395-1501-2-PB

download 395-1501-2-PB

of 392

Transcript of 395-1501-2-PB

7nov./dez. 2011

Histria da Historiografiarevista eletrnica semestral

Histria da Historiografia

issn 1983-9928

Conselho Executivo (2011-2013)Arthur Alfaix Assis (UnB . Braslia . DF . Brasil) Julio Bentivoglio (UFES . Vitria . ES . Brasil) Rebeca Gontijo (UFRRJ . Seropdica . RJ . Brasil)

Conselho EditorialArthur Alfaix Assis (UnB . Braslia . DF . Brasil) Claudia Beltro (UNIRIO . Rio de Janeiro . RJ . Brasil) Durval Muniz de Albuquerque (UFRN . Natal . RN . Brasil) Estevo de Rezende Martins (UnB . Braslia . DF . Brasil) Helena Mollo (UFOP . Mariana . MG . Brasil) Julio Bentivoglio (UFES . Vitria . ES . Brasil) Lucia Maria Paschoal Guimares (UERJ . Rio de Janeiro . RJ . Brasil) Pedro Spinola Pereira Caldas (UNIRIO . Rio de Janeiro . RJ . Brasil) Raquel Glezer (USP . So Paulo . SP . Brasil) Rebeca Gontijo (UFRRJ . Seropdica . RJ . Brasil) Ricardo Salles (UNIRIO . Rio de Janeiro . RJ . Brasil) Srgio da Mata (UFOP . Mariana . MG . Brasil) Temstocles Cezar (UFRGS . Porto Alegre . RS . Brasil) Valdei Lopes de Araujo (UFOP . Mariana . MG . Brasil)

Conselho ConsultivoAstor Diehl (UPF . Passo Fundo . RS . Brasil) Carlos Fico (UFRJ . Rio de Janeiro . RJ . Brasil) Carlos Oiti Berbert Jr. (UFG . Gois . GO. Brasil) Cssio Fernandes (UFJF . Juiz de Fora . MG . Brasil) Denis Bernardes (UFPE . Recife . PE . Brasil) Edgar De Decca (UNICAMP . Campinas . SP . Brasil) Eliana Dutra (UFMG . Belo Horizonte . MG . Brasil) Fabio Wasserman (UBA . Buenos Aires . Argentina) Fernando Catroga (Universidade de Coimbra . Coimbra . Portugal) Fernando Nicolazzi (UFRGS . Porto Alegre . RS . Brasil) Francisco Murari Pires (USP . So Paulo . SP . Brasil) Franois Hartog (EHESS . Paris . Frana) Frederico de Castro Neves (UFC . Fortaleza . CE . Brasil) Guillermo Zermeo Padilla (Colegio del Mxico . Cidade do Mxico . Mxico) Hans Ulrich Gumbrecht (Stanford University . Stanford . Estados Unidos) Iris Kantor (USP . So Paulo . SP . Brasil) Jos Carlos Reis (UFMG . Belo Horizonte . MG . Brasil) Jrn Rsen (KI/ UWH . Witten . Alemanha) Jurandir Malerba (PUC-RS . Porto Alegre . RS . Brasil) Keila Grinberg (UNIRIO . Rio de Janeiro . RJ . Brasil) Luiz Costa Lima (PUC-Rio/UERJ . Rio de Janeiro . RJ . Brasil) Manoel Salgado Guimares - in memoriam (UFRJ . Rio de Janeiro . RJ . Brasil) Marco Morel (UERJ . Rio de Janeiro . RJ . Brasil) Marlon Salomon (UFG . Goinia . GO . Brasil) Pedro Meira Monteiro (Princeton University . Estados Unidos da Amrica do Norte) Srgio Campos Matos (Universidade de Lisboa . Lisboa . Portugal) Silvia Petersen (UFRGS . Porto Alegre . RS . Brasil)

Secretaria e diagramaoFlvia Florentino Varella (UFRGS . Porto Alegre . RS . Brasil)

RevisoRita Abreu

RealizaoSociedade Brasileira de Teoria e Histria da Historiografia (SBTHH) Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)

ApoioFundao de Amparo Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

ContatoAvenida Ipiranga, 8799/307 - Jardim Botnico Porto Alegre - RS 91530-001 Brasil www.ichs.ufop.br/rhh [email protected] (31) 3557-9400

MissoHistria da Historiografia publica artigos, resenhas, entrevistas, textos e documentos historiogrficos de interesse para os campos da histria da historiografia, teoria da histria e reas afins. Tem por misses divulgar textos de teoria da histria e histria da historiografia, e promover o intercmbio de ideias e resultados de pesquisas entre investigadores dessas duas reas correlatas. Num momento em que, no cenrio brasileiro, o crescimento do nmero de peridicos cientficos apenas espelha (se bem que de forma algo distorcida) a ampliao dos programas de ps-graduao, consenso que o prximo passo a ser dado o da verticalizao e especializao do perfil das publicaes. HH foi fundada em 2008 exatamente a partir desse diagnstico, e pretende estabelecer-se como uma referncia para os estudiosos das reas de teoria da histria e histria da historiografia no mundo de lngua portuguesa. O peridico uma publicao interinstitucional da Sociedade Brasileira de Teoria e Histria da Historiografia, do Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e do Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

Ficha CatalogrficaHistria da Historiografia. Ouro Preto / Edufop, 2011, nmero 7, nov./dez. 2011, 391 p. Semestral ISSN 1983-9928 1. Histria - Peridicos CDU 930(05)

EDITORIAL EDITORIAL DOSSI DOSSIERHistoriografia na Amrica Espanhola Historiography in Spanish AmericaApresentao PresentationFabio Muruci dos Santos

9

Historia Atlntica e intelectualidad: una entrevista con Jorge Caizares-Esguerra Atlantic history and intelectuality: an interview with Jorge Caizares-EsguerraLuiz Estevam de Oliveira Fernandes Luis Guilherme Kalil

11 14 29 56 78 94 116 134

Sarmiento e seus monstros: caudilhos, deserto e violncia na Argentina do sculo XIX Sarmiento and his monsters: warlords, desert and violence in Argentina of the 19th centuryCesar Augusto Barcellos Guazzelli

Argirpolis e as mudanas na concepo histrica de Domingo Faustino Sarmiento Argirpolis and the changes in the historical conception of Domingo Faustino SarmientoCludio Lus Quaresma Daflon

Mitre e a edificao de um patrimnio historiogrfico argentino Mitre and the building of an argentinean historiographical heritageJos Alves de Freitas Neto

A primeira fase da historiografia latino-americana e a construo da identidade das novas naes The first phase of the Latin American historiography and the construction of the identity of the new NationsClaudia Wasserman

Histria, biografia e nao na Argentina no incio do sculo XX: Sarmiento lido por Ricardo Rojas History, biography and nation in early 19th century Argentina: Sarmiento read by Ricardo RojasFabio Muruci dos Santos

Pacificar a histria: passado, presente e futuro nas formas de pensar a poltica mexicana na transio do sculo XIX ao XX Pacifying history: past, present and future in the ways of thinking Mexican politics, in the transition from the 19th to 20th centuriesLuiz Estevam de Oliveira Fernandes Fernanda Bastos Barbosa

Relatos de viagem sobre a Amrica Hispnica: consideraes sobre as obras historiogrficas de Feli Cruz e Estuardo Nez Travel writing on Hispanic America: an assessment about historiographical works of Feli Cruz and Estuardo NezStella Maris Scatena Franco

157 173

Histria e literatura na busca pela identidade na Amrica Latina no sculo XX: a viso de Richard Morse History and literature in the search for identity in Latin America in the twentieth century: the vision of Richard MorseBeatriz Helena Domingues

ARTIGOS ARTICLESA compreenso histrica entre ceticismo e arbitrariedade: algumas consideraes sobre as variantes recentes do relativismo histrico e cultural Historical understanding between skepticism and arbitrariness: some comments on recent versions of historical and cultural relativismKarl Acham

201 225 245 266 279

N soomemte tinha elle homrra pello padre, mas per sy mesmo: genealogia poltica, servio e escrita cronstica em Portugal (1430-1460) N soomemte tinha elle homrra pello padre, mas per sy mesmo: political genealogy, service and chronicle writing in Portugal (1430-1460)Daniel Augusto Arpelau Orta

O debate entre Hans-Georg Gadamer e Reinhart Koselleck a respeito do conhecimento histrico: entre tradio e objetividade The debate between Hans-Georg Gadamer and Reinhart Koselleck about historical knowledge: tradition and objectivityLuisa Rauter Pereira

Um estilo jesutico de escrita da histria: notas sobre estilo e histria na historiografia jesutica A Jesuit style of writing history: notes on style and history in Jesuit historiographyPaulo Rogrio Melo de Oliveira

Progresso e decadncia na histria filosfica de Voltaire Progress and decadence in the philosophical history of VoltaireLuiz Francisco Albuquerque Miranda

RESENHAS REVIEW ESSAYSFilme, histria e narrativa Film, history and narrative ROSENSTONE, Robert. A histria nos filmes / Os filmes na histria. So Paulo: Paz e Terra, 2010, 264p.Alexander Martins Vianna

301

O tempo e a histria em torno de Fernand Braudel Time and history in Fernand Braudel LOPES, Marcos Antonio (org.). Fernand Braudel: tempo e histria. Rio de Janeiro: FGV, 2008, 184 p.Alessandra Soares Santos

305 312 318 325 331 338 345 350 357

Novas perspectivas sobre as reformas educacionais no Rio de Janeiro (1920-1930) New perspectives on educational reforms in Rio de Janeiro (1920-1930) VIDAL, Diana Gonalves (org.). Educao e reforma: o Rio de Janeiro nos anos 1920-1930. Belo Horizonte: Argvmentvm; So Paulo: CNPq: USP, Ncleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Histria da Educao, 2008, 176 p.Alessandra Frota Martinez de Schueler Ariadne Lopes Ecar

Relaes culturais entre Brasil e Portugal: novas perspectivas historiogrficas Cultural relations between Brazil and Portugal: new perspectives on history GUIMARES, Lucia Maria Paschoal et al. (orgs.). Afinidades atlnticas: impasses, quimeras e confluncias nas relaes luso-brasileiras. Rio de Janeiro: Quartet, 2009, 240 p.Maria Aparecida Rezende Mota

A cidade e o mar: o olhar dos viajantes sobre o Rio de Janeiro e os circuitos martimos entre os sculos XVI e XVIII The city and the sea: traveller's views on Rio de Janeiro and maritime routes between the 16th and 18th centuries FRANA, Jean Marcel Carvalho. Vises do Rio de Janeiro colonial: antologia de textos (15311800). Rio de Janeiro: Jos Olympio, 2008, 356 p.Luciana Gandelman

O poder dos comeos: uma reflexo sobre a autoridade The power of beginnings: a reflection on the authority DALLONNES, Myriam Revault. El poder de los comienzos: ensayo sobre la autoridad. Buenos Aires: Amorrortu, 2008, 256 p.Vitor Claret Batalhone Jr.

