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Um Comentário Sobre a Verdadeira Autoria de «Na Tenebrosa Inglaterra e A Saída» «In Darkest England É Integralmente de Autoria do General Booth». O Sr. Stead Cala Algumas Bocas The War Cry, (10 de janeiro de 1891) Acreditamos que nossos leitores concordarão conosco que a declaração a seguir, extraída do Leicester Post, dará um basta às capciosas contendas que se tornaram tão abundantes em certos círculos desde que «In Darkest England» foi publicado. O Rev. C. F. Aked recebeu a seguinte carta do Sr. W. T. Stead com relação ao livro do General Booth:- «Eu não posso escrever para você como você gostaria que eu fizesse, mas posso contar-lhe os fatos exatos os quais pode fazer uso se julgar necessário. O livro 'In Darkest England' é do General Booth; a idéia do livro foi integralmente dele. Ele concebeu o título, e ele estava determinado a escrevê-lo. Ele juntara uma considerável massa de material, mas a doença de sua esposa e a impossibilidade de ordenar tudo devidamente, fez com que ele pedisse meu auxílio. Ele perguntou-me se eu poderia dar ao livro um tom literário adequado, sem muita demora. Eu respondi que, 'faria o trabalho literário', como de fato fiz. E tive muito orgulho em fazê-lo». «Isso é tudo. Sou bem grato por ele ter reconhecido meus serviços, como fez no prefacio. A expressão que eu sugeri, e que teria explicado exatamente a situação, foi recusada por ele. Eu propus que ele simplesmente -- depois de agradecer as pessoas do Exército que o tinham auxiliado a colecionar os fatos e casos -- não acrescentasse nenhum reconhecimento a pessoas que não fossem do Exército, atuando temporariamente na compilação sob minhas ordens, ou fazendo algum trabalho técnico na preparação do livro para o prelo. Não tive nenhum desejo de ser mencionado. Minha participação foi como a do impressor ou do encadernador. Ter um mãos um material tão nobre, foi para mim mais do que uma recompensa. Eu sinto isso de uma maneira bem forte porque durante anos insisti com o General Booth para que fizesse algo assim». ******************************** NA TENEBROSA INGLATERRA E A SAÍDA Titulo original em inglês: IN DARKEST ENGLAND and THE WAY OUT versão em inglês: http://www.geocities.com/projetoperiferia6/the_way_out.htm copyright © 2004 William Booth. Traduzido por Railton Sousa Guedes Coletivo Periferia http://www.geocities.com/projetoperiferia Pelo GENERAL BOOTH 1

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Um Comentário Sobre a Verdadeira Autoria de «Na Tenebrosa Inglaterra e A Saída»

«In Darkest England É Integralmente de Autoria do General Booth». O Sr. Stead Cala Algumas Bocas The War Cry, (10 de janeiro de 1891)

Acreditamos que nossos leitores concordarão conosco que a declaração a seguir, extraída do Leicester Post, dará um basta às capciosas contendas que se tornaram tão abundantes em certos círculos desde que «In Darkest England» foi publicado.

O Rev. C. F. Aked recebeu a seguinte carta do Sr. W. T. Stead com relação ao livro do General Booth:-

«Eu não posso escrever para você como você gostaria que eu fizesse, mas posso contar-lhe os fatos exatos os quais pode fazer uso se julgar necessário. O livro 'In Darkest England' é do General Booth; a idéia do livro foi integralmente dele. Ele concebeu o título, e ele estava determinado a escrevê-lo. Ele juntara uma considerável massa de material, mas a doença de sua esposa e a impossibilidade de ordenar tudo devidamente, fez com que ele pedisse meu auxílio. Ele perguntou-me se eu poderia dar ao livro um tom literário adequado, sem muita demora. Eu respondi que, 'faria o trabalho literário', como de fato fiz. E tive muito orgulho em fazê-lo».

«Isso é tudo. Sou bem grato por ele ter reconhecido meus serviços, como fez no prefacio. A expressão que eu sugeri, e que teria explicado exatamente a situação, foi recusada por ele. Eu propus que ele simplesmente -- depois de agradecer as pessoas do Exército que o tinham auxiliado a colecionar os fatos e casos -- não acrescentasse nenhum reconhecimento a pessoas que não fossem do Exército, atuando temporariamente na compilação sob minhas ordens, ou fazendo algum trabalho técnico na preparação do livro para o prelo. Não tive nenhum desejo de ser mencionado. Minha participação foi como a do impressor ou do encadernador. Ter um mãos um material tão nobre, foi para mim mais do que uma recompensa. Eu sinto isso de uma maneira bem forte porque durante anos insisti com o General Booth para que fizesse algo assim».

********************************

NA TENEBROSA INGLATERRA E A SAÍDA Titulo original em inglês: IN DARKEST ENGLAND and THE WAY OUT versão em inglês: http://www.geocities.com/projetoperiferia6/the_way_out.htm copyright © 2004 William Booth.

Traduzido por Railton Sousa Guedes Coletivo Periferia http://www.geocities.com/projetoperiferia

Pelo GENERAL BOOTH

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[A primeira edição em inglês dessa obra data de 1890 e foi feita sob os auspícios do Exército de Salvação]

Em memória da companheira, conselheira, e camarada, durante cerca de 40 anos. Dedico este livro àquela que compartilhou de toda minha ambição pelo bem-estar da humanidade, minha amada, fiel, e dedicada esposa.

PREFÁCIO

O progresso do Exército de Salvação em sua obra entre os pobres e destituídos de muitas regiões compeliu-me a enfrentar os problemas que abordo, mais ou menos esperançosamente, nas páginas seguintes. As duras necessidades de uma enorme Campanha dirigida por muitos anos contra os males situados na raiz de todas as misérias da vida moderna, enfrentadas de mil e uma formas por milhares de tenentes, levou-me a contemplar que uma possível solução de pelo menos alguns desses problemas poderia ser encaminhada pelo Projeto de Triagem e Salvação Social que exponho aqui passo a passo.

A simples visão de crianças degeneradas na cidade onde nasci, miseravelmente desamparadas, pobres, descalças, vagando magras e feridas pela fome, perambulando pelas ruas com seus melancólicos trapos, aos montes nos sindicatos ou labutando como escravos de navios, trabalhando por comida, acenderam em meu coração anseios por fazer algo e exerceram uma poderosa influencia em toda minha vida. Se há algo que desejei com afinco foi contribuir para reverter essa situação.

A compaixão então despertada pela miséria desta classe foi uma força motriz que nunca deixou de se fazer sentida durante quarenta anos de serviço ativo na salvação dos homens. Durante todo este tempo eu sou grato por ter sido capaz, pela bondosa mão de Deus em mim, de poder fazer algo no sentido de mitigar um pouco a miséria desta classe, trazer esperança divina e alegria terrestre aos corações de multidões e multidões de miseráveis, como também muitas bênçãos materiais, incluindo coisas comuns como comida, roupa, casa, e trabalho, a base de tantos outros benefícios temporais. E assim muitas criaturas pobres têm obtido «proveito em tudo, usufruindo a promessa de vida no agora e no porvir».

Estes resultados foram principalmente atingidos através de meios espirituais. Eu afirmei corajosamente que qualquer caráter ou circunstancias estranhas seriam superados se o filho pródigo voltasse à casa de seu Pai Divino. Pois ele acharia o bastante e o necessário na casa do Pai para prover todas as suas necessidades tanto para este mundo como para o próximo. E eu soube de milhares, e pude ver dezenas de milhares de pessoas literalmente provando desta verdade, na medida em que, com pequena ou nenhuma ajuda temporal, saiam das profundidades Tenebrosas da carência, do vício e do crime, em direção a uma vida de cidadãos felizes, honestos e verdadeiros filhos e crianças de Deus.

De todas as formas, durante toda minha carreira, normal ou subtilmente, eu percebi que as medidas curativas enunciadas nos programas cristãos e ordinariamente empregadas pela filantropia cristã eram lamentavelmente inadequadas em sua eficácia contra a desesperadora miséria do proletariado. Os resgatados são horrorosamente poucos -- uma minoria horrível comparada com as multidões que se debatem e desabam no abismo. Então, de acordo com minha humanidade e meu Cristianismo, se eu pude falar deles de alguma forma como separados uns dos outros, devo ter criado um método mais abrangente de alcançar e salvar as multidões que estão perecendo.

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Sem dúvida é bom que os homens saiam por si mesmos do remoinho de água em direção à pedra da libertação enfrentando os contratempos que até então os dominaram, que sigam firmes em frente mesmo com as ondas batendo e empurrando-os para trás. Mas, ai! para muitos isto parece ser literalmente impossível. Aquela resolução de caráter, que faz com que o nervo moral agarre a corda lançada para o salvamento, que continua segurando apesar de toda resistência que encontra, quer a salvação. Mas é um caso perdido. A destruição generalizada quebranta e desorganiza o homem como um todo.

Ai, que multidões nos rodeiam em toda parte, que os leitores conhecem muito bem, basta olhar ao derredor para ver por todo lado a mesma situação precária! O consumo de drogas e a situação precária chegou a tal ponto que sem algum tipo de ajuda de fora continuarão famintos e maléficos, maléficos e famintos, até que, no extremo da pobreza se tornam a própria expressão da penúria, quando os dedos magros de morte os sufoca, dando um fim à sua miséria. E tudo isso está acontecendo agora mesmo neste inverno, diante de uma concentração de riqueza sem paralelo na história, diante da civilização e da filantropia do país mais cristão do planeta.

Eu proponho, agora, ir diretamente até o proletariado, ir fundo, e colocar o coração em tudo aquilo que for feito. Eu ainda vaticino a maior das decepções a menos que aquela fortaleza seja alcançada. Propondo aperfeiçoar os métodos eu já coloquei em prática para este fim, isso não quer dizer que abandonei os velhos planos ou que não busco outra coisa senão velhas conquistas. Se ajudamos pessoas, ajudamos no sentido de mudá-las para melhor. O construtor que planeja construir sua casa, que constrói sua casa, que arrisca sua reputação, mas que não queima os tijolos, está fadado ao fracasso e será considerado um tolo. A perfeição da beleza arquitetônica, a grande quantidade de capital investido, a vigilância infalível dos trabalhadores, nada disso terá qualquer utilidade se os tijolos forem todos de barro cru. Deixe-o atear fogo. É exatamente aqui que eu vejo a loucura de esperar realizar qualquer coisa permanente, sem mudar a situação e a conduta do proletariado. Sem mudar integralmente o homem e o ambiente em que vive, o progresso será nulo. Isto é tudo o que espero alcançar. Em muitos casos terei sucesso, em alguns falharei; mas até mesmo falhando em meu maior desígnio, beneficiarei pelo menos os corpos dos homens, se não suas almas; e se eu não conseguir livrar seus pais, pelo menos darei uma oportunidade melhor para as crianças.

Deste ponto de vista ou em qualquer outro desenvolvimento que eventualmente possa ocorrer eu não tenho intenção alguma de apartar-me nem mesmo uma fração dos princípios chave com base nos quais agi no passado. Minha única esperança de que a humanidade se liberte permanentemente da miséria, neste mundo ou no próximo, está na regeneração ou na reconstrução do indivíduo pelo poder do Espírito Santo por meio de Jesus Cristo. Mas contribuindo para o alívio de miséria temporal acho que estou apenas facilitando, aumentando as possibilidades, para que homens e mulheres encontrem seu caminho na cruz de Jesus Cristo.

Confio em minhas propostas. Acredito que elas funcionarão. Em maior ou menor grau muitas delas já estão funcionando. Mas não reivindico que meu Projeto seja perfeito em todos os detalhes, nem completo no sentido de ser adequado para combater todos os aspectos do gigantesco mal contra o qual se dirige. Como as demais coisas humanas deve se aperfeiçoar pelo sofrimento. Mas é um esforço sincero por fazer algo, e fazer algo em princípios que podem ser aplicados imediatamente e universalmente desenvolvidos. Tempo, experiência, crítica, e, acima de tudo, a orientação de Deus nos habilitará, espero, para avançar no sentido da aplicação prática e verdadeira das palavras do profeta hebreu: «Desate os nós da maldade; largue os fardos pesados; liberte o oprimido; quebre todo jugo; alimente o faminto; traga o pobre de volta para a casa de onde

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foi expulso. Agasalhe aquele que tem frio e não desvie teus olhos. Derrame tua alma ao faminto -- Então das ruínas surgirão novos edifícios e serão restabelecidas as fundações de muitas gerações».

No que diz respeito àquela que por quase quarenta anos foi indissoluvelmente associada a mim em todo empreendimento, devo-lhe muito pela inspiração que encontrou guarida neste livro. É bem difícil para mim calcular com exatidão até que ponto a esplêndida bondade e ilimitada condolência daquele caráter me incentivou neste longo serviço ao homem, ao qual nós e nossos filhos nos dedicamos. Para mim será sempre uma refrescante e preciosa lembrança o fato de que, diante do incessante sofrimento de uma terrível doença, minha esposa agonizante encontrou alívio considerando e desenvolvendo as sugestões para o avanço moral, social e espiritual das pessoas, e eu agradeço Deus por ela ter sido levada de mim quando o livro já estava praticamente pronto e os últimos capítulos já tinham sido enviados ao prelo.

Em conclusão, tenho que reconhecer os serviços que os oficiais sob meu comando me prestaram no preparo deste livro. Não haveria nenhuma esperança de levar a cabo qualquer parte dele, se não houvesse milhares de pessoas, atentas à meu chamado e sob minha direção, labutando ao extremo de suas forças, sem a esperança de recompensa terrestre, pela salvação dos outros. Acerca do bom senso prático, dos recursos, da prontidão e da utilidade desses oficiais e soldados, o mundo jamais poderá conceber. Ainda menos será capaz de compreender a altura e a profundidade da devoção e do auto sacrifício a Deus e ao pobre.

Eu também tenho que reconhecer a valiosa ajuda literária de um amigo do pobre, o qual, apesar de não ter qualquer tipo de ligação com o Exército de Salvação, tem uma profunda simpatia para com suas metas e está em larga escala em harmonia com seus princípios. Provavelmente, sem tal ajuda seria -- subjugado como estou aos afazeres de um empreendimento mundial -- extremamente difícil, senão impossível, apresentar estas propostas pelas quais, em todos os aspectos, me responsabilizo completamente. Eu não tenho nenhuma dúvida de que se qualquer parte significativa de meu plano for executada com sucesso o futuro será recompensado pela competência dos serviços prestados. [N.E. aqui William Booth se refere a W. T. Stead, vide extrato do War Cry acima, e o comentário em http://www.geocities.com/projetoperiferia6/anahlise_saida.htm]

WILLIAM BOOTH.

INTERNATIONAL HEADQUARTERS OF THE SALVATION ARMY, LONDON, E.C.,

Outubro de 1890.

Na Tenebrosa INGLATERRA

PARTE I. A TENEBROSA INGLATERRA.

CAPÍTULO 1. PORQUE «A Tenebrosa INGLATERRA»?

Neste verão a atenção do mundo civilizado prendeu-se à história contada pelo Sr. Stanley sobre a Tenebrosa África e em suas jornadas pelo coração do Continente Perdido. De toda aquela narrativa do heróico empreendimento, nada impressionou mais a imaginação, do que

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a sua descrição da imensa floresta que oferecia uma barreira quase impenetrável ao seu avanço. O explorador intrépido, «marchou, rasgou, rompeu, e desbravou o caminho durante cento e sessenta dias através da mata fechada da verdadeira floresta equatorial». A mente do homem dificilmente concebe esta imensidão de selva arborizada, cobrindo um território quase tão grande como o da França, onde os raios do sol nunca penetram, onde na escuridão, no ar úmido, carregado com o vapor quente do pântano, seres humanos reduzidos a pigmeus e brutalizados em canibais espreitam, vivem e morrem. O Sr. Stanley vaidosamente empenha-se em revelar o completo horror daquela terrível escuridão. Ele diz:

«Considere uma espessa mata escocesa que goteja quando chove; imagine que isto seja uma mera vegetação rasteira que se desenvolve à sombra impenetrável de velhas árvores de 100 a 180 pés de altura; roseiras bravas e espinhos abundantes; riachos preguiçosos que escorrem pelas profundezas da selva, às vezes um profundo afluente de um grande rio. Imagine esta floresta e selva em todas suas fases de decadência e crescimento, a chuva que tamborila a cada dois dias em cima de você o ano todo; uma atmosfera impura com suas conseqüências terríveis, febre e disenteria; escura ao longo do dia e de uma negritude quase palpável ao longo da noite; se você puder imaginar tal floresta se estendendo numa distância que vai de Plymouth até Peterhead, então você terá uma idéia justa de algumas das inconveniências suportadas por nós na floresta de Congo».

Os habitantes desta região acreditam piamente que a floresta é infinita -- interminável. Em vão o Sr. Stanley e seus companheiros se esforçam para convencê-los de que para além daquela triste floresta se encontraria luz solar, pastagens e prados calmos.

Eles reagiam de uma maneira que parecia insinuar: que criaturas estranhas são essas que acreditam ser possível haver outro mundo além dessa floresta sem fim? «Não», eles responderam, abanando suas cabeças compassivamente, com pena de nossas perguntas absurdas, «qualquer coisa menos isso», e eles faziam gestos com as mãos para ilustrar que o mundo era todo semelhante, nada mais que árvores, árvores e mais árvores -- grandes árvores que sobem tão alto quanto um tiro de seta para o céu, erguendo suas copas, entrelaçando seus galhos, prensando e aglomerando umas às outras, até que nenhum raio de sol ou réstia de luz possa penetrá-las.

«Entramos na floresta», diz Sr. Stanley, «com confiança; com quarenta pioneiros na frente com machados e facões abrindo caminho pela mata fechada, pedindo que Deus e a boa sorte nos conduzisse». Mas diante da convicção dos habitantes da floresta de que a mata era infinita, a esperança diminuía nos corações dos membros da companhia de Stanley. Os homens foram tomados pelo desespero, admoestá-los não bastava para remover o pessimismo e a mórbida escuridão de suas mentes.

O pouco de religião que conheciam não passava de um monte de lendas e vagas recordações que flutuavam em torno de uma história sobre uma terra que ficava cada vez mais escura na medida em que o viajante se aproximava dos confins do mundo onde se situava a morada de uma grande serpente que envolvia o mundo inteiro. Ah! então os anciões devem ter recorrido a isto, onde a luz é tão precária, e os bosques infinitos, imóveis, solenes e cinzentos; uma solidão opressiva, em meio a tanta vida, que esfria o pobre e aflito coração; e o horror cresce com a escuridão e com a fantasia; o frio matutino, o desconsolado cinzento do amanhecer, a pálida névoa morta, as lágrimas gotejantes do orvalho, o dilúvio tropical, o retumbante e apavorante estouro do trovão, o risco maravilhoso de raios deslumbrantes. E quando a noite vem com sua espessa e palpável escuridão, eles se precipitam em suas pequenas cabanas úmidas, e ouvem a tempestade desabando sobre eles, o uivo dos ventos selvagens, o gemido das árvores fustigadas pela tempestade, os terríveis sons de gigantes em queda, cujo choque que faz tremer a

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terra, dispara seus corações enviando-os espasmódicos em direção à garganta, o rugindo e o estalar de um mar de opressão e fúria -- oh, então o horror se intensifica! Quando a marcha começa uma vez mais, e as fileiras se movem lentamente pelos bosques, eles renovam seus mórbidos pensamentos, e perguntam a si mesmos: Até quando teremos que aturar isso? A alegria da vida vai terminar assim? Temos mesmo que atravessar nossos dias nesta triste escuridão, nesta sombria lida, até cambalear, cair e apodrecer entre os sapos? Então eles desaparecem aos pares nos bosques, entre as árvores, embrenhando-se no caos; depois que a caravana passa eles seguem pela trilha, alguns que alcançaram Yambuya transtornam os jovens oficiais com seus contos de aflição e guerra; alguns caem em prantos pelos cantos; outros vagam titubeantes pelos escuros labirintos dos bosques, desesperadamente perdidos; e alguns são destripados para o banquete canibal. Aqueles que permanecem onde estão tornam-se reféns do medo de um perigo maior, os remanescentes, compelidos pelo medo de um perigo ainda maior, marcham mecanicamente, tomados pelo temor e pela fraqueza.

Assim é a floresta. Mas o que dizer de seus habitantes? Eles são relativamente poucos; apenas algumas centenas de milhares que vivem separadamente em pequenas tribos de dez a trinta milhas, espalhadas em uma área onde dez bilhões de árvores tapam o sol de uma região quatro vezes tão extensa quanto a Grã Bretanha. Há dois tipos de pigmeus; um espécime muito degradado com olhos perscrutantes, nariz pequeno, quase igual ao de um babuíno, mas muito humano; e um outro muito bonito, com uma franqueza inocente, aberta, característica, muito cativante. Eles são velozes e inteligentes, capazes de profundo afeto e gratidão, dotados de uma notável disposição e paciência. Um menino pigmeu de dezoito anos trabalha com impecável zelo; para ele o tempo é por demais precioso para ser desperdiçado com conversa. Sua mente parecia concentrada para o trabalho. Sr. Stanley disse: --

«Certa vez, quando perguntei-lhe o nome, sua face parecia dizer, 'Por favor não me interrompa. Preciso terminar minha tarefa'».

«Todos eles, tanto a variedade de babuínos como os belos inocentes, são canibais. Eles são possuídos por uma obsessão pela carne. Nos obrigavam a lançar nossos mortos no rio, para que os corpos não fossem desenterrados e comidos, até mesmo quando as pessoas morriam de varíola».

Tanto os pigmeus como os demais habitantes da floresta descendem de uma devastadora visita de um tipo de caçadores de marfim vindos do mundo civilizado. A raça que escreveu as Mil e Uma Noites, que construiu Bagdad e Granada, e que inventou a Álgebra, que enviou homens com corações famintos por ouro, e mosquetes nas mãos para saquear e matar. Eles exploraram os afetos domésticos dos habitantes de floresta para tirar tudo o que eles possuíam de precioso. E assim foi através dos anos. Dia após dia. Isso chegou a ser considerado como uma lei natural e normal da existência. Sobre a religião destes caçadores pigmeus o Sr. Stanley nada diz, talvez porque não haja nada a dizer. Mas um viajante anterior, o Dr. Kraff, disse que uma destas tribos, chamada Doko, tinha certa noção de um Ser Supremo, Yer, ao qual às vezes endereçavam orações em momentos de tristeza ou terror. Nestes orações eles diziam; «Oh Yer, se Tu realmente existe por que deixa que nos escravizem? Não pedimos comida ou vestes, porque vivemos de cobras, formigas, e ratos. Mas se Tu nos criastes, porque nos abandonastes assim?»

Este é um quadro terrível, algo que calou fundo no coração da civilização. Mas toda esta terrível cena da vida na vasta floresta africana, lembra-me claramente um quadro vívido de muitas partes de nossa própria terra. A Tenebrosa África não se assemelha à Tenebrosa Inglaterra? A Civilização, capaz de gerar seus próprios bárbaros também não geraria seus próprios pigmeus? Não haveria um paralelo bem em frente à porta de nossa casa? As pedras que erigiram nossas

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catedrais e palácios não inspiram um horror semelhante aos que Stanley encontrou na grande floresta Equatorial?

Quanto maior a ênfase, maior a analogia. Em que diferem os caçadores de marfim que brutalmente escravizam e infelicitam os habitantes das clareiras da floresta, dos nossos burgueses [N.T. no original publicans] que florescem na fraqueza de nossos pobres? As duas tribos de selvagens, o babuíno humano e o anão bonito que não conversavam para não atrapalhar sua tarefa, não se assemelham às duas variedades que estão continuamente presentes conosco -- o tolo drogado, preguiçoso, e o escravo assalariado [N.T.: no original, toiling slave]. Eles também perderam toda a fé em uma vida diferente daquela que vivem. Como na África, onde há apenas árvores e mais árvores, onde nenhum outro mundo pode ser concebido; o mesmo ocorre por aqui – reina o vício, a miséria e o crime. Para muitos o mundo é uma imensa favela que começa no purgatório das filas por emprego e só termina na sepultura. Assim como os zanzibaris do Sr. Stanley perderam a fé, e não poderia ser diferente diante do sombrio desespero e da falta de perspectiva, o mesmo ocorreu com a maioria dos nossos reformadores sociais, independente da disposição que tinham no começo da jornada. Como os quarenta pioneiros cheios de ânimo que brandiam seus machados na medida em que avançavam floresta a dentro, logo foram tomados pela depressão e pelo desespero. Quem pode lutar contra dez milhões de árvores? Quem pode esperar progredir diante de uma condição tão adversa que sentencia aquele que vive na Tenebrosa Inglaterra a uma miséria eterna e imutável? Não causa qualquer espanto ver muitos dos mais calorosos corações e dos mais entusiastas trabalhadores repetirem o lamento do velho cronista inglês, referindo-se aos maus dias que desabaram sobre nossos antepassados no reinado de Stephen, «parecia-lhes que Deus e seus Santos estavam mortos».

Essa analogia é tão boa quanto sugestiva; quanto mais extrema a situação mais ela se adequa. Mas antes de deixá-la, pense por um momento quão íntimo é este paralelo, e quão estranho é todo esse interesse em torno dessa narrativa da sordidez e do heroísmo humano em um continente distante, quanto maior a sordidez e o heroísmo, menor será o esplendor do outro lado de nossa porta.

A Floresta Equatorial atravessada por Stanley se assemelha àquela Tenebrosa Inglaterra da qual eu tenho que falar, semelhante na extensão -- ambas bem extensas, na frase de Stanley, «desde Plymouth até Peterhead», na monótona escuridão, na malária e sombritude, nos seus habitantes pigmeus desumanizados, na escravidão à qual são submetidos, nas privações e na miséria. Que adoece o coração mais robusto, e que quebranta os mais valentes e corajosos diante do desespero. É a impossibilidade aparente de fazer outra coisa senão fugir da infinita confusão da monótona vegetação rasteira; escapar da escuridão, desbravar uma saída que não seja logo em seguida obstada pela lama do pântano e pelo crescimento parasítico e exuberante da floresta -- quem é que ainda nutre alguma perspectiva? No momento, ai, parece que o desânimo tomou conta de todos! É o grande Rio da Morte [N.T. no original Slough of Despond] de nosso tempo.

É como um pântano imensurável que atola até o pescoço durante longos anos, como ocorreu com alguns de nós. É como o Inferno de Dante, e todos os horrores e crueldades de uma câmara de tortura sofridos por um condenado! O homem que caminha com os olhos abertos e com o coração sangrando pelo matadouro de nossa civilização não precisa de nenhuma imagem poética fantástica para poder ver o horror. Vez após vez, ao ver jovens, pobres e desamparados, atolados diante de meus olhos nesse pântano, pisoteados por bestas ferozes em forma humana que assombra estas paragens, era como se Deus não estivesse mais em Seu mundo, como se no lugar dele reinasse um demônio, impiedoso como o Inferno, cruel como a sepultura. É duro, sem dúvida, ler nas páginas de Stanley coisas como traficantes de escravos que repentinamente assaltam uma aldeia, capturam seus

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habitantes, massacram os que resistem, e violam todas as mulheres; mas se as ruas pedregosas de Londres pudessem falar narrariam terríveis tragédias, a completa ruína, os horríveis arroubos, como se estivéssemos na África Central; com a diferença de que essa horrível devastação é encoberta, como um cadáver, pelas artificialidades e hipocrisias da moderna civilização.

Uma porção de meninas negras na Floresta Equatorial -- para alguns talvez não represente um quadro muito feliz -- estariam em piores condições que as muitas garotas órfãs que perambulam pelas ruas de Londres, nossa capital cristã? Falamos sobre a brutalidade da Idade Média, e estremecemos quando lemos sobre a exacerbação vergonhosa dos direitos do senhor feudal. Enquanto que aqui mesmo, diante de nossos próprios olhos, em nossos teatros, em nossos restaurantes, e em muitos outros lugares, de uma forma indescritível, o mesmo horroroso abuso floresce incontrolado. Uma adolescente sem dinheiro, se for bonita, é freqüentemente caçada pelos seus patrões como se um pedaço de carne fresca fosse, sempre confrontada pela alternativa – ou abre as pernas ou passa fome. E quando a pobre menina consente pagar o preço de ganhar a vida pelo sacrifício de sua virtude, então ela passa a ser tratada como escrava e pária pelos mesmos homens que a arruinaram. A palavra dela perde a confiança, sua vida torna-se ignominiosa, e ela é lançada na sarjeta, na poço sem fundo da prostituição. Mas mesmo ali, no mais profundo abismo, excomungada pela humanidade e banida de Deus, ela está mil vezes mais próxima do coração compassivo do Um Verdadeiro Salvador do que todos os homens que provocaram sua queda, e de todos os escribas e fariseus que de pé espreitam silenciosamente enquanto estas diabólicas injustiças são perpetradas diante de seus próprios olhos.

O sangue ferve com raiva impotente à vista destas monstruosidades, insensivelmente impostas, e silenciosamente suportadas por estas miseráveis vítimas. Não apenas as mulheres são vítimas, embora o destino delas seja mais trágico. Essas empresas que transformam suor em mercadoria, que sistemática e deliberadamente defraudam o trabalhador do seu pagamento, que esmagam a dignidade do pobre, que roubam a viúva e o órfão, e que simulam fazer grandes profissões de espírito público e filantropia, estes mesmos homens são enviados hoje em dia ao Parlamento para fazer leis para as pessoas. Os antigos profetas mandaram esses calhordas para o Inferno -- mas nós invertemos tudo. Esses políticos enviam suas vítimas para o Inferno, e são recompensados com tudo aquilo que as riquezas podem fazer para tornar as vidas deles mais confortável. Leia o Relatório da Casa dos Lordes sobre o Sistema de Exploração, e responda onde essa nossa «civilização superior» -- que sensivelmente provoca mais miséria em suas vítimas -- difere de qualquer sistema escravista africano.

A Tenebrosa Inglaterra tanto quanto a Tenebrosa África, fedem como malária. O odor fétido e imundo de nossas favelas é quase tão venenosa quanto os gases que emanam do pântano africano. A febre tornou-se tão crônica como no Equador. A cada ano milhares de crianças são exterminadas por aquilo que chamam de falhas em nosso sistema sanitário. Na realidade elas morrem de fome e de envenenamento, e tudo aquilo que pode ser dito é que, em muitos casos, foi melhor para elas, pois foram poupadas das dificuldades que viriam pela frente.

Assim como a Tenebrosa África representa apenas uma fração do mal e da miséria que vêm da raça superior que invade a floresta para escravizar e massacrar seus miseráveis habitantes, o mesmo ocorre conosco, muito da miséria das multidões a que nos referimos surgem de seus próprios hábitos. A embriaguez e toda forma de imundície, moral e física, abundam por toda parte. Você alguma vez esteve ao lado de um homem em estado de delirium tremens? Multiplique os sofrimentos desse alcoólico em centenas de milhares de vezes, e terá alguma idéia das cenas estão sendo testemunhadas em todas nossas grandes cidades neste exato momento. Como os rios africanos que cruzam a floresta em todas as direções, da mesma forma os pontos de

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drogas [N.T. no original gin-shop] se espalham por toda parte como um Rio de Água da Morte fluindo dezessete horas por dia para a destruição das pessoas. Uma população encharcada de álcool, mergulhada no vício, carcomida por toda espécie de males físicos e sociais, estes são os habitantes da Tenebrosa Inglaterra entre os quais passei toda minha vida, e para cujo resgate convoco agora todos os homens e mulheres de bem de nossa terra.

Mas este livro não é nenhum lamento de desespero. Tanto para a Tenebrosa Inglaterra, como para a Tenebrosa África, há um horizonte de luz. Eu acredito que há uma saída, um caminho pelo qual os miseráveis escapam das trevas de sua existência abjeta em direção a uma vida mais elevada e mais feliz. O fato de vagar durante tanto tempo na Floresta da Sombra da Morte e seus arredores, tornou-me familiarizado com seus horrores; mas se a realização é um vigoroso estímulo à ação, nada é tão opressivo quanto a desesperança. O Sr. Stanley jamais sucumbiu aos terrores que oprimiram seus seguidores. Ele tinha uma larga experiência, e sabia que a floresta, por maior que fosse, não era interminável. Todo passo que dava à frente deixava-o mais próximo da meta almejada, mais próximo da luz do sol, do céu límpido, dos planaltos ricos de pastagens. Então ele não desesperou. Afinal de contas, a Floresta Equatorial era uma mera fração de um quarto do mundo. Sabedor de que havia luz fora dela, confiante em sua experiências anteriores de esforços bem sucedidos, ele rompeu em frente; e quando após 160 dias a luta terminou, ele e seus homens alcançaram um lugar agradável onde a terra sorria de paz e abundância, então esqueceram seus sofrimentos e foram tomados pela alegria de uma grande libertação.

Assim eu ouso acreditar que o mesmo irá ocorrer conosco. Mas ainda não alcançamos nossa meta. Ainda estamos nas profundezas de uma deprimente escuridão. Não haveria nenhum espírito de alegria hoje se tivesse despachado este livro ao mundo dez anos atrás.

Se fosse a primeira vez que ouvíssemos esta lamúria de miséria desesperada o assunto seria menos sério. É o fato de ouvirmos com tanta freqüência que a torna tão desesperadora. O grito amargo que parte dos despossuídos tornou-se tão familiar aos ouvidos dos homens como o rugido sombrio das ruas ou o gemido do vento pelas árvores. E aumenta de uma forma incessante, ano após ano, e se não o ouvimos é porque estamos muito ocupados, muito ociosos, muito indiferentes ou somos muito egoístas. Apenas eventualmente, em ocasiões bem raras, quando alguma voz mais claramente dá uma expressão vocal mais articulada às misérias do proletariado, e esse grito é ouvido, nós interrompemos a rotina regular de nossos deveres diários, e estremecemos quando percebemos por um breve momento o que a vida significa para os ocupantes das favelas. Alguns desses problemas sociais mais graves de nosso tempo deveriam ser enfrentados com rigor, não com o intuito de gerar emoções inúteis, mas tendo em vista sua solução.

Ainda não chegou a hora? Há, é verdade, uma audácia na mera sugestão de que o problema não é insolúvel e que basta tomar alguma atitude. Mas porque ninguém faz coisa alguma? Se, após considerações completas e exaustivas, chegamos deliberadamente à conclusão de que nada pode ser feito no que diz respeito ao destino inevitável e inexorável de milhares de ingleses brutalizados mais do que as bestas pela condição do ambiente em que vivem, as coisas permanecerão sempre como estão. Mas se, pelo contrário, acreditarmos que este «pântano terrível» em que homens e mulheres se atolam geração após geração possa ter um fim; e se o coração e o intelecto do gênero humano se revolta igualmente contra o fatalismo do desespero, então, realmente, chegou a hora, o momento certo da questão ser enfrentada não no mero espírito diletante, mas com a determinação resoluta de dar um fim a esse brado que envergonha nossa era.

Quão ridículo é esse nosso cristianismo e essa nossa civilização que

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mal consegue enxergar estas colônias pagãs e selvagens incrustadas bem no coração de nossa capital! Não há nada mais horrivelmente sarcástico -- os teólogos poderiam usar uma palavra mais forte -- do que mencionar o nome de Alguém que veio buscar e salvar o que estava perdido, nessas Igrejas que, envoltas por multidões perdidas, dormem apáticas ou exibem um interesse espasmódico por uma veste sacerdotal. Qual a utilidade de todo esse aparato nos templos e nas igrejas visando salvar homens da perdição depois da morte, se nunca estendem a mão para salvar pessoas do inferno da presente vida? Será que não chegou o tempo de esquecer por um momento suas infinitamente pequenas e obscuras picuinhas, e concentrar todas suas energias em um esforço único para quebrar esta perpetuidade terrível de perdição, e salvar pelo menos alguns daqueles pelos quais seu professo Fundador morreu?

Antes de me aventurar a definir o remédio, eu começo descrevendo a doença. Mas mesmo apresentando o quadro triste de nossos males sociais, e descrevendo as dificuldades que nos confrontam, eu não falo em desalento mas na possibilidade de se conseguir aquilo que desejamos. «Eu sei em quem tenho crido». Eu sei, então eu falo. A Tenebrosa Inglaterra é apenas uma fração da «Inglaterra Mor». Até onde a fortuna pode alcançar, há suficiente e abundante riqueza para ministrar sua regeneração social, desde que haja corações suficientemente sinceros para começar um trabalho sério. E eu espero e acredito que coração não faltará quando o problema for enfrentado de frente, e o método de sua solução claramente revelado.

CAPÍTULO II. O LUMPEN Diante das dificuldades que temos pela frente, devo procurar simplificar as coisas em vez de complicar ainda mais a situação. Por dois motivos: primeiro, qualquer exagero cria uma reação; segundo, como meu objetivo é demonstrar a praticabilidade de resolver o problema, eu não desejo aumentar suas dimensões. Neste e nos capítulos subseqüentes espero convencer aos leitores de que não há nenhum exagero na representação dos fatos, e nada utópico na apresentação dos remédios. Não apelo nem para o emocionalismo histérico nem para entusiasmo impetuoso; mas tento abordar o exame destas questões com um espírito de investigação científica, e adianto minhas propostas visando angariar apoio e cooperação de homens sóbrios, sérios, práticos, e mulheres que constituem a força econômica e a coluna vertebral moral do país. Eu admito inteiramente que elas são muitas e que estão fazendo falta na diagnose da doença, e que, sem dúvida, neste primeiro esboço de prescrição há muito espaço para aperfeiçoamento, que virá quando estivermos sob a luz da mais completa experiência. Mas com todas suas desvantagens e defeitos, não hesito submeter minhas propostas ao julgamento imparcial de todos os interessados na solução da questão social, como um modo imediato e prático de lidar com ela, o maior problema de nosso tempo.

O primeiro dever de um investigador ao abordar o estudo de qualquer questão é eliminar tudo aquilo que é estranho à investigação, e concentrar a atenção dele no objeto a ser tratado. Quero destacar que neste livro não tento em momento algum tratar da Sociedade como um todo. Deixo a outros a formulação de programas ambiciosos para a reconstrução integral de nosso sistema social; não porque não deseje sua reconstrução, mas porque a elaboração de qualquer plano que seja mais ou menos visionário e por muitos anos incapaz de realizar-se ofereceria resistência, do ponto de vista deste Esquema, ao encaminhamento dos mais urgentes e prementes aspectos das questões que eu espero colocar imediatamente em operação.

Diante disso tomei o cuidado de me afastar do campo largo e atraente; mas como um homem prático, lidando com horrendos fatos prosaicos, eu tenho que limitar minha atenção àquele particular aspecto do problema que clama pela mais premente solução. Apenas uma

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coisa posso dizer. Não há nada em meu esquema em curso de colisão com o socialismo ou o municipalismo [N.T. no original Socialists of the State, or Socialists of the Municipality], com individualistas ou nacionalistas, ou qualquer outra das várias escolas no vasto campo da economia social -- excluindo apenas aqueles economistas anti-cristãos que julgam ser um insulto à doutrina da sobrevivência do mais apto tentar salvar o mais fraco de ir para a bancarrota, e que acreditam que diante de um homem caído o supremo dever de uma Sociedade Competitiva [N.T. no original self-regarding Society] é passar por cima dele. Naturalmente, tais economistas ficarão desapontados com este livro, mas arrisco-me a acreditar que todos os outros, além de não encontrarem nada que entre em choque com suas teorias prediletas, talvez encontrem alguma sugestão útil para utilizar daqui por diante. Qual seria, então, essa Tenebrosa Inglaterra? Para quais pessoas reivindicamos essa «urgência» que dá ao caso deles prioridade sobre todos os demais extratos sociais?

Eu reivindico estas coisas para os Perdidos, para os Proscritos, para os Deserdados da Terra.

Isto, pode-se dizer, são apenas frases. Quem são os Perdidos? Respondendo, não em sentido religioso mas em sentido social, os perdidos são aqueles que fracassaram, que perderam qualquer ponto de apoio na Sociedade, são aqueles para os quais a oração do Pai Nosso, «o pão nosso de cada dia dai-nos hoje», não foi respondida, ou apenas respondida por meio do Diabo: pelas drogas, pelo crime, ou pelos impostos.

Mas eu serei mais preciso. Os habitantes da Tenebrosa Inglaterra; aos quais me refiro, são (1) aqueles que, desprovidos de qualquer renda ou capital, morreriam de fome em 30 dias se dependessem exclusivamente do dinheiro que ganham com seu próprio trabalho; e (2) aqueles que por mais que se esforcem são incapazes de conseguir aquela ração básica prescrita como indispensável, por lei, mesmo para os piores criminosos em nossas prisões.

Eu admito tristemente que seria utópico dentro de nossos arranjos sociais atuais sonhar em proporcionar para todo inglês honesto o mesmo padrão do sistema carcerário para todas as necessidades da vida. Eventualmente, talvez, nos aventuramos esperar que cada trabalhador honesto em solo inglês tenha sempre agasalho, abrigo adequado, e alimento regular, como os encarcerados -- mas isso não aconteceu ainda.

Ainda vão passar muitos anos até que os seres humanos em geral sejam tão bem cuidados como os cavalos. O Sr. Carlyle observou há muito tempo que os trabalhadores de quatro patas já conquistaram tudo aquilo que os de duas patas ainda anseiam obter: «Não são poucos os cavalos na Inglaterra, capazes e propensos ao trabalho, que não tenham o devido alimento e hospedagem, trotando felizes da vida com seus pelos macios e lustrosos». Você pode achar isso impossível; mas, disse Carlyle, «O cérebro humano, observando estes cavalos ingleses macios e lustrosos, recusa-se acreditar tal impossibilidade para os homens ingleses». Não obstante, quarenta anos se passaram desde que Carlyle disse isso, e parece que não estamos nem um pouco próximos de conseguir para os trabalhadores de duas patas o mesmo padrão conquistado pelos de quatro patas. «Talvez logo conquistemos isso», reclama o cínico, «se pelo menos pudéssemos produzir homens de acordo com a demanda, como fazemos com os cavalos, para prontamente enviá-los ao matadouro quando perderem o vigor» -- para não ser, naturalmente, descartado.

Qual será então o padrão que podemos aventurar perseguir com alguma perspectiva de realização em nosso tempo? É bem modesto, mas se alcançado resolveria os piores problemas de Sociedade moderna. É o padrão da carruagem londrina. Quando nas ruas de Londres um cavalo de carruagem, cansado, descuidado ou estúpido, tropeça e cai

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estirado no chão no meio do tráfico, antes de perguntar porque ele tropeçou tentamos botá-lo novamente em pé. O cavalo da carruagem é uma ilustração bem real do lumpem; ele normalmente cai por causa do excesso de trabalho e da desnutrição. Se você o coloca novamente em pé sem alterar suas condições, apenas lhe proporciona mais uma dose de agonia; e, como da primeira vez, terá que pô-lo em pé novamente. Pode ter sido por excesso de trabalho ou desnutrição, ou pode ter sido por sua própria culpa que ele quebrou os joelhos e esmagou as costelas, mas isso não importa. Seja por piedade, ou pelo menos para evitar uma obstrução do tráfico, toda a atenção se concentra na pergunta de como é que vamos colocá-lo em pé novamente. As amarras são soltas, o arreio é desafivelada, ou, se for necessário, cortado, e tudo é feito para colocá-lo em pé. Então ele é colocado novamente nos eixos e restabelecido em seu circuito regular de trabalho. Esse é o primeiro ponto. O segundo é que todo cavalo de carruagem londrina tem três coisas; abrigo para a noite, comida para o estômago, e um sócio pelo qual pode ganhar seu milho.

Estes são os dois pontos do contrato do cavalo de carruagem. Quando ele cai é ajudado a levantar-se, e enquanto viver tem comida, abrigo e trabalho. Embora este seja um padrão humilde, é no momento absolutamente inacessível a milhões -- literalmente milhões -- de humanos homens e mulheres neste país. É possível estender esse contrato do cavalo de carruagem para seres humanos? Eu respondo que sim. O padrão do cavalo de carruagem pode ser atingido nas condições do cavalo de carruagem. Se você bota o cavalo em pé novamente, a Docilidade e a Disciplina o permitirá alcançar o ideal do cavalo de carruagem, caso contrário permanecerá inacessível. Mas a Docilidade raramente falha onde Disciplina é mantida de forma inteligente. A inteligência é freqüentemente mais incapaz para dirigir que a obediência para seguir a direção. De qualquer modo não se espera obediência daqueles que possuem inteligência, desde que façam sua parte. Alguns, sem dúvida, como o resistente cavalo que nunca cai, sempre recusará submeter-se a qualquer direção contra sua própria vontade. Eles permanecerão ou ismaelitas ou indolentes da Sociedade. Mas o homem não é nem ismaelita nem indolente.

Então, a primeira questão com a qual nos deparamos é, qual a medida do Mal? Quantos humanos habitam nesta Tenebrosa Inglaterra? Como podemos fazer um censo daqueles que estão abaixo do nível do cavalo de carruagem? Qual nossa meta para os lumpens do país?

