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    PORTADOR DE TRANSTORNOSMENTAIS: PROTEO E INCLUSO

    PERSONS WITH MENTAL DISORDERS: PROTECTION AND INCLUSION

    Etiene Maria Bosco Breviglieri1

    Ana Carolina Rizzo Morais2

    RESUMO: O presente trabalho apresenta um retrospecto histrico sobre a loucura no Brasil, no contexto dapoltica assistencial doena mental empreendida desde meados do sculo XIX e durante o perododenominado de Primeira Repblica at os dias atuais. Abordar-se- as polticas pblicas adotadas pelo poderpblico, bem como apresentar um estudo analtico da Lei n. 10.216 de 2001, que traz as diretrizes da ltimareforma do sistema de sade mental brasileiro, as formas de proteo e os direitos das pessoas portadoras detranstornos mentais e redireciona o modelo assistencial em sade mental. Assim, apresentar a incluso socialcomo elemento primordial no paradigma de ateno psiquitrica adotada. A incluso social traz no seu bojo aequiparao de oportunidades, a mltipla interao de pessoas com e sem transtorno e o pleno acesso aosrecursos da sociedade, essa incluso torna os cidados participantes, conscientes de seus direitos e deveres.Palavras-chave:Transtornos mentais. Polticas pblicas. Incluso social.

    ABSTRACT:This paper presents a retrospective history of madness in Brazil, in the context of welfare policy tomental illness undertaken since the mid of nineteenth century and during the period known as the FirstRepublic to the present day. It will address the public policies adopted by government agencies, as well aspresent an analytical study of the Law n. 10,216 of 2001, which brings the guidelines of the recent reform of the

    mental health system in Brazil, and the ways to protect the rights of persons with mental disorders and caremodel for mental health. Therefore have social inclusion as a major element in the paradigm of psychiatric careadopted. Social inclusion has intrinsically the equalization of opportunities, the multifaceted interactionbetween people with and without disorder, and full access to societal resources, such inclusion makes theparticipating citizens, conscious of their rights and duties.Keywords:mental disorders. public policy. social inclusion.

    Introduo

    A segregao pela qual passa o portador de transtornos mentais no fato novo nemno Brasil, nem em tempos remotos. A abordagem de tal tema sempre pareceu ser tratada

    1Ps-doutoranda pela Universit degli Studi di Messina, na rea de Responsabilidade Civil. Doutora em DireitoCivil Comparado pela Pontficia Universidade Catlica de So Paulo- PUC/SP,sob orientao da ProfessoraDoutora Maria Helena Diniz (2013), Mestre em Letras (rea de Teoria da Literatura) pela UniversidadeEstadual Paulista Jlio de Mesquita Filho- UNESP (2004) e Mestre em Direito Internacional pela UniversidadeEstadual Paulista Jlio de Mesquita Filho-UNESP (2007).Possui graduao em Licenciatura em Letras pelaUniversidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (2000), graduao em Direito pelo Centro Universitriode Rio Preto (2000). Foi bolsista da FAPESP no perodo de 2000/2001, com trabalho de iniciao cientficabaseado no Pacto de So Jos da Costa Rica, orientado pela Professora Dr Jete Jane Fiorati (UNESP).

    Especialista em Direito do Consumidor (UNIRP) e em Didtica do Ensino Bsico e Superior (UNORP).Atualmente Professora efetiva e com dedicao exclusiva na UEMS Universidade do Estado de Mato Grossodo Sul, Campus de Paranaba.

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    com extrema relutncia tanto pela sociedade quanto pela comunidade mdica e por fim pelo

    sistema jurdico. Mesmo com todos os avanos que a Sade Mental brasileira conquistou ao

    longo de dcadas, existe ainda a necessidade de romper com o modelo hospitalocntrico

    que vigora desde o surgimento da psiquiatria brasileira, a fim de promover a cidadania do

    portador de transtornos mentais, promovendo seu tratamento e sua incluso no meio social.

    Discutem-se no Brasil, desde os anos 70, as necessidades de mudanas na assistncia

    aos portadores de transtornos mentais. Esse movimento ficou conhecido como Reforma

    Psiquitrica, que tem por objetivo reorganizar a assistncia em sade mental do pas.

    Em 06 de abril de 2001 foi sancionada a Lei n. 10.216/2001, de autoria do deputado

    Paulo Delgado, que dispe sobre a proteo e os direitos das pessoas portadoras de

    transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em sade mental, ou seja, uma

    mudana no modo de pensar a pessoa com sofrimento psquico, diversificando os espaos de

    atendimento, buscando a construo de uma nova tica que permita a humanizao e

    incluso das pessoas portadoras de transtornos mentais, tidas como sujeitos de direitos.

    Assim, a incluso social se apresenta como elemento primordial no paradigma de

    ateno psiquitrica adotada. A incluso social traz no seu bojo a equiparao de

    oportunidades, a mltipla interao de pessoas com e sem transtorno e o pleno acesso aosrecursos da sociedade. Essa incluso torna os cidados participantes, conscientes de seus

    direitos e deveres.

    O presente trabalho analisa a Lei n. 10.216/2001 que traz as diretrizes da ltima

    reforma do sistema de sade mental brasileiro, as formas de proteo e os direitos das

    pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em sade

    mental.

    Dessa forma ser apresentada uma pequena histria do desenvolvimento da

    psiquiatria no Brasil, dos primeiros hospcios pblicos para alienados no Brasil a uma

    abordagem da Legislao Lei 10.216, de 200, do Projeto de Lei n. 3.657-A/1989 e do

    Processo de Elaborao da Lei n. 10.216/2001. Mais adiante, sero analisados os direitos

    fundamentais das pessoas com transtornos mentais, direitos individuais, coletivos e difusos,

    o Sistema nico de Sade e as Polticas Pblicas em sade mental. Trata ainda o presente

    estudo da aplicao do direito de igualdade s pessoas com transtornos mentais, bem como

    do direito liberdade em relao a determinadas prticas contestadas juridicamente como a

    inconstitucionalidade da internao psiquitrica compulsria e a internao involuntria em

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    psiquiatria.

    Pretende mostrar assim como a legislao pertinente ao tema pode ser capaz de

    propiciar a incluso social do portador de transtorno mental propiciando um raciocnio que

    v alm do campo tcnico, envolvendo a criao de novos modos de tratamento e de

    abordagem dos transtornos mentais como parte de um problema de sade pblica com a

    devida garantia dignidade da pessoa humana.

    Parte-se, portanto da premissa de que a legislao brasileira, bem como a atuao do

    judicirio em diversos casos na aplicao de normas especficas sobre o tema, deve sustentar

    uma viso mais humanista, levando a sociedade a repensar a condio de deficincia dos

    portadores de transtornos mentais, seus limites e acima de tudo, seus direitos.

    1 Asilos, alienados, alienistas: uma pequena histria da psiquiatria no Brasil

    Na triste histria da loucura, que no Brasil, na passagem do perodo colonial para o

    republicano, encontramos uma fase mais crtica, de especial desrespeito ao ser humano em

    que, [...] que os loucos passam a ser considerados doentes mentais, merecedores, portanto,

    de um espao social prprio, para sua recluso e tratamento.3

    A histria da psiquiatria no Brasil um processo de asilamento; a histria de um

    processo de medicalizao social. A ordem psiquitrica, como se via, era oferecida como

    paradigma de organizao modelar s instituies de uma sociedade que se organiza, mesmo

    tratando, ou procurando tratar, pela via mdica, o que lhe alheio ou que no lhe

    exclusivo, como desejam alguns.

    A loucura s vem a ser objeto de interveno especfica por parte do Estado a partir

    da chegada da Famlia Real. As mudanas sociais e econmicas, no perodo que se segue,

    exigem medidas eficientes de controle social, sem as quais se torna impossvel ordenar o

    crescimento das cidades e das populaes. Convocada a participar dessa empresa de

    reordenamento do espao urbano, a medicina termina por desenhar o projeto do qual

    emerge a psiquiatria brasileira.

    Em 1830, uma comisso da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro realiza um

    diagnstico da situao dos loucos na cidade. a partir desse momento que os loucos

    3AMARANTE, Paulo. Psiquiatria social e colnias de alienados no Brasil (1830 - 1920).Dissertao deMestrado, IMS/WERJ, Rio de Janeiro: 1994, p. 35.

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    passam a serem considerados doentes mentais. Vale destacar que antes disso, eram

    encontrados em todas as partes: ora nas ruas, entregues sorte, ora nas prises e casas de

    correo, ora em asilos de mendigos, ora nos pores das Santas Casas de Misericrdia. Em

    enfermarias e hospitais era muito raro encontrar um louco submetido ao tratamento.

    Da criao do Hospcio de Pedro II at a Proclamao da Repblica, os mdicos no

    poupam crticas ao hospcio, includos que estavam de sua direo e inconformados com a

    ausncia de um projeto assistencial cientfico. Reivindicam o poder institucional que se

    encontra nas mos da Provedoria da Santa Casa de Misericrdia do Rio de Janeiro, assim

    como na igreja, com a ativa participao da Irmandade de So Vicente, pertencentes aos

    setores mais conservadores do Clero.

