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40 ANOS DEADVOCACIA CRIMINAL

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40 ANOS DE ADVOCACIA CRIMINAL

Relembranças

Osvaldo Serrão

Belém-Pará2016

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• Vice-presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas

• Membro da Academia Brasileira de Direito Criminal

• MembrodoInstitutoBrasileirodoDireitodeDefesa.

• MembrodaComissãodeEstudosdeDireitoPenaldoConselhoFederal/OAB

• ConselheiroFederaldaOAB

• MembrodaAssociaçãodosAdvogadosdeSãoPaulo

• MembrodaAssociaçãoPaulistadosAdvogadosCriminalistas

• FundadordaAssociaçãodosAdvogadosCriminalistasdoEstadodoPará

• FundadordaAcademiaAmapaensedeJúri

• FundadordaAcademiaParaensedeJúri.

Advogado Criminalista

JUSTIÇA FEDERAL - TRIBUNAIS SUPERIORES

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40 ANOS DE ADVOCACIA CRIMINAL

Relembranças

Osvaldo Serrão

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Projeto Gráfico, Produção Editorial,Revisão

Laïs Zumero

Editoração EletrônicaTratamento de imagens

Ezequiel Noronha Jr.

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AGRADECIMENTOS

Sou profundamente reconhecido a todos que, direta ou indiretamente, colaboraram para a edição desta obra.

Aos meus pais, Ray e Osvaldo, companheiros permanentes na estrada da minha vida, fonte maior de inspiração.

Aos meus filhos Yan, Nayana, Claudiomar Felipe e Antônio Gabryel, pela energia, incentivo e permanente cobrança; primeiro para escrever, e depois, para concluir o livro, no que nos meus poucos momentos de folga permitiam escrever.

À minha musa e esposa, Kelem, não apenas pela inestimável e imprescindível participação na sua montagem e organização, mas, sobretudo, pelo elixir do amor que me energiza no emocionante dia a dia de um profisisonal, cuja matéria-prima do trabalho são os dramas da vida das pessoas.

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APRESENTAÇÃO

À primeira vista pode parecer estranho um advogado trabalhista apresentar o livro de um criminalista. Mas só estranha quem não conhece a realidade de um e de outro profissional. Trabalhistas e criminalistas são mais parecidos do que imaginamos que sejam. Num país em que a ditadura foi a regra e a democracia a exceção, e que os direitos sociais ainda estão por ser realidade, advogados trabalhistas e criminalistas sempre foram marginalizados no mundo jurídico, tradicionalmente catalizado pelos civilistas.

Advogamos para pobres, marginalizados e excluídos, num ambiente estatal ainda avesso à liberdade e aos direitos humanos. Não somos donos de “big offices”, não temos sócios estrangeiros, não temos vergonha de comer cachorro quente em pé, debaixo da mangueira do fórum, adoramos um boteco pé sujo com os amigos na sexta e só entramos na OAB depois de 1988, aproveitando os ventos da nova Constituição.

Mas uma advertência. Ninguém nos abriu portas. Entramos chutando, reclamando do abandono ou tratamento diferenciado das nossas prerrogativas profissionais. Reclamação trabalhista é ação ordinária, Habeas corpus é processo penal, somos todos advogados e merecemos igualdade de tratamento, consideração e respeito. Criminalistas e trabalhistas têm, portanto, a mesma formação histórica e uma causa comum: a luta pela dignidade profissional.

Atribuo a esse contexto sociocultural que nos une, trabalhistas e criminalistas, o honroso convite que me foi feito pelo célebre amigo Osvaldo Serrão para apresentar seu livro de memórias, com o qual celebra 40 anos de profissão.

Li o livro de uma só sentada. Narrativa empolgante, leve e encadeada como um livro de aventuras. O livro conta, sem volteios, como foi difícil ao Doutor Serrão tornar-se advogado criminalista numa época em que a Faculdade de Direito ministrava um curso

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genérico e superficial, em que não havia internet, mídias sociais e ainda numa ditadura militar. Aos mais velhos, o livro relembra de onde viemos; aos mais jovens, deve inspirar a luta pelos valores da democracia e da liberdade que receberam como herança.

Vivemos tempos difíceis e incertos, especialmente para a advocacia criminal. Em entrevista à Folha de São Paulo, no dia 16.01.2016, Técio Lins e Silva,

Presidente do nosso Centenário Instituto dos Advogados Brasileiros, IAB, declarou:

...Estou falando de uma arbitrariedade como nunca se viu no Brasil, nem na ditadura. Advoguei de 1965 a 1985 intensamente na Justiça Militar, na fase mais dura dos anos de chumbo, quando não havia habeas corpus e o preso ficava incomunicável. Tenho autoridade para comparar as coisas”.

Doutor Serrão vem desse tempo em que o advogado era considerado inimigo de Estado, alvo a ser perseguido e até eliminado pelas forças de repressão. E, se hoje, a mídia desdenha do direito de defesa do acusado, pode-se bem imaginar como era, naqueles tempos, vestir a beca nas cortes militares em defesa da liberdade.

Hoje, o jovem advogado ostenta suas vestes talares na tribuna em pose de “selfies” para o Facebook. Mas, no início da advocacia do Doutor Serrão, a mesma cena era necessariamente precedida da lembrança heroica do advogado francês, Nicolas Berryer, que iniciou sua defesa no tribunal do terror revolucionário, dizendo: “Trago à convenção a verdade e a minha cabeça; poderão dispor da segunda, mas só depois de ouvirem a primeira”. Que os jovens continuem fazendo suas “selfies” da tribuna, com seus braços erguidos como pássaros negros e vermelhos da liberdade, mas saibam que a democracia teve um preço caro, por vezes pago com o sangue de colegas.

Heleno Fragoso, um dos maiores doutrinadores do Direito Penal, que também foi preso e sequestrado por defender presos políticos na década de 70, contou-nos em seu livro Advocacia da Liberdade:

O advogado só pode lutar com a lei e, nessa época, simplesmente não havia lei alguma que garantisse os direitos de liberdade do preso, porque não havia instrumentos processuais que permitissem reclamar sua observância. O Ato Institucional nº 5 suspendeu o habeas corpus, e essa medida equivalia a virtual

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autorização para o constrangimento ilegal. O poder público atuava como atuam os delinquentes.

Osvaldo Serrão possui a mesma têmpera e estatura de Heleno Fragoso, Sobral Pinto, Evandro Lins e Silva e Márcio Tomaz Bastos. Trata-se de um homem comprometido com o direito de defesa. Como grande advogado que é, já experimentou a tribuna pela defesa e pela acusação. Mas, sem dúvida que é pela defesa, a sua confessada, única e definitiva paixão.

Creio que o Doutor Serrão se identificou e se deliciou com Evandro Lins e Silva no documentário O vício da liberdade, quando disse: ...Se um pecado eu cometi na profissão, foram as poucas vezes que acusei. Das defesas não me arrependo de nenhuma.”

Osvaldo Serrão, por sua notoriedade, foi para a política, onde foi vereador e poderia ter seguido carreira, tornando-se Deputado, Secretário de Estado ou Desembargador. Competência e mérito tinha de sobra. Mas, desapegado do poder, retornou a sua banca. Achou – e com toda sabedoria – que poderia fazer mais pelo Estado democrático de direito a partir da sua banca que longe dela.

Nesse gesto, o Doutor Serrão, lembrou Sobral Pinto. Paula Fiúza, neta e autora do documentário – Sobral: o homem que não tinha preço – contou ao site da OAB/RJ, que Sobral Pinto, defendeu o direito de Juscelino Kubitscheck candidatar-se a Presidente da República, mas não aceitou sua indicação posterior para o Supremo Tribunal Federal para que não pensassem que sua advocacia teria sido exercida com o fim de tirar vantagem pessoal. Para ela, o desapego era o que definia o seu avô.

Márcio Tomaz Bastos, quando veio a Belém, em 2009, para lançar meu programa de candidato a Presidente da OAB, me disse que o novo inimigo das liberdades civis, das garantias do processo e das nossas prerrogativas, não viria das casernas; sairia do ventre da democracia: o Ministério Público. E o que vemos hoje – sem aprofundar o mérito - senão a profecia de Márcio Tomaz Bastos tomar corpo diante da nação brasileira, ameaçando arrastá-la às trevas absolutistas do Estado leviatã, descrito por Thomas Hobbes no século XVII?

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O livro do Doutor Osvaldo Serrão é importante porque conta uma história de vida bonita de ser contada, lida e aprendida. Mas é sobretudo exemplo atual de um homem que por 40 anos, luta a favor da causa da liberdade. Que este livro seja candeia às novas gerações de juristas, homens e mulheres, advogados, juízes, delegados e promotores para que preservem e defendam os legados deixados pela aventura da liberdade.

Boa Leitura!Belém, 03 de maio de 2016.

JARBASVASCONCELOSConselheiro Federal e Ex-Presidente da OAB /PA

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PREFÁCIO

Ser convidado para prefaciar uma obra pelo colega advogado Criminalista Osvaldo Serrão de Aquino, que faz da profissão um sacerdócio e da ciência do direito o seu altar, é extremamente honroso. Espero não frustrar as expectativas, especialmente nesta nossa quadra histórica de crise conceitual.

Este trabalho é uma perfeita linha do tempo de uma vida exemplar, dedicada ao direito, permeada de fé e culto aos bens incorpóreos que povoam e enobrecem a generosidade da alma humana. Faço parte destas memórias registradas e testemunhei os passos de Serrão, um paradigmático humanista.

Como disse outrora, os inscientes afirmam, constantemente, que os advogados criminalistas “defendem bandidos”, confundindo-nos com delinquentes. Nesse delírio, fruto da desinformação, chegam a acenar com a contribuição da classe para a impunidade. Essa massa ignara apregoa que “as leis protegem os marginais”.

Antes da formatura, quando da opção por um ramo do direito, assim como Osvaldo Serrão de Aquino, refleti muito sobre o papel do criminalista, debruçando-me sobre biografias de grandes advogados, consultando até a Bíblia. Convenci-me de que a mais nobre das tarefas que um advogado pode desempenhar é a criminal. Nela, trabalha-se com seres humanos e não se busca a defesa do patrimônio, do contrato, da herança, da dívida, do tributo e, sim, da liberdade e da honra - bens infinitamente mais preciosos. Sem estes, de que valerão os outros?

Quanto a pretender o “endurecimento do sistema”, recordemo-nos que a mesma lei que vier a não “proteger bandidos”, igualmente não protegerá as pessoas de bem. Se a lei é para todos, admitir, por exemplo, que a polícia possa livremente invadir a casa de alguém que se supõe “bandido”, permitirá o mesmo com os demais. É uma equação dificílima de manejar. Daí as cautelas constitucionais e processuais penais, das quais não se pode abrir mão sob pena de desertarmos do “Estado de Direito”, onde vigorariam imposições de vontades pessoais.

Proponho ao leitor um teste. Na obra norte-americana The Supreme Court – Palladium of Freedom – Alpheus Thomas Mason, o autor, inicia com uma reflexão de Edmund Burke:

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“Para criar um governo não é necessário grande prudência. Estabeleça-se a sede do poder, ensine-se a obedecer e a tarefa estará concluída. Outorgar liberdade é ainda mais fácil, não exige guias, basta deixar as rédeas soltas. Para formar, contudo, um governo com liberdade, isto é, fundir estes dois elementos opostos - liberdade e restrição - em um conjunto consistente, exige meditação, profunda reflexão e uma mentalidade sagaz, poderosa e acomodatícia”.

Portanto tente resolver isto que todos os estudiosos das leis, da verdadeira política e advogados vocacionados como o Autor Osvaldo Serrão de Aquino, estão tentando. Por favor, ajude a nação a encontrar esse novo “ovo de Colombo”, que você eternamente será lembrado. Contudo, se não conseguir equacionar, não critique.

Na Bíblia encontrei: “Não vim chamar os justos mas os pecadores ao arrependimento...”. Assim, ao observar um combativo advogado criminalista como Osvaldo Serrão de Aquino, trabalhando, sabem o que ele indiretamente estará defendendo? A liberdade! E sua cliente, a sociedade! Ante prepotentes investidas contra o cidadão. Pela Constituição Federal, essa “partida”, no dizer de Luiz Flávio Gomes, felizmente começaria sempre 1 x 0 para a defesa, ou seja, “todos são considerados inocentes até decisão judicial contrária” (enunciado hoje em crise).

Muitas pessoas parecem “anestesiadas”, escudadas na falsa premissa: “sou uma pessoa de bem, não vou precisar disto nunca...”, desconhecendo a triste realidade de que 90% das pessoas que procuram advogados criminalistas iniciam a conversa indignadas, com esta mesma frase nos lábios. Hoje o outro, e amanhã?

Temos que tolerar os inscientes insensíveis, que inclusive se dizem cristãos, mas ainda que ouvissem da boca de Cristo, o “Sermão da Montanha”, bocejariam e cochilariam. Recordo aqui palavras de Luiz Flávio Borges D’Urso segundo o qual “a mais linda e mais humana das profissões é a advocacia”.

Outra feita tentei descrever o indescritível do que ouvimos do cliente e sentimos quando em ação,

O delegado falou que se eu assinasse todos aqueles papéis seria melhor para mim... Agora que exibiram minhas imagens e noticiaram a história imaginada, já posso ir embora doutor? Meu carro vai ficar no pátio da delegacia? Minhas outras coisas vão ficar apreendidas? A conta bancária bloqueada? O que as testemunhas disseram a meu respeito? Quais os dias que meus familiares poderão vir aqui me visitar? Qual o

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tempo de duração da visita? O que eles podem trazer para mim? Meus pais, irmãs, filhas e cônjuge terão que ficar nus em revistas íntimas para poderem me ver? Vou ficar neste espaço pequeno com mais de quinze pessoas se revezando para dormir no chão? Vou resolver o problema e logo estarei em casa.... Digam aos amigos que o papai não é isso que estão dizendo...”

Não raro, a pessoa aprisionada é abandonada, perdendo a credibilidade junto com a liberdade e, de roldão, seu meio de subsistência. Aqueles que banalizam os cárceres e seus reflexos não os conhecem. É uma solitária escuridão psicológica, a pessoa acusada, ao ajoelhar-se, eleva as mãos descrente da falível justiça humana dirigindo-se a Deus num quase “por que me abandonaste...”, os rogos são interrompidos pelo carcereiro que o chama dizendo: “me acompanhe!”. Naquele lugar cheio de grades, correntes e cadeados, depara-se com algo que ele considera uma primeira resposta às suas súplicas... “Sou o advogado que sua família pediu que viesse..”

Para outros um mero profissional, mas, para o acusado, uma figura sagrada, uma luz divina em resposta aos seus pedidos, um porta-voz da esperança, mão amiga que se estende em um gesto de solidariedade somente sentido por ambos – uma indescritível linguagem gestual que não se expressa em moedas ou palavras. Com olhares e mãos sôfregas sobrepostas na do defensor, vem a primeira pergunta: “meu caso tem solução?”

Admiro quem cultua os princípios da legalidade, da presunção de inocência, do devido processo legal, o caráter ressocializador das penas, a amplitude e a inviolabilidade do direito de defesa, acima de tudo a magnitude da profissão de advogado pela sua relevantíssima função humana e social. É ela uma confiança que se entrega a uma consciência.

Teve fortes razões o legislador constitucional no enunciado do artigo 133 da Constituição Federal: “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei” (enunciado também em crise) e, identicamente, o legislador ordinário na edição da lei n. 8906/94, que disciplina o exercício da advocacia. Quando verberamos contra excessos, queremos impedir que o estado democrático de direito se transforme em terrorismo contra cidadãos indefesos.

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E em meio a esta “nova idade média”, nós criminalistas indagamos aos templários do caos: se mesmo a pena definitiva tem utópico caráter ressocializador, em nome de que, ou de quem, as prisões preventivas ou temporárias têm esse incontido poder destrutivo na pessoa dos acusados?

Finalizo com Batochio em discurso de abertura da “XV Conferência Nacional da OAB” em Foz do Iguaçu (1994):

“O novo Estatuto, reafirma-se, é uma conquista. Não assegura ele privilégios, mas elimina privilégios porque estabelece a igualdade entre os que são responsáveis pela administração da justiça. Nada obstante, por ele temos sido alvo de raivosas críticas e até de aleivosias. Por elas não nos deixamos abater, quando constatamos que nossos obstinados críticos são aqueles de sempre, que se dizem democratas na democracia, legalistas na legalidade, libertários quando se vive em regime de liberdade, não ostentando as cicatrizes cívicas exibidas pelos heroicos advogados do Brasil, que sempre foram democratas no autoritarismo, legalistas durante a ilegalidade e libertários sob as ditaduras. Estivemos sempre na vanguarda e à vanguarda cabe o primeiro embate e cabe receber os primeiros golpes. Não nos importa: da liberdade somos guerreiros e gostamos disso. ” (Anais da XV Conf. Pg.52).

Nós criminalistas, a exemplo de Osvaldo Serrão de Aquino, não fazemos questão de sermos citados em acórdãos ou estudos acadêmicos. Ficamos extremamente felizes quando simplesmente abraçados por uma pessoa defendida e que se reintegrou à sociedade. Finalizo com Antoine de Saint-Exupéry: “só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos...”

Parabéns ao autor Osvaldo Serrão de Aquino pelas linhas e entrelinhas do que foi escrito neste livro e, acima de tudo, pela vida e exemplar carreira que honra seus amigos, alunos, a Ordem dos Advogados do Brasil e nosso País.

Ex-toto corde.

Elias Mattar AssadAdvogado criminalista

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SUMÁRIO

Agradecimentos, 5

Apresentação, 7

Prefàcio, 11

Prólogo, 17

Uma breve explicação, 19

A minha grande musa, 21

Magistério correndo nas veias, 24

O sofrível curso de direito, 29

O primeiro escritório, 33

A escolha que mudou minha vida, 38

A dolorosa preparação profissional, 40

A paciente formação da clientela, 44

Os primeiros honorários, 47

As primeiras causas de repercussão, 49

A grande humilhação pública, 51

A importância da mídia, 58

Meus três mestres, 62

Apesar da fama, a frustração, 68

As minhas escolas de oratória, 71

Bastidores do júri, 76

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Um júri histórico em Cametá, 79

Minha relação com a Polícia, 85

Minha passagem pelo parlamento, 88

Recomeçando a carreira, 93

Renascendo para a vida , 97

Associação dos Advogado Criminalistas do Estado do Pará , 102

Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas , 109

Academia Paraense de Júri , 112

Palavras finais, 116

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PRÓLOGO

Quando em algum dia de um futuro qualquer, um póstero curioso pretender, por qualquer razão, examinar o baú da história da minha carreira profissional, certamente poderá conhecer, pelo manuseio das páginas deste livro, algumas lembranças de grandes momentos que vivi como advogado.