Se você tentar responder esta pergunta, será confrontado pelo fato do Problema Social ter sido cientificamente muito pouco estudado. Vá até a Biblioteca de Mudie e peça todos os livros que foram escritos sobre o assunto, e você será ficará surpreso em encontrar muito pouco sobre o tema. Provavelmente há mais livros científicos sobre diabetes ou gota do que sobre o grande mal social que devora a vitalidade de um número tão grande de pessoas. Ultimamente houve uma mudança para melhor. O Relatório da Comissão Real do Alojamento do Pobre, e o Relatório do Comitê da Casa dos Lordes sobre o sweating e a a exploração representa pelo menos uma tentativa de averiguar os fatos em torno da condição das pessoas em questão. Mas, no final das contas, foi feita uma observação mais minuciosa, paciente, inteligente, dedicada ao estudo das minhocas, do que para o grau de evolução, ou mesmo degradação, dos deserdados [N.T. no original Sunken Section] em nosso meio. Aqui e ali no imenso campo os trabalhadores elaboram comunicados, e ocasionalmente emitem alguma lamúria de desespero, mas onde há qualquer tentativa mesmo que seja para dar o primeiro passo para contar quantas pessoas vivem abaixo do nível da pobreza? Há um livro, e é tudo que tenho no momento, apenas um, que tenta enumerar os destituídos. Em sua obra «Life and Labour in the East of London», o Sr. Charles Booth tenta chegar a um consenso sobre a quantidade de pessoas que se enquadram na categoria em questão. Com um grande número de assistentes, e provido com todos os dados fornecidos pela School Board Visitor, o Sr. Booth desenvolveu um censo industrial da Zona Leste de Londres. Este distrito, que inclui a Torre Hamlets, Shoreditch, Bethnal Green e Hackney, contém uma

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população de 908.000 almas; quer dizer, menos de um quarto da população de Londres. Que significam estas estatísticas? Se estimarmos a quantidade de pessoas que compõe a classe mais pobre no resto de Londres como sendo duas vezes maior, em vez de três, que da Zona Leste, chegaríamos a um número calculado de acordo com a população na mesma proporção, o resultado é o seguinte:

POBRESOcupantes de Casas de Correção, Asilos e Hospitais

17.000 34.000 51.000

SEM-TETOVadios, Ocasionais e Alguns Criminosos

11.000 22.000 33.000

FAMINTOSAssalariados eventuais e dependentes químicos que recebem cerca de 18s. semanais

100.000 200.000 300.000

OS MAIS POBRESSalários intermitentes entre 18s. a 21s. por semana

74.000 148.000 222.000

Pequenos salários regulares entre 18s. a 21s. por semana129.000 258.000 387.000

Salários regulares, artesãos, etc., de 22s. a 30s. por semana337.000

Empregados de famílias ricas121.000

Classe média baixa, lojistas, balconistas, etc.34.000

Classe média alta45.000

TOTAL 868.000

Talvez a Zona Leste de Londres seja a região mais pobre da Inglaterra. O salário é mais alto em Londres que em qualquer outro lugar, mesmo assim é insuficiente, e o número de sem-teto e de famintos é maior nessa região. Há 31 milhões de pessoas na Grã Bretanha, sem contar a Irlanda. Se houvesse em toda parte tanta pobreza quanto a que existe na Zona Leste de Londres, haveria 31 vezes mais pessoas sem-teto e famintas do que as que são encontradas na área de Bethnal Green.

Supondo que a quantidade de pobres no Leste de Londres seja o dobro da média do resto do país. Isso resultaria no seguinte quadro:

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SEM-TETOVadios, Casuais, e alguns Criminosos

Leste de Londres Reino Unido

11.000 165.000

FAMINTOSAssalariados eventuais ou dependentes químicos

Leste de Londres Reino Unido100.000 1.550.000

Total de Sem-Teto ou Famintos

Leste de Londres Reino Unido111.000 1.715.500

Em Casas de Correção, Asilos, etc.17.000 190.000

Total 128.000 1.905.500

Da totalidade dos sem-teto e famintos 870.000 vivem nas ruas. A estes somam-se os ocupantes de nossas prisões. Apenas em 1889, 174.779 pessoas foram presas, quando o número médio de presos nunca superou 60.000. Os números oficiais fornecidos são os seguintes: --

Em Penitenciárias 11.600Em Prisões Locais 20.883Em Reformatórios 1.270Em Escolas Industriais 21.413Em Manicômios Judiciais 910

Total 56.136

Se acrescentarmos os 78.966 pobres e lunáticos que estão em recinto fechado (excluindo os criminosos) -- teremos um exército de quase dois milhões de lumpens. A estes deve-se somar pelo menos, outros milhões, representados por aqueles que dependem dos criminosos, lunáticos e outros tipos, não enumerados aqui, e os mais ou menos desamparados de todas as classes imediatamente acima dos sem-teto e dos famintos. Isto eleva meu total a três milhões, o que eqüivale, a grosso modo, um décimo da população. Conforme afirmam Lorde Brabazon e o Sr. Samuel Smith, «de dois a três milhões de pessoas estão continuamente pauperizadas ou degradadas». O Sr. Chamberlain diz que há uma «população igual à da metrópole» -- que se situa entre quatro e cinco milhões -- «que constantemente permanece em um estado de

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vida abjeta e miserável» O Sr. Giffen é mais moderado. O lumpesinato, de acordo com ele, inclui um entre cinco trabalhadores braçais, seis entre 100 da população. O Sr. Giffen não acrescenta aquela terça parte de um milhão que se mantém na fronteira. Diante dos quatro milhões e meio do Sr. Chamberlain, e dos 1.800.000 do Sr. Giffen, eu me contento em fixar em três milhões o número total do exército de lumpens.

A Tenebrosa Inglaterra, portanto, tem uma população aproximadamente igual a da Escócia. Três milhões de homens, mulheres, e crianças, uma vasta multidão de desesperados, supostamente na condição de libertos, mas realmente escravizados; -- é com eles que teremos que lidar.

É um grande número de pessoas. A Inglaterra proibiu a escravidão a um custo de #40.000.000, sessenta anos atrás, e desde então nunca parou de falar sobre isso. Mas bem diante de nossa porta, de «Plymouth até Peterhead», estende-se este Continente de desvalidos -- três milhões de seres humanos que são escravizados -- alguns deles subjugados por mestres tão impiedosos quanto qualquer capataz da Companhia das Índias Ocidentais [N.T. no original West Indian]. O que fazer com eles? Pode-se fazer algo em favor deles? Ou estes três milhões devem ser considerados como um problema tão insolúvel quanto os esgotos de Londres que, fétidos e imundos, inundam toda a bacia do Tâmisa conforme o fluxo da maré?

Esse lumpem está, então, além do alcance dos seus vizinhos não lumpens que os vêem apodrecer e morrer em volta de suas casas? Sem dúvida, em toda essa grande massa de seres humanos há alguns incuravelmente mórbidos de corpo e alma, há outros pelos quais nada pode ser feito, e aqueles que nem mesmo os mais otimistas podem esperar nada, e para os quais não há outra perspectiva senão as duras restrições dos asilos ou das grades.

Mas o percentual de 10% não é escandalosamente alto? Os Israelitas do Velho Testamento dividiram-se em doze tribos para ministrar o serviço a Deus no serviço do Templo; teremos nós que sentenciar um entre dez «cristãos ingleses» [N.T. no original God's Englishmen] ao serviço dos grandes Gêmeos Diabólicos -- a Privação e o Desânimo?

CAPÍTULO 3. OS MORADORES DE RUA A Tenebrosa Inglaterra pode ser descrita como consistindo de três círculos concêntricos. O círculo exterior e maior é habitado por famintos e sem-teto, gente pobre mas honesta. O segundo é habitado por drogados; e o terceiro círculo é habitado por criminosos. Todos os três círculos estão encharcados de álcool. Há bem mais bares na Tenebrosa Inglaterra do que os três rios que o Sr. Stanley teve que cruzar a cada meia hora na Floresta do Aruwimi.

As fronteiras desta grande terra de desnorteados não são bem definidas. Se expandem ou se contraem continuamente. Sempre que há um período de depressão no comércio, elas se alargam; quando a prosperidade retorna elas se contraem. Por mais que as pessoas se preocupem, não há nenhuma, entre as centenas de milhares que vivem nos arredores dessa escura floresta, que verdadeiramente possa dizer que elas ou seus filhos estão protegidos de ser desesperadamente emaranhados em seu labirinto. A morte do arrimo de família, uma longa doença, uma falência na Cidade, ou qualquer uma das mil outras causas que poderiam ser nomeadas, trará para dentro do primeiro círculo aqueles que até então se imaginavam livres de todo o perigo. A taxa de mortalidade na Tenebrosa Inglaterra é alta. A morte é a grande libertadora dos cativos. Mas mal chegam à sepultura seus lugares já são ocupados por outros. Alguns escapam, mas a maioria, com a saúde solapada pelo ambiente em que vivem, fica mais e mais

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fraca, até que finalmente cai, perecendo sem esperança diante das portas das mesmas mansões palacianas que, talvez, alguns deles ajudaram construir.

Sete anos atrás surgiu um grande clamor em torno do Albergue do Pobre [N.T. no original Housing of the Poor]. Muito foi dito, e corretamente -- mas não com a devida ênfase -- sobre as doenças sociais oriundas dos moradores dos cortiços que tomam nossas grandes cidades. Eles estão um degrau abaixo dos moradores das favelas. Pois [assim como] o morador de rua [o morador do cortiço] não tem nem mesmo um barraco na favela que possa chamar de seu. O sem-teto que está desempregado lembra a expressão, «as raposas têm tocas, os passarinhos têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar sua cabeça».

A existência destes desafortunados chamou a atenção da sociedade em 1887, quando Trafalgar Square foi tomada por um grande acampamento dos sem-teto de Londres. Nossos albergues fazem algo, mas não o suficiente, para prover abrigo por uma ou mais noites aos desterrados que perambulam pelas ruas sem saber onde encontrar um ponto onde descansar seu cansado esqueleto.

Eis o relatório de um de meus oficiais que saíram a campo para recolher dados sobre a condição atual dos sem-teto que não têm nenhum abrigo em toda Londres: --

«Ainda há um grande número de londrinos e uma porcentagem considerável de pessoas que perambulam pelo país procurando trabalho, e que, ao chegar a noite, ficam sem ter onde dormir. É este tipo de pessoa que agora se abriga sob os sicômoros no Aterro. Antigamente eles se esforçavam por ocupar todos os bancos nos parques, mas os guardas da Polícia Metropolitana os impediram, e os albergueiros, sabedores da invariável «bondade» da Polícia da Cidade, ocuparam aquele espaço do Aterro que, do lado Leste de Temple, estava sob o controle dos Pais Cívicos [N.T. no original Civic Fathers]. Aqui, entre Temple e Blackfriars, eu encontrei um grande número desses pobres diabos; em pequenos grupos de mais ou menos seis pessoas -- tanto homens como mulheres -- dormindo amontoados e quase sempre em jejum. No momento em que o Big Ben dá duas badaladas, a lua, flamejando pelo Tâmisa e iluminando o Aterro, revela este lastimável espetáculo. Aqui nos limites do rochedo que proporciona uma leve proteção do vento cortante, estão grupos de seres humanos deitados lado a lado, aquecendo-se mutuamente, e, naturalmente, sem qualquer outro tipo de proteção exceto os trapos que recobrem seus corpos, o máximo que conseguiram. Alguns se enrolam em jornais velhos para escapar do frio, mas a maioria está cansada demais até mesmo para isso, e o banheiro noturno da maioria consiste em tirar o chapéu, embrulhar a cabeça em qualquer trapo velho que encontram, limpar-se com um lenço, para depois procurar outro chapéu».

«Um ancião de olhos vivazes, que procurava um lugar para sentar, informou-me que ele freqüentemente escolhia aquele lugar para passar a noite. ‘Como pode ver’, disse ele, ‘em parte alguma há um lugar tão confortável como esse. Dormi aqui a noite passada, como também segunda e terça-feira, quer dizer, quatro noites esta semana. Sem dinheiro algum para pagar alojamentos, não consegui ganhar nada, levo as coisas como posso. Tudo que comi hoje foi um pedaço de pão, e ontem passei o dia inteiro sem comer nada; antes de ontem consegui três pences. Vivo carregando pacotes, cuidando de cavalos, ou fazendo todo tipo de biscates. Como pode ver, não estou muito bem de saúde. Eu trabalhei na Companhia Geral de Ônibus de Londres e depois na Companhia de Bondes, mas eu tive que ir para a enfermaria com bronquite e não pude mais arrumar emprego depois disso. O que é que se pode aproveitar de um homem com bronquite e que acabou de sair da enfermaria? Quem o contratará? Ninguém quer nem saber dele! Além disso, às vezes tenho falta de ar, e não consigo fazer quase nada. Sou viúvo; minha esposa morreu há muito tempo. Tenho um filho no

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estrangeiro, marinheiro, mas ele é novo no trabalho e não pode me ajudar. Sim! Passar a noite aqui é bem melhor, o chão é bem duro, mas um pouco de papel velho torna-o mais macio. Mulheres freqüentemente dormem por aqui, e crianças também. Há uma certa ordem por aqui, e raramente há muita confusão, como pode ver, porque todo mundo está bem cansado. Estamos sonolentos demais para fazer bagunça’».

«Outro homem, alto, entorpecido, de olhar vago, vindo do interior; prefere não mencionar o lugar. Ele tentou sem sucesso conseguir uma carta do hospital na Mansion House sobre uma hérnia rompida, tentou vários outros lugares, também em vão, sem dinheiro nem comida veio buscar abrigo no Aterro.»

«Para além deste dormitório, um considerável número de pessoas perambula pelas ruas até as primeiras horas da manhã procurando algum trabalho, que traga alguma moeda para seu bolso vazio, que lhes permita matar a fome. Conversei um pouco com um deles, um forte jovem há pouco dispensado do exército, e incapaz de arrumar emprego. ’Como pode ver’, lamenta, ‘como a maioria dos meus companheiros em Londres, não sei onde vou parar. Eu sou muito jovem, e não consigo arrumar trabalho. Já faz duas semanas que, dia e noite, perambulo pelas ruas procurando emprego. Sou forte e saudável mas não sei por quanto tempo. Só quero um trabalho. Esta é a terceira noite que passo nas ruas, caminho pelas ruas durante toda a noite; o único dinheiro que eu consigo é vigiando as caixas dos engraxates quando eles vão jantar no Lockhart. Ontem eu consegui um penny fazendo isso, e dois pences por levar um pacote, e hoje consegui um penny. Comprei pão e chá’.»

«Pobre rapaz! Provavelmente ele logo se juntará a ladrões, e afundará ainda mais, para muitos como ele não há outro meio de vida; ou rouba ou passa fome, mesmo sendo jovem. Há gangues de jovens assaltantes ao longo de Whitechapel, cujas idades variam de treze a quinze anos, vivendo do furto de alimentos e de outros bens que retiram facilmente das vitrines das lojas. Além do Aterro, um outro local onde as pessoas dormem ao ar livre são os assentos externos da Igreja de Spitalfields. Muitos sem-teto têm seu próprio pequeno recanto e abrigo, em marquises, depósitos abandonados, vagões velhos, etc., por toda parte de Londres. Certa feita observei duas mulheres de rua abrigando-se sob a marquise de uma loja na rua Liverpool. Assim eles levam a vida durante o verão, o que acontece durante o inverno é terrivelmente inimaginável. Em muitos casos significa a vala comum, como o caso de uma jovem que foi dormir em um vagão em Bedfordbury. Alguns homens a descobriram e de surpresa lançaram sobre ela uma tina de água. O choque, diante de sua fraqueza generalizada, fez com que adoecesse, e a seqüela foi inevitável -- o júri que investigou sua morte suspeita concluiu que a água apenas acelerou a morte dela, provocada, em claro português, pela fome.»

Passamos a seguir alguns relatos do mesmo oficial que encontrou pessoas dormindo no Aterro nas noites de 13 e 14 de junho de 1890: - Relato 1. «Faz duas noites que durmo aqui; sou confeiteiro; venho de Dartford. Fui demitido porque estou ficando velho. Eles podem pegar jovens e pagar menos, e eu sofro de reumatismo. Faz dois dias que não ganho nada; achei que arrumaria emprego em Woolwich, e fui até lá, mas não consegui nada. Achei um pedaço de pão na rua embrulhado em jornal. Foi tudo que comi ontem. Hoje comi um pouco de pão com manteiga. Tenho 54 anos. Quando chove passamos toda a noite debaixo dos arcos».

Relato 2. «Faz três semanas que durmo aqui; faço biscates, cuido de cavalos, e todo tipo de coisa. Hoje não consegui nenhum centavo, senão não estaria por aqui. Hoje comi apenas um pedaço de pão. Isso foi tudo. Ontem o cozinheiro de um restaurante deu-me um pouco de comida. Na semana passada fiquei dois dias sem comer nada desde a manhã até a noite. Também faço entalhes de móveis, mas isto está

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fora de moda, e além isso, tenho uma catarata em um olho, e perdi a visão dele completamente. Sou viúvo, tenho um filho, soldado, em Dover. Meu último trabalho regular foi oito meses atrás, mas a empresa faliu. Desde então faço biscates».

Relato 3. «Sou alfaiate; há quatro noites durmo aqui. Não consigo arrumar emprego. Estou sem trabalho há três semanas. Quando consigo algum dinheiro passo a noite em uma pensão na rua Vere, no Glare Market. Choveu ontem à noite. Saí daqui e fui para o Covent Garden Market e dormi debaixo da cobertura. Havia aproximadamente trinta de nós. A polícia tirou-nos dali, mas voltamos assim que eles foram embora. Nos últimos dois dias consegui um pedaço de pão e um prato de sopa -- freqüentemente passo o dia inteiro sem comer nada. Há mulheres dormindo aqui. São pessoas decentes, a maior parte delas são faxineiras que não conseguem emprego».

Relato 4. É um homem idoso; treme e agita-se visivelmente à menção da palavra trabalho; exibe um cartão cuidadosamente embrulhado em um jornal velho, trata-se do Sr. J.R. um membro da Liga de Proteção ao Crédito. Ele veio do litoral; faz quinze dias que está desempregado. Não ganhou nada durante ou últimos cinco dias. Comeu um pedaço de pão esta manhã. Bebeu uma xícara de chá e duas fatias de pão ontem, e o mesmo no dia anterior; fornecido por um deputado em um albergue. Ele tem cinqüenta anos, e ainda está molhado por dormir no relento na última noite.

Relato 5. Trata-se de um metalúrgico desempregado. Seu último emprego foi perto de Uxbridge, onde trabalhou durante um mês; recebendo 2s. e 6d por dia. (Provavelmente gastou a maior parte com bebida, pois parece ser um trabalhador bem indeciso.) Agia de uma forma bem estranha. Comprou um pacote de chá e outro de açúcar (que carregava no bolso) mas não encontrou nenhum lugar para fazer o chá; esperava chegar até um albergue onde pudesse pedir emprestado uma chaleira, mas não tinha dinheiro algum. Dormiu numa casa de custódia casual; um lugar muito pobre, com comida insuficiente, considerando seu trabalho. Consumiu seis onças de pão no café da manhã, uma onça de queijo e seis ou sete onças de pão na janta. Tomou chá no breakfast -- nenhuma ceia.

Relato 6. Dormiu no relento quatro noites seguidas. Trabalhou numa destilaria durante quatro meses; não deu detalhes por que saiu, mas foi por sua própria falta. (Muito provavelmente por ser teimoso, insensato, tarrancudo, e evidentemente destituído de habilidade). Fez biscates; ganhou 3d. cuidando de um cavalo, sua última refeição foi uma xícara de café com pão e manteiga. Não tem nenhum dinheiro agora. Dormiu ontem à noite debaixo da ponte Waterloo.

Relato 7. Um homem simpático; cujo sofrimento passaria despercebido se estivesse limpo, bem vestido, com sapatos engraxados; ele tapava o buraco de suas meias com cavilhas; trapos terríveis! Eu o vi fazer um enorme esforço para caminhar. Ele erguia bem lentamente seus pés e cuidadosamente os apoiava, evidentemente sentindo muita dor. As pernas dele estão bem ruins; esteve várias vezes na enfermaria. Seu tio e avô foram sapateiros; e ambos estão mortos agora. Uma vez ele ocupou um bom cargo em uma financeira, e depois em Londres no Banco Municipal durante nove anos. Após trabalhar com um leiloeiro que faliu, adoeceu, envelheceu, e ficou desempregado. «O cargo de administrador», diz ele, «nunca é valorizado, porque há muitos, e uma vez desempregado é muito difícil você encontrar alguma vaga. Tenho um cunhado na Bolsa de Valores, mas ele não me contratará. Olhe para minhas roupas! É provável?»

Relato 8. Dormiu aqui por quatro noites seguidas. É pedreiro, quer dizer, um trabalhador braçal. Seu último trabalho durou três semanas. Passou nove dias sem nenhum dinheiro. Recebeu 2s. 6d. ajudando a limpar a fachada de uma loja. Está disposto a aceitar qualquer tipo de trabalho. Tem 46 anos. Chegou a receber aproximadamente 2d. ou 3d. por dia cuidando de cavalos. Suas últimas

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refeições foram uma xícara de chá e um pouco de pão ontem, e o mesmo hoje.

Relato 9. Trata-se de um encanador (por causa de seus baixos salários, boa parte destes trabalhadores braçais são pessoas sofridas e desanimadas). Aparentemente são incapazes de fazer qualquer coisa direito. Eles são um tipo de autômato, como uma máquina enferrujada; lentos, entorpecidos, e incapazes. Um homem de inteligência ordinária deixa-os para trás. Sem dúvida eles poderiam ganhar mais fazendo biscates, mas falta-lhes energia. Tudo isso significa, naturalmente, alimento escasso, e indisposição para resistir, que faz com que sua incapacidade aumente ainda mais com o tempo. («Dele não dá para esperar nada», etc.) Fora de ação por negligencia, faz serviços ocasionalmente; é a terceira noite que dorme aqui. Quando consegue uma vaga vai trabalhar nas docas. Recebe 6d. por hora; quando está disposto trabalha muitas horas por dia. Chega a receber 2s., 3s., ou 4s. 6d. em um dia. Tem que trabalhar bem duro para receber isso. A vida nos alojamentos também é muito dura, segundo ele, para os que não estão acostumados, e não há comida suficiente. Hoje conseguiu comprar um pedaço de pão, por tomar conta de uma carruagem. Ontem ele gastou 3,5d. no café da manhã, foi tudo o que comeu durante o dia. Tem 25 anos.

Relato 10. Trata-se de um cocheiro. Está desempregado há um mês. Tem um braço mirrado, e não consegue trabalhar direito. Dormiu aqui durante uma semana; e contraiu um terrível resfriado. Vive de biscates (todos fazem). Ontem conseguiu seis pences tomando conta de uma carruagem e carregando um par de pacotes. Hoje não ganhou nenhum dinheiro, mas teve uma boa refeição fornecida por uma senhora. Caminhou todo o dia a procura de trabalho, e está bem cansado.

Relato 11. Trata-se de um jovem londrino de 16 anos. Um caso triste; faz biscates e vende fósforos. Hoje ganhou 3d., quer dizer, recebeu 1,5d. líquido. Ainda tem cinco caixas. Dormiu aqui todas as noites durante um mês. Antes disso dormiu no Covent Garden Market ou nos degraus das portas. Há seis meses que dorme nas ruas, desde que deixou a Escola Industrial de Feltham. Foi enviado para lá por vadiagem. Hoje comeu um pedaço de pão; ontem comeu algumas groselhas e cerejas, quer dizer, algumas frutas estragadas que encontrou no lixo. A mãe está viva. «Ela me expulsou de casa», disse, quando voltou de Feltham, porque ela queria dinheiro para comprar bebida.

Relato 12. Trata-se de um homem de 67 anos. Parece levar a vida com bom humor. Uma espécie de Mark Tapley. Diz que não pode dizer que gosta, entretanto ele tem que gostar! Ha, ha! Ele trabalha com telhados. Esteve desempregado por algum tempo; os homens mais jovens arrumam o emprego com mais facilidade. Às vezes trabalha como pedreiro; pode fazer qualquer coisa. Caminha milhas e milhas e não consegue nada. Ganhou dois pences esta semana cuidando de cavalos. Considera toda essa situação bem difícil, preocupante, triste, ruim, mas não se aborrece. Comeu um pouco de pão com manteiga e tomou uma xícara de café pela manhã. Está doente e magro por falta de alimento e abrigo; passou a noite molhado e isso lhe faz muito mal. Caminhou desde o entardecer, são 3 da madrugada. Estava tão frio, molhado e fraco, que não sabia o que fazer. Caminhou até o Hyde Park, teve sono, e procurou um lugar seco para sentar assim que o parque abriu. Estes são casos bastante típicos dos sem-teto que vagam pelas ruas. Essa é a maneira como esses nômades da civilização são constantemente recrutados.

Estas são histórias recolhidas este ano ao acaso numa noite de verão sob a sombra das árvores do Dique. Um mês depois, quando um dos nossos camaradas fazia o censo dos sem-teto ao longo do Tâmisa desde Blackfriars até Westminster, ele encontrou trezentos e sessenta e oito pessoas dormindo ao ar livre. Destes, duzentos e setenta estavam na região do Aterro, e noventa e oito na região do Covent Garden Market, toda a área entre as pontes Waterloo e Blackfriars estava abarrotada de miseráveis.

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Isto, é bom lembrar, não ocorreu durante um momento de queda no comércio. A revivificação dos negócios era evidente, especialmente pelo barômetro da bebida forte. A Inglaterra é rica o bastante para beber rum em uma quantidade que surpreende até mesmo o Ministro da Fazenda, mas não é rica o suficiente para prover abrigo durante a noite para aqueles pobres diabos do Aterro.

Para muitos daqueles que vivem em Londres pode parecer novidade haver centenas e mais centenas de pessoas dormindo todas as noites nas ruas. Há comparativamente poucas pessoas se movimentando depois da meia-noite, e no momento em que nos instalamos confortavelmente em cima de nossas próprias camas tendemos a esquecer toda aquela multidão do lado de fora, na chuva e na tempestade, tremendo de frio durante longas horas no relento, nas duras calçadas, ou nos túneis do metrô. Estes sem-teto, famintos, no entanto, estão lá, mas como são em sua maior parte pessoas alquebradas, suas vozes raramente são ouvidas pelos seus vizinhos. Porém, de vez em quando, ouve-se um grito agudo e profundo, quando tudo se cala e as pessoas começam a prestar um pouco de atenção. As classes desarticuladas falam como o asno de Balaão. Mas eles às vezes encontram uma voz. Eis aqui, por exemplo, um caso que me impressionou muito, e que li recentemente em um jornal de Liverpool. Alguém discursava para uma pequena aglomeração de vinte ou trinta homens: --

«Camaradas», começou a falar com uma mão no peito de seu velho colete, e a outra, como sempre, puxando nervosamente sua barba, «esta situação em que vivemos não pode durar para sempre».

(Exclamações graves e sérias, «não pode! Tem que acabar!») «Muito bem, rapazes», continuou o orador, «alguém tem que dar um paradeiro nisso. Queremos trabalho, não esmolas, entretanto, a paróquia esteve bem preocupada conosco ultimamente. Deus sabe! O que nós queremos é trabalho honesto, (ouçam, ouçam!) Agora, o que eu proponho é que cada um de vocês consiga cinqüenta companheiros para que se juntem a vocês; então seremos aproximadamente 1.200 bocas famintas -- «E daí?» Perguntaram vários daqueles homens esqueléticos e famintos. «Por que? Para que?» Continuou o líder. «Por que?», interrompeu um homem de olhar cadavérico que estava em um lugar distante e escuro da adega, «você vai nos arrumar trabalho?» «Não, não», interpôs apressadamente nosso amigo, balançando suas mãos, «iremos pacificamente; marcharemos juntos pelo Town Hall, para mostrar nossa pobreza e pedir trabalho. Também levaremos nossas mulheres e nossos filhos». («É muito sofrimento! Muita fome! Eles não podem negar isto!»). «Vamos marchar com nossas mulheres e crianças, e dizer para eles o que queremos. Unidos somos fortes. Vamos pedir trabalho e pão!»

Três anos atrás, ocorreram tais marchas pelas ruas de Londres. A Igreja conduziu procissões pela Abadia pela Catedral de São Paulo, passando por Trafalgar Square, etc. Mas Lázaro também mostrou seus trapos e feridas para conseguir o que queria, e em nome da lei e da ordem foi bem tratado. Mas se temos o Dia do Prefeito, quando todos os bem nutridos vereadores se exibem pela cidade, por que não ter também o Dia de Lázaro? Em que famintos desempregados juntamente com os suados subnutridos «empregados» de Londres rastejem em seus escabrosos farrapos, com seus rostos magros, famintos, juntamente com suas esqueléticas mulheres e filhos, em uma procissão de desesperados pelas ruas principais ao longo dos magníficos casarões e palácios da luxuosa Londres?

Estes homens são gradual, mas seguramente, engolidos pela areia movediça da vida moderna. E em vão eles estiram suas mãos encardidas em nossa direção pedindo, não caridade, mas trabalho.

Trabalho, trabalho! Eles sempre pedem por trabalho. A maldição divina é para eles a mais santificada das bênçãos. «Comerás teu pão

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do suor de teu rosto», mas ai, estes filhos abandonados de Adão não encontram pão para comer, e esta Sociedade não tem trabalho algum para eles. Eles não têm nem mesmo licença para suar. Como então falar a estes pobres peregrinos sobre o segundo Adão que fez «tudo novo», sem efetuar esforço algum para libertá-los da maldição que herdaram do primeiro Adão?

CAPÍTULO 4. OS DESEMPREGADOS Não existe nada mais patético do que um trabalhador forte e capaz implorando por caridade ou trabalho nas portas dos palácios e das igrejas, suplicando que lhe concedam a prerrogativa do trabalho duro e perpétuo, para que possa ter a possibilidade de encher sua barriga e silenciar o choro de seus filhos por comida. Clamam por estas coisas e não conseguem nada, procuram por um emprego como se procurassem um tesouro perdido e não encontram nada, até que finalmente, todo o espírito e todo o vigor se abatem, e aquele trabalhador disposto torna-se um alquebrado bóia-fria, encharcado de miséria e de aflição, descartando qualquer possibilidade de melhora neste mundo ou no que há de vir. Não há dúvida de que a organização de nossas indústrias deixam muito a desejar. Um problema que até mesmo os donos de escravos resolveram não pode ser considerado insolúvel pela civilização cristã do Século XIX.

Já apresentei algumas histórias de vida contadas em primeira mão pelos sem-teto que foram encontrados no Aterro e que sugerem um pouco do sofrimento e da miséria resultante da procura infrutífera por trabalho. Todo esse volume de horror sombrio, esquálido -- o grande horror tenebroso que obscurece gradualmente todos os clarões do dia na vida do sofredor, pode ser descrito a partir das simples e prosaicas experiências dos rotos companheiros com os quais você se encontra diariamente na rua. Estes homens, cuja força de trabalho é seu único capital, são compelidos a passar dia após dia a procura de qualquer tipo de emprego. Os dias passam, as semanas passam, e libras e mais libras do capital de que dispõem se perde, e eles são admoestados por não economizar seu dinheiro. Quando um homem rico não emprega seu capital na produção ele o investe no banco para render juros, mas o banco para o capital-trabalho do homem pobre ainda não foi inventado. Teria muito valor se inventassem algum. O trabalho de um homem não é apenas seu capital, é sua própria vida. Depois que passa nunca mais o tem de volta. Utilizá-lo, evitar o desperdício, permitir ao homem pobre que o guarde para utilizá-lo oportunamente, esta seguramente é uma das tarefas mais urgentes da civilização.

Das coisas mais aviltantes, a procura por trabalho é seguramente a pior. No exato momento em que um trabalhador perde sua presente condição, ele é compelido a reiniciar o triste circuito de busca infrutífera. Eis aqui a história de um entre milhares de nômades, contada por ele mesmo, que pela fome foi conduzido ao crime.

«Foi numa luminosa manhã primaveral que cheguei numa colônia ocidental. Quatorze anos se passaram desde que embarquei para lá. Foram quatorze anos, no que se refere aos resultados, de derrotas, e eis-me aqui novamente em minha própria terra, um estranho, com um novo caminho pela frente e diante de uma nova batalha da vida.»

«Meu primeiro pensamento foi trabalhar. Eu nunca senti tanta vontade de pegar uma boa oportunidade de ganhar minha vida por um trabalho honesto; tinha certeza que logo encontraria emprego. Com firme determinação comecei a procurar. Um dia passou sem sucesso, e outro, e mais outro, mas o pensamento positivo me animava, 'amanhã minha

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sorte vai melhorar'. Como dizem, 'a esperança é a última que morre'. Em meu caso isso foi rigorosamente testado. Os dias logo se transformaram em semanas, e eu ainda estava paciente e esperando minha vez. Eles me recebiam com tanta cortesia em minha reivindicação que freqüentemente desejei que me expulsassem, pelo menos sairia daquele doentio moto perpétuo de consideração que tão finamente revestia a indiferença e a absoluta despreocupação para com minha necessidade. Alguns se antecipavam asperamente e diziam, 'Não; nós não o queremos. Por favor não nos aborreça novamente (isto depois da segunda visita). Não temos nenhuma vaga; e se surgir alguma, temos gente suficiente para ocupá-la'.»

«Quem pode expressar o sentimento de alguém que sai bem cedinho a procura de trabalho, e fracassa? Todas minhas esperanças e prospectos pareciam ter se revelado falsos. Desamparado, eu ouvia falar freqüentemente disto, tinha falado freqüentemente sobre isto. Sim! Mas referindo-se aos outros, mas agora comecei a entender isto em mim mesmo. Gradualmente passei a descuidar de minha aparência pessoal. Minha roupa de linho sem defeito ficou desleixada e suja.

Com o tempo meus sapatos ficavam cada vez mais sujos, e eu vaguei por aquela infeliz condição 'requintadamente rota'. Se eu me apresentasse anteriormente como estou agora, roto demais para poder agradar, teria ainda menos possibilidade de conseguir trabalho.»

«Agora, a fome começava a fazer efeito, e eu vaguei pelos portões das docas, mas que chance teria eu entre aqueles gigantes famintos? E assim os problemas foram se acumulando até que aquele 'severo desejo' levou-me o último xelim, o último alojamento, e a última refeição. O que farei? Onde irei? Tentei pensar. Tenho que passar fome? Seguramente ainda deve haver alguma porta aberta ao empenho de um homem disposto e honesto, mas onde? O que posso fazer? 'Beba', disse o tentador; mas mesmo para embriagar-se é preciso ter dinheiro, e o esquecimento através de licor exige um equivalente em moeda corrente.»

«Roube ou passe fome. 'Você tem que fazer uma coisa ou outra', disse o tentador. 'Mas recusa ser ladrão. Por que se acha tão especial?' Diz o tentador novamente. 'Você está por baixo mais uma vez, quem vai ligar para você? Quem vai dar-lhe atenção? De duas uma, ou rouba ou passa fome.' E eu lutei até que a fome esfolasse meu julgamento, e então tornei-me um ladrão.»

É inegável que foi o medo de morrer de fome que conduziu este pobre companheiro ao roubo. Morrer de fome atualmente é mais comum do que geralmente se pensa. Ano passado, um homem cujo nome nunca foi conhecido, estava caminhando por St. James's Park, quando três de nossos homens de Shelter o viram tropeçar e cair de repente. Eles pensaram que estava bêbado, mas descobriram que tinha desmaiado. Eles o levaram à ponte e chamaram a polícia. Depois o levaram para o Hospital de St George onde morreu. Aparentemente ele estava, de acordo com sua própria história, vindo de Liverpool, estava sem comer durante cinco dias. Porém, o doutor disse que ele viera de mais longe. O júri deu o veredicto de «Morte por Fome».

Sem comida durante cinco dias ou mais! Quem sofreu essa sensação de frio que vem até mesmo na falta de uma única refeição pode ter alguma idéia do tipo de tortura lenta que matou aquele homem!

Em 1888 a média diária dos desempregados em Londres calculado pelo Comitê da Mansion House foi de 20.000. Este vasto reservatório de trabalhadores desempregados é a ruína de todos os esforços para elevar o padrão de vida, e melhorar as condições de trabalho. Homens famintos morrendo por falta de oportunidade de ganhar um pedaço de pão é o material do qual são feitos os «fura-greves», que faz com que os trabalhadores sejam constantemente derrotados em suas tentativas de melhorar suas condições de vida.

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Este é o problema que está por traz de todas as questões do Movimento Sindical e de todos os esquemas para a melhoria das condições das indústrias. Qualquer edifício estável que não desabe quando a primeira tempestade chega e quando o primeiro furacão sopra, não deve ser construído na areia, mas na pedra. O pior de todos os esquemas existentes para a melhoria social dos trabalhadores qualificados organizados é aquele que não é construído nem na «pedra» e nem mesmo na «areia», mas no pântano sem fundo do estrato dos desempregados. É por aqui que temos que começar. A organização dos trabalhadores industriais que têm trabalho regular não é assim tão difícil. Isso pode ser feito, e está sendo feito, por eles. O problema que temos que enfrentar é a organização, a organização daqueles que estão sem trabalho, ou que têm apenas um emprego irregular, e que pressionados pela fome absoluta, estão em irresistível concorrência ruinosa com seus irmãos e irmãs bem empregadas. Detalhe por detalhe, tudo aquilo que um homem tem, foi dado para sua vida; muito mais, então, terão aqueles que experimentalmente sabem que Deus não dá tudo aquilo que eles esperam ter -- neste mundo e no próximo.

Não há nenhuma vantagem em falar da imensidão do problema. É mais que suficiente para nos levar ao desânimo. Mas aquele que coloca sua confiança não apenas no homem, mas naquele que é Todo Poderoso, não encontra espaço para desânimo. Desanimar é perder a fé; desanimar é esquecer de Deus. Sem Deus não podemos fazer nada nesta assustadora confusão de miséria humana. Mas com Deus podemos fazer todas as coisas, e confiantes de que Ele construiu Sua imagem em todo filho do homem, enfrentamos estes destroços horrorosos da humanidade, até mesmo com um alegre ânimo. Se confiarmos em nossa elevada vocação Ele abrirá um caminho de libertação.

Eu não tenho nada a dizer contra aqueles que se empenham em abrir uma trilha de fuga sem qualquer consciência da ajuda de Deus. Por eles sinto apenas condolência e compaixão. Na medida em que eles se esforçam por alimentar o faminto, vestir o nu, e acima de tudo, servir aos desempregados, então, neste ponto, eles se esforçam por fazer a vontade de nosso Pai que está no Céu, a maldição está em todos aqueles que dizem não! Mas estar órfão de todo sentido da Paternidade de Deus seguramente não é uma fonte secreta de força. É, na maioria dos casos -- seria para mim -- a fonte da paralisia. Se eu não sentisse a mão de meu Pai na escuridão, e se não ouvisse no silencio da noite sua voz me guardando, envolvido com estas coisas, eu me encolheria espantado -- mas eu não ousaria.

Quantos foram aqueles que fizeram tentativas similares e que falharam, e dos quais nunca mais ouvimos falar! Mesmo que nenhum deles tenha tencionado lidar com nada maior do que a mera orla do mal, que Deus me ajude, eu tentarei enfrentar o mal em toda sua imensidão. A maioria dos projetos que são colocados em prática para melhorar a situação das pessoas são declarada ou realmente limitados àqueles cujas condições menos precisam de melhora. Os utópicos, os economistas, e a maioria dos filantropos propõem remédios que, se adotados amanhã, afetarão apenas a aristocracia da miséria. É o próspero, o industrioso, o sóbrio, o pensador, que pode tirar proveito destes planos. Mas o próspero, o industrioso, o sóbrio, e o pensador, já são em sua maior parte perfeitamente capacitados para cuidar de si mesmos. Ninguém fará nem mesmo um arranhão visível no pântano da miséria se não lidar com o improvidente, o preguiçoso, o viciado, e o criminoso. O Projeto de Salvação Social não terá valor algum se não for tão amplo quanto o Projeto de Salvação Eterna revelado no Evangelho. As Boas Notícias precisam ser para toda criatura, não apenas para uma minoria de eleitos que é salva enquanto a massa de seus companheiros é predestinada a uma danação temporal. Nós tiramos esta doutrina de uma ferrenha economia pseudo-política que foi introduzida há muito tempo entre nós. Já chegou o tempo de derrubar o falso ídolo e proclamar uma Salvação Temporal plena, livre, e universal, e sem outras limitações senão a do «todo aquele» do Evangelho.

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Ao tentar salvar o Perdido nós não temos que aceitar nenhuma Limitação à fraternidade humana. Se o Projeto que eu exponho nesta e nas páginas seguintes não são aplicáveis ao Ladrão, à Meretriz, ao Alcoólico, e ao Preguiçoso, pode perfeitamente ser lançado ao lixo sem cerimônia. Como Cristo veio chamar não santos mas aqueles que praticam o mal ao arrependimento, assim a Nova Mensagem da Salvação Temporal, da salvação do frio da pobreza, dos trapos e da miséria, deve ser oferecida a todos. Claro que eles podem rejeitá-la. Mas aquele que chama a si mesmo pelo nome de Cristo não é digno de professar ser seu discípulo se não deixar uma porta aberta diante dos menores e dos piores, daqueles que estão agora aparentemente encarcerados da vida em um horrível calabouço de miséria e desânimo. A responsabilidade pela rejeição deve ser deles, não nossa. Todos nós conhecemos a oração, «livra-me da pobreza e da riqueza, dê-me apenas aquilo que necessito» [N.T. Provérbios 30.8]-- e que todo filho do homem neste planeta peça a Deus que a oração de Agur, o filho de Jakeh, seja atendida.

Para se ter uma idéia de quão longe estamos de atingir isso, basta descer até as docas e ver a luta pelo trabalho. Aqui vai um resumo do que encontrei ali neste verão: --

Docas de Londres, 7:25 da manhã. Os três enormes pares de portões de madeira estão fechados. Pode-se ver encostados neles, em pé, cerca de duas centenas de homens. O espaço público do lado oposto está lotado, fazendo comércio pesado. Por toda a rodovia existem orlas de homens afluindo de várias direções, engrossando a multidão nos portões.

7:30. As portas abrem, todos correm para dentro. Todo mundo avança cerca de cem jardas até a barreira de ferro -- onde permanecem por algum tempo, vigiados pela polícia das docas. Aqueles homens que foram previamente (isto é, na noite anterior) contratados, mostram sua senha e passam à frente, aproximadamente seiscentos. O resto -- uns quinhentos colocados atrás da barreira, ficam pacientemente esperando a chance de um trabalho, destes, menos que vinte são convocados. Eles são chamados por um capataz que aparece próximo à barreira e escolhe seus homens. Imediatamente o capataz desaparece, há uma pressa selvagem e uma luta furiosa para «ser visto» por ele. Os homens escolhidos atravessam a barreira, a excitação se extingue até que outro lote de homens seja requerido.

Eles esperam até as oito, quando se retiram. A barreira é retirada e todas aquelas centenas de homens, monotonamente se dispersam para «procurar emprego». Quinhentos candidatos, vinte contratados! Não surpreenderia se algum olhar cansado flamejasse algo como, «Oh querida, Oh querida! Que posso fazer?» Alguns permanecem por ali até o meio-dia na escassa expectativa de serem ainda contratados para trabalhar a metade do dia.

Pergunte aos homens e eles lhe contarão algo como a seguinte história, que dá uma idéia do trabalho nas docas.

R. P. disse: --«Eu trabalhava regularmente na South West India Dock antes da greve. Nós recebíamos 5d. por hora. O trabalho começa às 8 da manhã no verão e às 9 da manhã no inverno. Freqüentemente há quinhentos candidatos, e apenas vinte são contratados (escolhidos no dia anterior) O capataz aparece, e convoca os homens que escolhe. Ele conhece cada um dos quinhentos pelo nome. Há uma luta regular por arrumar emprego, eu sei de quinhentos contratados, mas sempre há centenas procurando vagas. Como pode ver, eles sabem quando os navios chegam, e quantas pessoas serão necessárias, então afluem em grande número. Às vezes, eu ganho 30s. por semana, às vezes nada durante uma quinzena. Isso é o que torna tudo tão duro. Você não consegue nada para comer durante uma semana, e então quando você é contratado, você está tão fraco que não consegue nem trabalhar direito. Eu fiquei no meio da multidão no portão e tive que ir

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embora sem trabalho, centenas de vezes. Se eu pudesse ficaria novamente. Eu me cansei da falta de emprego e saí do país para arrumar emprego em uma fazenda, mas não consegui nada, assim eu estou sem os 10s. que o Sindicado das Docas exige dos trabalhadores. Estou de volta ao país dentro de um ou dois dias para tentar novamente. Espero ganhar 3s. por dia. Voltarei novamente para as docas. Há uma chance de arrumar emprego regular nas docas, quer dizer, passear nos bares que os capatazes freqüentam, e tratar com eles. Então eles provavelmente escolherão você no dia seguinte.» R. P. não é sindicalizado. Henry F. é sindicalizado. Sua história é a mesma.

«Cinco meses atrás trabalhei nas docas de St. Catherine. Você tem que chegar aos portões às 6 horas da manhã para a primeira chamada. Há geralmente aproximadamente 400 a espera. Eles contratam apenas duzentos. Então às 7 horas há uma segunda chamada. Até lá mais 400 terão se juntado a eles, e outros cem serão contratados. Também provavelmente haverá outra chamada às nove horas. O mesmo número será contratado mas não haverá nenhum trabalho para muitas centenas deles. Eu sou sindicalizado. Isso significa 10s. de auxílio-doença por semana, ou 8s. por semana para acidentes leves; e também algumas outras vantagens. Agora as Docas não contratam ninguém que não seja sindicalizado. O problema é que há muitos homens querendo trabalho. Eu freqüentemente fico desempregado de uma quinzena a três semanas. Certa vez ganhei #3 em uma semana, trabalhando dia e noite, entretanto, depois passei uma quinzena sem trabalho. Isso acontece especialmente nos dias em que não há nenhum navio para descarregar. Durante esse tempo; muitos homens passam fome. Quando as pessoas não têm nenhum bico para fazer nem conseguem nenhuma outra ocupação, elas descem até as docas para procurar trabalho e ficam por ali mesmo.»

Mas não é apenas nos portões das docas que você encontra estes desafortunados que passam o tempo todo procurando inutilmente por trabalho. Eis aqui outra história bem semelhante.

C. é um pedreiro profissional de quase dois metros de altura. Ele pertenceu à Artilharia Real durante oito anos e passou um bom tempo por ali. Tudo parecia bem e conseguiu juntar algumas economias. Ele pediu demissão e por ser um excelente cozinheiro abriu um restaurante, mas ao término de cinco meses ele foi compelido a fechar sua loja por causa de uma queda no comércio provocado pela falência de uma grande fábrica na localidade.

Após ter trabalhado na Escócia e em Newcastle durante alguns anos, acabou adoecendo, sem conseguir melhorar sua situação, e voltou para Londres na esperança de conseguir algo na cidade onde nasceu. Não encontrou nenhum emprego regular durante os últimos oito meses. Sua esposa e família estão em estado de penúria, e ele observou, «ontem conseguimos apenas uma libra de pão para comer». Seu aluguel está atrasado há seis semanas, e tem medo de ser despejado. A mobília que está na casa dele não vale 3s.. As roupas de cada membro de sua família estão em farrapos e mal cabem em uma bolsa aos trapos. Ele nos assegurou que tentou de todas as formas conseguir emprego e estava disposto a fazer qualquer coisa. O caráter dele realmente era muito bom.