    Proclamada a Repblica, a psiquiatria busca modernizar-se. Em primeiro lugar porque

    o asilo, nos moldes arcaicos da Pedro II, assemelha-se demais s instituies despticas,

    filhas autnticas do absolutismo poltico, o que a faz destoar do iderio liberal veiculado nos

    meios republicanos. Em segundo lugar, porque, sob a gide de uma nova ordem social que

    ento se compe, a psiquiatria deve partir para atuar no espao social, no espao onde

    vivem as pessoas, onde se estruturam as doenas mentais, no se limita apenas ao espao

    cercado pelos muros do asilo.Cumpre ainda ressaltar que, quando da criao e da inaugurao do Hospcio de

    Pedro II, a 'cincia psiquitrica' brasileira ainda no se constitura enquanto tal. Caberia

    medicina social, e em seguida medicina legal, o papel de defensores do asilo como

    instituio especfica para tratar a loucura4. Portanto, apesar da difuso no Brasil do

    alienismo francs pela medicina da poca, a criao do primeiro hospcio brasileiro precedeu

    a existncia de um corpo de conhecimento especializado com organizao institucional que

    se auto-representasse como psiquitrico5.

    A cincia que inicialmente se instaurou no primeiro asilo de alienados brasileiro foi a

    denominada medicina legal, ao passo que a assistncia l prestada mantinha a feio

    predominante da caridade religiosa. A direo mdica do Hospcio de Pedro II conviveria por

    bastante tempo com a direo administrativa da Santa Casa da Misericrdia e os cuidados

    4Cf. RUSSO, Jane Arajo. Psiquiatria, manicmio e cidadania no Brasil.Em J. Russo et al. (orgs.), Duzentos anos

    de psiquiatria. Rio de Janeiro: Relume-Dumar/Editora da UFRJ, 1993, p. 7-10.5 Cf. TEIXEIRA, Manoel Olavo. Os primrdios da medicina mental no Brasil e o bruxo do Cosme Velho .Cadernos IPUB, VI:18, 200, p. 84-101.

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    exercidos pelas freiras.

    A resoluo para tal embate s iria ocorrer com o advento da Repblica, quando o

    asilo brasileiro renomeado Hospcio Nacional de Alienados e, no ano seguinte, desanexado

    da Santa Casa da Misericrdia (Decreto 206-A de 15 de fevereiro de 1890), passando

    responsabilidade exclusiva das instncias mdico-psiquitricas.

    Efetivamente, com a chegada dos republicanos ao poder, em janeiro de 1890, o

    Hospcio de Pedro II desvinculado da Santa Casa, ficando subordinado administrao

    pblica, passando a denominar-se Hospcio Nacional de Alienados.

    Logo no ms seguinte criada a Assistncia mdico-legal aos Alienados, primeira

    instituio pblica de sade estabelecida pela Repblica. No mbito da assistncia so

    criadas as duas primeiras colnias de alienados, que so tambm as primeiras da Amrica

    Latina. Denominadas de Colnias de So Bento e de Conde de Mesquita, ambas situam-se na

    Ilha do Galeo, atual ilha do Governador, no Rio de Janeiro, e destinam-se ao tratamento de

    alienados indigentes do sexo masculino. Logo aps sero criadas as Colnias de Juqueri, em

    So Paulo, e a de Vargem Alegre, no interior do Estado do Rio.

    Vale destacar que estes conjuntos de medidas caracterizaram a primeira reforma

    psiquitrica no Brasil, que tem como escopo a implantao do modelo de Colnias nasassistncias aos doentes mentais.

    Enfim, o perodo que se conclui em 1920 constitui uma etapa do desenvolvimento da

    psiquiatria em que se destaca a ampliao do espao asilar. Neste perodo, no Rio de Janeiro

    criada a Colnia de Alienados do Engenho de Dentro (1911), para mulheres indigentes, e

    em 1920 so iniciadas as obras da Colnia de Alienados de Jacarepagu e as obra do

    Manicmio Judicirio.

    Nos anos 30, a psiquiatria parece ter finalmente encontrado a to procurada cura

    para as doenas mentais. grande o entusiasmo com a descoberta do choque insulnico, do

    choque cardiazlico, da eletroconvulsoterapia e das lobotomias. Tcnicas novas que vm a

    substituir ou a malarioterapia, ou o descabido empirismo.

    Em meados de 1940, a psiquiatria se torna mais poderosa, o asilamento mais

    frequente, e o Hospcio Nacional de Alienados transferido da Praia Vermelha para o

    Engenho de Dentro, onde conta com novas instalaes, das quais se destacam a ampliao

    de vagas e os modernos centros cirrgicos para as promissoras lobotomias.

    Na dcada de 1950, fortalece-se este processo de psiquiatrizao, com o

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    aparecimento dos primeiros neurolpticos.

    A partir do fim da Segunda Guerra Mundial, surgem tambm variadas experincias de

    reformas psiquitricas, dentre as quais se destacam as de comunidades teraputicas, de

    psicoterapia institucional, de psiquiatria de setor, psiquiatria preventiva e comunitria.

    Na dcada de 1960, com a unificao dos institutos de aposentadorias e penses,

    criado o Instituto Nacional de Previdncia Social (INPS). O Estado passa a comprar servios

    psiquitricos do setor privado e, ao ser privatizado grande parte da economia, o Estado

    concilia no setor de sade presses sociais com o interesse de lucro por parte dos

    empresrios. Com a privatizao na psiquiatria, muitas clnicas particulares so construdas e

    ocorre assim um enorme aumento do nmero de vagas e de internaes em hospitais

    psiquitricos privados.

    Neste contesto, surge o projeto de Lei 3657/89 que, ao propor a extino progressiva

    dos hospitais psiquitricos e sua substituio por outras modalidades e prticas assistenciais,

    desencadeia um amplo debate nacional, realmente indito, quando jamais a psiquiatria

    esteve to permanente e consequentemente discutida por amplos setores sociais.

    2 Legislao: o projeto de Lei n. 3.657-A/1989 e o processo de elaborao da Lei n.

    10.216/2001

    A legislao existente entre 1903 e de 1934, inclui o Projeto de Lei de 1989 e a Lei

    aprovada em 2001. Ser dada ateno especial as leis: ao Projeto de Lei n. 3.657-A/1989 e a

    Lei 10.216, de 2001.

    Dessa forma tal legislao assim dispe:

    - Decreto no. 1.132, de 1903 (Rodrigues Alves). Reorganiza a assistncia aalienados.- Decreto no. 24.559, de 1934 (Getlio Vargas). Dispe sobre a proteo pessoa eaos bens dos psicopatas.- Lei 10.216, de 2001. Dispe sobre a proteo e os direitos das pessoasportadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em sademental.Projetos antecedentes da Lei 10.216:Projeto de Lei 3.657, de 1989 (Deputado Paulo Delgado): Dispe sobre a extino

    progressiva dos manicmios e sua substituio por outros recursos assistenciais e

    regulamenta e internao psiquitrica compulsria.Substitutivo do Senado ao projeto de lei da Cmara no. 8, de 1999 (SenadorSebastio Rocha): Dispe sobre a proteo e os direitos das pessoas portadoras de

    transtornos psquicos e redireciona o modelo assistencial em sade mental.

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    A Organizao Mundial de Sade (OMS) escolheu o ano de 2001 como o ano da sade

    mental, o Relatrio Mundial de Sade de 2001 e o dia 07 de abril levaram o tema: Sade

    Mental: cuidar sim, excluir no.

    Neste mesmo ano, no Brasil, aps quase doze anos tramitando no Congresso

    Nacional, o Projeto de Lei n. 3.657/1989, apresentado em 12 de setembro de 1989 na

    Cmara dos Deputados pelo deputado Paulo Delgado (PT-MG), aprovado em 06 de abril,

    transformando-se na Lei n. 10.216. Em dezembro do mesmo ano, realiza-se a III Conferncia

    Nacional de Sade Mental, em Braslia.

    O Projeto de Lei n. 3.657-A dispe acerca da extino progressiva dos hospitais

    psiquitricos e prope que esses estabelecimentos sejam substitudos por outras formas de

    tratamento. Versa ainda sobre o disciplinamento da internao psiquitrica compulsria. A

    justificativa da propositura de uma reformulao do modelo de sade mental brasileiro,

    vigente h 55 anos poca em que o projeto foi proposto e calcado no modelo

    hospitalcntrico, est consubstanciada na sua ineficcia, que ao invs de diminurem a

    incidncia dos transtornos mentais reforavam-nos.Em sentido contrrio, experincias implantadas na rede pblica, durante a dcada de

    80, denotaram a viabilidade teraputica de formas alternativas de tratamento, aliadas ao

    respeito aos direitos e liberdade dos pacientes. O cerne do atendimento em sade mental,

    apontado pelo Projeto de Lei n. 3.657-A, a liberdade.

    Para assegurar a cidadania e a liberdade dos portadores de transtornos mentais, bem

    como a oferta de atendimentos alternativos em sade mental, o projeto de lei n. 3.657-A

    prope a proibio, no seu artigo primeiro, da edificao de novos hospitais psiquitricos

    pblicos, assim como a destinao de recursos pblicos, quer por meio de contratao, quer

    por meio de financiamento, para a utilizao de novos leitos em hospitais psiquitricos. Tais

    medidas visam, tambm, conforme expe a ementa do projeto, a extino progressiva dos

    hospitais psiquitricos.