Uns tristes, outros interessantes, e até pitorescos. Enfim, uma brevíssima síntese do que a memória, dealbada pelo tempo, me

permitiu relembrar nestes quarenta anos de pura emoção.São saudosas recordações de fatos e coisas de um passado longínquo e recente,

construído em quase meio século de que participei próximo de companheiros duma mesma confraria de criminalistas, no Pará e em outros Estados do País.

Comecei muito cedo meu mister advocatício. Poucos desses colegas pioneiros, ainda estão vivos, mas ainda trabalhando com extrema lucidez. Se não, pelo menos seus parentes ou amigos estão.

Espero, por isso, que os fatos aqui narrados, embora na quase totalidade já imergidos nas bueiras do esquecimento, não lhes seja, de algum modo, considerado constrangedor.

Não é essa minha intenção, senão homenageá-los, como personagens indissociáveis da história de minha própria vida.

Ainda assim, para amainar eventuais reações, na maioria das narrativas atribuo aos personagens nomes imaginários. Noutras, procuro alterar circunstâncias de tempo e lugar. Mas, na essência, todos os enredos são absolutamente verdadeiros.

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UMABREVEEXPLICAÇÃO

Quando a Ordem dos Advogados do Brasil Seção Pará, na gestão do eminente colega Jarbas Vasconcelos, resolveu me homenagear, em junho passado, pelos meus 40 anos de advocacia criminal, refleti muito sobre o que iria dizer ou fazer naquele histórico e singular momento da minha carreira.

Lembrei de um pensamento retratado na seguinte mensagem. Certa vez, alguém, no derradeiro momento de vida, fez um apelo aos céus: uma viagem regressiva a priscas eras de sua existência. Pedido acolhido, e Deus mandou-lhe um anjo sentado nas asas de um reluzente pássaro, com uma emocionante missão: levá-lo de volta para cada um dos lugares mais marcantes de sua vida.

Foi essa sagrada odisseia que procurei adaptar para a minha festa. Assim, com uma medalha personalizada, escolhi 20 pessoas que mais me

ajudaram, ou que se destacaram em suas carreiras, ao longo desses 40 anos, sempre tendo como referência o esforço pessoal para alcançar o fim almejado.

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Osvaldo Serrão

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Jarbas e Meire Vasconcelos, Kelem e Osvaldo Serraão, pai Osvaldo Aquino, e filhos Yan, Claudiomar Felipe, Antônio Gabriyel e Nayana Serrão.

Antônio Gabryel, Osvaldo

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MINHA GRANDE MUSA

Esta, certamente, foi a parte mais triste e dolorosa do livro para ser escrita: falar sobre mamãe, Raimunda Osmarina Serrão de Aquino, a personagem mais importante da minha vida.

Apesar da dor pungente da saudade do nunca mais, é justamente por ela que quero começar, porque, afinal, é nela que está a gênese da minha própria existência.

E digo mais importante, porque a ela devo tudo que alcancei, onde cheguei e, enfim, o que sou, em toda a extensão e plenitude.

Iniciei o alinhavo deste texto por várias noites a fio, mas não conseguia concluí-lo. À proporção que escrevia, momentos marcantes da estrada da minha trajetória

iam, pouco a pouco, ganhando vida quase real no videotaipe da memória. A emoção me dominava, e as lágrimas, lentamente se espraiavam pelo rosto,

embaçando o visor dos meus olhos.É que, de uma forma ou de outra, essa fantástica e adorável mulher, por

estranhos desíginios do destino, sempre esteve umbilicalmente colada ao meu viver. A começar pelo seu dramático parto, quando o médico, antes de iniciá-lo, pelo

próprio risco do ato, lhe oportunizou o direito de escolher apenas uma, das duas vidas, e ela, corajosamente, sem titubear, optou pela minha.

Relembra meu genitor, emocionado, dos mais expressivos momentos daquele sagrado ritual: minha mãe, em choro compulsivo, se despediu dos presentes, e, em comovente louvação, rogando aos céus, me entregou, se vivo nascesse, a São Miguel Arcanjo, que se tornou meu permanente anjo protetor até os dias de hoje. Felizmente, sobrevivemos ambos.

Como premiação divina por seu heróico gesto, viveu quase 90 anos, e pôde presenciar, passo a passo, a construção, trajetória e ascensão de toda a carreira profissional do seu tão amado filho.

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Osvaldo Serrão

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Começo de profissão, aliás, extremamente difícil, mas pacientemente vencido, passo a passo, com coragem e determinação.

É que apesar de todas as dificuldades de nossa família, social e economicamente humilde, meus pais, jamais deixaram que faltasse o necessário aos seus três filhos. Apoio total, dentro do possível.

Hoje, como chefe de família, mesmo numa situação financeira bem melhor que a deles, tenho noção, por aproximação, desse super-esforço para bancar nossa sobrevivência e educação.

Eu e minha mãe parecíamos irmãos siameses, colados pelo suor e paixão emanados dos poros dos nossos corpos.

Nesse ponto, até quando pôde usar o telefone, nos seus derradeiros momentos de vida, sentia a necessidade compulsiva de falar comigo, no mínimo, duas vezes por dia.

Impressionante é que, independente da nossa distância momentânea, chegava a sentir, pelo tom de minha voz, quando, por algum problema, não estava bem. E, eu, igualmente, em relação a ela.

Certo é que até para morrer, teve pena de mim. Pressentiu que ia partir, e, por diversos pretextos, me convenceu a viajar para fora do

Estado. E eu, não compreendendo o porquê, insistia tanto em ficar do lado dela. Na verdade, não queria que eu assistisse ao calvário que antecedeu seu último

suspiro. Foram três infrutíferas tentativas de reanimação, descansando, ao final, nos braços de minha única irmã, médica, Dra. Maria das Graças que, hoje está ao lado dela, e a quem também devo, imensuravel gratidão, como homem e profissional.

Abstraído, enfim, o singular privilégio de ter convivido sob a batuta dessa extraordinária mulher, o que mais me acalenta, e, de certa forma, ameniza a dor da saudade, é a consciência de que, em vida, fui grato e reconhecido a ela, por atos e palavras.

Desde tenra idade, sempre dei tudo de mim para ser um bom filho. Onde estivesse, e com quem estivesse, sempre a tinha no coração e no pensamento.

Minha mãe era extremamente religiosa. Passava o dia todo rezando, deitada em sua inseparável rede, com as fotos do seu marido e filhos colados à Biblia, como a blindá-los do mundo mau.

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40 Anos de Advocacia Criminal. Relembranças

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Em certa fase extremamente difícil da minha carreira, ela intuiu que eu não estava emocionalmente bem. Me chamou a sua casa e me entregou um mimo que me acompanha até os dias de hoje, para onde vou.

Disse-me, naquele aflitivo momento, que todas as vezes que desejasse alcançar uma vitória na vida particular ou no trabalho, deveria invocar a força, o poder e a energia daquele amuleto. Nunca falhou, todas as vezes que, encurralado, em desespero, me apeguei a ele.

Com o passar do tempo, extraí algumas cópias e passei a entregá-las a determinados clientes quando percebia que sua causa era realmente justa, mesmo que de difícil solução. Também com eles jamais falhou.

O mais surpreendente é que o resultado esperado sempre veio muito antes do que eu havia processualmente planejado.

Interessante é que apesar de todos esses anos fisicamente separados por sua morte, a imagem dos rostos de mamãe e de minha irmã estão mais vivos do que nunca na minha memória e no pensamento.

Ao final de minha prece noturna diária, automaticamente me despeço delas, pedindo suas bênçãos como sempre fiz em vida.

Fico, por tudo isso, a imaginar como deve ser triste, na consciência de um filho indiferente, a dor do remorso e do arrependimento, principalmente ante a irreversível impossibilidade de reparação do erro cometido a quem, não apenas o colocou no mundo, mas, como não raro acontece, renunciou, por ele, aos seus sonhos e projetos pessoais.

Ainda hoje, ao fechar meus olhos, em qualquer cidade em que esteja trabalhando, ainda vejo nitidamente seu rosto colado no teto do quarto do hotel sorrindo para mim, como a me encorajar e proteger na, quase sempre, arriscada e complicada missão.

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MAGISTÉRIO CORRENDO NAS VEIAS

O amor e a dedicação pela educação e ensino sempre me acompanharam desde criança.

Atribuo essa apaixonante e absorvente relação à convivência com minha família, da qual, grande parte era composta por professores particulares ou de colégios secundários.

Passei, por isso, em toda minha infância, respirando o dia a dia da casa de minha querida tia Irene Serrão Carrera, irmã de minha mãe, talentosa professora de taquigrafia, estenografia e datilografia, além de exímia oradora, e que residia bem próximo da minha residência, na Avenida Roberto Camelier, no Bairro do Jurunas.

Lá também morava minha saudosa madrinha Dedé, sua filha de criação, de quem, também, guardo deliciosas lembranças. A ela, aliás, atribuo o meu incômodo com o uso de cebola em alimentos.

Minha tia adorava discursar, fosse em casa, como em público. O mais simples acontecimento sempre constituía motivo para organizar um festejo, donde, inevitavelmente, surgiam seus cativantes e vibrantes pronunciamentos. Todos de improviso.

A formalidade das cerimônias das turmas que concluíam os cursos que ministrava na sala de sua residência era de fazer inveja, pela organização e pomposidade. E eu sempre lá, permanentemente a seu lado, assistindo a tudo e deles participando.

Tamanha era a repercussão das cerimônias de colações de grau dos seus alunos que até a banda musical do Exército comparecia para prestigiá-la com empolgantes execuções musicais à frente da casa. O esposo, meu saudoso e diletíssimo tio José Carrera, era oficial médico daquela força militar.

E tal era meu envolvimento com o magistério, que desde o antigo curso primário no Grupo Escolar Camilo Salgado, naquele bairro, já colaborava, de alguma forma, com minhas professoras, ajudando-as, nos intervalos das aulas, a fazer anotações administrativas, sobretudo pela satisfatória correção com que escrevia meus textos.

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Lembro, com ternura, de algumas de minhas professoras, ainda que apenas pelos prenomes: Raimunda do Carmo Gomes, Rosilda Baraúna, Maria José, Maria Luiza, Celeste e Eunice.

Agora, na festa dos 40 anos de carreira, homenageei uma delas, Maria José, com uma medalha de comovente agradecimento.

Devo, aliás, muito da formação do meu vocabulário à leitura compulsiva dos jornais diários que meu pai comprava, além de revistas de desenho e livros de bolso do velho oeste. Toda matéria que considerava interessante, cortava e colava numa folha de papel. Velho hábito que me acompanha até hoje.

Daí a compreensão porque, desde os quatorze anos de idade, ainda de calças curtas, já lecionava para coleguinhas da comunidade onde residia. E sem qualquer ônus para seus pais. Só pela satisfação em dar aulas.

Há poucos dias, por coincidência, reencontrei um desses ex-alunos, hoje renomado magistrado. E como ele, tantos e tantos outros que ajudei a educar, e hoje ocupam diversos cargos e funções na vida pública e privada.

Ainda adolescente, fui aprovado no vestibular do curso de Direito. Como prêmio, meu tio e padrinho, advogado e professor Jerônimo Noronha Serrão, proprietário de vários estabelecimentos de ensino em Belém, me cedeu uma turma noturna, de cinco alunos, para lecionar no Colégio ‘Senador Lemos’, na Praça Brasil, composta totalmente por adultos, alguns até com idade de ser meu pai.

Com a cabeça recém-raspada pelo trote do vestibular, cheguei ao colégio para ministrar minha primeira aula. Fui, então, logo no primeiro dia, personagem de um hilário episódio que nunca mais esqueci.

Meu nervosismo era tão grande na sala que falava andando de um lado para outro, me fixando permanentemente no teto, buscando desviar meu olhar dos alunos. Dado o silêncio sepulcral do ambiente, pensava que estivessem atentos à minha exposição.

Ainda lembro que só baixei a vista quando ouvi um estrondoso ronco. Foi quando percebi que quase todos dormiam a sono solto, enquanto eu falava.

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Pelo menos, de algo tive plena certeza naquele momento: se minha aula não conseguiu lhes despertar a atenção, o tom da minha voz fora, certamente, útil para ninar seu sono.

Certo é que, em pouquíssimo tempo, comecei a me destacar na nova profissão. Tanto que, a menos de um ano ensinando, e com pouco mais de 20 anos de idade, a confiança de meu tio em mim era tamanha, que me obsequiou com outro surpreendente e desafiador presente: a direção de um dos seus colégios.

Trabalhei, assim, ainda como acadêmico de direito, em vários estabelecimentos de ensino, por muitos anos, e nos três turnos: manhã, tarde e noite, convivendo, por conseguinte, com milhares de jovens.

Como diretor, era, no possível, paciente com todos eles, buscando compreender seus arroubos. Ensinei-os, é certo; porém, muito mais aprendi com eles, observando o desabrochar de suas descobertas e experiências juvenis.

Prestigiei, também, inúmeros universitários que buscavam vagas para lecionar nos nossos colégios, como complemento de renda para manter seus estudos. Sempre lhes dava pelo menos uma turma para começar. Era tolerante quando podia, com suas eventuais ausências.

Daí, as grandes amizades que hoje se espalham por diversos ramos das atividades profissionais.

Se meu tio e padrinho, Professor Jerônimo Serrão, a quem serei eternamente grato, me deu a primeira oportunidade de trabalho em seus colégios, além de ter sido meu paraninfo como Bacharel em Direito, ainda teria um valor fundamental no início da minha carreira de advogado, ajudando-me a montar o primeiro escritório profissional.

No dia da minha festa, homenageei sua memória, através da filha querida Dra. Matilde Serrão.

Foram, enfim, momentos marcantes na história da minha vida, que não voltam mais, fragmentos da memória no tempo.

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Professor Osvaldo Serrão, discurso em formatura de alunos

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Osvaldo Serrão

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Osvaldo Serrão e professora Maria José

Osvaldo Serrão e Matilde Serrão

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OSOFRÍVELCURSODEDIREITO

A arrebatadora paixão pelo magistério me envolvia de tal forma que começava a causar seríssimos problemas à minha produção como estudante universitário, já que somente me permitia comparecer esporadicamente às aulas da faculdade. Ou, em palavras mais diretas: apenas para fazer as provas mensais.

Venci essas dificuldades porque contei com a amizade de alguns colegas que, com companheirismo e generosidade, muito me ajudaram nessas ausências, me orientando, esclarecendo, emprestando cadernos com as matérias das aulas, enfim, tudo.

Dentre eles, destaco as Desembargadoras Maria do Céo e Dahil Paraense de Souza, Juíza de Direito Margui de Lima Gaspar, Procurador de Justiça Jair Quintas, advogados Juarez Távora, Maria de Nazaré Correa, e tantos outros que a memória não mais me permite lembrar, mas a quem, também, sou reconhecido.

Interessante é que o furor pelo magistério que Dom Pedro denominou de a ‘mais nobre de todas as profissões’, não contagiava apenas a mim, mas a quase todos os outros jovens colegas professores.

Uns se envolveram tanto nele que chegaram a trancar seus cursos para se dedicar totalmente às aulas que ministravam. Era o ‘bico’ às avessas.

Certo é que, embora inebriado pela apaixonante atividade, minha dramática situação universitária me incomodava demais, principalmente porque já estava no quarto ano de Direito, faltando apenas um para concluir meu curso.

É que tinha a plena convicção de não ser exatamente aquela profissão, embora honrosa, que havia escolhido e projetado para o meu futuro. Sempre sonhara ser advogado.

Resolvi, então, procurar estágio num escritório de advocacia. A dificuldade, todavia, era imensa.

Além de não conhecer nenhum advogado militante, eles, no geral, eram pouquíssimos na Cidade, considerando-se que somente a Universidade Federal do Pará tinha curso de Direito. Não havia, à época, faculdades particulares no nosso Estado.

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É por isso, que hoje me revolto quando, pela bondade do coração, escancaro as portas do meu escritório para qualquer pessoa, muitas das quais nunca vi na vida, e, como sempre acontece, sem as mínimas noções de Direito.

Indignação porque, mesmo tendo aos pés, tudo do bom e do melhor para iniciar seu aprendizado, ainda assim, não sabem aproveitar a oportunidade, que, em toda essa extensão, jamais me foi oferecida e oportunizada.

O colega Américo Leal, ironicamente, mas com inteira e total razão, chega a dizer que o estagiário é quem deveria pagar ao advogado que o acolhe. Na verdade, sejamos justos, a maioria até chega a nos pagar, mas, quase sempre, com ingratidão e cretinice.

Não posso negar, contudo, que tive, no escritório, grandes colegas: Eva do Amaral Coelho (juíza de direito), Roberto Lauria (criminalista), Osvaldo Genu (criminalista), Horácio Siqueira (jornalista e criminalista) Raimunda Calandrini (Delegada da Polícia Civil), Juliana Ferreira e Maurício Martins (assessores do Ministério Público), de quem muito me lembro.

Além desses companheiros, faço questão de destacar o criminalista Valério Saavedra, meu irmão maçom e compadre, e por quem tenho especial apreço, principalmente pelo caráter, lealdade e companheirismo.

Pois bem. Fui, então, estagiar com o saudoso Dr. José Bonifácio Pimentel de Sena, pai de dois amigos meus: médico Manoel Paulo, colega de ginásio, também já falecido, e Geraldo Sena, ilustre advogado da comarca. Seu escritório localizava-se no Edifício Vale, na Rua Manoel Barata, Bairro Comercial.

Mas, apenas, embalado pela curiosidade e entusiasmo em conhecer e aprender um pouco da futura profissão. Com o passar dos dias, todavia, veio, pouco a pouco, a dolorosa constatação e decepção de que, realmente, não sabia absolutamente nada sobre a ciência jurídica.

Tinha, porém, plena consciência de que precisava reagir, e logo. Assim, apesar de toda boa vontade e paciência do mestre José Bonifácio, certo

é que iria passar pouco tempo ao seu lado, não por decisão dele, mas por opção minha.

Por tudo isso, meu reconhecimento a ele é absolutamente total, porque foi através dele, ainda que por outras vias, que dei o pontapé inicial de minha carreira.

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Na cerimônia alusiva aos meus 40 anos, no ano passado, na Ordem dos Advogados do Brasil homenageei sua memória, entregando ao filho, Dr. Geraldo Sena, uma medalha de justíssimo agradecimento.