Qual o lugar da histria oficial na histria da historiografia? Whats the place of official history in the history of historiography? KAGAN, Richard L. Clio and the Crown: the politics of history in Medieval and Early Modern Spain. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2009, 376 p.Pedro Telles da Silveira

Margens e interstcios do espao Borders and interstices of space PEIXOTO, Renato Amado. Cartografias imaginrias: estudos sobre a construo da histria do espao nacional brasileiro e a relao histria e espao. Natal: EDUFRN; Campina Grande: EDUEPB, 2011, 182 p.Adriana Mara Vaz de Oliveira

Crtica e opinio na imprensa brasileira dos Setecentos e Oitocentos Criticism and opinion in the eighteenth and nineteenth centuries Brazilian press NEVES, Lcia Maria P. das (org.). Livros e impressos: retratos do Setecentos e do Oitocentos. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2009, 333 p.Adriana Pereira Campos

Conflitos e experincias na formao do Estado imperial brasileiro Conflicts and experiences in the Brazilian imperial State formation GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (orgs.). O Brasil imperial. Volume II: 1831-1870. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2009, 502 p.Fabiane Popinigis

ENTREVISTA INTERVIEWSobre histria, historiografia e historiadores: entrevista com Francisco Jos Calazans Falcon About history, historiography and historians: interview with Francisco Jos Calazans FalconMarcia de Almeida Gonalves Rebeca Gontijo

365 384 387 391

PARECERISTAS DESTE NMERO REVIEWERS OF THIS ISSUE NORMAS DE PUBLICAO EDITORIAL GUIDELINES DIRETRIZES PARA AUTORES GUIDELINES FOR AUTHORS

Editorial

editorial

9

Criada em 2008, desde ento a revista Histria da Historiografia tem buscado afirmar-se como testemunha e protagonista da expanso de um domnio de pesquisa que se manifesta pelo aumento de publicaes dentro e fora do pas e da realizao de eventos dedicados a pensar as prticas historiogrficas e seus percursos ontem e hoje. E agora chegamos ao nmero 7! Continuamos o trabalho iniciado por nossos antecessores, Pedro Caldas (UNIRIO), Sergio da Mata (UFOP) e Valdei Lopes de Araujo (UFOP), procurando ampliar o alcance da revista e investindo na diversificao do corpo de pareceristas ad hoc, dos autores e organizadores dos dossis, assim como do Conselho Consultivo. Tambm buscamos novos meios de comunicao e divulgao, como a rede social http:// www.facebook.com/HHistoriografia, uma forma importante de contato com (potenciais) autores e leitores do peridico. Reafirmamos o compromisso com um novo modelo de peridico: o multi-institucional. Hoje a revista conta com o apoio da Sociedade Brasileira de Teoria e Histria da Historiografia (SBTHH - http://www.sbthh.ufop.br); de quatro programas de ps-graduao (UFOP, UNIRIO, UFRGS, UFRRJ); e de uma agncia governamental de fomento (FAPEMIG), alm da colaborao de pesquisadores brasileiros de todas as regies do territrio nacional. Atualmente fazem parte dos Conselhos Executivo, Editorial e Consultivo do peridico quarenta pesquisadores, lotados em vinte e sete instituies de ensino e pesquisa brasileiras e estrangeiras. Histria da Historiografia tambm recebe apoio de um vasto grupo de pareceristas, vinculados a diversas instituies do Brasil e do exterior, que garantem um processo slido de avaliao cega dos textos e contribuem para a qualidade final da publicao. E so quase 62 mil acessos revista desde a implementao da atual plataforma (OJS), em junho de 2009! Pode-se afirmar que a iniciativa, embora recente, bem sucedida, e que Histria da Historiografia , hoje, um dos mais significativos loci editoriais da discusso terico-historiogrfica no cenrio brasileiro, devendo-se destacar seu potencial de internacionalizao, visto que sua especialidade ultrapassa questes locais, regionais ou nacionais. Recentemente, adotamos a chamada aberta para dossis, organizados por pesquisadores convidados de distintas instituies. Esperamos que essa iniciativa fortalea os vnculos do peridico com a comunidade acadmica e democratize o acesso a um espao importante de divulgao concentrada das pesquisas, que o dossi temtico. Alm disso, afirmamos o compromisso de realizar constante auto-avaliao, de modo a melhorar a interface da revista, facilitando acessos e submisses. Tambm nos empenhamos no detalhamento das normas editoriais, de modo a atingir o padro internacional das publicaes no gnero. Por isso as novas instrues sobre elaborao de resenhas e resumos. Por fim, convidamos os leitores a conhecer o novo nmero e aguardamos crticas e sugestes. Boa leitura!

Os editores Arthur Alfaix Assis (UnB) Julio Bentivoglio (UFES) Rebeca Gontijo (UFRRJ)histria da historiografia ouro preto nmero 7 nov./dez. 2011 9

Dossidossier Historiografia na Amrica Espanhola Historiography in Spanish America

ApresentaoPresentationFabio Muruci dos Santos Professor adjunto Universidade Federal do Esprito Santo [email protected] Avenida Fernando Ferrari, 514 - Goiabeiras 29075-910 - Vitria - ES Brasil

11

O dossi Historiografia na Amrica Espanhola pretende diminuir a distncia entre os pesquisadores de histria da Amrica brasileiros e as reas dedicadas aos estudos historiogrficos no pas. Esta distncia j vem sendo superada em alguns pases americanos de fala espanhola, com destaque para a Argentina e o Mxico, onde os estudos de historiografia e cultura histrica hispano-americanas ganharam grande desenvolvimento nas ltimas dcadas graas aos trabalhos de Elias Jos Palti, Enrique Florescano, Fabio Wasserman, Natalio Botana, entre muitos outros. No Brasil ainda precisamos investir bastante na consolidao dessa rea de pesquisa. Estudos comparativos entre a historiografia brasileira e a hispano-americana ainda so raros. Ainda mais incomuns so as aproximaes destas com a produo norte-americana. No entanto, acreditamos que tal dilogo traria novas e interessantes perspectivas sobre a prpria historiografia brasileira, vista agora no quadro de um contexto continental que enfrenta muitas questes e dilemas em comum. Os trabalhos aqui reunidos so um passo para essa aproximao, trazendo para um peridico no especializado em histria da Amrica um conjunto de problemticas que vem sendo discutido nos pases hispano-americanos. Em entrevista concedida durante uma passagem pelo Brasil, o historiador equatoriano Jorge Caizares-Esguerra, que vem se destacando nos ltimos anos com um erudito e original conjunto de trabalhos sobre a histria cultural da Amrica Colonial, fala sobre uma srie de possibilidades de redefinio de nossa compreenso da experincia colonial hispano-americana e prope alternativas para estudos comparativos com a da Amrica do Norte, como o realizado por ele no livro Puritan conquistadors. Caizares-Esguerra defende, entre outras sugestes, a necessidade de repensar certas vises da histria latino-americana que oscilam entre o quase exclusivamente trgico e o folclrico, vises que marcaram muito a viso dos pblicos norte-americano e europeu sobre o continente. No mesmo sentido, questiona a oposio centro-periferia, defendendo a originalidade da produo intelectual hispano-americana do perodo colonial, como no caso dos debates sobre a escrita da histria no sculo XVIII, estudadas no seu livro How to write the history of the New World.

histria da historiografia ouro preto nmero 7 nov./dez. 2011 11-13

Os textos de Cesar Augusto Barcellos Guazzelli, Claudio Luis Quaresma Daflon, Jos Alves de Freitas Neto e Claudia Wasserman discutem as primeiras tentativas de elaborao de narrativas histricas na Amrica Espanhola do sculo XIX, com destaque para a Argentina. O primeiro texto prope uma anlise do pensamento de Domingo Sarmiento e suas tentativas de identificar os males fundamentais que gerariam as crises polticas da Argentina oitocentista, destacando a presena de conceitos historiogrficos e do pensamento racial europeus e as mltiplas estratgias narrativas e explicativas usadas por Sarmiento, com ligaes tanto com o historicismo romntico quanto com diversas linhas de pensamento cientfico do perodo. Daflon tambm analisa as formas sarmientinas de tratar a histria, argumentando que o uso do passado e as concepes de histria presentes na obra de Domingo Sarmiento mudam quando a reflexo sobre os males mais amplos gerados pela histria e a geografia do pampa, presente no Facundo, cede lugar ao desejo de reconhecer o papel da ao humana na construo de naes em Argirpolis. O determinismo anterior passa a dar lugar ao projeto possvel, ainda que bastante utpico, de construo nacional. No terceiro texto, o trabalho historiogrfico de Bartolom Mitre apresentado como um dos primeiros projetos bem sucedidos de oferecer uma narrativa contnua da histria argentina, conectando os diversos momentos da genealogia nacional em uma narrativa integradora, ao mesmo tempo em que se acentua a exigncia do desenvolvimento de mtodos mais rigorosos de pesquisa histrica em seu debate com Vicente Fidel Lopez. O texto de Wasserman procura identificar em autores de diversos contextos nacionais a presena de narrativas historiogrficas que tomam as naes como entidades originrias, existentes desde o perodo colonial. Pautados por modelos europeus de nao, os historiadores locais acabavam pensando a histria do continente a partir de desvios e deformaes de uma trajetria tida como padro. Em finais do sculo XIX, o desejo de superao das crises e conflitos que marcaram a Amrica Espanhola por todo o sculo assume papel decisivo na configurao das narrativas histricas nacionais. No artigo de minha autoria, proponho que o desejo de produo de uma narrativa totalizadora da histria argentina continua presente no sculo XX, agora com uma tonalidade nacionalista mais intensa, em um momento em que a histria pensada como um meio de combate pela preservao da singularidade nacional contra a ameaa da imigrao europeia e a adoo de ideias polticas tidas como contrrias ao esprito nacional. o que destacamos na biografia de Sarmiento escrita por Ricardo Rojas em meados do sculo, na qual buscamos identificar as operaes biogrficas que conectam os diversos aspectos da vida e do pensamento sarmientino com uma narrativa conciliadora do passado argentino que v no pampa a origem da essncia nacional, perspectiva contrria a do prprio Sarmiento. A biografia aparece como gnero capaz de reunir as diversas facetas do homem Sarmiento que haviam sido separadas por ideias importadas, alheias sua histria pessoal. No texto de Luiz Estevam de Oliveira Fernandes e Fernanda Bastos, o uso de narrativas histricas como forma de conciliar o passado nacional

12

histria da historiografia ouro preto nmero 7 nov./dez. 2011 11-13

13

analisado no caso do Mxico de finais do sculo XIX e incio do XX, onde a centralidade do desejo de estabilidade poltica e social tomada como princpio comum entre as diversas, e divergentes, anlises do papel do regime de Porfrio Dias na histria mexicana. Embora agudamente divergentes em suas posies polticas quanto ao porfiriato, Bernardo Reyes Ogazn, Justo Sierra e Francisco Madero convergiriam na prioridade da pacificao como projeto mais urgente para a nao. Nos trabalhos de Stella Maris Scatena Franco e Beatriz Helena Domingues so discutidos desenvolvimentos do debate historiogrfico sobre a Amrica Espanhola das ltimas dcadas. O primeiro texto enfoca alguns dos primeiros estudos sobre as narrativas de viajantes pela Amrica Espanhola, produzidos pelo chileno Guillermo Feli Cruz e o peruano Estuardo Nez. A autora prope que o trabalho destes autores foi marcado por um esforo erudito e monumentalista de compilao de fontes, na crena de que o valor das narrativas de viajantes era sua utilidade documental, j que forneceriam testemunhos de primeira mo sobre as sociedades visitadas. Passagens de diferentes narrativas eram confrontadas em busca da preciso documental, mas pouco esforo analtico era feito. Alm disso, sobreviviam dicotomias oitocentistas no trabalhadas, como a oposio romntica entre natureza e civilizao, agora com certa inclinao pela valorizao das coisas essencialmente americanas, no caso a natureza. O segundo texto examina o ltimo e ambicioso trabalho de Richard Morse sobre a histria cultural da Amrica Latina no sculo XX, The multiverse of Latin American identity, c.1920 - c.1970, includo na The Cambridge history of Latin America. Muito conhecido no Brasil aps o debate gerado pela edio brasileira de seu livro O espelho de Prspero, Morse revisitado neste trabalho posterior, no qual realiza um amplo quadro comparativo sobre o problema da identidade nacional nos modernismos brasileiro, argentino e mexicano. A autora examina as anlises de Morse de cada caso, procurando identificar, especialmente no caso brasileiro, a importncia dos conceitos bakhtinianos de grotesco e carnavalizao para a anlise de Morse, buscando apontar algumas das formas especificas pelas quais esses conceitos podem iluminar a forma modernista de tratar o problema da identidade nacional. Com esse conjunto de textos, tentamos oferecer uma discusso abrangente sobre a historiografia e a cultura histrica na Amrica Espanhola, visitando pases e perodos diferentes. Esperamos que essas reflexes ofeream um ponto de partida para que potenciais interessados venham a investir em um campo de pesquisa com vastas possibilidades de investigao ainda em aberto.