Agora, parece um sonho absurdo inventar qualquer arranjo que, sem qualquer perda de dignidade, debaixo de todas estas circunstâncias, possibilite alimento, roupas, e abrigo, para todos estes desempregados ; mas eu estou convencido de que algo pode ser feito, dando trabalho àqueles que estão dispostos a trabalhar. Que Deus me ajude, os meios estão prestes a aparecer, pretendo tentar fazer isto; como, onde, e quando, eu explicarei nos próximos capítulos. Tudo aquilo que eu preciso dizer aqui é que, no momento em que um homem ou uma mulher se submetem à disciplina indispensável em toda campanha contra qualquer inimigo formidável, a meu ver, nada pode impedir a realização desse ideal; e o que mais nos anima é o fato da maioria estar, apesar de tudo, ansiosa pelo trabalho. A maioria

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deles efetivamente se desgasta mais na busca desesperada por emprego do que se estivessem trabalhando regularmente, e fazem isto, também, sob a escuridão do desânimo que forja seus corações.

CAPÍTULO 5. NA BEIRA DO ABISMO

Infelizmente, é desnecessário comentar qualquer um desses terríveis depoimentos desses sofredores que desejamos ajudar, eles falam por si mesmos. Durante anos a imprensa esteve abarrotada pelos ecos do «Bitter Cry of Outcast London», com as descrições da «Horrible Glasgow», e daí por diante. Temos vários volumes que descrevem «How the Poor Live» e pressuponho que todos meus leitores estão bem cientes dos traços principais dessa «Mais Negra Inglaterra». Recebo muitos relatórios de meus oficiais que atuam nas favelas, talvez um dia consiga publicar mais detalhes da atual condição social de milhões de desafortunados. Mas não agora. Por enquanto esses relatos descritos são suficientes. Eu abordo esses temas apenas para esclarecer os pontos mais importantes de nossa nova iniciativa.

Eu falei dos pobres sem-teto. Cada um deles está na escala do sofrimento humano, um grau abaixo daqueles que conseguiram alguma forma de abrigo sobre suas cabeças. Uma casa é uma casa, mesmo que seja um pequeno barraco; e é bem tocante a desesperada tenacidade com que o pobre se agarra a essa que parece ser a derradeira trincheira de sua miséria. Há becos imundos, onde a doença pulula febril por toda parte, com cortiços apinhados e fedorentos onde afloram, durante o verão, miríades de animais daninhos, bichos, insetos, vermes, piolhos, pragas, e todo tipo de cafajestes, esperando pela noite para poder atormentar seus tristes ocupantes.

Uma cadeira, um colchão, e algumas tábuas miseráveis constituem toda a mobília do único quarto no qual eles têm que dormir, procriar, e morrer; mas eles se agarram nessas coisas como um homem se agarra em um pedaço de madeira boiando no meio do mar. A cada semana eles excogitam formas de elevar suas rendas, com as quais poderão saldar suas dívidas, e com os nervos de aço de um marinheiro, evitam ser sugados pelas ondas bravias. O surgimento do desemprego e da doença faz com que esses desamparados desabem para a condição de sem-teto. É ruim para um homem solteiro enfrentar a luta pela vida nas ruas e nos asilos para desabrigados. Mas ver-se nas ruas é ainda mais terrível para o homem casado com sua esposa e filhos. Se uma família tem pelo menos um barraco onde passar a noite, ela mantém ainda uma certa estrutura; mas quando ela perde até mesmo isso, aquela única posição segura, nada mais resta senão aquela compaixão cristã, a mão que lhe é oferecida para retirar-se da areia movediça que a puxa para baixo -- sim, para baixo, em direção aos estratos desesperados do crime e do desânimo.

«O coração conhece sua própria amargura mas não intervém imediatamente». Mas de vez em quando ouve-se, bem no fundo, um amargo lamento como o de um forte nadador em sua agonia na medida em que é tragado pela corrente. Pouco tempo atrás um homem respeitável, um químico em Holloway, de cinqüenta anos de idade, diante de um momento de desespero, encurralado contra a parede, tentou o suicídio cortando sua própria garganta. A esposa dele também fez o mesmo, ao mesmo tempo deram estricnina ao seu único filho. O esforço falhou, e eles foram a julgamento por tentativa de assassinato. No Tribunal foi lida uma carta que o pobre infeliz tinha escrito antes de tentar dar cabo à sua vida:--

PREZADO GEORGE -- Já faz doze meses que estou passando por uma vida de grande miséria e privações, e eu realmente não consigo agüentar mais. Estou completamente esgotado, não posso contar nem mesmo com

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parentes que poderiam me ajudar, como meu tio por exemplo. Ele não pôde receber de volta seu dinheiro e ter algum alívio, muito provavelmente logo ele estará no mesmo barco que eu. Ele não quer nem saber se estou passando fome ou não. Apenas #3 -- que para ele significa uma mera picada de pulga -- bastaria para nos levantar, sua fiança e interesse poderiam deixar-me em boa situação por muito tempo. Não agüento mais tanta pobreza e degradação, prefiro morrer a ir para o asilo, É por isso que tomamos essa terrível resolução. Que Deus nos perdoe, mas nós temos, por puro amor e afeição, que levar nosso querido Arty conosco, para que nosso querido filho nunca possa ser esbofeteado, lembrado ou escarnecido pela atitude de seus desesperados pais. Minha pobre esposa faz o que pode para conseguir algum dinheiro, costurando, lavando, cuidando da casa; mas tudo que conseguimos é padecer à beira da fome. Venho trabalhando desde a manhã até à noite, há seis semanas, sem receber nenhum centavo por isso. Como se não bastasse -- isso piorou ainda mais a situação. Nenhuma réstia de luz em parte alguma; nenhum raio de esperança. Que Deus nos perdoe por este pecado odioso, e tenha clemência de nossas almas pecadoras, essa é a oração desse teu miserável irmão, triste, mas amoroso, Arthur. Fizemos de tudo para evitar esse ato ruim, mas não há nenhum raio de esperança. A oração fervorosa não ajudou em nada; nossa sorte está lançada, e temos que acabar logo com isso. Deve ser a vontade de Deus, senão Ele teria encaminhado as coisas de uma maneira diferente. Meu prezado Georgy, estou sumamente arrependido de ter que deixá-lo, mas eu estou furioso -- completamente furioso. Você, tem que tentar nos esquecer, e, se possível, nos perdoar; porque eu não considero o que aconteceu como nossa própria falta. Se você conseguir #3 pela nossa cama isso pagará nosso aluguel, e nossa pouca mobília pode ser o suficiente para pagar um enterro barato. Não se preocupe conosco nem nos siga, porque não somos merecedores de tal consideração. Nosso sacerdote nunca nos procurou nem nos deu o menor consolo, entretanto eu o chamei no mês passado. Ele é pago para pregar, e ele acha que sua responsabilidade termina por ai. Contamos apenas conosco mesmo e com algumas outras pessoas que se preocupam um pouco com a gente, mas você tem que tentar nos perdoar. Esta é a última oração fervorosa desse seu afetuoso mas triste irmão. (Assinado) R. A. O. ----.

Esse é um documento humano autêntico -- um retrato da vida de um entre milhares que se arrastam no fundo do poço. Eles morrem e não deixam nenhum sinal, ou, pior ainda, eles continuam existindo, carregando com eles, ano após ano, as cinzas amargas de uma vida cujo forno do infortúnio queimou toda a alegria, todo o ânimo e toda a força. Quem nunca soube de desesperados que, como Richard O., foram procurar o padre ou o pastor, implorando por uma ajuda que quase nunca vem? Mas não é justo, sem dúvida, que ele culpe o padre e o confortável rico – o que poderiam fazer além de orar e oferecer um bom conselho? Ajudar qualquer Richard O. do ponto de vista financeiro arrastaria até mesmo Rothschild para a sarjeta. Que mais pode ser feito? Alguma coisa precisa ser feita, caso contrário a cristandade será um escárnio diante dos homens que perecem.

Eis aqui outro caso, um caso muito comum que ilustra como o Exército do Desespero é recrutado.

O Sr. T. é sapateiro profissional. Trabalha bem, e ganha de três xelins e seis pences a quatro xelins e seis pences por dia. Mas adoeceu no último Natal, e foi levado para o Hospital de Londres; onde permaneceu internado por três meses. Uma semana depois de sua internação a Sra. T. contraiu febre reumática, e foi levada até a enfermaria de Bethnal Green onde ela permaneceu por aproximadamente três meses. Depois que foram internados, a mobília deles foi vendida para pagar três semanas de aluguel que estavam devendo. Por conseguinte, mesmo convalescentes, já viraram sem-teto. Eles saíram quase ao mesmo tempo. Ele se instalou em uma hospedaria por uma noite ou duas, até que ela saísse. Até então, ele tinha dois pences, e ela tinha seis pences que uma enfermeira tinha lhe dado. Ambos se

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instalaram na hospedaria, mas a situação não estava nada boa para eles. No outro dia ele conseguiu dois xelins e seis pences por um dia de trabalho, e em virtude disto eles alugaram um quarto (para pernoite) a três pences por dia. Trabalhou ainda durante algumas semanas, quando novamente adoeceu, e foi demitido, ficando sem nenhum dinheiro. Penhorou sua camisa e avental por um xelim; que também acabou gastando. Por fim penhorou suas ferramentas por três xelins que, depois de alguns dias, acabou gastando com comida e hospedaria. Agora ele está sem ferramentas e não pode fazer seu próprio trabalho, faz qualquer coisa que pode. Gastou seus últimos dois pences em uma xícara de chá com açúcar. Tudo que puderam comer nos últimos dois dias foi uma fatia de pão com manteiga cada. Estão bem enfraquecidos pela fome.

É a lei do «competitividade», da oferta e da procura, e todo o resto de desculpas pelas quais aqueles que estão em bases firmes tiram o corpo fora enquanto seus irmãos afundam, como é que eles reagiriam diante de um homem se afogando no mar? Seria a «competitividade» o bote salva-vidas? As leis inexoráveis da economia política serão capazes de salvar o marinheiro náufrago diante da agitação das ondas? Essas leis com muita freqüência são responsáveis pelo seu desastre. Esses navios-caixão são um resultado direto da política miserável de não-intervenção nas operações legais do comércio, mas que não efetuam a compensação [N.T. no original make it pay] criando a Instituição do Barco Salva-vidas Nacional, nenhuma lei da oferta e da procura aciona os voluntários que arriscam suas vidas para trazer o náufrago para terra firme.

O que nós temos que fazer é aplicar o mesmo princípio para a sociedade. Nós queremos a Instituição do Barco Salva-vidas Social, uma Brigada do Barco Salva-vidas, para arrebatar do abismo aqueles que, abandonados à sua própria sorte, perecerão tão miseravelmente quanto a tripulação de um navio que afunda no meio do oceano.

O momento que assumimos este trabalho seremos compelidos a voltar nossa atenção seriamente à questão de que é melhor prevenir do que remediar. É mais fácil e mais barato, e em todos os sentidos melhor prevenir a perda de casa que ter que recriar aquela casa. É melhor manter um homem fora do lodo do que deixá-lo desabar primeiro para depois arriscar tirá-lo de lá. Então, qualquer Projeto que tente lidar com a recuperação do perdido deve desenvolver uma variedade infinita de medidas para melhorar a situação de alguns, dos quais falarei mais adiante. Eu só menciono o assunto aqui para que ninguém possa dizer que eu estou cego diante da necessidade de ir mais adiante e de adotar planos mais amplos de operação do que aqueles que adianto neste livro. A renovação de nosso Sistema Social é um trabalho tão vasto que nenhum de nós, nem todos nós reunidos, pode definir todas as medidas que terão que ser implementadas para que atinjamos aquele padrão de vida mínimo do cavalo de carruagem para nossos filhos e para nossos netos. Tudo aquilo que podemos fazer é atacar, com um espírito sério, prático, urgente, o pior e o maior dos males, sabendo que se nós fizermos nosso dever estaremos obedecendo a voz de Deus. Ele é o Capitão de nossa Salvação. Se nós seguirmos Sua direção sem obedecer às ordens de marcha, é desnecessário dizer que Ele estreitará o campo de operações.

Não estou labutando debaixo de nenhuma ilusão sobre a possibilidade de inaugurar o Milênio sob determinada visão social. Na luta pela vida os mais fracos estão em desvantagem, e há tantos fracos. O ajustado, com unhas e dentes, sobreviverá. Tudo aquilo que podemos fazer é flexibilizar o lote de ineptos de forma a tornar o sofrimento deles menos horrível do que é no momento. Por maior que seja nosso esforço jamais conseguiremos dar a uma água-viva uma coluna vertebral. Nenhum apoio externo fará com que determinados homens fiquem eretos. Qualquer ajuda material aos sem só é útil na medida em que desenvolve força moral interior. E alguns homens parecem ter perdido até mesmo a faculdade de ajudar a si mesmos. Há uma imensa falta de bom senso e de energia vital por parte de multidões.

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É contra a Estupidez, em todas suas formas e aspectos, que temos que empreender nossa eterna batalha. Mas como podemos esperar sabedoria por parte daqueles que nunca tiveram qualquer vantagem, quando vemos uma ausência completa desse artigo naqueles que tiveram todas as vantagens?

O que é que podemos esperar de gerações e gerações de mal alimentados e de mal educados, desenvolvendo uma hereditariedade de incapacidade, e quantos milhares de otários vem ao mundo desprovidos, antes mesmo do nascimento, da inteligência média do gênero humano?

Além daqueles que são, por assim dizer, hereditariamente carentes das qualidades necessárias que lhes permita a independência, há o fraco, o inválido, o velho, e o despreparado; e o pior de todos, o desprovido de caráter. Aqueles que têm a melhor reputação, se perderem o ponto de apoio que lhes dá sustentação, encontrarão bastante dificuldade em reencontrar sua posição. O que, então, fazer com homens e mulheres sem nenhum caráter? Quando um mestre escolhe cem homens honestos, é razoável esperar que ele selecione um pobre companheiro com sua reputação manchada? Tudo isso é verdade, e é uma das coisas que torna o problema quase insolúvel. E insolúvel é, eu estou absolutamente convencido, a menos que seja possível trazer nova vida moral à alma destas pessoas. Este deveria ser o primeiro objeto de todo reformador social cujo trabalho só será duradouro se for construído na fundação sólida de um novo nascimento, do apelo «vocês devem nascer novamente».

O que seria necessário fazer para que um homem renascesse? Bastaria calçar-lhe um par de sapatos novos, dar-lhe um trabalho regular, ou até mesmo dar-lhe uma educação Universitária? Não. Todas estas coisas estão do lado de fora do homem, e se o interior permanece inalterado você desperdiçou seu esforço. Você deve de uma maneira ou de outra enxertar na natureza do homem uma natureza nova que traga consigo o elemento do Divino. Tudo aquilo que eu proponho neste livro é governado por esse princípio.

A diferença entre o método que procura regenerar o homem melhorando sua situação e o método que melhora sua situação procurando regenerar o homem, é a diferença entre o método do jardineiro que enxerta um galho de macieira doce na macieira azeda e o método que apenas dependura maçãs doces com barbante na macieira azeda. Mudar a natureza do indivíduo, chegar ao coração, para salvar a alma dele é o único método real e duradouro de torná-lo bom. Em muitos projetos modernos de regeneração social esquece-se de que «quando a alma movimenta o corpo, o chiqueiro fica mais limpo», e diante do risco de ser mal-entendido e falseado, eu tenho que afirmar do modo mais completo que é primária e principalmente por causa da salvação da alma que eu busco a salvação do corpo.

Mas de que adianta pregar o Evangelho a homens cuja atenção está integralmente concentrada em uma furiosa e desesperada luta por manter-se vivo? De que adianta lançar um manual de instruções a um marinheiro náufrago que está lutando contra as ondas que engoliram seus camaradas e ameaçam engolfá-lo? Ele não vai ouvir tua voz. Não, da mesma forma que um homem com a cabeça debaixo d’água não consegue ouvir um sermão, ele não vai conseguir ouvir você. A primeira coisa a fazer é dar um jeito de colocá-lo em terra firme, e dar-lhe uma oportunidade de viver. Então você pode ter uma chance. No momento você não tem nenhuma. E você terá todas as melhores oportunidades para achar um caminho que leve até ao coração dele, se ele descobrir que foi você quem o arrancou da cova horrível e da lama imunda em que ele estava afundando rumo à perdição.

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CAPÍTULO 6. O VÍCIO Há muitos vícios e sete pecados mortais. Mas nos últimos anos muitos desses sete conseguiram passar por virtudes. A Avareza, e o Orgulho, por exemplo; foram rebatizados por competitividade [N.T. no original thrift] e amor-próprio, e se tornaram os anjos da guarda da civilização cristã; de forma que a Inveja é a base na qual muito de nosso sistema competitivo é fundado. Ainda há dois vícios que são tão afortunados, ou desafortunados, que permanecem indisfarçados, que nem mesmo escondem o fato de que são vícios e não virtudes. O primeiro é a Embriaguez; e o outro a Fornicação. O viciado nestes vícios disfarça tão pouco que, até mesmo aqueles que habitualmente o praticam, protestam contra a mera descrição de qualquer deles pelo nome bíblico correto. Por que não dizer prostituição? Por esta razão: prostituição é uma palavra aplicada a apenas um dos dois viciados, o que é lastimável. A palavra Fornicação atinge de forma semelhante a ambos. A palavra prostituição só se aplica à mulher.

Porém, quando nós deixamos de considerar este vício do ponto de vista de moralidade e da religião, e olhamos somente como um fator no problema social, a palavra prostituição é menos censurável. Pois o fardo social deste vício é suportado quase que completamente por mulheres. O pecador masculino não vê a si mesmo, pelo seu mero pecado, em uma situação pior para obter emprego, alugar uma casa, ou até mesmo encontrar uma esposa. Sua transgressão atinge apenas seu bolso, ou, talvez, sua saúde. Seu impudor, exceto em sua relação com a mulher cuja degradação necessita, não conta para os demais membros da sociedade. Esse vício é tão infame para o homem que suas conseqüências têm que ser suportadas quase que exclusivamente pela mulher. A dificuldade de lidar com alcoólicos e meretrizes é quase insuperável. Não há nada que eu repudie tão totalmente, enquanto negação fundamental do princípio essencial da religião cristã, quanto a popular doutrina pseudo-científica de que qualquer homem ou mulher tem salvo conduto pela graça de Deus e pelo poder do Espírito Santo, eu às vezes me inclino ao desespero ao contemplar estas vítimas do Diabo. A doutrina da Hereditariedade e a sugestão da Irresponsabilidade vem restabelecendo perigosamente, em bases científicas, o dogma terrível da Reprovação [N.T. no original Reprobation, o suposto decreto da Providência, referente à condenação dos maus às penas eternas] que lançou tão terrível sombra sobre a Igreja Cristã. Para milhares e milhares destes pobres infelizes, como o Bispo South verdadeiramente disse, «pior que nascer neste mundo é a maldição de viver dentro dele» [N.T. no original «not so much born into this world as damned into it»]. A filha ilegítima de uma meretriz, nascida em um bordel, amamentada com gim, e familiarizada desde a mais tenra idade com todas as bestialidades do deboche, violada antes de completar doze anos, é lançada nas ruas pela própria mãe um ou dois anos depois, que chance terá tal menina neste mundo? -- Eu não digo nada com relação ao próximo. Não estamos diante de um caso excepcional. Há muitos desses casos diferindo apenas nos detalhes, mas que são essencialmente iguais. Com os meninos ocorre coisa quase tão ruim. Há milhares deles que foram procriados quando seus pais estavam embriagados e cujas mães se empanturravam diariamente com álcool durante a gravidez, de tal forma que pode-se dizer que os bebês tomaram gosto pela bebida forte mamando o leite de suas mães, e que estiveram rodeados desde a infância de oportunidades e estímulos ao consumo de bebidas alcoólicas. Seria por acaso que sua constituição é assim tão inclinada à intemperança, e tenha o estímulo da bebida como algo indispensável? Até mesmo quando fazem uma pausa na bebida, a pressão crescente do cansaço e da comida escassa os guia em direção ao copo. O que é que mais pode ser dito acerca destes pobres infelizes, destes escravos nascidos da garrafa, destes predestinados à

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embriaguez desde o útero materno? Ainda assim todos eles são homens; todos eles tem «uma faísca de Deus» dentro deles, conforme dizem os camponeses russos, e que nunca pode ser completamente obscurecida e destruída enquanto viverem, e qualquer projeto social que pretenda ser inclusivo e prático tem que lidar com estes homens. Tem que prover ao alcóolico e à meretriz tanta atenção quanto ao improvidente e ao desempregado. Mas tais coisas bastam?

Vamos abordar a questão do alcoólico, a raiz de todos seus problemas está na dificuldade que ele tem para deixar a bebida. Nove décimos de nossa pobreza, sordidez, vício, e crimes, jorram da torneira desta fonte venenosa. Muitos dos males sociais, que obscurecem a terra, como as upas que sobem nas árvores, encolheriam e morreriam se não fossem constantemente regados com bebida forte. Há uma concordância universal nesse ponto; na realidade, o ponto de vista sobre os males da intemperança é quase tão universal quanto a convicção de que os políticos não farão nada prático para interferir neles. Na Irlanda, o Sr. Justice Fitzgerald disse que naquele país, de cada vinte crimes, o alcoolismo [N.T. no original intemperance] é responsável por dezenove, e que ninguém propõe nenhum Ato de Coerção que lide com esse mal. Na Inglaterra, todos os juizes dizem a mesma coisa. Claro que é um erro assumir que um assassinato, por exemplo, jamais seria cometido por homens sóbrios, porque os assassinos na maioria dos casos preparam seu trabalho mortal com um copo de coragem holandesa. Mas a facilidade que o álcool tem de implementar um reforço à paixão sempre tende, indubitavelmente, a tornar perigosa, e às vezes irresistível, a tentação de violar as leis de Deus e dos homens.

Meras conferências contra o mau hábito não tem, porém, proveito algum. Temos que reconhecer, que o bar, como muitos outros males, embora venenoso, ainda é uma excrescência natural de nossas condições sociais. O boteco em muitos casos é o único salão onde o homem pobre tem o direito de se expressar a vontade. Muitos homens tomam cerveja, não por amor à cerveja, mas por uma apetência natural à luz, calor, companhia, e conforto, que são misturados juntamente com a cerveja, e que ele não pode obter a não ser comprando cerveja. Os reformadores nunca ficarão livres da loja de bebidas até que superem os atrativos subsidiários oferecidos a seus clientes. Então, novamente, nunca podemos esquecer que a tentação de beber é mais forte quando o desejo é mais lancinante e a miséria mais aguda. Um homem bem nutrido não é dirigido à bebida com a apetência que atormenta o faminto; e aquele que vive uma vida cheia de conforto não almeja a benesse do esquecimento. Gim é o único Letes [N.T. no original Lethe: um dos cinco rios do inferno, que representa o esquecimento, o olvido] do miserável. O ar pútrido e venenoso dos aglomerados humanos onde vivem milhares de pessoas amontoadas predispõe um desejo por estimulantes. Na medida em que falta ar fresco, seu oxigênio e seu ozônio, um homem mata seu desejo com álcool. Depois de um tempo o desejo pela bebida se torna uma mania. A vida parece tão insuportável sem álcool como sem comida. É freqüentemente uma doença herdada, sempre desenvolvida pela indulgência, mas é claramente uma doença como oftalmia ou pedra nos rins.

Tudo isso deveria nos predispor à caridade e à condolência. Desde que reconheçamos que a responsabilidade primária sempre tem que recair no indivíduo, podemos insistir com razão que a sociedade, por seus hábitos, suas práticas, e suas leis, engraxa o declive pelo qual estas pobres criaturas deslizam rumo à perdição, e deveria assumir seriamente a responsabilidade pela salvação destas pessoas. Mais ou menos, quantos estariam sob o domínio da bebida forte? As estatísticas abundam, mas elas raramente nos contam aquilo que queremos saber. Sabemos quantas tavernas há na terra, e quantas pessoas a polícia prende por embriaguez durante um ano; mas sabemos muito pouco além disso. Todo o mundo sabe que para cada homem que

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está preso por embriaguez há pelo menos dez e muitas vezes vinte que chegam em casa intoxicados. Em Londres, por exemplo, há 14.000 lojas de bebida, e todos os anos 20.000 pessoas são presas por embriaguez. Mas quem pode por um momento acreditar que o número de alcoólicos eventuais em Londres seja apenas 20.000? Por alcoólico habitual eu não me refiro àquele que está bêbado o tempo todo, mas àquele que está de tal forma sob o domínio desse mau hábito que não consegue evitar de se embebedar cada vez que aparece uma oportunidade.

No Reino Unido há 190.000 tavernas, e todos os anos há 200.000 detidos por embriaguez. Claro que várias destas prisões se referem à mesma pessoa, que continuamente é presa. Não seria assim, se admitíssemos em média seis alcoólicos para cada casa, ou cinco alcóolicos habituais para cada preso por embriaguez, dessa perspectiva chegaríamos a um total de um milhão de adultos que são mais ou menos prisioneiros do taverneiro -- de fato, Isaac Hoyle estima que esse número em 1/12 da população adulta. Esta pode ser uma estimativa excessiva, mas, se considerarmos em meio milhão não seremos acusados de exagero. Destes alguns estão na última fase confirmada de dipsomania; outros estão à beira; mas essa progressão já tende para baixo.

O prejuízo relacionado à manutenção deste enorme exército de meio milhão de homens mais ou menos sempre embriagados, cuja intemperança prejudica sua capacidade de trabalhar, que consome seus salários, e torna suas casas miseráveis, foi por muito tempo um tema bem familiar aos políticos. Mas o que pode ser feito por eles? A abstinência total é indubitavelmente desejável, mas como conseguir que eles sejam totalmente abstinentes? Quando um homem está se afogando no meio do oceano, a coisa mais necessária, sem dúvida, é que ele bote seus pés novamente em terra firme. Mas como ele pode fazer isso? Ele não pode fazer. O mesmo ocorre com os alcoólicos. Para resgatá-los é necessário fazer por eles algo mais do que o que tem sido feito até o momento, a menos, naturalmente, que decidamos permitir que as leis férreas da natureza sigam seu curso de destruição. Nesse caso seria mais misericordioso abreviar a lenta ação da lei natural. Mas não há nenhuma necessidade de estabelecer uma câmara letal para alcoólicos como as que são dirigidas aos cães perdidos de Londres, que serenamente morrem dormindo sob a influência do óxido carbônico. O Estado precisa intervir um pouco mais no que diz respeito à forma como esse veneno se espalha na comunidade. Se, em vez de um luminoso boteco em cada esquina, aberto para quem quiser, fosse distribuído gim gratuito a todos aqueles que chegaram a um certo grau reconhecido de embriagues e delirium tremens, isso logo reduziria nossa população bêbeda a proporções manejáveis. Eu posso imaginar um cínico milionário da escola filantrópica científica liberando o uso do álcool a todos os alcoólicos em um distrito pelo simples expediente de uma mesada ilimitada de álcool. Isso, para nós, está fora de questão. O problema sobre o que fazer com nosso meio milhão de alcoólicos precisa ser resolvido, e é uma das mais difíceis questões enfrentadas pelo reformador social.

A questão das meretrizes é, porém, totalmente insolúvel por métodos ordinários. Nenhuma pessoa que observe para além da superfície deixará de ter a mais profunda simpatia para com estas infelizes.

Alguns há, talvez muitos, que -- seja por paixão herdada ou má educação -- embarcaram deliberadamente na vida do vício, mas com a maioria não ocorre assim. Até mesmo aqueles que deliberada e livremente escolhem adotar a profissão da prostituição, fazem isso sob a tensão de tentações que poucos moralistas parecem perceber. Por mais terrível que este fato seja, sem dúvida não há nenhuma profissão pela qual em pouco tempo uma menina bonita possa ganhar tanto dinheiro, com pequena dificuldade, como na profissão de cortesã. O caso do recente julgamento no tribunal de Lewes, onde a esposa de um oficial do exército admitiu que, vivendo como prostituta recebia até #4.000 por ano, foi indubitavelmente muito

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excepcional. Até mesmo a mais bem sucedida aventureira raramente ganha os proventos de um Ministro de Gabinete. Mas se considerarmos mulheres em profissões e ocupações diversas, o número de mulheres jovens que conseguem #500 em um ano vendendo seu corpo é maior que o número de mulheres de todas as idades que recebem soma semelhante em uma atividade honesta. São bem poucas aquelas que conseguem manter uma alta remuneração, e só conseguem isso durante um tempo muito curto. Mas são essas baixas remunerações em qualquer profissão que atraem a multidão, que não hesita ocupar espaços vagos. Em termos gerais, o vício oferece a toda menina bonita, no desabrochar de sua mocidade e beleza, uma soma em dinheiro que jamais conseguiria ganhar trabalhando em qualquer outra área profissional disponível a ela. O resultado subsequente é a doença, a degradação e a morte, mas estas coisas ela não consegue ver.

A profissão de prostituta é a única ocupação onde a renda máxima é paga ao aprendiz mais novo. É a uma chamada que exige um único esforço, o comodismo; todos os prêmios estão no começo. Trata-se de uma nova personificação da velha fábula da venda da alma para o Diabo. O tentador oferece riqueza, conforto, excitação, mas em troca a vítima tem que vender sua alma, e isso é exato em seus mínimos detalhes. Porém, a natureza humana é míope. Meninas tontas, premidas diante da indústria da incompatibilidade, vêem continuamente essa brilhante isca diante deles. Dizem-lhes que «se fizerem o que as outras fazem», e tiverem sorte, receberão mais dinheiro em uma noite do que em uma semana inteira costurando; e tomam esse passo sem perceber que se trata, em muitos casos, de um caminho sem volta, que irá influenciar o futuro de suas vidas, por que então elas trocam todo o futuro de suas vidas pela torpe chance de obter um ano de vantagens doentias?

A crueza do castigo é inquestionável. Se a premiação é alta no começo, no fim a penalidade é terrível. E esta penalidade é igualmente aplicada àqueles que deliberadamente disseram, «Mal, seja tu meu Bem», e para aqueles que morderam a isca, caíram na cilada, e foram capturados pela vida da morte em vida. Quando você vê uma menina na rua você nunca consegue dizer nada sem primeiro inquirir se ela seria alguma daquelas mais rejeitadas ou mais desprezíveis de seu sexo. Muitas delas acreditam que estão nessa condição por serem dispostas e confiantes, uma confiança nascida da inocência que freqüentemente não desconfia do gigolô e do sedutor. Outras são nada mais que vítimas inocentes do crime, como se tivessem sido apunhaladas ou mutiladas pelo punhal do assassino. Os registros de nossas Casas de Resgate estão cheios desses relatos de vida, como nas cartas abaixo -- que provam de uma forma definitiva a existência de numerosas vítimas inocentes cuja entrada nesta vida sinistra de nenhuma maneira pode ser atribuída a qualquer ato voluntário. Muitas são órfãs ou filhas de mães depravadas, cuja única idéia de filha é ganhar dinheiro vendendo-a como prostituta. Aqui vão alguns casos em nossos registros: --

E. C., 18 anos, filha de um soldado, nasceu no mar. Seu pai morreu, e sua mãe, uma mulher completamente depravada, ajudou bancar a prostituição da filha.

P. S., 20 anos, filha ilegítima. Certa vez foi consultar um médico sobre alguma doença. O médico aproveitou-se do título e tirou vantagem de sua paciente, e quando ela reclamou, ele lhe deu #4 como compensação. Ela gastou o dinheiro, perdeu a reputação, e tornou-se prostituta. Nós procuramos pelo médico, e ele fugiu.

E. A., 17 anos, tornou-se órfã muito cedo, e foi adotada pelo padrinho, que abusou dela quando tinha 10 anos. Uma adolescente vivia com sua mãe em «Dusthole», a região baixa de Woolwich. Esta mulher a forçou prostituir-se nas ruas, e viveu da prostituição de sua filha até o momento em que foi presa. A mãe foi todo o tempo a receptora dos ganhos.

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E., órfã de pai e mãe, ficou sob a tutela da avó, desde pequena. Casou-se com um soldado; mas pouco antes que nascesse seu primeiro filho descobriu que fora enganada, o soldado tinha esposa e família em outra parte do país, acabou abandonada sem amigos e sozinha. Ela pediu ajuda em Workhouse onde ficou por algumas semanas, depois tentou arrumar um emprego honesto. Não conseguiu trabalho, e à beira da fome, passou a freqüentar uma hospedaria em Westminster, «fazendo como as outras meninas». Foi ali que um de nossos tenentes a encontrou e persuadiu-a sair dali e entrar em uma de nossas Casas onde ela deu logo provas abundantes de sua conversão por uma vida completamente mudada. Ela agora trabalha como empregada na família de um sapateiro.

Uma menina foi abandonada na porta de um hospital da cidade depois de uma doença. Órfã, sem-teto, sem amigos, e obrigada a trabalhar para viver. Caminhando pelas ruas e sem saber o que fazer dali prá frente, ela conheceu uma menina, que logo ganhou sua confiança.

«Foi abandonada doente, não tem onde ir, não é?» disse sua nova amiga. «Bem, venha comigo até minha casa; minha mãe vai acolher você, e iremos trabalhar juntas, quando você estiver com saúde.» A menina consentiu alegremente, mas foi conduzida para a zona do meretrício de Woolwich e introduzida em um bordel; não havia nenhuma mãe nesta história. Ela fora enganada. Impotente para resistir, começou a protestar, mas era tarde demais para poder salvar-se, foi forçada a perder sua reputação e entrou em desespero, e permaneceu vivendo a vida de sua falsa amiga.

É totalmente desnecessário detalhar os artifícios que homens e mulheres, cujo sustento depende inteiramente de seu sucesso em desarmar as suspeitas de suas vítimas para conduzi-las rumo a destruição, usam para superar a relutância da menina jovem sem pais, sem amigos, sem ninguém que lhe ajude a enfrentar sua labuta. A fraude não necessita de muitos esforços para conseguir seu intento; e uma menina cujo único erro foi a imprudência, acaba vendo a si mesma como proscrita da vida. A própria inocência de uma menina atua contra ela. Uma mulher mundana, uma vez atraída, usa de toda sua consciência para desvencilhar-se das situações em que se mete. Uma menina perfeitamente virtuosa está muitas vezes tão alheia e distante da vergonha e do horror que estas coisas sugerem que não esboçam qualquer reação para enfrentá-las. Ela aceita sua destruição sem esboçar qualquer reação, e percorre a passos largos o longo e tortuoso caminho «das ruas» rumo à sepultura.

«Não julgue para que não sejas julgado», é uma declaração que se aplica adequadamente a todas estas desafortunadas. Muitas delas teriam escapado desse terrível destino se fossem menos inocentes. Elas estão onde estão porque se abstiveram de calcular todas as conseqüências de seus atos, sem suspeitar nem um pouco do perigo que corriam. E outras estão lá por causa da falsa educação que confunde ignorância com virtude, que lança nossos jovens no meio de uma grande cidade, com todas suas excitações e todas suas tentações, sem qualquer preparo ou advertência como se eles fossem viver no Jardim do Éden.

Qualquer que seja o erro cometido, acabam pagando um preço terrível. Enquanto que o homem que causou a ruína delas passa como membro respeitável de sociedade, casando-se com virtuosas donzelas -- e se for rico -- com as filhas delas. Elas são esmagadas sob as rodas da excomunhão social. Leia este relatório de nossas Casas de Resgate sobre a vida atual destas desafortunadas.

Os cem casos seguintes foram retirados de nosso Registro de Resgate. Os relatos foram feitos pelas próprias meninas. Eles são certamente francas, e deve-se destacar que apenas dois por cento alegam ter saído da pobreza: --

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CAUSA DA RUINABebida 14Sedução 33Livre Escolha 24Má Companhia 27Pobreza 2

Total 100

SITUAÇÃO EM QUE FORAM ENCONTRADASAos trapos 25Famintas 27Bem vestidas 48

Total 100

Vinte e três destas meninas tinham passagem pela polícia. O sofrimento destas meninas é tal que a brevidade de suas vidas miseráveis é a única característica redentora. Se olharmos para a miséria de suas vidas; para sua perpétua intoxicação; para a crueldade a que são submetidas pelos seus gigolôs, amantes ou tiranos; o desânimo, sofrimento e desespero induzidos por estas circunstâncias e ambientes; o estado de profunda desgraça, degradação e pobreza em que elas eventualmente caem; ou a forma feroz com que são tratadas quando adoecem, a condição de não ter amigos, a solidão na morte, devemos admitir que é difícil imaginar coisas mais sinistras para o destino de um ser humano. Vamos analisar cada uma destas coisas.

SAÚDE. -- Esta vida induz loucura, reumatismo, tuberculose, e todas as formas de sífilis. Reumatismo e gota são os males mais comuns. Algumas estavam bem estropiadas por ambas -- embora fossem jovens. A tuberculose se alastra como erva daninha. Esta vida é uma cama quente para o desenvolvimento de qualquer mal adquirido e hereditário [N.T. no original constitutional and hereditary germs]. Encontramos meninas à meia-noite no Piccadilly com hemorragia crônica, sem qualquer outra alternativa de vida, e mesmo assim lutando desta maneira terrível.

BEBIDA.--Esta é uma parte inevitável do negócio. Todas confessam que elas nunca conseguiriam conduzir suas vidas miseráveis se não fosse por sua influência.

Uma menina de nível universitário e que tinha uma casa com todo conforto, mas que caiu em ruína descendo às profundezas de Woolwich «Dusthole», exclamou indignada para nós -- «você acha mesmo que eu poderia fazer isso sem beber? Eu sempre tenho que estar alcoolizada se eu quiser pecar». Nenhuma menina jamais entrou em nossas Casas sem estar em maior ou menor grau viciada em bebida.

TRATAMENTO CRUEL. -- A devoção destas mulheres para com seus tiranos é tão notável quanto a brutalidade dessa tirania é abominável. Provavelmente a causa primária da queda de inúmeras meninas da classe mais baixa, é a grande aspiração delas à dignidade da condição de esposa; -- elas nunca são «alguém» até que elas estejam casadas, e se unirão a qualquer criatura, não importa quão humilhante isso for, na esperança de estar no final das contas

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casadas com ele. Essa devoção, além de sua condição de desamparo pela perda da reputação, faz com que elas sofram crueldades que jamais suportariam se viessem dos inúmeros homens com quem levam a vida.

Uma ilustração disso é o caso de uma menina que trabalhava como empregada doméstica. Ela foi arruinada, e a vergonha fez com que saísse da casa. Durante algum tempo ela vagueou por Woolwich onde encontrou um homem que a persuadiu viver com ele, e por um espaço considerável de tempo ela o manteve, embora ele a tratasse com uma brutalidade extrema.

A menina que mora no quarto ao lado dela freqüentemente ouvia ele bater a cabeça dela contra a parede quando ficava nervoso, e a espancar quando ela trazia menos dinheiro da prostituição do que o habitual. Ele descarregava nela todo tipo de crueldade e abuso, as sevícias aumentaram ainda mais sua miséria, e os maltratos eram tão terríveis que perdeu seu atrativo. Diante disto ele ficou furioso, penhorou todas as roupas dela, deixando-a aos trapos. Uma semana antes dela sair dali ele a moeu de pancada com chutes e pauladas da cabeça aos pés, ela foi levada para a delegacia de polícia em carne viva; mas ela era tão leal ao infeliz que recusou depor contra ele. Ela estava mergulhada em desespero quando nossos Oficiais de Resgate falaram com ela, envolveram seus ombros trêmulos com uma manta, tiraram ela dali e cuidaram dela. Ela estava grávida. O bebê nasceu morto -- uma massa minúscula, informe. Estas coisas são bem comuns.

DESÂNIMO. -- O contínuo estado de desânimo e de desespero em que estas meninas vivem, faz com que elas fiquem bastante desatentas às conseqüências de seus atos, e um grande número delas se suicidam embora nunca se ouça falar. Um policial de West End nos assegurou que o número de prostitutas suicidas era terrivelmente maior do que as pessoas possam imaginar.

NO FUNDO DO POÇO. -- Há um tipo de garotas que se encontra em uma situação ainda mais precária do que a das meninas de Woolwich «Dusthole» -- onde uma de nossas Casas de Resgate da Favela está estabelecida. As mulheres que vivem e tocam seu terrível negócio nos arredores estão em tal estado de degradação que até os mendigos recusam freqüentar suas casas. Os soldados do exército são proibidos de entrar no local, ou percorrer suas ruas, a pena é de vinte e cinco dias de prisão; há placas de aviso bem visíveis nos arredores. As ruas são bem mais limpas que muitos dos quartos que percorremos. Às vezes uma taberna é fechada mais de três ou quatro vezes por dia por medo de perder a licença por causa de rixas terríveis que ocorrem em seu interior. Um policial nunca sai a noite sozinho por aquelas ruas -- um deles morreu há pouco tempo por ter sido ferido ali -- mas nossas duas moças percorrem incólumes e tranqüilas a qualquer hora, passando a noite nas ruas.

As meninas chegam ao fundo do poço «Dusthole» após descer vários graus. Há registros de uma moça que chegou ali muito bem vestida, a última vez que a pobre menina foi vista pelos oficiais foi na enfermaria de um asilo em uma condição miserável. A mais baixa classe de todas são aquelas meninas que dormem nas ruas e chegam ao extremo de literalmente vender seu corpo por um pedaço de pão seco. Sujeira e piolhos abundam de tal forma que pessoas que nunca viram isso jamais terão qualquer idéia. O «Dusthole» é apenas um desses muitos distritos nesta terra altamente civilizada.

DOENÇA, SOLIDÃO, MORTE. -- Sabe-se que estas meninas não são tratadas nos hospitais da mesma forma que os demais pacientes; são tratadas com aversão, e freqüentemente são mandadas embora antes de estarem realmente curadas. Desprezadas devido a suas relações, tem vergonha de serem reconhecidas até mesmo por aqueles que as ajudariam, incapazes de lutar fora das ruas comem o pão da vergonha, há meninas nesta cidade grande literalmente apodrecendo nas sarjetas e nos becos escuros, mantidas pelas velhas companheiras das ruas.

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Muitas delas são totalmente sem amigos, totalmente rejeitadas, que morrem à mingua, abandonadas pelos parentes e amigos. Uma destas veio até nós, adoeceu e morreu, e nós a enterramos, fomos os únicos presentes em seu enterro.

É uma história triste, mas uma história que não deve ser esquecida, porque estas mulheres constituem um exército de um número tão vasto que ninguém pode calcular. Todos os cálculos que possuo parecem puramente imaginários. A estatística oficial aponta entre 60.000 a 80.000. Este número talvez fosse verdadeiro se aplicado a todas as mulheres habitualmente lascivas. Seria um monstruoso exagero aplicar esse número àquelas que ganham dinheiro única e habitualmente prostituindo-se. Porém, estas estatísticas apenas confundem. Teremos que lidar com centenas todos os meses, seja qual for a estimativa adotada. O completo despreparo desta sociedade para qualquer reforma sistemática pode ser visto no fato de que no momento nossas Casas não dão conta de alojar todas as meninas que precisam de nosso auxilio. Elas não tem escapatória, mesmo que queiram, se não houver fundos por meio dos quais possam prover um modo de liberação.

CAPÍTULO 7. OS CRIMINOSOS. Uma seção muito importante dos habitantes da Tenebrosa Inglaterra é a dos criminosos e semi-criminosos. Eles são mais predatórios, no momento são vigiados pela polícia e castigados pelos carcereiros. O número deles não pode ser averiguado com muito grande precisão, mas as estatísticas seguintes foram tomadas dos relatórios prisionais de 1889: --

A classe criminosa da Grã Bretanha é composta por pelo menos 90.000 pessoas, como segue: --

Condenados presos................................ 11.660 pessoas Prisões locais.............. ... ... ... ... ... 20.883 ,, Reformatórios para crianças condenadas ........... 1.270 ,, Escola Industrial para crianças infratoras ...... 21.413 ,, Manicômio Judiciário ................................910 ,, Ladrões em liberdade ............................ 14.747 Receptadores ......................................1.121 ,, Suspeitos ......................... ..............17.042 ,, ------- Total .................................... ........... 89.046 ------- A estatística acima não inclui o grande exército de prostitutas, os guardiães e donos de bordéis, e outros tipos de prostíbulos, sobre os quais o Governo silencia. Porém, este quadro é falho. Na verdade, ele representa apenas os criminosos presos em um determinado dia. A população de presos comuns na Inglaterra e Gales, com exceção daqueles que estão nas penitenciárias, era em 1889 de 15.119, mas o número total de fato de condenados e presos em prisões locais chega a 153.000, dos quais 25.000 são sentenciados em primeira instância; 76.300 deles foram condenados pelo menos 10 vezes. Mas mesmo estimando os números da classe criminosa em não mais que 90.000, dos quais apenas 35.000 estão livres, ainda assim é uma seção da humanidade suficientemente grande para merecer nossa atenção. Estes 90.000 criminosos representam um desastre cujo custo à comunidade é subestimado quando calculamos o custo das prisões, principalmente se acrescentamos a ele o custo integral da polícia. A polícia já tem muitos deveres e a tarefa adicional de vigiar criminosos acaba sobrecarregando os custos totais da polícia distrital. O custo da custódia e manutenção de criminosos, mais as despesas comuns da polícia envolve um desembolso anual de #4.437.000. Isto, porém, é

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pouco comparado com o imposto e o pedágio que esta horda predatória inflige na comunidade em que vivem. A perda causada pelos atuais furtos e roubos deve ser somada à da improdutividade de quase 65.000 adultos. Os dependentes destes adultos criminosos deve ser pelo menos o dobro pelas suas muitas mulheres e crianças, de forma que trata-se provavelmente de uma sub-estimativa dizer que o número de criminosos e semi-criminosos é de apenas 200.000 pessoas, as quais, em sua totalidade, vivem mais ou menos as custas da sociedade.