Aliás, essa curta convivência ao seu lado me permitiu conhecer um amigo particular dele, que sistematicamente visitava seu escritório: o saudoso jornalista Waldeneid Fernandes, titular de coluna forense em O Diário do Pará. Simples, mas de caráter singular. Nosso bem querer foi instantâneo.

Waldeneid teve uma importância fundamental na início da minha carreira.Mercê de suas notícias e reportagens, o nome daquele jovem advogado foi, pouco

a pouco, se tornando conhecido perante seus leitores, principalmente os operadores de direito: Desembargadores, juízes, promotores, advogados, policiais, serventuários, etc.

Sou, por tudo isso, também eternamente grato a esse talentoso jornalista, e, enfim, a todos os demais profissionais de imprensa que, de uma forma ou de outra, me ajudaram a crescer profissionalmente.

Américo Leal e Osvaldo Serrão

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Osvaldo Serrão

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Osvaldo Serrão e Valério Saavedra

Osvaldo Serrão e Geraldo Sena

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OPRIMEIROESCRITÓRIO

Os grandes presentes que recebi dos deuses na carreira sempre surgiram, aparentemente, por acaso. Acaso? Não. O tempo mostrou, ao contrário, que tudo parecia já predestinado por uma força oculta.

Durante minha curta passagem trabalhando com o saudoso colega e amigo José Bonifácio Pimentel de Sena, ganhei a amizade de um seu funcionário chamado Vicente que, nos raros momentos de folga, ficava conversando comigo, ajudando o tempo passar.

Esse humilde cidadão, na verdade, por obra do destino, acabaria se transformando em outro importante personagem da história da carreira que eu iria começar a construir.

Certa vez, alguns dias após meu ingresso naquele escritório, Vicente me chamou ao corredor, perguntando-me se não tinha interesse em alugar uma sala que havia desocupado bem ao lado.

Entendi a indagação como simples brincadeira. Afinal, estava há pouquíssimo tempo naquele mundo desconhecido. Na verdade, não sabia nada sobre a profissão, e muito menos conhecia algum advogado militante.

Nunca tinha ido ao fórum. Jamais manuseara um processo para estudo e, muito menos um manual jurídico. Dedicara todo meu tempo de faculdade ao absorvente dia a dia do magistério.

Por esse esquálido perfil acadêmico, tinha, enfim, tudo para não dar certo na futura profissão. Era, infelizmente, um zero à esquerda.

E Vicente, todo dia, soprando insistentemente aos meus ouvidos: ‘alugue ... alugue... alugue’; ‘não perca essa oportunidade’, ‘o preço está barato’, ‘vão acabar alugando na sua frente’. E eu, escorregadio, sempre mudando de assunto.

Até que, certa vez, pela insistência dele e curiosidade minha, lhe perguntei, afinal, sobre o preço do aluguel da sala.

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Osvaldo Serrão

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Qual a surpresa em constatar que meu salário de professor dava para pagar, folgadamente, pelo menos uns cinco meses adiantados de aluguel naquele valor. Até porque era solteiro, morava com meus genitores, e só tinha despesas pessoais, aliás, mínimas e modestas.

Parecendo impulsionado por uma estranha força, pedi a Vicente algumas horas para pensar.

Era, entretanto, o tempo que precisava para consultar meus pais. Como uma criança que ganha um presente sonhado, corri para comunicar-lhes a boa nova.

Apesar da compreensível preocupação com as despesas, era visível a emoção deles por aquele momento que tanto esperaram que chegasse. Logo os convenci que tinha reserva financeira suficiente para iniciar o projeto.

Assim, sob as bênçãos dos meus pais, iniciei a fantástica viagem que iria revolucionar minha vida pessoal e alavancar a profissional.

Voltei como um bólido à procura de Vicente. A adrenalina era tamanha que assinei o contrato locatício sem lê-lo, e, pelo menos, ter adentrado, uma única vez na sala que representaria a mola propulsora da minha carreira.

Precipitação na locação? Não. Pura intuição. Na verdade, as grandes decisões que tomei na vida, não raro, foram embaladas pelo sexto sentido que sempre regeu meus passos e destino. Jamais ousei desafiá-lo. Nunca hesitei em seguir meus instintos.

Tanto que ao longo da vida, nas inúmeras vezes que errei, foi mais por tentar, que propriamente por hesitar. A coragem e a ousadia sempre fizeram parte da minha história profissional.

E, mesmo quando aparentemente me equivoquei numa decisão, o que haveria de ser meu, inevitavelmente, de uma forma ou de outra, caiu nos meus braços. Uma espécie de ‘Azar ou sorte; dependendo do que vem depois’.

E, onde realmente perdi, o efeito colateral foi altamente positivo, pelas sábias lições de vida. Uma espécie de alerta para enfrentar a etapa seguinte do meu dia a dia.

Pois bem. Ao abrir pela primeira vez a sala recémlocada, me senti envolvido por uma indescritível sensação, apesar da baforada de mofo que dela exalou e da quantidade de entulhos espalhados pelo chão. Parecia um depósito de lixo.

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Mas, mãos à obra. Com a ajuda do meu pai, higienizamos totalmente a sala. Foi quando percebi, depois de tudo limpo, o imenso espaço físico totalmente vazio que estava à minha frente.

Faltava tudo: divisórias, estantes, mesas, cadeiras, linha telefônica, livros, material administrativo, máquina datilográfica. Noutras palavras: só havia lá dentro dela euforia e coragem.

Meu pai, marceneiro de profissão, fez as estantes. Meu tio, advogado Jerônimo Serrão, me presenteou com uma máquina datilográfica e alguns livros de Direito, que mais serviram para decorar as prateleiras vazias. Comprei uma linha telefônica. Paguei alguns aluguéis adiantados.

Afixei uma tímida placa na porta com o nome: ‘Osvaldo Serrão Advogado’. E, com a carteira da OAB às mãos, enfim, estava pronto para a luta.

Mas, depois de tudo pronto, ainda faltava cumprir uma emocionante missão. Levar minha mãe para, pela primeira vez, visitar o escritório.

Ao lá chegar, ficou com o rosto completamente rubro. Não acreditava no que via. Não conseguiu se controlar. Mulher humilde. Aquele não era o seu mundo. Chorou muito. O ‘meu Vavá’, o ‘meu menino’, como carinhosamente me chamava, havia literalmente honrado todo o esforço dela e de meu pai para que chegasse aquele momento.

Enfim, estava, pelo menos administrativamente, preparado para começar minha jornada profissional.

Mas, mesmo nos meus poucos projetos, jamais imaginava, naquele momento, o que o destino havia reservado de tão bom e sublime para mim nos quarenta anos que viriam pela frente.

E fui à luta. Ainda estou nela, firme e forte. E dentro dela, não tenho dúvida, certamente, morrerei...e muito feliz.

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Osvaldo Serrão

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Osvaldo e Raimunda Serrão - Inauguração do primeiro escritório

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Gabinete do primeiro escritório

tirar ventilador

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A ESCOLHA QUE MUDOU MINHA VIDA

Sempre sonhei ser um advogado destacado. O anonimato nunca foi meu forte. Na verdade, em tudo que me envolvi na vida, sempre procurei me destacar... sem, contudo, prejudicar ninguém.

Ocorre que a realidade que estava vivenciando naquele crítico momento era extremamente complicada, porque diametralmente contrária aos meus sonhos e projetos: não tinha nenhum cliente, e meus conhecimentos jurídicos eram escancaradamente sofríveis.

A constatação desse dramático cenário me conduzia a uma conclusão mais do que lógica: se quisesse ser alguém na profissão, tinha que fazer alguma coisa urgentemente.

Minha vida, em todos os sentidos, sempre foi assim.A natureza, em sua inalcançável sabedoria, estabeleceu algumas leis que regem

nossas vidas na terra. Dentre elas, aos meus olhos, duas se destacam: a da Intuição e a do Retorno.

Quem ousar desrespeitá-las, e os exemplos são inúmeros, certamente pagará um preço extremamente caro.

A primeira, infalível, refere-se àquele toque oculto, repentino, que recebemos para fazer ou deixar de fazer alguma coisa.

É certo que, às vezes, precisa ser refletida e aprimorada para sua aplicação no dia a dia. Mas dificilmente falha.

A segunda, implacável, diz respeito às nossas boas ou más ações. A volta, inexorável, sempre vem em nosso encalço, via de regra, da forma mais

inesperada, e, quase sempre, por dose muito superior. É, às vezes o apavorante efeito bumerangue.

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Pois bem. Extremamente preocupado com o meu despreparo jurídico e ansioso em progredir na profissão, por pura intuição comecei a refletir e procurar entender o funcionamento da engrenagem do mercado de trabalho dos profissionais do direito.

Logo vislumbrei que os chamados ‘advogados clínicos gerais’, com raríssimas exceções, mesmo preparados tecnicamente, não conseguiam se destacar no primeiro plano da carreira. Como, então, eu, um ilustre anônimo, iria conseguir atingir qualquer objetivo?

E mesmo que quisesse insistir, também não poderia ser um deles porque não detinha o mínimo conhecimento sobre a ciência do direito.

Concluí, então, que precisava escolher e me dedicar, e rápido, a um único ramo. De preferência por um que mais me atraísse porque, certamente, o aprendizado seria bem menos doloroso.

Escolhi, então, a área criminal de que, desde criança, sempre gostei, excetuando o velho sonho de ser um soldado bombeiro.

Em momento algum me arrependi dessa corajosa opção. Assumi, porém, desde logo, um sagrado compromisso para com a advocacia

criminal. Jamais aceitar e advogar causa de outra área do direito, independentemente do valor dos honorários a serem eventualmente recebidos.

Nesses quarenta anos de carreira tenho sido absolutamente fiel a esse pacto. E mesmo na época das vacas magras, em que o advogado não tem o direito de escolher causa, nunca sucumbi.

Feita a opção, agora era só ir à luta, impulsionado pelos sonhos e totalmente energizado física e espiritualmente.

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ADOLOROSAPREPARAÇÃOPROFISSIONAL

Inegavelmente, a opção pela área criminal, por si apenas, certamente não resolvia meu problema, porque não tinha as mínimas noções sobre Direito Penal e Processual Penal.

Mentalizei, então, transformar meu escritório de advocacia numa verdadeira oficina jurídica. E eu, cobaia de mim mesmo. Noutras palavras: iria me aprimorar profissionalmente. A tanto, caindo, levantando, ... caindo e levantando, enfim, inúmeras vezes, até chegar, ou pelo menos me aproximar, do que almejava.

E como a matéria-prima do meu aprendizado seriam os dramas das vidas das pessoas, a lógica também era simples: eu iria ajudá-las, e, em contrapartida, com muita abnegação me lapidaria tecnicamente através de suas causas.

Duas coisas, então, eram absolutamente certas, embora desconhecidas por ambas as partes: uma, eu nada sabia, nem teoria, nem prática, sobre a advocacia criminal, salvo a vontade de vencer; a outra, os clientes não tinham dinheiro para pagar meus honorários. Duma forma, ou de outra, estávamos literalmente empatados.

Certa vez, alguém me perguntou qual era, na minha opinião, o segredo do sucesso na carreira de advogado.

Pelo que percebi e aprendi em todas as experiências que vivi ao longo da carreira, respondi que, no geral, achava que eram duas coisas absolutamente óbvias, que se entrelaçam dependentes, como irmãs siamesas: ter cliente, e saber resolver sua causa.

Para compreensão dessa alquimia, soa visível que de nada vale o advogado ter uma boa clientela, sem que possua conhecimento técnico suficiente para resolver seu problema. De nada adianta, ao contrário, ser juridicamente preparado, se não tiver cliente constituído no seu escritório.

Precisava, pois, aprender a arte que havia escolhido. Mas, como? De que forma e modo?

Mesmo sem qualquer orientador, passei, então, a adotar a seguinte estratégia. Com cada parco honorário recebido, imediatamente comprava um livro sobre o

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tema que estava trabalhando. Assim, por exemplo, para o caso de um cliente preso, adquiria um manual sobre liberdade, habeas corpus, etc.

Desse modo, fui me familiarizando, causa por causa, com o direito penal e processual penal.

E quando surgia no escritório outra questão tendo como pano de fundo tema semelhante ao anterior, já tinha na memória uma base mínima de conhecimento sobre ele. E a biblioteca, física e mental, ia pouco a pouco aumentando...crescendo...crescendo.

A par de tudo isso, outro grave problema também me angustiava. Aliás, aflição de todo iniciante.

Será que a medida jurídica que vou adotar na defesa do meu constituinte estava tecnicamente correta? E se não estivesse? E se ele perder a causa por minha culpa? Aí me socorria do amigo José Bonifácio, que embora não fosse da área criminal, era bastante experiente.

Mas só fazia isso em último caso. Tinha vergonha. Receava, mesmo para ele, passar uma imagem de despreparado, ou mesmo de incompetente.

Além de tudo, não havia computador e internet à época em que comecei a advogar. Vivíamos ilhados, técnica e culturalmente. Os lançamentos de obras jurídicas eram esporádicos e indeterminados. Construíamos, enfim, nossa formação pela leitura de livros desatualizados, embora, no geral, de autores reconhecidamente credenciados.

De corte superior, só havia o Supremo Tribunal Federal. Ocorre que para se ter acesso à íntegra de um seu acórdão, precisávamos conhecer algum advogado que residisse em Brasília, e dispusesse de tempo para providenciar a remessa do documento para Belém.

O desesperador, nesse lento procedimento, é que a espera durava quase um mês. Primeiro se depositava na conta bancária do colega o valor corresponde às despesas. Somente após, é que remetia o material pelos Correios.

Enquanto isso, os prazos processuais para a elaboração das nossas peças, que dele dependiam, fluiam inapelavelmente.

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Osvaldo Serrão

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Paralelamente, eu ficava refletindo sobre a figura do advogado como produto de consumo, colocado numa vitrine chamada escritório à dolorosa e impaciente espera do futuro cliente que, não raro, tanto custava a chegar.

E pensei, por conclusão: se o meu objetivo era ser contratado, precisava ser visto por ele. Noutras palavras, o eventual constituinte precisaria saber que eu existia, e que, além disso, era um produto de boa qualidade.

O que deveria fazer então? Indubitavelmente, me colocar bem ao alcance dos seus olhos no momento da necessidade.

E assim, meus horizontes foram lentamente se abrindo. Mesmo sem nenhuma causa, passei a frequentar diariamente o fórum, e, pouco

a pouco, conhecer, me aproximar e conviver com criminalistas já renomados, e que pertenciam a uma geração etária acima da minha: Quintanilhas Bibas, Leonam Cruz, Odilson Novo, Raimundo Fidelis, Laurênio Rocha, José Fernandes Chaves, Carlos Platilha, Alberto Valente do Couto, Raphael Lucas, Antônio Maria Freitas Leite, Paulo Klautau, dentre outros.

Na verdade, era um garoto no meio deles. Ainda assim, em nenhum momento me hostilizaram. Muito pelo contrário. Passaram a gostar de mim, e com o tempo, acabaram por me adotar como seu irmão do coração.

Sempre soube respeitar seus espaços. E, nunca conspirei contra eles. Jamais fui um colega mau caráter. Ganhei conceito lenta e pacientemente, à custa do meu próprio esforço e companheirismo.

É por isso que em todas as oportunidades, sempre homenageio a memória desses ilustres colegas que me receberam em sua seleta confraria.

Enquanto isso, a cada dia, eu mais me apaixonava pela advocacia criminal. E meu nome gradualmente tornando-se mais conhecido na mídia, já que as

causas criminais sempre receberam grande destaque da imprensa, atendendo a dois tipos de leitores: os sádicos e os masoquistas.

É quando surgem na minha vida os jornalistas forenses, e que iriam impulsionar definitivamente minha carreira criminal.

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Osvaldo Serrão – julgamento na Auditoria Militar

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APACIENTEFORMAÇÃODACLIENTELA

Escritório inaugurado e funcionando normalmente. Apenas, aparentemente. Quero dizer, tão somente aberto e nada mais, porque ainda sem nenhum cliente.

Começava, então, minha odisseia, aliás, vivida por todos nós, advogados militantes: a desalentadora espera da chegada do novo constituinte que, não raro, tanto tarda a chegar.

A época em que comecei a advogar efetivamente na área criminal representava os últimos e dramáticos momentos do odiento regime militar no nosso país.

Direitos humanos desrespeitados às escâncaras por todos os lados no dia a dia das ruas, inclusive, e particularmente, de nós, advogados, sobretudo nos órgãos e repartições públicos.

É que o sistema político vigente não tinha o mínimo interesse de que fôssemos pessoal e institucionalmente fortes. Afinal, éramos a única voz que poderia se opor aos seus abusos e desmandos.

Os escombros amaldiçoados dessa triste época, passados mais ou menos meio século, infelizmente, ainda permanecem insepultos nos minúsculos cérebros de determinadas ‘ortoridades’.

Prisões ilegais pululando em todo o território nacional. Presos para averiguações, geralmente logo colocados, pelos Delegados de

Polícia, à disposição dos Secretários de Segurança Pública, transformando-os em autoridades coatoras, e deslocando, por conseguinte, a competência, justo para dificultar as tramitações dos habeas corpus, via de regra, já impetrados nos juízos singulares. Tudo impunemente.

A maior complicação para coibir esses abusos, é que não havia, ainda, Defensoria Pública atuando no Pará.

E os presos, não raro pobres, não possuíam a mínima condição financeira para contratar um advogado.

Ficavam, então, enclausurados por semanas e, às vezes, meses, nos porões carcerários, à mercê de sua própria sorte, alguns, inclusive, lá morrendo, acometidos de moléstia.

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40 Anos de Advocacia Criminal. Relembranças

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Esse era o perfil dos meus possíveis constituintes, cujas famílias, desesperadas, perambulavam ao longo do dia pelos corredores dos edifícios dos escritórios, batendo, desesperadamente, de porta em porta, clamando por socorro jurídico, mas, sem o mínimo recurso para pagar seus honorários.

E não eram poucas essas pessoas juridicamente órfãs. A cena, de toda forma, a mim comovia, e muito. Por isso, a todas elas, que

batiam à porta do meu escritório, ouvia pacientemente a narrativa de seus dramas. Começava, então, a conviver, mais amiúde, com as misérias e os problemas da

vida das pessoas mais carentes, e sem a mínima proteção estatal. E com elas passei a me identificar, pela dor e solidariedade.

E mesmo quando ouvia a dolorosa frase ‘doutor, infelizmente, não temos dinheiro para pagar o senhor’, ou quando por outra qualquer razão não aceitasse a causa, ainda assim, sempre levavam uma palavra de conforto e de esperança.

Às vezes, me via numa situação duplamente comovente: queria ajudar e a família não tinha a mínima condição de pagar, pelo menos, as despesas.