histria da historiografia ouro preto nmero 7 nov./dez. 2011 11-13

Historia atlntica e intelectualidad: una entrevista con Jorge Caizares-EsguerraAtlantic history and intelectuality: an interview with Jorge Caizares-EsguerraLuis Guilherme Assis Kalil Doutorando Universidade Estadual de Campinas [email protected] Avenida dos Pioneiros, 120 13175-668 Sumar SP Brasil Luiz Estevam de Oliveira Fernandes Professor adjunto Universidade Federal de Ouro Preto [email protected] Rua Marqus de Pombal, 285, A 35420-000 Mariana MG Brasil

Palavras-chaveHistria da Amrica; Histria da historiografia; Escrita da histria.

KeywordsHistory of America; History of historiography; History writing.

14

Enviado em: 8/10/2011 Aprovado em: 1/11/2011 histria da historiografia ouro preto nmero 7 nov./dez. 2011 14-28

Luis Guilherme Assis Kalil & Luiz Estevam de Oliveira Fernandes

15

Jorge Caizares-Esguerra nasceu no Equador, filho de me equatoriana e pai colombiano. Teve vida itinerante, vivendo entre seu pas natal, Mxico e Colmbia, seguindo a famlia que, por conta das tribulaes na carreira do pai, teve que se mudar vrias vezes. Fixou-se h 23 anos nos Estados Unidos. Doutorou-se em 1995, pela Universidade de Wisconsin. Desde ento, lecionou em Illinois, Nova York e desde 2005, na Universidade do Texas em Austin, um dos centros mais renomados do mundo para a pesquisa em Histria da Amrica. Suas reas de interesse so vastas, passando pela histria atlntica, histria da cincia e do conhecimento, e histrias coloniais espanhola e britnica. Dentre sua vasta produo, destacamos How to write the history of the New World: histories, epistemologies, and identities in the eighteenth century Atlantic World (2001), sobre o polmico Debate do Novo Mundo. Neste livro sustenta a tese que os textos escritos sobre a natureza da Amrica e seus habitantes tambm eram um debate sobre a autoridade histrica, mostrando quais fontes e fatos deveriam ser utilizados pelos naturalistas e historiadores do perodo no intuito de pensar e narrar a histria do Novo Mundo. O texto ser publicado em portugus ainda este ano pela Edusp, com o ttulo de Como escrever a histria do Novo Mundo. Em 2006, publicou outros dois volumes importantes. O primeiro deles, Nature, empire, and nation: explorations of the history of science in the iberian world, uma coletnea de ensaios sobre as formas de interpretar e manipular a natureza no incio da Idade Moderna e no sculo XIX. O segundo, Puritan conquistadors: iberianizing the Atlantic, 1550-1700, pe em xeque as interpretaes cannicas das colonizaes inglesa e ibrica, vistas, at ento, como radicalmente antagnicas. Argumenta que ambas viam a colonizao como uma jardinagem espiritual cujo fim ltimo seria exorcizar o demnio do Novo Mundo. Nesse sentido, as experincias na Nova Inglaterra teriam um aspecto de continuidade das experincias espanholas na Amrica. Todas as publicaes mereceram menes honrosas, prmios e distines, alm de duas delas terem sido traduzidas para o espanhol. Atualmente, Caizares-Esguerra tem pesquisado a presena do Antigo Testamento no mundo espanhol, desde o perodo colonial at os anos 1820. A entrevista a seguir foi gentilmente concedida em sua passagem pelo Brasil no ano de 2011. Caizares-Esguerra, na ocasio, atendeu a um convite feito por um pool de universidades brasileiras, organizado pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). 1. Su libro How to write the history of the New World ser publicado en portugus pela editora Edusp. De qu trata esa obra? Jorge Caizares-Esguerra: Lo que hago en este libro es presentar debates del siglo XVIII, acerca de cmo escribir historiando a un mundo; qu fuentes o documentos usar, qu testimonios son vlidos, que testimonios no son vlidos.

histria da historiografia ouro preto nmero 7 nov./dez. 2011 14-28

Historia atlntica e intelectualidad

Es un estudio sobre categoras culturales de autoridad, de credibilidad, entre historiadores, o individuos que escriben en la Amrica Espaola en particular, y particularmente en Mxico, en Espaa y en otros locales como Francia, Escocia, Inglaterra y Berln, sobre el pasado. En ese estudio, lo que yo hago es poner la historia intelectual de occidente de cabeza, en el sentido de que las historias tradicionales de la ilustracin sealan que el conocimiento viene en el XVIII a Amrica producido en Escocia, con Robertson y otros grandes ilustrados escoceses, o de Voltaire, o de Diderot, Condorcet, grandes ilustrados franceses, o de la academia de letras de Berln. El conocimiento llegara a Amrica para ser consumido pasivamente, donde los intelectuales americanos lo adaptan a las actividades locales de una otra forma, pero siempre reaccionando. Lo que demuestro a travs de este debate es que la cosa es mucho ms complicada. Que los intelectuales del imperio, de la monarqua de Espaa, en Valencia, Madrid, Cantabria, Aragn, Mxico y Lima reciben todas estas ideas y las deconstruyen; no las consumen pasivamente. En el proceso de deconstruirlas y leerlas crticamente construyen discursos muy diferentes y muy creativos. Yo creo que en el caso de la ilustracin europea, escocesa, francesa y alemana, hay un consenso de cmo se debera construir el pasado americano. Se llega a la conclusin que las fuentes tradicionales (crnicas espaolas, las fuentes indgenas y los testimonios locales de sociedades hispanoamericanas) no sirven para reconstruir el pasado americano. No tienen autoridad, carecen de autoridad por las mltiples razones tpicas de la Ilustracin, como el anticlericalismo, el desprecio de los saberes populares y por otras razones como, por ejemplo, la historizacin de la historia de la escritura, que lleva a pensar que fuentes no escritas, o formas de escrituras no alfabticas son primitivas y por lo tanto no crebles. Tambin se descarta todo un movimiento de hacer historia a partir de fuentes escritas, particularmente la Biblia, al paso en que hay la creacin de nuevas ciencias en la ilustracin que no dependen ms de documentos escritos. Hay nuevas ciencias como la geologa por ejemplo, en donde la tierra misma, fsiles, montaas se convierten en fuentes documentales. O la biodistribucin, una ciencia que se vale de la utilizacin de plantas y animales. O la lingstica histrica, que determina migraciones y genealogas de pueblos a partir del estudio de parentesco de estructuras gramaticales. O sea, estn creando nuevas ciencias que son conjeturales por excelencia. En la historia se pasa el mismo: es el nacimiento de la historia conjetural en la Ilustracin. Es una ciencia que florece alrededor del discurso poltico, la filosofa poltica, como la idea del estado de la naturaleza y del origen de la desigualdad, del origen de la propiedad, como lo hace Rousseau, cuyo estudio de la transicin del estado natural al poltico se basa en el estudio de monos y primates, no fuentes bblicas. En Amrica todas esas ideas llegan y son asimiladas con muchsimo escepticismo. Son vistas como formas simplistas de ver el pasado americano, y hay un esfuerzo por llegar a las bases epistemolgicas de estas ideas europeas. Eso no es un descartar inconsciente o poco crtico de los fundamentos tericos,

16

histria da historiografia ouro preto nmero 7 nov./dez. 2011 14-28

Luis Guilherme Assis Kalil & Luiz Estevam de Oliveira Fernandes

17

epistemolgicos. Es una reduccin profunda, en mi opinin, de estos fundamentos epistemolgicos. Y la reaccin en la monarqua de Espaa es mltiple; hubo muchsimas formas de acercarse a estas ideas europeas. Una es asimilarlas y crear las mismas historias con los escoceses, franceses o con los berlineses. Por ejemplo, las historias de Campomanes y de gente en la academia de historia en Madrid, que se ven como modernos, como afrancesados, siguen todas estas ideas de modernidad. Pero hay otros grupos que no comparten estas ideas. Uno de estos otros grupos son sectores asociados a tradiciones humanistas valencianas. Estas tradiciones humanistas valencianas que en el siglo XVI florecen con Vives y que en el siglo XVIII renacen con gente como Gregrio Mayans i Sscar, un editor de fuentes del renacimiento espaol muy activo, y que, en el XVIII, insiste en recompilar documentacin, crear archivos, hacer traducciones. Era una actitud de revalorizar el humanismo espaol del XVI: Arias Montano, Vives y otros. Mayans i Sscar es uno de estos individuos que promueven la creacin de historias de un Nuevo Mundo basadas en la documentacin de archivos. Comparten del escepticismo francs, ilustrado francs, escocs, berlins, de que hay que reescribir la historiografa; de que las fuentes documentales, las historias y las crnicas de los frailes etc, publicadas son poco crebles. Pero la idea de ellos es que la colonizacin espaola fue muy sofisticada. Hay estudios mucho ms interesantes, mucho ms detallados de la historia americana hechos por clrigos. Los valencianos alrededor de Mayans consideran que hay cosas que no llegaran a ser impresas y que se necesita volver a los archivos para rescatar esa documentacin. Es en ese esfuerzo por rescatar materiales de archivos que un individuo valenciano, Juan Bautista Muoz, funda el Archivo de Indias. El Archivo de Indias es creado bajo esta misin epistemolgica, la idea de acumular documentacin primaria. No solo documentos notariales, no solo documentos creados por testigos, sin intencin de ser publicados, pero tambin estudios locales, de gente como Sahagn en Mxico. Las fuentes se acumulan y Muoz las pone juntas. En mi opinin, la reflexin que hace gente como Muoz es una reflexin muy sofisticada epistemolgicamente. Es una respuesta filosfica a la cultura de los escoceses, franceses y berlineses. Y yo argumento en el libro que es una reflexin filosfica, epistemolgica, que anticipa en ciertas formas las cuestiones que subyacen la creacin de la profesin de historia en el siglo XIX en Alemania. Y Por qu archivos? Y Por qu documentacin primaria? Por qu testigos que no publican? Porque hacer historia a partir de esa documentacin no publicada genera narrativas ms crebles. Muoz anticipa a Von Ranke por cerca de un siglo. Cuando esto est pasando en Espaa, en lugares como Roma y Mxico, particularmente, jesuitas estn creando una visin alternativa a la moda europea y valenciana. Y es una visin que prefigura muchos de los postulados filosficos, epistemolgicos del pos-colonialismo de final del siglo XX, es decir ofrece una crtica filosfica muy sofisticada al conocimiento eurocntrico. Una crtica que est basada en llamar la atencin sobre el desconocimiento de las ideas locales