    No segundo artigo, atribui-se ao Poder Pblico, em nvel estadual e municipal, o

    planejamento para a implantao dos servios extra-hospitalares, tais como hospital-dia,

    centro de ateno e centros de convivncia. Esse planejamento e seu respectivo cronograma

    devem ser apresentados s comisses de sade do Poder Legislativo em um ano, a contar da

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    data da aprovao da lei ( 1 do art. 2 do Projeto de Lei n. 3.657/1989).

    O pargrafo segundo do artigo 2 dispe acerca das competncias do Poder Pblico

    Federal e Estadual, desempenhadas, respectivamente, por intermdio do Ministrio da

    Sade e das Secretarias Estaduais, para coordenarem o processo de substituio dos leitos

    psiquitricos.

    A criao de um Conselho Estadual de Reforma Psiquitrica, a cargo das Secretarias

    Estaduais de Sade, est prevista no pargrafo terceiro do artigo segundo. O referido

    Conselho deve ser composto por representantes seguintes segmentos: trabalhadores em

    sade mental, usurios, familiares dos usurios, Poder Pblico, Ordem dos Advogados do

    Brasil e comunidade cientfica.

    A misso do Conselho Estadual de Reforma Psiquitrica acompanhar e, ao final,

    aprovar os planos regionais e municipais de desinstitucionalizao.

    A questo das internaes psiquitricas compulsrias abordada no artigo terceiro.

    Ali se estabelece a comunicao dessa modalidade de internao autoridade judiciria

    local, notadamente a Defensoria Pblica. Referida comunicao deveria ser realizada pelo

    profissional que a efetuou, no prazo de 24 horas.

    O pargrafo primeiro do artigo terceiro define a internao psiquitrica compulsria,como [...] aquela realizada sem o expresso desejo do paciente, em qualquer tipo de servio

    de sade, sendo responsabilidade do mdico autor da internao sua caracterizao

    enquanto tal.

    A averiguao da legalidade da internao, em at 24 horas, bem como o zelo pelos

    direitos do cidado internado de competncia da Defensoria Pblica ou de outra

    autoridade judiciria que a substitua. Tal fiscalizao dar-se-ia por meio de pareceres -

    elaborados aps a oitiva do paciente, seus familiares, profissionais da sade (mental) ou

    outras pessoas, a critrio da autoridade - e auditorias peridicas, conforme preceituavam os

    pargrafos segundo e terceiro do artigo 3 do projeto de lei n. 3.657.6

    Em 14 de dezembro de 1990 aprovada na Cmara dos Deputados a redao final do

    projeto de lei n. 3.657-B, de 1989. Nessa verso, que a encaminhada ao Senado Federal,

    so realizadas as seguintes alteraes:

    6

    MUSSE, Polticas pblicas em sade mental no Brasil na perspectiva do biodireito:a experincia dos estadosde Minas Gerais e So Paulo sob a gide da lei n. 10.216/2001 e suas implicaes. Dissertao de Doutorado.PUC. So Paulo: 2006, p. 148-150.

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    Incluso de dois pargrafos no artigo primeiro, cujo caput no foi alterado. No

    primeiro pargrafo atende-se s disparidades regionais, prevendo a implantao gradativa,

    nas regies sem estrutura ambulatorial adequada, da extino dos hospitais psiquitricos, a

    fim de se evitar o colapso do atendimento no sistema de sade mental dessas localidades. A

    regulamentao, por lei estadual, das excees geradas por demandas regionais, prevista

    no segundo pargrafo do artigo primeiro.

    No Senado Federal, o projeto de lei protocolizado sob o n. 08/1991 - PLC n. 08, de

    1991. Em 04 de abril de 1991 o projeto encaminhado Comisso de Assuntos Sociais

    (CAS), aps avocao do Senador Almir Gabriel, onde permanece at 20 de janeiro de 1997.

    Ao longo do tempo em que permanece na CAS, o Projeto de Lei da Cmara n. 08/1991, at a

    sua efetiva aprovao, sofre um total de 11 emendas e recebeu um substitutivo de autoria

    do senador Lucdio Portella, acolhido em detrimento do parecer emitido pelo ento relator,

    senador Lcio Alcntara, em 23 de novembro de 1995.

    Esse substitutivo passa a constituir o parecer da CAS. Nesse parecer, de n. 896/95, so

    apresentadas argumentaes tcnicas, tanto de carter mdico-cientfico como de cunho

    jurdico-legislativo.

    A nfase no atendimento comunitrio tambm combatida, com fulcro naexperincia de outros pases que o adotaram e que estariam sofrendo as consequncias

    negativas desse modelo, na medida em que um grande contingente de portadores de

    transtornos mentais egressos de hospitais psiquitricos estaria nas ruas, mendigando.

    Para compreender essa questo, importante observar que a assistncia extra-

    hospitalar exclusiva no contempla plenamente a necessidade de tratamento do doente

    grave, o qual, em virtude da prpria doena, no se considera doente e se nega a qualquer

    tratamento. A assistncia comunitria tem se mostrado mais eficiente no atendimento do

    portador de transtorno mental leve, que por si mesmo busca tratamento ou, ainda, daquele

    cuja famlia dispe de tempo e recursos para acompanh-lo.7

    Em relao aos aspectos jurdicos, apontada a inconstitucionalidade do projeto de

    lei por violar repartio de competncias ao estabelecer, atravs de lei federal, prazos e

    competncias a serem cumpridos por outros entes da federao - Estados-Membros e

    Municpios.

    7Ibidem, p.148-150.

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    A utilizao incorreta de termos tcnico-jurdicos e mdicos outra questo analisada

    no parecer n. 896/1995, da CAS (Comisso de Assuntos Sociais). Poder de sequestro,

    Sequestro ilegal, manicmio, internao compulsria, Defensoria Pblica so usados

    no texto do projeto de lei de modo equvoco, prejudicando a boa tcnica legislativa e,

    sobretudo, o esprito da lei.

    No Brasil, o termo manicmio (judicirio) reservado para o que atualmente se

    denomina hospital de custdia e tratamento psiquitrico (HCTP), ou seja, para os hospitais

    psiquitricos destinados ao tratamento dos portadores de transtornos mentais que tenham

    praticado crime ou para condenados que, durante o cumprimento da pena imposta pela

    autoridade judicial, tenha apresentado um transtorno mental. Referido tratamento,

    determinado pelo Poder Judicirio, denominado medida de segurana.

    Outro equvoco apresentado no parecer da CAS no tocante ao uso da terminologia

    internao compulsria ao invs de internao involuntria. A primeira ocorre quando

    h determinao judicial, adotando-se a aplicao de medida de segurana. J a segunda

    modalidade de internao, decorre de ato de terceiro, contrrio vontade do usurio do

    servio.

    Por fim, o parecer ataca a expresso extino progressiva, profetizando que, caso

    haja a aprovao do projeto de lei, nos moldes propostos pelo seu autor, a referida extino

    progressiva ser instantnea, como o foi na Itlia e nos Estados Unidos, gerando, assim, o

    esvaziamento coletivo dessas instituies. No item III do parecer n. 896/1995 o seu relator,

    senador Lucdio Portella expe e analisa as quatro emendas propostas por seu colega Lcio

    Alcntara, que favorvel aprovao do Projeto de Lei da Cmara n. 08 de 1991, caso suas

    emendas sejam acolhidas.

    O senador Lucdio Portella combate, uma a uma, as quatro emendas e, na sequncia

    prope um substitutivo ao Projeto de Lei da Cmara n. 8, de 19918. A comisso (CAS) rejeita

    o relatrio do senador Lcio Alcntara e aprova o voto em separado do senador Lucdio

    Portella, pela aprovao do projeto na forma do substitutivo que apresenta e passa a

    constituir o parecer da CAS9. esse substitutivo que , em 2001, com algumas poucas

    alteraes, promulgado como a lei n. 10.216/2001.

    8

    BRASIL. Parecer n. 896, de 1995. Dirio do Senado Federal. Braslia: 1995. Disponvel em:. Acesso em: 20 out. 2010, p.05507-05518.9 Ibidem. p. 05507-05518.

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    2.1 Lei n 10.216, de 06 de abril de 2001

    Dispe sobre a proteo e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais

    e redireciona o modelo assistencial em sade mental.

    O PRESIDENTE DA REPBLICA Fao saber que o Congresso Nacional decreta e eusanciono a seguinte Lei:Art. 1 - Os direitos e a proteo das pessoas acometidas de transtorno mental, deque trata esta Lei, so assegurados sem qualquer forma de discriminao quanto

    raa, cor, sexo, orientao sexual, religio, opo poltica, nacionalidade, idade,famlia, recursos econmicos e ao grau de gravidade ou tempo de evoluo de seutranstorno, ou qualquer outra.

    Art. 2 - Nos atendimentos em sade mental, de qualquer natureza, a pessoa e seusfamiliares ou responsveis sero formalmente cientificados dos direitosenumerados no pargrafo nico deste artigo.

    Pargrafo nico. So direitos da pessoa portadora de transtorno mental:

    I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de sade, consentneo s suas

    necessidades;

    II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar

    sua sade, visando alcanar sua recuperao pela insero na famlia, no trabalho

    e na comunidade; (grifos nossos)III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e explorao;IV - ter garantia de sigilo nas informaes prestadas;V - ter direito presena mdica, em qualquer tempo, para esclarecer anecessidade ou no de sua hospitalizao involuntria;VI - ter livre acesso aos meios de comunicao disponveis;VII - receber o maior nmero de informaes a respeito de sua doena e de seutratamento;VIII - ser tratada em ambiente teraputico pelos meios menos invasivos possveis;IX - ser tratada, preferencialmente, em servios comunitrios de sade mental.