Daí, surgiam as chamadas ‘mentiras honoris causae’, ou seja, eu pedia a dispensa desse pagamento a quem de direito, justificando que o preso era filho de um parente meu, de uma empregada, de um vizinho, etc...

E sempre dava certo, embora às vezes me confundisse com a mesma desculpa para o mesmo servidor, em situação semelhante.

Certo é que desde a abertura do meu escritório, os meses iam passando céleres, e mesmo à falta de um bom cliente financeiro, o desânimo e o abatimento jamais me alcançaram e dominaram.

Sempre soube esperar, convicto de que o que Deus havia reservado para mim, inevitavelmente, um dia chegaria às minhas mãos.

Somente com o tempo, fui entendendo a mensagem pregada pelo grande Romeiro Neto na abertura das suas clássicas e imortais defesas no tribunal do júri, de que o advogado criminalista não se automatiza nunca. Que cada causa trabalhada o aprimora espritualmente, e, de certa forma, o aproxima, pouco a pouco de Deus.

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Osvaldo Serrão

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Osvaldo Serrão – primeiros julgamentos no Tribunal do Juri

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OSPRIMEIROSHONORÁRIOS

Meu conceito profissional começava a ultrapassar os muros de Belém e se projetar nas cidades interioranas.

Mas não se pense que, apesar de toda essa movimentação de novos clientes, eu já estivesse muito bem financeiramente. Não. Não estava.

Minha clientela era extremamente pobre. Honorários, por isso, baixíssimos.Tinham, porém, uma conduta ética rara nos dias atuais. Eram muitíssimos gratos

ao advogado pela vitória da causa.E esse agradecimento era feito através do único presente ao alcance dos seus

bolsos: aves (peru e pato), crustáceos (camarão, caranguejo), quelônios (jabuti e tartaruga), e assim por diante.

Lembro que certo dia, cheguei para trabalhar muito cedo no escritório. Ia fazer um júri no interior. Concentrado na leitura do processo, comecei a ouvir um estranho ruído, parecendo alguém andando na outra dependência. E o som aumentava cada vez mais.

De repente, levanto a cabeça, e me deparo com uma cena assustadora: vários caranguejos se espalhando pelo chão, curiosamente em minha direção.

Tratava-se de presente de um cliente, deixado na véspera, e que o funcionário esqueceu de avisar.

Mas, de todos os honorários recebidos no início da carreira, há um que me tem acompanhado nesses 40 anos.

Nos primeiros anos, à falta de dinheiro, os clientes ofereciam como garantia da pequena dívida para conosco algum bem: joia, televisão, relógio, etc.

Evitava aceitá-los, porque sempre receei me envolver, mesmo que involuntariamente, com produtos de origem duvidosa.

Certo dia, porém, chegou ao escritório uma pessoa interessada em me contratar para a defesa de causa policial. Disse que não tinha dinheiro na hora, mas que me pagaria depois.

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No dia seguinte, na minha ausência, deixou no escritório, como garantia do débito, um estranho objeto, que mais parecia um capacete de corredor. Era, na verdade, um televisor e rádio.

Deixou claro que, tão logo pudesse, iria resgatá-lo. Nunca mais apareceu.Pois bem. 40 anos não são 40 meses. Inúmeras mudanças são feitas em nossos

ambientes, principalmente em relação a móveis e utensílios. Esse capacete, que tanta curiosidade desperta aos que o veem, nunca saiu do

meu gabinete durante todo esse elástico tempo. Sempre perto de mim, como um anjo a por mim velar e me proteger.

Vez por outra, concentrado nos meus pensamentos, tenho a impressão que alguém está me espreitando. Ao levantar a vista, dou de cara com ele como se estivesse a me observar.

Agora, na reforma do escritório, o coloquei no gabinete dos outros advogados. Mas, até quando ficará lá?

Primeiro honorário advocatício

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ASPRIMEIRASCAUSASDEREPERCUSSÃO

Certo que, pela benevolência dos amigos jornalistas, a cada dia me tornava mais conhecido na comunidade jurídica, e novas causas chegando, uma puxando a outra.

A cada vitória, as colunas forenses sempre davam estrepitoso destaque ao meu trabalho, às vezes, muito além da conta.

Nessa projeção profissional, os detentos do Presídio São José passaram sistematicamente a me chamar para defendê-los.

Pois bem. Nesse vai e vem, conheci um preso apelidado de Carioca Preto, que me contratou para defendê-lo no tribunal do júri.

Hoje, acho que essa contratação não foi tanto pelo meu valor profissional, mas, principalmente, porque nenhum colega, até então, aceitara sua causa.

A imputação que recaía sobre ele – já de castigo numa cela chamada ‘cinzeiro’ do presídio – era homicídio, havia estrangulado um colega seu com a própria cueca que transformara em corda.

Essa foi uma das minhas primeiras defesas no tribunal do júri. Verdadeiro ‘tijolo quente’. Um dos grandes desafios do meu início de carreira.

Depois, a defesa de uma prostituta, acusada de assassinato de um marinheiro na zona do meretrício, com um gargalo de garrafa.

Em seguida, de um adolescente que matara famoso carnavalesco a golpe de tesoura na quarta-feira de cinzas. E, após este primeiro, um atrás do outro, cada qual mais polêmico que o anterior.

Já que falo sobre o Casarão da Praça Amazonas, registro o privilégio de ter trabalhado, como advogado, na chamada época de ouro daquela instituição.

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Lá conheci e convivi com os seus três mais ilustres Diretores, todos ligados a mim, bem querer que se projetou aos seus filhos: Coronel Anastácio das Neves, pai do saudoso médico Ricardo Neves; Coronel Severino Barbosa, genitor dos ilustres promotores de justiça João Gualberto e Sérgio Tibúrcio; e Tenente Silva, pai do Delegado da Polícia Civil Ronaldo Hélio.

Osvaldo Serrão – Liberdade de cliente (presídio São José)

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AGRANDEHUMILHAÇÃOPÚBLICA

Logo no primeiro ano de carreira, me envolvi, involuntariamente, num lamentável episódio profissional que se não fosse pela imediata e enérgica ação de minha mãe em meu socorro, por certo não conseguiria sozinho me soerguer emocionalmente.

Fui duramente criticado por carta publicada em concorridíssima coluna de jornal de grande circulação no Estado do Pará, com o espalhafatoso título ‘ADVOGADO DE PORTA DE XADREZ’, porque ousei tentar defender uma pessoa presa, acusada da prática de crime contra membro da família de importante autoridade do nosso Estado.

Interessante, é que nem fiquei com a causa. Pois bem. Nela, o missivista, com compreensível indignação, mas se utilizando

de extrema crueldade, me impôs injusta e imerecida humilhação pública, dizendo que eu e meu constituinte, ‘éramos árvores que não produziam bons frutos, e por isso, deveríamos ser queimados vivos em praça pública, e, ainda assim, a misericórdia divina haveria de absolver o incendiário porque teria ceifado duas vidas inúteis’.

Como iniciante na carreira, não consegui entender e, muito menos, encaixar o brutal golpe. E nem poderia ser diferente, Afinal, nunca havia vivido situação daquela gravidade.

Fiquei, então, em pânico, enclausurado no meu escritório naquele dia fatídico, sem saber exatamente o que fazer.

Na verdade, o que eu queria mesmo era me enterrar...evaporar...sumir, se possível fosse.

E mais assustado fiquei, ainda, quando um colega me telefonou, se dizendo ‘penalizado’ com a minha situação, chegando a me sugerir, inclusive, que fosse advogar noutra cidade, porque ‘não tinha mais espaço para mim em Belém, face o tamanho vexame sofrido’.

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Aqui, um pequeno parênteses: Com o passar dos anos, comecei a perceber como funciona a repercussão de uma notícia midiática sobre nós, advogados criminalistas, para determinadas figuras ‘humanas e solidárias’.

O ritual é, mais ou menos, o seguinte: Quando se trata de matéria registrando uma vitória profissional nossa, ‘nunca leem’, por isso, se calam e não nos parabenizam. Mas, quando, pelas ciladas da vida, se trata de uma crítica sobre o nosso trabalho em determinada causa de repercussão, aí, todos ‘leem’, e ainda nos ligam, a pretexto, ironicamente, de ‘se solidarizar’.

Pois bem. Ao final da tarde, recebi de mamãe um telefonema curto e grosso: ‘já sei porque não veio almoçar em casa. Acabei de ler o jornal, e, você não merecia passar por isso. Portanto, como sua mãe, não peço, exijo que responda, e no mesmo tom do agressor’.

Era tudo o que eu precisava ouvir naquele momento, que mais parecia um pesadelo em minha vida. Tanto mais porque estava literalmente sozinho na luta, à mercê da fúria do meu algoz.

E a OAB? Ah! A OAB. Como sói acontecer, somente me desagravou quase um ano depois, quando o episódio já havia caído no esquecimento público. Ridículo e desnecessário desagravo que, pelo hiato temporal, acabou se transformando num verdadeiro agravo à minha pessoa.

Certo é que segui fielmente a orientação de minha mãe. Escrevi, então, uma carta ao grande jornalista João Malato, que a publicou na

íntegra, e com o mesmo título, em sua coluna do jornal O Liberal, aliás, de conteúdo e repercussão muito mais contundente e impactante que a própria agressão verbal, pela instantânea repercussão nos quatro cantos da cidade.

A partir daquele dia, o jovem advogado, por via transversa, começava a se tornar conhecido pela comunidade jurídica, ganhando, também, a simpatia dos jornalistas forenses e policiais, sobretudo pela ousadia de enfrentar os poderosos, num momento da história em que a fragilizada maioria dos meus colegas, se calava, quando agredidos ou ofendidos no pleno exercício da profissão.

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Essa, enfim, foi outra grande lição da minha mãe, e utilíssima durante toda a minha carreira: Dizia-me ela, sempre, com singular tirocínio: ‘Quanto mais você se sentir encurralado, mais se sinta fortalecido para enfrentar o desafio. Procure, mentalmente, inverter a situação. O medo está dentro de nós mesmos’.

Percebi, na prática, que ela, mais uma vez, tinha inteira e total razão. Realmente, o medo, em relação a mim, seguindo sua lição, parece funcionar como um mágico elixir de coragem e destemor.

Adotando essa regra, principalmente às vésperas de um grande julgamento, nunca perco meu sono noturno preocupado com ele. O outro dia sempre será o outro dia.

Enfim, nem imaginava, naquele momento, que o triste episódio representava, apenas, o meu vestibular na mídia. E que muitos outros ainda iriam ocorrer em minha carreira.

Reproduzo, a seguir, a carta ofensora, mais como registro histórico.

ADVOGADOSDEPORTADEXADREZ

Prezado João Malato: Tomei conhecimento de noticiário estampado

à página 19, de O Liberal, de 22 do corrente, sobre o título ‘Advogado vai

representar contra o delegado Viana’, que o Sr. Osvaldo Serrão foi obstado

quando tentava manter contato com seu constituinte, um ladrão, que além da

prática de latrocínio, atentou contra a vida de quem tentou impedilo de furtar.

Trata-se de um preso incomunicável, assaltante de minha casa, onde

tentou matar-me. Através desse delinquente, a polícia pretende desentocar

seus comparsas para o merecido castigo.

O referido profissional achou estranho o procedimento do delegado

Leonardo Viana, tachando-o de ignorante dos ‘princípios comezinhos

elementares do Direito’, e ainda mais, ameaçou-o com representação

criminal e pedido de providências junto à Ordem dos Advogados do Brasil.

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Penso ser chegado o momento de a OAB começar a expurgar de seus quadros aqueles que, pretendendo denegrir elementos dos Órgãos de Segurança Social, afirmam estar lutando em defesa de indivíduos que, à socapa, invadindo domicílio alheio, estão cometendo crime contra o patrimônio, e o que é mais grave, praticando tentativas de homicídio contra quem sempre lutou pelos ideais de Justiça Social.

Antes, estava de olho no patife que me tentou matar, quando defendi a integridade de meu lar, (o constituinte do Sr. Osvaldo Serrão), que covardemente, de arma em riste, ele e o seu bando, manietaram minha esposa e uma enfermeira que dia e noite é mantida a sua cabeceira, e uma dama de companhia, esta alertando aos ladrões que não tocassem na enferma.

Pela mercê de Deus, pilhei-os e só não os mandei para o inferno por não portar uma arma no momento. Agradeço ao Onipotente por haver saído ileso do covarde atentado, amplamente noticiado por O Liberal.

Hoje, um outro (o Sr. Osvaldo Serrão), acusa o delegado encarregado de cumprir a lei, de ter pisoteado o Código de Ética Profissional. Daí o “prende ladrão solta ladrão”, que desabona as autoridades e traz desesperança aos que sofrem na pele os atos do vandalismo. E a estória se repete.

Até quando esses ‘senhores’, intitulando-se defensores dos oprimidos e das leis, continuarão sua diabólica faina de proteger ‘indefesas criaturas’ que, às caladas da noite e até a luz solar, assaltam cidadãos em plena via pública, invadem casas de família ou casas comerciais, com o fito preconcebido de furtar, chegando para isso até matar?

Para esses delitos, que ofendem todos os princípios de Direito e Justiça, desde que obtenham rendas fáceis em suas empreitadas, contam os meliantes com a ‘defesa’ dos chamados advogados de porta de xadrez, que nesse mister se igualam a seus constituintes, verdadeiros chacais da sociedade, perenemente impunes.

Será que a Justiça não poderá tomar a decisão de negar qualquer pedido de habeas-corpus a favor de presos fichados, marginais reincidentes com

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inúmeras entradas e saídas no DIC, órgãos de Segurança, encarregado de zelar pela tranquilidade do povo?

O quinto mandamento do Decálogo Divino – Não matarás – de obrigatório cumprimento para todos, em obediência de amor ao próximo, é regido por uma jurisprudência também Divina, contida no Novo Testamento: ‘Toda árvore que não produz bom fruto, deverá ser cortada e lançada ao fogo’, palavra do Senhor Jesus Cristo, segundo Mateus 7.17.

No caso do constituinte do Sr. Osvaldo Serrão, assim como ele mesmo, ambos são árvores que não produzem bons frutos, e por isso devem ser queimados. E ainda assim, a bondade e a Misericórdia de Deus estarão presentes porque ceifar duas vidas perniciosas, que contrariam o amor ao próximo ainda é um Bem. Esse ensinamento cristão dá-nos o Direto Sagrado de defender o lar, a vida e a sociedade.

O delegado Leonardo Viana está cumprindo a Lei na defesa da sociedade contra o império do crime. Merece apoio. O Sr. Osvaldo Serrão está tentando burlar a lei, procurando cevar-se do crime condenando-se assim perante sociedade.

Homem justo, no Caminho do Senhor, estou pregando a parábola Divina: fogo na má árvore. Ou fazer a árvore boa e seu fruto bom, ou fazer a árvore má e seu fruto mau.

Grato pela tua acolhida a este brado que representa um grito de alerta contra a simbiose maldita, um concubinato a três, ladrão, defensor e soltura... Queremos o Bem para todos, mas é preciso extirpar o mal. Devemos para isso dar toda a força e solidariedade à Polícia, seja ela Civil ou Militar. Você João Malato, hoje uma ponta de lança na defesa das boas causas, ajude-nos a queimar os maus cernes que vêm resistindo para a intranquilidade de todos.

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A ofensa

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A resposta

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AIMPORTÂNCIADAMÍDIA

Na época em que iniciei minha carreira, todos os três grandes jornais da cidade de Belém tinham concorridíssimas colunas forenses, sob a responsabilidade de experientes jornalistas, fixos diariamente no fórum criminal e polícia civil.

Pelo Diário do Pará, o já dileto amigo Waldeneid Fernandes; em A Província do Pará o advogado Horácio Lima de Siqueira, que, alguns anos depois, foi trabalhar comigo no escritório. Ainda em A Província, o queridíssimo amigo jornalista Carlos Flexa, além dos saudosos Euclides Bandeira e Arlindo Souza, e, ainda, do Walter Luís, o ‘Tampinha’, hoje exercendo outra atividade profissional.

Por fim, o mais polêmico de todos eles, o jornalista Francisco Machado de Assis, titular da coluna Peso da Lei, do jornal O Liberal, hoje assinada pelo talentoso colega advogado Hamilton Gualberto. Também em O Liberal, outros dois grandes amigos que sempre me prestigiaram: os irmãos Gouvea, o Ítalo e o Antônio.

Aliás, nos dias atuais, Hamilton Gualberto pelo O Liberal, e Ivanildo Alves no Amazônia Jornal, constituem leituras obrigatórias dos operadores do direito, incluindo os universitários, não apenas por suas relevantes notícias, como pelos judiciosos comentários tecidos.

Mas, em nome deles, desejo homenagear um dos mais completos profissionais que tive a honra de conhecer na profissão: o decano dos jornalistas Edson Salame, hoje diretor do jornal O Liberal, e titular de ‘Em Poucas Linhas’ da coluna ‘Repórter 70’, mas que iniciou sua vitoriosa carreira como repórter policial na Rádio Clube do Pará, mais precisamente na ‘Aldeia do Rádio’, na Avenida Roberto Camelier, no bairro do Jurunas.

A história profissional de Salame se confunde com a própria história do jornalismo paraense. Um verdadeiro arquivo vivo dos principais episódios que marcaram nosso Estado nestas últimas décadas.

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Mas, acima dessas virtudes, uma maior sobressai: foi e é um grande amigo dos advogados criminalistas.

Certamente pela sua própria origem profissional, sempre soube ser fiel à notícia sobre as causas que patrocinamos, independentemente das turbulências do momento.

No rádio e televisão, sou extremamente agradecido aos jornalistas Adonai do Socorro, Luiz Eduardo Anaice, Amaury Silveira, Nonato Cavalcante, J. Meninéia, Astrogildo Correa, Cleiton Palmeira, Jeferson Lima, Gil Reis, Ronaldo Porto, J. R. Avelar, Carlos Santos, Silvio Santos, José Maria Trindade, Eloy Santos, Orlando Santos, Thompson Mota, Nonato Pereira, Bareta, Augusto Fernandes, José Ribamar, Wladimir Costa, Sandro Vale, Carlos Castro, Célio Castro, Paulo Ronaldo, Joaquim Campos, Adamor Filho, Fernando Navarro, Agenor Santos, verdadeiros companheiros de viagem na estrada da vida, e também abrigados em meu coração.

Passados os primeiros anos de carreira, a suave brisa do sucesso começava, pouco a pouco, a transformar em realidade meus sonhos, projetos e metas.