histria da historiografia ouro preto nmero 7 nov./dez. 2011 14-28

Historia atlntica e intelectualidad

que promueven los europeos, en los estereotipos, en la manipulacin de testimonios locales en manos de los viajeros, la imposibilidad de los viajeros de realmente aproximarse a las realidades locales por limitaciones lingsticas. Para eso, articulan una historiografa que rescata no solo las fuentes documentales locales, si no particularmente las fuentes indgenas, la escritura indgena que ha sido tan criticada por la epistemologa europea. La documentacin indgena, las fuentes de escritura no alfabticas son tan crebles y tienen tanta autoridad como las fuentes escritas alfabticamente. En ese sentido es una respuesta profunda y novedosa, por ejemplo a las epistemologas de Giambattista Vico, y otros ms que estn en la base de la ilustracin europea. Entonces lo que yo hago en el libro es fundamentalmente decir que en Amrica, en la monarqua de Espaa y particularmente en la Amrica espaola las intelectualidades locales son mucho ms sofisticadas que lo que la historiografa sobre historia intelectual siempre nos ha hecho creer. La ilustracin hispnica no es reactiva, sino propositiva. Son muy conscientes de las bases y los objetos epistemolgicos del conocimiento que quieren descartar o que vienen reemplazar. Y lo reemplazan. Lo reemplazan con una agenda positiva. 2. En el final de este libro, usted afirma: mientras las interpretaciones como la de Gerbi se consuman si ninguna crtica, y en la medida en que al publico de Estados Unidos solo se le ofrezcan historias de violencia, de resistencia a la explotacin, de inestabilidad y corrupcin en Amrica Latina (unas narrativas que surgen en parte por las geografas culturales que caracterizan a la regin como no occidental, va a haber reconstructores imaginarios del pasado que recreen, como yo, mundos alternativos. Usted podra hablar un poco ms sobre esa polarizacin entre una historiografa eurocntrica e una de mundos alternativos, en la cual usted se incluye? JC-E: Afirmo eso en el sentido de romper la dicotoma historiogrfica de centroperiferia, que nos han caracterizado no solo en la historia social, en la historia econmica y particularmente en la historia intelectual. Es una propuesta metodolgica que nace de mi propia experiencia en los Estados Unidos. De ver como en los Estados Unidos se simplifica nuestras realidades hasta el punto de convertirlas en caricaturas. Una historiografa que ha hecho de Amrica Latina una fuente de ejemplos o revolucionarios, o folclricos. Que crea una narrativa sobre Amrica Latina de venas abiertas. Me estoy refiriendo aqu a Eduardo Galeano, de metforas de Amrica Latina como un cuerpo desangrado, de una narrativa trgica. Podramos imaginar esta regin de forma diferente. No como narrativas trgicas, pero como narrativas alternativas. En ese sentido no es solo una respuesta a narrativas eurocntricas desde Amrica Latina, es una crtica a las narrativas latinoamericanas tambin, creadas por historiadores latinoamericanos. Hay un evidente dao poltico que ese tipo de narrativas producen. Se convierten en simplificaciones y caricaturas de nuestra realidad. Entonces se consume lahistria da historiografia ouro preto nmero 7 nov./dez. 2011 14-28

18

Luis Guilherme Assis Kalil & Luiz Estevam de Oliveira Fernandes

Amrica Latina de Gabriel Garca Mrquez. Un mundo mgico de Doa Flor y sus dos maridos, de Mauricio Babilonia y mariposas amarillas. Hay revoluciones, hay tragedias s, hay populismo s, hay dependencia, hay opresin. Todo eso existe, pero no es solo eso, es ms complejo. En realidad muchsimo ms complejo. A eso me refiero con el final del libro. 3. Es una forma de reubicar el hogar narrativo de Amrica? JC-E: Si. De pensar el continente como un hogar de encuentro de muchos pueblos. Estos encuentros tambin se estn dando en otros espacios, como en frica, India, Europa. Pero lo que pasa en Amrica es una exageracin de esta tendencia, o que la torna nica. Los procesos de etnognesis en las Amricas son procesos atlnticos. Los quilombos son un buen ejemplo de cmo las formas de etnognesis en Amrica combinan pueblos indgenas y pueblos africanos. En Palmares, en Cartagena, en Jamaica y en otros lados del continente y tambin en frica lo pasa el mismo. O sea: las formas de etnognesis, de crear nuevas formas de comunidad, en el mundo afroamericano e indgena, realmente nos ayuda a entender formas de etnognesis en el mundo mestizo y tambin el proceso que hubo en Europa y en las Amricas. Lo que pasa en Amrica no es una cosa diferente de lo que est pasando en Europa o en frica. No podemos separar los procesos de etnognesis de comunidades indgenas en el centro de Arizona, o Texas - que aparentemente no estn conectados al mundo atlntico o al mundo pacfico - de lo que est pasando en las costas de Baha y Pernambuco, o Nueva Inglaterra, o Florida, o Barbados, Bermudas, o en los puertos de Francia, Espaa, Italia, o Inglaterra y Holanda. La generalizacin a la que estamos acostumbrados, de que hay una tradicin portuguesa, una tradicin espaola, o una francesa, una britnica o una holandesa, es algo a ser repensado. Tenemos que prestar atencin a cmo estas transformaciones se producen, cmo estas identidades y nuevas comunidades se crean. Lo que tenemos que hacer es ponerles atencin a estos dos ejes, que son tiempo y espacio. Que lo que cuenta son estas realidades locales, que cambian a lo largo del tiempo. Y que si queremos pensar a cerca de una experiencia X no debemos pensar a travs del eje de lo nacional. En Baha no hay la experiencia portuguesa, en Mxico no hay la experiencia espaola, o azteca. Lo que hay son realidades locales que cambian a lo largo del tiempo. Un eje temporal y espacial... Eso. 4. Nos parece, por su respuesta, que hay una diferencia clara con lo que propone, por ejemplo, Gruzinski, que tambin habla en mestizaje, tambin habla en un proceso mundial, pero habla en una occidentalizacin. Lo que est proponiendo nos parece un poco distinto a eso no?

19

histria da historiografia ouro preto nmero 7 nov./dez. 2011 14-28

Historia atlntica e intelectualidad

JC-E: S, la occidentalizacin hace de Europa lo normativo. En realidad la etnognesis, en otros sentidos, nos permite entender cambios en el mismo corazn europeo no? Pienso, por ejemplo, en mis estudios de arquitectura indgena en el siglo XVIII en el Ecuador, en Quito. En Quito, los jesuitas quiteos tenan una forma espacial de entender lo que est pasando en su mundo catlico, en la monarqua catlica. Para ellos el espacio de la monarqua espaola es un espacio que resulta global. Que no respeta diferencia ninguna. Europa, Amrica. Ellos entienden la divisin del espacio en trminos de espacios urbanos donde hay colegios, y aquellos espacios rurales donde hay misiones. Y las misiones en Francia, y en Normanda, para los jesuitas quiteos, son definitivamente las mismas de las Indias. Para ellos los jesuitas que trabajan en Normanda en el siglo XVII son los mismos que estn aprendiendo y viendo los mismos procesos que los jesuitas que estn en las Indias orientales, de San Francisco Xavier. Y son los mismos que estn en Maranho, tanto en el lado portugus como en el lado espaol. No hay mayores diferencias. No hay mayores tradiciones este, oeste occidente, oriente. La portada de la compaa de Quito tiene un santo jesuita francs junto al santo de las Indias orientales Francisco Xavier, me refiero a Francisco Regis, que fue canonizado por su labor misional con los indios de Normanda. La fachada de la iglesia hace una distincin entre un lado institucional, urbano, romano, Petrino, de San Pedro, de colegios de educacin de la juventud, y un lado Paulino, misional, femenino, rural, indiano. La divisin geogrfica de los quiteos es en trminos de gnero De conversin de los gentiles, en espacios urbanos o rurales. 5. Entonces no hay una especificidad del mundo Atlntico, las conexiones son mundiales, mucho ms grandes, llegando al Pacfico, ndico Hay ms que una historia Atlntica? JC-E: Son ms que una historia Atlntica y son una historia Atlntica. Entretanto, lo que pasa en el mundo Atlntico, costa africana; lo que pasa en el continente americano en general, de Patagonia a Alaska, a Groenlandia, o Nueva Escocia, y lo que pasa en puertos, costas del Mediterrneo, del mar del Norte y del Atlntico europeo es diferente a lo que est pasando en el mundo ndico, o en el pacfico. Japn, China, o estas islas como Taiwan y Filipinas, las que juegan el rol del Caribe en el Pacfico. Pero es diferente en trminos de la escala de estos cambios. Una creacin masiva de nuevas flexibilidades que no se dan en la misma escala en otros asuntos y espacios. Lo que es normativo, si se quiere entender lo que est pasando en Europa y la creacin de nuevas ideas nacionales, es volver a la Amrica. Es importante entender como los procesos de etnognesis estn sucediendo en comunidades indgenas y comunidades africanas y afroamericanas. Que esos modelos de etnognesis nos pueden resultar mucho ms tiles que las ideas y modelos de etnognesis en Europa. No lo contrario. Que es un poco golpear el dar de cabeza los modelos historiogrficos...

20

histria da historiografia ouro preto nmero 7 nov./dez. 2011 14-28

Luis Guilherme Assis Kalil & Luiz Estevam de Oliveira Fernandes

6. Pensemos un poco en su libro Puritan conquistadors. En el prlogo, usted afirma que el libro va a contestar algunas cuestiones que fueron hechas a su padre, por un mdico norteamericano que lo tomara como un latino ignorante. Del punto de vista del historiador, como se funden los aspectos biogrficos de su propia vivencia con aspectos de la composicin de su propio texto? JC-E: Las interpretaciones historiogrficas estn profundamente imbricadas, conectadas, inseparables. Eso nos lo ha demostrado muy bien la historia de la ciencia. Contextos locales, sociales y personales informan que los individuos crean el conocimiento. No soy diferente en ningn respecto a esos procesos. Y lo que yo trato de hacer en mis introducciones, en mi trabajo, es tratar de hacer evidente y obvio como mi trabajo se conecta con mi historia personal, como mis interpretaciones cuentan mi historia personal. Que tiene dos caractersticas: la primera es una historia de itinerncia, de movimiento. Que es un poco la historia de la modernidad, desde la modernidad temprana: individuos que estn en mucho lados, que transitan en muchos espacios y en esos espacios se reconstruyen, se recrean y se adaptan. Y eso que me ha pasado a mi muchas veces. Varios cambios, que me han dado cierta flexibilidad cultural que no es nica. De cierta forma eso me ayuda a entender o me da mucho ms simpata por aquellos que estn pasando eses procesos en perodos anteriores. Esa es una cosa. La otra es mi encuentro con la mala distribucin del poder de la representacin. Esa misma historia de itinerncia es vista por historiografas que son dominantes, a travs de conceptos considerados dominantes (llmense Revolucin Cientfica, o Ilustracin, o Renacimiento, o Reforma, o Puritanismo), que mi propia experiencia personal me obliga a no concordar. No encuentro mi historia siendo expresada por esa historiografa. Ya es una cuestin que encuentro ofensiva. La encuentro no solo caricaturizando mi pasado, sino lo simplificando, No? Silencian muchsimas cosas que no son expresadas no se ven en esas historiografas, guiadas por categoras que enmascaran, que esconden, tanto como iluminan. Entonces, si, pienso que todo historiador, y toda historia y todo libro de historia, a pesar de ideas de objetividad, de distanciamiento, cientificidad, en realidad manifiestan una historia personal. 7. En el mismo libro, usted afirma, de una forma muy convincente e innovadora, que hay mucho ms en comn entre puritanos y catlicos, desde el punto de vista de la persecucin al demonio, de lo que se creyera hasta entonces. Por otro lado, Cules seran las diferencias entre catlicos y puritanos en esta experiencia americana? JC-E: En esta experiencia americana creo que hay muchas diferencias, y en mi libro inclusive trato de sealarlas. De eso creo que hay una historiografa muy rica, que apunta esas diferencias. La novedad me parece, es la semejanza. Enhistria da historiografia ouro preto nmero 7 nov./dez. 2011 14-28