    Art. 3 - responsabilidade do Estado o desenvolvimento da poltica de sade

    mental, a assistncia e a promoo de aes de sade aos portadores detranstornos mentais, com a devida participao da sociedade e da famlia, a qualser prestada em estabelecimento de sade mental, assim entendidas asinstituies ou unidades que ofeream assistncia em sade aos portadores detranstornos mentais.Art. 4 - A internao, em qualquer de suas modalidades, s ser indicada quandoos recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. 1 - O tratamento visar, como finalidade permanente, a reinsero social dopaciente em seu meio. 2 - O tratamento em regime de internao ser estruturado de forma a oferecerassistncia integral pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviosmdicos, de assistncia social, psicolgicos, ocupacionais, de lazer, e outros.

    3 - vedada a internao de pacientes portadores de transtornos mentais eminstituies com caractersticas asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursosmencionados no 2 e que no assegurem aos pacientes os direitos enumerados

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    no pargrafo nico do art. 2.Art. 5 - O paciente h longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterizesituao de grave dependncia institucional, decorrente de seu quadro clnico oude ausncia de suporte social, ser objeto de poltica especfica de alta planejada ereabilitao psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitria

    competente e superviso de instncia a ser definida pelo Poder Executivo,assegurada a continuidade do tratamento, quando necessrio.Art. 6 - A internao psiquitrica somente ser realizada mediante laudo mdicocircunstanciado que caracterize os seus motivos.Pargrafo nico. So considerados os seguintes tipos de internao psiquitrica:I - internao voluntria: aquela que se d com o consentimento do usurio;II - internao involuntria: aquela que se d sem o consentimento do usurio e apedido de terceiro; eIII - internao compulsria: aquela determinada pela Justia.Art. 7 - A pessoa que solicita voluntariamente sua internao, ou que a consente,deve assinar, no momento da admisso, uma declarao de que optou por esseregime de tratamento.

    Pargrafo nico. O trmino da internao voluntria dar-se- por solicitao escritado paciente ou por determinao do mdico assistente.Art. 8 - A internao voluntria ou involuntria somente ser autorizada pormdico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina - CRM do Estadoonde se localize o estabelecimento. 1 - A internao psiquitrica involuntria dever, no prazo de setenta e duashoras, ser comunicada ao Ministrio Pblico Estadual pelo responsvel tcnico doestabelecimento no qual tenha ocorrido, devendo esse mesmo procedimento seradotado quando da respectiva alta. 2 - O trmino da internao involuntria dar-se- por solicitao escrita dofamiliar, ou responsvel legal, ou quando estabelecido pelo especialista responsvelpelo tratamento.

    Art. 9 - A internao compulsria determinada, de acordo com a legislaovigente, pelo juiz competente, que levar em conta as condies de segurana doestabelecimento, quanto salvaguarda do paciente, dos demais internados efuncionrios.Art. 10. Evaso, transferncia, acidente, intercorrncia clnica grave e falecimentosero comunicados pela direo do estabelecimento de sade mental aosfamiliares, ou ao representante legal do paciente, bem como autoridade sanitriaresponsvel, no prazo mximo de vinte e quatro horas da data da ocorrncia.Art. 11. Pesquisas cientficas para fins diagnsticos ou teraputicos no podero serrealizadas sem o consentimento expresso do paciente, ou de seu representantelegal, e sem a devida comunicao aos conselhos profissionais competentes e aoConselho Nacional de Sade.

    Art. 12. O Conselho Nacional de Sade, no mbito de sua atuao, criar comissonacional para acompanhar a implementao desta Lei.Art. 13. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicao.Braslia, 6 de abril de 2001; 180 da Independncia e 113 da Repblica.[...]

    de ser relevado que a lei n 10.216/2001 no a primeira lei a disciplinar a vida das

    pessoas com transtornos mentais, o que a distingue das suas antecessoras o modo como

    regula as relaes jurdicas entre as pessoas com transtornos mentais, vulgarmente

    denominadas loucas, os profissionais de sade, em especial os psiquiatras, os profissionai s

    do Direito e, sobretudo os juzes, a sociedade e principalmente a famlia e o Estado.

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    Convm ressaltar que, com a medicalizao da sociedade, o louco passa a ser objeto

    de um saber especfico, recm-constitudo, a psiquiatria que antes era confinado a um

    espao que a cincia denominava de hospcio.

    Registre-se que o primeiro instrumento jurdico brasileiro organizado com vistas a

    realizar esse domnio do comportamento dito desviante foi o Cdigo Criminal do Imprio, de

    1930. Na viso desta norma jurdica, o louco classificado como inimputvel, ou seja,

    algum a quem no se pode imputar uma punio, uma pena, por faltar- lhe o livre

    movimento da razo para escolher entre o ato lcito ou o ilcito.

    De acordo com esse diploma legal, a determinao ou no da inimputabilidade do

    indivduo em razo da sua doena, ficava sob a responsabilidade do magistrado, que

    representava o Estado, e no do mdico, o representante da cincia e que por ela, seria o

    profissional habilitado a diagnosticar a loucura.

    O processo de institucionalizao e medicalizao da loucura ganha flego com a

    construo do Hospcio Dom Pedro II, na capital do Imprio, com a finalidade sociopoltica,

    ocasionando o isolamento do louco. Funda-se na concepo mdico-cientfica de que o

    objeto da investigao deve ser estudado sem a interferncia do meio (sociedade) e de que a

    cura da molstia dar-se-ia na medida em que o doente se afastasse daquilo que a causa: ocomportamento desregrado, as paixes10(tratamento moral).

    Desde o incio desse processo de medicalizao da sociedade brasileira e das

    descobertas em psiquiatria, a loucura passa a ser vista preponderantemente como uma

    doena e no mais como desregramento moral. Isso se reflete, por exemplo, na proibio de

    se manterem encarcerados em cadeias pblicas doentes mentais ao lado de criminosos,

    conforme previa o art. 10 do Decreto n. 1.132/1903.

    Oportuno se toma dizer que, em virtude dessa nova compreenso acerca da loucura e

    da criminalidade, ambas so consideradas espcies de anormalidade e, enquanto tal devem

    ser medicalizadas, necessitando ambas de se estabelecer um local apropriado para os

    infratores que tm doena mental: o manicmio judicirio, conforme prev o art. 11 do

    Decreto n.1.132/1903.

    Importante ressaltar que com o surgimento do manicmio judicirio, tem-se uma

    nova modalidade de assistncia em psiquiatria voltada para um tipo especial de doente

    10FUNDAO OSVALDO CRUZ. Guia de fontes e catlogo de acervos e instituies para pesquisas em sademental e assistncia psiquitrica no Estado do Rio de Janeiro: LAPS 2004, p. 14.

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    mental, o que pratica crime. Pertinente destacar que mais uma vez a psiquiatria se alia ao

    Direito e ao Estado para regular os comportamentos dos indivduos e, em especial, os

    doentes mentais.

    Vale destacar que, dentre as normas que integram o mencionado Decreto n.

    1.132/1903, o art. 22 prev de sanes a serem impostas contra aqueles que violarem os

    direitos dos doentes mentais.

    Assinale-se ainda que o Decreto n 5.148-A institui a segunda reforma da assistncia

    psiquitrica brasileira, assim como das concepes cientficas que a embasam. O texto traz

    em seu bojo no apenas cuidado exclusivo com a segurana e a ordem pblica, mas tambm

    evidencia a distino entre o doente mental alienado e o no alienado, fez tambm uma

    distino entre o doente crnico e o agudo.

    O referido Decreto tambm ampliou as modalidades de assistncia psiquitrica,

    podendo o doente mental receber tratamento domiciliar por prazo determinado pelo tempo

    mximo de 02 (dois) meses.

    Tal documento tambm passou a exigir especializao em psiquiatria para os

    profissionais que prestam assistncias em estabelecimentos psiquitricos, passou a exigir

    profissionais do sexo feminino, por exemplo, para atender as pacientes desse gnero (art. 10, 5).

    As primeiras polticas pblicas em sentido estrito voltadas para a ateno ao doente

    mental esto dispostas no Decreto n. 24.559/1934, concebido no mbito do ento

    Ministrio da Educao e da Sade.

    Contudo, como a efetividade das polticas pblicas requer, ao lado da legislao,

    aes governamentais, o que se verificou, na prtica foi a ineficcia tcnica e social da

    referida legislao, que resultou na transformao do hospital psiquitrico na modalidade

    predominante, se no exclusiva, de assistncia psiquitrica no Brasil at o final da dcada de

    1980 em um lugar simplesmente de excluso e cronificao, no mais de tratamento.

    Conforme se v, o Estado brasileiro descumpriu seu papel de Estado de Bem-Estar

    Social, no oferecendo aos doentes mentais de acordo com as modernas tendncias em

    psiquiatria e medicina social, fornecendo-lhes condies dignas de assistncia e tratamento

    psiquitrico e, por conseguinte, no lhes deu condies dignas de vida at os anos de 1980.