A clientela melhorava e situação financeira também. Com o coração sangrando, mudei, então, meu escritório para o Edifício Magalhães

Ribeiro, na Avenida Portugal, próximo à antiga Casa Albano.Agora com um espaço muito mais amplo, os amigos da imprensa passaram a me

visitar mais constantemente, e a amizade, entre nós, foi-se firmando cada vez mais.Quase todos os finais de manhã, ao saírem do fórum, iam para o meu escritório a

pretexto de bater papo, mas, com certeza, atraídos pelos suculentos tacacá, vatapá, caruru e maniçoba, transbordantes de camarão e jambu, vendidos na calçada do edifício.

E saboreavam esses maravilhosos pratos numa das minhas salas, alguns, inclusive, com direito a sesta, a sono solto.

Só Deus sabe o quanto aprendi com eles, ouvindo suas opiniões sobre alguns dos casos emblemáticos em que eu trabalhava, quantas vezes mudei minha linha de defesa ao ouvir suas opiniões críticas.

Éramos, enfim, muito felizes, fazendo parte dessa grande confraria.

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Ampla divulgação na imprensa

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Osvaldo Serrão e jornalista Francisco de Assis (O Liberal)

Horário Siqueira (A Província do Pará ) e Osvaldo Serrão

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MEUS TRÊS MESTRES

Nesses quarenta anos de incessante atuação profissional, orgulhosamente sempre na área criminal, atuei, tanto na defesa como na acusação, nos grandes processos do Estado do Pará.

Essa fantástica experiência me proporcionou a singular honra de labutar com uma plêiade de notáveis advogados, não só Pará, como de diversos Estados do País.

Tive centenas de colegas, a quem dediquei, e muito recebi, grande afeto. Mas, tive três grandes amigos especiais, cada um em seu tempo, os criminalistas Odilson Ferreira Novo, Paulo de Tarso Dias Klautau e Márcio Thomaz Bastos, que, pelo bem querer leal e sincero, de certa forma, me adotaram como seu irmão mais novo.

Odilson Novo e Márcio Thomaz conheci na labuta profissional. Paulo Klautau, como presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Pará, de quem fui conselheiro, e, posteriormente, companheiro de diversas causas criminais.

Sou, enfim, testemunha presencial do dia a dia forense desses homens ímpares, no caráter e no talento.

A construção da amizade humana, sempre compreendi, não é apenas fascinante, mas, sobretudo, envolvente e enigmática. O parente, por exemplo, como fenômeno biológico, obedece às regras estipuladas pela própria natureza. O amigo, ao contrário, quem imperativamente escolhe é sempre o nosso coração.

Todos três, Odilson, Marcio e Paulo antes do conhecimento e amizade, já eram minha referência e grandes ídolos, desde os primeiros passos na Faculdade de Direito, aliás, fonte maior de inspiração para minha opção profissional.

Nesse aspecto, posso reconhecer, com orgulho, que fui altamente contemplado pelos deuses da advocacia criminal.

É que se só o fato de já ser contemporâneo do mito já constitui um privilégio para o admirador, a convivência direta com ele representa uma verdadeira bênção dos céus.

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E mesmo nos meus sonhos mais delirantes, nunca imaginei respirar o mesmo ar, conversar com eles, e o mais importante: trabalhar e participar do seu dia a dia profissional.

Atuei como advogado ao lado de todos três, em causas diversas, e posso, por isso, até dizer que os conheci na verdadeira intimidade e particularidade da figura humana.

Como adversário, dos três, só enfrentei Márcio Thomaz Bastos. E com ele, me deparei pela primeira vez, cara a cara, numa singular circunstância que, para mim, representou o maior presente que ganhei na carreira, mas, na prática, um verdadeiro pesadelo profissional.

Aliás, para ser sincero, não gosto muito de lembrar, não pela imensurável honra, mas, principalmente, pelo que estaria por me esperar nos momentos seguintes daquele tribunal do júri, de repercussão internacional, onde atuei como defensor e ele assistente de acusação.

Sobre esse julgamento, aliás, ainda me lembro dos seus momentos mais expressivos.

Saí de casa ainda de madrugada, num comboio da policia militar, como forma de proteger minha integridade física.

Ginásio de esportes, onde se realizava o júri, completamente lotado desde as primeiras horas, parecendo uma arena romana.

Início do julgamento. Na tribuna da defesa, apenas eu e meu cliente. Na acusação, os competentes Drs. Clodomir Araújo e Egídio Sales Filho, o Márcio Thomaz Bastos.

Iniciei minha sustentação oral exatamente às quatro horas da manhã, após todo um longo dia, de desgaste físico e mental. E a conclui já no começo do dia seguinte, bem no centro do ginásio, numa emocionante e inesquecível cena, onde os primeiros raios solares refletiam e davam brilho ao meu rosto totalmente banhado de suor. Quanta emoção, meu Deus!

Pois bem. Odilson, Paulo e Márcio eram, ao seu estilo, verdadeiros artesãos do direito. Por isso, representava autêntico martírio litigar em causas onde atuavam como adversários, porque, ao articularem as teses, sempre atingiam a jugular do oponente. Felizmente, em todas as causas que atuamos, sempre estive do lado deles, salvo no julgamento do tribunal do júri referido acima, que fiz contra Márcio.

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Autênticos escafandristas das entrelinhas, sempre surpreendendo com o chamado “algo mais” de que falava o saudoso criminalista carioca Evaristo Morais Filho.

Certo, pois, que, ao lado deles, participei de memoráveis defesas criminais. Ambos, porém, por estranha ironia, soltaram minhas mãos no meio de decisivos combates jurídicos.

Odilson, que assomaria comigo, pela primeira vez, uma tribuna do júri, faleceu às vésperas de julgamento de crime de repercussão nacional.

Paulo, se afastou, abruptamente, de mim no clamor de uma das causas mais difíceis de minha carreira.

Márcio, num processo no Colendo Superior Tribunal de Justiça, onde sustentávamos paradigmática tese jurídica, já vencedora no Tribunal de Justiça do Pará.

Na cerimônia alusiva aos meus 40 anos de carreira, fiz questão de homenagear a memória do querido Odilson, na pessoa do seu filho, também advogado, Odilson Novo Júnior.

Evandro Lins e Silva, falecido com quase cem anos de idade, com rara lucidez, certa feita, afirmou que a longevidade profissional impõe doloroso tributo ao remanescente: a completa solidão, pelo gradual perecimento dos companheiros de viagem.

À luz desse sábio pensamento, sempre entendi que a morte em si mesma, como fenômeno biológico, nada representa de relevante, isoladamente considerada.

O que efetivamente vale, e faz o coração sangrar é a pungente dor-saudade, a lembrança dolorosa do ser querido, o vazio deixado pela sua ausência, os costumes e hábitos diários, o reflexo da imagem nos objetos pessoais, a energia pessoal que pouco a pouco se esvai, a aura do pranteado; enfim, o nunca mais mesmo.

Minha relação afetiva com o Paulo e o Márcio era por demais curiosa. Passávamos, às vezes, meses sem nos ver pessoalmente. Mas, paradoxalmente, possuíamos uma compulsiva necessidade de nos falarmos, pelo telefone, quase todos os dias.

Odilson frequentava meu escritório quase que diariamente, para colocar o papo em dia, ao final da manhã, quando saía do fórum criminal. Quando, por qualquer razão, não vinha até mim, ia eu, por puro impulso, até ele para visitá-lo.

Aliás, foi dele que ouvi a afirmação de que o estudioso do Direito sofre de um mal que chamava de ‘solidão acadêmica’: justo a falta de um colega de coturno para trocar opiniões técnicas, e tirar dúvidas. À época, confesso, não entendi bem o que quis dizer.

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Com o falecimento dos três, contudo, hoje tenho exata noção da mensagem, porque não possuo mais os amigos de todo fim de tarde, para comentar nossas atuações do dia. Fiquei, como no caso da perda do Paulo, sem o companheiro que, ao sair do seu escritório às sextas-feiras à noite, sempre se despedia de mim, dizendo-se às ordens ‘para qualquer eventualidade do final de semana’.

Aliás, na sexta-feira que antecedeu sua morte, Paulo, sabendo-me tenso por julgamento que faria na segunda-feira seguinte nas Câmaras Criminais Reunidas do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, limitou-se, monossilabicamente, a desejar-me sucesso. Nem mais uma palavra. Senti-o cansado. Sem, porém, qualquer queixume, qualquer lamúria, qualquer reclamo. Mal podia eu imaginar que o guerreiro estava se despedindo de mim, dando-me o derradeiro adeus.

Agora, amenizada a dor da saudade, fico a refletir sobre o real significado daquele especial momento, porque suas palavras ainda ecoam vivamente em minha memória. Imagino que, ao seu modo, como o bom maratonista, naquele telefonema me entregava, simbolicamente, a tocha olímpica, como a lembrar-me que a luta do advogado não pode nunca parar.

Márcio era um cavalheiro. Me recebia no seu escritório em São Paulo com todas as pompas. Papos longos. Ensinamentos, advertências, orientações sobre os mais diversificados temas.

Perdi, enfim, minhas grandes referências profissionais. Perdi as palavras amigas que sempre amainavam meus arroubos.

Certo mesmo é que os queridos colegas com quem trabalhei ao longo de 40 anos, lamentavelmente, estão indo, pouco a pouco, embora para a advocacia criminal celestial: Wilson Magalhães, Antônio Maria de Freitas Leite, Paulo Rola, Walmir Santana Bandeira, Laurênio Miranda da Rocha, Rafael Celdas Lucas, Silvio Souza, Joselisa Kaufman, Henrique Melo, Miguel Vilhena, Otávio Moreira da Cunha, Lourival Neves, José Fernandes Chaves, Horácio Lima de Siqueira, Orlando Belafonte, Raimundo Fidelis, e tantos outros.

Diante dessa imprevisível e inevitável ciranda da vida, bem refletindo, começo a ter a leve sensação de que estou, pouco a pouco, ficando sozinho na nossa confraria criminal.

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Osvaldo Serrão

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Osvaldo Serrão e Márcio Tomaz Bastos

Osvaldo Serrão e Paulo Klautau Osvaldo Serrão e Odilson Novo

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40 Anos de Advocacia Criminal. Relembranças

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Osvaldo Serrão e Evandro Lins e Silva

Osvaldo Serrão e Odilson Novo Júnior

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APESARDAFAMA,AFRUSTRAÇÃO

A oratória sempre foi parte integrante e indissociável da minha vida desde a infância. Embora tímido, sempre tive facilidade de me comunicar em público quando as

circunstâncias assim exigiam. Devo, porém, ao magistério parte da ruptura dessa inibição.Nunca me iludi, porém, apenas por isso, já me imaginando, vaidosamente, um

bom orador. É que a desinibição, apenas por si não pode ser considerada sinônimo de sucesso

na oratória profissional se o orador não tiver armazenado um mínimo de conteúdo, e, ao mesmo tempo, desconhecer as principais técnicas de comunicação.

O discurso forense, por exemplo, cobra do orador, além do perfeito domínio das regras de exposição, um profundo conhecimento sobre o tema a ser exposto.

O advogado, por isso, além de autodidata, acaba se transformando em laboratório particular de seu próprio aprendizado. Sim, porque no nosso dia a dia profissional muito mais falamos do que propriamente escrevemos.

São entrevistas, reuniões, debates, audiências e julgamentos públicos.O drama maior ocorre, todavia, nas sustentações perante o Tribunal Júri e os

Tribunais Togados, onde o discurso é feito sempre de improviso, e no calor das emoções derivadas da causa.

Além disso, no arrazoado escrito temos mais tempo para pensar e refletir. Na exposição oral, não. Lamentavelmente, não temos o direito de errar e consertar o equívoco.

A causa maior dessa grave falha reside na irresponsável ausência na grade curricular dos cursos de direito de uma disciplina que trate especificamente sobre oratória forense.

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Esse sempre foi, pois, o meu grande dilema nos primeiros anos da carreira. Tinha facilidade de expressão, mas nenhum conteúdo técnico.

Isso me angustiava muito. O mais doloroso é que sentia uma enorme necessidade de participar de um julgamento no tribunal do júri, mas entrava em pânico só de imaginar o vexame público pelo qual poderia passar.

Inventava mil desculpas para adiá-lo. Lembro de um deles, onde a sessão já estava, inclusive, instalada, o acusado

presente, jurados sorteados, enfim, tudo pronto para iniciar os trabalhos. E eu, fazendo mil promessas para acontecer alguma coisa excepcional que pudesse impedir o ato. Noutras palavras: que alguém passasse mal, inclusive o próprio cliente.

Eu, todavia, não representava um fato isolado dentro do contexto da minha confraria de advogados. A maioria que conheci, vivia, e ainda vive essa triste realidade.

Presenciei, comovido, ao longo da carreira, inúmeros colegas sonhadores como eu, sepultarem seus projetos pessoais logo no primeiro júri, pelo resultado desastroso de suas atuações.

Primeiro julgamento que, geralmente, representava também o último. Que tristeza, quanta frustração.

Esse, enfim, foi o dramático começo da minha formação como orador. Apesar de tudo, sempre sozinho, sem orientador. Nunca desisti. Insisti, persisti, caí, levantei, chorei, sorri, perdi, venci.

Sou profundamente agradecido e reconhecido nesse aprendizado à eminente Desembargadora Ruthéa Fortes que, quando juíza da Vara do Tribunal do Júri da capital, muito me prestigiou e incentivou, me designando como defensor dativo dos réus pobres.

No festa dos meus 40 anos de profissão, fiz questão de entregar a láurea de reconhecimento a essa tão querida magistrada.

Nessa lenta e comovente preparação técnica completei mais de mil sustentações orais, incluindo julgamentos na Auditoria Militar Estadual e Federal, Tribunal do Júri e Tribunais Togados, tanto no Pará como em outros Estados.

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Juíza Ruthéa Fortes e Osvaldo Serrão

Osvaldo Serrão e Desembargadora Ruthéa Fortes

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ASMINHASESCOLASDEORATÓRIA

As grandes coisas que ocorreram positivamente ao longo da minha carreira, geralmente se deram pelo mais absoluto acaso.

Logo nos meus primeiros anos de labuta, fui contratado para defender um sargento da PM que estava sendo processado criminalmente na Auditoria Militar, então instalada na Rua Dom Romualdo de Seixas.

Como sempre, não conhecia ninguém naquela Corte. Ao habilitar-me no feito, me apresentei ao jovem magistrado que iria ter uma significativa importância na minha ascensão profissional: o auditor Flávio Roberto Soares de Oliveira. Nossa empatia foi imediata. Na festa dos 40 anos, também homenageei esse ilustre amigo

É certo que, no que estava a meu alcance, muito o ajudei como advogado na atividade judicante. Mas ele, quilometricamente, muito mais a mim.

É que naquela, época, não havia defensor público, pelo menos no Estado do Pará. E o mestre Flávio Oliveira me nomeava como defensor dativo dos soldados e cabos militares que não possuíam recursos financeiros para contratar advogados.

Com esse seu bondoso gesto, não tem ideia, nem de longe, o quanto colaborou para minha formação técnica.

E não eram poucos os que nomeava. Todos os dias tinha audiência instrutória ou julgamento, todos orais, perante o Conselho de Justiça, composto por Oficiais, que, não raro, se estendiam pela madrugada a dentro.

Muitos dos meus constituintes, eu conhecia somente no dia da sessão, porque lotados no interior do Estado. A emoção pelo resultado positivo era tão grande para eles que, geralmente, nem obrigado me davam.

Mas, para que agradecer? Se alguém deveria fazê-lo seria eu, pela oportunidade de trabalhar e aprender com seus dramas pessoais.

Nessa honrosa missão, defendi dezenas de militares, do soldado ao coronel, e participei de polêmicos julgamentos de grande repercussão no Pará.

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Por essa fantástica oportunidade que caiu dos céus para mim, fui, pouco a pouco, me aprimorando, tanto na elaboração e organização das teses de defesa, como na forma de fazer as próprias sustentações orais. Caindo...e levantando... Sempre.

E as vitórias iam chegando com intensidade galopante. Por tabela, passei a ser contratado por vários oficiais da PM. E acabei sendo contratado como Assessor Jurídico dos Bombeiros Militares, a da Polícia Militar.

Não bastasse tudo isso que a Auditoria Militar Estadual fez por mim, ainda acabei sendo agraciado com uma das maiores honrarias da carreira: a comenda Dr. Mário Brasil, justa homenagem a esse saudoso magistrado, que tanto exaltou nosso poder judiciário; atuação, aliás, que acabou se projetando no tempo e espaço, através do seu filho Dr. Mário Brasil, operoso Promotor de Justiça da Capital.

Três outras comendas que recebi posteriormente, também me emocionaram profundamente: Medalha do Mérito Judiciário (TJPA), Medalha do Mérito Advocatício (OAB PA) e Láurea de Homenagem (OAB SP).

Com a aposentadoria do Dr. Flávio Roberto Sores de Oliveira, assumiu o não menos eminente Auditor José Roberto Maia Bezerra Júnior, com quem também tive a honra de trabalhar por diversas vezes.

Na Auditoria atuei com talentosos membros do Ministério Público. Dentre outros: José Ribamar Coimbra, Mario Ney Figueira, Geraldo Mendonça, Eduardo Lassance de Carvalho, Luis Cesar Bibas, Marisa Lima, Gilberto Martins, Armando Brasil.

Depois de mim, também, passaram a atuar na auditoria, os diletos colegas Juramir Barbosa, Silvio Souza, Mairton Carneiro, Djalma Farias, Roberto Lauria, Valério Saavedra, Horácio Siqueira, Heloisa Reis, Joselisa Kauffman, Wilson Magalhães, Luciel Caxiado, Américo Leal, Rafael Lucas, Carlos Figueiredo, José Fernandes Chaves, Ivanildo Alves, Odilson Novo, Marilda Cantão, Ivanilda Pontes, Eduardo Imbiriba, João Tork, Dorivaldo Belém, Silvestre Ferreira, Paulo Bona, etc...

Portanto, o Tribunal do Júri da Capital, sob a titularidade da Dra. Ruthéa Fortes, e a Auditoria Militar Estadual, sob a batuta do Dr. Flávio Oliveira, foram, enfim, as minhas grandes Escolas de aprendizado.

Depois, fui para o interior. Fiz júri em quase todas as comarcas do Estado.

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A tensão, como sempre, totalmente fora de controle. Concentração absoluta. Não se pensa em mais nada, senão o júri. Imagine, lembrar de tirar fotos...

Uns dos meus poucos júris documentados, foi por gentileza de alguém, que me presenteou depois. Dentre eles, um de Ananindeua e outro de Castanhal.

