verdade, trata-se de manobra escancarada com a inteno de manter a responsabilidade do

    Estado pelos dbitos da empresa contratada e contrariar, desta vez, no s a lei, como

    tambm a deciso vinculante do Supremo Tribunal Federal. Explique-se.

    Primeiramente, caso se entenda que o Estado responde pela no fiscalizao dos contratos

    administrativos, esta responsabilidade no subsidiria, mas sim primria, por todos os

  • danos decorrentes de sua omisso. Isso porque, indispensvel que se enxergue a presena

    de duas relaes jurdicas distintas na questo: a relao Estado X Contratado (relao de

    direito pblico) e a relao Empregador X Empregado (relao trabalhista).

    Desta forma, caso o Estado deixe de fiscalizar o contrato administrativo celebrado e esta

    omisso ensejar prejuzos a quaisquer pessoas (inclusive aos empregados), o estado tem o

    dever de indenizar. No entanto, esta indenizao no corresponde ao pagamento de salrios

    e verbas trabalhistas, mas to somente uma compensao determinada pelo juiz, pelos

    danos causados e, principalmente, por no se tratar de matria laboral, no sequer da

    competncia da Justia do Trabalho.

    Defende-se, portanto, que o particular prejudicado pela omisso do Estado pode pleitear

    indenizaes do ente pblico, no juzo competente (Justia Comum), independentemente da

    responsabilizao de terceiros. Logo, no h como sustentar uma responsabilidade

    subsidiria do Estado, uma vez que o fundamento de sua responsabilizao diverso, das

    obrigaes da empresas contratada/empregadora.

    Enfim, a nova redao da smula 331, mantendo a responsabilizao subsidiria do ente

    pblico, viola a deciso do STF, ora em comento.

    O fato que o judicirio trabalhista carece da imparcialidade exigida para a atividade

    judicante, sendo um rgo criado em prol do trabalhador. O que se v, diuturnamente, o

    juiz do trabalho atuando como verdadeiro advogado do trabalhador/reclamante, deixando,

    muitas vezes, de lado todos os princpios processuais, entre eles, a isonomia processual e da

    imparcialidade.

    Com a deciso, totalmente tendenciosa de manter a responsabilizao do ente estatal por

    dbitos trabalhistas de empresas privadas, a justia trabalhistas abre mo do interesse

    pblico e coloca o errio pblico disposio dos trabalhadores privados, por causa da

    viso jurisdicional de que os entes pblicos devem ser os seguradores universais dos

    trabalhadores.

  • Ademais, nunca tarde lembrar que o art. 701 da lei 8666/93 diploma legal vlido e

    regular, constitudo de forma democrtica, pelos representantes do povo e que no pode ser

    afastado por deciso do Tribunal Superior do Trabalho que no tem legitimidade para tanto,

    por no ter sido nomeado por indicao popular. Qualquer forma de burla ao disposto em

    lei fere de morte a democracia brasileira.

    CONCLUSO:

    Desta forma, imperioso destacar que o Art. 70, 1 da Lei 8.666/93 constitucional e

    ponto. Assim, qualquer manobra jurisdicional com vistas a aplic-lo por vias transversas

    frontalmente contrria lei.

    Logo, os entes pblicos no podem ser responsabilizados, em hiptese alguma, pelas verbas

    trabalhistas decorrentes da terceirizao e a Smula 331, V, em sua novel redao est

    contrariando a deciso do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADC 16.

    CARVALHO FILHO, Jos dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Jris, 2010.

    CRETELLA JNIOR, Jos. Comentrios Constituio Brasileira de 1988. vol I. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2005.

    CUNHA JNIOR, Dirley da. Direito Administrativo. Salvador: JusPODIUM, 2011.

    DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. So Paulo: Atlas, 2011.

    FREITAS, Juarez. Estudos de Direito Administrativo. 2 ed. So Paulo: Malheiros, 1997.

    GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 8 ed. So Paulo: Saraiva, 2003.

    LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. So Paulo: Mtodo, 2010.

    MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 5 ed, Niteri, mpetus 2011.

  • MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 21 ed. So Paulo: Malheiros, 2006.

    SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. So Paulo: Malheiros, 2009.