A cada ano, apenas no distrito metropolitano, das aproximadamente 66.100 pessoas que são presas, cerca de 444 delas estão atrás das grades por tentativa de suicídio -- gente cuja vida tornou-se um fardo insuportável para elas mesmas. A prisão, para parte desta imensa população, significa uma universidade do crime. A existência de criminosos reincidentes de forma alguma se limita à Índia, embora seja aquele o único país onde estas pessoas descrevem com franqueza sua atividade nos relatórios do censo. Constantemente são recrutados do exterior. Em muitos casos são recrutados pela fome. Os pais da Igreja colocaram na lei que um homem que esteja em perigo de morte por fome está autorizado a pegar alimento onde quer que possa encontrá-lo para manter unidos corpo e alma. Tal proposição não faz parte de nossa jurisprudência. O desespero absoluto conduz ao seio da classe criminosa muitos homens que jamais entrariam na categoria de condenados criminosos se houvesse uma provisão adequada para o salvamento daqueles que tendem à ruína. Uma vez caído, as circunstâncias parecem combinar para mantê-lo lá. Assim como os veados feridos e doentios são chifrados até a morte pelos seus companheiros, o infeliz que recebe a pecha de ex-prisioneiro é caçado de seca a Meca, até que ele desiste de tentar recuperar seu prestígio, e passa o resto de seus dias oscilando entre uma prisão e outra. Descreverei a seguir o exemplo de um homem que, depois de tentar em vão arrumar emprego, caiu na tentação de roubar para escapar da fome. Esse ato criou uma seqüela na história daquele homem. Após o roubo ele fugiu, e assim descreve suas experiências:

«Escapar foi fácil. Afastar-se da cena requereu muito pouca habilidade, mas escapar da agonia de ser pego trouxe-me outra. Um olhar direto por parte de um estranho; um passo rápido atrás de mim, provocou-me um frio na espinha. A dor da fome foi resolvida, mas a dor de consciência tornou-se agora clamorosa. Foi fácil escapar das conseqüências terrestres de sua transgressão, mas da transgressão em si -- nunca. Foi a compulsão das circunstâncias que me tornou um criminoso. Não se tratava aqui de vício de caráter ou escolha deliberada, e quão triste é a sociedade que não se envergonha de oferecer a alternativa -- 'Roubo ou Fome', aos seus membros. Mas havia outra alternativa diante de mim -- parar por ali ou seguir em frente na vida do crime. Eu escolhi a anterior. Eu viajei mais de 100 milhas para ficar bem longe da cena do crime, livrar-me da prisão, e curtir da melhor maneira os dias de minha juventude.

«Quantas vezes em minha mocidade, com olhos curiosos, e coração embalado pela empatia da infância, eu vi pobres desamparados de tempos em tempos entrando no mundo do crime. Chegara minha vez. Eu me senti culpado, e para livrar-me dessa culpa tomei uma decisão, ou seja, resolvi confessar meu delito. Ninguém acreditou na história que contei. Pergunta após pergunta, vinha a mesma resposta. 'Por que você resolveu confessar?' 'você é um tolo'. 'Maluco'. 'Mais que tolo, que patife'. 'Você vai sentir muito quando subir na roda' [N.T. no original wheel, provavelmente um instrumento de tortura utilizado nas delegacias]. Estas e outras observações semelhantes eram dirigidas a mim. Uma hora depois um inspetor entra e anuncia o recebimento de um telegrama. 'É isso mesmo. O relato confere.' E virando-se para mim, ele disse, 'você será chamado na segunda-feira', e então fui colocado sob custódia, em uma cela. A porta fechou rangendo em tom severo, para deixar-me em frente do acusador mais clamoroso de todos -- meu próprio eu interior' «Segunda-feira pela manhã, a porta abriu, e um detetive complacente surgiu diante de mim. É inenarrável o que senti quando as algemas

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foram trancadas ao redor de meus pulsos, e fui conduzido até a cidade. Com a denúncia confirmada, passei mais uma noite na cela. Ao romper da manhã fui despertado por um rude e ríspido 'Venha' do carcereiro, e em seguida deparei-me no furgão da prisão, contemplando as fendas do piso e vendo pedras voarem sob meus pés.

«Logo que cheguei ao tribunal fui conduzido a uma enorme cela abarrotada de homens e meninos aguardando o momento de sentar no banco dos réus. Uma a uma daquelas pessoas foram sendo chamadas até que tomei um susto ao ouvir meu próprio nome, foi então que deparei-me tropeçando nos degraus, e depois, sentado no banco dos réus. Que provação terrível foi tudo aquilo. A cerimônia foi breve; 'Tem algo a dizer?' 'não interrompa Sua Excelência prisioneiro! Cale a boca!' 'Um mês de trabalho forçado'. Foi tudo o que eu ouvi, ou de qualquer maneira percebi, até que um vigoroso empurrão lançou-me diante do oficial que registrou a sentença, e então fui encarcerado. É desnecessário estender-me narrando as formalidades da recepção. O tempo que passei no interior do estabelecimento correcional pareceu-me o fim de um pesadelo.

«Renunciei meu nome, foi como se tivesse morrido para mim mesmo. Dali prá frente minha identidade seria 332B.

«Por todas as semanas seguintes parecia que eu estava sonhando. Tinha hora de comer, hora de descansar, hora para tudo, que o relógio marcava com precisão. Às vezes eu achava que minha mente tinha sumido, ela estava por demais sombria, insensível, cansada, para poder funcionar dentro de minha cabeça. As ordens severas dos guardas; a monotonia do capelão na capela; as investigações periódicas do carcereiro chefe ou do diretor -- tudo parecia sem sentido.

«Na medida em que o dia de minha libertação se aproximava, fui assombrado pela horrenda convicção de que as circunstâncias poderiam provocar meu regresso à prisão, passei a pressentir as perspectivas que me aguardavam do lado de fora, mas meus receios aparentemente foram abrandados por minha insensibilidade. No dia de minha libertação, por mais estranho que possa parecer, tive pesar em deixar minha cela. Tornara-se meu lar, e nenhum lar me aguardava do lado de fora.

«Senti-me completamente esmagado; fui envolvido pelo companheirismo de meus desafortunados camaradas prisioneiros que eu via diariamente, não ouviria mais o som daquelas vozes, do lado de fora aquelas amizades estariam mortas, e o companheirismo rompido para sempre, e eu me senti como que banido da sociedade, com a marca de 'pássaro de gaiola' em meu ser, tendo que cobrir minha face e ouvir o clamor 'sujo.' Esses eram meus sentimentos.

«A manhã da soltura chegou, e eu estou mais uma vez nas ruas. Antes de dois dias já estarão esgotados os meios que disponho para cobrir minhas necessidades. Suportaria eu outro trabalho honesto? Começaria tudo de novo? Realmente, eu tentei. Tentei também esquecer o passado, apagar essa passagem escura de minha vida, mas logo vinha aquela pergunta cada vez que procurava por emprego, 'O que tem feito ultimamente?' 'Onde você vive?' Se me esquivasse dessa pergunta causaria dúvida; se respondesse, a única resposta possível seria 'na prisão', e isso anularia minhas chances.

«Tudo isso, no final das contas, parecia uma comédia. Eu me lembro das últimas palavras do capelão quando saí da prisão, frio e preciso em seu ofício, ele me disse: 'Nunca mais volte para cá, lembre-se disso, rapaz'. E agora, com relação a meu sério esforço para evitar voltar para a prisão, a sociedade, por suas ações, proclama, 'Volte para a prisão. Há muitos homens honestos por aí querendo trabalhar conosco, não precisamos de você.' Imagine, se puder, minha condição.

«Após alguns dias, um profundo desespero obscurece todas as

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faculdades da mente e do corpo. Vários dias e várias noites se passam, a comida torna-se cada vez mais escassa, encontrar um lugar para dormir torna-se cada vez mais difícil. Eu perambulo pelas ruas como um cão, mas com uma diferença, o cão tem alguma chance de receber ajuda, eu não. Eu tentei prever quanto tempo duraria até que os dedos da fome estrangulassem minha garganta. Nada mais importa para mim, nem homens, nem Deus. Espero apenas pelo meu fim».

Foi nesse medonho extremo que o narrador acima encontrou um dos nossos Abrigos, e lá encontrou Deus, amigos e ânimo, e mais uma vez colocou seus pés na escada que o resgatou para fora do abismo lúgubre da fome para a competência e o caráter, a utilidade e o céu. Como ele há centenas -- talvez milhares – neste exato momento. Quem dará a estes homens alguma ajuda? O que fazer com eles? Não seria mais misericordioso exterminá-los de uma vez por todas em vez de duramente esmagar o que ainda resta neles de honestidade e de humanidade? A Sociedade coloca-os entre a cruz e a espada. Os virtuosos escrúpulos dessa Sociedade me fazem lembrar o subterfúgio que os legisladores ingleses usaram para abolir o veto à tortura. A tortura foi proibida, mas o costume de interrogar uma obstinada testemunha pressionando-a lentamente até deixá-la à beira da morte nunca deixou de ser praticado. E assim é até hoje. Quando o criminoso sai da prisão o mundo inteiro torna-se muitas vezes um mero rolo compressor que aos poucos, cruelmente, o esmaga. A vítima não consegue escapar mesmo abrindo a boca e falando.

CAPÍTULO 8. AS CRIANÇAS PERDIDAS Há quem duvide da possibilidade de fazer qualquer coisa com os adultos, mas todos concordam que é possível fazer algo pelas crianças. «Eu considero perdida a presente geração», disse um famoso estadista liberal. «Nada pode ser feito com homens e mulheres que cresceram sob as perversas condições atuais. Mas as crianças podem ter alguma chance, minha única esperança repousa nelas. A educação fará muito por elas». Mas infelizmente a situação perversa atual em que as crianças vivem não está mudando para melhor -- na realidade, em muitos aspectos, está piorando. A deterioração de nossa população nas grandes cidades é um dos fatos mais inquestionáveis da economia social. O país é o local de procriação de cidadãos saudáveis. Mas afluem constantemente do interior para as áreas periféricas das grandes cidades [N.T. no original cockneydom, referindo-se aos habitantes dos bairros pobres de Londres] para morrer de fome. Infelizmente o interior do país está sendo despovoado. As cidades, Londres especialmente, estão sendo saturadas por massas de camponeses, e, como resultado, as crianças sofrem gravemente.

Os filhos dos proletários estão em situação mil vezes pior que a dos seus primos nas áreas rurais do país. Enquanto a cada ano aumenta a quantidade de crianças pobres nas cidades, a quantidade de seus primos diminui na área rural. Para criar crianças saudáveis, a primeira coisa mais importante é casa; a segunda leite; a terceira ar fresco; e a quarta é brincar sob o verde das árvores e do azul do céu. Coisas que os filhos dos camponeses possuem, ou usualmente usufruem. A lúgubre vida dos centros urbanos agora se alastra em direção ao campo, e até mesmo no mais remoto distrito rural, ao camponês que cuida do gado, é negado freqüentemente o leite que seus filhos precisam. A demanda regular das grandes cidades barra as reivindicações do camponês. Chá, cerveja, sopas, caldos, tomam o lugar do leite, solapando desde o berço a massa óssea e muscular da próxima geração. Mas mesmo que a criança rural fique total ou quase totalmente privada de leite desnatado, resta ainda muita caminhada ao ar fresco. Ela tem relações humanas saudáveis com seus vizinhos. Ela preserva costumes oriundos do contato com a vida bucólica, o

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vigário, e a fazenda. Ela vive uma vida natural entre pássaros, árvores, as colheitas e os animais dos campos. Ela não é uma mera formiguinha humana, rastejando nos pavimentos de granito de um grande formigueiro urbano, com um sistema nervoso desenvolvido de forma artificial e uma constituição doentia.

Mas, alguém dirá, as crianças hoje em dia tem a inestimável vantagem da Educação. Não; elas não tem. As crianças não são educadas. Elas são moldadas por «padrões» que forçam uma certa familiaridade com o alfabeto, garranchos e números, elas não são educadas no sentido do desenvolvimento de suas capacidades latentes, que os capacitará desempenhar seus deveres na vida. Os jovens são capazes de ler, sem dúvida. Caso contrário, quem compraria «Sixteen String Jack», «Dick Turpin», e daí por diante? Vamos considerar as meninas. Quem pode fingir que as meninas que estão saindo agora das nossas escolas atingiram pelo menos a metade da educação para a vida que as avós delas tiveram na mesma idade? Quantas de todas estas futuras mães sabem como assar um pão ou lavar as roupas delas? Com exceção de cuidar de um bebê -- uma tarefa da qual não podem esquivar-se -- que treinamento doméstico receberam elas para qualificá-las enquanto mães de futuros bebês?

E quanto aos efeitos colaterais da educação, tal qual a recebemos, quanto prejuízo tem trazido! O chorume do monturo humano é despejado na sala de aula e misturado com nossos filhos. Seus filhos, que nunca ouviram uma obscenidade e que são não apenas inocentes, mas ignorantes de todos os horrores do vício e da iniquidade, sentam durante horas lado a lado com pequenos cujos pais estão habitualmente bêbados, e brincam com outros cujas idéias grotescas são granjeadas do espetáculo familiar do deboche noturno onde suas mães vão buscar o pão da família. É bom, sem dúvida, aprender o ABC, mas não é assim tão bom se para adquirir estes rudimentos indispensáveis, seus filhos tenham que aprender também o vocabulário da meretriz e do menino da esquina. Eu só falo do que eu sei, e do que foi trazido até mim na forma de repetidas queixas por meus Oficiais, não há qualquer exagero quando eu digo que o palavreado usado por muitas das crianças de algumas de nossas escolas públicas fariam corar de vergonha até mesmo os habitantes de Sodoma e Gomorra. A inocência infantil é muito bonita; mas essa flor é logo destruída, e é uma surpresa cruel quando uma mãe descobre que aquele menino ternamente criado por ela, ou a filha cuidadosamente guardada por ela, já foram iniciados por um companheiro nos abomináveis mistérios que se escondem na expressão -- casa de má fama.

O lar é amplamente destruído quando a mãe acompanha o pai à fábrica, e quando as horas de trabalho são tão longas que eles não têm nem tempo para ver seus filhos. Vamos tomar por exemplo os motoristas de ônibus de Londres. Quanto tempo dispõem para cumprir diariamente seu dever de pais para com seus filhos pequenos? Como esperar que um homem que permanece dentro de um ônibus de quatorze a dezesseis horas por dia tenha tempo para ser o pai -- em qualquer sentido da palavra -- de seus filhos? Ele não tem qualquer oportunidade de vê-los, exceto quando já estão dormindo. Até mesmo o Sabat, uma instituição sagrada que é uma das grandes âncoras da existência humana, foi usurpado. Muitas das novas indústrias que foram iniciadas ou desenvolvidas desde que eu era menino, ignoram a necessidade que o homem tem de um dia de descanso na semana. A estrada de ferro, o correio, o bonde, todos compelem seus empregados a se contentar com menos que o mínimo divinamente designado para o lazer. Nas zonas rurais os pais vêem seus filhos apenas após o escurecer. Nas cidades o gás e a luz elétrica permitem ao empregador roubar às crianças a totalidade das horas de vigília de seus pais, e em alguns casos também de suas mães. Sob algumas das condições da indústria moderna, as crianças não nascem mais em um lar, elas são desovadas no mundo como peixes, e as conseqüências estão à vista.

O declínio do afeto natural resulta inevitavelmente do fato da relação piscosa substituir a relação humana. Um pai que nunca pega

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uma criança no colo não pode ter um sentido muito agudo das responsabilidades da paternidade. Na pressa e na pressão de nossa vida urbana competitiva, milhares de homens não têm tempo para exercer seu papel de pais. Procriadores, sim; pais, não. Serão necessários muitos professores para compensar essa mudança. Mesmo no caso dessas crianças serem constantemente ocupadas, é previsível o tipo de vida que elas possuirão nas ruas, no tráfico, no roubo, e no meretrício. E o que dizer de todas essas pessoas que tem filhos mas que não tem nem mesmo casa para criá-los? Todos os pássaros em todos os bosques ou campos preparam algum tipo de ninho onde chocam e criam seus filhotes, nem que seja um buraco na areia ou algumas varas cruzadas no arbusto. Mas quantos bebês no meio de nossa gente são chocados antes que qualquer ninho esteja pronto para recebê-los?

Pense nas multidões de crianças nascidas em nossos asilos [N.T. no original workhouses (séc. XVII e XVIII) abrigavam pessoas muito pobres em troca de trabalhos desagradáveis e árduos], crianças das quais pode ser dito que «foram concebidas no pecado e formados na iniqüidade», e, como um castigo dos pecados dos pais, marcados desde o nascimento como bastardos, piores que órfãos, sem-teto, e sem amigos, «malditos em um mundo mau», principalmente quando até mesmo aqueles que tiveram todas as vantagens de uma boa ascendência e que foram cuidadosamente preparados encontram muitas dificuldades para abrir caminho. Às vezes, é verdade, o amor apaixonado da mãe solitária para com seu bebê, que foi o símbolo visível e o resultado terrível de sua ruína, coloca-se entre ele e todos seus inimigos.

Mas pense com que freqüência a mãe considera o advento de seu bebê com repugnância e horror; como a descoberta de que ela está a ponto de se tornar uma mãe a afeta como um pesadelo; e como nada mais que o medo da corda do carrasco a impede de estrangular o bebê na mesma hora de seu nascimento. Que chances têm tal criança? Há muitos casos assim.

Em um certo país que eu não nomearei existe um sistema cientificamente organizado de infanticídio disfarçado sob vestes filantrópicas. Em suas principais cidades existem estabelecimentos gigantescos que abrigam crianças abandonadas pelos pais, todo o conforto e progresso da ciência é provido para crianças abandonadas, resultando em que metade delas morrem. As mães são poupadas do crime. O Estado assume a responsabilidade.

Fazemos algo assim por aqui, mas nossos asilos de enjeitados são a rua, as casas de correção, e a sepultura. Quando um Juiz inglês nos fala, como Mr. Justice Wills fez outro dia, que havia um bom número de pais dispostos a matar seus filhos por algumas libras em dinheiro de seguro, nós podemos fazer alguma idéia dos horrores da existência a que muitas das crianças desse país altamente favorecido são conduzidas desde seu nascimento.

As casas superpovoadas de pobres compelem as crianças a testemunhar tudo. A moralidade sexual freqüentemente não tem nenhum significado para eles. O incesto é tão familiar como os comentários em torno dele. A amarga pobreza do proletariado o compele a deixar suas crianças mal alimentadas. Há poucos quadros mais grotescos na história da civilização do que o da freqüência compulsória das crianças na escola, que desfalecem famintas porque não tomaram nenhum café da manhã, que não sabem se conseguirão um pedaço de pão seco no jantar, mas que tem seu quantum matinal de educação devidamente fornecido. Considerando a forma como essas crianças vivem, sem comida, sem moradia, sem oportunidade para crescer e se desenvolver o melhor podem, sem pais, sem mães, a educação não é exatamente, como você pode pensar, o material mais promissor para a fabricação de futuros cidadãos e monarcas do Império.

Em que, então, se baseia a esperança? Se deixarmos as coisas como estão a nova geração será melhor que as anteriores? A mim parece que a verdade é exatamente o oposto. A criminalidade de nossos rapazes,

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a licenciosidade de nossas meninas, a inabilidade geral da produção caseira diante do produto das fábricas e escolas estão longe de nos tranqüilizar. Nossos jovens nunca aprenderão a obedecer. As gangues briguentas de adolescentes em Lisson Grove, e os bandos de malfeitores de Manchester, são sintomas feios de uma condição social que não melhorará se as coisas continuarem como estão.

É a casa que foi destruída, e com a casa ruíram também as virtudes familiares. É a multidão de sem-teto, nômades, famintos, que está criando uma população indisciplinada, amaldiçoada de nascença com fraqueza hereditária no corpo e falta hereditária no caráter. É perda de tempo esperar resolver essas questões pegando as crianças e atulhando-as em quartéis. Freqüentemente, uma criança conduzida a uma instituição torna-se apenas meio-humana, sem ter nunca conhecido o amor da mãe e o cuidado do pai.

Para homens e mulheres sem-teto, filhos devem ser mais ou menos um fardo. O advento deles é considerado com impaciência, e freqüentemente desviados para o crime. O indesejável bebê é mal cuidado, mal alimentado, com toda chance para morrer. Se nada de útil for feito para que ele aumente suas chances de viver, ele jamais reconstituirá sua Casa.

Entre nós e tal ideal, quão vasto é o abismo! Mas para superá-lo, alguma coisa prática tem que ser feita.

CAPÍTULO 9. NÃO HÁ NENHUMA AJUDA? Àqueles que me acompanharam até aqui afirmo que se é verdade que há muitos desempregados, não é menos verdade que muitos deles dormem no Aterro e em outros lugares. A lei proveu um remédio, se não um remédio, pelo menos um método, uma forma de lidar com estes sofredores, e que o Secretário da Organização de Assistência Social acha que funciona, pelo menos foi o que ele assegurou a um de meus Oficiais que pediu a opinião dele sobre o tema: «Nenhum mecanismo adicional é necessário. Todas as providencias necessárias já foram tomadas e estão funcionando satisfatoriamente, criar qualquer mecanismo adicional traria mais dano que bem».

Agora, quais são esses mecanismos pelos quais a Sociedade, através dos organismos do Estado ou através da iniciativa individual, tenta lidar com esses desterrados? Eu pretendia dedicar um considerável espaço descrevendo essas iniciativas oficiais, e comentar alguns detalhes que impressionaram violentamente minha mente sobre seu fracasso e a causa desse fracasso. Porém, a necessidade de subordinar tudo ao propósito supremo deste livro -- mostrar quanta luz pode ser lançada no coração da Tenebrosa Inglaterra -- me compele abordar este aspecto da questão de uma forma rápida, limitando-me apenas a algumas iniciativas bem intencionadas mas que mais ou menos fracassaram na tentativa de combater este grande e apavorante mal.

A prioridade deve ser dada naturalmente à administração da Lei do Pobre [N.T. no original Poor Law]. Do ponto de vista legal, o Estado aceita a responsabilidade de prover alimento e abrigo para todo homem, mulher, ou criança que estiver totalmente destituído. Porém, esta responsabilidade, na prática, torna-se inviável, senão impossível, pela imposição de condições odiosas e repulsivas àqueles que necessitam de auxílio. No que tange aos métodos que a Lei do Pobre aplica nos ocupantes de asilos ou nos serviços de assistência social ao ar livre, eu não digo nada. Ambos levantam grandes questões que fogem ao meu propósito imediato. Contento-me em indicar

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os limites sob os quais, necessariamente, opera a Lei do Pobre. Nenhum inglês que possua algo está livre da possibilidade de ver seus bens confiscados. Quando um longo e contínuo processo de empobrecimento segue até o fim seu curso macabro. Quando peça por peça todos os artigos da mobília doméstica é vendida ou penhorada. Quando todos os esforços para obter emprego falham. E quando você não tem mais nada exceto a roupa do corpo, então você está habilitado a dirigir-se até o órgão público para solicitar uma vaga no abrigo, gerido de acordo com os infinitas regulamentações das Câmaras Tutelares [N.T. no original Board of Guardians].

Porém, se você não chegou ainda a este grau de desespero, se você não está disposto a trocar sua liberdade por comida, roupa, e refúgio, no Abrigo [N.T. no original Workhouse], se é apenas um desempregado em busca de trabalho, então você tem que ir para o Albergue. Lá você é alojado, baseado no princípio de que sua estadia seja tão desagradável quanto possível para que você nunca mais pense em voltar àquele lugar novamente -- e, naturalmente, por questões econômicas [N.T. no original good deal], como dizem os Economistas Políticos. Mas o que parece totalmente indefensável é a excessiva precaução tomada que torna impossível ao desempregado albergado retomar ao abrigo após passar o dia inteiro a procura de emprego. De acordo com os regulamentos existentes, se você é compelido a buscar refúgio na segunda-feira a noite no Albergue, você é obrigado a lá permanecer pelo menos até quarta-feira pela manhã.

Teoricamente o sistema consiste em que os indivíduos pobres e ocasionalmente desempregados, sem recursos e sem abrigo, possam receber abrigo durante a noite, ceia e café da manhã. Em troca disto, executarão um trabalho por tarefa [N.T. no original task of work. Trabalho manual, cujo pagamento depende de uma taxa padronizada de produção. O trabalhador que não alcança o padrão pode ser demitido ou seu salário pode ser reduzido], não necessariamente em reembolso ao auxílio recebido, mas simplesmente como um teste à sua disposição de viver às próprias custas. O tipo de trabalho fornecido é igual ao determinado a criminosos presos, recolher resíduos e britar pedras. [N.T. no original oakum-picking e stone-breaking]

O trabalho, também, é excessivo comparado ao que é recebido. Quatro libras de oakum é uma grande tarefa para um perito ou para quem tem prática. Um iniciante só consegue realiza-lo com muita dificuldade, muitas vezes não consegue fazer nada. Pedem bem mais do que é exigido dos criminosos presos.

O teste da brita é monstruoso. Exigir que um homem quebre meia tonelada de pedra para poder matar parcialmente sua fome é uma afronta tal que, diante do que ocorre na Rússia ou Sibéria, traria fúria aquela multidão no Exeter Hall, e transformaria os ocupantes do Hyde Park em uma congregação religiosa. Mas pelo fato deste sistema existir bem debaixo de nossos narizes, pouco ligamos para isso. Estas tarefas são exigidas de todos que chegam, famintos, doentes, sem-teto, mendigos descalços e alquebrados, e se não se submetem a isso, a alternativa é a delegacia de polícia e a prisão. O antigo sistema era tão ruim que exigia o pagamento de uma libra de oakum. Após a tarefa ter sido realizada, que geralmente os mantinha trabalhando até a metade do dia seguinte, era impossível sair em busca de trabalho, e eles eram obrigados a passar mais uma noite no local. Porém, a Câmara de Governo Local interferiu, e deram ordens para que o albergado ficasse sob custódia o dia inteiro e por duas noites, a quantia de trabalho exigida dele seria quatro vezes maior. Sob o atual sistema, então, o castigo por buscar abrigar-se das ruas é um dia inteiro e duas noites, com uma tarefa quase impossível que, se não for feita, a vítima está sujeita a ser arrastada até um magistrado e lançado em uma cela como um velhaco e vagabundo, enquanto que no Albergue é submetido a um tratamento semelhante ao de um criminoso. Eles dormem em uma cela com privada após terminarem

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o trabalho, e recebem durante a noite uma libra de sopa de aveia e oito onças de pão, e no outro dia pela manhã o mesmo no café da manhã, com meia libra de oakum e pedras para se ocupar durante todo o dia.

As camas são principalmente do tipo ripas de madeira, as cobertas escassas, e o conforto nulo. É importante lembrar que este é o tratamento a que é submetido o pobre albergado, que passa por um momento difícil, andando de um lado para outro a procura de trabalho.

O tratamento das mulheres é como segue: Cada albergada tem que permanecer no Albergue duas noites e um dia, nesse tempo elas escolhem entre recolher 2 lb. de oakum e a tina de lavar roupa. Se trabalham lavando roupa podem lavar suas próprias roupas, caso contrário não. Se vistas mais de uma vez no mesmo Albergue, elas são detidas por três dias, toda vez que forem vistas, por ordem do inspetor, ou se dormirem duas vezes no mesmo mês o mestre da custódia tem poder para as deter por três dias. Há quatro inspetores que visitam vários Albergues; e cada vez que a albergada for vista em algum albergue visitado anteriormente ela será detida por três dias.

O inspetor, sempre do sexo masculino, visita as custódias de surpresa a qualquer hora, visitando até mesmo enquanto as mulheres estão na cama. Em algumas custódias, as camas são compostas por palha e dois tapetes, em outras por fibra de coco e dois tapetes. As albergadas acordam às 5.45 da manhã e vão para a cama 7 da noite. Se elas não terminarem de escolher o oakum delas antes das 7 da noite, eles ficam até terminar. Se uma albergada não chega à custódia antes de meia noite e meia, ela fica um dia a mais. A forma como isso funciona, porém, pode ser entendida melhor pelas declarações seguintes, feitas por aqueles que estiveram em Albergues, e que podem, então, falar da experiência de como o sistema afeta o indivíduo: --

J. C. conhece muito bem os Albergues. Esteve em St. Giles, Whitechapel, St. George, Paddington, Marylebone, Mile End. Elas variam um pouco nos detalhes, mas normalmente abrem as portas às 6 da manhã; você entra; eles lhe contam o que deve fazer e que se você não faz, será preso. Então você toma banho. Em alguns lugares a água é suja. Três pessoas devem tomar banho na mesma água. Em Whitechapel (estive lá três vezes) a água sempre estava suja; o mesmo em St. George. Nunca pude tomar banho em Mile End; estavam sempre com falta de água. Se você reclama eles não levam em consideração. Então você enrola suas roupas em uma trouxa, e eles lhe dão um camisão. Na maioria dos lugares eles servem sopa aos homens, que têm que ir para cama e comê-la lá. Algumas camas estão em pequenos cubículos; algumas em quartos grandes. Você chega às 6 da manhã e faz a tarefa. A quantia de brita é bem grande; e a colheita de oakum também é pesada. A comida varia. Em St. Giles, a sopa de aveia servida durante a noite é requentada para o café da manhã, e é consequentemente azeda; o pão é inchado, esburacado, e não pesa a quantia do regulamento. O jantar contém apenas 8 onças de pão e 1 e 1/2 onça de queijo, quão tão pouca comida, como qualquer pessoa pode fazer o trabalho dele? Eles lhe darão água para beber desde que você toque a campainha da sela pedindo, isso é, eles lhe dirão que espere, e a trazem meia hora depois. Há um bom número de «aproveitadores» que vão para os Albergues, mas há um grande número de homens que só querem trabalho.

J.D.; idade 25; Londrino; não consegue arrumar emprego, tentou de tudo; foi recusado várias vezes por não ter nenhuma residência fixa; desconfiam de mim por ser «sem-teto». Parece ser uma pessoa decente, de boa índole.

Tomou o equivalente a dois centavos de sopa esta manhã, foi tudo o que comeu durante todo o dia. Ganhou 1s. e 6d. ontem, distribuindo correspondências, não ganhou nada no dia anterior. Hospedou-se

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muitas vezes nos Albergues de Londres. Não gosta nada delas, porque elas o prendem o dia todo, impedindo-o de procurar trabalho.

Não quer abrigo durante o dia, quer trabalhar. Se permanece duas vezes dentro do mesmo Albergue e no mesmo mês, fica detido por quatro dias. Considera a comida definitivamente insuficiente para executar a quantia exigida de trabalho. Se o trabalho não é feito em tempo, você passa 21 dias na cadeia. É mal tratado em alguns lugares, especialmente onde há um superintendente tirano. Passou 21 dias preso por recusar trabalhar por comida tão escassa e inadequada. Não pode apelar para a justiça, o juiz sempre fica do lado do superintendente.

J. S.; biscateiro. Quando tem serviço trabalha como carregador. Recebe cerca de 1s. 2d. por dia. Entregou um par de pacotes ontem, ganhou 5d. por isso; também ganhou um pouco de pão e carne que um trabalhador lhe deu, teve bastante sorte nesse dia. Às vezes passa o dia todo sem comer, como muitos. Dorme no Aterro, e de vez em quando no Albergue. Da última vez estava bem limpa e confortável, mas é obrigado a ficar lá o dia todo; isso significa nenhuma chance de arrumar emprego. Já fui balconista, mas perdi o emprego, e não pude arrumar outro; há muitos balconistas.

Um Mendigo diz: «Eu passei pela maioria dos Albergues de Londres; semana passada fiquei no da Macklin Street, em Drury Lane. Eles o mantêm duas noites e um dia, e mais tempo se eles o reconhecem. Você tem que quebrar 10 cwt. de pedra, ou pegar quatro libras de oakum. Ambos são duros. A cada noite aproximadamente trinta vão para Macklin Street. A comida é uma porção de sopa de aveia e 6 onças de pão no café da manhã; 8 onças pão e 1 e 1/2 onças de queijo no jantar; chá puro como quebra jejum. Nada na janta. Não é suficiente para fazer o trabalho. Então lhe obrigam tomar banho, naturalmente; às vezes três tomam banho na mesma água, e se você reclama que eles se tornam odientos, e perguntam se você veio de algum palácio. Já passei pela Mitcham Workhouse; a bóia é boa; uma porção e meia de sopa de aveia e 8 onças de pão no café da manhã, o mesmo na janta».

F.K. W.; padeiro. Foi carregador hoje, ganhou um xelim, trabalhou das 9 da manhã às 5 da tarde. Está na rua há seis anos. Trabalhava em uma padaria, mas teve derrame, e não pode ficar em local muito quente. Passou por todos os Albergues da Inglaterra. Eles tratam as pessoas de uma maneira bem cruel. O trabalho também é pesado demais. E inadequado. Fraco demais para poder fazer qualquer trabalho, procurou o Sindicato de Peckham (conhecido como Camberwell), que apelou para o juiz, o qual, como sempre, ficou do lado dos funcionários. Diante do juiz, disse-lhe que ele não compreendia seu trabalho; resultado, ficou três dias na prisão. Passou sete noites sucessivas no Aterro antes de procurar qualquer Albergue.

O resultado da política deliberada de tornar o pernoite do trabalhador desempregado tão desagradável quanto possível, e de fazer o máximo para impedi-lo de procurar trabalho no dia seguinte, busca, sem dúvida, minimizar o número de albergados, e tem sucesso nessa empreitada. Em toda Londres o número de albergados nas custódias durante a noite é de apenas 1.136. Quer dizer, as condições que são impostas são tão severas, que a maioria dos sem-trabalho prefere dormir ao ar livre sob o inclemente e instável clima inglês, do que passar pela experiência do Albergue.

Parece-me que aqueles que vivem em meio à constante angústia não apenas conhecem obstáculos como procuram evitá-los. É óbvio que um aparato que provê pernoite para apenas 1.136 pessoas não pode absolutamente lidar com o grande número de sem-teto e sem-trabalho. Mesmo se por algum milagre pudéssemos usar os Albergues como meio de prover abrigo para todos aqueles que diariamente procuram trabalho, resgatando-os das sarjetas e do chão do Aterro, isso não provocaria absolutamente qualquer efeito apreciável na massa da miséria humana

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com a qual temos que lidar. Por isto; a instituição dos Albergues é mecânica, superficial, e formal. Cada albergado significa para o Chefe do Albergue um mero albergado e nada mais. Nunca houve qualquer tentativa de prover mais do que o meramente indispensável para a existência. Nunca houve qualquer tentativa de tratá-los como seres humanos, de lidar com eles como indivíduos, de atrair seus corações, de ajudá-los a caminhar pelas suas próprias pernas, novamente. São tratados como números, são pensados e cuidados como grãos de café que serão moídos pela máquina; como resultado líquido de toda minha experiência e observação de homens e de coisas, eu afirmo sem qualquer hesitação que qualquer coisa que desumaniza o indivíduo, qualquer coisa que trata um homem como se ele fosse um número de uma série de números, ou um dente de engrenagem de uma roda, sem qualquer consideração para o caráter, as aspirações, as tentações, e as idiossincrasias do homem, têm que falhar totalmente enquanto agência terapêutica. O Albergue, na melhor das hipóteses, não passa de um lugar imundo e miserável desenhado para o albergado que desce rumo ao fundo do poço. Se alguma coisa precisa ser feita em benefício desses homens, precisa ser feita por agentes diferentes desses que prevalecem na administração da Leis dos Pobres.

O segundo método pelo qual a sociedade se empenha em fazer seu dever às massas proscritas da Sociedade é pelos esforços diversos e heterogêneos que se unem sob a égide da Caridade. Longe de mim dizer qualquer palavra depreciativa contra qualquer esforço incitado pelo desejo sincero de aliviar a miséria desse nosso povo, mas os mais caridosos são aqueles que mais lamentam o fracasso absoluto que tem, até agora, frustrado todos seus esforços em fazer mais do que adiar o sofrimento por um curto período de tempo, ou efetuar uma melhoria ocasional na condição do indivíduo.

Há muitas instituições, de certa forma excelentes, sem as quais é difícil imaginar como a sociedade poderia avançar, mas mesmo quando elas fazem o melhor que podem ainda assim permanece esta grande e apavorante massa de miséria humana em nossas mãos, um perfeito pântano de Merda Humana. Eles podem tirar com uma concha um indivíduo aqui e outro ali, mas escoar o pântano inteiro é um esforço que parece estar além da imaginação da maioria daqueles que dedicam suas vidas ao trabalho filantrópico. É indubitavelmente melhor do que nada pegar o indivíduo e alimentá-lo dia após dia, colocar bandagem em cima das feridas dele e curar suas doenças; mas você fará isso para sempre, se você não fizer mais que isso; e o pior disto é que todas as autoridades concordam que se você apenas faz aquilo que deseja provavelmente aumentará o mal com o qual está tentando lidar, e que fará muito melhor se não interferir.

No momento, não há nenhuma tentativa de uma Ação Combinada. Cada um trata imediatamente do caso que julga prioritário, e o resultado não poderia ser outro; há uma grande despesa, mas os ganhos são, ai! muito pequenos. Porém, o fato de haver tantos recursos direcionados ao alívio temporário e ao mero consolo da angústia justifica minha confiança de que se descobríssemos um Esquema Prático compreensivo de lidar com a miséria de um modo permanente, inclusivo e transparente, não haveria nenhuma falta de fundos para conseguir as armas necessárias e os suprimentos dessa guerra. Às vezes é bom, sem dúvida, administrar um anestésico, mas a Cura do Paciente vale muitíssimo mais, e essa cura é o objeto que constantemente temos que fixar diante de nós ao abordar este problema.

O terceiro método pelo qual a Sociedade professa tentar a recuperação do perdido é pela rude cirurgia, o método cruel da prisão. Apenas sobre este tema poder-se-ia escrever todo um tratado, mas ao cabo não seria outra coisa senão uma demonstração de que, em termos práticos, nosso sistema prisional perdeu seu propósito, e que, em sua totalidade, o sistema penal perdeu sua essência primordial. O sistema prisional não é Corretivo, não funciona como se pretendesse corrigir. É punitivo, e apenas punitivo. O sistema [N.T. no original administration] precisa ser integralmente

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reformado desde o topo para ajustar-se ao seu princípio fundamental, ou seja, se todo prisioneiro deve sujeitar-se a essa forma de castigo é para enfatizar devidamente o significado de seu crime tanto para ele como para a sociedade, o objetivo principal deveria ser despertar em sua mente o desejo de proceder uma vida honesta; e efetuar uma mudança em sua disposição e caráter que transforme seu desejo em sua prática. No momento, toda Prisão é, em maior ou menor grau, uma Escola de Treinamento para Crime, uma porta de entrada para a sociedade do crime, a petrificação de qualquer indício de sentimento humano, uma verdadeira Bastilha do Desespero. A marca da prisão é ferreteada naqueles que entram, e tão profundamente, que parece um estigma para toda a vida. Ser preso, em muitos casos, significa um breve e quase certo retorno. Tudo isso tem que ser mudado, e será, quando o processo de Reforma Prisional cair nas mãos de homens que entendam do assunto, que acreditam na mudança da natureza humana por mais depravada que ela possa ser, e que tenham uma completa simpatia com aquela classe em cujo benefício trabalham; e quando as pessoas diretamente responsáveis pelo cuidado de criminosos busquem desenvolver, com o mesmo espírito, a regeneração daquela gente.

A questão da Reforma Prisional é de suma importância porque é apenas mediante a Prisão que a Sociedade tenta lidar com a questão social [N.T. no original: hopeless cases]. Se uma mulher, tomada por uma furiosa vergonha, atira-se no rio, e é resgatada viva, nós a trancafiamos na Prisão por tentativa de suicídio. Se um homem, desesperado por trabalho e alquebrado pela fome, suplica por comida, nós o trancafiamos na Prisão por vadiagem. A rude e ligeira cirurgia com que lidamos com nossos pacientes sociais recorda o método simples dos médicos primitivos. A tradição ainda prevalece na velha geração de médicos que prescrevem a sangria para todo tipo de doença, e entre guardiães de manicômios cuja única idéia de auxiliar um demente é submeter o corpo a uma camisa-de-força. A ciência moderna ri com desprezo destes «remédios» simples de uma era pouco científica, e declara que eles eram, na maioria dos casos, os meios mais eficazes de agravar a doença que pretendem curar. Mas no que tange aos males sociais estamos ainda na idade da sangria e da camisa-de-força. A prisão é o remédio que prescrevemos para o Desespero. Quando tudo o mais falha a Sociedade sempre trata de alimentar, vestir, aquecer, e abrigar um homem, desde que ele cometa um crime. E faz isso não enquanto ajuda temporária, mas enquanto necessidade permanente.

A Sociedade diz ao indivíduo: «Deseja bóia e alojamento grátis? Então cometa um crime. Mas se você fizer isso terá que pagar o preço. Deve autorizar-me a arruinar seu caráter, e a condená-lo à privação pelo resto de sua vida, um estado que pode ser alterado apenas por ocasionais sucessos na criminalidade. Você estará aos Cuidados do Estado, mas para isso é necessário que o sentenciemos a um inferno temporal do qual nunca mais escapará, e no qual você sempre será um ônus aos nossos recursos, uma fonte constante de ansiedade, e um incômodo à sociedade [N.T. no original: authorities]. Eu te alimento, pode ter certeza disso, mas em troca você tem que deixar que eu acabe com você». Certamente esta não deve ser a última palavra da Sociedade Civilizada.

«Claro que não», dirão outros. «A emigração é o verdadeiro remédio. As terras incultas do mundo estão clamando em alta voz pelo uso da mão-de-obra excedente. A emigração é a panacéia». Não faço nenhuma objeção à emigração. Só um lunático criminoso poderia contestar seriamente à transferência do favelado esfomeado de um barraco superlotado -- onde não pode nem mesmo obter uma quantidade suficiente de batatas podres para entorpecer a dor da fome que lacera seu corpo, e onde é tentado a deixar seu filho morrer por causa do dinheiro do seguro -- para uma terra que emana leite e mel, onde possa comer carne três vezes por dia e onde a riqueza de um homem são seus filhos. Mas da mesma forma que espera ver crescer e prosperar uma criança nua recém-nascida deixada em meio aos viçosos campos na primavera, espera também que a emigração produza

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resultados prósperos na medida de algum sacrifício. A criança, sem dúvida, tem dentro de si capacidades latentes que, pela ação dos anos e do treinamento, lhe permitem colher o fruto da terra fértil, quando o campo viçoso é forrado pelos grãos dourados de agosto. Mas este prodígio não significa que a criança poderá aplacar sua fome no solo gélido da fria primavera. O mesmo ocorre com a emigração. É simplesmente criminoso levar uma multidão de mulheres e homens desamparados, despreparados e sem dinheiro à orla de algum novo continente. O resultado de tal procedimento pode ser visto nas cidades americanas; na degradação de suas favelas, e no perverso desespero de milhares que, em sua própria terra, carecem de uma vida decente e industriosa.

Alguns meses atrás, em Paramatta, New South Wales, um jovem que emigrara na perspectiva de tentar a sorte, acabou sem teto, sem amigos, e sem dinheiro. Ele era balconista. Eles não precisavam de mais balconistas em Paramatta. O comércio era sombrio, o emprego escasso, até mesmo para mãos treinadas. Ele continuou buscando trabalho, dia após dia, e não encontrou nenhum. Foi quando acabou todo o dinheiro que possuía. Ele passou o dia todo sem comer; à noite dormiu como pôde. Ao amanhecer entrou em pânico. Mais um dia sem comida. Veio a noite. Não conseguiu dormir. Ele vagou agoniado. Por fim, por volta da meia-noite, teve uma idéia. Pegou um tijolo, caminhou deliberadamente até a janela de uma joalheria, e arrebentou a vidraça. Ele não tentou roubar nada: Ele apenas estilhaçou a vidraça para depois sentar-se na calçada em baixo da janela, e esperar a chegada da polícia. Ele esperou algumas horas; até que afinal a polícia chegou. Ele se entregou, e foi preso. «Agora pelo menos terei o que comer», pensou. Ele tinha razão. Ele foi condenado a um ano prisão, e desde então está preso. Toda manhã ele recebe suas rações, e agora é protegido, vestido e cuidado às custas de taxas e impostos. Ele está aos Cuidados do Estado, é portanto, um condenado pela sociedade. A emigração, por si só, em vez de trazer a cura, às vezes nos lança novamente atrás das grades.

Emigração, sem dúvida. Mas quem é você para emigrar? E estas meninas que não sabem nem mesmo cozinhar? E estes rapazes que nunca manejaram uma pá? E para onde pretende emigra-los? Ou pretende fazer das Colônias um aterro sanitário de refugo humano? Lá os colonos terão algo importante a dizer? Onde há colonos? Onde não há? Como é que você irá alimentar, vestir, e ocupar seus emigrantes no ermo despovoado? Emigração é, sem dúvida, fazer uma colônia, como se faz pão. Mas se você empanturrar a barriga de alguém com trigo usando uma bomba de compressão ele terá tamanha indigestão que, se sua vítima não vomitar logo a massa indigerível, crua, de grãos não mastigados, ele nunca mais vai precisar de outra refeição. Assim ocorre com as novas colônias e com a mão-de-obra excedente de outros países.