21

Historia atlntica e intelectualidad

verdad, lo que es comn en esa clase de experiencias. No tanto porque yo crea que no haya diferencias, pues creo que hay, y dentro del mundo puritano las hay muchas: en Maine es una cosa y en Nueva Inglaterra es otra; en la Isla de Providencia cerca a Nicaragua es una cosa, es otra en el mundo puritano de Jamaica, y en el mundo puritano en Virginia es otra porque hay puritanos en todos esos espacios. Como tambin lo es en Londres y como lo es en el mundo puritano de msterdam. Lo que busca este libro de forma paradjica es sealar lo comn de todas estas experiencias. Lo que hay es simplemente la experiencia de lo local, lo que hay es este eje de espacio y tiempo, y tenemos que ponerle atenciones a esto, a esta experiencia de lo local, en funcin de un mundo transnacional. As lo que hay es la Ciudad del Mxico en el siglo XVI en un contexto global y transnacional. Lo que hay es Boston en el siglo XVII en un contexto local y transnacional. Y que si t decs las cosas de esa forma te encuentras que ciertos debates intelectuales en Boston en el siglo XVII, de los colonos blancos, tienen sus orgenes y sus genealogas intelectuales en Mxico en el siglo XVI. Eso no significa que Mxico es Boston. Eso significa que estn conectados, y que si quieres entender Boston tienes que entender Mxico. El problema es que antes lo creamos que no haba ninguna comunicacin posible entre estos espacios y estas historias locales. Y lo que yo estoy argumentando en este caso es que sin Mxico no puedes entender Boston. 8. John H. Elliott y David Brading dijeron en sus libros que los ingleses tuvieron como un siglo de experiencias espaolas y portuguesas para empezar sus propias experiencias JC-E: S. Aunque yo tengo mis diferencias con Elliott. Diferencias importantes, epistemolgicas y metodolgicas. Pienso que es un trabajo muy importante, pero que mantiene eses esencialismos, estas diferencias entre el mundo hispnico y el mundo britnico. El mundo britnico y el mundo hispnico, en la obra de Elliott terminan siendo, al final, muy similares a lo que la historiografa antes de hoy ya, en el siglo XIX, nos haba dicho. Que el Atlntico de Elliott britnico es un Atlntico de diversidad religiosa, de pluralidad religiosa, de ms participacin democrtica, un mundo mucho ms abierto. El mundo hispnico, en cambio, aparece como un mundo mucho ms homogneo, culturalmente, religiosamente monoltico y carente de experiencias democrticas. Esa es una narrativa de Prescott, del siglo XIX. Polticamente, creo que esto es problemtico. 9. Usted considera que, a estudiar esas afinidades, acabamos permitiendo un combate a la idea de jerarqua entre colonizaciones, que son vistas por una parte de la historiografa como una mejor, ms avanzada y ms moderna que la otra? JC-E: S, esto est claro. Que el mundo britnico es ms moderno, es ms plural, ms democrtico. El mundo hispnico es un mundo ms monoltico ms controlador y jerrquico.

22

histria da historiografia ouro preto nmero 7 nov./dez. 2011 14-28

Luis Guilherme Assis Kalil & Luiz Estevam de Oliveira Fernandes

Yo, por ejemplo, creo que todos estos puntos dependen. Se podra hacer tambin un libro donde se da la vuelta a la perspectiva de Elliott. El mundo hispano tiene mucho ms diversidad religiosa si se incluyese, adems de los colonos blancos, los indgenas y esclavos, y mestizos, y etc. Puedes llegar a una reflexin diferente. Dependiendo de cmo t organizas tu historia y tu narrativa. 10. Y eso es vlido mismo dentro de una lgica catlica, pues lo que los franciscanos estn diciendo no es la misma cosa que los dominicanos estn diciendo, que por su vez es diferente de los jesuitas JC-E: Exacto. No es lo mismo. Bueno, los franciscanos que llegan al principio del XVIII son distintos de los del XVI, No? Van cambiando. De nuevo, tiempo y espacio, No? El mundo catlico en ese sentido es tpico, es universal pero es tambin local. Profundamente local. No hay dos experiencias catlicas iguales. 11. Entonces la historia estara entre el local y otro nivel de conexiones globales, No? JC-E: Exacto. Eso sera as. Un profundo respecto a lo local y al timing de un local. Siglo XVI, siglo XVII y el siglo XVIII. Pero tambin con una consciencia de que este mundo local est formado por itinerancias de personas, objetos, ideas, que estn movindose y de saberes que no respetan fronteras. Lo que Puritan conquistadors, por ejemplo, busca hacer es un absurdo de esos esencialismos y nacionalizaciones de la historia. De que hay algo espaol, de que hay algo puritano, de que hay algo esencialmente de Nueva Inglaterra y hay algo esencialmente mexicano. Ve que esas categoras no nos sirven ya, y en ese sentido difiere de Elliott, porque el termina reforzando eses esencialismos. El ser britnico termina pesando. Sera esencial para entender el Atlntico britnico, que, a su vez, termina siendo diferente al nacionalismo espaol, monoltico. 12. Hay como una prefiguracin de la nacin en eso porque Dnde estn las colonias del Caribe, por ejemplo? Donde est? JC-E: Donde est Portugal? Dnde est ese mundo No? Es mucho ms complejo el sur del Atlntico... Altera las dinmicas del Caribe. Creo que si se ha de hacer un estudio de Atlnticos britnico y espaol, se debe comenzar en el Caribe. Caribe tiene ms sentido. Comparar Boston con Mxico es como comparar peras con olmos. Pero es mucho ms til comparar Habana con Puerto Prncipe y Port Royal y Jamaica, o cosas as. 13. Sobre su investigacin actual, de qu se trata? JC-E: Bueno, estoy haciendo dos tipos de proyectos: un proyecto est por salir, que es un libro coordinado y orientado por colegas sobre las ciudades africanas en Atlntico. Presenta estas ciudades en frica, como Luanda, Uila, ohistria da historiografia ouro preto nmero 7 nov./dez. 2011 14-28

23

Historia atlntica e intelectualidad

Freetown en Sierra Leona, Lisboa, Baha, Rio, Mxico, el Cabo Francs, ciudades de Jamaica etc. Busca recapitular los procesos de etnognesis en estas ciudades, la creacin de identidades africanas, tanto en frica como en Amrica, en el eje local, pero destacar tambin las similitudes ms amplias. O sea, como es un proceso que est pasando en todos lados y particularmente el espacio humano como una especie de frontera dentro, una frontera al interior de los espacios donde existe ms control: la creacin de mocambos y quilombos dentro de la ciudad, espacio que no es controlado por autoridad, y en zonas urbanas, que son tericamente las ms conectadas y que se sabe ese espacio urbano que permite la creacin de nuevas identidades africanas en Amrica. Son procesos que estn pasando tambin en Jamaica, en el mundo francs de Hait, o SaintDomingue, a pesar de la ausencia de instituciones catlicas, pues los tiempos haban cambiado. Sin embargo, hay marginalidad y formas de relaciones institucionales entre las comunidades negras cofradas nuevas religiones De nuevo, trato de disminuir estas diferencias que han caracterizado la experiencia atlntica. Ciertas historiografas en Brasil y en frica son mucho ms ideales para entender cosas que asumimos no existieren en el mundo del Caribe francs pero que, en realidad, si existen. La diferencia es una cuestin de fuentes y de formas con que los archivos en el Caribe ingls, francs e espaol fueran mantenidos el tipo de documentos que ellos guardaban. Las instituciones creaban ciertos tipos de documentacin que nos han llevado a entender que hay diferencias. Esa es una cosa. Y el otro nuevo proyecto tiene que ver con mi trabajo sobre el Antiguo Testamento en la monarqua de Espaa. Lo que busco en ese trabajo es entrar en un debate con dos historiografas que han oscurecido lo que est pasando en la modernidad temprana. Una es la del Renacimiento y la otra es la de la Reforma. Han afirmado con la categora del Renacimiento, que los clsicos informan las cosas de la poltica, los debates sobre colonizacin, como se escribe las experiencias coloniales, etc. Y yo sealo que mucho ms importante que esas fuentes clsicas es el Antiguo Testamento, libros como Crnicas, Reyes, Jueces, en particular. Y para instituciones coloniales, los libros de Reyes, Samuel, Deuteronomio, Nmeros. Por otro lado, la categora de la Reforma ha creado ese constructo de que el mundo catlico realmente no usa la Biblia, a diferencia del mundo protestante. Creo que eso no es cierto. Y que tiene un peso inmenso el Antiguo Testamento en esas sociedades de Antiguo Rgimen. 14. Entonces, de esta perspectiva, Qu es el Renacimiento? La tradicin nos dice que es un revival de los clsicos y que esto de alguna manera empieza con la lgica humanista que en largo tiempo, hasta el XVIII quiz el XIX, va crear un discurso laico que prescinde de predicativas del Antiguo Testamento, en realidad. Entonces cmo es posible reinventar eso, rever el Renacimiento como concepto y tambin la Reforma? JC-E: Realmente, eso no es mi preocupacin. Realmente no busco reinterpretar el Renacimiento. Creo que hay mucha gente estudiando el Renacimiento ahora