    Assinale-se ainda que, com a promulgao da Lei n 10.216/2001, eleva os portadores

    de transtornos mentais, juridicamente, categoria de novos sujeitos de direito. Essa

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    expresso utilizada para denominar grupos de pessoas que, como as pessoas com

    transtornos mentais, ao longo da Histria, sofreram um processo de excluso crnica e, por

    isso, eram desprovidos de cidadania.

    Importante salientar no Brasil alguns movimentos sociais como o da Reforma

    Psiquitrica, pela Luta Antimanicomial, pelo Movimento dos Trabalhadores em Sade

    Mental, de Movimento Sanitrio os quais, aps duas dcadas protagonizando intensa luta e

    mobilizao junto sociedade civil e ao Estado, conseguem a legalizao das suas

    reivindicaes, o reconhecimento jurdico dos seus direitos em busca do alcance da

    cidadania.

    Os indivduos com transtorno mental apresentam-se como sujeitos do direito na

    medida em que lhes reconhecida, social, tica e juridicamente, a autonomia tico-jurdica.

    Cumpre observar, preliminarmente, que so sujeitos de direitos na medida em que exercem

    seus direitos, sua cidadania e na proporo em que participam da prpria construo da sua

    cidadania.

    So denominadas pessoas com transtornos mentais os indivduos de ambos os sexos,

    desde crianas, adolescentes, adultos ou idosos, que pertencem a todas as classes sociais,

    culturas, religies, sem distino de cor ou etnia, que possuam um dos mais transtornosmentais congnitos ou adquiridos, crnicos ou agudos. Segundo dados fornecidos pelo

    Ministrio da Sade (2007) indicam que, no Brasil, 12% da populao global necessita de

    algum tipo de atendimento em sade mental, seja ele contnuo, seja eventual.

    Como se pode notar, o termo transtorno mental j recebeu diversos conceitos:

    vesnia, insanidade, loucura, desrazo, psicopatia, alienao... Em cada poca, filsofos e

    mdicos criaram novas explicaes e classificaes para as doenas do esprito.

    De acordo com a Organizao Mundial de Sade (2002, p. 53), transtornos mentais e

    comportamentais so:

    [...] condies clinicamente significativas caracterizadas por alteraes[ininterruptas ou recorrentes], do modo de pensar e do humor (emoes) ou porcomportamentos associados com a angstia pessoal e/ou deteriorao dofuncionamento (pessoal).

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    3 Os direitos fundamentais e os portadores de transtornos mentais

    O Estado de direito um Estado Constitucional, em que os seus princpios e preceitos

    basilares so efetivamente observados no mundo jurdico e concretamente aplicados no

    plano dos atos sociais.

    Vale ressaltar que esses direitos fundamentais so os alicerces da Carta Magna,

    direitos conquistados por todos os cidados brasileiros sem distino, raa, cor e sexo.

    Importante destacar que os direitos fundamentais, tambm denominados direitos

    humanos ou direito dos homens, so objeto da disciplina jurdica constitucional, esto

    inseridos na Constituio Federal.

    Convm ainda explicar que, para muitos, os direitos fundamentais so aqueles

    consagrados na Constituio Federal, muito embora nem todos os dispositivos ali inseridos

    sejam efetivamente de natureza de direitos fundamentais.

    Contudo, os direitos fundamentais ou direito dos homens tratam sobre as relaes

    fundamentais entre social e o pessoal, logo, cuidando das relaes polticas de defesa contra

    os abusos e as arbitrariedades em geral.

    Compem os direitos das pessoas frente ao Estado e estabelecem limitaes ao poderdeste. Alm disso, os direitos servem para evitar situaes de marginalizao, de

    desigualdades sociais ou qualquer forma de discriminao, para que impere o bem-comum

    de todos e a dignidade humana.

    Nesse mesmo sentido, Jorge Miranda:11

    Por direitos fundamentais entendemos os direitos ou as posies jurdicassubjetivas das pessoas enquanto tais, individual ou inconstitucionalmente

    consideradas, assentes nas Constituio, seja na Constituio Formal, seja nasConstituio Material [...]

    No tocante aos direitos das pessoas com transtornos mentais destacam-se os

    Princpios para a Proteo de Pessoas Acometidas de Transtorno Mental e Para Melhoria da

    Assistncia Sade Mental (ONU, 1991) e, no mbito Nacional a Lei n. 10.216/2001.

    3.1 A sade no Estado Democrtico de Direito: a Constituio Federal de 1988

    11MIRANDA. Jorge. Manual de direito constitucional. 2. ed. Coimbra Editora: Coimbra, 1998. T. IV, p. 7.

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    A consagrao dos direitos dos portadores de transtornos mentais como novos

    sujeitos de direito e suas conquistas esto atualmente consubstanciadas na Constituio

    Federal de 1988, na Lei n. 10.216/2001 e nas diversas portarias e resolues que a

    regulamenta, dentre outras, como os direitos fundamentais de primeira dimenso (direito de

    locomoo), de segunda dimenso (direito sade), de terceira dimenso (direito enquanto

    grupo, a ter direitos), de quarta dimenso (direito de no participarem de pesquisas sem seu

    consentimento expresso ou conhecimento) e de quinta dimenso (direito de no serem

    vtimas de cibercrimes), por enquanto.

    O art. 6 da Constituio Federal assegura direito sade, como direito fundamental

    do indivduo, in verbis:

    Art. 6 So direitos sociais a educao, a sade, a alimentao, o trabalho, amoradia, o lazer, a segurana, a previdncia social, a proteo maternidade e infncia, a assistncia aos desamparados, na forma desta Constituio12. (grifosnossos).

    de ser relevado que esse direito considerado um Direito Social, de segunda

    dimenso e, como tal, exige uma interveno direta, uma atuao positiva por parte do

    Estado no sentido de propor e implementar polticas pblicas que promovam e mantenham

    a sade do indivduo e dos grupos que integram a coletividade, por exemplo, o doente

    mental que necessite fazer uso contnuo de medicamentos psicotrpicos e no tenha

    condies econmicas de adquiri-los pode requerer a atuao do Estado, exigindo que ele

    lhe fornea, gratuitamente, os referidos medicamentos.

    Outro aspecto importante em relao coletividade, pois todas as pessoas com

    transtornos mentais tm direito ao acesso e uso do Sistema nico de Sade.

    As aes e servios em sade devem visar preveno, promoo, recuperao,

    educao e reabilitao do indivduo. O direito sade, que entendida como um bem-

    estar biopsicossocial (OMS, 2002) e fica sujeito disciplinamento e mesma racionalidade

    que permeia o direito sade, conforme est consagrado na Carta Magna nos seguintes

    artigos 7, XXXI; art. 23, II; 24, XIV; art. 37, VIII; art. 203, IV e V; art. 208, III; art. 227, 1, II e

    2.

    12(Redao dada pela Emenda Constitucional n 64, de 2010).

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    Oportuno se toma dizer que o Sistema nico de Sade (SUS) mais uma conquista,

    em sade, assegurada aos cidados brasileiros pela Constituio Federal de 1988, conforme

    est previsto no art. 198: As aes e servios pblicos de sade integram uma rede

    regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema nico, organizado de acordo com as

    seguintes diretrizes, e disciplinado pela Lei n 8.080/1990 e 8.142/1990.

    Conforme prev o art. 197, in verbis, da Carta Magna de 1988, institui em carter

    complementar:

    So de relevncia pblica as aes e servios de sade, cabendo ao Poder Pblicodispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentao, fiscalizao e controle,devendo sua execuo ser feita diretamente ou atravs de terceiros e, tambm, porpessoa fsica ou jurdica de direito privado.

    Posta assim a questo, de se dizer que a atuao do SUS primordial para que as

    pessoas com transtornos mentais possam receber ateno integral em Sade, como celebra

    a Constituio Federal de 1988.

    Quanto definio do termo polticas pblicas, autoras como Maria Paula Dallari

    Bucci13, prope uma reformulao de fundamental importncia para o tema, vejamos:

    Poltica pblica o programa de ao do governamental que resulta de umprocesso ou conjunto de processos juridicamente regulados - processo eleitoral,processo de planejamento, processo de governo, processo oramentrio, processolegislativo, processo administrativo, processo judicial visando coordenar os meios disposio do Estado e as atividades privadas, para a realizao de objetivossocialmente relevantes e politicamente determinados. Como tipo ideal, a polticapblica deve visar reabilitao de objetivos definidos, expressando a seleo deprioridades, a reserva de meios necessrios sua consecuo e o intervalo detempo em que se espera o atingimento dos resultados.

    3.2 Direito igualdade e no-discriminao das pessoas com transtornos mentais

    Conforme est previsto no art. 5, Caput, da Constituio Federaligualdade formal a

    todos os brasileiros e estrangeiros. Cumpre examinarmos, neste passo, que o direito

    igualdade, garantido no art. 5, Caput, da Constituio Federal, caracteriza-se por abarcar as

    desigualdades de fato. Portanto, essa atitude denota uma exigncia de equalizao de

    possibilidades.

    13BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e polticas pblicas. So Paulo: Saraiva, 2006b, p. 39.