A Emigração não é em si mesma uma panacéia. E a Educação é? Em certo sentido pode ser, se Educação significa o desenvolvimento no homem de todas suas capacidades latentes para seu aperfeiçoamento, ela pode curar tudo e qualquer coisa. Mas essa Educação a que os homens se referem quando usam o termo, é mera instrução. Ninguém exceto um tolo diria uma palavra contra o ensino escolar. Por todos os meios deixe-nos ter nossas crianças educadas. Mas quando passamos pela Escola-Giz-Quadro-Negro [N.T. no original: Board School Mill] temos suficiente experiência para constatar que ela não desenvolve seres renovados e regenerados, um advento esperado daqueles que passam o Certificado de Formatura [N.T. no original: Educational Act]. Os malfeitores [N.T. no original: «scuttlers»] que esfaqueiam pessoas inofensivas em Lancashire, as gangues briguentas do Oeste de Londres, pertencem à geração que desfrutou a vantagem da Educação Compulsória. Educação do tipo aprendendo-pelos-livros, e instrução-giz-quadro-negro [N.T. no original schooling] não resolverão a dificuldade. Ela ajuda, sem dúvida. Mas em alguns aspectos agrava a situação. A escola comum lotada de filhos de ladrões, meretrizes e alcoólicos, que sentam lado a lado com nossas

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crianças, freqüentemente não é, de forma alguma, um templo de todas as virtudes. Às vezes é uma universidade de todos os vícios. A má qualidade moral contamina a boa qualidade moral [N.T. no original the bad infect the good], e seu garotinho e garotinha retornam da escola fedendo má companhia, familiarizados com a obscenidade mais torpe da favela. Outro grande mal é até que ponto nossa Educação pretende abarrotar o mercado de trabalho com escriturários, balconistas e caixas, e fomentar em nossos jovens a aversão pelo trabalho físico [N.T. no original: sturdy labour]. Muitos dos casos mais desesperadores em nossos Abrigos são homens de considerável educação. Nossas escolas ajudam permitir que um homem faminto conte a história dele em uma linguagem mais culta do que o pai dele poderia ter empregado, mas não o alimentam, nem lhe ensinam onde e como buscar alimento. Assim, longe de fazer isso, eles aumentam sua tendência por vaguear por canais onde a comida é menos segura, porque o emprego é incerto, e o mercado saturado.

«Tente o Sindicalismo», dizem alguns, e o conselho deles é amplamente seguido. Há muitas e grandes vantagens no Sindicalismo. A fábula dos galhos secos se encaixa perfeitamente [N.E. naturalmente é mais difícil quebrar um feixe de galhos do que um galho isolado].

Uma imensa quantidade de trabalhadores se reúne em organizações voluntárias, criadas e administradas por eles mesmos para a proteção de seus próprios interesses, as melhores delas -- de uma forma ou de outra -- visam não apenas seus próprios interesses, mas os interesses de todos os outros setores da comunidade. Mas podemos confiar nesta atividade enquanto meio de resolver os problemas que enfrentamos? O Sindicalismo permaneceu invicto por toda uma geração. Já faz vinte anos desde que liberou-se de todos os impedimentos legais que o amarravam. Mas não incluiu a terra. Não organizou toda mão-de-obra especializada. A mão-de-obra não especializada permaneceu quase intacta. No Congresso de Liverpool apenas um milhão e meio de trabalhadores foram representados. As mulheres foram quase que completamente colocadas do lado de fora. Os Sindicatos representam apenas uma fração das classes trabalhadoras, e são, pela sua própria constituição, incapazes de lidar com aqueles que não pertencem ao seu organismo. Que base pode haver, então, na esperança de que o Sindicalismo resolva por si mesmo as dificuldades? Os Sindicalistas mais experientes são os primeiros a admitir que qualquer projeto que trate adequadamente os sem-trabalho e outros dependurados nas saias deles -- que compõem o núcleo fundamental dos fura-greves -- é estorvado de todas as maneiras e por toda parte por essas mesmas pessoas, que seriam os maiores beneficiários do Sindicalismo. O mesmo pode ser dito do Cooperativismo. Pessoalmente, eu sou um forte adepto do Cooperativismo, mas deve ser um Cooperativismo baseado no espírito da benevolência. Eu não vejo qualquer possibilidade de ajuste pacífico das relações sociais e econômicas entre as classes neste país, exceto pela substituição gradual do atual sistema de salários por associações cooperativas [N.T. no original: I don't see how any pacific re-adjustment of the social and economic relations between classes in this country can be effected except by the gradual substitution of cooperative associations for the present wages system]. Como você verá nos capítulos subseqüentes, longe de mim colocar qualquer coisa em minhas propostas que milite de qualquer forma contra a completa adoção da solução cooperativa dessa questão, eu olho a Cooperação como um dos principais elementos de esperança no futuro. Mas não estamos aqui para lidar com o futuro longínquo, mas com o presente imediato, e para os males que enfrentamos agora, as atuais organizações cooperativas não dão nem podem dar muita ajuda.

Outra coisa -- eu não gosto de chamar isso de remédio; é apenas um nome, um mero arremedo de remédio -- que chama minha atenção ao discutir a questão social é a Frugalidade. Sem dúvida a Frugalidade é uma grande virtude. Mas de que forma a Frugalidade pode beneficiar aqueles que não têm nada? O que significa o evangelho da Frugalidade para um homem que não teve nada para comer ontem, e que hoje não tem

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três pences para pagar um quarto para passar a noite? Passar um dia de privações é bastante difícil, mas nem o mais bem sucedido economista político de todos os tempos conseguiria economizar qualquer coisa em cima disso. Eu admito sem hesitação que qualquer Projeto que debilite o incentivo à Frugalidade é um Projeto ruim.

Mas é um engano imaginar que a desgraça social seja um incentivo a Frugalidade. Ela opera menos onde sua força deveria ser maior sentida. Seja qual for o Projeto que possamos inventar, é improvável que ele diminua apreciavelmente a influencia restringente que leva um homem a economizar. Mas é uma grande perda de tempo argumentar tratar-se de uma desculpa para a inação. A Frugalidade é uma grande virtude, o ato de inculcá-la constantemente deve ser mantido à vista por todos aqueles que tentam «educar e salvar pessoas». Em si mesma, não faz qualquer sentido específico para a salvação do proscrito e do arruinado. Mesmo entre os pobres mais miseráveis, um homem precisa ter algum objetivo e algum ânimo antes que resolva guardar meio penny. «Comamos e bebamos, pois amanhã morreremos», essa é a filosofia daqueles que não tem qualquer esperança. Mesmo o campônio esbanjador francês é resolutamente capaz de subordinar a tentação de comer e beber às reivindicações superiores, como juntar um dote para a filha, ou adquirir de um pouco mais de terra para o filho.

Quanto aos projetos daqueles que propõem trazer um novo céu e uma nova terra pela distribuição mais científica de peças de ouro e prata nos bolsos das calças do gênero humano, eu não preciso dizer qualquer coisa aqui. Eles podem ser bons ou não. Eu não descarto qualquer atalho para o Milênio que seja compatível com os Dez Mandamentos. Simpatizo intensamente com as aspirações que dão origem aos sonhos Socialistas. Seja o Imposto Único de Henry George nos Valores de Terra, ou o Nacionalismo de Edward Bellamy, ou os projetos mais elaborados dos Coletivistas, minha atitude para cada um deles é a mesma. O que esta boa gente quer fazer, eu também quero fazer. Mas eu sou um homem prático, na medida em que lido com a realidade de hoje. Eu não tenho nenhuma teoria preconcebida, e me lisonjeio de ser singularmente livre de preconceitos. Eu estou pronto para ouvir qualquer um que mostre qualquer coisa boa. Eu mantenho minha mente aberta a todos estes assuntos; e está bem preparada para saudar com braços abertos qualquer Utopia que me seja oferecida. Mas deve estar ao alcance de minha mão. Para mim é inútil se estiver nas nuvens. Eu aceito alegremente os cheques do Banco do Futuro desde que sejam dados de graça, mas não espere que eu os aceite como moeda corrente, ou tente descontá-los no Banco da Inglaterra.

Talvez nada fique permanentemente direito até que tudo seja virado de cabeça para baixo. Há certamente tantas coisas que precisam ser transformadas, começando pelo coração de cada homem e mulher individualmente, que eu não discuto com nenhum Visionário quando, em seu intenso desejo pela melhoria da condição do gênero humano, ele coloca suas teorias sobre a necessidade de uma mudança radical, por mais impraticáveis que elas possam parecer-me. Mas esta é a questão.

Aqui em nossos Abrigos ontem à noite havia mil famintos, gente sem-trabalho. Quer saber o que fazer com eles? Aqui está John Jones, um trabalhador robusto, corpulento, em trapos, que há um mês não sabe o que é uma refeição decente, que procura por um trabalho que lhe permita manter corpo e alma juntos, e procura em vão. Lá está ele em seu faminto estado andrajoso, buscando um trabalho que lhe permita viver, e não morrer completamente de fome no meio da cidade mais rica no mundo. O que fazer com John Jones?

O individualista me fala que o livre exercício das Leis Naturais que governam a luta pela existência resultará na Sobrevivência do Mais Apto, e que no curso de algumas eras, mais ou menos, surgirá um tipo muito mais nobre. Mas enquanto isso o que será de John Jones? O Socialista me diz que a grande Revolução Social está despontando magnífica no horizonte. Quando o bom tempo chegar, quando as

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riquezas forem redistribuídas e a propriedade privada abolida, todos os estômagos serão fartos e não haverá mais nenhum John Jones impaciente implorando por uma oportunidade de emprego para não morrer de fome. Pode ser assim, mas enquanto isso não ocorre, aqui está o John Jones, mais impaciente do que nunca porque sua fome aumenta, ele deseja saber se terá que esperar pela chegada da Revolução para poder comer. Mas o que é que temos a ver com esse John Jones? Esta é a questão. E para a solução dessa questão nenhum dos Utópicos me proporciona muita ajuda. Em termos práticos estes sonhadores estão entre aqueles que despejam condenação em cima dos religiosos convencionais que se furtam de toda responsabilidade pelo bem-estar dos pobres dizendo que no próximo mundo tudo estará bem.

Esta hipocrisia religiosa, que se liberta de todo incômodo do sofrimento humano sacando títulos inegociáveis pagáveis no outro lado da sepultura, é tão impraticável como o papo furado Socialista que posterga toda alívio ao sofrimento humano para depois da virada geral. Ambos buscam refúgio no Futuro para fugir de uma solução dos problemas no Presente, e pouco importa aos sofredores se o Futuro está deste ou do outro lado da sepultura. Ambos estão, para eles, igualmente fora de alcance.

Quando o céu cair pegaremos cotovias. Sem dúvida. Mas o que fazer enquanto isso não acontece?

É nesse meio tempo, enquanto isso não acontece -- que está o único tempo no qual temos que trabalhar. É nesse meio tempo que as pessoas devem ser alimentadas, que o trabalho da vida deve ser feito ou desfeito para sempre. Nada que eu proponho neste livro, ou que eu faça por meu Projeto, irá de forma alguma frustrar a chegada de qualquer uma dessas Utopias. Eu deixo o infinito sem limites do Futuro ao Utópicos. Eles podem construí-lo da forma que quiserem. No que me diz respeito, é indispensável que tudo aquilo que eu faço esteja baseado em fato existente, e proporcione uma intervenção presente a uma necessidade atual.

Há apenas uma classe ou homens que têm motivos para se opor às propostas que eu estou demonstrando. São aqueles, se é que existem, que estão determinados a provocar de uma forma ou de outra uma sangrenta e violenta destruição de todas as instituições existentes. Eles se oporão ao Projeto, e agirão logicamente ao fazerem isso. Pois a única esperança desses que são os artífices da Revolução é a massa de inquietos descontentes e miseráveis que vivem no coração do sistema social. Acreditam honestamente que as coisas têm que ficar piores antes de melhorarem, eles constróem todas suas esperanças na destruição geral, e eles se ressentem de qualquer tentativa de redução da miséria humana como um adiamento indefinido da realização dos seus sonhos.

O Exército da Revolução é recrutado pelos Soldados do Desespero. Portanto, abaixo de qualquer Projeto que dê Esperança aos homens. Na medida em que tem sucesso, reduz nossa base de recrutamento e reforça as fileiras de nossos Inimigos. Tal oposição adicionará, e será utilizada como o melhor de todos os tributos, valor ao nosso trabalho. Aqueles que contam com a violência e a matança são muito poucos para impedir-nos, e sua oposição apenas aumentará nosso impulso. Eu espero e acredito que este Projeto no final das contas será capaz de sobrepujar toda a dissensão, e alcançar, com a bênção de Deus, aquela medida de sucesso que eu verdadeiramente anseio obter.

PARTE 2. -- LIBERTAÇÃO. CAPÍTULO 1. UM EMPREENDIMENTO FORMIDÁVEL.

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Este é, pois, o resultado de nossa breve e ligeira pesquisa sobre a Tenebrosa Inglaterra. Quanto àqueles que estiveram no coração da floresta encantada onde vagam as tribos dos Perdidos pelo desespero, sou o primeiro a admitir que de maneira alguma exagerei em seus horrores, e a maioria afirmará que eu subestimei o número de seus habitantes. Realmente, esforcei-me escrupulosamente em manter minhas estimativas da amplitude do mal dentro do limite da sobriedade. Em um empreendimento como esse que estou entrando, a pior coisa que poderia me ocorrer seria a acusação de sensacionalismo ou exagero. A maior parte dos dados em que me baseei foram retirados diretamente das estatísticas oficiais fornecidas pelos Relatórios Governamentais; quanto aos demais, posso dizer apenas que se meus números forem comparados com os de qualquer outro escritor neste assunto, dirão que minhas estimativas são as mais baixas. Eu não estou preparado para defender a precisão exata de meus cálculos, mas de uma coisa tenho a mais absoluta certeza, eles constituem o mínimo. Para aqueles que acreditam que o número de miseráveis é bem maior do que aquele que apresento, eu não tenho nada a dizer, exceto uma coisa, se o mal é bem maior do que descrevi, então dedique seus esforços na mesma proporção de sua estimativa, e não menos. A questão que mais nos interessa agora não é saber a amplitude da miséria, mas como ela pode ser reduzida ao mínimo nos anos vindouros.

Essa densa e lúgubre selva de pauperismo, vício, e desespero é herança de séculos e gerações passadas, cujas guerras, insurreições, e problemas internos deixaram nossos avós ocupados demais para dedicar atenção ao bem-estar daqueles 10 por cento que vivem na penúria. Agora que vivemos em tempos mais afortunados, devemos reconhecer que somos guardiães de nossos irmãos, e começar a trabalhar, independente de distinções partidárias e diferenças religiosas, para tornar nosso mundo um pouco mais parecido com um lar para aqueles que chamamos de irmãos.

O problema, tenho que admitir, não é de modo algum simples; ninguém pode me acusar de, nas páginas precedentes, apontar dificuldades como hereditariedade, hábito, e meio ambiente, sem apontar sua solução, mas mesmo que muitos cruzem seus braços em indiferença egoísta, mesmo que digam que nada pode ser feito, sentenciando milhões de perdidos a uma perdição irremediável neste mundo, sem falar no próximo, o problema deve de algum modo ser resolvido. Mas de que modo? Essa é a questão. Ele pode tender, talvez, para a cristalização da opinião sobre este assunto se eu formular, tão precisamente quanto posso, qual precisa ser o elemento essencial de qualquer projeto plausível de obter sucesso.

SEÇÃO I. -- A ESSENCIA DO SUCESSO. O elemento essencial que devemos ter em mente na administração de qualquer Projeto em andamento é a necessidade de mudar o homem quando seu caráter e conduta constitui as razões do seu fracasso na batalha da vida. Nenhuma mudança nas circunstâncias, nenhuma revolução nas condições sociais, pode possibilitar transformar a natureza do homem. Alguns dos piores homens e mulheres no mundo, cujos nomes são cronicados pela história com tremor e horror, foram aqueles que tiveram todas as vantagens que a riqueza, educação e posição podem conferir ou a ambição pode atingir.

O teste supremo de qualquer projeto em benefício da humanidade repousa na resposta à questão: O que faz do indivíduo? Aumenta sua consciência, amolece seu coração, ilumina sua mente, faz dele, em suma, um homem mais verdadeiro porque apenas por tal influencia ele pode ser capacitado a conduzir uma vida humana? Entre os habitantes da Tenebrosa Inglaterra há muitos que foram parar lá por falha de caráter, que mesmo sob as mais favoráveis circunstancias relega-os sempre à mesma posição. Consequentemente, a menos que você possa mudar o caráter deles seu esforço será em vão. Você pode vestir o alcoólico, encher a bolsa dele de ouro, instalá-lo em uma

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casa bem equipada, e em três, seis, ou doze meses ele estará mais uma vez no Aterro, assombrado pelo delirium tremens, sujo, esquálido, e roto. Consequentemente, em todos os casos onde o próprio caráter e defeitos de um homem constituem as razões da queda dele, tal caráter deve ser mudado e tal conduta alterada para que qualquer resultado benéfico permanente seja atingido. Se ele for um alcoólico, ele deve tornar-se sóbrio; se inativo, ele deve tornar-se industrioso; se criminoso, ele deve tornar-se honesto; se impuro, ele deve tornar-se limpo; e se ele está tão mergulhado no vício, e por tanto tempo que perdeu toda a coragem, esperança, e poder para ajudar a si mesmo, e absolutamente recusa mudar, ele deve ser inspirado com ânimo e criar dentro dele a ambição de levantar; caso contrário ele nunca sairá da horrível cova.

Segundo: O remédio, para ser eficaz, tem que mudar as circunstâncias do indivíduo quando elas são a causa da condição miserável dele, e estão fora de seu controle. Entre aqueles que chegaram à sua presente má situação por falhas de índole ou alguma deformidade moral de caráter, quantos deles seriam bem diferentes se fossem colocados em um ambiente diverso? Charles Kingsley responde essa questão de uma forma inesperada quando ele faz a viúva de Poacher dizer, dirigindo-se ao Mau Escudeiro, que se retirou [sic]

«Nossas filhas, com bebês bastardos, Perambulam em sua vergonha. Mas se suas filhas tivessem dormido, Juiz, onde elas dormiram, Suas filhas fariam o mesmo». Colocados nas mesmas ou em semelhantes circunstâncias, quantos de nós teria se mostrado melhor do que esta multidão de pobres, proscritos, e prostrados?

Muitos desta multidão nunca tiveram uma chance de fazer melhor; eles nasceram em uma atmosfera envenenada, educados em circunstâncias que tornaram a moderação uma impossibilidade, e foram lançados na vida em condições que tornam o vício uma segunda natureza.

Consequentemente, para prover um remédio efetivo para os males que estamos lamentando, estas circunstâncias devem ser alteradas, e a menos que meu Projeto efetue tal mudança, será inútil. Há multidões, miríades, de homens e mulheres que estão tropeçando no pântano horrível sob o fardo de uma carga muito pesada para eles agüentar; afundam mais e mais a cada movimento; alguns até mesmo deixaram de lutar, e submergem prostrados no pântano imundo, sufocando lentamente, a dignidade feminina perece, o caráter masculino falece. Esses pobres diabos jamais irão sair do maldito lodo movediço do tremendo pântano em que se encontram se você não fizer alguma coisa boa para eles, se você não lhes der outra chance de andar por si mesmos, se você não ajudá-los encontrar uma posição segura e firme que lhes permita erguer-se e ficar novamente em pé, e você tem que construir um caminho de pedras pelo pântano para que ele possa andar e alcançar a margem com segurança. Circunstâncias favoráveis não mudarão o coração de um homem nem transformarão a natureza dele, mas circunstâncias desfavoráveis podem tornar sua fuga absolutamente impossível, não importa quão ansioso ele esteja para sair dali. O primeiro passo para com estas criaturas desamparadas, submersas, é inspirar neles o desejo de escapar, e depois prover os meios para isso. Em outras palavras, dê ao homem outra chance.

Em terceiro lugar: Qualquer remédio merecedor de consideração deve estar em uma escala proporcional ao mal com que propõe lidar. É inútil tentar esvaziar o oceano com um balde. Há males cujas vítimas são contadas aos milhões. O exército dos Perdidos em nosso meio tem mais gente do que aquela multidão que Xerxes trouxe da Ásia para tentar a conquista da Grécia. Forme um desfile daqueles que compõem os dez por cento que estão abaixo da linha da miséria [N.T. no original: submerged tenth], acrescente os pobres que estão em

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recinto fechado e ao ar livre, os sem-teto, os famintos, os criminosos, os lunáticos, os alcoólicos, e as meretrizes -- e aqueles que estão entrando em desespero! Mesmo que tentassemos salvar um décimo destas hostes isso exigiria que puséssemos muito mais força e ardor em nosso trabalho do que até aqui jamais qualquer um fez. Não há nenhum remendo filantrópico, mesmo que este vasto oceano de miséria humana coubesse nos limites de uma piscina.

Quarto: O Projeto deve ser não apenas suficientemente amplo, deve ser também permanente. Quer dizer, não deve ser um mero esforço que trate apenas com a miséria de hoje; deve ser estabelecido em uma base permanente, que lide com a miséria de amanhã, depois de amanhã, e daí por diante. Enquanto houver miséria no mundo ela deve ser combatida.

Quinto: Mas enquanto deve ser permanente, também deve ser imediatamente praticável. Qualquer Projeto, para ser útil, deve ser capaz de entrar imediatamente em operação com resultados benéficos.

Sexto: As características indiretas do Projeto não devem produzir qualquer dano às pessoas que buscamos beneficiar. Por exemplo, a mera caridade ao mesmo tempo em que alivia a dor da fome, desmoraliza o receptor; e qualquer remédio empregado, deve ser de tal natureza que ao mesmo tempo que traz o bem não deve trazer nada de negativo. É inútil gastar seis «pence» em benefício em um homem se, ao mesmo tempo, lhe trazemos um «xelim» de dano.

Sete: Enquanto ajuda um grupo da comunidade, tal ação não deve interferir seriamente com os interesses de outro grupo. Enquanto elevamos uma parcela de arruinados, nós não devemos arriscar a segurança daqueles que com dificuldade se mantem em seus próprios pés.

Estas são as condições pelas quais eu lhe peço que teste o Projeto que estou a ponto de desdobrar. Elas são bem temíveis, possivelmente, para intimidar muitos de tentar até mesmo de fazer qualquer coisa. Elas não são de minha invenção. Elas são óbvias a qualquer um que preste atenção no assunto. Elas são as leis que governam o trabalho do reformador filantrópico, da mesma maneira que as leis da gravitação, do vento e do tempo, governam as operações do engenheiro. É inútil declarar que poderíamos construir uma ponte cruzando o Tay se o vento não soprasse, ou que poderíamos construir uma estrada de ferro por um pântano se o pântano nos dispusesse de uma fundação sólida. O engenheiro tem que levar em conta as dificuldades, e faz delas seu ponto de partida. O vento soprará, então a ponte deve ser feita forte o bastante para resistir a ele. A areia é movediça; então temos que erigir uma fundação no coração do pântano para em cima dela construir nossa estrada de ferro. O mesmo ocorre com as dificuldades sociais que nos confrontam. Se agimos em harmonia com estas leis nós triunfaremos; mas se nós as ignoramos elas nos subjugarão com destruição e nos cobrirão com desgraça.

Mas, por mais difícil que a tarefa seja, não podemos negligenciar nada. Quando Napoleão foi compelido a retirar-se sob circunstâncias que tornaram impossível socorrer seus doentes e feridos, ele ordenou aos seus médicos que envenenassem todos os homens no hospital. Esse general preferia massacrar seus prisioneiros a deixá-los escapar. Os Perdidos são os Prisioneiros da Sociedade; eles são os Doentes e Feridos em nossos Hospitais. Que grito agudo surgiria do mundo civilizado se fosse proposto administrar ao anoitecer a cada um destes milhões uma dose de morfina para dormir e não despertar nunca mais. Mas por mais que eles se preocupem, não seria muito menos cruel dar cabo da vida deles do que permitir prolongar sua agonia dia após dia, ano após ano, em miséria, angústia, e desespero, comandados pelo vício e caçados pelo crime, até que finalmente a doença os lance na sepultura?

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Não alimento nenhuma ilusão sobre a possibilidade de inaugurar um período da justiça, paz e felicidade [N.T. no original millenium] pelo meu Esquema; mas os triunfos da ciência na reciclagem de materiais tem sido tal, que eu não perco a esperança de que surja também algo eficaz no sentido da reciclagem do homem. O lixo que era uma droga e uma maldição para nossos fabricantes, quando tratado pelas mãos do químico, foi o meio de nos prover uma quantidade de tinturas que rivalizam em encanto e variedade com as cores do arco-íris. Se a alquimia científica pode extrair cores bonitas do refugo do carvão, o que dizer então da alquimia Divina no sentido de habilitar-nos para extrair e desenvolver alegria e brilho a corações agonizados e escuros, a vidas tristes, e sem amor de miríades de condenados? Seria exagerado esperar que no mundo de Deus as crianças de Deus sejam capazes de fazer algo, se elas resolvessem trabalhar com vontade para levar a cabo um plano de campanha contra estes grandes males que tornam nossa existência um pesadelo?

O remédio, possivelmente, é mais simples que alguns imaginam. A chave para o enigma pode estar mais próxima de nossas mãos do que imaginamos. Muitos dispositivos foram experimentados, e muitos falharam, sem dúvida; e apenas a perseverança teimosa, despreocupada, pode esperar ter sucesso; é bom que reconheçamos isto. Quantas gerações fracassaram em suas tentativas de inventar a pólvora? Eles misturaram salitre com carvão, carvão com enxofre, salitre com enxofre, e mesmo assim não conseguiram fazer uma combinação que explodisse. Foi necessário o transcurso de algumas centenas de anos até a descoberta de que era necessário misturar os três elementos. Antes disso, a pólvora era uma mera imaginação, uma fantasia de alquimistas. Como é fácil fazer pólvora, agora que o segredo de sua fabricação é conhecido!

Há uma ilustração mais simples, uma que permanece na memória de alguns dos leitores dessas páginas. Desde o princípio do mundo até o começo deste século, a humanidade não tinha descoberto, apesar de todo seu esforço, uma forma de transporte fácil e barato, a diferença milagrosa seria provocada por dois trilhos paralelos de metal. Todos os grandes homens e os homens sábios do passado viveram e morreram inconscientes desse fato. Os melhores mecânicos e engenheiros da antigüidade, os homens que cruzaram todos os rios da Europa, os arquitetos que construíram as catedrais que ainda são uma maravilha do mundo, não discerniram o que parece a nós uma proposição tão obviamente simples, que duas linhas paralelas de trilhos diminuiriam o custo e dificuldade de transporte ao mínimo. Sem tal descoberta a máquina a vapor, uma invenção bem recente, não teria transformado a civilização.

O que temos que fazer na esfera filantrópica é encontrar algo análogo às barras paralelas dos engenheiros. Acredito que fiz esta descoberta, e consequentemente escrevi este livro. SEÇÃO 2 -- MEU PROJETO Qual é, então, meu Projeto? É muito simples, embora suas ramificações e extensões abracem o mundo inteiro. Este livro é apenas um esboço, tão claro e simples quanto pude fazer, das características fundamentais de minhas propostas. Eu preferi dedicar a parte principal deste livro à questão mais prática e urgente -- os desempregados -- que constituem, consequentemente, os mais destituídos. Eu tenho muitas idéias sobre o que fazer com aqueles que estão no momento em alguma medida aos cuidados do Estado, mas deixo isso para depois.

Não há qualquer urgência em explicar como o sistema da Lei do Pobre poderia ser reformado, ou o que eu gostaria de fazer no âmbito dos Manicômios ou das Penitenciárias. Deixemos essas pessoas sob os cuidados do Estado, por enquanto, de lado. Os pobres em recinto fechado, os condenados, os ocupantes dos manicômios, estão de certa forma, sob cuidados. Mas, além deles, há algumas centenas de milhares de pessoas que não estão alojadas em estabelecimentos do

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Estado, mas que estão vivendo à beira de desespero, os quais a qualquer momento, sob circunstâncias adversas, podem ser compelidos a buscar auxílio ou apoio de uma forma ou de outra. Então, eu me limitarei no presente àqueles que não têm nenhuma ajuda.

É possível, eu acho provável, que as propostas que agora apresento terão sucesso em relação à população destituída, sem-teto, e desamparada. Muitos daqueles que estão no presente momento em circunstâncias um pouco melhores também exigirão participar dos benefícios do Projeto. Mas nisto, também, eu permaneço calado. Eu apenas destaco que temos, reconhecendo a importância da disciplina e da organização; algo que pode ser chamado de cooperação arregimentada, um princípio valioso para resolver muitos problemas sociais. Estes planos no momento ainda estão sendo pensados do ponto de vista de sua realização. Quando chegar o momento propício e oportuno serão devidamente apresentados.

Qual é a forma externa e visível do Problema do Desempregado? Ai! Estamos todos bem familiarizados com isto e é desnecessária qualquer descrição prolongada. A questão social se apresenta diante de nós toda vez que um homem faminto, sujo e roto bate à nossa porta pedindo alimento ou trabalho. Essa é a questão social. O que é que você tem a ver com aquele homem? Ele não tem nenhum dinheiro no bolso, tudo aquilo que ele pode penhorar ele já penhorou há muito tempo, o estômago dele está tão vazio quanto seu bolso, e todas as roupas que possui, mesmo se vendidas nas melhores condições, não valeriam um xelim. Lá está ele em pé, seu irmão, com seis pences de trapos cobrindo sua nudez e sem seis pences de alimentos a seu alcance. Ele procura por trabalho, coberto de trapos ele diz que tem fome, você lhe dará algo, mas as mãos dele estão inativas pois ninguém o emprega. O que é que você tem a ver com aquele homem? Este é o grande sinal de interrogação que hoje confronta a Sociedade. Não apenas na Inglaterra superpovoada, mas em países mais novos além-mar onde a Sociedade não tem ainda meios pelos quais os homens podem ser postos na terra e a terra trabalhada para alimentar os homens. Lidar com este homem é lidar com o Problema do Desempregado. Para lidar efetivamente com ele você tem que lidar imediatamente com ele, você tem que prove-lo de um modo ou outro imediatamente com comida, abrigo, e calor. Logo você tem que achar algo para ele fazer, algo que testará seu real desejo de trabalhar. Este teste deve ser mais ou menos temporário, e deve ser de tal natureza que o prepare para o sustento permanente. Então, após treiná-lo, você terá que provê-lo da possibilidade de começar a vida mais uma vez.

Eu proponho fazer todas estas coisas. Meu Projeto se divide em três seções cada uma delas indispensável para o sucesso do todo.

No tripé dessa organização localiza-se o segredo aberto da solução da Questão Social.

O Projeto que apresento consiste em formar pessoas em comunidades auto-sustentadas de ajuda mútua, um tipo de sociedade cooperativa, ou de família patriarcal, governada e disciplinada com base em princípios de eficácia comprovada pelo Exército de Salvação.

A estas comunidades chamaremos de, por falta de um termo melhor, Colônias. A saber:

(1) Colônia Urbana. (2) Colônia Rural. (3) Colônia Além-Mar. A COLÔNIA URBANA. Colônia Urbana significa o estabelecimento, bem no meio do oceano de miséria do qual falamos, de várias Instituições funcionando como Portos de Refúgio para todo e qualquer náufrago na vida, no

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caráter, ou nas circunstâncias. Este Porto recolherá criaturas destituídas pobres, proverá as necessidades urgentes imediatas delas, fornecerá emprego temporário, inspirará nelas esperança para o futuro, e de imediato dará início a um processo de regeneração pela influência moral e religiosa.

Destes Institutos, descritos abaixo, e que logo serão muitos, sairão pessoas habilitadas em direção a um emprego permanente, ou para a casa de amigos que terão prazer em recebê-los ao saber da mudança deles. Todos aqueles que passarem pelas nossas mãos, por variados meios, serão testados em sua sinceridade, indústria, e honestidade, se for o caso, serão enviados para a Colônia do segundo tipo. A COLONIA RURAL. A Colônia Rural seria estabelecida pela fixação de Colonos em uma propriedade rural provinciana, onde obteriam apoio e trabalhariam no cultivo. O constante e intenso fluxo de pessoas oriundas do Campo em direção às Cidades tem provocado muita angústia. Uma parte significativa de nosso remédio consiste na inversão desse fluxo, ou seja, enviar estas mesmas pessoas de volta ao campo, e instalá-las novamente no «Jardim» de onde vieram!

Lá o processo de reforma de caráter seria levado adiante pelos mesmos métodos industriais, morais, e religiosos, já iniciados na Cidade, incluindo especialmente profissionalização e conhecimentos agrícolas que, se o Colono não conseguir obter emprego neste país, estará qualificado para tentar a sorte em circunstâncias mais favoráveis em alguma outra terra.

Oriundos da Fazenda ou da Cidade, sem dúvida, um grande número de pessoas ressurretas em saúde e caráter seriam restabelecidos ao convívio social em todo o país. Alguns encontrariam emprego em suas próprias profissões, outros se instalariam em cabanas em pequenos pedaços de terra que nós deveríamos prover, ou em Fazendas Cooperativas que pretendamos promover; de grande extensão, após triagem e treino, seriam transferidos para a Colonização Estrangeira que constituiria nosso terceiro tipo A Colônia Além-Mar. A COLÔNIA ALÉM-MAR. Todos aqueles que prestaram atenção ao assunto concordarão que em nossas Colônias na África do Sul, Canadá, Austrália Ocidental e em outros lugares, há milhões de acres de terra útil que podem ser obtidas gratuitamente, capazes de manter nosso excesso populacional com um padrão de saúde e conforto mil vezes maior que o que estão. Nós propomos adquirir uma área de terra em um destes países, preparar o assentamento, regulariza-lo, governá-lo por leis eqüitativas, dar assistência em tempos de necessidade, estabelecendo-o gradualmente com pessoas preparadas, e assim criar um lar para estas multidões destituídas.

O Projeto, em sua totalidade, pode perfeitamente comparar-se a uma Grande Máquina, alicerçada nas favelas mais humildes e nas periferias de nossos grandes centros urbanos, e abrindo os braços aos depravados e destituídos de todas as classes; recebendo ladrões, meretrizes, pobres, alcoólicos, perdulários, e tipos assim, nas condições simples de ser deles, dispostos ao trabalho e à disciplina. Preparando estes desterrados pobres, reformando-os, e criando neles hábitos industriosos, honestidade, e verdade; ensinando-lhes métodos que lhes permitam alimentar o corpo e o espírito. Oriundos da Cidade e estabelecidos no Campo, lá continuarão seu processo de regeneração, desbravando as terras virgens que esperam por eles, unidos por uma administração competente, tornando-se homens e mulheres livres; e estabelecendo as fases de um outro Império formidável que, no futuro, alcançará vastas proporções. Por que não?

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CAPÍTULO 2. AO RESGATE! A COLÔNIA URBANA

A primeira seção de meu Projeto é o estabelecimento de uma Casa Receptora para o Destituído em cada grande centro populacional. Começamos, é importante lembrar, do indivíduo faminto, aos trapos, sem dinheiro, que vemos por aí em desespero procurando por alimento, abrigo e trabalho. Recentemente, tive uns dois ou três anos de experiência lidando com esta gente. Eu acredito que, no momento presente, o Exército de Salvação provê mais comida e abrigo para destituídos do que qualquer outra organização em Londres, e foi a experiência e o alento que obtive no funcionamento destes Abrigos e Armazéns de Alimento que encorajaram em grande parte a proposição deste projeto. SEÇÃO 1. – PÃO E ABRIGO PARA TODOS. Em minhas viagens pelo Canadá e Estados Unidos uns três anos atrás, fiquei grandemente impressionado com a superabundância de comida que eu vi ao redor. Oh, como eu desejei que as pessoas famintas pobres, e as crianças famintas do Leste de Londres e de outros centros de nossas populações destituídas, entrassem no meio desta abundância, mas como pareceu impossível traze-los até aqui, eu decidi secretamente empenhar-me levar algo disto até eles. Eu sou grato dizer que eu já consegui fazer isso em pequena escala, e espero realizar em grande escala.

Com esta visão, o primeiro Armazém de Comida Barata foi aberto Londres dois anos e meio atrás. Depois vieram outros, agora temos três estabelecimentos, e outros estão a caminho.

Desde o início de 1888, provemos mais de 3,5 milhões de refeições. Para ter uma idéia do como esses Armazéns de Alimentos e Abrigo tem se arraigado nos estratos sociais que se propõe beneficiar, veja as estatísticas da quantidade de alimentos vendidos durante o ano em nossos Armazéns de Alimentos.

ALIMENTOS VENDIDOS EM ARMAZÉNS E ABRIGOS DURANTE 1889. Artigo Tamanho Medida Peso Sopa ......... 116.400 galões Pão 192.5 tons 106.964 4-lb pães Chá 2.5 tons 46.980 galões Café 15 cwt. 13.949 galões Cacau 6 tons 29.229 galões Açúcar 25 tons ..................... 300 pacs. Batata 140 tons .................. 2.800 pacs. Farinha de trigo 18 tons ........... 180 sacos Galinha 28.5 tons .................. 288 sacos Aveia 3.5 tons ...................... 36 sacos Arroz 12 tons ...................... 120 sacos Feijão 12 tons ..................... 240 sacos Cebola e cenoura 12 tons ........... 240 sacos Geleia 9 tons .................... 2.880 pots Marmelada 6 tons ................. 1.920 pots Carne 15 tons ..................... Leite ........................... 14.300 quartos

Isso refere-se a três Armazéns de Alimentos e cinco Abrigos. Eu proponho multiplicar seu número, desenvolver sua utilidade, e fazer deles o limiar de todo Projeto. Aqueles que já visitaram nossos Armazéns entenderão exatamente o que isso significa. Porém, como a maioria dos leitores destas páginas não o fizeram, é necessário explicar o que significam.

Cada um de nossos Armazéns, que podem ser vistos por qualquer pessoa que se dê ao trabalho de visitá-los, tem dois departamentos, um que

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lida com comida, o outro com abrigo. Ambos trabalham juntos e auxiliam os mesmos indivíduos. Muitos que vêm buscar alimento não vem buscar abrigo, embora a maioria daqueles que vem buscar abrigo também vem buscar alimento, que é vendido em condições de cobrir, na medida do possível, o preço de custo e despesas de funcionamento do estabelecimento. Nossos Armazéns de Alimentos diferem das cozinhas de sopa usuais.

Não há nenhuma distribuição gratuita de alimentos. A seguir, nossa Tabela de preços: --

O QUE É VENDIDO NOS ARMAZÉNS DE ALIMENTO

Para crianças Sopa Por Prato 1/4d Sopa Com Pão 1/2d Café ou Chocolate por copo 1/4d Café ou Chocolate Com Pão e Geleia 1/2d

Para adultos Sopa .. .. . Por Prato 1/2d Sopa .. .. ... Com Pão.. 1d Batatas .. .. .. .. .. 1/2d Repolho .. .. .. .. .. 1/2d Feijão .. .. .. ...... 1/2d Pudim de Frutas .. .. 1/2d Pudim de Ameixas .Cada.. 1d Arroz .. .. .. .... .. 1/2d Ameixa Cozida .. .. .. 1/2d Frutas Cozidas .... .. 1/2d Assado de Carne e Batatas 3d Carne Bovina Seca. .. .. 2d Carne de Carneiro Seca.. 2d Café por copo 1/2d; por caneca 1d Chocolate por copo 1/2d; por caneca 1d Chá por copo 1/2d; por caneca 1d Pão/Manteiga, Creme ou Marmelada 1/2d Pote de Sopa, 1d cada.

Abre às 10:00 horas da manhã

Um certo poder discricionário é investido nos Oficiais responsáveis pelo Armazém, e eles podem em casos muito urgentes desobrigar o pagamento, mas a regra é que a comida deve ser paga, e o resultado financeiro mostra que as despesas de funcionamento quase sempre são cobertas.

Estes Armazéns de Alimentos Baratos, não tenho dúvida alguma, tem sido e são um grande serviço aos numerosos famintos, homens, mulheres, e crianças, aos preços acima que estão dentro do alcance de todos, exceto dos absolutamente sem dinheiro; mas é o Abrigo que eu considero a característica mais útil nesta parte de nosso empreendimento, pois se algo é feito por aqueles que usam o Armazém, um pouco mais de oportunidades favoráveis devem ser dispostas além da mera oferta de alimento aos interessados, muitas vezes, talvez, apenas um pote de Sopa. Esta parte do Projeto que eu proponho ampliar consideravelmente.

Suponha que você seja um casual [N.T. no original casual, que depende do acaso para comer ou morar] nas ruas de Londres, sem-teto, sem amigos, cansado de procurar trabalho todo o dia e não achar nenhum. A noite vem. Para onde você iria? Talvez você tenha apenas alguns cobres, ou mesmo, alguns xelins, tão pouco que logo é gasto. Você resolve dormir ao ar livre; você resolve também ir para Dosshouse [N.T. no original fourpenny Dosshouse] onde, no meio de

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companhia estranha e dissoluta, você pode ser roubado daquilo que eventualmente restou de seu dinheiro. Inseguro quanto ao que fazer, alguém que o vê nessa situação sugere que você deveria ir para nosso Abrigo. Você não pode, naturalmente, ir para a Custódia Casual de Workhouse, pois não tem dinheiro algum. Então você vem para um de nossos Abrigos. Para entrar você tem que pagar quatro pences, e tem acesso ao estabelecimento durante a noite. Você pode entrar mais cedo ou mais tarde. As pessoas começam a chegar por volta das cinco da tarde. No Abrigo das mulheres você nota que muitas chegam bem mais cedo e ficam tricotando, lendo ou conversando nos quartos simples mas bem aquecidos desde as primeiras horas da tarde até a hora de dormir.

Você entra, e recebe uma bandeja grande de café, chá, ou chocolate, e um naco de pão. Você pode usar o banheiro, tomar banho com bastante água morna, sabão e toalhas livremente. Então depois do banho e da janta você pode relaxar. Você pode escrever cartas a seus amigos, se tem algum amigo para escrever, ou você pode ler, ou pode sentar sossegado e não fazer nada. Às oito horas o Abrigo está regularmente cheio, e então começa o que nós consideramos ser uma característica indispensável e de grande importância. Duzentos ou trezentos homens no Abrigo dos homens, da mesma forma que as mulheres no Abrigo das mulheres, se reúnem, a maioria deles estranhos entre si, em um quarto grande. Eles todos são bem pobres -- o que é que você tem a ver com eles? É isto que fazemos com eles.

Nós celebramos uma reunião de Salvação extraordinária. O Oficial dirigente do Armazém, auxiliado pelo destacamento das Casas de Treinamento, administra uma noite de reunião social natural, despreocupada, descontraída. As meninas trazem seus banjos e pandeiros, e durante um par de horas você testemunha a reunião mais animada que alguém pode encontrar em Londres. Há oração, curta e direta; há discursos, alguns feitos pelos líderes da reunião, mas a maioria deles são testemunhos daqueles que foram salvos em reuniões prévias, e que, levantando-se de seus assentos, contam para seus companheiros as suas experiências. Muitas vezes, as experiências mais extraordinárias vem daqueles que estiveram nos lamaçais mais profundos do pecado, do vício e da miséria, mas que finalmente encontraram base firme onde pisar, e que são, como eles dizem com toda sinceridade, «tão felizes quanto o dia». Há uma jovialidade e um sentimento tão genuíno em algumas destas reuniões que refrescam a alma. Há homens de todo tipo e condição; casuais, bandidos incorrigíveis, desempregados que chegaram lá pela primeira vez e que encontraram homens que na semana anterior ou no mês passado estavam nas mesmas condições que estão agora -- ou mais pobres -- mas regozijando um senso de fraternidade e a consciência de não ser mais um desterrado e abandonado neste mundo imenso. Há homens que viram afinal reavivar diante deles uma esperança de escapar daquele vórtice terrível para o qual a prática do mal e o infortúnio os tinham puxado, e foram restabelecidos para aquele alívio que eles tanto ansiavam e que tinham agora para sempre; mais ainda, elevados para viver uma verdadeira e divina vida. Estes contam aos seus companheiros como isto ocorreu, e instigam todos seus ouvintes a fazer o mesmo em suas vidas e experimentar neles mesmos se não é uma coisa boa e feliz ser completamente salvo. Nos intervalos de testemunho, estes testemunhos -- como concordará qualquer pessoa que assistiu qualquer uma de nossas reuniões -- não são ladainhas, não são longos, santimoniais, apáticos, mas simples confissões de experiência individual -- há eclosões de entusiástica harmonia.

O condutor da reunião começará com um verso ou dois de um hino ilustrativo das experiências mencionadas pelo último orador, ou uma das meninas da Casa de Treinamento cantará um solo, acompanhando a si mesma com seu instrumento, enquanto todos se unem em um forte, alegre e vibrante coro.

Não há nenhuma coerção por parte de nenhum de nossos albergueiros para que participem nesta reunião; eles não precisam ficar até o

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fim; mas o fato é que eles ficam. Toda noite entre as oito e as dez horas você encontrará estas pessoas sentadas ali, escutando as exortações, tomando parte, ou cantando, muitos deles, sem dúvida, bem insensíveis, mas, não obstante, preferindo estar presentes pela música e pelo calor, meio agitados, ou apenas curiosos, na medida em que vários testemunhos são narrados.

Às vezes estes testemunhos são suficientes para despertar o mais cínico de observadores. Tivemos em um de nossos abrigos o capitão de um navio a vapor que decaiu rapidamente no abismo da privação pelo alcoolismo. Ele entrou lá uma noite totalmente desesperado e ficou aos cuidados de nossos companheiros -- ficou aos cuidados não é uma mera frase, ao final de nossas reuniões nossos oficiais vão de assento em assento, e se eles vêem qualquer um que mostre sinais de ter sido afetado pelas falas ou pelos cânticos, imediatamente se sentam ao lado dele e começam a labutar com ele para a salvação da alma dele. Por estes meios eles são capazes de ganhar a confiança dos homens e saber exatamente onde está a dificuldade, qual é o problema, e se eles não fazem nada, pelo menos terão sucesso convencendo que há alguém que quer a alma deles e que fará o que puder para ajudar.

O capitão de quem que eu estava falando foi influenciado dessa forma. Ele ficou profundamente impressionado, e foi induzido a abandonar seus hábitos de intemperança de uma vez por todas. Daquela reunião ele saiu um homem mudado. Ele recuperou sua posição no serviço mercantil, e doze meses depois fomos todos surpreendidos quando apareceu vestido no uniforme de capitão de um grande navio oceânico a vapor, testemunhando àqueles que lá estavam quão profundamente tinha caído, e quão totalmente ele tinha perdido toda a estrutura na Sociedade e toda a esperança do futuro, mas que ao ser felizmente conduzido ao Abrigo, ele achou amigos, recomendações, e salvação, e daquele tempo em diante não descansou um minuto até que recuperasse a posição que perdera pelo alcoolismo.