24

histria da historiografia ouro preto nmero 7 nov./dez. 2011 14-28

Luis Guilherme Assis Kalil & Luiz Estevam de Oliveira Fernandes

y haciendo muy bien, manteniendo cmo la tradicin judaico-cristiana bblica y la tradicin clsica estn entrelazadas, profundamente interconectadas. Hay muchos estudios de eso y que tambin han permitido la interaccin del mundo judo, del mundo rabnico a estas narrativas que haban sido excluidas tambin. Hay nuevos estudios que bautizan los orgenes hebreos, rabnicos las interacciones entre este humanismo cristiano con influencia rabnica y en particular en Europa. Yo creo que esto lo estn haciendo muy bien. Mi inters es ms buscar ver la complejidad de este mundo de la monarqua de Espaa al introducir la Biblia, el Antiguo Testamento en particular cmo ciertas cosas que solamos entender, realmente cambian. Un buen ejemplo de eso son las guerras de independencia. La nfasis ha sido hasta ahora de ver la influencia de la Ilustracin francesa europea, o una Ilustracin, un liberalismo hispnico local en esos procesos. De mi parte, mi inters es en volver al Antiguo Testamento para entender la historia de los monarcas. Yo creo que el libro de Macabeo, por ejemplo, es mucho ms vital para entender el discurso de Simn Bolvar. Simn Macabeo es Simn Bolvar as como muchsimos participantes en esas guerras. El republicanismo, por ejemplo, de Juan Rcio es un republicanismo veterotestamentario. El ataca la categora de monarqua a partir de lecturas del libro de Samuel. All se ve la monarqua como una forma de idolatra y eso se corrobora en manifestaciones visuales del poder, la utilizacin de imgenes, de escudos de armas. La otra que tambin busco hacer en mi libro sobre el Antiguo Testamento y la monarqua de Espaa es recrear formas de sensibilidad, formas de entender el pasado que no son las mismas de ahora. Y en esta conexin el Antiguo Testamento funciona no slo como fuente de ejemplo e inspiracin. Funciona tambin como forma de entender la conexin entre el pasado y el presente, en el sentido tipolgico. Esta es una forma de entender el tiempo que se pierde realmente. Empieza a desaparecer a finales del XVIII y a lo largo del XIX. Si queremos entender el XVI, el XVII (y tambin el XVIII), tenemos que respetar esa forma tipolgica de pensar el pasado que prefigura el presente. Un saber proftico, que hace que la gente encuentre en el Antiguo Testamento las claves que le permiten descifrar el presente y el futuro. Es una forma diferente de entender el pasado. 15. Usted est afirmando que autores del inicio del siglo XIX, con ese espritu nacional bblico, tenan una lectura del Antiguo Testamento igual a la de autores del XVI? Esa lectura no se cambia en tres, cuatro siglos? O, si se altera, cmo se altera? JC-E: S, se altera en general la cultura en general, s. Pero eso no impide que desaparezca la lectura. Hay autores que claramente estn pensando tipolgicamente de la misma forma de antes, como la lea Vieira en el siglo XVII. No hay ninguna diferencia.

25

histria da historiografia ouro preto nmero 7 nov./dez. 2011 14-28

Historia atlntica e intelectualidad

Tomemos el caso de los autores jesuitas. Hay una misma sensibilidad de construir el pasado en el chileno Lecunza a principios del XIX que en Vieira; un discurso mesinico milenario. Tanto en el contexto de guerras de independencia como en Vieira hay una continuidad inmensa entre estos dos jesuitas. Uno en Chile el otro en Maranho, Pernambuco en el siglo XVII Pero con otros, en Lisboa, en Francia, tambin en el siglo XVII. Eso es una cosa: hay continuidades. Pero hay tambin diferencias. Yo creo que la diferencia tiene que ver ms con la Biblia como una fuente de ejemplo heurstico, que se hace ms marcado en principios del XIX. En esa poca, uno volva al Antiguo Testamento para clarificar procesos. Se pelea contra Fernando VII de la misma forma en que las diez tribus de Israel pelearon contra Robon, el hijo de Salomn. Porque la monarqua de David y Salomn se rompe, cuando Salomn le da a su hijo Robon la corona. Robon pone ms impuestos, y se convierte en un rey idlatra. Salomon ya haba se convertido en un idolatra y su hijo contina esas tendencias. Empieza a cobrar ms impuestos de las poblaciones locales. Y la respuesta es que hay una revuelta, y se rompe Israel en dos. La monarqua de Israel y el reino de Jud, al redor de los dos hijos de Salomn, Jerobon y Robon. Ese ejemplo es importantsimo para entender como los patriotas entienden la guerra contra Fernando VII, una guerra inspirada en la guerra civil en Israel y en Jerobon. Es un uso ms heurstico del Antiguo Testamento en ese sentido. No es tan tipolgico Lo tipolgico tiene mucho ms peso en el XVI, XVII. Es como un proceso en donde tienes lo heurstico y lo tipolgico desde un principio, pero empiezan a cambiar en cierta proporcionalidad, al punto de que, en el XIX, lo tipolgico ya no es tan central, y hay espacio para conceptos de progreso, modernidad, el presente no estaba dado en el pasado, tipolgicamente. Uno tiene que hacer esta relacin para entender el presente y eso tambin se ve en la Iglesia catlica. Ella misma empieza a perder las conexiones con el Antiguo Testamento en la arquitectura, la construccin de templos, en los dogmas y en las tradiciones marianas. Mara empieza a perder conexiones con Judith, con Sara, con Yael, con el Cantar de los cantares cosas que han sido tan importantes para todos los cultos marianos coloniales se empieza a disolver. Pero eso, a su vez, empieza a construir una leccin del pasado colonial tambin muy simplista, en cuanto, por ejemplo, a gnero. En una tradicin mariana, la Virgen Mara de los evangelios de Lucas, es una mujer pasiva, siempre sufridora. Pero, en realidad, en el perodo colonial, Mara podra ser una mujer guerrera, una mujer del Antiguo Testamento. Podra ser igual a Yael, que mata a Sisera, el general cananita, o es una mujer prefigurada por Judith, que corta la cabeza a Holofornes. O prefigurada por Elas, que mata a los protectores de Baal. Y cuando perdemos estas races veterotestamentarias de las tradiciones marianas, simplificamos las escojas de gnero en el perodo. Las mujeres eran vistas, pues, como la infantera de Dios, no como la mujer pasiva. Y sin eso no es posible entender las constituciones de conventos, por ejemplo. No como los conventos o eran: proyectos constitucionales de ciudadana, de mujeres en la

26

histria da historiografia ouro preto nmero 7 nov./dez. 2011 14-28

Luis Guilherme Assis Kalil & Luiz Estevam de Oliveira Fernandes

ciudad de Dios. Donde son ciudadanas, con derechos y responsabilidades, y donde tienen roles centrales. Una visin del Antiguo Testamento nos da una visin mucho ms interesante y rica, por ejemplo, del mundo cortesano, y de cmo se representa la monarqua y sus jerarquas, porque estn constantemente mudando con referencias veterotestamentarias al el trono de Dios y a las jerarquas de ngeles. Los ngeles son de varios tipos serafines, querubines, potencias, tronos, arcngeles, ngeles, etc. Y como ellos se conectan con Dios. Y todo eso se refleja en las jerarquas no solo celestiales, como en las citaciones de grandes santos, relativos al plano de Dios y los franciscanos, por ejemplo, con sus serafines, querubines etc. Y todas esas jerarquas reflejan la relacin entre el monarca y su propia corte, diplomticos etc. 16. Y cul s la importancia de la tradicin veterotestamentaria frente a la novedad, la experiencia en Amrica? JC-E: La experiencia americana es leda en la monarqua de Espaa, en el mundo catlico en general, de la misma forma en que en la tradicin rabnica del Midrash. Es decir, como un mundo de ejemplos que pueden ser tomados libremente para crear lo que te d la gana. Estaba leyendo uno de los sermones de Vieira sobre las hermandades de Baha. Un lindo sermn, maravilloso. Realmente maravilloso. En ese texto, Vieira pasa a hacer con el Antiguo Testamento lo que le d la gana. Cmo pueden ser los negros hijos de Mara, en ese texto de Vieira? El lee ciertos pasajes de Nmeros y xodo donde conecta ciertos hijos de Israel con los etopes. Usa, salmos de David que se convierten en los salmos del Rosario, Vieira argumenta que David ya haba prefigurado la idea de que hay salmos que deben ser cantados en canteras o espacios parecidos a infiernos. Los negros de las hermandades de Baha deben rezar esos pocos rezos del rosario (no los 150) porque David ya lo haba decretado as. Los negros deben cantar y rezar mientras trabajan para poder sobrevivir a estos infiernos. Eso para los negros conversos. No los que viven en la gentilidad en frica, si para los conversos que vinieron a Amrica. Estos son los hijos preferidos de Mara, a la altura de Cristo y de Juan Evangelista! Eso puede ser hertico Pero el concepto de hereja es un poco curioso. Es un acto creativo de lectura, que lleva a conclusiones nuevas, y teolgicamente raras. Esto que hace Vieira con los negros y el Antiguo Testamento est pasando todo el tiempo en Amrica. Lecturas peculiares y creativas del Antiguo Testamento. Lo que yo estoy tratando de decir es que los sermones son espacios de creatividad y de creacin que realmente no hemos sabido leer con cuidado y con respecto. La sociologa colonial, la filosofa poltica colonial, se encuentra en los sermones. Algunos historiadores ya lo han sealado, y para casos muy puntuales. Cuatro o cinco sermones en caso de la Virgen de Guadalupe, el caso de Miguel Snchez, en 1648, sobre Guadalupe. Un sermn es un momento intelectual nico, de gran creatividad y sofisticacin que le permite a Miguel Snchez

27

histria da historiografia ouro preto nmero 7 nov./dez. 2011 14-28

Historia atlntica e intelectualidad

convertir el Mxico en una iglesia elegida que hace con que todos los criollos encuentren en Guadalupe nueva inspiracin y que expliquen el inters por ese culto, uno de muchos cultos marianos en Mjico que de repente va a tomar una importancia que no tenan hasta este momento. En parte por el ejercicio teolgico de Miguel Snchez, aquel ejercicio de gran creatividad. Pero este es uno, un caso de creatividad teolgica. Hay cientos de estos ejemplos. Y yo creo que si queremos realmente destacar la creatividad de nuestras comunidades intelectuales tenemos que tratar ese tipo de documentos. Y que ah est la riqueza intelectual colonial.

28

histria da historiografia ouro preto nmero 7 nov./dez. 2011 14-28

Sarmiento e seus monstros: caudilhos, deserto e violncia na Argentina do sculo XIXSarmiento and his monsters: warlords, desert and violence in Argentina of the 19th CenturyCesar Augusto Barcellos Guazzelli Professor associado Universidade Federal do Rio Grande do Sul [email protected] Avenida Mariland, 1719/301 - So Joo 90440-191 - Porto Alegre - RS Brasil

ResumoO escritor argentino Domingo Faustino Sarmiento foi um dos mais importantes intelectuais latino-americanos do sculo XIX, alm de ter participado ativamente dos principais movimentos polticos do seu pas. Sua principal preocupao era explicar e buscar solues para os crnicos problemas que identificava como responsveis pelo atraso da Argentina e da Amrica do Sul como um todo. A primeira parte deste artigo constar da anlise das causalidades que o autor levantava para justificar este atraso da sociedade argentina, onde aparece claramente o que eles supunham fossem razes naturais; a segunda parte procurar destacar a forma como se desenvolveu o pensamento poltico de Sarmiento, tendo em vista a maneira como via e propunha solues para os males do pas; finalmente, sero tratados as inovaes e limites desta produo intelectual. Para este texto sero usados alguns dos principais livros de Sarmiento.

29

Palavras-chaveIdeias polticas; Argentina; Estado.

AbstractThe argentine writer Domingo Faustino Sarmiento was one of the most important Latin-American intellectuals of the nineteenth century, besides having actively taken part in the major political movements of his country. His main concern was to explain and seek solutions to the chronic problems which he identified as responsible for the backwardness in Argentina and South America as a whole. The first part of this article will consist in the analysis of the causalities that the author brought up to justify this backwardness of the argentine society, in which clearly appears what they assumed as natural reasons; the second part will seek to highlight how Sarmientos political thought has developed, considering the way he saw and proposed solutions to the ills of the country; finally, will be considered the innovations and limits of this intellectual production. To this text will be used some of Sarmientos most important books.