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    Como tal o valor igualdade, tomado no a penas como condio para o exercciodas liberdades fundamentais igualdade perante a lei mas como contedoautnomo de um dos direitos bsicos (as Constituies brasileiras anteriores no

    enunciam a igualdade como um dos direitos, afirmam somente a igualdade perantea lei), repercute imediatamente no entendimento dos direitos sociaisfundamentais14

    Convm notar, que a igualdade havida na Constituio Federal de 1988, no apenas

    um direito fundamental, mas constitui-se tambm em princpio orientador e informador de

    toda a ordem jurdica brasileira, devendo ser considerado sempre pelo legislador e pelo

    intrprete, ao elaborar e aplicar toda e qualquer norma constitucional e infra-constitucional.

    No se pode esquecer que a assertiva todos so iguais perante a lei incide na

    isonomia formal, positivada j nos primrdios do constitucionalismo, quando foram escritas

    as primeiras declaraes de direitos, notadamente a Declarao de Direitos do Homem e do

    Cidado, de 1789.

    Do exposto pode-se afirmar que o princpio da igualdade complexo, haja vista o fato

    de assegurar, ao mesmo tempo, a igualdade formal (negativa) e a material (positiva).

    Tendo-se o princpio da igualdade formal e material em considerao, passa-se a

    dissertar sobre alguns direitos, tais como o da igualdade, assegurados s pessoas com

    transtorno mental pela Constituio Federal de 1988.

    Impende salientar que o art. 1 da Lei n. 10.216 de 2001, garante a igualdade formal

    entre as pessoas com transtornos mentais e entre eles e toda e qualquer pessoa,

    espelhando, infraconstitucionalmente, o previsto no art. 5, caput, da Constituio Federal

    de 1988.

    Insta ainda observar que a igualdade um conceito relacional, que remete

    comparao. Ser igual perante a lei significa que a aplicao de uma mesma norma jurdica

    no pode ser diferente para as pessoas ou grupo de pessoas que se encontram na mesma

    situao jurdica, independente de sua condio pessoal ou social, sem que haja fundamento

    legal para tal discriminao.15

    14FERRAZ, Tercio Sampaio; DINIZ, Maria Helena; GEORGAKILAS, Ritinha Alzira Stevenson. Constituio de 1988:Legitimidade, Vigncia e eficcia, supremacia. So Paulo: Atlas, 1989, p. 31.15

    MUSSE, Polticas pblicas em sade mental no Brasil na perspectiva do biodireito: a experincia dosestados de Minas Gerais e So Paulo sob a gide da lei n. 10.216/2001 e suas implicaes. Dissertao deDoutorado. PUC. So Paulo: 2006, p. 77.

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    Esse entendimento encontra-se consubstanciado na Carta de Princpios para a

    Proteo da Pessoa Acometida de transtornos Mentais (2005) Resoluo n. 46 da ONU que

    claramente estabelece:

    No haver discriminao sob alegao de transtorno mental. 'Discriminao'significa qualquer distino, excluso ou preferncia que tenha o efeito de anularou dificultar o desfrute igualitrio de direitos. Medidas especiais com a nicafinalidade de proteger os direitos ou garantir o desenvolvimento de pessoas comproblemas de sade mental no sero discriminatrias. Discriminao no incluiqualquer distino, excluso ou preferncia realizadas de acordo com osmovimentos destes princpios e necessrios proteo dos direitos humanos deuma pessoa acometida de transtorno mental ou de outros indivduos.

    Nesta seara, a desigualdade seja reconhecida como igualdade, que a sua diferena

    no seja mais questo de discriminao, mas seja garantido o seu direito diferena em uma

    sociedade plural e complexa.

    a) Direito de nascer essa questo implica na observncia ao princpio da

    autonomia, no a da pessoa com transtorno mental, mas sim daquele que deve assegurar o

    seu direito de nascer.

    O exerccio da autonomia da vontade dos responsveis pelo asseguramento do

    direito do nascituro com transtorno mental limitado pela obrigatoriedade da observncia

    do seu direito vida, integridade fsica e psquica, de acordo com o disposto na Carta

    Magna e na Lei n. 10.216 de 2001.

    b) Direito assistncia integraltenha-se presente que possibilitar o acesso aos

    servios de assistncia sua sade fsica, mental e social e ao melhor tratamento do sistema

    de sade, de acordo as necessidades da pessoa com transtorno mental, um modo de

    promover, manter ou restabelecer sua sade fsica, mental e social. Conforme prev o art.

    2, pargrafo nico, I da Lei 10.216/2001:

    Art. 2 Nos atendimentos em sade mental, de qualquer natureza, a pessoa e seusfamiliares ou responsveis sero formalmente cientificados dos direitosenumerados no pargrafo nico deste artigo.Pargrafo nico. So direitos da pessoa portadora de transtorno mental:I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de sade, consentneo s suasnecessidades;

    [...].

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    Portanto, esse aceso deve ser universal, ou seja, garantido a toda e qualquer pessoa

    com transtorno mental que necessite utilizar qualquer um dos servios de sade oferecido

    pelo SUS, que sejam voltados para a sade fsica, que seja para a psquica, quer para a social

    em igualdade de condies com os demais usurios.

    c) Direito de receber o atendimento adequado ao seu quadro clinico o

    asseguramento do direito de a pessoa com transtorno mental receber atendimento

    adequado ao seu quadro clinico d-se de duas formas: pelo acesso rede de ateno s

    pessoas que sofrem com transtornos mentais, em sentido amplo, e por intermdio do seu

    projeto teraputico individual, em sentido estrito.

    A ateno em sade mental, nos municpio com populao inferior a 20.000

    habitantes, pode ser oferecida de modo articulado com a rede bsica de sade, em

    programas como o da Sade da Famlia (PSF) e Agentes Comunitrios da Sade (PACS).

    3.3 Direito de acesso aos servios de assistncia em sade mental

    Convm ponderar, ao demais, que a ateno em sade mental s pessoas com

    transtornos mentais pode ser realizada em unidades hospitalares ou hospital psiquitrico ougeral, ou preferencialmente, em unidade extra-hospitalares ou comunitrias, tais como CAPS

    e residncia teraputica conforme prev o art. 2 pargrafo nico, IX, da Lei n. 10.216/2001;

    art. 5, caput da resoluo CFM (Conselho Federal de Medicina) n. 1.408/1994:

    Art. 2 Nos atendimentos em sade mental, de qualquer natureza, a pessoa e seusfamiliares ou responsveis sero formalmente cientificados dos direitosenumerados no pargrafo nico deste artigo:Pargrafo nico. So direitos da pessoa portadora de transtorno mental:[...]IX - ser tratada, preferencialmente, em servios comunitrios de sade mental.

    (grifos nossos).

    Vale a pena transcrever o art. 5, caput da resoluo CFM n. 1.408/1994, in verbis:

    As modalidades de ateno psiquitrica extra-hospitalar devem ser sempre prioritrias, e,

    na hiptese de ser indispensvel a internao, esta ser levada a efeito pelo menor prazo

    possvel.

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    3.4 Centro de Ateno Psicossocial CAPS16

    Os Centros de Ateno Psicossocial CAPS so servios pblicos de natureza

    ambulatorial de ateno diria, autnomos em relao a hospitais, voltados para o cuidado

    de usurios com transtornos mentais severos e persistentes, conforme portaria GM n 336,

    de 2002 em seu art. 1, 1. Os CAPS compem a rede de ateno em sade do SUS.

    Os CAPS so instituies destinadas a acolher os pacientes com transtornos mentais,

    estimular sua integrao social e familiar, apoi-los em suas iniciativas de busca da

    autonomia, oferecer-lhes atendimento mdico e psicolgico. Sua caracterstica principal

    buscar integr-los a um ambiente social e cultural concreto, designado como seu territrio,

    o espao da cidade onde se desenvolve a vida quotidiana de usurios e familiares. Os CAPS

    constituem a principal estratgia do processo de reforma psiquitrica.

    Vale destacar que as pessoas atendidas nos CAPS so aquelas que apresentam

    intenso sofrimento psquico, que lhes impossibilita de viver e realizar seus projetos de vida.

    So, preferencialmente, pessoas com transtornos mentais severos e/ou persistentes, ou seja,

    pessoas com grave comprometimento psquico, incluindo os transtornos relacionados s

    substncias psicoativas (lcool e outras drogas) e tambm crianas e adolescentes comtranstornos mentais.

    Os usurios dos CAPS podem ter tido uma longa histria de internaes psiquitricas,

    podem nunca ter sido internados ou podem j ter sido atendidos em outros servios de

    sade (ambulatrio, hospital-dia, consultrios etc.).

    O importante aqui que essas pessoas saibam que podem ser atendidas e saibam o

    que so e o que fazem os CAPS.

    3.5 O direito moradia17

    O direito moradia foi alado expressamente categoria de direito fundamental no

    ordenamento jurdico brasileiro apenas em 2000, com a Emenda Constitucional n 26 de 14

    16 Maiores informaes sobre o CAPS podem ser encontradas em:

    . Acesso em: 10 out. 2010.17BRASIL. Residncias teraputicas: o que so, para que servem. Ministrio da Sade, Secretaria de Ateno

    Sade, 1.Departamento de Aes Programticas Estratgicas.Braslia: Ministrio da Sade, 2004. 16 p.: il.(Srie F. Comunicao e Educao em Sade)..

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    de fevereiro daquele ano.