Osvaldo Serrão – Auditoria Militar

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Osvaldo Serrão e Auditor Militar Flávio Oliveira

Osvaldo Serrão – Tribunal do Juri - Belém

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Medalha Mérito Advocatício Medalha Mérito Judiciário

Homenagem da Auditoria Militar Estadual Homenagem da OAB-São Paulo

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BASTIDORESDEJÚRI

Abordo, agora, até com certa emoção, um tema raramente comentado por nós, advogados criminais: as tensões e ansiedades que vivenciamos nos dias e horas que antecedem o julgamento popular em que iremos atuar profissionalmente. O chamado ‘estado de júri’.

Poucos, aliás, já escreveram suas traumáticas experiências sobre esse enigmático e emblemático tema: ‘Os bastidores do Júri’. Certamente, não gostam nem de lembrá-las.

Curioso e que quem nos vê na tribuna, aparentemente calmos, serenos e tranquilos, não consegue imaginar, de longe ou de perto, o verdadeiro calvário que vivemos na solidão dos pensamentos e reflexões nos dramáticos momentos anteriores à sessão.

Quase nada dormimos nas noites mais próximas do julgamento. As mãos, permanentemente amortecidas, em estado letárgico. O suor frio percorre

lentamente todo o nosso corpo. Os olhos custam a fechar, fitando o ‘nada’ gravado no teto do quarto. O filme da história de nossa vida sai, pouco a pouco, do armário da memória numa viagem sem fim. Estamos, literalmente, em ‘estado de júri’.

Os efeitos da adrenalina que se espraiam dentro de nós chegam a ser assustadores e apavorantes. A sensação é de se estar em estado febril. Delirando.

Pouco importa o tempo de ‘praia’ como advogado. Na cabeça, como a chicotear o cérebro, sempre a grande preocupação: Como me comportarei na tribuna? Será que conseguirei explicar com clareza minha tese e convencer os jurados?

Costumo dizer que a advocacia criminal é, certamente, a única profissão do mundo em que o profissional se vê julgado, publicamente, junto com seu constituinte. Este, pelo delito imputado; ele, pelo que escreve ou fala no processo que atua.

Situação ainda mais comovente, contudo, ocorre nos julgamentos do tribunal do júri, onde, não raro, desconhecemos ‘as surpresas’ que o adversário pode ter reservado para nós nos debates.

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Além disso, nele, o discurso é sempre, e obrigatoriamente, de improviso, e sem direito à revisão.

Uma palavra mal colocada pode ser desastrosa, levando a perder todo o trabalho pacientemente construído por vários meses a fio.

É quando começa a paciente elaboração das teses na solidão das quatro paredes, geralmente dos hotéis. Na verdade, não deixa de ser uma verdadeira obra artesanal.

Chego até a compará-la, didaticamente, a uma árvore de natal totalmente desnudada. Onde cada argumento, cada fundamento, parece um adereço que nela vamos colocando. ‘Será que este ficou bem? Ou não’. Daí, o ‘tira e põe’, ‘põe e tira’ durante horas.

Essa, enfim, é a fantástica odisseia que vivemos nas sombras dos dias e noites que antecedem o julgamento pelo tribunal do júri.

Esse fascínio nem me permitiu perceber o relógio do tempo passar, lentamente, à frente do visor dos meus olhos na estrada da minha própria vida.

Completei dia 30 de junho passado quarenta emocionantes e indescritíveis anos de carreira, e, parece que foi ontem que tudo começou.

Ainda consigo me ver, mentalmente, com passos trôpegos, envolto pela angústia e hesitação do primeiro julgamento no tribunal do júri.

Nesse aspecto, os deuses acabaram por me oportunizar guardar uma lembrança, refletindo a emoção da tribuna daqueles longínquos e saudosos tempos.

Confesso que se não fosse verdadeiramente apaixonado pela minha carreira, certamente já estaria saturado há muito tempo, desse ritual de viagens pelo Brasil a fora: ‘arruma e desarruma pasta’.

Nesse ponto, aliás, nós criminalistas somos parecidos com os cantores populares. Viajamos tanto, passamos por lugares nunca imaginados, e, paradoxalmente, não conhecemos quase nada. Sempre enclausurados nos hotéis, por segurança pessoal face à gravidade das causas defendidas.

Vou viver daqui a pouco mais uma dessas comoventes emoções.

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São 4h33 da manhã de uma gloriosa 2ª feira, 04 de maio de 2015. Será que estou sonhando? Não, não estou!

Estou na janela de um hotel em Brasília, recebendo os eflúvios dos primeiros raios solares, e buscando inspiração dos deuses da advocacia criminal.

Pouco dormi. Acordei cedo. Estou muito apreensivo. Preciso me organizar para mais um julgamento, desta vez na Cidade de Taguatinga / DF.

É o 3º, em menos de 10 dias. O 1º em São Paulo, e o 2º, em Belém. Foi e é, enfim, dentro desse esplendoroso laboratório, que já vivi mais da metade

da minha vida.

Osvaldo Serrão - Tribunal do Juri - Belém Osvaldo Serrão - Superior Tribunal de Justiça

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UMJÚRIHISTÓRICOEMCAMETÁ

Não canso de dizer, relembrando o grande mestre Romeiro Neto, que a profissão de advogado criminal, tão exaustiva e nobre – ainda que, às vezes, tão mal compreendida, especialmente em processo de repercussão – nunca poderá transformar-se em hábito ou costume, porque jamais conseguirá automatizar-nos.

Cada causa em que trabalhamos, na acusação ou defesa, sempre é como uma chama viva que apura nossa sensibilidade e consome nossa energia física e mental. Afinal, a matéria-prima do nosso trabalho são os comoventes e os irrepetíveis dramas das vidas de pessoas, independentemente de raça ou classe social.

Para essa percepção, pouco importa o tempo de carreira. As apreensões e emoções da estreia, como lembra o imorredouro Evandro Lins e Silva, continuam sendo exatamente as mesmas, aliás, muito mais intensificadas pelo senso de responsabilidade que aumenta progressivamente com os anos de profissão.

Foi justamente o que ocorreu comigo, para ilustrar, no polêmico julgamento do tribunal de júri de que participei no ano passado na cidade de Cametá, justo quando completava 40 anos de carreira, tendo como vítima um jovem advogado da comarca local, brutalmente assassinado dentro de sua própria residência.

Tensão na viagem de ida, por ar, terra e mar. Pavor no hotel, na longa noite que antecedeu o julgamento. Quase nada dormi. Um leve ruído no corredor parecia que alguém queria invadir o quarto. Enfim, um verdadeiro terrorismo mental.

Durante o julgamento, fórum, salão do júri e cercanias literalmente lotados. A comunidade em ‘pé de guerra’. Tudo poderia acontecer ali naqueles dias. Quando assomei a tribuna, coincidentemente, as janelas se abriram, senti um frio percorrer todo o meu corpo. Foi quando tive a nítida e exata impressão de estar, literalmente, dentro de um verdadeiro barril de pólvora, prestes a explodir a qualquer momento.

Das paredes do meu cérebro, a pergunta que ecoava como uma chicotada. O que vai acontecer conosco, advogados de defesa, se nosso constituinte fosse absolvido? Sei lá.

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E continuamos na luta, tentando desesperadamente convencer os jurados da pertinência de nossas teses.

Os julgamentos de júri nas pequenas comunidades possuem uma peculiarIdade: os jurados, como os demais cidadãos, são personagens, ainda que indiretos, da tragédia.

Noutras palavras. Quando o réu entra no plenário, o Conselho de Sentença, com raríssimas exceções, já tem na cabeça o seu veredito: absolvido ou condenado.

Pois bem. Abstraída a antipatia social dessa causa singular que comoveu toda a cidade de Cametá e arrebatou a opinião pública, e apesar da pressão e sufoco que enfrentei, com coragem e destemor ao lado do meu ilustre companheiro de bancada, criminalista Marco Antônio de Araújo Pina, certo é que honramos, sem limites, a confiança em nós depositada pelo constituinte.

Há, porém, alguns ilustres personagens desse julgamento que merecem registro neste livro para a posteridade:

a) JUIZ DE DIREITO PRESIDENTE DA SESSÃO DR. JOSÉ MATIASMagistrado simples, educado, competente e altamente técnico. Seguro no

comando do processo, conseguiu, desde o início, com rara habilidade, amainar o compreensível furor da família da vítima, protegendo a integridade física das partes, especialmente da nossa, advogados de defesa, e garantindo, na integralidade, todos os legais direitos dos acusado.

Por muito menos, se realmente quisesse ‘mandar em frente aquele pepino’, teria requerido, e certamente conseguido, o desaforamento do julgamento para a Comarca de Belém.

b) CRIMINALISTA MARCO ANTÔNIO PINASem cabotinismo, ouso afirmar que não é qualquer advogado que aceitaria

patrocinar a defesa de um acusado, como nesse caso, totalmente diabolizado pela opinião pública e parentes do morto.

Para minha honra, dividiu a tribuna de defesa comigo, com destacada atuação, o talentoso causídico Marco Antônio Pina.

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Sem bola de cristal, pelo que tenho visto, posso afirmar que ele, num espaço de tempo bem breve – sem atropelar ou conspirar contra seus próprios colegas – será um dos mais destacados e badalados advogados criminalistas do Estado do Pará.

A ele, meus agradecimentos pela corajosa e imensurável colaboração ao trabalho da defesa.

OABPARÁO ponto alto do julgamento, aos meus olhos, foi a permanente e imparcial

presença do então Presidente da OAB/PA, hoje Conselheiro Federal, Dr. Jarbas Vasconcelos, acompanhado de sua ordeira tropa de choque, dos quais se destacavam, alguns conselheiros estaduais, e federais vindos diretamente de Brasília.

Certo é que a presidência da nossa Instituição prestigiou, com total isenção e imparcialidade, os colegas que a representavam na assistência de acusação, sem esquecer, contudo – como, historicamente, sempre ocorreu – que, do outro lado da trincheira de luta, na defesa do réu, havia, também, dois advogados pertencentes aos seus quadros, no pleno exercício do munus que lhe fora outorgado pelo cliente.

ASSISTÊNCIADEACUSAÇÃOTive o prazer em ter como adversários nesse julgamento, representando

a Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Pará, e a família da vítima, três ilustres colegas criminalistas, cada um, de alguma forma, por seus genitores, ligado aos mais expressivos momentos da história de minha carreira: (1) Clodomir Assis Araújo Júnior e (2) Rodrigo Godinho, filhos dos meus diletíssimos amigos, promotores de justiça aposentados, Paulo Godinho e Clodomir Assis Araújo, com os quais, também, tive a honra de me defrontar em memoráveis julgamentos de júri.

E, ainda, completando esse verdadeiro exército de guerreiros, a doutora Ivanilda Pontes, figura de primeira grandeza da nossa advocacia criminal. Mulher de rara coragem e independência que, por sua destemida e judiciosa atuação profissional, muito se tem destacado na comunidade jurídica paraense.

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PROMOTORDEJUSTIÇABRUNOSANCHESBECKEMBAUEREsse jovem representante da sociedade surpreendeu a todos nós da defesa por

sua invejável técnica, elegância, educação e, sobretudo, desapaixonado equilíbrio emocional.

Foi uma honra para mim tê-lo como adversário, não apenas por ele, mas especialmente pelos laços fraternos que me ligam à sua família.

Amizade que se iniciou através do seu avô Jorge Sanches, que dirigiu por muitos anos o setor de prática jurídica da antiga Faculdade de Direito, no Largo da Trindade.

Aliás, se outra oportunidade não ocorrer, quero fazer agora justiça a esse homem simples e humilde, que, com uma abnegação sacerdotal, tanto contribuiu para a formação de grande parte dos advogados cíveis e criminais da época.

Bem querer esse que se expandiu, noutro momento da minha carreira, ao seu tio Dr. Jorge Sanches, hoje juiz de direito titular da 9ª Vara Criminal da Comarca de Belém, detentor de uma das mais belas carreiras funcionais do nosso Tribunal de Justiça, galgando, degrau a degrau, a escada do justo merecimento.

Promotor de justiça Bruno Beckembauer, advogados Clodomir Junior, Rodrigo Godinho e Ivanilda Pontes

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Jarbas Vasconcelos e conselheiros federais da OAB

Marco Pina e Osvaldo Serrão

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Promotor Bruno Beckembauer

Juiz de Direito José Matias

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MINHARELAÇÃOCOMAPOLÍCIA

Comecei a advogar no final do regime político de exceção. Período negro em que

os órgãos de repressão não respeitavam ninguém, especialmente, os advogados,

principalmente nas delegacias de polícia.

Sabia desses abusos, pela lamúria e indignação de terceiros.

Interessante é que, mesmo trabalhando apenas na área criminal, e, por

conseguinte, em contato direto com os policiais, sempre fui protegido por Deus de

qualquer violência física ou moral, salvo fato isolado, que tão irrelevante, me foge à

mente.

Nos primeiros anos de carreira, mercê da badalação feita pela mídia sobre meu

nome, o jornalista Francisco de Assis, titular da coluna Peso da Lei, de O Liberal, me

levou, a convite dele, ao gabinete do famoso Delegado Rafael Bezerra Neto, a estrela

maior da Polícia Civil à época.

Disse-me Assis que Rafael demonstrara interesse em conhecer esse advogado

que, apesar de jovem, ‘era muito atrevido’.

Imagine, Assis, disse-lhe Rafael, – todas as vezes que ele impetra habeas corpus

liberatório para um cliente que está à minha disposição, tem a coragem de, ao final

da sua peça, requerer meu processamento criminal por abuso de autoridade. ‘Já

imaginou se a moda desse rapaz pega’.

E lá fui eu. O encontro foi impactante, apesar do meu nervosismo.

Nossa amizade se tornou forte desde o primeiro momento. Talvez, porque

tivessemos uma característica comum em relação a sentimentos. Homens de

extremos. Ou amados ou odiados. Nunca, meio termo.

De sua parte, Rafael sempre foi leal comigo, mesmo nas causas policiais de

grande repercussão, em que trabalhávamos de forma oposta. Sempre me ajudou,

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e muito, no que estava ao seu alcance. E eu, com ele, também muito colaborei, até

porque me tornei seu advogado permanente.

Amizade que se projetou às suas ilustres irmãs, Graça e Tereza, também operosas

delegadas da polícia civil paraense.

Outros policiais civis, do mesmo quilate, também são, de uma forma ou de outra,

parte integrante da história de minha carreira, e a quem também dedico especial

apreço: Bertolino Neto, Gilvandro Furtado, Francisco Sales, João Moraes, Lena

Jane, Armando Mourão, Clóvis Martins, Clóvis Oliveira, Fernando Flávio, Brivaldo

Soares, Otacílio Mota, Manoel Menezes, Luis Fernandes, Evaldo Wanderley, Lourival

Garcês, Luis Carlos de Carvalho, Lourival Souza, Alcidéa Feitosa, Telcilene Guimarães,

Waldir Freire, Aldo Botelho, Virginia Grimwood, Antônio Benone, Antônio do Carmo,

Melquíades Pauxis. Lauro Freitas, Roberto Pimentel, Neivaldo Silva, e tantos outros.

E, ainda, por falar em Rafael Bezerra Neto, registro outro prazeroso momento.

Foi através dele que conheci o Dr. Moisés Flexa, então delegado de polícia civil, e

hoje juiz de direito titular da 1ª Vara Criminal da Capital.

Faço essa observação porque acompanhei, passo a passo, toda sua brilhante

carreira funcional. Hoje, é um dos magistrados mais considerados do fórum

criminal. Juiz moderno, que muito se tem destacado, não apenas pelo dinamismo

e independência nas funções jurisdicionais, como pelo respeito e consideração para

com todos os advogados que militam na comarca.

Na mesma toada, merecem também especial menção os não menos ilustres Dr.

Edmar Pereira e Dra. Ângela Tuma que, juntamente com ele, são responsáveis pelas

três varas especializadas de júri da Comarca de Belém. Magistrados, de resultados

altamente satisfatórios, tanto pela celeridade das tramitações processuais, como

pela justeza de suas decisões.

Igual apreço tive e tenho pelos investigadores e escrivães civis, tanto que fui

assessor jurídico de sua associação por diversos anos.

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Hoje, advogo para o Sindicato dos Policiais Civis do nosso Estado.

Sobre a Polícia Militar e Corpo de Bombeiros, tenho relevantes serviços

prestados a essas duas instituições, das quais fui, inclusive, assessor jurídico, e onde

fiz grandes amigos, do soldado ao coronel. Defendi na Auditoria Militar dezenas e

dezenas desses policiais, em casos, inclusive, de repercussão nacional.

Por último, a Polícia Federal, onde trabalhei, como advogado, desde o início da

carreira, inclusive, em outros estados da Federação.

Convivi, institucionalmente, com diversos delegados. Sempre fui tratado com

educação e respeito. Dentre outros, os Doutores José Ferreira Sales, Geraldo Araújo

e Roberto Porto.

Um, porém, apesar de toda a austeridade funcional, foi com quem mais me

identifiquei: Doutor Anderson Rui Fontel de Oliveira, detentor de uma das mais

brilhantes carreiras da instituição, com relevantes serviços prestados ao país, nos

vários cargos que ocupou em diversos estados da Federação, dentre os quais Goiás,

Pará e Amapá.

Trabalhei em inquéritos policiais sob seu encargo funcional de complexidade

investigativa. A seu modo, sempre me respeitou como advogado. E, mesmo nos

momentos operacionais mais difíceis, nunca me confundiu com os clientes. Sou, por

isso, profundamente agradecido a esse ilustre policial, pela lisura no seu mister, e a

quem aprendi a admirar.

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MINHAPASSAGEMPELOPARLAMENTO

Convite para me filiar a partido político, e disputar eleições foi uma tônica durante toda minha carreira de advogado.

Sempre relutei em aceitá-lo, colocando a profissão em primeiro lugar. Sucumbi, contudo, no ano de 1997. E, na minha velha sina de ‘sempre navegar contra a maré’, aquiesci ao pedido de um polêmico político da época: o saudoso sindicalista Carlos Nascimento Levy, então candidato de oposição a Prefeito de Belém.

Disputei a eleição de 1998, e me elegi Vereador pelo Partido Liberal, juntamente com os médicos Mílvio Júnior e Luiz Afonso Sefer, este, hoje, deputado estadual.

Depois, passei para o PSDB, a convite do Senador Almir Gabriel, e colaborei na construção do partido.

Mas minha passagem na vida pública foi muito efêmera, embora extremamente honrosa e prazerosa.