KeywordsPolitical ideas; Argentina; State.

Enviado em: 30/9/2011 Aprovado em: 3/12/2011 histria da historiografia ouro preto nmero 7 nov./dez. 2011 29-55

Sarmiento e seus monstros

O argentino Domingo Faustino Sarmiento nasceu na provncia de San Juan em 1811 e faleceu em 1888 em Assuno. Foi jornalista e escritor, pertencente aos intelectuais da famosa Gerao de 1837, exercendo tambm atividades pblicas significativas: participou do Ejrcito Grande que lutou e derrubou o governo de Rosas, e mais tarde seria sucessivamente governador da provncia de San Juan, embaixador da Argentina nos Estados Unidos e presidente da Argentina. Apesar da enorme importncia intelectual e poltica que teve em seu tempo, ainda um autor pouco estudado em nosso meio. O propsito deste texto abordar os aspectos mais chamativos na produo escrita de Domingo Faustino Sarmiento, um intelectual e poltico multifacetado que ao longo de muitos anos publicou uma vasta obra buscando explicaes para atraso e barbrie da Argentina, e por extenso para a Amrica Latina como um todo; a compreenso destes males de origem seria condio fundamental para que se chegasse quela situao contrria, o progresso e a civilizao desenvolvidos nos grandes centros europeus, e que se encaminhavam a passos largos nos Estados Unidos. O artigo est constitudo em quatro partes. A primeira traz alguns aspectos da formao intelectual de Sarmiento. Na sequncia sero abordadas as suas concepes acerca da histria e como procurava no passado as explicaes para o real. A terceira parte tratar das causalidades que o autor levantava para justificar o atraso da sociedade argentina, onde aparece claramente o que eles supunham fossem razes naturais. A quarta parte salientar como Sarmiento propunha solues para os males do pas. Para tanto, a escolha de um nmero limitado de textos arriscada, a obra de Sarmiento tm dimenses gigantescas1. Para atender aos objetivos propostos, dois livros serviro como eixo principal deste artigo: sua obra mais conhecida, Facundo, quando se afirmou como escritor em 1845 (SARMIENTO 1952); Conflicto y armonas de las razas, uma obra de su vejez, de 1883 (SARMIENTO 1883). O exame de livros escritos com quase quarenta anos de interregno permitir observar que os males que afligiam Sarmiento eram os mesmos, mas que havia mudanas sutis nas suas interpretaes sobre eles. Apoiando estes textos principais sero eventualmente trabalhados outros livros, contemporneos daqueles: Facundo ser cotejado algumas vezes com El Fray Aldao, tambm de 1845 (SARMIENTO 1889); Recuerdos de provncia, de 1850 (SARMIENTO 2001); Argirpolis o la capital de los estados confederados del Ro de la Plata, tambm de 1850 (SARMIENTO 2011) e Campaa del Ejrcito Grande, de 1852 (SARMIENTO 1852). J Conflicto y armonas de las razas, ter eventualmente a companhia de El Chacho, de 1868 (SARMIENTO1973) e Conferencia sobre Darwin, de 1882 (SARMIENTO 2009).

30

Boa parte dos principais livros de Sarmiento em suas edies originais est disponibilizada on line atravs do Proyecto Sarmiento obras completas en Internet edicin bicentenario: http:// www.proyectosarmiento.com.ar/.1

histria da historiografia ouro preto nmero 7 nov./dez. 2011 29-55

Cesar Augusto Barcellos Guazzelli

31

Sarmiento: o autodidata e seus cursos Domingo Faustino Sarmiento foi um dos tantos intelectuais americanos dos anos Oitocentos que procuraram diagnosticar os males do continente para buscarem a partir da as solues cabveis. Este autor foi um pioneiro foi a partir de 1845 que produziu seus textos mais consistentes na formulao de uma matriz explicativa para os problemas da Confederao Argentina e, por extenso, da Amrica Latina, que foram muito bem representadas pelo binmio civilizao e barbrie, que ele tambm criou. A interpretao de Sarmiento influenciou o pensamento de muitos intelectuais contemporneos, no apenas na Argentina, mas em pases onde viveu e escreveu artigos jornalsticos ou livros, como no Uruguai, no Chile e no Brasil. Mesmo nos Estados Unidos, que se tornou um modelo para os projetos que tinha em relao Argentina, editou alguns dos seus principais escritos. Salientando a importncia ainda presente de Sarmiento, Diana Quattrochi-Woisson observa que a procura de uma identidade para o pas ainda passa pelo binmio civilizao-barbrie to caro ao autor, e que seus questionamentos sobre os males ainda se fazem presentes entre polticos e intelectuais (QUATTROCHI-WOISSON 1995, p. 38-39). Outros autores salientam os combates s ideias de Sarmiento desde distintas correntes polticas, desde o chamado Revisionismo Histrico (STORTINI 2004) s faces de esquerda de inspirao marxista (DEVOTO 2004). Mesmo fora do pas, Sarmiento serve como exemplo de intelectual que renegou sua identidade americana, professando sua escolha pelo paradigma civilizatrio europeu; o caso do cubano Roberto Fernndez Retamar, que em Caliban, seu estudo sobre Mart, traz justamente Sarmiento como seu contraponto: Los interlocutores no se llamaban entonces Prspero y Caliban, sino civilizacin y barbarie, ttulo que el argentino Domingo Faustino Sarmiento dio a la primera edicin (1845) de su gran libro sobre Facundo Quiorga (FERNNDEZ RETAMAR 2004, p. 44). Nascido na cidade de San Juan, capital da provncia argentina de mesmo nome, em 15 de fevereiro de 1811, e falecido em Assuno do Paraguai em 11 de setembro de 1888, Sarmiento foi contemporneo de quase todo o longo ciclo de guerras civis que assolaram o Rio da Prata durante o sculo XIX. Neste perodo de transio, as sociedades platinas que se haviam desvencilhado da dominao colonial, passavam por srias dificuldades para se reorganizarem politicamente. As tentativas dos produtores de Buenos Aires, articulados ao mercado, externo em impor seus interesses, enfrentavam a resistncia das oligarquias fundirias no exportadoras construo de um Estado nacional, e as lutas internas foram ininterruptas praticamente de 1810 a 1862, quando se sacramentaria o pacto poltico conhecido por Estado Oligrquico. A elite pecuria de regio portenha detinha a produo de maior valor comercial, e almejava um Estado centralizado ou unitario ao passo que as demais provncias procuravam sobreviver autonomamente, defendendo projetos federales nas disputas contra os portenhos.

histria da historiografia ouro preto nmero 7 nov./dez. 2011 29-55

Sarmiento e seus monstros

Foi nesse meio que se destacou Domingo Faustino. Pertencendo a um grupo importante de jovens intelectuais, que se tornaram conhecidos como La Generacin de 1837, desde muito cedo se envolveu e participou das principais discusses polticas do seu tempo (SHUMWAY 1975, p. 131-187). Carlos Altamirano tambm salienta a importncia que os homens daquela gerao, especialmente os que eram ligados ao Saln Literario de Buenos Aires (ALTAMIRANO 2005, p. 30). O prprio Sarmiento mencionou a importncia que teve seu amigo Manuel Quiroga Rosas, que em 1838 o entusiasmara com las nuevas ideas que agitaban el mundo literario en Francia, citando autores como Villemain y Schlegel en literatura, Jouffroi, Lerminnier, Guizot, Cousin, en filosofia e historia; Tocqueville, Pedro Leroux en democracia (SARMIENTO 2001, p. 147). Este convvio de dois anos com os amigos Cortinez, Aberastain, Quiroga Rosas, Rodriguez e outros, Sarmiento considerou um curso de filosofia e histria, uma forma retrica de referir-se a seu autodidatismo (SARMIENTO 2001, p. 148). Os intelectuais do Saln Literrio so mencionados tambm em outras obras para marcar a presena de um pensamento civilizatrio no pas que seria ferreamente perseguido e exterminado pelo governo de Rosas (SARMIENTO 1952, p. 157). Dono de uma formao intelectual to diversificada, e apreendida de forma pouco sistemtica pelas dificuldades para uma formao acadmica convencional, difcil classific-lo em relao aos movimentos culturais de seu tempo: dizer que ele se identificava com o Romantismo, com o Historicismo, com o Ecletismo, com o Liberalismo, entre outros, a partir dos autores que privilegiava, traz o risco de interpret-lo de maneira esquemtica (ALTAMIRANO 2005, p. 39). Para este autor, no se pode simplesmente abordar Sarmiento enquanto portador de uma doutrina explicativa da histria, do pensamento e da sociedade argentina, tampouco tratar das propriedades literrias do seu texto sem contextualiz-lo. Assim, se inegvel que ele fez parte de um movimento progressista num pas dividido entre caudilhos da campanha e doctores da cidade, ele procurou obstinadamente uma interpretao consistente para o passado (ALTAMIRANO 2005, p. 40). Neste sentido, Carlos Altamirano afirma que a historia escrita por Sarmiento era iluminada con el auxlio de una teora, como descreve: Para Sarmiento, que en esto adoptaba uno de los preceptos de la concepcin romntica de la historia, entre el personaje y su mdio exista una unidad orgnica: se reflejaban mutuamente (ALTAMIRANO 2005, p. 46). Outros autores, como Celina Lacay, discutem se esta influncia do Romantismo sobre Sarmiento foi to importante. Salienta a autora que todas as ilaes que se fazem entre Sarmiento e o Romantismo se baseiam nas afirmaes que ele mesmo presta em seus textos, como no caso de Recuerdos de provncia (LACAY 1986, p. 47); quando ele publicou o livro em 1850 ele certamente j havia lido os autores romnticos, mas isto no afiana que estes j estivessem presentes na sua formao (LACAY 1986, p. 49). Para um autor que possibilita interpretaes mltiplas, como sugere Natalio Botana (SARMIENTO 2011, p. 13), provavelmente a que melhor lhe cabe aquela to inspirada que

32

histria da historiografia ouro preto nmero 7 nov./dez. 2011 29-55

Cesar Augusto Barcellos Guazzelli

lhe atribuiu, em Historia de Sarmiento, o escritor Leopoldo Lugones: Facundo y Recuerdos de provncia son nuestra Ilada y nuestra Odisea (apud ALTAMIRANO 2005, p. 39). Histria: explicar com o auxlio de uma teoria! Ciente de que a luta pela independncia no trouxera o desenvolvimento para as jovens naes latino-americanas, procurou pelas causas que explicassem o atraso da sociedade argentina em relao s naes desenvolvidas. O significado de suas obras teria uma importncia enorme para justificar o modelo liberal como forma de desenvolvimento nacional, e pode-se observar nos seus textos uma vasta erudio em relao s principais contribuies cientficas, literrias e artsticas dos pases europeus civilizados. Foi, alm disto, um homem de enorme atuao poltica a exemplo de seus contemporneos. Conforme alerta Leandro Losada, No por casualidad se h sealado que la Generacin del 37 estuvo ms atenta a la reflexin sobre la sociedad que a los debates ms puramente estticos. (LOSADA 2009, p. 98). Esta anlise da sociedade inicialmente no foi pensada com propsitos propriamente polticos, como continua o autor:En su momento de surgimiento, la Generacin del 37 pens una intervencin en la sociedad desde un lugar propiamente intelectual, como lo condensa despus de todo, su objectivo de mxima: completar el proceso iniciado en mayo de 1810 con una renovacin cultural y de ideas (LOSADA 2009, p. 98).