A reunião acaba, as meninas cantoras voltam à Escola Técnica, e os homens vão dormir. Nossos quartos de dormir são um pouco primitivos; nós não provemos camas de pena, e quando você entrar em nossos dormitórios, você será surpreendido por encontrar o chão coberto por fileiras infinitas de caixotes de embalagem. Estas são nossas camas, e cada uma delas forma um cubículo. Para os que estão deitados no chão há um colchão, e em cima do colchão um lençol de couro que é toda roupa de cama que nos foi possível prover. Os homens se despem, cada qual ao lado de seu caixote de embalagem, e vão dormir debaixo de seu cobertor de couro. O dormitório é aquecido com tubos de água quente a uma temperatura de 60 graus, e nunca houve qualquer reclamação de falta de calor por parte dos usuários do Abrigo. O couro pode ser mantido perfeitamente limpo, e os colchões, coberto com tecido americano, tudo é inspecionado com cuidado diariamente, de forma que nenhum espécime perdido de animal daninho pode ser encontrado no local. Os homens se recolhem por volta das dez horas e dormem até as seis. Nós nunca tivemos perturbação de qualquer espécie nos Abrigos. Nós provemos acomodação agora para vários milhares dos mais desamparados e mais alquebrados de Londres, muitos deles criminosos, mendigos, vadios, aqueles que estão entre a sujeira e o refugo de todas as coisas; mas tal é a influência que é estabelecida pela reunião e pela estatura moral de nossos oficiais, que nós nunca tivemos uma briga em nossos recintos, e muito raramente ouvimos uma ameaça ou uma palavra obscena. Às vezes há dificuldade fora do Abrigo, quando homens teimam entrar com bebida ou com postura violenta; mas uma vez dentro do Abrigo, e mais tranqüilos, não temos nenhuma dificuldade com eles. Pela manhã se levantam e tomam o café da manhã e, depois de um serviço pequeno, cada um sai para cuidar de seus afazeres. Nós fornecemos aquilo que podemos, quer dizer, podemos prover café com pão pela manhã e no anoitecer, uma cama de emergência no chão, nos caixotes de embalagem que eu descrevi, em um dormitório aquecido a quatro pences por pessoa.

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Eu proponho desenvolver este Abrigos, para dispor a todo homem um armário no qual ele poderia armazenar qualquer pequena preciosidade que ele eventualmente possua. Eu também lhe permitiria o uso de um aquecedor no lavatório com um forno secante quente, de forma que ele pudesse lavar sua camisa a noite e vesti-la seca pela manhã. Só aqueles que tiveram a experiência prática da dificuldade de buscar trabalho em Londres podem apreciar as vantagens da chance de ter uma camisa limpa desse jeito -- se tiver alguma. Em Trafalgar Square, em 1887, pouca coisa escandalizava mais o público do que o espetáculo das pessoas pobres acampadas na Praça, lavando suas camisas nos chafarizes, pela manhã. Se você conversar com qualquer homem que esteve na estrada por um período prolongado, eles lhe falarão que nada fere tanto o amor-próprio deles ou despeja mais fatalidade na possibilidade deles arrumar emprego do que a impossibilidade de ter suas poucas coisas arrumadas e limpas.

Na «Casa» de nosso homem pobre todo mundo poderia manter-se pelo menos limpo e ter uma camisa limpa a sua disposição, isso é óbvio, sem dúvida; isso não seria menos verdadeiro se ele estivesse em um dos hotéis de West End, pois estaria habilitado para conseguir as coisas mais necessárias à vida, enquanto não consegue algo melhor. Este é o primeiro passo.

ALGUMAS VITÓRIAS NO ABRIGO. Dos resultados práticos oriundos de nossos métodos de lidar com os desterrados que passaram pelos nossos Abrigos, temos muitos exemplos notáveis. Aqui vão alguns, cada um deles é um retrato de uma experiência de vida relativa a homens que são agora ativos e laboriosos membros da mesma comunidade a qual, se não fosse pela atividade destes Armazéns, teriam afligido.

A.S. -- Nascido em Glasgow, 1825. Salvo em Clerkenwell, 19 de maio de 1889. Filho de pais pobres cresceu em uma Favela de Glasgow. Foi lançado nas ruas aos sete anos de idade, tornou-se companheiro e sócio de ladrões, e caiu no crime. Sua ficha prisional é a seguinte: -- 14 dias, 30 dias, 30 dias. 60 dias, 60 dias (três vezes consecutivas), 4 meses, 6 meses (duas vezes), 9 meses, 18 meses, 2 anos, 6 anos, 7 anos (duas vezes), 14 anos; 40 anos mais 3 meses e mais 6 dias no total. Foi açoitado 8 vezes na prisão por conduta violenta.

W. M. («Buff»).--Nascido em Deptford, 1864, salvo em Clerkenwell, 31 de março de 1889. Filho de um velho marinheiro, ganhou a vida como gerente. Era sóbrio, respeitável, e confiável. A mãe era alcoólica, desacreditada, e mal afamada: uma maldição e desgraça ao marido e à família. A casa foi desfeita, e o pequeno Buff tendeu às más influências de sua depravada mãe. Quanto completou 7 anos o presente que recebeu de sua admirável mãe foi «uma garrafa de gim». Ele adquiriu um pouco de educação na Escola da Rua do Tormento [N.T. no original: One Tun Alley Ragged School], mas aos nove anos foi pego roubando maçã, e tornou-se interno da Escola industrial de Ilford por 7 anos. Após cumprir seu tempo, perambulou pelas ruas, pelos albergues, e prisões metropolitanas, contínuo freqüentador de cada uma delas. Ele se tornou cabeça de motim de uma gangue que infestou Londres; um mendicante completo e malfeitor; uma peste para a sociedade. Naturalmente ele era um líder nato, e um desses espíritos que inspiram seguidores; por conseguinte, quando ele adquiriu a Salvação, seus principais seguidores o acompanharam ao Abrigo, e eventualmente a Deus. O caráter dele após a conversão foi completamente satisfatório, e ele é agora um Oficial em Whitechapel, e para todos é tido como um «bom rapaz» [N.T. no original: «true lad»].

C. W. («Frisco»). -- Nascido em San Francisco, 1862. Salvo em 24 de abril de 1889. Fugiu de casa com a idade de oito anos, e seguiu rumo ao Texas. Lá ele levou a vida nos Ranchos como Vaqueiro, e variando com ocasionais viagens marítimas, tornando-se um típico cafajeste e desordeiro. Ele pegou 2 anos por motim no mar, 4 anos por roubo, 5

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anos por roubo de gado. No total, passou 13 anos e onze meses na prisão. Ele veio para a Inglaterra, e misturou-se aos ladrões e vadios daqui, passou por vários períodos curtos na cadeia. Ele foi auxiliado em sua libertação em Millbank por um velho amigo íntimo (Buff) e pelo Capitão do Abrigo; instalado no Abrigo, foi salvo, e permaneceu firme.

H. A. -- Nascido em Deptford, 1850. Salvo em Clerkenwell, 12 de janeiro de 1889. Perdeu sua mãe bem cedo, veio a madrasta rabugenta, e uma propensão para subtrair pequenos objetos fez dele um ladrão. Tornou-se marinheiro, e virou um alcoólico contumaz, um blasfemador confesso, e um descarado devasso. Ele perambulou durante anos, ao sabor das ondas, sem rumo, e eventualmente alcançou o Abrigo, onde encalhou. Aqui ele buscou Deus, e fez bem. Este verão ele está dirigindo um grupo de preparadores de feno pelo país, está firme e revela-se satisfatório. Ele parece honesto em sua profissão, e se esforça pacientemente em sua nova vida com Deus. Ele também promove palestras.

H. S. -- Nascido na Escócia. Como a maioria dos rapazes escoceses, embora seus pais vivessem em parcas circunstâncias, ele conseguiu obter uma boa educação. Começou a trabalhar bem cedo numa empresa jornalística, e absorveu detalhes da profissão jornalística em vários jornais importantes em N.B. Eventualmente, obteve um cargo em um jornal provinciano, e foi colocado em um curso universitário em Glasgow B.A., onde se graduou. Depois disso ele foi contratado por um jornal de Welsh. Ele se casou com uma moça decente, e teve vários filhos, mas abriu caminho para a bebida, perdeu o emprego, a esposa, a família e os amigos. Às vezes fazia algum esforço e dava sinais de recuperação, e eventualmente parecia que poderia voltar ao trabalho, mas novamente e novamente a bebida o vencia, e afundava cada vez mais. Durante um tempo conseguiu um emprego de secretário na London Charity, mas repentinamente voltou a beber, e foi despedido. Ele veio até nós como uma pessoa absolutamente arrasada, foi enviado ao Abrigo e foi salvo em um workshop, e está agora em uma boa situação. Ele promete muito, e os entendidos no assunto acham que desta vez dá para ser mais otimista. Finalmente um trabalho realmente bom foi feito com ele.

F. D. -- Nasceu em Londres, envolveu-se no comércio de ferro. Alcançou uma boa situação financeira, mas perdeu tudo por causa da bebida e da irresponsabilidade. Em uma ocasião, com #20 no bolso, ele foi para Manchester, embebedou-se, foi preso e multado em cinco xelins, e quinze xelins de custos advocatícios; que ele pagou, e como estava deixando o Tribunal, um cavalheiro o parou, dizendo que ele conheceu o pai dele, e o convidou para a casa dele; porém, com #10 no bolso, sendo muito independente, recusou; mas o cavalheiro anotou o endereço dele, e o entregou. Em alguns dias ficou sem dinheiro algum, e até mesmo suas roupas viraram bebida, e então sem uma moeda ele se apresentou no endereço fornecido a ele, às dez horas da noite. Conseguiu #2 para voltar a Londres mas isto também desapareceu no licor. Quando conseguiu chegar em Londres estava totalmente destituído. Passou várias noites no Aterro, e em uma ocasião um cavalheiro lhe deu um ingresso para o Abrigo; porém, ele o vendeu por 2d. e comprou uma garrafa de cerveja, e passou fora toda a noite. Mas fixou pensativo, e resolveu no dia seguinte levantar 4d. para conhecer o Abrigo. Ele veio a Whitechapel, tornou-se freqüentador regular, já faz oito meses que foi salvo, e agora está indo muito bem.

F. H. -- Nasceu em Birmingham, 1858. Salvo em Whitechapel, em 26 de março de 1890. Perdeu seu pai ainda na infância, a mãe casou novamente. O padrasto foi um pedreiro alcoólico que costumava bater em sua mãe, e o rapaz viveu largado pelas ruas. Aos 12 anos de idade ele deixou sua casa, e foi para Liverpool, mendigando pelo caminho, e dormindo nas margens da estrada. Em Liverpool ele viveu nas Docas durante alguns dias, dormindo onde podia. Acabou preso e devolvido a Birmingham; foi recebido com uma impiedosa surra pelo seu padrasto

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alcoólico. Ele arrumou vários empregos como mensageiro, destacou-se pelos seus furtos secretos, dois anos depois estava com cinqüenta xelins em dinheiro roubado, alcançou Middlesbrough através da estrada. Arrumou emprego em uma fábrica de pregos onde permaneceu durante nove meses, então roubou nove xelins de seu empregador, e novamente pegou a estrada. Ele chegou a Birmingham, conseguiu uma autorização e se alistou na Marinha. Ele foi chamado para passar três anos em treinamento no Navio Impregnable, mas após um ano foi considerado como «apto», e foi transferido para o Iron Duke nos mares da China; logo começou a beber, foi detido e preso por conduta revoltosa em quase todos os portos nas paradas. Ele quebrou navios, e várias vezes desertou, e era um espécime completo de um péssimo marujo britânico. Ele conheceu a prisão em Singapura, Hong Kong, Yokohama, Canghai, Cantão, e outros lugares. Em cinco anos voltou para casa, e, depois da licença, juntou-se à Belle Isle na estação irlandesa. Foi quando o uísque deu cabo dele novamente, e o excesso arruinou sua saúde. Licenciado casou-se, e foi com sua esposa para Birmingham. Durante algum tempo ele trabalhou como varredor no mercado, mas dois anos depois abandonou sua esposa e família, e veio para Londres, fixou-se na vida de vadio, passou a viver nas ruas e transformou as Custódias Casuais em sua casa. Eventualmente veio parar no Abrigo de Whitechapel, e foi salvo. Ele é agora um rapaz confiável, seguro; reconciliou-se com a esposa que veio a Londres para vê-lo, ele tornou-se um homem útil.

J. W. S. -- Nascido em Plymouth. Os pais dele são pessoas respeitáveis. Ele é bom em sua profissão, e alcançou um bom padrão de vida. Dois anos atrás ele veio para Londres, deu-se mal, e começou a beber. Derrota após derrota, continuou bebendo; perdeu tudo, e voltou às ruas. Foi quando descobriu o Abrigo Westminster, e eventualmente foi salvo; os pais dele foram avisados e ajudaram com roupas; com a Salvação vieram esperança e energia; ele estabeleceu seu comércio em Lewisham (7d. por hora). Há quatro meses está firme, é um Soldado promissor e um mecânico respeitável.

J. T. -- Nascido na Irlanda; bem treinado (comercialmente); balconista e contador. Ainda jovem foi alistado no Exército da Rainha, e pela boa conduta foi promovido. Tornou-se chefe de inspeção e assistente pagador de seu regimento. Ele conduziu uma vida estável enquanto trabalhou ali, e ao vencimento do seu termo passou à Reserva como «bom» caráter. Ele passou muito tempo desempregado, e isto pareceu conduzi-lo ao desespero, e começou a beber. Ele afundou ao nível mais baixo, e chegou em Westminster em uma condição deplorável; sem casaco, sem chapéu, sem camisa, completamente sujo, o espécime mais medonho em que um homem de boa ascendência pode chegar. Após algum tempo no Abrigo, foi salvo, passou por workshops, e proporcionou grande satisfação. No momento ele está trabalhando no escritório, satisfatoriamente: exerce uma boa influencia no local.

J. S. -- Nascido em Londres, de boa família. Desde criança ele mostrou uma tendência para o roubo; caiu nas garras da polícia, e era preso continuamente. Ele levava a vida de um verdadeiro mendigo, e perambulou pelos quatro cantos do Reino Unido. Ele foi condenado por três vezes a trabalhos forçados, e sua última pena foi de sete anos, com supervisão policial. Depois que foi libertado ele se casou com uma moça respeitável, e tentou mudar, mas as circunstâncias estavam contra ele; ele não tinha nenhum caráter, e sua ficha criminal não ajudava em nada, assim, ele e sua esposa vaguearam na privação. Eles vieram ao Abrigo, e pediram ajuda; eles foram recebidos, e eles expuseram sua situação ao Magistrado de Clerkenwelle, e pediram conselhos sobre o que deveria fazer. O Magistrado o ajudou, e agradeceu o Exército de Salvação pelos seus esforços no interesse dele, e nos pediu que cuidássemos do rapaz. Um pequeno trabalho foi determinado para ele, e depois de um tempo conseguiu melhorar sua situação. Hoje eles estão muito bem; ele é um empregado estável, e ambos estão servindo a Deus, compartilhando do respeito e da confiança de seus vizinhos, etc.

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E. G. -- Veio para a Inglaterra a serviço de uma família de posição, e depois tornou-se mordomo e chefe dos empregados em várias casas da nobreza. Adoeceu. Por muito tempo ele ficou completamente incapaz para o trabalho. Ele tinha guardado uma soma considerável de dinheiro, mas o custo dos médicos e as despesas de um homem doente jogaram à ruína sua pequena fábrica, e ele foi reduzido à penúria e à absoluta destituição. Durante algum tempo ele permaneceu em Workhouse, até ser despejado, lhe aconselharam para que fosse ao Abrigo. Ele estava terrivelmente doente, alquebrado em espírito, quase desesperando. Lhe aconselharam amorosamente que entregasse seus cuidados a Deus, e eventualmente ele foi convertido. Depois de certo tempo ele conseguiu trabalho como zelador em um armazém da Cidade. A assiduidade e a fidelidade por um ano o elevaram à posição de caixeiro-viajante. Hoje ele prospera no corpo e na alma, ganhando o respeito e a confiança de todos os que lidam com ele. Nós poderíamos multiplicar estes registros, mas esses relatos mostram o tipo de resultado obtido.

Não há nenhuma razão para pensar que essa influencia divina para a salvação destes companheiros pobres não será igualmente eficaz se aplicada em uma escala mais ampla e em uma área mais vasta. A coisa a ser notada em todos estes casos é que não foi o mero alimento que efetuou o resultado; foi a combinação do alimento com o trabalho pessoal para com a alma individual. Ainda, se nós não os tivéssemos alimentado, nós nunca conseguiríamos chegar perto o bastante para ganhar qualquer acesso aos corações deles. Se apenas os tivéssemos alimentado, eles iriam embora para retornar no dia seguinte, mais revigorados para a vida predatória e vagabunda que até ali conduziram. Mas quando nossas refeições, abrigos e armazéns os trouxeram para as imediações, nossos oficiais puderam literalmente toma-los pelos ombros e suplicar-lhes como irmãos que tinham sido desencaminhados. Dissemos para eles que seus pecados e tristezas não os isolava do amor do Pai Eterno que nos enviou para ajudá-los com todo o poder de nossa forte Organização, da Divina autoridade da qual estamos absolutamente seguros principalmente quando ela vai buscar e salvar o perdido. SEÇÃO 2 .-- TRABALHO PARA OS SEM-TRABALHO. -- A FÁBRICA. Nesse caso, alguém dirá, isso funciona bem para o seu desterrado quando ele tem quatro pences e seu bolso, mas e quanto àqueles que não tem os quatro pences? O que acontece se você for confrontado com uma multidão de infelizes desesperados famintos, que não tem nem mesmo um centavo no bolso, pedindo comida e abrigo? Esta objeção é bastante natural, vamos considerar o primeiro caso.

Em conexão com toda disponibilização de Alimento e Abrigo, eu proponho estabelecer uma Oficina ou Galpão de Trabalho onde qualquer pessoa destituída e faminta obtenha aquele trabalho que precisa e que lhe habilite ganhar os quatro pences necessários para a cama e mesa. Esta é uma característica fundamental do Projeto, e algo que eu julgo recomendável a todos aqueles que estão ansiosos por ajudar o pobre habilitando-os ajudar a si mesmos sem a desmoralizante intervenção do auxílio caritativo.

Por um momento, vamos até a porta de um de nossos abrigos. Lá vem um encardido, roto, com seus pés feridos, com seus pés rompendo para fora de seus sapatos, com suas roupas aos trapos, com sua camisa imunda e cabelo empastelado. Ele chega, conversa com você, diz que nas últimas três semanas vem caminhando, procurando emprego sem sucesso, que na última noite dormiu no Aterro, e quer saber se você pode dar-lhe alimento e abrigo durante a noite. Ele tem algum dinheiro? Ele não tem; ele provavelmente gastou até o último centavo que esmolou ou ganhou em um maço de cigarro, com o qual entorpece o ronco de seu estômago faminto. O que é que você tem a ver com este homem?

Lembre-se que este não é nenhum esboço caprichoso -- é um caso

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típico. Há centenas e milhares de tais candidatos. Qualquer um que esteja familiarizado com a vida em Londres e em nossas outras grandes cidades, reconhecerá aquela figura magra pedindo pão e abrigo ou por trabalho pelo qual ele possa obter ambos. O que podemos fazer com ele? Diante dele, a Sociedade fica paralisada, aquietando sua consciência de vez em quando por uma doação ocasional de pão e Sopa, variada com o tratamento semi-criminoso da Custódia Casual, até que todo resquício de humanidade é esmagado dentro desse homem, e você fica diante de um indiferente, desesperado, desalmado, desprovido de qualquer aspiração para escapar de suas circunstâncias miseráveis, coberto com piolhos e sujeira, mergulhando em um poço sem fundo, até que finalmente ele é precipitado no rude invólucro que o leva para uma vala comum.

Eu proponho pegar esse homem, abraçá-lo com força, e desembaraçá-lo do lodo que o sufoca. Como primeiro passo diremos a ele, «Você tem fome, aqui tem comida; você é sem-teto, eis aqui um abrigo para sua cabeça; mas lembre-se que você tem que conquistar seu alimento. Isto não é nenhuma caridade; é trabalho para quem não tem trabalho, é ajuda para aqueles que não podem ajudar a si mesmos. A oficina está ali, vá e ganhe seus quatro pences, e então saia do frio e da umidade das ruas para o Abrigo quente e seco; aqui está sua caneca de café e seu filão de pão, e depois que você termina há um encontro pleno de música alegre e de camaradagem. Há aqueles que oram por você e com você, e lhe farão com que você se sinta um irmão entre irmãos. Há seu teto de emergência, onde você terá sua cama quentinha, silenciosa, imperturbada pela ribaldaria e pelas maldições com que você esteve muito tempo familiarizado. Há um banheiro onde você pode finalmente banhar-se, após tantos dias sem ter onde tomar banho. Há bastante sabão e água morna e toalhas limpas; também, lá você pode lavar sua camisa que estará seca quando você acordar. Pela manhã depois de tomar seu café da manhã, verá sua camisa seca e limpa. Então, limpo e restaurado, e não mais premido pela fome, você pode ir e buscar trabalho, ou voltar ao Galpão de Trabalho até aparecer coisa melhor».

Mas onde e como?

Agora deixe-me apresentar nosso Galpão de Trabalho. Aqui não há nenhuma pretensão de dar trabalho remunerado a um homem da mesma forma como se dá uma esmola. Não é nosso negócio assalariar homens. O que propomos é permitir que aquela mulher ou homem destituído conquiste seu próprio alimento e trabalhe para pagar seu alojamento até que possa sair no mundo e ganhar seus salários. Não há nenhum tipo de coerção para que qualquer pessoa recorra a algum de nossos Abrigos, mas se um homem sem dinheiro quer comida, ele deve, via de regra, trabalhar o suficiente para pagar por ela até que encontre outra alternativa. Eu digo via de regra porque, naturalmente, nossos Oficiais podem fixar exceções em casos extremos, mas a regra será trabalhar primeiro para depois comer. E aquela quantia de trabalho será rigorosamente remunerada. É isso que distingue este Projeto do mero auxílio caridoso.

Eu não desejo de forma alguma estabelecer um novo núcleo de desmoralização. Eu não quero que essas pessoas que nos procuram sejam pauperizadas regalando-se de algo que não conquistaram. Para desenvolver o amor-próprio no homem, fazer-lhe sentir que finalmente pisou no primeiro degrau da escada que conduz para cima, é vitalmente importante, e isto não pode ser feito a menos que a barganha entre mim e ele seja rigorosamente concluída. Tanto pelo café, como pelo pão, como pelo Abrigo, como pelo aquecimento e pela iluminação de minha parte, mas tanto pelo labor que dá em troca. Que trabalho? Alguém pergunta. Para responder esta questão eu gostaria do levá-los até nossas Oficinas Industriais [N.T. no original: Industrial Workshops] em Whitechapel. Lá você verá o Projeto em operação experimental. O que fazemos lá nos propomos fazer em toda parte na medida do necessário, e não há nenhuma razão pela qual falharíamos em outro lugar se fomos bem sucedidos ali.

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Nossa Fábrica Industrial em Whitechapel foi estabelecida nesta Primavera. Nós a abrimos em uma escala bem pequena. Desenvolveu-se até termos aproximadamente noventa homens trabalhando. Alguns destes são trabalhadores qualificados que estão engajados na carpintaria. O trabalho particular que eles têm agora em mão é a fabricação de bancos para o Exército de Salvação. Outros estão engajados fazendo tapetes, alguns são sapateiros, outros pintores, e assim sucessivamente. Este esforço experimental tem, de longe, respondido admiravelmente. Ninguém é recebido permanentemente. Na medida em que ele se dispõe a trabalhar pelo seu alimento ele é suprido com matéria prima e orientado por superintendentes qualificados. As horas de trabalho são oito por dia. Aqui estão as regras e regulamentos sob os quais o trabalho é mantido no momento: -

EXÉRCITO DE SALVAÇÃO – PROMOÇÃO SOCIAL. Quartel Provisório -- 36, UPPER THAMES STREET, LONDON, E.C,

OFICINA INDUSTRIAL URBANA OBJETIVOS. -- Estas oficinas foram abertas para auxiliar desempregados e destituídos, seu objetivo é ser uma alternativa às Casas de Trabalho [N.T. no original: Workhouse] ou à Custódia Casual. Comida e abrigo são providos em troca de trabalho, até que estejam habilitados a procurar trabalho por si mesmos, ou encontrem outro lugar.

PLANO DE OPERAÇÃO. -- Todos aqueles que solicitam ajuda serão colocados naquilo que chamamos de primeira classe. Eles devem estar dispostos a fazer qualquer tipo de trabalho que lhes for oferecido. Enquanto eles permanecerem na primeira classe, eles terão direito a três refeições por dia, e abrigo durante a noite, e em troca espera-se que estejam dispostos a executar o trabalho que lhes for designado.

Todos aqueles considerados qualificados pelos Diretores Executivos [N.T. no original Labour Directors] serão promovidos da primeira para a segunda classe. Além da comida e do abrigo supracitado, eles receberão somas em dinheiro de até 5s. ao término da semana, com a finalidade de ajudá-los comprar ferramentas para eles mesmos, para arrumar trabalho fora.

REGULAMENTOS. -- Nenhum fumo, bebida, palavrão, insulto, ou qualquer conduta premeditada para desmoralizar alguém, será permitido no recinto da fábrica. Ninguém que esteja sob a influência de bebida será admitido. Qualquer um que recusa trabalhar, ou for culpado de má conduta, será convidado a deixar o recinto.

HORAS DE TRABALHO. -- Das 7 da manhã às 8.30 da manhã; das 9 da manhã a 1 da tarde; das 2 da tarde a 5.30 da tarde. As portas serão fechadas 5 minutos depois das 7, 9, e 2 da tarde. Vales Refeição serão dados a todos em cada momento de refeição. A janta e Abrigo serão providos na Estrada de Whitechapel, número 272.

Nossa experiência mostra que podemos prover trabalho pelo qual um homem pode obter seu alimento. Teremos o cuidado de não vender os bens fabricados por preço menor que de mercado. A lenha, por exemplo, estamos nos esforçando para vender acima do preço médio. Como declaramos anteriormente, nos opomos firmemente prejudicar um grupo de trabalhadores enquanto ajudamos outro.

Tentativas em linhas um pouco semelhantes a essas descritas agora têm, no momento, provocado explosivos sentimentos de ciúme por parte dos Sindicatos, e representantes de trabalhadores. Eles acertadamente consideram injusto que o trabalho isento de Taxas e Impostos, ou Contribuições Assistenciais, deva ser posto no mercado a um preço menor que o valor de mercado, e assim competir em condições desiguais com a produção daqueles que têm que fornecer uma

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cota importante de fundos pelos quais Criminosos ou trabalhadores Pobres são sustentados. Tal ciúme é injusto em relação ao nosso Projeto, na medida em que estamos empenhados em elevar o padrão do trabalho e envolvidos em uma guerra mortal contra a exploração em toda forma e sentido.

Mas, alguém pode perguntar, como estes Sem-Trabalho podem praticar a autogestão quando você os coloca na Fábrica? Neste ponto eu tenho um relatório muito satisfatório a expor. Muitos, sem dúvida, estão abaixo do padrão, subnutridos, e sofrendo de alguma doença, ou das conseqüências do alcoolismo. Muitos também são homens idosos que foram lançados para fora do mercado de trabalho pelas novas gerações. Mas, sem entrar muito nesse mérito, posso dizer razoavelmente que estes homens não apenas se mostraram animados e dispostos, como também capazes de trabalhar. Nosso Superintendente da Fábrica informa: -

Não houve praticamente nenhuma perda de tempo ou prejuízo desde a inauguração em 29 de junho. Cada homem durante sua permanência, quase sem exceção, se apresentou pontualmente e trabalhou mais ou menos assiduamente em todo o expediente. O padrão moral dos homens foi bom, e tivemos não mais que três exemplos de um ato evidente de desobediência, insubordinação, ou dano. Os homens, como um todo, são uniformemente polidos, dispostos, e satisfeitos; eles são todos bem laboriosos, alguns, e não poucos, são assíduos e enérgicos. Os Encarregados não tiveram nenhuma reclamação séria a fazer ou delitos a informar.

Em 15 de agosto recebi um relatório com os nomes, ofícios e métodos de empregar os homens no trabalho. Dos quarenta nas áreas industriais naquele momento, oito eram carpinteiros, doze operários, dois alfaiates, dois marinheiros, três balconistas, dois engenheiros, enquanto que os demais eram sapateiro, dois donos de mercearia, tanoeiro, veleiro, músico, pintor, e um pedreiro. Dezenove destes foram empregado como lenhadores, cortando e amarrando lenha, seis foram empregados na confecção de tapetes, sete na fabricação de sacos, e o resto em vários biscates. Entre eles estava um carpinteiro russo que não podia falar uma palavra de inglês. O lugar inteiro é uma colmeia de esforços que enche os corações daqueles que vão vê-lo na esperança de que algo assim possa ser feito para resolver o problema do desemprego.

A menos que nossas Fábricas se tornem instituições permanentes, elas não serão nada mais que vagas temporárias para aqueles que aproveitam essa oportunidade. Eles são portos de refúgio onde o trabalhador náufrago pode encontrar abrigo e se recompor, de forma que ele pode voltar novamente ao mar ordinário da labuta e ganhar sua vida.

O estabelecimento destas Industrias parece ser um dos deveres mais óbvios desses que vão efetivamente lidar com o Problema Social. Elas são tão indispensáveis nos elos da corrente da libertação quanto os Abrigos, mas elas são apenas um elo e não um ponto final. E nós propomos que elas não sejam consideradas como outra coisa senão um caminho das pedras para coisas melhores.

Estas áreas industriais também estarão a serviço de homens e mulheres temporariamente desempregados que tenham famílias, e que possuem algum tipo de casa. Em numerosos exemplos, se por qualquer meio estes desafortunados pudessem obter alimento e moradia durante algumas semanas, eles superariam suas dificuldades, e uma quantidade imensa de miséria seria evitada. Em tais casos o Trabalho seria provido nas próprias casas deles se preferissem, especialmente para as mulheres e crianças, e tal remuneração teria como mira prover as necessidades imediatas da hora. Para esses que tem aluguel para pagar e famílias para sustentar algo além de rações seria

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indispensável.

O Labor nestas áreas industriais nos permitirá desenvolver nossas experiências Anti-Exploração. Por exemplo, propomos começar imediatamente a fabricação industrial de caixas de fósforos, com a qual almejamos proporcionar imediatamente quase o triplo da quantia paga no momento às pobres criaturas famintas engajadas neste trabalho.

Em todas nossas fábricas nosso sucesso dependerá de até que ponto poderemos fazer ecoar sentimentos morais e manter esses ecos nas mentes dos trabalhadores e cultivar um espírito de esperança e aspiração. Buscar destacar neles continuamente o fato de que ao mesmo tempo em que desejamos alimentar o faminto, vestir o nu, e prover abrigo para o sem-teto, estamos ansiosos também por provocar aquela regeneração do coração e da vida que são essenciais à futura felicidade futura e bem estar deles.

Mas nenhuma coação em momento algum será permitido com respeito a religião.

O homem que professa amar e servir a Deus receberá ânimo por causa de tal profissão, e o homem que não faz nada receberá ânimo pela perspectiva que ele vai, cedo ou tarde, em gratidão a Deus, fazer o mesmo; mas não há nenhuma melancólica comiseração para com ninguém. O Exército não possui nenhuma face santimoniosa. Nós falamos livremente sobre Salvação, porque ela é para nós a verdadeira luz e alegria de nossa existência. Nós estamos contentes, e desejamos que outros compartilhem nossa alegria. Sabemos por nossa própria experiência que a vida é uma coisa muito diferente quando achamos a paz de Deus, e trabalhamos junto com Ele para a salvação do mundo, em vez de trabalhar para a realização da ambição mundana ou para acumular vantagens terrestres. SEÇÃO 3. -- A TRIAGEM DO DESEMPREGADO. Quando pegamos sem-teto, proporcionamos chuveiro e alimento para mendigos sem dinheiro, e afiançamos os meios para que eles ganhem os quatro pences cortando lenha, fazendo tapetes ou remendando sapatos de seus colegas na Fábrica, o próximo passo que precisamos seriamente nos concentrar é capacitá-lo a voltar aos ranques regulares da indústria. O Abrigo e a Fábrica não são mais do que um caminho das pedras, que tem a vantagem de nos proporcionar tempo para olhar ao redor e ver o que há dentro daquele homem e o que podemos fazer dele.

A primeira e mais óbvia coisa a fazer é averiguar se há qualquer demanda no mercado regular para o trabalho que está ao alcance de nossas mãos. Para averiguar isto eu estabeleci uma Agencia de Emprego, cujas operações detalharei em grande parte a seguir, onde os empregadores podem registrar suas necessidades, e os trabalhadores podem registrar seus nomes e o tipo de trabalho que eles podem fazer.

No momento não há nenhuma bolsa de trabalho funcionando neste país. A coluna do jornal diário é a única substituta deste registro muito necessário. É uma das muitas conseqüências dolorosas que surgem da superpopulação das cidades. Em uma aldeia onde todo mundo sabe o que todo mundo necessita isso não existe. Se um fazendeiro quer um par de homens extras para ceifar ou um pouco mais de mulheres para trabalhar no tempo da colheita, ele visualiza em sua mente todos os nomes das pessoas disponíveis na paróquia. Até mesmo em uma cidade pequena há pouca dificuldade de saber quem quer emprego. Mas nas cidades este conhecimento não está disponível; conseqüente e constantemente ouvimos falar de pessoas que ficam bem contentes trabalhando em biscates em uma crise ocasional do emprego num momento em que centenas de pessoas padecem famintas procurando trabalho no outro lado da cidade. Conhecedora deste mal a lei da Oferta e Procura criou o estabelecimento escravizante [N.T. no

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original: Sweating Middlemen, estabelecimento em que os empregados trabalham longas horas a salários de fome, além de outras más condições de higiene e trabalho], que se aproveita dos desafortunados exigindo trabalho tão pesado e por um pagamento tão mínimo que os pobres diabos que caem em suas garras mal conseguem manter unidos corpo e alma. Eu proponho mudar tudo isso estabelecendo Registros que nos permitam ter em nossas mãos a qualquer momento a relação de todos os homens desempregados em um distrito e em qualquer profissão. Deste modo poderíamos nos tornar um intermediário universal entre desempregados e aqueles que procuram trabalhadores.

Com isso não propomos substituir ou interferir nos Sindicatos regulares. Onde existem sindicatos deveríamos entrar em contato com seus funcionários. Mas a massa mais desamparada e miserável será encontrada entre os trabalhadores desorganizados que não tem nenhum Sindicato, e que são, então, a presa natural dos intermediários. Por exemplo, tome uma das classes mais miseráveis da comunidade, os companheiros pobres que perambulam pelas ruas com placas no pescoço e aqueles que fazem serviços eventuais para certas empresas. Se você desejar enviar cinqüenta ou cem homens pelas ruas de Londres portando cartazes que anunciam a excelência de seus bens, basta ir até uma empresa de propaganda que o proverá com tantos homens [N.T. no original: Sandwich Men] você quiser por dois xelins ou meia coroa por dia. Os interessados se apresentam, seus bens são anunciados, você paga seu dinheiro, mas quanto disso vai para os homens que portam os cartazes? Aproximadamente um xelim, ou um xelim e três pences; o resto vai para o intermediário. Eu proponho substituir este intermediário formando uma Associação Cooperativa de Plaqueiros [N.T.: Cooperative Association of Sandwich Men]. Em todo Abrigo haveria uma Brigada de Plaqueiros [N.T. no original Sandwich Brigade] pronta em qualquer número necessário. O custo de inscrição e organização, que os homens pagariam alegremente, certamente não custa mais que um centavo de xelim.

Tudo que é preciso é estabelecer um círculo fidedigno e desinteressado dentro do qual o desempregado possa se agrupar, e que formará o núcleo de um grande Associação Cooperativa Autogerida. As vantagens de tal Associação são óbvias. Mas nisto, também, eu não falo de teoria. Eu carrego comigo a experiência de sete meses de experiência tanto na Inglaterra como na Austrália. Em Londres temos um escritório de inscrição na Upper Thames Street onde desempregados chegam todas as manhãs aos montes para registrar seus nomes e ver se podem obter trabalho. Na Austrália, pude testemunhar, foi declarado na Assembléia Legislativa [N.T. no original: House of Assembly] que nossos Oficiais tinham sido úteis em encontrar emprego para nada menos que cento e trinta e dois «sem-trabalho» em poucos dias. Aqui, em Londres, tivemos sucesso obtendo emprego para um grande número de pessoas, embora, naturalmente, esteja além de nosso poder ajudar todos esses que precisam. Nós enviamos profissionais preparados pelo país afora e há toda razão para acreditar que quando nossa Organização for melhor conhecida, e sua operações mais amplas, teremos bastante trabalho entre cidades e países, de forma que quando houver escassez em um lugar e congestão em outro, as informações serão enviadas imediatamente, de forma que o excesso de mão de obra possa ser recrutado nesses distritos onde o trabalho é requerido. Por exemplo, no tempo da colheita, com o mau tempo, é uma ocorrência bem comum as colheitas serem seriamente perdidas por falta de trabalhadores, ao mesmo tempo em que há milhares vagando pelas médias e grandes cidades buscando trabalho, mas sem encontrar ninguém para os contratar. Amplie este sistema por todo mundo, e aplicável não apenas na transferência de trabalhadores entre cidades e províncias, mas entre Países, e é impossível deixar de admitir as enormes vantagens que resultariam. O oficial dirigente de nossa Agência de Emprego experimental enviou-me as seguintes notas sobre o que já foi feito pelo escritório do Upper Thames Street:

EXÉRCITO DE SALVAÇÃO -- ASSISTÊNCIA E PROMOÇÃO SOCIAL

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AGÊNCIA DE EMPREGO Agência em funcionamento desde 16 de junho de 1890. O relatório abaixo refere-se a pormenores de transações até 26 de setembro de 1890: -- Candidatos a Emprego -- Homens .... .. 2462 Mulheres ...... 208 Total......... 2670 ==== Empregadores precisando de Homens ........ 128 Mulheres ....... 59 Total.......... 187 ==== Enviados Homens .. .... 301 Mulheres . .... 68 Total......... 369 ==== Empregos Permanentes.. .. .. ....... .. 146 Empregos Temporários, a saber: Garçons, Faxineiros, etc. .. .......... 223 Enviados p/ Fábrica em Hanbury Street.. 165 ==== SEÇÃO 4. -- A BRIGADA CASEIRA DE SALVAMENTO. É óbvio que no momento em que você começa a encontrar emprego para o trabalhador desempregado da comunidade, não importa o que você faça via cadastro, reunindo aqueles que querem trabalhar e aqueles que querem trabalhadores, ainda permanecerá um vasto resíduo de desempregados, e será o dever dos envolvidos lidar com a questão de inventar meios de garantir emprego para eles. Muitas coisas são possíveis quando há informações centradas em um núcleo de operações e disciplina no conjunto das pessoas, que são totalmente impossíveis quando cada um vai para o lado que mais lhe agrada, é o caso quando dez homens disputam uma vaga de emprego, mas nenhum deles está a disposição na ocasião e do modo esperado. Quando meu Projeto for levado a cabo, haverá em todo centro populoso um Capitão da Indústria, um Oficial especialmente encarregado com a organização do trabalho desorganizado, que estaria continuamente alerta, pensando como melhor utilizar o labor humano que está sendo desperdiçado em seu distrito. É contrário a todas as experiências prévias supor que a adição de informações, por mais precisas que sejam, funcionarão a contento quando colocam a disposição um produto que é uma droga no momento, um produto invendável, sem saída no mercado.

Robertson, de Brighton, freqüentemente costuma observar que toda verdade é construída de duas proposições aparentemente contraditórias. Da mesma maneira eu posso dizer que a solução de toda dificuldade social será encontrada na descoberta de duas dificuldades correspondentes. É como um quebra-cabeça de crianças. Quando você reúne pessoas de vez em quando descobre algum pedaço desajeitado que não se ajusta em parte alguma, mas você não fica chateado nem entra em desespero despedaçando a peça e jogando-a no lixo. Pelo contrário, você a mantém com você e fica atento, pois sabe que logo descobrirá vários outros pedaços que serão impossíveis encaixar sem seu ingovernável pedaço disforme no centro. Agora, no trabalho de juntar e montar aquele monte de pecinhas espalhadas em torno da base de nosso sistema social não devemos desesperar por termos trabalhadores desorganizados, destreinados, que parecem desesperadamente desajustados com tudo ao redor. Deve haver algo correspondente a eles que é igualmente inútil até que possa ser encontrado e devidamente encaixado. Em outras palavras, ao nos depararmos com alguma dificuldade no que diz respeito aos sem-trabalho, temos que nos dedicar a encontrar outra dificuldade que se ajuste a ela, e então dessas duas dificuldades emparelhadas surgirá a solução do problema.

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Não é necessário ir muito longe para descobrirmos em cada cidade e em cada país o elemento correspondente aos nossos trabalhadores desempregados. Por um lado desperdiçamos mão-de-obra; e por outro desperdiçamos produtos. Falarei no próximo capítulo sobre o desperdício da terra. Vou me ater agora apenas com produtos desperdiçados. Nesse aspecto temos meios para proporcionar emprego imediato a um grande número de homens, muitos deles de forma permanente.

Proponho estabelecer em toda cidade grande o que eu chamaria de «Brigada Doméstica de Salvamento», uma força civil de coletores organizados, que patrulharão a cidade inteira tão regularmente como a polícia, de forma que a cada um será confiada a tarefa de recolher o lixo das casas no circuito correspondente. Em cidades pequenas e aldeias isto já é feito, e é importante destacar que a maioria das sugestões que eu adiantei neste livro são baseadas num princípio central, o princípio da restauração; em grande escala, de forma a dotar as massas desinformadas de população em nossas cidades da mesma informação e cooperação sobre desejos mútuos de cada um e de todos, que prevalece na pequena cidade ou aldeia. Outro ponto é o manejo da unidade, porque suas dimensões e suas necessidades não foram cultivados no range da inteligência, das informações e da habilidade daqueles que moram nela. Nossas dificuldades nas cidades grandes surgem principalmente do fato de que o amontoando da população fez com que o tamanho físico da Sociedade superasse sua inteligência. É como se um ser humano tivesse repentinamente desenvolvido novos membros desprovidos de qualquer sistema nervoso que os conectasse com a massa cinzenta do seu cérebro. Tal coisa é impossível ao ser humano, mas, infelizmente, é bem possível na sociedade humana. No corpo humano nenhum membro pode sofrer sem que um telegrama seja despachado instantaneamente para o centro de informações; o pé ou o dedo clama quando sofre, e o corpo inteiro sofre com isto. Assim, em uma pequena comunidade, todos, ricos e pobres, estão mais cientes dos sofrimentos da comunidade. Em uma cidade grande onde as pessoas deixaram de ser hospitaleiros, amáveis, amistosos, prestativos, há apenas uma massa populacional congestionada, amontoada, estabelecida em certa área pequena sem qualquer elo humano que os conecte e os una. É aqui, é perfeitamente possível, e freqüentemente acontece, que os homens verdadeiramente morrem de fome bem na frente das portas daqueles que, se tivessem sido informados da condição atual do sofredor caído do lado de fora, ali pertinho de sua confortável sala de visitas, estariam prontos para providenciar o necessário auxílio. Então, o que temos que fazer é cultivar um novo sistema nervoso para o corpo político, criar um rápido, quase automático, meio de comunicação entre a comunidade como um todo e o pior de seus sócios, para restabelecer na cidade aquilo que a aldeia possui.

Longe de mim dizer que o plano que sugeri é o único plano ou o melhor plano concebível. Tudo aquilo que eu reivindico para ele é que ele é o único plano que eu posso conceber como praticável no presente momento, e que, de fato, tem a abrangência, como nenhum outro, mais ampla que pude descobrir, propõe-se até mesmo a reconstituir a conexão entre o que eu chamei de massa cinzenta do cérebro da comunidade municipal com todas as unidades individuais que compõem o corpo político.

Nessa mesma direção eu abordo o problema do lixo das cidades, considero-o como um sinal de desvio desse princípio geral. Nas aldeias há muito pouco lixo. O esgoto é diretamente aplicado na terra, e assim torna-se uma fonte de riqueza em vez de ser despejado em grandes reservatórios subterrâneos, gerando gases venenosos, que por uma engenhoca, retorna novamente para o coração de nossas habitações, como é o caso nas grandes cidades. Não há qualquer reaproveitamento do lixo orgânico. O aldeão tem sua criação de porcos ou de galinhas, se ele não tem um porco seu vizinho tem, e a coleta de restos de alimentos é administrada tão regularmente como o

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correio. O mesmo que ocorre com restos de alimentos ocorre também com trapos e ossos, ferro velho, e todos os escombros e entulhos de uma casa. Quando eu era menino uma das figuras mais familiares nas ruas de uma cidade rural era o homem que, com um pequeno carrinho de mão ou carroça, fazia uma patrulha regular semanal por todas as ruas, colecionando trapos, ossos, e todos os outros materiais que as pessoas costumam lançar no lixo, até mesmo comprando-os das crianças que os colecionam, não em moeda corrente de Sua Majestade, mas com doces comuns, conhecidos como pirulitos [N.T. no original: «claggum»] ou «maçãs do amor» [N.T. no original «taffy»]. Quando sua familiar buzina era ouvida as crianças apareciam com suas tranqueiras e as comercializavam da melhor forma que podiam com o comerciante itinerante, resultando em que toda espécie de trastes inúteis eram recolhidos, amontoados em algum lugar e reaproveitados. Agora, o que eu quero saber é por que não podemos estabelecer, em uma escala comensurável com nossas necessidades, uma indústria de reciclagem em todas nossas grandes cidades? A meu ver, é inquestionável o fato de que esta coleta é rentável. Se é rentável em uma pequena cidade rural ao Norte ou em uma aldeia em Midland, por que não seria mais rentável ainda em uma área onde as casas estão mais próximas umas das outras, e onde a luxúria e hábitos de vida descuidados com o uso do dinheiro e o esbanjamento são bem maiores. Assim, não deveria haver proporcionalmente muito mais tranqueiras, mais lixo, e, portanto mais rentabilidade que nos distritos rurais? Examinando o lixo de Londres ocorreu-me que nas latas de lixo de nossas casas há comida suficiente, se não desperdiçada, para alimentar muitos pobres famintos, e para empregar alguns milhares deles em sua coleta, e, além disso, em grande parte ajudar o projeto geral. O que eu proponho seria desenvolver algo como o seguinte plano: -

Londres seria dividida em distritos, começando com aquela porção de mobília e materiais de maior valor. Dois homens, ou um homem e um menino, seria separado para este propósito para cada distrito. Às casas seria solicitada permissão de colocar uma caçamba ou coisa parecida em algum local conveniente onde os membros responsáveis da comunidade pudessem depositar restos de alimento, e outros materiais como papel, plásticos, vidro, metais, etc., já separados e devidamente acondicionados.