    Registre-se que, enquanto direito social, o direito moradia garante ao seu titular a

    possibilidade de exigir do Estado uma ao positiva, ou seja, exigir do Estado uma prestao,

    um fazer, a fim de assegurar aos seus titulares o acesso e o gozo do bem juridicamente

    assegurado: a moradia.

    Esse direito social relaciona-se diretamente dignidade da pessoa, pois no h

    dignidade se o indivduo no possui, dentre outros bens juridicamente tutelados, um local

    para abrig-lo.

    Tambm no possvel, no mbito das polticas pblicas em sade mental, haver

    reabilitao psicossocial da pessoa com transtorno mental se essa pessoa no estiver

    integrada a uma comunidade e nela no possuir uma moradia digna como local de referncia

    e proteo.

    Assinale-se, ainda, que essas exigncias a moradia e a incluso social esto

    amparadas constitucionalmente pelo art. 23, IX e X, da CF/ 1988, que preveem como

    competncia comum entre os entes.

    O Servio Residencial Teraputico (SRT) ou residncia teraputica ou simplesmente

    moradia so casas localizadas no espao urbano, formadas para responder snecessidades de moradia de pessoas portadoras de transtornos mentais graves,

    institucionalizadas ou no.

    No se pode esquecer de que as residncias teraputicas instituem como alternativas

    de moradia para um grande contingente de pessoas que esto internadas h anos em

    hospitais psiquitricos por no contarem com suporte apropriado na comunidade.

    Alm disso, essas residncias podem servir de apoio a usurios de outros servios de

    sade mental, que no contem com suporte familiar e social suficientes para garantir espao

    adequado de moradia.

    3.6 Direito educao

    Assim como na sade, a educao um direito social assegurado a tudo e qualquer

    indivduo e, por conseguinte, pessoa com transtorno mental, e visa Constituio Federal

    garantir esse direito no art. 205, in verbis:

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    Art. 205. A educao, direito de todos e dever do Estado e da famlia, serpromovida e incentivada com a colaborao da sociedade, visando ao plenodesenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exerccio da cidadania e suaqualificao para o trabalho.

    Portanto, a educao deve ser instrumento de superao de desigualdade e de

    incluso social. Por isso, no mbito das polticas pblicas em sade mental, o acesso

    educao e o acesso e a permanncia na escola fazem parte das estratgias de incluso social

    e reinsero psicossocial da pessoa com transtorno mental, seja ela criana, adolescente,

    adulto ou idoso, como mecanismo de asseguramento desse direito.

    Diante disso, os projetos teraputicos individuais das pessoas com transtornos

    mentais devem privilegiar as atividades escolares, como atividades sociais inclusivas.18

    Tenha-se presente que uma vez inserida no sistema de ensino, que regido de

    acordo com o art. 206 da CF/1988, incisos I e II, pelos princpios da igualdade de condies e

    acesso e permanncia na escola e da liberdade de aprender, qual dever ser a modalidade de

    ensino ofertado s pessoas com transtornos mentais.

    Art. 206. O ensino ser ministrado com base nos seguintes princpios:I - igualdade de condies para o acesso e permanncia na escola;

    II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e osaber;[...].

    A incluso das pessoas com transtornos mentais no sistema regular de ensino est

    expressamente contemplada na Constituio Federal de 1988 em seu art. 208, III, que dispe

    sobre o dever de o Estado efetivar a educao das pessoas com deficincia fsica ou psquica,

    ou com necessidades especiais, assegurando-lhes acesso educao, preferencialmente na

    rede regular de ensino.

    Art. 208. O dever do Estado com a educao ser efetivado mediante a garantia de:[...]

    III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficincia,preferencialmente na rede regular de ensino;[...].

    Corroborando o assunto, Elcie F. Salzano Masini19explica que a incluso escolar

    prevista nas normas ptrias consiste em valorizar o diferente, absorvendo o que cada

    18BRASIL, Ministrio da Sade. Secretria de Ateno Sade /Departamento de Sade mental no SUS: osCentros de Ateno Psicossocial. Braslia Ministrio da Sade, 2004b, p.23.

    19MUSSE, Op. Cit. 2006, p. 77.

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    indivduo pode oferecer.

    A presena de pessoas com transtornos mentais no ensino regular, seja ele

    fundamental, mdio ou superior, contribui para que ocorram transformaes no modo de

    pensar e agir das pessoas que entram em contato com elas, o diferente, o outro e assim

    transformando valores e as prticas educativas.

    Entretanto, para que isso ocorra, a escola, os professores, os colegas, a rotina

    acadmica, tudo, deve estar preparado e ser receptivo para que haja a incluso da pessoa

    com transtornos mentais, sob pena de, em no o fazendo, promoverem o inverso: a

    excluso.

    Vale destacar que a educao, ao lado do trabalho, outro direito social, pode ser um

    poderoso instrumento de habilitao ou de reabilitao psicossocial da pessoa com

    transtorno mental, e o Ministrio da Sade deve, em conjunto com o Ministrio da

    Educao, estabelecer, implementar e fiscalizar polticas pblicas intersetoriais voltadas para

    essa populao.

    3.7 Direito ao trabalho

    Segundo Jos Afonso da Silva (1999, p. 292), o direito ao trabalho um direito social

    que no se encontra expresso na Constituio Federal. Apesar de no ser expresso, ele pode

    ser identificado no conjunto de normas constitucionais que versam sobre essa matria: art.

    1, IV; art. 170 e o art. 193 ambos da CF/1988.

    Assim, no art. 1, IV, se declara que a Repblica Federativa do Brasil tem comofundamento, entre outros, os valores sociais do trabalho; o art. 170 estatui que a

    ordem econmica funda-se na valorizao do trabalho, e o art. 193 dispe que aordem social tem como base o primado trabalho. Tudo isso tem o sentido dereconhecer o direito social ao trabalho, como condio da efetividade da existnciadigna (fim da ordem econmica) e, pois, da dignidade da pessoa humana,fundamento, tambm da Repblica Federativa do Brasil (art. 1, III). 20(grifosnossos).

    Contudo, a internao crnica impediu que muitas pessoas com transtorno mental

    20SILVA, Jos Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 16. ed. rev. e atual. So Paulo: Malheiros,1999, p. 292-293.

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    usufrussem desse direito. Por conseguinte, essas pessoas foram excludas do convvio social

    e do mercado de trabalho. preciso insistir tambm no fato de que a reabilitao por meio

    do trabalho um dos pilares da Reforma Psiquitrica brasileira.

    A Lei n. 8.123 de 1991, subseo II, art. 93, prev que as empresas com o nmero

    igual ou superior a cem funcionrios devem contratar, proporcionalmente, pessoas com

    necessidades especiais.

    Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados est obrigada a preencherde 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiriosreabilitados ou pessoas portadoras de deficincia, habilitadas, na seguinteproporo:

    I - at 200 empregados......................2%;II - de 201 a 500.............................. 3%;III - de 501 a 1.000......................... 4%;IV - de 1.001 em diante. ................ 5%.

    A Lei n. 7.853/1989 dispe sobre o apoio s pessoas com deficincia (incluindo a os

    portadores de transtorno mental) e sua integrao social que, em relao sua formao

    profissional e do trabalho, em conformidade com o art. 2, pargrafo nico, III, requer:

    Art. 2 Ao Poder Pblico e seus rgos cabe assegurar s pessoas portadoras dedeficincia o pleno exerccio de seus direitos bsicos, inclusive dos direitos educao, sade, ao trabalho, ao lazer, previdncia social, ao amparo infnciae maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituio e das leis, propiciemseu bem-estar pessoal, social e econmico.Pargrafo nico. Para o fim estabelecido no caput deste artigo, os rgos eentidades da administrao direta e indireta devem dispensar, no mbito de suacompetncia e finalidade, aos assuntos objetos esta Lei, tratamento prioritrio eadequado, tendente a viabilizar, sem prejuzo de outras, as seguintes medidas:[...]

    III - na rea da formao profissional e do trabalho:a) o apoio governamental formao profissional, e a garantia de acesso aosservios concernentes, inclusive aos cursos regulares voltados formaoprofissional;b) o empenho do Poder Pblico quanto ao surgimento e manuteno deempregos, inclusive de tempo parcial, destinados s pessoas portadoras dedeficincia que no tenham acesso aos empregos comuns;c) a promoo de aes eficazes que propiciem a insero, nos setores pblicos eprivado, de pessoas portadoras de deficincia;d) a adoo de legislao especfica que discipline a reserva de mercado detrabalho, em favor das pessoas portadoras de deficincia, nas entidades daAdministrao Pblica e do setor privado, e que regulamente a organizao de

    oficinas e congneres integradas ao mercado de trabalho, e a situao, nelas, daspessoas portadoras de deficincia;[...]

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    3.8 O Direito ao Benefcio de Prestao Continuada

    de se verificar que o BCP - Benefcio de Prestao Continuada uma modalidade de

    benefcio que objetiva auxiliar grupos de pessoas consideradas socialmente desamparadas, a

    saber: idosos, pessoas com deficincia, com transtornos mentais e doenas graves.

    A concesso desse benefcio uma ao da Assistncia Social, que tem como

    atribuio a distribuio de bens e recursos para as camadas especficas da populao, de

    acordo com necessidades tpicas, sendo aes de tipo focalizado, residuais e seletivas.