33

Uma caracterstica deste grupo era uma composio nacional, com representantes de outras provncias alm de Buenos Aires; se Echeverra e Lopez eram portenhos, Alberdi vinha de Tucumn e Sarmiento de San Juan, por exemplo (LOSADA 2009, p. 99). Assim, a trajetria que no futuro teriam alguns dos seus membros como os casos exemplares de Sarmiento, Alberdi e Mitre mostra que a participao poltica nas questes nacionais no estava distante dos seus interesses, mas para este autor un carcter ms definido de grupo de accin fu una respuesta al tenso panorama que se deline despus de 1838-1840" (LOSADA 2009, p. 98). Sarmiento afirma nos seus Recuerdos de provncia que ainda muito jovem assistira e as manifestaes fanticas do Cnego Castro Barros, que em 1827 defendia a campanha de Facundo Quiroga contra o presidente Rivadavia, identificando-a como uma luta da religio contra a impiedade dos governantes portenhos: Furibundo, frentico, andaba de pueblo en pueblo, encendiendo las pasiones populares contra Rivadavia y la reforma, y ensanxhando los caminos para bandidos, como Quiroga y otros, a quienes llamaba los Macabeos (SARMIENTO 2001, p. 141). O historiador Ariel de la Fuente ao tratar das guerras civis em La Rioja destaca o papel que teve esta pretensa defesa da religio catlica pelos caudilhos como forma de associ-los ao atraso e barbrie (FUENTE 2007, p. 208-209). Quase ao final deste mesmo livro, Sarmiento adianta que, alm de serhistria da historiografia ouro preto nmero 7 nov./dez. 2011 29-55

Sarmiento e seus monstros

protagonista na identificao dos principais problemas argentinos e sul-americanos, foi tambm aquele que props as solues mais arrojadas:Sin duda que nadie me disputar en Amrica Latina la triste gloria de Haber ajado msla presuncin, el orgullo y la inmoralidad hispanoamericana, persuadido de que menos en las instituciones que em las ideas y los sentimientos nacionales, es preciso obrar en Amrica Latina una profunda revolucin [...] De ah tambin el doble remdio indicado com igual anticipacin, emigracin europea y educacin popular [...] (SARMIENTO 2001, p. 181).

Parte desta descoberta que Sarmiento alega ser sua aparece numa de suas formas prediletas de escrever, a biografia. Se, como escreveu Natalio Botana, em Facundo ele afirmara que a autoridade poltica se fundamentava en el asentimiento indeliberado que una nacin da a un hecho permanente, residia na relao de Rosas com a sociedade de seu tempo a presena da barbrie (SARMIENTO 2011, p. 13). Alm da biografia de Facundo Quiroga, forma encontrada para explicar a Argentina de Rosas, ele ainda escreveu as dos caudilhos Fray Aldao e Chacho Pealoza, alm de nomes internacionais importantes como Franklin e San Martn. Aqui estaria para ele o grande mrito da biografia: explicar as tendncias de uma sociedade em seu tempo atravs de uma histria de vida, e tambm divulgar bons exemplos e ideias (ALTAMIRANO 2005, p. 61). Para este historiador, esta associao feita por Sarmiento entre biografia e histria, aparte sua originalidade, no teve muitos seguidores, o que j tinha sido observado por Martnez Estrada (ALTAMIRANO 2005, p. 25). Facundo alm de tudo foi um sucesso editorial: sua apresentao inicial foi em formato de folhetim no jornal chileno El Progreso, com o ttulo de La vida de Quiroga. Tambm Celina Lacay observara que em Facundo e El General Fray Aldao, ambas de 1845, j apareciam os elementos que ela julgava essenciais para a ideia de histria de Sarmiento:a) La historia como inteligibilidad; b) Cada individualidad histrica aparece como representacin de una sociedad. Establece una relacin entre los hechos histricos, tendencias dentro de una sociedad e individualidades; c) Seala la existencia de partidos que expresan tendencias sociales irreconciliables entre s; d) Universalidad de la historia; e) La historia es un encadenamiento de distintas etapas cuyo resultado es el progreso (LACAY 1986, p. 54).

34

Esta tentativa de mostrar que homem e sociedade estabelecem uma relao biunvoca foi captada por Natalio Botana de forma arguta que, atribuyendo a Rosas el papel de quien practicando un vicio genera, sin quererla, la consecuencia de recrar alguna virtud, Sarmiento no percebe a sociedade de forma esttica (SARMIENTO 2011, p. 15). Assim,Pareca entonces que la historia, en una suerte de desenvolvimiento dialctico, haba dispuesto los elementos constitutivos de un poder de hecho, sin duda necesario, para limitarlo posteriormente o, sin ms vueltas, destituirlo [...] la hiptesis de que desde el seno de la guerra civil entre unitrios y federales se haba formado un poder de facto sin el cual nopodrian desarrollarse la sociedad poltica y la libertad civil (SARMIENTO 2011, p. 16). histria da historiografia ouro preto nmero 7 nov./dez. 2011 29-55

Cesar Augusto Barcellos Guazzelli

35

A noo de que Sarmiento no fazia uma simples compilao de documentos ou que simplesmente arrolava diatribes contra os representantes da barbrie j seria visvel em afirmaes do prprio escritor, que confessava sua admirao por Michelet. Neste sentido, Carlos Altamirano cita uma frase lapidar de Sarmiento em Los estudios histricos en Francia: El historiador de nuestra poca va a explicar con el auxlio de uma teora, los hechos que la historia h transmitido sin que los mismos que la describan alcanzasen a compreenderlos (apud ALTAMIRANO 2005, p. 31). O mesmo autor observa ainda que na obra referencial j de 1883, tida coma a mais amadurecida e ambiciosa, Conflicto y armonas de las razas en Amrica Latina (SARMIENTO 1883), revela el tributo que paga al clima positivista, pero no est a altura de aquellos (ALTAMIRANO 2005, p. 37). Isto muito provavelmente se relacione j com a afirmao da Teoria da Evoluo das Espcies de Charles Darwin, que Sarmiento tratou de apropriar (SARMIENTO 2009). Mas para o argentino a histria era fundamentalmente um territrio de combate. Para ela, os europeus em geral, e os franceses em particular, no compreendiam a Amrica Latina, incapazes, portanto, para avaliar a barbrie presente em Rosas e no caudilhismo. Alm de polemizar, Sarmiento tambm se propunha como capaz de planejar solues para a Argentina depois da eventual queda de Juan Manuel de Rosas. Em 1850, prenunciando as guerras de 1851 contra Oribe e de 1852 contra o prprio Rosas, o escritor lanou dois livros que apontam isto: Recuerdos de provncia (SARMIENTO 2001), ao menos nas pginas finais, e mais claramente Argirpolis o la capital de los estados confederados del Ro de la Plata (SARMIENTO 2011), onde antecipa a futura federalizao de Buenos Aires (ALTAMIRANO 2005, p. 37). Esses combates de Sarmiento sugerem a Carlos Altamirano uma inslita comparao sobre a defesa obstinada que Sarmiento fazia de suas ideias junto aos seus pares na Frana com a mentalidade dos caudilhos platinos: Hagamos aqu un paralelo: Sarmiento proceder a desafiar en el terreno intelectual, como lo haba hecho Rosas en el terreno militar, a los sabios y polticos europeos (ALTAMIRANO 2005, p. 42-43). Esta analogia tambm havia ocorrido a Flix Luna no captulo sobre Juan Facundo Quiroga de seu livro Los Caudillos: Sarmiento acert en la condicin sustancial de Quiroga porque en el fondo era tan brbaro como l. Tena su misma pasin, su misma desmesura (LUNA 1971, p. 137). Sintomtico desta contradio interna, quando de certa forma ele se comporta como aqueles a quem combate mesmo que noutro campo de batalha pode ser a epgrafe que escreveu justamente para seu Recuerdos de provncia, um dos mais clebres trechos de Macbeth de Shakespeare (que ele, alis, atribuiu erradamente a Hamlet): Es este un cuento que, con aspavientos y gritos, refiere un loco, y no significa nada (SARMIENTO 2001, p. 13). No prlogo do livro, Susana Zanetti e Margarita Pontieri chamam a ateno para que estas contradies se traduziriam em uma tenso em aparentemente trs condies em que Sarmiento se apresenta no texto: ao mesmo tempo ele autor, narrador e protagonista (SARMIENTO 2001, p. 10).

histria da historiografia ouro preto nmero 7 nov./dez. 2011 29-55

Sarmiento e seus monstros

Na sequncia sero apresentados alguns dos principais aspectos desenvolvidos pelo escritor para explicar os males da Argentina, por extenso da Amrica Latina. Em que pese a importncia das referncias que faz ao despotismo do Oriente, tanto em seu passado histrico ou mitolgico (muitas referncias ao Antigo Testamento) quanto nas naes contemporneas, chama a ateno a insistncia no mundo feudal da Europa, como se fosse uma etapa j ultrapassada pela civilizao, um modelo a ser buscado tambm para a Amrica do seu tempo (ALTAMIRANO 2005, p. 57). Um diagnstico feudal para a Amrica: civilizao e barbrie O antagonismo expresso pelo binmio civilizao e barbrie parte de uma viso paradigmtica das sociedades europeias, interpretando os casos distintos como desvios deste paradigma (CHIARAMONTE 1983, p. 52-63). Nesse sentido, para os autores romnticos do sculo XIX, entre eles Sarmiento, as sociedades latino-americanas estariam atrasadas em relao s europeias, com elementos que as aproximavam delas e outros que teriam um carter desviante. A ausncia de progresso das antigas colnias aps a independncia inspirou Sarmiento a buscar relaes de causalidade que justificasse aquele atraso, apoiando o raciocnio numa interpretao evolutiva. Mais tarde, os Estados Unidos entrariam nesta comparao com a Amrica Latina, o que mudaria esta ideia de uma progresso linear das sociedades. Assim, os problemas que apresentava a Argentina e a Amrica Latina por extenso se deviam a causas naturais (ZORRILLA s/d, p. 9-10): uma relacionada s origens tnicas, e outra ao meio ambiente; derivadas delas sobrepunham-se a oposio entre campo e cidade, e a persistncia do feudalismo. O problema das raas No incio de sua obra mais madura, Conflicto y armonas de las razas en Amrica Latina (SARMIENTO 1883), o autor inicia o texto com questes que servem de mote para o seguimento do texto. pergunta Qu es la Amrica? que intitula os prolegmenos do livro, seguem-se as seguintes:Es acaso sta la vez primera que vamos a preguntarnos quines ramos cuando nos llamaron americanos, y quines somos cuando argentinos nos llamamos. Somos europeos?- Tantas caras cobrizas nos desmienten! Somos indgenas?- Sonrisas de desdn de nuestras blondas damas nos dan acaso la nica respuesta. Mixtos?- Nadie quiere serlo, y hay millares que ni americanos ni argentinos querran ser llamados. Somos Nacin? - Nacin sin amalgama de materiales acumulados sin ajuste ni cimiento? Argentinos? - Hasta dnde y desde cundo, bueno es darse cuenta de ello. Ejerce tan poderosa influencia el medio en que vivimos los seres animados, que a la aptitud misma para soportarlo