Como parlamentar, participei de uma legislatura considerada de ‘ouro’ pela imprensa especializada. Convivi diariamente com um seleto grupo de homens públicos: Helio Gueiros, Said Xerfan, Mário Couto, José do Egito Soares, Augusto Rezende, Nelson Chaves, Zenaldo, Joaquim Passarinho, Arnaldo Jordy, Cipriano Sabino, Jorge Xerfan, Dulciomar Costa, José Carlos, Babá, Paulo Roberto, Luiz Otávio, Wadi Kayat, Antônio Sobrinho, Luiz Sefer, Milvio Júnior, José Priante, Bento, Augusto Teixeira, Vitor Cunha, Carlos Augusto, Clodomir Colino, Emanuel Ó de Almeida, Eloy Santos, Adamor Filho, Manoel Memória, José Scaff, Mário Cardoso, Raul Meireles, Eduardo Menezes, Socorro Gomes, etc...

Tive assessores excepcionais, dentre os quais destaco o queridíssimo companheiro Dr. Guilherme Tadeu. Além dele, registro com carinho e reconhecimento as Dras. Rose Avelar, Terezinha Malato e Elen Farache, Alberto Carlos, e tantos outros não menos i lustres.

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E, apesar de pertencer à chamada bancada de oposição, fiz grandes amizades com colegas e membros de todos os partidos.

Na verdade, nunca tive problema de relacionamento com ninguém na Câmara Municipal. Sempre concordei e apoiei projetos, prestigiei proposições que considerava justas para a comunidade, independentemente de coloração política e ideológica.

Esse bem querer e consideração se projeta até os dias de hoje. Mas, dentre elas, destaco o saudoso Engenheiro Raimundo Jorge Brito, da cúpula do Partido Trabalhista Brasileiro Regional. Faço esse registro porque, nas voltas que o mundo dá, os dramas da vida ainda me reaproximariam dele, fora da política, como advogado e seu amigo, por duas vezes. Uma, aliás, mais comovente que a outra.

Reconheço que fui um péssimo político, porque nunca consegui me adaptar à metodologia das promessas eleitoreiras, geralmente não cumpridas. Meu gabinete na Câmara, de certa forma, era um verdadeiro deserto.

Durante minha campanha, por exemplo, jamais enganei quem quer que fosse, barganhando votos. Não tinha reduto eleitoral. Tanto que quando me elegi, não consegui me destacar, por votos, em qualquer urna. Mas fui votado em todas. Eram pessoas que gostavam de mim, amigos, colegas advogados, ex-alunos, etc, espalhados pela grande Belém.

Todavia penso ter sido até um bom legislador, face a minha própria formação jurídica. Tive a honra de ter participado da elaboração da Lei Orgânica do Município de Belém. Presidi a Comissão de Justiça, umas das mais importantes da Casa. Elaborei bons projetos-de-lei, e debati temas da mais alta relevância à comunidade e aos cidadãos.

Tive a honra de conhecer e homenagear, senão a primeira, mas uma das primeiras vereadoras do Brasil, Francisca do Céu Ribeiro de Souza, a Professora Santinha..

Ocorre que a vida pública é apaixonante, mas totalmente absorvente. Acabei, por isso, me dedicando integralmente ao mandato. Nem percebi, porém, pouco a pouco fui-me afastando do meu escritório de advocacia que, aliás, quase se transformou numa defensoria pública.

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Sim, porque todas as pessoas que me procuravam, com as mais variadas questões, sempre se diziam meus eleitores; muitas das quais nunca havia visto na vida. Mesmo assim não podia deixar de ajudá-las. Não podia recusar-lhe a causa, e, o pior, muito menos, cobrar honorários advocatícios.

Foi, aliás, uma dessas inúmeras defesas que me proporcionou uma das maiores decepções da minha curta vida pública.

Um mês anterior à eleição municipal, fui procurado por um venerando servidor público estadual que havia sido demitido poucos dias antes de se aposentar. Falava em se matar, que a vida para ele não tinha mais sentido, etc. Consegui, todavia, reverter juridicamente o quadro, e ele foi, supreendentemente, reintegrado ao seu cargo.

Sabendo que disputaria a eleição, me procurou dizendo que era líder de grande comunidade da cidade, e que, me ajudar na campanha pelo que dizia era, para ele e sua família, uma questão de honra.

Marcou imediatamente uma reunião para minha apresentação. Fui visitá-lo, e realmente percebi, pelo expressivo número de participantes, que ele tinha muita representatividade no grupo.

Decidi, então, investir naquela comunidade grande parte do material de campanha, sempre adquirido às minhas expensas. Tanto que, na minha ingenuidade política, a considerava como meu maior reduto eleitoral. E ele, meu grande representante.

Tal era minha certeza da sua dedicação e lealdade, que costumava dizer, brincando, que tinha absoluta convicção de que três pessoas jamais me iriam faltar nas urnas: minha mãe, meu pai e ele. Ledo engano.

No dia da eleição, é comum aos candidatos visitarem as comunidades que os estão apoiando, seja para prestigiá-las com sua presença, seja principalmente para repor material de divulgação da campanha, etc.

Pois bem! Um inesperado fato no dia do pleito me mostrou que, ao contrário do homem grato, estava lidando era mesmo com um salafrário e vigarista.

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Minha confiança nele, insisto, era tanta, que não estava nos meus planos ir na sua comunidade, dada a exiguidade de tempo.

Algo, porém, me atraiu para lá. Chegando de surpresa, para minha decepção e revolta, encontrei-o, com toda sua família, vestidos com a camisa de campanha de outro candidato, e as mãos transbordantes de panfletos dele.

Ao me ver, embora pálido, não perdeu a classe. E, antes que eu bradasse minha indignação, me disse, com frieza, a emblemática frase: ‘Não fale nada, por favor, pois sei muito bem o que estou fazendo pelo senhor’.

Sinceramente, até hoje, reflito, buscando entender que alquimia política o ingrato havia traçado de bom para mim naquela comunidade.

E eu que pensava que na minha longa atividade na advocacia criminal, lidando com toda espécie de meliantes, já tivesse visto tudo.

Senador Almir Gabriel e vereador Osvaldo Serrão Vereador Osvaldo Serrão e prefeito Hélio Gueiros

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Newton Miranda, Paulo Dutra, Almir Gabriel, Tasso Gereissati, Ronaldo Barata e vereador Osvaldo Serrão

Vereadora Professora Santinha e Osvaldo Serrão Osvaldo Serrão e Tribuna da Câmara Municipal

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RECOMEÇANDOACARREIRA

Vivi dois momentos absolutamente distintos ao longo desses quarenta anos de carreira: o começo, quando nela ingressei, e o recomeço, quando saí do parlamento.

Posso dizer, pela experiência vivenciada, que a distinção entre ambos é absolutamente nítida. No primeiro, estamos iniciando nossa jornada, e, por isso, totalmente energizados. Nesse estágio, para nos aprimorarmos, temos até todo o direito de errar.

No segundo, infelizmente não há esse direito. Estamos fragilizados emocionalmente, e, não raro, sem apoio de ninguém.

Quando saí do meu segundo escritório, na Avenida Portugal, para a vida pública, minha carreira estava, de certa forma, no auge, transbordando de causas, embora de clientes, quase todos, de baixos recursos financeiros. Compensavam, então, pela somatória delas.

Quando voltei para ele, ao encerrar meu mandato parlamentar, não tinha mais nenhum desses clientes. Todos, certamente por compreensível insegurança, haviam paulatinamente pedido suas causas.

Ficaram comigo, apenas, clientes que se autoapresentaram como meus ‘eleitores’ e ‘cabos eleitorais’, e que, sob essa condição, não pagavam honorários advocatícios.

Além de tudo isso, havia perdido o próprio ritmo de advogar, e, principalmente o contato com os operadores de direito: magistrados, membros do Ministério Público, serventuários, policiais, mídia, e colegas advogados.

Na verdade, mais parecia um intruso no universo jurídico. Revendo o videoteipe de minha memória, parecia que estava vivendo os mesmos

dramas do início da carreira. Estava, mais uma vez, irremediavelmente sozinho. Sem cliente, sem dinheiro, e totalmente debilitado emocionalmente.

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Será que todos os meus sonhos, desde estudante, estavam, de todo, sepultados? Fui, então, mais uma vez, chorar nos ombros da minha mãe.

De novo, como da vez primeira, ouvi seu implacável veredito: ‘Você precisa reagir imediatamente. Não esqueça que sempre foi um guerreiro. Vá, reinicie sua história, que daqui ficarei rezando por você. Deus e a Virgem de Nazaré o abençoarão’.

Mas, reagir de que forma. Fazer exatamente o quê?Num dos capítulos deste livro, me refiro à intuição, o toque, o sexto sentido que

sempre nortearam minha vida. Interessante é que a ideia, como mensagem, sempre surgiu, de repente, em minha mente.

Todas as vezes que os acolhi, inevitavelmente me dei muito bem. Quando, por qualquer razão, não a acolhi, o resultado foi, invariavelmente, desastroso.

E o toque veio, naquele momento, representado pela seguinte mensagem: ‘Você precisa se mudar de escritório. Transfira-se para outro local. Instale-se num bairro central da cidade. Faça isso, e verá que o perfil financeiro dos clientes vai mudar, e você melhorará de vida’.

Fiquei, então, refletindo: As despesas de um novo escritório, no local sugerido, serão imensas, e muito acima das minhas possibilidades financeiras. Será que os antigos clientes me procurarão?

Passados alguns dias, recebo telefonema de um colega de infância me oferecendo duas salas num prédio recém construído na Avenida Nazaré. Salas, aliás, que me haviam sido oferecidas na planta há cinco anos atrás, mas que não topei à época.

Entendi o oferecimento do amigo como a mensagem que estava esperando, e acabei aceitando sua proposta. Comprei as salas parceladamente, e lá me instalei. Ocorre que o tempo passava e o bom cliente não chegava. Aliás, nem mesmo os antigos me haviam procurado, até então.

Embora intimamente destroçado, sempre procurava mentalizar que não estava espiritualmente sozinho, e que havia uma força oculta que regia meus passos, e que minha vida iria mudar a qualquer momento.

E foi o que aconteceu logo na tarde do dia seguinte.

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Recebi ligação telefônica de um empresário de São Paulo, se dizendo representante de um grupo de pessoas que gostaria de me contratar para a defesa no tribunal do júri de uma causa de repercussão internacional.

Seria o segundo julgamento popular, objetivando reverter o veredito condenatório anterior.

Nada conhecia, contudo, sobre os autos processuais. Aliás, o pouco que sabia sobre o fato derivava das abundantes notícias da mídia. Ciente, também, estava que o advogado que defendia a família da vítima era o famoso Márcio Thomaz Bastos.

Certo é que nunca havia me imaginado, até então, trabalhando numa causa daquela magnitude.

Aliás, nem cabeça tinha naquele triste momento da minha carreira para pensar a respeito. Tanto mais, ainda, tendo como adversário um dos maiores criminalistas brasileiros: Márcio Thomaz Bastos, para mim uma lenda viva. Não bastasse, também na tribuna acusatória estavam o talentoso promotor de Justiça Clodomir de Assis Araújo, e do não menos ilustre colega Egídio Sales Filho, também como assistente de acusação.

Pois bem, apesar de toda necessidade financeira, inventei mil desculpas na conversa telefônica para não aceitar a causa. E meu interlocutor, refutando uma a uma. E eu, não... não... e não...

Mesmo assim, ele não se dava por vencido. E, como último recurso, me fez um pedido: que refletisse mais sobre o assunto, e em uma semana me ligaria novamente. Concordei, até para ganhar tempo.

E a vida seguiu. Quando nem mais me lembrava do assunto, toca o telefone. Atendi. Era novamente ele. Acabou me apanhando de surpresa.

E aí, doutor, alguma posição. Me dê uma boa notícia. Não tinha nenhum mais nenhum argumento para recusar a causa, salvo um, costumeiramente usado, o ponto fraco de todo cliente: o peso do seu bolso.

E foi o que fiz. Disse-lhe que aceitava a causa, mas por um valor de honorários ‘X’, totalmente fora da realidade, na certeza de que ele não iria topar.

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Qual minha surpresa, quando mal me deixando terminar de falar, disse-me que em três dias toda essa dinheirama estaria na minha conta. Em que situação complicada me havia envolvido. Não tive, então, mais outra saída. E acabei aceitando a causa.

Era tanto dinheiro que pude quitar as duas salas, e ainda, trancar o escritório e me dedicar integralmente ao estudo do processo.

Passavam-se os dias, e de vez em quando vinha na minha memória, como uma pesadelo, à imagem de Márcio Thomaz Bastos, a quem só conhecia de merecida fama.

E fui fazer a defesa num julgamento que durou dois dias, e iria mudar totalmente o rumo da minha carreira.

Fui, enfim, outra vez, obsequiado pelos meus protetores espirituais.

Osvaldo Serrão e Trinunal do Juri – Comarca de Afuá

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RENASCENDOPARAAVIDA

Sempre gostei de brincar com um dileto cliente de nosso escritório, achando estranho ele festejar dois aniversários natalícios num mesmo ano, como estrepitosamente faz questão de registrar nas colunas sociais. Explica-me que é puro ‘marketing’ seu.

Tenho, atualmente, relevantes motivos para também comemorar dois aniversários de vida ao ano.

Não, propriamente, por marketing, mas por inesperadas e dolorosas circunstâncias que mudaram radicalmente a trajetória da minha vida pessoal.

Na noite de 24 de janeiro de 2013, quinta-feira, fui a um jantar social. Voltei para casa com um tímido incômodo intestinal, que atribuí à antiga gastrite que sempre ‘apitava’ quando não se dava bem com determinado alimento por mim ingerido.

No dia seguinte, acordei com muitas dores estomacais, que inclusive, me impediram de ir trabalhar. Mesmo diante desse quadro, perdi dois preciosos dias sem consultar um médico, só à base de remédios caseiros, teimosamente embalado pela surrada frase: ‘isso não é nada...já vai passar.’.

No sábado à tarde, já não conseguia mais andar, de tanta dor e contrações. Lembrei, então, de um querido amigo médico, Dr. Augusto Age que, estando coincidentemente em Belém, imediatamente me socorreu e me levou a um hospital, sem me dar tempo, sequer, de mudar de roupa. Claro que percebera a gravidade do quadro, mas, compreensivelmente, não me disse nada.

Certo é que saí de casa sem conhecer meu real estado clínico, e sem imaginar que estava, naquele momento, na linha limítrofe entre a vida e a morte.

Aqui agradeço, desde já, aos meus queridos amigos Desembargadora Nazaré Saavedra e seu filho, meu colega e compadre, Dr. Valério Saavedra, que não mediram esforços para vencer a burocracia do plano de saúde para a internação, principalmente num final de semana.

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A última cena que recordo, já no hospital, é de estar deitado numa maca, com

luzes e pessoas vestidas de branco sobre meu corpo. Uma delas, de touca na cabeça,

com escudo do Clube do Remo. Aí, pensei: Puxa, até aqui?

Era o cirurgião Antônio Horta que, chamado às pressas do Mangueirão, onde

jogavam Remo e Paissandu, não tivera tempo sequer de trocar suas vestes ‘bélicas’.

Certo é que fui operado, sem saber de quê. Ao despertar no dia seguinte,

ainda estonteado pela anestesia, para minha surpresa percebi que tinha uma bolsa

colunoscópica na barriga. Havia sido vítima de uma diverticulite perfurada, a mesma

que matara o Presidente Tancredo Neves, e tantas e tantas outras pessoas pelo

mundo.

Parecia um pesadelo. Pela minha profissão de alto risco, em que os descontroles

emocionais das pessoas envolvidas, não raro, se sobrepõem à razão, sempre pensei

morrer no trabalho, de infarto, etc.. De diverticulite, nunca.

Pois bem. Para quem trabalha desde os 14 anos de idade, e acorda

sistematicamente todo dia às quatro horas da manhã para estudar, era um martírio

ficar deitado numa cama por 02 longos meses, para, somente depois, poder

pensar em tirar a bolsa colunoscópica. Além disso, minha higienização diária era

extremamente constrangedora. Nessa paciente missão, devo muito à dedicação de

minha esposa Kelem e amiga Leila Labad.

Paralelamente, meus clientes, sem saber o que realmente estava acontecendo

comigo, não aceitavam mais as desculpas da secretária do escritório quanto à minha

ausência, e me ‘empentelhavam a vida’ pelo telefone.

Nada podia, entretanto, lhes dizer sobre meu estado de saúde para não passar

insegurança. Tampouco, ajudá-los no momento em que mais precisavam de mim. Me

sentia extremamente fraco, e não podia, pelo menos, sentar à frente do computador.

Realmente, foi muito difícil esse momento para mim. A advocacia criminal é

eminentemente artesanal. O cliente é muito sensível, e somente se sente seguro

vendo e conversando com seu advogado de confiança ‘olho no olho’.

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Minha odisseia, em verdade, estava só iniciando. Seguindo a lenda das 07 vidas do gato, ‘queimei’, pelo menos, que me lembre, 04 delas nesse ritual.

A primeira, rigorosamente, na cirurgia propriamente dita. A segunda, no terceiro dia de hospital, quando me serviram, por engano, no

almoço a banda de um apetitoso galeto. Afinal, minha alimentação era toda líquida. Minha Kelem, como sempre presente, reclamou. Fora engano da cozinha. Não nego que se estivesse só, teria detonado aquele bendito frango.

A terceira, já em minha casa. Por pura teimosia, fui ao banheiro sem ajuda. Levei uma queda desastrosa, e fiquei estatelado no chão com a sensação de que tinha arrebentado tudo dentro de mim. Pensei que fosse morrer.

A quarta, 10 dias após a cirurgia. Burlando, habilmente, a vigilância da Kelem, achei de ir ao escritório dirigindo meu carro, mas não consegui porque o assento dele é muito alto. Senti muitas dores. Mesmo assim, não desisti. Fui de táxi. Ocorre que, logo ao chegarmos à Doca de Souza Franco, fomos atingidos por um caminhão da limpeza pública. Eu, projetado para frente do veículo, sem qualquer equilíbrio no corpo. Mesmo com dores, continuei a viagem, e cheguei, enfim, ao meu destino.

Quanta alegria quando entrei no templo sagrado do meu gabinete. Parecia que havia emergido de um sono letárgico.

Dois meses depois, fiz a 2ª cirurgia para a retirada da bolsa. Hoje, estou plenamente curado e muito bem de saúde. E, como diz meu médico, ´pronto pra outra’.

Desse triste episódio, extraí duas lições: a primeira – A qualquer sintoma de doença procure imediatamente um médico. A segunda – O amanhã de nossas vidas é apenas um misterioso e emblemático jogo. Por isso, devemos viver o ‘hoje’ à exaustão, com intensidade extrema, como se fosse o ‘último dia’.