    Vale destacar que um benefcio pago pela sociedade, independentemente de

    contribuio previdenciria. Implica solidariedade social e se apresenta como uma forma de

    realizao de justia distributiva e social.

    O Benefcio de Prestao Continuada (BCP) ou amparo assistencial est previsto no

    art. 20 da Lei n. 8.742/1993 a Lei Orgnica da Assistencial Social (LOAS) e regulamentada

    pelo Decreto n. 6.214 de 2007, em conformidade com o disposto no art. 203 da Carta

    Magna, in verbis:

    Art. 203 - A assistncia social ser prestada a quem dela necessitar,independentemente de contribuio seguridade social, e tem por objetivos:I - a proteo famlia, maternidade, infncia, adolescncia e velhice;II - o amparo s crianas e adolescentes carentes;III - a promoo da integrao ao mercado de trabalho;IV - a habilitao e reabilitao das pessoas portadoras de deficincia e a promoode sua integrao vida comunitria;V - a garantia de um salrio mnimo de benefcio mensal pessoa portadora dedeficincia e ao idoso que comprovem no possuir meios de prover prpriamanuteno ou de t-la provida por sua famlia, conforme dispuser a lei.

    Art. 20. O benefcio de prestao continuada a garantia de 1 (um) salrio mnimomensal pessoa portadora de deficincia e ao idoso com 70 (setenta) anos ou maise que comprovem no possuir meios de prover a prpria manuteno e nem de t-la provida por sua famlia.

    3.9 Direito Liberdade: A inconstitucionalidade da internao psiquitrica compulsria

    O portador de doena de transtorno mental, cometer algum crime, em sua defesa,

    alguns alegam a sua inimputabilidade, acredita-se que por desconhecimento acerca dasconsequncias jurdicas da aplicao da medida de segurana, caso essa tese de defesa seja

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    vencedora.

    Vale ressaltar que h um tempo mnimo para que o infrator com transtorno metal

    receba o tratamento via medida de segurana: 01 (um) a 03 (trs) anos. Oportuno se torna

    dizer que a que se apresenta a problemtica da questo, no h um prazo mximo para se

    pr termo a esse tratamento, que pode ser mantido enquanto pendurar o entendimento de

    que a periculosidade do agente ainda no cessou.

    Oportuno se toma dizer que isso resulta, na prtica, em longas internaes que

    duram de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos ou at que o infrator com transtorno mental venha a

    falecer.

    Deve ser relevado que pela falta de previso legal, de um prazo mximo para

    internao do infrator com transtorno mental contraria princpios constitucionais e normas

    internacionais, como a Declarao Universal dos Direitos Humanos, que no seu art. XI, 1 e 2,

    assim dispe que:

    1. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumidainocente at que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, emjulgamento pblico no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantiasnecessrias sua defesa.

    2. Ningum poder ser culpado por qualquer ao ou omisso que, no momento,no constituam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco serimposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prtica, era aplicvelao ato delituoso.

    No se pode perder de vista que a Constituio Federal, no seu art. 5, elenca direitos

    e garantias asseguradas ao acusado e ao condenado, em consonncia com o disposto na

    Declarao Universal dos Direitos Humanos, dentre os quais se destacam os princpios da

    igualdade, do contraditrio e o da ampla defesa, previstos, respectivamente, no caput, e nos

    incisos LIV, LV, alm da proibio de se adotar pena de carter perptuo, prevista no inciso

    XLVII, b, do j mencionado art. 5 da CF/1988.

    A legislao infraconstitucional que disciplina a medida de segurana no assegura o

    gozo desses direitos e garantias ao infrator com transtorno mental, o que enseja sua

    flagrante inconstitucionalidade.

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    4 Internao involuntria em Psiquiatria

    A internao psiquitrica um ato mdico que vem enfrentando, nos ltimos anos,

    fortes crticas geradas por alguns integrantes do movimento anti-manicomial, em pleno

    processo de reforma psiquitrica, aonde os leitos hospitalares vm sendo insuficientemente

    substitudos por ofertas alternativas deficitrias. So trs os tipos bsicos de internao:

    voluntria, involuntria e compulsria.

    Vale destacar que a internao psiquitrica involuntria, por sua vez, aquela

    conseguida sem o consentimento do paciente e a pedido de terceiros. Habitualmente, so os

    familiares que requerem a internao do paciente, mas possvel que o pedido venha de

    outras fontes. Situaes como doena mental com alto risco de auto-agresso ou

    heteroagresso21, bem como transtorno grave que implica na capacidade do paciente de

    reconhecer a necessidade do tratamento e de aceit-lo, dentre outras, so frequentes as

    recomendaes de internao involuntria.

    Contudo, a Lei n. 10.216, de 06 de abril de 2001, norteia o psiquiatra sobre seu

    procedimento legal quando necessitar de internar algum paciente de forma involuntria.

    Inicialmente, seu artigo 6 no pargrafo nico de, esta lei trata dos trs tipos de internaopsiquitrica, j descritos acima: voluntria, involuntria e compulsria.

    Art. 6 - A internao psiquitrica somente ser realizada mediante laudo mdicocircunstanciado que caracterize os seus motivos.Pargrafo nico. So considerados os seguintes tipos de internao psiquitrica:I - internao voluntria: aquela que se d com o consentimento do usurio;II - internao involuntria: aquela que se d sem o consentimento do usurio e apedido de terceiro; eIII - internao compulsria: aquela determinada pela Justia.

    Portanto, vale destacar o artigo 8, Lei n. 10.216, de 06 de abril de 2001, que por sua

    vez, trata em seus dois pargrafos dos procedimentos a serem adotados.

    Art. 8 - A internao voluntria ou involuntria somente ser autorizada pormdico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina - CRM do Estadoonde se localize o estabelecimento. 1 A internao psiquitrica involuntria dever, no prazo de setenta e duas horas,ser comunicada ao Ministrio Pblico Estadual pelo responsvel tcnico do

    21 BRASIL. Lei n. 10.216/2001. Dirio Oficial da Unio, 9 abril 2001. Disponvel em:. Acesso em: 20 out. 2010.

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    alguns contra-argumentos a seu favor.

    a) Entre os primeiros esto queles defendidos por quem considera a doena mental

    um mito e, portanto, no faria sentido um tratamento involuntrio de uma entidade

    inexistente.

    b) Existem tambm aqueles que, apesar de acreditarem na existncia da doena

    mental, condenam o tratamento coercitivo, defendendo a idia de que o tratamento s

    poderia ser eficaz com a colaborao do paciente.

    c) Por fim, existem ainda os que acreditam na doena mental, sustentam que o

    tratamento coercitivo pode ser eficaz, mas adotam a posio de que a sociedade deveria

    primeiramente trabalhar para tornar atrativo e acessvel o tratamento em clnicas, antes de

    se pensar em internao involuntria.

    Consideraes finais

    Conforme explanado, o presente trabalho esteve direcionado para uma compreenso

    das polticas pblicas em sade mental no Brasil, procurou apresentar implantao de

    polticas pblicas, sob a gide da Lei n. 10.216/2001, voltada para o doente de transtornomental.

    Vale destacar a importncia da legislao de sade mental, que pode e deve fornecer

    uma estrutura referencial voltada mais para o tratamento e apoio famlia, fazendo a devida

    incluso na sociedade da pessoa com transtorno mental.

    As pessoas com transtornos mentais necessitam de proteo legislativa para sua

    interao com o sistema de ateno sade em geral, incluindo acesso a tratamento,

    qualidade do tratamento oferecido, confidencialidade, consentimento no tratamento e

    acesso informao.

    Um dos objetivos da Lei 10.216 de 2001 contribuir efetivamente para o processo de

    insero social das pessoas com transtornos mentais, incentivando a organizao de uma

    rede ampla e diversificada de recursos assistenciais, facilitando o convvio social,

    assegurando o bem-estar global e estimulando o exerccio pleno de seus direitos civis,

    polticos e de cidadania, no o que encontramos sempre nos hospitais psiquitricos.

    Realidade diferente hoje, j detectada no tratamento dos doentes de transtornos

    mentais, pois ao longo dos anos os doentes foram marcados por isolamentos e terapias

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    repressoras e desumanas.

    Concluindo, enfim, este trabalho constatou que as mudanas no modelo assistencial

    nas instituies de sade mental no Brasil esto ocorrendo e podem contribuir de forma

    eficiente e efetiva para o desenvolvimento humano e social, mas para isso acontecer, as

    categorias profissionais e a sociedade civil tm que se organizar, porque temos muita luta

    pela frente para que possamos concretizar uma Reforma Psiquitrica autntica garantindo

    uma rede ampla para reduzir o isolamento e a excluso dos portadores de transtornos

    mentais, pois quando no se conhece os fundamentos da profisso, os limites postos pela

    conjuntura, os direitos e a legislao dos portadores de transtornos mentais e no se discute

    as alternativas de supresso dos mesmos, estaremos condenados a perpetuar prticas

    conservadoras, dificultando a concretizao de um suporte social efetivo para a insero e o

    pleno bem-estar fsico, mental e social dos usurios de sade mental.

    Referncias

    ABDALLA FILHO, Elias. Avaliao de risco. In: Taborda, Jos G. V.; Chalub, Miguel; Abdalla-filho, Elias. Psiquiatria Forense. Porto Alegre: Artmed, 2004.

    ______ . Internao involuntria em psiquiatria. ABP

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