Tudo isso seria coletado, digamos uma ou duas vezes por semana, ou mais freqüentemente, de acordo com a época e as circunstâncias, e transferido desses vários distritos para depósitos tão centrais quanto possível.

No momento, muito deste material é lançado na lata de lixo, onde apodrece e produz doenças. Há jornais velhos, livros rotos, garrafas velhas, latas, vidros, plásticos, etc.. Nós sabemos que há vários artigos que não estão tão ruins assim para serem lançados no lixo, mas que não tem qualquer utilidade para nós. Mas nós os colocamos de lado, deixando as coisas como estão para ver como é que ficam, e como raramente algo se ajeita por si só, lá permanecem.

Por exemplo, instrumentos musicais, brinquedos velhos, carrinhos de bebê, roupas velhas, todas as coisas, em suma, qualquer coisa que não precisamos mais, e para a qual não há nenhum mercado ao nosso alcance, mas que sentimos seria insultante e vergonhoso destruir. Quando eu tiver minha Brigada Caseira de Salvamento corretamente organizada, começando, como eu disse, em algum distrito onde provavelmente encontraremos uma grande quantidade desses materiais, nossos coletores uniformizados passariam a cada dois dias ou a cada duas vezes por semana com um carrinho de mão ou carroça. Como estes homens estariam sob rígida disciplina, e registrados, o dono da casa teria uma segurança contra qualquer eventual abuso por parte de tais visitantes regulares.

No momento, o indivíduo que percorre as ruas com uma carroça,

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comprando e vendendo coisas usadas, e que leva uma vida mais ou menos precária, por visitas intermitentes, é olhado desconfiadamente pelas donas de casa prudentes. Elas temem em muitos casos que ele recolhe refugos para ter a oportunidade de encontrar algo de maior valor enquanto «catam», e que ela seria descuidada e negligente se não houvesse nenhuma autoridade a quem pudessem reclamar. Sob nossa Brigada, cada distrito teria seu funcionário registrado subordinado a uma administração superior, a quem poderia ser feita qualquer reclamação, e cujo dever seria verificar se os funcionários sob sua responsabilidade executam seu trajeto pontualmente e cumprem seus deveres sem afronta.

Quero aproveitar essa oportunidade para negar qualquer intenção de interferir com as Pequenas Irmãs do Pobre, ou qualquer outra pessoa que recolhe sobras de alimentos de hotéis e outros estabelecimentos para propósitos caridosos. Meu objetivo não é penetrar nos domínios de meu próximo, nem eu jamais tomarei partido em qualquer disputa contenciosa para o controle desta ou daquela fonte de provisão. Tudo aquilo que já é utilizado eu considero fora de minha esfera. A selva desocupada do desperdício é uma área larga o bastante para as operações de nossa Brigada. Mas aquilo que estamos colocando em prática não tem nenhuma conotação de competição. Recolheremos regularmente sobras de alimentos de determinados grandes hotéis, e as coisas relacionadas anteriormente, e várias outras, em locais intactos onde ninguém faz isso.

Com exceção das pessoas que participaram de experiências reais, poucas pessoas tem qualquer noção da imensa quantidade de Alimento que é desperdiçada atualmente. Alguns anos atrás, a Senhora Wolseley estabeleceu um sistema de coleta de porta em porta em Mayfair para angariar alimentos para uma refeição beneficente que, combinada com Baronesa Burdett-Coutts, já tinha experimentado em Westminster. A quantia da comida que ela juntou foi enorme. Às vezes encontravam, na barrica que aguardava a chegada do carro coletor, pernas de carne de carneiro da qual apenas uma ou duas fatias haviam sido cortadas. Não é de forma alguma uma estimativa exagerada assumir que o desperdício das cozinhas de West End proveriam alimento suficiente para todos os sem-trabalho que serão empregados em nossos galpões de trabalho e centros industriais. Tudo aquilo que é necessário é uma coleta, pronta e sistemática, por homens disciplinados, confiáveis, e que cumpram sua tarefa com pontualidade e civilidade, e aqueles que fracassam neste dever podem ser chamados diretamente à atenção pelo funcionário responsável.

Sobre a utilização de boa parte do alimento coletado falarei mais tarde, quando descreverei a segunda grande divisão de meu projeto, isto é, a Colônia Rural. Muito do alimento coletado pela Brigada Caseira de Salvamento não estaria disponível para consumo humano. Neste ponto o maior cuidado seria tomado, e o resto seria despachado, se possível, através de barcaças rio abaixo para a Colônia Rural, que iremos descrever mais adiante.

Mas a comida não é o único dos materiais com que poderíamos trabalhar. Em nossa Fábrica de Whitechapel há um sapateiro que apanhamos pelas ruas, destituído e miserável. Ele está salvo agora, e feliz, e remenda o couro dos sapatos dos companheiros dele. Aquele sapateiro, eu prevejo, é apenas o pioneiro de um exército inteiro de sapateiros que constantemente trabalha reparando botas e sapatos em Londres. Já em algumas cidades provincianas um grande negócio é praticado pela conversão de sapatos velhos em novos. Eles chamam os homens assim empregados de recuperadores [N.T. no original: translators]. Botas e sapatos, como todos seus usuários sabem, não é composto de uma só peça nem vem com todas suas peças separadas. A sola muitas vezes se desgasta completamente, enquanto o couro superior permanece em bom estado, ou o couro superior estoura enquanto que o restante permanece em boas condições; mas seu par individual de sapatos e botas não é nada confortável para você quando qualquer parte fica desesperadamente ruim. Mas se você

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entrega ao nosso artista treinado em couro e ao seu exército de assistentes mil pares de botas e sapatos, verá que de mil pares de sapatos com defeito pode construir quinhentos pares que, se não perfeitos, estarão imensuravelmente melhores que as terríveis botas que cobrem os pés de muitos pobres andarilhos sem trabalho, sem falar das milhares de crianças pobres que estão agora em nossas escolas públicas. Em algumas cidades foi estabelecido um Fundo para Sapatos e Botas para prover à criança que vem à escola sapatos suficientemente bons para não deixar entrar água entre a escola e a casa. Você se lembra das 43.000 crianças famintas e subnutridas informadas pelo Senso Escolar que freqüentam as escolas de Londres, você não acha que há milhares delas que poderiam ser facilmente disponibilizadas, com vantagem, de sapatos ressuscitados de nossa Fábrica de Sapatos?

Porém, este é apenas um ramo da indústria. Tome velhos guarda-chuvas. Todos nós conhecemos o reparador de guarda-chuva itinerante cujo aparecimento na vizinhança no bairro ou na fazenda leva a boa esposa a esquecer por um momento das suas galinhas para mandar arrumar seu guarda-chuva quebrado. Mas aquele cavalheiro é quase que a única alternativa pela qual podem ser salvos os velhos guarda-chuva cheios de poeira. Ao lado de nossa Fábrica de Sapatos teremos uma grande Fábrica de Guarda-Chuva. O ferro ornamental de um guarda-chuva será provido com a vara de outro, e até mesmo aqueles bem estragados pelo uso, acharemos um bom emprego para seus aços e barbatanas.

E assim por diante. As garrafas são uma fonte fértil de uma ligeira preocupação doméstica. Quando você compra uma garrafa você tem que pagar um centavo por ela; mas quando você a esvazia você não pode recuperar seu centavo; não, nem até mesmo um farthing [N.E. Moeda inglesa de cobre de um quarto de pêni]. Então ou você lança sua garrafa vazia empoeirando, ou joga fora. Mas se nós pudéssemos colecionar diariamente todas as garrafas desperdiçadas de Londres, dificilmente não conseguiríamos transformar cada uma delas em um belo centavo, lavando-as, ordenando-as, e despachando-as para um novo ciclo. Lavar garrafas velhas manteria um número considerável de pessoas.

Eu posso imaginar a objeção que será levantada por algumas pessoas míopes de que ao reciclarmos material velho e usado, diminuiremos a demanda por material novo, e assim reduziremos trabalho e salários de uma forma que enquanto cobrimos um santo descobrimos outro. Esta objeção me faz lembrar de uma observação de um piloto do Norte do País que, ao falar da estupidez na indústria de construção naval, disse que nada faria um bem melhor do que uma série de tempestades pesadas, que enviariam um bom número de navios a vapor de longo curso para o fundo, os quais seriam substituídos, conforme os economistas políticos pensam, fazendo com que os estaleiros ficassem mais uma vez repletos de encomendas. Porém, este não é o modo pelo qual o trabalho é provido. A Economia é uma grande auxiliar no comércio, visto que o dinheiro poupado é gasto em outros produtos de indústria.

Há um material que está aumentando continuamente em quantidade e que é o desespero da vida da dona de casa e da Autoridade Sanitária Local. Eu me refiro aos alimentos enlatados. Hoje em dia tudo chega até nós em latas. Nós temos latas de café, latas de carne, lata de salmão, e ad nauseam em lata. A lata está se tornando cada vez mais o envelope universal das rações humanas. Mas quando você extrai o conteúdo da lata o que fazer com ela? Montanhas enormes de latas vazias pairam por toda parte empoeiradas, pois nenhum homem descobriu meios de utiliza-las em grande escala. O preço de mercado delas é aproximadamente quatro ou cinco xelins a tonelada, mas elas são tão leves que precisaria de meia dúzia de caminhões para transportar uma tonelada. Antigamente elas eram prensadas com solda, mas agora, por um novo processo, elas são prensadas sem solda. O problema da utilização das latas é uma das coisas que teremos que

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resolver, e eu não tenho nenhuma idéia de como fazer isso.

Eu vejo nas latas velhas de Londres pelo menos um meio de estabelecer uma indústria que é no momento monopolizada por nossos vizinhos. A maioria dos brinquedos que são vendidos na França no Dia de Ano Novo são feitos quase que completamente com latas de sardinha colecionadas na capital francesa. O mercado de brinquedo da Inglaterra está no momento longe de ser abarrotado, há multidões de crianças que não tem nenhum brinquedo interessante para se divertir. Nestas latas vazias eu vejo um meio de empregar um grande número de pessoas fabricando brinquedos baratos que acrescentarão uma nova alegria nas casas dos pobres -- o pobre para o qual cada moeda [N.T. no original: farthing] é importante. Os ricos sempre podem adquirir brinquedos -- mas os filhos dos pobres, que vivem em um cômodo não tem nada a observar a não ser a favela ou a rua. Estas desoladas crianças precisam de nossos brinquedos, e se providos bem baratos eles os levarão em quantidades suficientes para valer a pena fabricá-los.

Um livro inteiro poderia ser escrito relativo à reciclagem do lixo de Londres. Mas eu não vou escrever um. Eu espero antes fazer algo bem melhor que escrever um livro, isto é, estabelecer uma organização para reciclar o lixo, e então se eu descrevo o que está sendo feito agora, é muito melhor que explicar o que eu proponho fazer. Mas existem outros tipos de materiais no lixo que é necessário aludir, como jornais velhos, revistas, e livros. Os jornais acumulam em nossas casas até que nós às vezes os queimamos em completo desgosto. Revistas e livros velhos ficam amontoados até não sobrar nenhum lugar para colocar um volume novo. Minha Brigada aliviará o dono da casa destas dificuldades, tornando-se assim uma grande agência distribuidora de literatura barata. Depois que a revista fez seu dever nas casas da classe média, ela pode circular pelas salas de leitura, casas de correção, e hospitais. Toda publicação emitida da Imprensa que é de uso mais leve para homens e mulheres irá, por nosso Projeto, adquirir uma dupla utilidade. Será lida primeiro por seu dono, e depois por muitas pessoas que nunca teriam oportunidade de lê-la.

Estabeleceremos uma imensa loja de livros usados. Serão expostos todos os melhores livros que chegam em nossas mãos para venda, não somente em nossos depósitos centrais, mas nos carrinhos de mão de nossos vendedores ambulantes de livros que irão de rua em rua com um tipo de literatura que, acredito, será um pouco superior ao pábulo ordinário que é provido ao pobre. Depois de vendermos tudo que pudermos, e doarmos o necessário às instituições públicas, o resto será levado até nossa grande Fábrica de papel da qual falaremos depois, na parte referente à nossa Colônia Rural.

A Brigada Doméstica de Salvamento constituirá uma agência capaz de ser utilizada em qualquer extensão para a distribuição de pacotes de jornais, etc.. Uma vez que você tem seu homem de confiança que visitará cada casa com a regularidade de um carteiro, e prossegue em sua lida com a pontualidade de um policial, você pode fazer grandes coisas com ele. Eu não preciso elaborar este ponto. Será um Corpo de Comissionários universal, criados para servir ao público e aos interesses dos pobres que nos colocará em contato direto com toda família em Londres e constituirá um meio sem paralelo para a distribuição de anúncios e a coleta de informações.

Não exige uma imaginação muito fértil ver que quando tal visitação casa-em-casa for regularmente estabelecida, e desenvolvida em todas as direções; e estiver funcionando, como irá funcionar, em conexão com nossas Fábricas Anti-Exploração e Colônia Industrial, provavelmente logo se tornará o meio de negociar vários reparos caseiros, como uma janela quebrada ou uma meia-calça estragada. Se um zelador quisesse mover uma mobília, ou uma mulher quisesse limpar janelas ou qualquer outro biscate, o Servo de Todos pediria o

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serviço, verbalmente ou através de cartão postal, receberia a ordem, e o interessado apareceria sem qualquer dificuldade adicional por parte do dono da casa no momento combinado.

Uma palavra sobre o custo. Há quinhentas mil casas no distrito Policial Metropolitano. Prover toda casa com uma banheira e um saco para a recepção de lixo envolveria uma despesa inicial que possivelmente não pode ser menos de um xelim por casa. Tão enorme é Londres, e tão enorme os números com que teremos que lidar, que uma simples preliminar requereria um custo de #25.000. Claro que eu não proponho começar qualquer coisa em um patamar tão vasto. Tal soma é apenas uma das muitas despesas envolvidas, mas serve para ilustrar a extensão das operações que a Brigada Caseira de Salvamento necessitará. O empreendimento está então além do alcance de qualquer um, mas ao alcance de uma grande e poderosa organização com capital suficiente e capacidade para afiançar lealdade, disciplina, e disposição para o trabalho.

CAPÍTULO 3. RUMO AO CAMPO! A COLÔNIA RURAL

Vamos deixar de lado, por um momento, os vários aspectos das operações que serão não apenas indispensáveis mas também subsidiárias à Colônia Urbana, como as Casas de Salvamento para Mulheres Perdidas, o Resgate de Bêbados, as Casas para Ex-Prisioneiros, o Escritório de Informações para a Descoberta de Amigos e Parentes Desaparecidos, e a Agência de Aconselhamento que, no devido tempo, se tornará uma instituição de inestimável valor como Tribuna do homem pobre. Todas estas e outras sugestões para salvar o perdido e ajudar o pobre, embora formem elementos essenciais da Colônia Urbana, serão melhor explanadas depois que eu explicar a relação que a Colônia Rural terá com a Colônia Urbana, e será indicado o meio pelo qual tudo isso funcionará como um canal de alimentação da Colônia Além-Mar.

Eu já descrevi como proponho lidar, no primeiro caso, com a massa excessiva de mão-de-obra que infalivelmente acumulará em nossas mãos assim que os Abrigos estiverem mais estabelecidos em quantidade e qualidade. Mas eu reconheço completamente que quando todas as vagas de trabalho que criamos estiverem ocupadas por homens e mulheres disponíveis na cidade, mesmo assim ainda permanecerão muitos que você não poderá empregar nem mesmo na Brigada Caseira de Salvamento, ou encaminhá-los para empregadores, por mais completo e cuidadoso que sejam nossos registros. O que, então, fazer com eles? A resposta a essa pergunta parece-me óbvia. Eles têm que ir para o campo!

A terra é a fonte de todo alimento; mas a terra se torna completamente produtiva apenas pela aplicação do trabalho. Há uma vasta quantidade de terras improdutivas pelo mundo afora, não me refiro a Continentes distantes, ou ao Polo Norte aqui perto, há uma vasta quantidade de terras improdutivas aqui mesmo, bem na frente de nossa porta. Por exemplo, você já calculou as milhas quadradas de terra improdutiva que ladeia todas nossas vias férreas? Não há dúvida que alguns tipos de terra são de materiais que confundiriam a habilidade de cultivo de um chinês ou de um cuidadoso montanhês suíço; mas tais terras são exceções. Quando outras pessoas falam em cultivar a Planície de Salisbury, ou lavrar as pantanosas terras nuas do Norte desabitado, eu penso nas centenas de milhas quadradas de terra que repousam em tiras longas ao lado de cada uma de nossas estradas de ferro as quais, sem qualquer custo de transporte, poderiam ser enriquecidas com um sem número de toneladas de adubo orgânico vindo da Cidade, e cujas colheitas poderiam ser levadas imediatamente para o mercado mais próximo sem qualquer custo inicial a não ser o de encher os caminhões. Estas terras ao lado das

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estradas de ferro constituem uma área vasta, capaz produzir o suficiente para congestionar como nunca os mercados de Crosse e Blackwell. Em quase todos os municípios da Inglaterra há fazendas desocupadas, e, ainda em maior número, fazendas com apenas um quarto de cultivo, que precisam apenas da aplicação de uma população laboriosa que, trabalhando com o devido incentivo, produzirão duas ou até mesmo quatro vezes mais do que elas rendem em um dia.

Há poucos assuntos tão ferozmente controversos como a possibilidade de tirar sustento de uma pequena propriedade, mas os criadores de carneiros [N.T. no original: cottiers] irlandeses fazem isto, em regiões infinitamente piores para este propósito que as terras cultiváveis de nossa Essex, e sem possuir nenhuma das vantagens que a civilização e a cooperação -- sob o comando de uma corporação inteligentemente administrada -- pode proporcionar. Considere a terra que não é devidamente cultivada! Vá aos Vales suíços e examine você mesmo os miseráveis fragmentos de terra, desbastados como se tivessem sido retirados do coração das montanhas de granito, e onde o cabaneiro faz seu cultivo de onde tira seu sustento. Sem dúvida ele tem os Alpes onde seu gado pasta no verão, e suas outras ocupações que o permitem completar sua escassa renda com a horta de sua chácara entre os rochedos; mas se o montanhês suíço, bem no meio de uma neve eterna, longe de qualquer mercado, consegue cultivar uma terra miserável no breve verão dos elevados Alpes, é impossível acreditar que os ingleses, trabalhando em solo inglês, perto de nossos mercados e desfrutando todas as vantagens da cooperação, não possam ganhar seu pão diário por sua labuta diária. A terra da Inglaterra não é inclemente, e embora muito seja dito contra nosso clima, ela tem, como Sr. Russell Lowell observou depois de uma longa experiência em muitos países e muitos climas, «o melhor clima do mundo para o trabalho humano». Ou seja, há mais dias no ano inglês em que um homem pode trabalhar confortavelmente ao ar livre com uma enxada do que em qualquer outro país debaixo do céu. Eu não digo que os homens farão uma fortuna da terra, nem finjo que podemos, sob o cinzento céu inglês, esperar competir com a produtividade das fazendas de Jersey; mas eu estou preparado para sustentar diante de quem quer que seja que é possível um homem laborioso cultivar suas rações, desde que ele esteja determinado a arrancar com sua enxada aquilo que a terra tem para lhe dar. Especialmente quando essa empreitada for feita com uma direção inteligente e com as vantagens da cooperação.

Não é uma suposição razoável? Sempre pareceu-me uma coisa estranha essa insistência de que você primeiramente tem que transferir milhares de trabalhadores a um país desolado, deserto, para que possam trabalhar e extrair sustento da terra, quando há centenas de milhares de acres cultivados apenas pela metade ou sem cultivo algum. Seria razoável pensar que você só pode começar a tirar sustento da terra quando ela está a milhares de milhas distante do mercado mais próximo? Milhares de milhas distante do lugar onde o trabalhador possa comprar sua ferramentas e obter todas as coisas necessárias à vida? Se um homem obtêm lucro cultivando nas pradarias ou na Austrália onde toda sua produção de grãos têm que ser arrastada por locomotivas por estradas de ferro pelo continente, para depois ser levada por navios a vapor através do oceano, será que ele não poderia pelo menos obter com seu trabalho o suficiente para manter-se vivo se você colocá-lo em uma terra que dista uma hora de trem do maior mercado do mundo?

A resposta para isto é, você não pode dar a ao homem em questão um pedaço de terra tão grande quanto às pradarias ou as florestas canadenses. Isto, sem dúvida, é verdade, mas o colonizador que se instala nas regiões canadenses recobertas de matas e afastadas dos centros populosos não limpa a terra toda de uma vez. Ele se mantém com apenas uma pequena porção dela, e vai avançando aos poucos, até que, depois de muitos anos de hercúleo labor, ele estabelece para si e para seus filhos, uma posse livre e alodial. Uma posse livre e alodial [N.T. no original: freehold estate, refere-se a propriedade

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ou ocupação da terra por um indivíduo que nada deve por possuí-la, ocupá-la, ou por ter direito a ela], sem ônus pendente, não está disponível na Inglaterra, mas se um homem trabalhar na Inglaterra como se trabalha no Canadá ou na Austrália, ele encontrará pouca dificuldade em tirar sustento da terra tanto aqui como lá.

Posso estar errado, mas quando eu viajo ao estrangeiro e vejo a luta desesperada entre proprietários rurais e pequenos proprietários por uma fração adicional de terra em distritos montanhosos, uma idéia de cultivo que faria nosso trabalhadores agrícolas torcer seus narizes em profundo desprezo, me convenço de que nossa terra inglesa poderia suportar uma quantidade bem maior de almas do que suporta no momento. Por exemplo, suponha que Essex seja de repente movida de seu ancoradouro inglês e rebocado pelo Canal da Mancha até a Normandia, ou, para não imaginar milagres, suponha que a Armada Chinesa desembarque na Ilha de Thanet, como fizeram os reis dos mares, Hengist e Horsa, qualquer um que imagine por um momento o Kent, fértil e cultivado como é, passaria a considerá-lo como um verdadeiro Jardim do Éden, fora do estranho lugar distante onde nossos invasores de pele amarela projetaram um jeito para extrair o suficiente para manter-se com boa saúde. Eu apenas sugiro a possibilidade de que a dificuldade não está na terra nem no clima, mas na insuficiente aplicação de trabalho na terra suficiente, de um modo verdadeiramente científico.

«O que é o modo científico?» Alguém pergunta impacientemente. Eu não sou um agricultor; não dogmatizo nada. Eu li muito de muitas canetas, e anotei as experiências de muitas colônias, e aprendi a lição de que é na escola do trabalho prático que o conhecimento mais valioso será obtido. Não obstante, a estatura de minhas propostas é baseada na experiência de muitos que dedicaram as vidas deles ao estudo do assunto, e foi endossada por especialistas cuja experiência lhes dá autoridade para falar com uma confiança inquestionável. SEÇÃO 1. -- A FAZENDA. Minha idéia presente abrange uma propriedade de quinhentos mil acres não muito longe de Londres. Deve ser uma terra adequada para a horticultura, deve ter alguma argila para fazer tijolos e para plantações que requerem uma terra mais pesada. Se possível, deveria não apenas estar no curso de uma linha de estrada de ferro administrada por diretores inteligentes e progressivos, mas deveria ter também acesso para o mar e para o rio. Deveria ser terra de propriedade livre e alodial [N.E. algo semelhante a terra devoluta no Brasil], e deveria localizar-se não muito longe de alguma cidade ou aldeia. A razão para o desiderato posterior é óbvia. Nós devemos estar perto de Londres por causa de nosso mercado e para o transporte dos artigos coletados por nossa Brigada Caseira de Salvamento, mas não deve estar perto demais de qualquer cidade ou aldeia para que a Colônia possa estar livre de tavernas, dos elementos perniciosos, da influência venenosa, mortal, que se insinua pela árvore da civilização. Algo sine qua non da nova Colônia Rural é que não haverá nenhum tolerância a bebidas alcoólicas dentro de seus limites sob qualquer pretexto. Os médicos terão que prescrever algum outro estimulante que substitua o álcool aos residentes nesta Colônia. Mas será quase inútil excluir o álcool com uma mão forte ou com regulamentos férreos se os Colonos precisarem apenas de um curto passeio para dar de cara com «Leões Vermelhos», «Dragões Azuis», «George Quarto», que abundam em toda cidade do interior.

Uma vez obtida a terra eu deveria proceder prepará-la para os Colonos. Esta é uma operação que é essencialmente a mesma em qualquer parte. Você precisa de provisão de água, suprimentos e abrigo. Tudo isso deve ser feito da maneira mais simples possível. Nossa brigada pioneira, cuidadosamente selecionada dos competentes Sem-Trabalho na Colônia Urbana, seria enviada até a propriedade e a prepararia para aqueles que viriam depois. E aqui, é importante

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destacar, não é nenhuma grande ilusão imaginar que entre os definhados e arruinados do mercado de trabalho não há nenhum trabalhador de valor e que todos são inúteis. Eles são inúteis sob as presentes condições, expostos às constantes tentações do alcoolismo, nesse aspecto, sem dúvida eles são inúteis, mas alguns dos homens mais luminosos de Londres, algumas das mãos mais habilidosas, alguns dos cérebros mais brilhantes, estão neste exato momento perambulando desamparados na lama, da qual nos propomos salvá-los.

Eu não estou falando sem base neste assunto. Um dos meus melhores Oficiais que tenho hoje foi como eles. Há um infinito potencial de capacidade que repousa latente em nossos Botequins Provincianos e Palácios do Álcool [N.T. no original Provincial Tap-roons e City Gin Palaces] mas que precisam ser resgatados, e até mesmo aqueles que carecem destas coisas, se você puder colocá-los em condições onde não mais poderiam ser absorvidos pelos seus velhos hábitos destrutivos, você poderia fazer grandes coisas com eles.

Eu posso imaginar perfeitamente a risada incrédula diante desta minha proposta.

«O que?», alguém dirá, «Você acha que da escória dos habitantes dos bairros pobres de Londres [N.T. no original Cockneydom] você pode criar pioneiros agrícolas?» Vamos olhar por um momento para os ingredientes que compõem o que você chama «escória dos habitantes dos bairros pobres de Londres». Depois de exame cuidadoso e de uma pesquisa cruzada dos Sem-Trabalho que já estão registrados em nossa Agência de Emprego, achamos pelo menos sessenta por cento que é oriunda do campo, homens, mulheres, meninos, e meninas que deixaram as casas deles no interior e vieram para a cidade na esperança de melhorar de vida. Eles não são de forma alguma «escória dos habitantes dos bairros pobres de Londres», e eles não representam nenhuma escória do país, pelo contrário, representam os espíritos mais luminosos e mais aventureiros que tentaram corajosamente abrir o espaço deles em novas e incompatíveis esferas e acabaram mergulhando na mais terrível aflição. De trinta casos, selecionados ao acaso nos vários Abrigos durante a semana que terminou em 5 de julho de 1890, vinte e dois nasceram no interior, dezesseis eram homens que vieram a muito tempo atrás, mas que aparentemente nunca obtiveram um emprego regular, e quatro eram militares idosos. Dos sessenta casos examinados na Agência e nos Abrigos durante a quinzena que terminou em 2 de agosto, quarenta e dois vieram do campo; dos vinte e seis homens que tinham estado em Londres por vários períodos; que variaram de seis a quatro anos; nove eram rapazes com menos de dezoito, que saíram de casa rumo à cidade; enquanto que quatro eram ex-militares. De oitenta e cinco casos de albergueiros com quem conversamos à noite quando dormiam nas ruas, sessenta e três eram oriundos do campo. Uma proporção muito pequena de Sem-Trabalho são genuinamente nascidos e criados em Londres.

Há outro elemento no assunto, cuja existência será novidade para a maioria das pessoas, é a grande proporção de ex-militares entre os que estão desamparados, desesperados e destituídos. O Sr. Arnold White, depois de gastar muitos meses nas ruas de Londres e de interrogar mais de quatro mil homens que encontrou durante um gélido inverno dormindo ao ar livre como animais feridos concluiu que pelo menos 20 por cento deles são homens da Reserva do Exército. Vinte por cento! Quer dizer, um homem em cada cinco que teremos que lidar serviu sob as cores de Sua Majestade a Rainha. Esta é a recompensa que estes pobres companheiros recebem depois de dedicarem a primeira parte de suas vidas ao serviço do país deles. Embora isso possa ser largamente atribuído ao próprio descuido deles para com o uso do dinheiro e sua má conduta, é um escândalo e uma desgraça que mostra a outra face do formigamento patriótico.

Ainda assim, eu vejo nisto um grande recurso. Um homem que esteve no Exército da Rainha é um homem que aprendeu obedecer. Além disso é um

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homem que foi ensinado nas escolas mais rígidas para serem habilidosos e talentosos, para fazer o melhor no trabalho mais duro, e para não se considerar um mártir se lhe enviarem para uma empreitada desesperadora. Eu digo freqüentemente que se nós pudéssemos conseguir fazer com que pelo menos metade da devoção cristã assumisse a forma prática e o senso de dever que anima Tommy Atkins [N.T. no original commonest Tommy Atkins] que mudança seria provocada no mundo!

Olhe para pobre Tommy! Um rapaz do meio rural que entra em alguma dificuldade, está longe de casa, começa a afundar cada vez mais, sem esperança de emprego, nenhum amigo para aconselhá-lo, e ninguém para dar-lhe uma mão. Em completo desespero ele pega o xelim da Rainha e entra nas fileiras do Exército. Ele é entregue a um sargento de uma severidade inexorável, ele é compelido a alojar-se em quartéis onde não há qualquer privacidade, os homens são misturados, muitos deles com vícios, poucos desses companheiros são de sua própria escolha. Ele adquire suas rações, e embora lhe digam que irá receber um xelim por dia, há tantos obstáculos que ele freqüentemente não pega nem um xelim por semana. Ele é esmagado, premido e mandado de lá para cá como se fosse uma máquina, toda a alegria que ele tem, sem mesmo considerar que haja qualquer sofrimento da parte dele, é trabalhar estúpida e automaticamente para sua Rainha, para seu país, fazendo seu melhor. O pobre diabo também está orgulhoso de seu uniforme vermelho, e cultiva seu amor-próprio refletindo que ele é um dos defensores de sua terra nativa, um dos heróis de cuja coragem e resistência depende a segurança do reino britânico.

Do outro lado do mundo, dia após dia, algum saltitante pró-consul acha necessário esmagar alguns homens-máquinas-assassinas que surgem agourentos à sua volta, ou algum potentado selvagem faz alguma incursão no território de alguma colônia britânica, ou alguma explosão feroz de fanatismo islamita levanta um Mahdi no meio da África. Repentinamente Tommy Atkins é lançado para dentro de um navio militar, e varrido pelos mares, melancólico e enjoado, e extremamente miserável, para enfrentar os inimigos da Rainha no estrangeiro. Quando ele chega lá é despejado na praia, agrupado a outras tropas, marcha à frente sob o clarão devastador de um sol tropical em cima de pântanos venenosos nos quais os camaradas dele adoecem e morrem, até que ele afinal é retirado do local sob o ataque de dezenas de milhares de selvagens ferozes. Longe de todos que o amam ou o querem, com os pés doloridos e cansados da viagem, depois de ter comido nada mais que um pedaço de pão seco nas últimas vinte e quatro horas, ele tem que se levantar e tem que matar ou tem que matar. Freqüentemente ele cai penetrado por uma azagaia ou cortado por uma espada de folha larga manejada pelo inimigo. Então, depois que a luta acaba o solo fica coberto de camaradas mortos, seus pobres ossos são amontoados em uma cova rasa, e são abandonados sem nem mesmo uma cruz para marcar sua solitária sepultura. Talvez ele tenha sorte e consiga fugir. Mesmo assim Tommy fica sujeito a todo tipo de sofrimento e privação, não imagina a si mesmo como um mártir, as coisas que fez ou sofreu não lhe trazem nenhuma boa lembrança, e retrai-se submisso em nossos Abrigos e nossas Fábricas, pedindo apenas pela bênção do céu do aparecimento de alguém que lhe dê um emprego onde possa trabalhar honestamente. Esse é o destino de Tommy Atkins.

Se um único indivíduo sofrer ou fazer, no interior de cada uma de nossas igrejas e capelas, em benefício de sua espécie e pela salvação dos homens, aquilo que centenas de milhares de Tommy Atkins sofrem e fazem, de uma forma submissa, levando tudo como se estivesse em seu trabalho diário, em sua luta pelo alimento, pelo seu xelim diário (nem sempre diário), você não acha que transformaríamos o mundo inteiro? Sim, verdadeiramente. Mas, infelizmente encontramos muito pouco desta devoção.

Eu espero fazer grande uso destes homens da Reserva de Exército. Há engenheiros entre eles; há homens de artilharia e infantaria; há

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homens de cavalaria que conhecem o que um cavalo precisa para manter uma boa saúde, há homens do departamento de transporte, para os quais haverá bastante trabalho na transferência das montanhas de lixo de Londres para nossos Depósitos na Fazenda. Porém, a propósito, esta é uma digressão, um desvio do rumo do assunto principal.

Depois de deixar a Fazenda relativamente em ordem, devemos selecionar das Colônias Urbanas todos aqueles que provavelmente teriam êxito como nossos primeiros colonos. Estes consistiriam de homens que trabalharam muitas semanas ou muitos dias na Fábrica, ou que estiveram sob observação durante um tempo razoável nos Abrigos ou nas Favelas, e que tenham evidenciado vontade de trabalhar, disposição para a disciplina, e ambição para melhorar. Ao chegarem na Fazenda eles seriam instalados em barracas, e imediatamente dirigidos ao trabalho. No tempo do inverno fariam a drenagem, construiriam estradas, cercas, e muitas outras formas trabalho poderiam ser desenvolvidas quando os dias são curtos e as noites longas. Na Primavera, Verão e Outono, alguns seriam empregados na terra, principalmente no manejo da enxada, naquilo que é chamado sistema de agricultura «intensiva», como prevalece nos subúrbios de Paris onde os horticultores literalmente criam solo, e que rende resultados bem melhores do que quando você simplesmente arranha a superfície com um arado.

Nossa Fazenda, eu espero, será tão produtiva quanto um grande horta. Haverá um Superintendente na Colônia que seria um horticultor prático, familiarizado com os melhores métodos da pequena agricultura, e toda aquela ciência e experiência necessária para o tratamento lucrativo da terra. Então haverá várias outras formas de trabalho continuamente em desenvolvimento, de forma que emprego poderia ser fornecido e adaptado à capacidade e habilidade de todo Colono. Quanto os estabelecimentos se tornam necessários, os próprios Colonos os constróem. Se eles querem uma estufa para plantas, eles mesmos a montam. Tudo na Propriedade deve ser produzido pelos Colonos. Por exemplo, as cabanas onde vão morar.

Depois que o primeiro destacamento se instala em seus alojamentos e cultiva uma parte do campo, lá surgirá uma demanda por casas. Estas casas devem ser construídas, e os tijolos produzidos pelos próprios Colonos. Todo o trabalho de marcenaria será feito de acordo com o planejado, isso significa a criação de uma demanda sustentada. Então haverá mobília, roupas, e um grande número de muitos outros desejos, a provisão destas coisas gera trabalho que o próprio Colono executa.

O Exército de Salvação poderá consumir a totalidade dos alimentos, legumes, verduras, etc., produzidos pelas Colônias. Essa é uma das vantagens de estar conectado em grande escala e em constante crescimento; com uma mão ajudando a outra, podemos fazer muitas coisas que aqueles que se dedicam exclusivamente à colonização jamais conseguiriam realizar. Vimos a grande quantidade de providências necessárias para prover os Depósitos de Alimentos em sua presente dimensão, e como seu aumento aumentará bastante o consumo. Nesta Fazenda eu proponho implementar todo tipo de «pequenas hortas » [N.T. no original «little agriculture»].

Ainda não entrei em detalhes sobre o lado feminino de nossas operações, pois dediquei outro capítulo para isso. Porém, é necessário traze-lo aqui para explicar que tais tarefas serão exercidas tanto por mulheres como por homens. A fruticultura abre um grande campo para o trabalho feminino, e realmente será uma mudança como do Tophet [N.T. referência a um local descrito no Inferno de Dante] para o Jardim do Éden, quando as pobres meninas que perambulam desnorteadas pelas ruas de Londres trocam as calçadas do Piccadilly pelos morangos de Essex ou de Kent.

Nosso cultivo não ficará restrito apenas a frutas e hortaliças, eu acredito que uma grande variedade de culturas poderia ser desenvolvida nos suplementos menores da Fazenda.

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Não há dúvida de que no conjunto das pessoas com as quais temos que lidar haverá, até certo ponto, uma sobra residual de pessoas mentalmente fracas ou fisicamente incapacitadas para se ocuparem de labutas mais duras. Para estas pessoas é necessário achar trabalho, e eu acredito que haverá um bom campo para o uso de suas energias entorpecidas no cuidado de coelhos, na alimentação de frangos, no cuidado das abelhas, em suma, fazendo todas aquelas pequenas obras específicas, mas que não compensam o labor de homens sadios.

Uma vantagem da natureza cosmopolita do Exército de Salvação é que temos Oficiais em quase todos os países no mundo. Quando este Projeto estiver funcionando a todo vapor cada Oficial Salvacionista em toda parte será encarregado, como um dos deveres de sua chamada, manter seus olhos abertos a toda noção útil e toda idéia concebível para aumentar o rendimento da terra e evitar qualquer desperdício de mão de obra. Tudo isso significa que eu espero que não haverá qualquer idéia no mundo que não seja colocada a disposição de nosso Projeto. O Oficial na Suécia pode dar-nos sugestões práticas de como eles administram suas cozinhas [N.T. no original food kitchens ] para as pessoas. O Oficial no Sul da França pode explicar como os camponeses puderam não apenas desenvolver avícolas para seu próprio uso, como também para poder exportá-los aos milhões para a Inglaterra. O Sargento na Bélgica aprende como é que os criadores de coelhos podem alimentar e engordar sua criação e prover nosso mercado com milhões de coelhos. Assim, ouvindo-os, prestando atenção nessas idéias, faremos seu cérebro trabalhar em prol de nossa gente.

Pelo estabelecimento desta Colônia Rural deveríamos criar uma grande escola técnica de educação agrícola. Seria a Universidade Agrícola dos Trabalhadores, que treinaria pessoas para a vida campestre nas novas terras que iriam colonizar e possuir.

Todo homem que vai para nossa Colônia Rural faz isso, não para adquirir fortuna, mas para obter o conhecimento de sua ocupação e o domínio de suas ferramentas que lhe permitirão desempenhar seu papel na batalha de vida. Receberá uma vestimenta [N.T. no original uniform] barata que não acharemos nenhuma dificuldade em montá-la das roupas velhas de Londres, e será difícil que tenhamos menos sorte que o horticultor ordinário, que não tenhamos sucesso obtendo lucro suficiente para pagar todas as despesas da fazenda, e deixar algo para a manutenção dos desesperadamente incompetentes, e para aqueles que, falando de uma forma crua, não valem o que comem.

A toda pessoa na Colônia Rural será ensinada a lição elementar da obediência, e será instruída nas artes necessárias da agricultura, ou algum outro método de ganhar seu pão. A Seção Agrícola aprenderá a lição das estações e do melhor tipo de sementes e plantas. Aqueles que pertencem a esta Seção aprenderão a cavar um poço, fazer estradas e construir pontes, e em termos gerais subjugar a terra e faze-la render riquezas que nunca são negadas ao trabalhador industrioso e hábil. Mas a Colônia Rural, mais que a Colônia Urbana, embora seja instituição permanente, não abastecerá permanentemente aqueles com quem temos que lidar. É uma Escola de Treinamento para Emigrantes, um lugar onde indispensáveis lições práticas são determinadas, que permitirão aos Colonos saber resolver as dificuldades que terão pela frente e a se sentir em casa onde quer que haja terra para cultivar, sementes para semear, e colheitas para colher. Nós temos grande confiança na paz e na prosperidade da Colônia no sentido da fraternidade que será universal em sua forma mais alta e mais profunda. Embora não haja nenhum pagamento sistemático de salários, haverá algum tipo de recompensa e remuneração para o esforço honesto, que será reservado para o benefício dele, como depois explicarei. Cada um terá o seu trabalho, e a cada um será suprido em suas necessidades, e qualquer excedente fará a ponte pela qual qualquer companheiro pobre possa escapar da cova horrível e da lama imunda da qual foram salvos.

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O peso e a morosidade da vida rural, especialmente nas Colônias, levam muitos homens a preferir uma vida de sofrimento e privação em uma favela da Cidade. Mas em nossa Colônia eles estariam próximos uns dos outros, e desfrutariam as vantagens da vida rural e a associação e o companheirismo da vida urbana. SEÇÃO 2. -- A ALDEIA INDUSTRIAL. Descrevendo as operações da Brigada Caseira de Salvamento eu mencionei as quantidades enormes de alimento de boa qualidade que seriam coletadas diariamente de porta em porta durante o ano. Muito deste alimento é adequado para consumo humano, desperdiça-lo seria um erro. Por exemplo, imagine a quantidade de sopa que poderia ser feita com uma boa fervura de ossos carnosos frescos coletados na Cidade grande! Pense nos pratos delicados que um cozinheiro francês poderia fazer das sobras de alimentos de boa qualidade e que não são aproveitados em uma única cozinha de West End. A boa Arte culinária não é uma extravagância mas uma forma de não desperdício, e muitos pratos deliciosos feitos por nossos amigos Continentais vem de materiais que seriam raivosamente descartados pelos mendigos mais esfarrapados de Whitechapel.

Mas depois que isso for feito permanecerá uma massa de alimento imprópria para consumo humano, mas que pode ser convertida em comida pelo simples processo de passá-lo por outro aparelho digestivo. O pão velho de Londres, de aparência desagradável, passado, pode ser usado como alimento dos cavalos que são empregados na coleta de materiais. Ajudará alimentar os coelhos, cujos viveiros estarão perto de toda cabana na propriedade rural, e as galinhas da Colônia florescerão dos miolos que caem da mesa dos Dives. Mas depois de servidos os cavalos, coelhos e frangos, ainda permanecerá um resíduo de material orgânico que pode ser lucrativamente colocado a disposição da voracidade dos porcos. Eu prevejo um aumento na oferta de carne de porco, em virtude desse novo Projeto Social, que tornará insignificante tudo aquilo que existe hoje na Grã Bretanha e na Irlanda. Temos a vantagem da experiência internacional sobre a escolha de raças, a construção de chiqueiros, e manejo dos estoques. A maior parte da lavagem obtida virá praticamente ao custo de coleta, e pode-se adotar todos os mais recentes métodos de Chicago para a matança, defumação, e acondicionamento de nossa carne de porco, presunto, e toucinho.

Há poucos animais mais úteis que o porco. Ele come qualquer coisa, vive em qualquer lugar, e quase tudo dele, do nariz até a ponta do rabo, é possível converter em um artigo vendível. Seu porco também é grande produtor de adubo, e a agricultura é, no final das contas, em grande parte, uma questão de adubo. Trate bem a terra e ela o tratará bem. Com nossos porcos conectados com nossas Colônias Rurais não haverá nenhuma falta de adubo.

Com a suinocultura cresceria uma grande fábrica de toucinho, e que novamente geraria mais necessidade de mão-de-obra. Então seria produzida uma grande quantidade de lingüiça, e tudo feito da melhor carne em vez de ser fabricada, como é feito com muita freqüência, com ingredientes bem censuráveis e que acabam fazendo parte da ração predileta do homem pobre.

Porém, a comida é apenas um dos materiais que serão coletados pela Brigada Caseira de Salvamento. As barcaças que descem rio abaixo com a maré, carregadas com lixo recolhido de meio milhão de casas, conterá uma quantidade enorme de material que não pode ser comido nem mesmo por porcos. Por exemplo, haverá ossos velhos. No momento muitos especuladores são pagos para ir até as pradarias da América para recolher restos de ossos de búfalos mortos para fazer adubo.

Paga-se os fabricantes para trazer ossos do fim do mundo para moê-los para uso em nossos campos. Mas os ossos desperdiçados de Londres; quem os coleta? Eu vejo, como em uma visão, cargas de

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barcaças carregadas de ossos descendo o Tâmisa para a grande Fábrica de Processamento de Ossos. Os melhores renderão material para cabos de facas e botões, e inúmeros artigos que proporcionarão uma ampla oportunidade nas longas noites de inverno para testar a habilidade de nossos escultores da Colônia, enquanto que o resto irá diretamente para o Moenda de Adubo. Haverá uma demanda constante de adubo por parte de nossa crescente demanda por novas Colônias e Fazendas Cooperativas, todo homem será educado na grande doutrina de que não há nenhuma boa agricultura sem adubo em abundância. E aqui haverá uma fonte infalível de provisão.

No meio de todo esse material haverá uma imensa quantidade de substancias gordurosas, pedaços de gordura, sebo e banha, nata grossa, e toda gordura rançosa de uma grande cidade. Para tudo isso teremos que achar uso. O melhor disto fará graxa de vagão, o resto, depois da devida ebulição e filtragem, formará o núcleo da matéria-prima que fará de nosso Sabão Social uma palavra bem conhecida por toda parte [N.T. no original: throughout the kingdom]. Após o manejo do Adubo a Fábrica de Sabão será o acessório natural de nossas operações.

O quarto grande aproveitamento do que é diariamente desperdiçado em Londres será papel e papelão velho que, depois de ser tratado quimicamente, e propriamente manipulado através de maquinaria, será redirecionado ao mundo na forma de papel e papelão. O Exército de Salvação consome nada menos de trinta toneladas de papel todas as semanas. É, portanto, um cliente tão potencial para tal papel como o moinho novo no início de sua produção; papel onde poderemos imprimir as boas notícias de nossa grande alegria, e contar aos pobre de todas as nações as notícias de salvação aqui mesmo na terra e no Céu, salvação plena, presente, e livre, para todos os filhos dos homens.