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Osvaldo Serrão – OAB de São Paulo - Curso de Oratória

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Osvaldo Serrão, promotora de justiça Rosana Cordovil e sra. Jacira Nassar

Henrique Sauma, Osvaldo e Kelem Serrão

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ASSOCIAÇÃODOSADVOGADOSCRIMINALISTASDOESTADODOPARÁ(AACEPA)

Os efeitos deletérios e perniciosos do insepulto regime político de exceção no nosso país continuavam a desembocar, com os seus incontidos abusos, no dia a dia profissional dos advogados, sobretudo, dos que labutavam na área criminal.

O desrespeito aos direitos dos acusados e às nossas mais elementares prerrogativas eram constantes, tanto na polícia como em juízo, incluindo, nessa faina, os agentes de polícia e os serventuários da justiça, com honrosas exceções.

Nossos reclamos derivavam, em verdade, de questões eminentemente institucionais, que não podiam, por isso, ser questionados, direta e individualmente por nós, advogados, sob pena de pagarmos, com nossos clientes processuais, um tributo elevado demais. Afinal, os abusos emergiam do próprio sistema dominante.

Mas, a quem reivindicar? A Ordem dos Advogados do Brasil, com raros soluços de reação, era indisfarçavelmente conivente pela covarde omissão do silêncio. A tudo assistia com abominável e revoltante indiferença. Nosso conselho Seccional, composto, por advogados não militantes na área penal, e quase todos exercendo o magistério superior, não tinha a sensibibilidade necessária para alcançar e compreender nossas dores e anseios.

Estávamos, literalmente, órfãos. Parecíamos uma subraça no universo jurídico. E aquela situação que se agravava a todo dia nos angustiava demais, e não podia continuar.

O cenário, claro até demais: magistratura, ministério público e advocacia eram como água e vinho. Nós, posicionados topograficamente, sempre e sempre, na parte mais larga da pirâmide.

Para mim, a lógica que, aliás, permanece imutável até os dias de hoje, é escancaradamente simples: se não podíamos ser amados por eles, pelo menos que fôssemos respeitados.

Dizíamos até, com fina ironia, que quando víamos um membro do poder judiciário ou do ministério publico sorrir em direção de um advogado criminalista, afora o susto, de duas coisas podia ter certeza: ou havia se enganado de pessoa, ou estava prestes a se aposentar,

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e já nos adoçando para entrar na nossa confraria. Mas, dentro de todo esse contexto: uma juíza da vara criminal do júri da capital,

desinteressadamente, desafiando a tudo e a todos, aliou-se à nossa causa, e, pelo coração, foi por nós proclamada como a madrinha dos criminalistas. Essa mulher guerreira chamase Maria Isabel de Oliveira Benone, hoje advogada militante. A ela, em nome de todos os colegas, os meus agradecimentos.

Como a boa árvore sempre produz os bons frutos, é ela genitora do ilustre e competente delegado da polícia civil do Pará, Dr. Antônio Benone.

Certo é que fomos nos aproximando uns dos outros, em pequenos grupos, para debater, avaliar e questionar esses covardes desrespeitos à cidadania e à advocacia.

Até que determinado dia, um grupo de intrépidos advogados, encabeçados pelo nosso vibrante decano, o saudoso colega Antônio Maria de Freitas Leite, resolveu dar a ‘cara pra bater’ e desafiar o sistema. Leite, infelizmente, nos deixou, precocemente, logo no início do combate.

É fundada, então, com todo o garbo, no dia 13 de fevereiro de 1984, a Associação dos Advogados Criminalistas do Estado do Pará, como nossa grande trincheira de luta.

Pouco a pouco, fomos ganhando espaço no cenário jurídico. A cada abuso de autoridade, eclodiam três ações simultâneas contra o ofensor: criminal, civil e adminstrativa.

Certo é que na minha gestão, como terceiro presidente da história da asso-ciação, para desespero de uns, já estávamos no auge do conceito e respeito da comunidade jurídica.

Independentemente dessas medidas legais, cujo resultado positivo era imediato, uma constatação me soava evidente: precisávamos, urgentemente, ganhar espaço no Conselho Estadual da OAB. E foi o que fizemos.

Aliás, por essa narrativa, deixo claro, de uma vez por todas, que nunca tive a pretensão de ser presidente da nossa Seccional. Jamais coloquei, como tantos, meus interesses ou vaidades pessoais acima da nobreza da causa

Àquela altura, quase quarenta nos atrás, pelo cargo que ocupava, já tínhamos maturidade necesária para saber exatamente o que queríamos, e bem compreender a engrenagem do jogo.

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As eleições da OAB se aproximavam. Nossa associação, presidida por um jovem advogado, fundador do movimento que revolucionou a área criminal, era o grande destaque do mundo jurídico.

Os convites para cargos pululavam de todos os lados, para composição e até encabeçamento de chapas.

Não me afobei. Bem sabia que ainda não tínhamos votos suficientes para ganhar uma eleição, mas, com certeza absoluta, para decidir um pleito.

Para onde ia, para qualquer cargo que fosse convidado, ao contrário de uns poucos, sempre colocava como condição fundamental a inclusão dos companheiros de luta.

Nossa Associação chegou a tal ponto de conceito e respeito pela OAB, que numa das gestões que não recordo em qual momento, a maior parte do Conselho era composta por membros dela. Quanto orgulho para todos nós.

Fui conselheiro por 05 mandatos, sob a direção de 05 presidentes: Ophyr Cavalcante Júnior, Paulo Klautau, Francisco Brasil Monteiro, Sérgio Couto e Avelina Hesketh.

Homenageio todos na pessoa do grande colega Sérgio, que sempre prestigiou nossa Associação, minha gestão e os colegas criminalistas

Nesses 15 anos de Seccional, conheci e convivi com dezenas de conselheiros. Louvo e abraço a todos através do grande amigo e colega Dr. Jorge Borba, ao lado de quem tenho participado de memoráveis defesas.

Nossos cursos e palestras eram ministrados por juristas de renome nacional, Márcio Thomaz Bastos, Luiz Flávio Borges D´Urso, José Parada Neto, Domingos Tochetto, Milton Augusto Nobre, Paulo de Tarso Dias Klautau, Edmundo Oliveira, Helder Lisboa, Ernane Malato, Ivanildo Alves, Flávio Oliveira, Leonam Cruz, este último aliás, além de meu amigo pessoal, é também genitor de outro dileto companheiro, o jovem Desembargador Leonam Cruz Júnior, que nos representa no Tribunal de Justiça do Estado do Pará, com singular talento.

A todos agradeço na pessoa do companheiro Luiz Flávio Borges D’urso, ex-presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas, e da Seccional Paulista da Ordem dos Advogados do Brasil.

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Certo é que, desde minha ascensão à Presidência, na AACEPA nunca mais, ainda que eventualmente mal representados, os criminalistas deixaram de fazer parte do Conselho da OAB/PA.

Valeu a pena toda essa luta? Claro que valeu.Na época em que comecei a advogar, o criminalista era rotulado por uns

ignorantes e analfabetos de espirito como advogado de porta de xadrez ... defensor de bandidos... alguns de nós, inclusive, por pura covardia, omitia, nos anúncios publicitários sua especialização.

Hoje mal o advogado recebe sua carteira da OAB, orgulhosamente, já se autoproclama criminalista. Não vejo nenhum problema. Muito pelo contrário.

Que bom servirmos de exemplo positivo aos novos colegas. Quanto orgulho para nós, que, com muita luta, desbravamos o caminho deles.

Só pega mal, entretanto, quando o causídico ou causídica já rodados profanam esse honroso título, sem que pelo menos tenham feito um único julgamento no tribunal do júri em suas carreiras. Para mim, imperdoável.

Em justíssima reverência a esses bravos e inesquecíveis companheiros, reproduzo os nomes dos fundadores e primeiros diretores da instituição, hoje presidida pela ilustre e querida colega Dra. Ivanilda Pontes:

-Presidente: Antônio Maria.....-Vice-Presidente: Raphael Celda Lucas Filho.-1ª Secretaria: Joselisa Corte Kauffman.-2ª Secretária: Clélia Maria Conde da Silva.-1º Tesoureiro: Cláudio Augusto Montalvão das Neves.-2º Tesoureiro: Osvaldo Nascimento Genu.-Diretor Jurídico: Osvaldo Jesus Serrão de Aquino.-Diretor Cultural: José Bonifácio Pimentel de Sena.-Diretor Social: Djalma de Oliveira Farias.-Diretor de Esportes: Jacy Monteiro Colares.-Diretor de Comunicação: Horácio Siqueira.-Diretora de Assistência Social: Maria Aparecida Farias.-Orador Oficial: Américo Lins da Silva Leal.-Diretor de Patrimônio: José Maria da Consolação.

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Osvaldo Serrão

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-Presidente do Conselho Deliberativo: Lourival Neves dos Santos.-Vice-Presidente do Conselho Deliberativo: Silvio de Oliveira Souza.-Secretário Geral do Conselho Delibrativo: Adilson Galvão Verçosa.-Membros do Conselho Deliberativo: Wilson Urubatan Silva Magalhães; Rubens

Nascimento Mota; Mairton Marques Carneiro; José Cândido Ribeiro Neto; William Fontenelle Chaves.

Depois deles, outros companheiros se uniram a nós: José Fernandes Chaves, Haroldo Fernandes, Carlos Figueiredo, Marilda Cantal, Heloisa Reis, Hailton Reis, Valério Saavedra, Ney Siqueira, Walmir Bandeira, Paulo Rolla, Luciel Caxiado, Humberto Boulhosa, Ivanildo Alves, Orlando Belafonte, Ney Mendonça, Roberto Lauria, Ivanilda Pontes, Marco Pìna, Edilson Santiago, Clodomir Júnior, Jorge Tangerino, e muitos e muitos tantos.

Sérgio Couto e Osvaldo Serrão

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Horácio Siqueira, Freitas Leite e Osvaldo Serrão

Rafael Lucas, Osvaldo Serrão, juiza de Direito Izabel Benone, Lourival Neves, Américo Leale Djalma Farias

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Osvaldo Serrão

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Hailton Reis, Henrique Melo, Ernane Malato, Otávio Cunha, Osvaldo Serrão, Milton Nobre, Nelson Chaves, Ney Siqueira e a Juíza de Direito Heralda Rendeiro

Leonam Cruz, Luis Flávio D’Urso, Osvaldo Serrão, Roberto Melo e Carlos Figueiredo

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ASSOCIAÇÃOBRASILEIRADOSADVOGADOSCRIMINALISTAS(ABRACRIM)

No ano de 1993, a Associação Criminalista do Estado do Pará (AACEPA) vivia o seu melhor momento.

Seus revolucionários feitos ultrapassavam os murais do nosso estado e se projetavam por todo o território nacional, principalmente em São Paulo e Curitiba.

Assim, no dia 17 de setembro de 1993, um grupo de 08 criminalistas, líderes em seus Estados, fundaram a Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM): São Paulo (Luiz Flávio Borges D’Urso), Paraná (Elias Mattar Assad), Pará (Osvaldo Serrão de Aquino), Sergipe (Emanuel Messias Cacho), Santa Catarina Evaldo Sebastião Teixeira), Piaui (Flávio Teixeira de Abreu), Espírito Santo (José Américo Petroneto) e Rio Grande do Sul (Antônio Bento).

Na mesma data, realizávamos em Curitiba o 1º Encontro Brasileiro dos Advogados Criminalistas, com a participação de quase 700 advogados de todo Brasil, contando, ainda, com as ilustres presenças de José Roberto Batochio (então, Presidente do Conselho Federal da OAB), Evaristo de Morais Filho. René Ariel Dotti, José Carlos Dias, Paulo Ramalho, José Para Neto, Márcio Thomaz Bastos.

Ambos os eventos registrados integralmente pela Editora Revista dos Tribunais, no livro chamado ‘Os criminalistas’ Anais do 1º Encontro Brasileiro’.

Passados esses anos, para nossa alegria, a ABRACRIM conseguiu abraçar o Brasil de ponta a ponta, estando hoje representada, e muitíssimo bem, em todos os Estados. Este ano, fundamos a Seccional Paraense.

Sempre prestigiada por renomados juristas, dentre os quais, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Júnior, Miguel Reale Júnior.

Agora, estamos realizando novamente em Curitiba, como da vez primeira, o VII Encontro Brasileiro dos Advogados Criminalistas. E novamente sob a batuta dos bravos companheiros Luiz Flávio D’Urso e Elias Mattar Assad.

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Osvaldo Serrão

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Osvaldo Serrão e Roberto Delmanto Miguel Reale Junior, Osvaldo e Kelem Serrão

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Osvaldo, Nayana e Kelem Serrão, Elias e Arlete Mattar

Elias Mattar , Osvaldo, e Kelem Serrão

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ACADEMIAPARAENSEDEJÚRI(APJ)

Na década de 90, vivi intensamente numa ponte áerea Belém-São Paulo / São Paulo-Belém. Tinha várias causas na Capital Paulista, além de participar de diversos cursos de especialização em ciências criminais.

Foi quando passei a conviver com os grandes ícones do magistério criminal brasileiro: Luiz Flávio Gomes, Luiz Flávio Borges D’Urso, Fernando Capez, Dámásio Jesus, Miguel Reale Júnior, José Parada Neto, Elias Mattar Assad, dentre outros.

Pois bem. Nessas idas e vindas à capital paulista, certa vez me deparei com um impactante anúncio publicitário sob o título ‘Academia Paulista de Júri’. Logo pensei: vou conseguir realizar meu sonho. Afinal, achara uma escola totalmente dedicada ao tribunal do júri.

Fui lá, imediatamente, conhecer a boa nova. Me surpreendi, contudo, sem qualquer demérito, em perceber que não era bem o que eu imaginava encontrar. Na verdade, tratava-se de uma sala de aula instalada no próprio escritório do advogado ministrante do curso.

Seu nome, José Parada Neto, autor do clássico livro ‘Advocacia Criminal’, que depois se tornou meu amigo particular, tanto que cheguei a trazê-lo a Belém para fazer palestras. Infelizmente, faleceu muito cedo.

Ainda assim, voltei para cá com a fixa ideia de montar uma escola totalmente dedicada a cursos práticos sobre o tribunal do júri.

Sempre com recursos financeiros próprios, sem apoio de ninguém, principalmente da OAB, fundei em 30 de abril de 1998 a Academia Paraense de Júri, portanto, atualmente, com 18 anos de existência.

Estruturei e montei, então, um salão de júri modelo que tinha de tudo, e muito mais do que encontrado num plenário real: julgamentos simulados de casos reais já julgados, palco, tribunas, telão, becas, microfones de lapela.

O primeiro curso foi ministrado por mim. Turma mesclada de acadêmicos de direito e advogados. Durou três meses.

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Tal foi a repercussão e o sucesso, que sua aula magna de encerramento foi minstrada no próprio salão de júri do Tribunal de Justiça do Pará.

O processo julgado foi o caso da atriz Daniela Perez, da Rede Globo, brutal-mente assassinada no auge de sua carreira. Julgamento ocorrido no Rio de Janeiro, a que eu, aliás, tive a honra de assistir. Presente, também, o eminente Desembergador paraense Dr. Ronaldo Valle.

Para dar mais realidade ao evento, convidei para vir a Belém presidi-lo o próprio juiz que julgou o caso, o hoje Desembargador Doutor José Geraldo Antônio. .

Numa das vindas de Márcio Thomaz Bastos a Belém, o levei para visitar as instalações da Academia Paense de Júri.

Ele ficou tão entusiamado com o ineditisimo do que viu, que imediatamente aceitou meu convite, e se tornou o Patrono da nossa Escola. Prestigiando a OAB, convidei para a cerimônia a então presidente, dileta amiga Maria Avelina Hesketh.

Daí em diante, inúmeros cursos foram ministrados pela APJ por juristas de conceito nacional, alguns prestigiados pelo próprio Márcio.

Do Pará, os diletíssimos Luiz Malcher, Ivanildo Alves, Haroldo Guilherme Pinheiro da Siulva, Vânia Silveira, Marta Bembom. De fora, o talentoso perito gaúcho Domingos Dochetto, bem como os mestres paulistas Roberto Parentoni, José Parada Neto e Luiz Flávio Borges D´Urso.

Mas, uma das maiores satisfações que tive nesse fantástico projeto, e até como reconhecimento nacional, foi o convite para ministrar um minicurso sobre Oratória de Júri na Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo, então presididas pelos diletos e queridos amigos Humberto D´Urso e Luiz Flávio D’Urso.

Hoje a Academia Paraense de Júri, tão bem dirigida pela Dra. Kelem Moura Serrão, é uma agradabilíssima realidade. Mesmo sem qualquer apoio da parte de quem a deveria apoiar, estamos firmes e cada vez mais fortes.

Do primeiro curso prá cá, dezenas já foram ministrados, sempre com estrondoso sucesso. Não é raro o dia, que recebemos e-mails de todo o Estado do Pará cobrando a realização de cursos práticos de júri e de oratória.

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Avelina Hesketh, Márcio Thomas Bastos e Osvaldo Serrão (Fundação da Academia Paraense de Júri)

Avelina Hesketh, Márcio Thomas Bastos e Osvaldo Serrão

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Participantes do Júri simulado, presidido pelo Juiz de Direito José Geraldo Antônio

Aluna de um dos primeiros cursos de Prática de Júri, ministrado na APJ por Osvaldo Serrão

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PALAVRASFINAIS

Concluo assim, parte da história da minha vida pessoal e profissional, que o baú das recordações me permitiu restaurar.

Se seguisse meu desejo, certamente ainda teria muito mais a escrever. É impressionante o fervilhar da imaginação, quando se escreve sobre algo tão real e palpável da vida da gente.

Na verdade, um assunto acaba puxando outro, ...e outros.E quando pensava que o havia terminado, revia no cotidiano alguma pessoa da

história da minha vida, e lá o reabria de novo.E assim foi durante meses e meses. Não tenho dúvida de que fui personagem de outros episódios, quem sabe até

mais relevantes, mas que, infelizmente, o videoteipe da memória não conseguiu armazenar.

Reconheço que alguns assuntos, já enclausurados pela dor, foram, imensamente dolorosos relebrar, outros, todavia, extremamente prazerosos, que talvez até relembrasse novamente, até com novas colorações.

Incentivo, por fim, a todos que lerem este livro a procurar anotar os pontos mais destacados de suas vidas e de seus momentos, para que num futuro qualquer, quem sabe, possam também descrevê-los aos pósteros curiosos.

Certo é que mal termino essa prazerosa missão, e já estou concluindo a segunda: CASOS E CAUSOS DO DIA A DIA DO CRIMINALISTA, em que narro os fatos mais intrigantes e hilários da minha carreira, e de outros colegas advogados, que me foram possível compilar.

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