Então vem o metal. Há vários modos de reciclar latas velhas em geral, podemos utilizá-los, após uma boa pintura, como vasos de plantas, ou converte-las em ornamentos, ou cortá-las para fazer brinquedos ou para algum outro propósito. Meus oficiais foram instruídos a fazer um relatório exaustivo da maneira como os coletores de refugo de Paris lidam com latas de sardinha. A indústria de fazer brinquedos a partir de latas será algo que poderá ser implementado melhor na Colônia Rural do que na Colônia Urbana. Se necessário, nós traremos um trabalhador especializado da França que ensinará para nossa gente como lidar com lata.

Com relação a tudo isso é óbvio que haveria uma demanda constante por pacotes de embalagem, por barbante, corda, e por caixas de todos os tipos; por carretas e carros; em suma, devemos em breve ter uma comunidade completa praticando quase todo tipo de ofício, profissão, ocupação, arte, que pode ser encontrado em Londres, exceto o setor de bebidas alcoólicas, e funcionando integralmente em princípios de cooperação, não aquela cooperação para o benefício do cooperador individual, mas para o benefício da massa submersa que está por traz dele.

REGRAS E REGULAMENTOS PARA A ADMINISTRAÇÃO DAS COLÔNIAS. Um documento que contém as Ordens e Regulamentos para a Administração da Colônia deve ser aprovado e assinado por todo Colono antes da admissão. Entre outras coisas haverá o seguinte: --

1. Todos os Oficiais devem ser respeitosamente tratados e implicitamente obedecidos.

2. O uso de bebidas alcoólicas [N.T. no original: intoxicants] é estritamente proibido, não é permitido dentro da área. Qualquer Colono culpado de violar esta Ordem será expulso, e na primeira violação.

3. A expulsão por embriaguez, desonestidade, ou falsidade se dará

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após a terceira violação.

4. Palavras de baixo calão são estritamente proibidas.

5. Nenhuma crueldade será praticada contra homem, mulher, criança ou animal.

6. Qualquer séria ofensa contra o caráter de uma mulher, ou criança do sexo oposto, incorrerá em expulsão imediata.

7. Após certo período de experiência, e de uma considerável porção de paciência, todo aquele que não trabalhar será expulso.

8. A decisão do Administrador da Colônia, seja Urbana, Rural ou Além-Mar, se aplica a todos os casos.

9. Com respeito a penalidades, as regras seguintes serão aplicadas.

A confiança suprema na manutenção de ordem, como foi observado antes, será colocada no espírito de amor que prevalecerá ao longo da comunidade. Mas como isso não pode ser esperado como êxito universal. Certas penalidades terão que ser providas: --

(a) A primeira ofensa, exceto em caso de flagrante, será registrada. (b) A Segunda ofensa será publicada. (c) A terceira ofensa incorrerá na expulsão ou na entrega às autoridades.

Outros regulamentos serão necessários com o desenvolvimento do Projeto.

Não haverá nenhuma tentativa de forçar os Colonos aceitar as regras e regulamentos aos quais estão sujeitos os Soldados Salvacionistas. Aqueles que estão profundamente salvos e que por livre e espontânea vontade se tornam Salvacionistas irão, naturalmente, sujeitar-se às do Serviço. Mas os Colonos que estão dispostos a trabalhar e a obedecer as ordens do Oficial Dirigente estarão sujeitos apenas ao anterior e aos regulamentos similares; para todas as outras coisas eles estarão livres.

Por exemplo, não haverá nenhuma objeção a recreações esportivas ou qualquer exercício ao ar livre condizente com a manutenção de saúde física e espiritual. Serão disponibilizados um quarto de leitura e uma biblioteca, junto com um saguão no qual eles podem se divertir nas longas noites de inverno e mau tempo. Estas coisas não são para os Soldados de Exército de Salvação que têm outro trabalho no mundo. Mas para aqueles que não estão no Exército estas recreações são permissíveis. O jogo e qualquer coisa com tendência imoral como o roubo será reprimido.

Provavelmente, haverá uma Exposição Anual de frutas e flores na qual todos os Colonos que tenham um espaço cultivado poderão participar. Eles exibirão suas frutas e legumes como também seus coelhos, suas aves, e toda criação na fazenda. Todo esforço será feito para estabelecer indústrias na aldeia, e eu tenho a esperança de restabelecer algumas das ocupações domésticas que a máquina a vapor limitou às grandes fábricas. Quanto mais auto-sustentável for uma Colônia melhor. E embora o tear manual nunca possa competir com as tecelagens de Manchester, ainda assim é uma ocupação que mantém as mãos das donas de casa ocupadas nas longas noites de inverno, e não será menosprezada como um elemento na economia da Determinação. Devido a toda sua inovação em equipamentos, Manchester e Leeds fabricam bens comuns muito mais baratos do que os que são feitos em casa ou mesmo nos entrepostos, mas ainda há alguma competitividade do tear manual em vários tipos mais complexos de trabalho. Por exemplo, todos nós ainda sabemos que o sapato feito à mão é superior

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ao artigo mais perfeito que a maquinaria possa produzir.

Haveria, no centro da Colônia, uma Escola primária Pública na qual as crianças receberiam treinamento, e lado a lado com que uma Escola Industrial Agrícola, como descrito anteriormente.

O bem-estar religioso da Colônia será acompanhado pelo Exército de Salvação, mas não haverá nenhuma obrigatoriedade em tomar parte em seus serviços. O Sabbath será observado estritamente; nenhum trabalho desnecessário será feito na Colônia naquele dia, mas além da interrupção do labor, os Colonos poderão passar o domingo da maneira que melhor lhes agrade. Será falha do Exército de Salvação se eles acharem nossos serviços aos domingos não suficientemente atraentes para merecer a freqüência deles.

SEÇÃO 3. -- AS ALDEIAS AGRÍCOLAS. Isto me conduz à próxima característica do Projeto, a criação de estabelecimentos agrícolas na vizinhança da Fazenda, ao redor da Propriedade original. Eu espero obter terra com o propósito de cedê-la aos Colonos mais competentes que desejem permanecer no país em vez de ir para o estrangeiro. Haverá partilhas de três a cinco acres com uma cabana, uma vaca, e as ferramentas e sementes necessárias para desenvolver uma agricultura de subsistência. Um custo semanal será imposto para reembolso de suas despesas e provisões. O posseiro será naturalmente titulado com seus direitos de posse, mas serão tomadas as devidas precauções contra sublocações e outras formas de exploração que se manifestam nas comunidades agrícolas. Ao entrar em sua posse, o posseiro ficará responsável pela terra e pelo sustento de sua família. Eu não terei mais nenhuma relação com aquele pai de família, como eu tenho com os outros membros da Colônia; ele não terá mais nenhuma obrigação para comigo, exceto o pagamento do arrendamento.

A criação de um grande número de Fazendas Partilhadas torna necessário o estabelecimento de uma fábrica de lacticínios, onde o leite pudesse ser trazido diariamente e pudesse ser convertido em manteiga pelos métodos mais modernos, o mais rápido possível. A indústria de laticínios, que em algumas regiões no Continente tornou-se uma fina arte, está em uma condição muito atrazada neste país. Mas pela co-operação entre os cotistas e um inteligente pessoal administrativo muito daquilo que no presente parece impossível poderá ser feito.

Ao arrendatário será permitido arendamento permanente pelo pagamento de um aluguel anual ou imposto da terra, sujeito, naturalmente, aos regulamentos necessários que podem ser feitos para a prevenção da intemperança, da imoralidade e da preservação das características fundamentais da Colônia. Desta forma nossa Colônia Rural ficará independente das pequenas Colônias ao redor até que o local original torne-se o centro de uma série inteira de pequenas fazendas onde viverão aqueles que nós salvamos e treinamos, se não debaixo da sua própria videira, figueiras, pelo menos no meio de sua própria pequena fazenda de frutas, cercada por seus pequenos rebanhos. As cabanas serão várias residências destacadas, cada qual levantada em seu próprio terreno, não tão longe de seu vizinho ao ponto de privar seus ocupantes do benefício do relacionamento humano.

SEÇÃO 4. -- A FAZENDA COOPERATIVA Ao lado da Colônia Rural renovarei a experiência desenvolvida pelo Sr. E. T. Craig, que foi tão bem sucedida quanto a de Ralahine. Quando quaisquer dos membros da Colônia original estiverem suficientemente afinados para desejar levar uma empreitada em comum por conta própria, eu me associarei com alguns deles em uma Fazenda Cooperativa, para tentar alcançar em Essex ou em Kent o mesmo sucesso alcançado no Município de Clare. Eu não possuo material mais promissor que os irlandeses selvagens da propriedade do Coronel Vandeleur, mas certamente tomarei o cuidado de tomar as precauções

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necessárias contra qualquer infortúnio que destruiu as expectativas de Ralahine.

Eu considero esta como uma das experiências mais importantes de todas, e se, como espero, for bem sucedida, quer dizer, se os resultados atingidos em Ralahine forem alcançados em grande escala, então problemas como desemprego, superpopulação, uso da terra, e suprimento de alimento para o globo, estão inquestionavelmente resolvidos.

Por enquanto isso é tudo, mais informações sobre Relahine serão colocadas no fim deste volume.

CAPÍTULO 4. NOVA BRETANHA -- A COLÔNIA ULTRAMARINA. Entramos agora na terceira e última fase do processo regenerativo. Da Colônia Ultramarina. O termo Ultramarina é suficiente para algumas pessoas condenarem o Projeto. O preconceito contra a emigração foi diligentemente nutrido em certos círculos por aqueles que admitem abertamente não desejar esvaziar as fileiras do Exército local de Descontentes. As pessoas mais descontentes são aquelas que mais causam problemas ao Governo e que tem mais possibilidade de provocar um levante generalizado, que é sua única perspectiva de esperança no futuro. Alguns novamente objetam a emigração em virtude do transporte. Eu confesso que tenho uma grande simpatia por aqueles que contestam a emigração. Para consolo de meus críticos, eu posso dizer imediatamente que se é para expatriar compulsoriamente qualquer inglês, eu me recuso fazer parte disso ou enviar ao ultramar qualquer homem ou mulher que não deseje ser enviado voluntariamente.

Uma jornada ao ultramar é agora uma coisa muito diferente do que era quando uma viagem para a Austrália consumia mais de seis meses, quando os emigrantes eram abarrotados às centenas em navios a vela, e cenas de abomináveis pecados e brutalidades eram incidentes normais da passagem. O mundo ficou bem menor desde a descoberta do telégrafo elétrico. Paralelamente ao encolhimento deste planeta sob a influência das máquinas a vapor e da eletricidade surgiu um senso de fraternidade e uma consciência de comunidade, de sociedade e de nacionalidade por parte das pessoas de língua inglesa ao longo do mundo. Mudar do Devon para a Austrália é em muitos aspectos como mudar do Devon para a Normandia. Na Austrália o Emigrante encontra homens e mulheres com os mesmos hábitos, o mesmo idioma, e na realidade, as mesmas pessoas, excluindo aqueles que vivem ao sul. A redução da taxa postal entre a Inglaterra e as Colônias, uma redução que eu espero será seguida logo pelo estabelecimento do Universal Penny Post entre as terras onde se fala o inglês, tenderá mais adiante a minorar o senso de distância.

A constante tráfego de Colonos em suas idas e vindas à Inglaterra torna absurdo falar das Colônias como se elas fossem uma terra estrangeira. Elas simplesmente são pedaços da Inglaterra distribuídos pelo mundo afora, permitindo ao bretão acesso às partes mais ricas da terra. [N.E.: Aqui vemos o espírito imperialista europeu, a exemplo dos portugueses ao invadir, ocupar e saquear Pindorama (hoje Brasil); e dos espanhóis nas terras (hoje México, etc.) onde hoje predomina a língua castelhana].

Outra objeção contra este Projeto é que os colonos já instalados no ultramar verão com infinito alarme o prospecto da transferência de nosso excesso de mão-de-obra ao país deles. É fácil entender como estes mal entendidos surgirão, mas não haverá muito perigo neste aspecto. Os trabalhadores que administram os alojamentos de Melbourne se opõem a novas remessas de homens ao seu mercado de trabalho, pela mesma razão que o Sindicato das Docas se opõe ao

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surgimento de novas remessas de homens aos portões das docas, temendo que os novatos entrem em competição hostil com eles. Mas nenhuma Colônia, e nem mesmo os Sindicalistas que governam Victoria, poderiam contestar racionalmente a introdução de Colonos treinados na terra. Eles veriam que estes homens se tornariam uma fonte de riqueza, simplesmente porque eles se tornariam imediatamente produtores como também consumidores, e em vez de reduzir salários eles tenderiam a melhorar o comércio e assim aumentar a quantidade de empregos aos trabalhadores agora na Colônia. A Emigração da forma como foi administrada até aqui foi levada a cabo em cima de princípios diretamente opostos a estes. Homens e mulheres foram simplesmente lançados em direção a países sem qualquer consideração sobre suas habilidades para conseguir sustento, por conseguinte tornaram-se pesadelo, preocupação, despesa, fardo, às energias da comunidade. O resultado é que eles circulam pelas cidades e competem com os trabalhadores coloniais, forçando assim os salários para baixo. Evitaremos esse erro. Não será necessário que australianos e outros Colonos reclamem que seus países estão sendo convertidos em um tipo de depositório de homens e mulheres totalmente inadequados às novas circunstâncias em que são colocados.

Além disso, olhando do ponto de vista da própria classe, tal emigração teria qualquer valor duradouro? Não são meramente circunstâncias mais favoráveis que são requeridas por estas multidões, mas hábitos industriosos, veracidade, e autodomínio, que os permitiriam a conquistar melhores condições caso as possuíssem. É triste, mas de acordo com informações bem seguras já há muitos -- das mesmas classes que queremos ajudar -- em países supostamente considerados como paraíso dos trabalhadores.

O que poderia ser feito com pessoas cuja primeira indagação ao chegar à terra estrangeira seria onde comprar uísque? E que são totalmente ignorantes das formas de labor e hábitos industriosos absolutamente indispensáveis à dura vida de um Emigrante? Tais pessoas inevitavelmente fugiriam da abnegação exigida pelas novas circunstâncias, e em vez de enfrentar as inconveniências ligadas à vida do colono, provavelmente afundariam em desespero e pânico, ou se instalariam nas favelas da primeira cidade para a qual eles vieram.

Estas dificuldades, ao meu ver, barram consideravelmente e em qualquer escala o caminho dos «dez por cento mais pobres» à emigração, e estou plenamente convencido, como a maioria daqueles que pensam e escrevem economia política, que a emigração é o único remédio a este poderoso mal. Agora, o plano da Colônia Ultramar, eu acho, supera estas dificuldades:--

(1) Na preparação da Colônia para as pessoas. (2) Na preparação das pessoas para a Colônia. (3) Nos arranjos que possibilitam o transporte das pessoas, quando preparadas.

Propomos garantir uma grande área de terra satisfatória ao nosso propósito dentro de algum espaço rural. Pensamos na África do Sul, para começar. Mas não precisamos de nenhuma maneira nos limitarmos àquela parte do mundo. Não há nada que impeça a implantação de estabelecimentos semelhantes no Canadá, Austrália, ou alguma outra terra. A Columbia britânica tem fortemente atraído nossa atenção.

Realmente, é certo que se este Projeto provar o sucesso que antecipamos, a primeira Colônia será a precursora de comunidades semelhantes. Porém, a África apresenta-nos grandes vantagens no momento. Acreditamos haver porções satisfatórias de terra que podem ser obtidas sem dificuldade e que se encaixam em nossos propósitos. Terras com clima saudável. Há uma grande necessidade de mão-de-obra, de forma que se por qualquer motivo faltar trabalho na Colônia, haverá oportunidades abundantes de ganhar bons salários das Companhias pelos arredores.

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SEÇÃO 1. -- A COLÔNIA E OS COLONOS. Antes de tomar qualquer decisão, porém, serão obtidas informações sobre a posição e as características da terra; a acessibilidade do mercado para a compra de artigos; a comunicação com a Europa, e outros particulares necessários.

O próximo passo seria obter a concessão, ou caso contrário, uma área suficiente de terra satisfatória à finalidade da Colônia, em condições que delineassem suas características presentes e futuras. Obtendo o título da terra, o próximo passo será fundar o estabelecimento. Isto, suponho, será realizado enviando um corpo competente de homens sob supervisão qualificada para fixar um local satisfatório para o primeiro assentamento, erguendo tais edifícios de uma forma adequada, cercando e revolvendo a terra, planejando as primeiras colheitas, e armazenando estoques suficientes de comida para o futuro.

Então uma nova leva de Colonos seria enviada para unir-se aos primeiros, e de tempos em tempos outras levas, na medida em que a Colônia esteja preparada para recebê-los. Mais adiante poderiam ser escolhidos outros locais para estabelecer mais Colônias, e antes que se passe muito tempo a Colônia seria capaz de receber e absorver um fluxo contínuo de emigração de proporções consideráveis.

O próximo passo seria o estabelecimento de uma administração competente e eficiente, que preparasse e obrigasse o cumprimento das mesmas leis e disciplina que os Colonos se acostumaram na Inglaterra, junto com eventuais alterações e adições conforme as novas circunstâncias tornasse necessário.

Os Colonos ficariam responsáveis por tudo aquilo que dissesse respeito ao seu próprio sustento; quer dizer, eles comprariam e venderiam, se engajariam no comércio, contratariam empregados, e fariam transações ordinárias do dia a dia.

Nossa Sede na Inglaterra representaria a retaguarda da Colônia no país, e com dinheiro provido pelos colonos, quando estiverem bem estruturados, compraria os produtos que, no início, eles mesmos são incapazes produzir, como maquinaria e coisas assim, e também venderia o produto deles pelo melhor preço.

Toda a terra, madeira, minerais, e similares, seriam arrendados aos Colonos, bem como toda valorização de território não obtida pelo trabalho, mas decorrente de demanda excessiva, e toda melhoria na terra, tudo isso seria assegurado em nome da comunidade inteira, e utilizado para seu proveito geral, uma certa porcentagem seria separada para a extensão de seus limites, com um contínuo e crescente fluxo de Colonos da Inglaterra.

Seriam feitos arranjos para a acomodação temporária de novas levas. Oficiais seriam mantidos com a finalidade de orientar, dirigir e supervisionar. Na medida do possível, os colonos seriam introduzidos ao trabalho sem qualquer desperdício de tempo, e seriam criadas situações para que se engajassem prontamente; de qualquer forma, suas necessidades teriam que ser supridas.

Haveria amigos que dariam boas-vindas e cuidariam deles, não somente com base no princípio do lucro e da perda, mas com base na amizade e na religião, muitos daqueles emigrantes provavelmente seriam velhos conterrâneos conhecidos, dotados de todas as influências sociais, comedimento, moderação, prudência, controle, e o gozo, o prazer e a alegria religiosa com que os Colonos se acostumaram. Após a preparação da Colônia para os Colonos, o próximo estágio é preparar os COLONOS PARA A COLÔNIA ULTRAMARINA.

Eles seriam preparados por uma educação voltada para a honestidade,

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verdade, perseverança, diligência, assiduidade, atividade, disciplina, temperança, esforço, sem os quais seria mera ilusão qualquer esperança no sucesso deles. A Colônia Urbana receberia homens e mulheres sem caráter, mas nenhum deles seriam enviados à Colônia Ultramarina sem provar merecer esta confiança.

Cada um seria inspirado pela ambição de ser bom para si mesmo e para seus camaradas Colonos.

Eles seriam instruídos em tudo que dissesse respeito à sua futura carreira.

Eles seriam instruídos em práticas laboriosas nas quais seriam proveitosamente empregados.

Eles seriam acostumados à vida dura e aos apuros que teriam que suportar.

Eles seriam acostumados no estudo da maneira pela qual os homens e a sociedade decidem, utilizando moeda ou não, empregar recursos produtivos escassos na produção de diferentes bens e distribuí-los para consumo no presente e no futuro, entre os vários grupos da sociedade. E teriam que colocar em prática tais ensinamentos. Eles seriam familiarizados com os camaradas com os quais teriam que viver e labutar.

Eles seriam acostumados ao Governo, Ordens, e Regulamentos que teriam que obedecer.

Eles seriam educados, a cada oportunidade que surgisse em hábitos de paciência, clemência, perseverança, indulgência, e afeto, que contribuiria em grande parte pelo próprio bem-estar de todos eles, e garantiria o sucesso desta parte do nosso Projeto.

TRANSPORTE À COLÔNIA ULTRAMAR. Vamos abordar agora à questão do transporte. Certamente há um elemento de dificuldade aqui, se o remédio for aplicado em uma escala muito grande. Mas isto será superado se considerarmos as seguintes questões: --

Que a amplitude do número reduzirá o custo individual. Os Emigrantes podem ser transportados a determinado local na África do Sul, como pretendemos, a #8 por cabeça, incluindo a jornada por terra; e, sem dúvida, se a quantidade for grande, este valor seria reduzido consideravelmente.

Muitos dos Colonos teriam amigos que os ajudariam com dinheiro para custear a passagem, equipamentos, aparelhamento, aprovisionamento. Os solteiros terão angariado algum dinheiro na Cidade e na Colônia Rural que será suficiente para pagar a própria passagem. Com o passar do tempo parentes que estão confortavelmente instalados na Colônia, juntarão dinheiro, e ajudarão familiares a juntar-se a eles. Temos exemplos claros na Austrália e nos Estados Unidos de como esses países têm, desta forma, absorvido milhões de esforçadas pessoas pobres vindas da Europa.

Todos os Colonos e emigrantes geralmente assinarão um instrumento legal para reembolsar todas as somas em dinheiro, despesas de passagem, equipamentos, ou para enviar contingentes adicionais no futuro.

Esse plano, se prudentemente levado a cabo, e generosamente assistido, propiciará não apenas a transferência de todo excesso de mão-de-obra deste país, como também implicará, acreditamos, com o decorrer do tempo, em enormes vantagens ao próprio povo, tanto deste país como do país que a adotar. A história da Austrália e Estados Unidos comprovam isto. É bem verdade que os primeiros colonos comparados com os últimos eram em todos os sentidos pessoas

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altamente qualificadas para um empreendimento dessa magnitude, e que nos propomos executar. Mas é igualmente verdade que um grande contingente de gente ignorante, malévola, odiosa, maliciosa, cruel, maldosa, de nossas populações européias têm vertido desde então para aqueles países sem afetar sua prosperidade, e esta Colônia Ultramar teria a imensa vantagem inicial de surgir disciplinada, administrada, cuidadosamente adaptada às mais peculiares circunstâncias, e rigidamente compromissada [N.T.: no original, enforced] em cada aspecto particular.

Para que não haja nenhum mal entendido com relação a esta Colônia Ultramarina, é bom que fique bem claro que todas minhas propostas aqui apresentadas são necessariamente tentativas e experimentos. Não há nenhum problema de minha parte em aceitar quaisquer sugestões, pareceres e considerações maduras, por parte de homens práticos, e que contribuam para o aperfeiçoamento destas minhas proposições. O Sr. Arnold White que já administrou duas levas de Colonos para a África do Sul é um dos poucos homens neste país que têm experiência prática das dificuldades reais envolvendo colonização. Eu tive, por causa de nossa amizade, a vantagem revisar este Projeto com ele, de acompanhar detalhe a detalhe, e eu me arrisco acreditar que não há nada neste Projeto que não esteja em harmonia com o resultado da experiência dele. Em um par de meses este livro será lido no mundo inteiro. E resultará em uma abundante colheita de sugestões para mim, e, eu espero que este livro preste um serviço valioso aos muitos experientes Colonos em todo país. Na ordem devida das coisas a Colônia Ultramarina é o última etapa a ser iniciada. Assim que nosso primeiro grupo de Colonos estiver pronto para cruzar o oceano eu estarei em melhor posição para corrigir e revisar as propostas deste capítulo, por causa da sabedoria e da maturidade experimentada pelos homens práticos de todas as Colônias no Império. SEÇÃO 2. -- EMIGRAÇÃO UNIVERSAL. No que diz respeito à Colônia Ultramar é consenso entre aqueles que estudam a Questão Social que a Emigração é o único remédio para a superpopulação deste país, mas ao mesmo tempo admitem não saber como adotar esse remédio; a antipatia das pessoas à grande mudança que envolve movimentar-se de um país para outro; o custo da passagem, e a incapacidade geral deles para a vida de um emigrante. Todas estas dificuldades, como abordamos anteriormente, são completamente conhecidas pelo Projeto de Colônias Ultramarinas. Mas, aparte desses que, fugindo das horríveis condição de vida, farão parte de nosso Projeto, há multidões de pessoas pelo país afora que também teriam vantagens fazendo o mesmo. Isto seria feito da seguinte maneira: --

1. Abrindo uma Agência em Londres, e designando Oficiais cuja função será adquirir todo tipo de informação sobre territórios satisfatórios, apropriados, adequados, que pudessem se enquadrar, que pudessem inaugurar novos mercados, possibilitando o acesso a terras, trabalho, rentabilidade, e coisas assim. Estas informações incluirão custo da passagem, tarifas da estrada de ferro, organizações, juntamente com todo tipo de informação necessária ao emigrante.

2. Esta Agência forneceria toda a informação necessária a qualquer pessoa interessada.

3. Condições especiais seriam arranjadas com empresas navais, companhias ferroviárias, e agentes imobiliários, às quais os emigrantes usuários da Agência desfrutariam.

4. Serão providas cartas de apresentação, na medida do possível, aos agentes e amigos nas localidades para as quais o emigrante se dirige.

5. Emigrantes interessados, desejosos de aplicar seu dinheiro em cadernetas de poupança, poderão fazê-lo no Banco do Exército de Salvação, através desta Agência.

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6. Espera-se que os agentes governamentais e outros empregadores -- que requisitam Colonos confiáveis a esta Agência -- ofereçam condições favoráveis com respeito à passagem, emprego, e outras vantagens.

7. No que diz respeito a qualquer mecanismo onde as despesas do emigrante sejam custeadas, nenhum emigrante será enviado ao estrangeiro sem referências sobre seu caráter, espírito laborioso, e aptidão.

Acredito que esta Agência será especialmente útil às mulheres e às jovens. Deve haver um grande número delas neste país que vivem em estado de desnutrição, de qualquer maneira, mesmo nessa situação, seriam muito bem recebidas no estrangeiro, suas despesas de transferência seriam custeadas por governos, empregadores e empresários que teriam toda satisfação em pagar, ou ajudar a pagar, desde que tivessem a certeza de que ambos os lados sairiam ganhando pelo arranjo feito.

Neste momento, as operações do Exército de Salvação já são bem diversificadas, e os escritórios de nossa Agência se multiplicarão de tal forma que poderão rapidamente fazer atender ambos os lados, tanto no interesse do emigrante como no interesse do empregador, e em qualquer parte do mundo. SEÇÃO 3. -- O NAVIO DA SALVAÇÃO. Quando selecionamos uma leva emigratória que acreditamos estar suficientemente preparada para trabalhar na terra que lhe foi reservada na Colônia Ultramarina, o que a aguarda do outro lado do mar não é nenhuma expatriação obscura. Qualquer pessoa que testemunhou a partida dos emigrantes da Costa Ocidental da Irlanda, e que ouviu as lúgubres lamúrias no momento da despedida, sabe do horror que a palavra emigração inspira em muitas mentes. Mas quando nossa leva partir, não haverá nenhuma tristeza, e nenhuma dor pela separação ou despedida. Em nosso navio irão todos -- pai, mãe, e filhos. Os indivíduos se agruparão em famílias, e permanecerão mais ou menos assim, como nos poucos meses que passaram na Colônia Rural, conhecendo-se mutuamente no campo, nas oficinas, e nos Serviços Religiosos. É como desatracar um pedaço da Inglaterra, rebocá-lo pelo mar e atracá-lo em um ancoradouro seguro em um clima mais ensolarado. O navio que transporta emigrantes, transportará também o produto das fazendas, e esse constante vai-e-vem, mais do que nunca, nos dará um sentimento de que esses nossos irmãos separados pelo oceano são membros de uma família.

Qualquer pessoa que alguma vez cruzou o oceano não consegue evitar ficar impressionado com a dor que os emigrantes sentem em sua viagem rumo ao seu destino. Muitas e muitas vezes garotas soçobram diante das tentações que as atacam em sua jornada em direção terra onde esperam encontrar um futuro mais feliz.

«O diabo sempre encontra alguma tarefa para mãos desocupadas», e a bordo de um navio emigrante há muitas delas. Dê uma olhada na proa, a qualquer momento, e você verá em todas as faces um enfado inexprimível. Os homens não têm nada que fazer, e um incidente banal como o aparecimento de uma vela no horizonte distante é um evento que chama a atenção de todo navio. Eu não vejo por que isto deveria ser assim. Naturalmente, no caso do embarque e desembarque de passageiros e frete para distâncias curtas, seria inútil esperar que todo tempo ou energia fosse dedicado à ocupação ou instrução de passageiros. Mas o caso é diferente quando, em vez da América, os emigrantes seguem rumo à África do Sul ou à remota Austrália, quando, mesmo os mais velozes navios a vapor têm que permanecer algumas semanas ou meses em alto mar. O resultado é que são adquiridos os conhecidos hábitos nocivos da inatividade, e muito freqüentemente o trabalho moral e religioso de toda uma vida é extinto.

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Para evitar estas conseqüências más, acredito que deveríamos ser compelidos a ter nosso próprio navio o mais cedo possível.

Poderíamos encontrar um que melhor se enquadrasse com nosso trabalho. Sem considerar a questão do tempo, que seria de importância muito secundária para nós, construindo nosso próprio navio disporíamos de mais espaço para a acomodação de emigrantes e para a ocupação industriosa, e envolveria consideravelmente menos despesas de funcionamento [...]

Todos os emigrantes estariam sob responsabilidade dos Oficiais do Exército de Salvação, e em vez de uma viagem desmoralizante, seria instrutiva e lucrativa. Desde o embarque em Londres até o desembarque no destino, todo colono seria supervisionado, poderia receber instrução em detalhes particularmente necessários, e sujeitos a influências que seriam inteiramente benéficas.

Já vimos que uma das grandes dificuldades com respeito à emigração é o custo do transporte. A despesa de conduzir um homem da Inglaterra para a Austrália, que leva sete ou oito semanas, está menos relacionada ao funcionamento da embarcação que o leva, do que às provisões que ele consome durante a viagem. Agora, com este plano eu acho que os emigrantes poderiam custear com trabalho pelo menos uma porção deste desembolso. Não há nenhuma razão pela qual um homem não deva trabalhar a bordo do navio tanto quanto trabalha em terra.

Claro que não dá para fazer muita coisa em condições meteriológicas desfavoráveis; mas o número normal de dias durante os quais seria impossível aos passageiros empregar lucrativamente no tempo gasto entre o Canal e Cape Town ou Austrália seriam comparativamente poucas.

Quando o navio está desatracando, atracando ou balançando muito, o trabalho seria difícil; mas quando os colonos já se acostumaram, e estão livres das náuseas que atacam os marinheiros de primeira viagem, eu não posso ver por que eles não deveriam se ocupar com alguma forma de trabalho industrial mais lucrativo do que bocejar e vadiar pelo convés, sem mencionar o fato deles estarem ajudando na despesa da própria passagem. Se marinheiros, bombeiros, engenheiros, e outros ligados à embarcação tem que trabalhar, não há nenhuma razão pela qual nossos Colonos também não devam fazer o mesmo.

Claro que este método requereria arranjos e ajustes especiais no navio que, se fosse nosso próprio, não seria difícil fazer. À primeira vista pode parecer difícil achar trabalho para fazer a bordo de um navio, e poderia parecer impossível encontrar imediatamente as pessoas certas; mas eu acho que haveriam poucos que não proveriam algum labor útil antes da viagem terminar, em virtude das pessoas com as quais estaremos lidando, e desde que fossem anteriormente devidamente instruídas.

Para começar, haveria uma grande quantidade de trabalho ordinário no navio que os Colonos poderiam executar, como preparar e servir comida, limpar o convés e as instalações do navio, e carregar e descarregar a carga. Todas estas operações poderiam ser feitas prontamente sob a direção de mãos permanentes. Então fazer sapatos, tricotar, coser, costurar, e outras ocupações semelhantes poderiam ser acrescentadas. Acho que máquinas de costura poderiam ser montadas, e, de uma maneira ou de outra, alguma quantidade de roupas poderiam ser fabricadas, e que seriam prontamente vendidas com lucro no desembarque, para os próprios Colonos, ou para pessoas ao redor.

O navio seria então não apenas uma perfeita colmeia industriosa, seria também um templo flutuante. O Capitão, os Oficiais, e toda tripulação seriam Salvacionistas. Todos estariam semelhantemente interessados no empreendimento. Além disso, muito provavelmente

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obteríamos o serviço dos administradores do navio e da tripulação da maneira mais barata, em harmonia com os usos e costumes do Exército em todos outros lugares, homens que servem por amor e não como um mero negócio. O efeito produzido pelo nosso navio singrando lentamente para os mares do sul testemunhará a realidade de uma Salvação para ambos os hemisférios, atracando em portos adequados, constituindo um novo tipo de trabalho missionário, e angariando em todos os lugares uma grande quantidade de verdadeira simpatia. No momento a influência desses que navegam pelos mares nem sempre atuam no sentido de elevar a moral e a religião dos moradores nos lugares onde chegam. Porém, pelo menos, nosso barco representaria um transporte cujo aparecimento não prediria nenhuma desordem, nem daria origem a nenhum deboche, e do qual fluiria um Exército de homens que, ao contrário de uma multidão de pés-de-cana e outros espíritos licenciosos, se ocupariam em explicar e proclamar a religião do Amor Divino e da Fraternidade Humana.

CAPÍTULO 5. MAIS CAMPANHAS Até aqui esbocei brevemente as principais características do tripé do Projeto que acredito ser a saída da «Tenebrosa Inglaterra» pela qual seus destituídos habitantes possam escapar para a luz e para a liberdade de uma vida nova. Mas não basta fazer uma larga estrada de saída a partir do coração desta floresta densa e emaranhada; em muitos casos seus habitantes estão tão degradados, tão desesperados, tão completamente desanimados que teremos que fazer algo mais que abrir estradas. Como lemos na parábola, com freqüência não é suficiente que o banquete esteja preparado, e os convites entregues; devemos penetrar pelas estradas e caminhos secretos e convidar as pessoas para que venham. Não basta disponibilizar nossas Colônias Urbanas e Rurais, e depois descansar como se tivéssemos encerrado nosso trabalho. Apenas isso não salvará o Perdido.

É necessário organizar expedições de salvamento para livrar os miseráveis vagantes do cativeiro que os oprime, e resgatá-los para a plena liberdade e para vida abundante. Vamos considerar Stanley e Emin, por exemplo! Não há quem não conheça algum Emin em algum lugar no coração da Tenebrosa Inglaterra esperando para ser resgatado.

Nossos Emins têm o Diabo como guia, e quando nos aproximamos deles constatamos que são seus amigos e vizinhos aqueles que os retém, e eles são, oh, tão vacilantes! É necessário que cada um de nós seja tão teimoso quanto Stanley, para vencer todos os obstáculos, e para forçar nossa passagem diretamente para a direção correta, e então labutar com os pobres prisioneiros do vício e do crime com toda nossa força. Mas se o Comitê Expedicionário não fornecesse os meios financeiros que permitisse a abertura de um caminho até o mar, Stanley e Emin provavelmente até hoje ainda estariam presos no coração da Tenebrosa África. Este Projeto é nossa Expedição Stanley. A analogia é bem precisa. Eu proponho abrir uma estrada até o mar.

Mas ai de nosso pobre Emin! Mesmo com a estrada já aberta, ele pára, titubeia e duvida. Primeiro ele resolve ir, depois resolve não ir mais, e nada menos que uma pressão irresistível de um amigável e forte propósito o constrangerá seguir a estrada que foi aberta para ele por um alto e sangrento preço. Então, eu passo a esboçar alguns métodos pelos quais tentaremos salvar o perdido e salvar os que estão perecendo em meio à «Tenebrosa Inglaterra».

SEÇÃO 1. -- UMA CAMPANHA NA FAVELA. -- NOSSAS IRMÃS DA FAVELA. Quando o Professor Huxley viveu como médico no Leste de Londres ele adquiriu tal conhecimento da real condição da vida daquela população que declarou que o ambiente selvagem da Nova Guiné era muito mais propício a uma existência humana decente que a Zona Leste de Londres. Ai, não apenas em Londres existem tais vielas nas quais os

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selvagens da civilização espreitam e procriam. Todas as grandes cidades no Velho e no Novo Mundo tem favelas, onde lixo, vermes, homens, mulheres, e crianças se misturam. Elas correspondem aos leprosários da Idade Média.

Como nos dias de São Francisco de Assis e seu heróico grupo de santos que sob suas ordens saíram e foram viver entre os leprosos fora dos muros da cidade, assim as almas dedicadas que se alistaram no Exército de Salvação montaram suas bases bem no coração das piores favelas. Com a diferença de que os Frades eram homens, e nossa Brigada da Favela é composta por mulheres. Eu tenho cem delas sob minhas ordens, em sua maior parte jovens, espalhadas em postos avançados no coração do país do Diabo. A maioria delas foram crianças pobres que souberam superar o sofrimento em sua mocidade.

Algumas são mulheres que não temeram trocar o conforto dos bairros ricos de Londres pelo serviço entre os mais pobres dos pobres, nem residir em quartos pequenos e malcheirosos com paredes infestadas de animais daninhos. Elas vivem a vida do Crucificado por causa dos homens e mulheres pelos quais Ele viveu e morreu. Neste Exército, elas formam uma frente à qual dedico meu mais profundo respeito. Elas estão à frente; elas estão em luta corpo-a-corpo contra o inimigo. Para aqueles que moram em casas decentes e que ocupam assentos almofadados nas igrejas, ocorre algo estranho e pitoresco quando elas lêem a Bíblia, elas usam uma linguagem que habitualmente se refere ao Diabo como um personagem real, e à luta contra o pecado e a imundícia como se fosse uma luta de vida ou morte contra as legiões do Inferno. Para nossas pequenas irmãs que vivem naquela atmosfera pesada e maldita, entre pessoas encharcadas com bebida, em becos onde o pecado e a sujeira são universais, todas declarações Bíblicas são tão reais quanto as cotações da Bolsa de Valores são para o homem de Cidade. Elas moram bem no meio do Inferno, e em sua guerra diária contra uma centena de diabos parece-lhes incrível que alguém possa duvidar da existência desses dois lados em luta.

A Irmã da Favela é o que o próprio nome insinua, a Irmã da Favela. Elas atuam da maneira Apostólica, em duplas, vivendo no mesmo tipo de abrigos ou quartos que o povo vive, apenas diferindo na limpeza e na ordem, e nos poucos artigos de mobília que eles contêm. É lá que elas vivem durante todo o ano, visitando o doente, cuidando das crianças, mostrando para as mulheres como elas devem fazer para manter suas casas decentes, fazendo freqüentemente os deveres no lugar de uma mãe que adoece; cultivando a paz, defendendo a temperança, aconselhando no dia-a-dia, e ensinando continuamente as lições de Jesus Cristo aos Banidos da Sociedade.

Eu não gosto de falar do trabalho delas. É impossível expressar com palavras, e por mais que fale não consigo dar uma idéia exata do que ocorre. Prefiro citar dois artigos de jornalistas que viram estas meninas trabalhando no campo. O primeiro é um longo artigo de Julia Hayes Percy para o jornal New York World, que descreve uma visita que ela fez a uma favela onde o Exército de Salvação atua em Cherry Hill Alleys, uma espécie de Whitechapel de Nova Iorque.

Vinte e quatro horas na favela -- apenas uma noite e um dia -- mas com revelações tão plenas de miséria, depravação, e degradação que, depois de contempladas, muda a vida da gente. Ao redor e sobre a favela flui uma maré de vida ativa, próspera. Homens e mulheres passam em seus carros pelos viadutos e pontes indiferentes à miséria, aos criminosos que ali se desenvolvem, e às doenças que pululam com a sujeira. É uma medonha ameaça à saúde pública, moral e física. A multidão é tão descuidada do perigo quanto o camponês que constrói sua casa e cultiva seus vinhedos e oliveiras sob o fogo do Vesúvio. Distraídos e inconscientes passamos por cima da ponte no final da tarde. Nosso destino imediato é o Quartel do Exército de Salvação na Washington Street, até que encontramos finalmente as Oficiais Salvacionistas -- duas mulheres jovens -- que vivem e trabalham há meses em um dos piores e mais miseráveis quarteirões de

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Nova Iorque. Mas estas Oficiais não vivem sob a égide do Exército. A bandeira bordada azul é desfraldada longe da vista, seus uniformes e bonés de pala larga são retirados, e não há nenhum tambor ou pandeiro. «A bandeira sobre elas é a bandeira do amor», são pessoas que vivem como as demais no mesmo plano de pobreza, sem usar nenhuma roupa melhor, comendo comida ordinária e escassa, e dormindo em camas duras ou no chão. As vidas delas são consagradas ao serviço de Deus entre os pobres da terra. Uma delas é uma mulher no primor de sua juventude, e a outra uma menina de dezoito anos. A mais velha destas devotadas mulheres nos espera no quartel e será nossa guia.

Ela é alta, esbelta, e traja um grosso vestido marrom, reparado com remendos. Ao redor de sua cintura há um grande avental de pano de algodão, artisticamente rendado em vários lugares. Ela usa um velho mantô lanoso xadrez e um surrado chapéu de palha marrom. Seu vestido indica pobreza extrema, e sua face denota paz perfeita. «Esta é Em», diz a Sra. Ballington Booth, e após esta apresentação saímos imediatamente.

Enquanto penetrávamos dentro da favela Em parava diante de janelas sujas, quebradas, cobertas por fuligem, pelas quais via-se homens de olhar sombrio, bebendo e disputando uma mesa. «Eles são nossos vizinhos da frente». Entramos pela porta da sala e chegamos ao quarto, minúsculo, mas limpo e quente. Um fogo arde no fogão a lenha corajosamente apoiado sob três pernas e com um tijolo servindo como a quarta perna. Um abajur de lata na mesa, meia-dúzia de cadeiras, uma das quais sem encosto, que há muito deve ter renunciado sua função como cadeira de balanço, e uma caixa de embalagem na qual depositamos nossos mantôs. Essa era a mobília. Num pequeno quarto escuro havia uma cama de lona e outra dobrada contra a parede. Ao lado da porta que dava passagem para o quarto da frente vimos homens sentados com um olhar de desaprovação diante de uma mesa de madeira com uma pia em cima. Um pequeno baú e um barril de roupas completam o inventário.

A irmã Em seu trabalho na favela deu-nos uma doce e tímida acolhida. É uma menina sueca, bonita, de cabelo loiro encaracolado, do tipo escandinavo. Sua cabeça lembra um querubim do Louvre, com seu cabelo ondulado acima das sombrancelhas e uma suave face pequena e macia com traçados infantis, uma boca minúscula, como pétala de rosa, e olhos azuis profundos. Esta menina tornara-se salvacionista ha apenas dois anos. Durante esse tempo ela aprendeu a falar, ler, e escrever em inglês, ao mesmo tempo em que lidava com pobres e miseráveis. A casa onde nos encontrávamos foi notória no passado como uma das piores do distrito de Cherry Hill. Foi cena de alguns crimes memoráveis, entre eles o do chinês que matou sua esposa irlandesa, ao estilo de «Jack o Estripador», na escadaria que conduz ao segundo pavimento. Uma mudança notável aconteceu naquela moradia desde que Mattie e Em mudaram para lá, e a agradável influência delas se fazia sentir em toda vizinhança. Já era quase oito horas da noite quando saímos. Cada uma de nós portava um punhado de impressos com uma passagem bíblica e alguns palavras incitando os leitores a uma vida melhor.

«Eles fornecem uma desculpa para entrar em lugares que sem eles não poderíamos entrar», explica Em.

Depois de marcar um ponto de encontro, nos separamos. Mattie e Liz seguem numa direção, Em e eu noutra. Parecia que a gente descia o Tartarus. Em pára diante de uma taverna de aspecto miserável, empurra a porta tipo vaivém, e adentramos no recinto. É um salão de forro baixo, terrivelmente sujo, coberto de fuligem, cheirando a cerveja azeda e bebida forte. Um balcão malfeito se estende por um lado, do lado oposto há uma mesa longa, com restos de alimentos, misturados com copos vazios, chapéus rotos, e tocos de charuto. Uma multidão variada de homens e mulheres se acotovela no espaço estreito. Em fala com uma pessoa sóbria que a observa atentamente, e que presta atenção em suas palavras, enquanto outros se aproximam

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para ouvir. Muitos aceitam os folhetos oferecidos, gradualmente a multidão abre espaço, até que chegamos no fundo do salão. A seriedade e a doçura se estampa na face de Em. Eu a sigo como uma estrela, sem medo, e tomada por um grande sentimento de compaixão pela tristeza daquelas vidas.

Conforme a noite avança, toda a favela parece mais desperta. Toda casa tem luz; as calçadas estreitas e as ruas imundas estão abarrotadas de gente. Crianças infelizes perambulam aqui e ali, com suas faces marcadas pelo sofrimento, movem-se como ratos; alguns deles, tão pequenos que caberiam em berços, dormem em porões, terrenos baldios, e debaixo de carros; alguns vendedores são vistos ao redor com suas mercadorias, mas o movimento maior está em outra área. Ao longo da Water Street há mulheres com vestes coloridas e enfeitadas. Suas faces estão fortemente pintadas, inchadas, aflitas; elas tremem açoitadas pelo vento da noite. Liz fala com uma delas, que responde que gostaria de conversar, mas que tinha medo, aí apareceu um velho ranzinza gritando: «Cai fora! Deixe a menina trabalhar!» Um homem disse a Em: «Eu não quero viver como vivo; preciso de um local agradável, quente e limpo, depois de trabalhar todo o dia, e não há nenhum lugar assim por aqui». Quando voltávamos para casa Em comentou: «Você verá amanhã como é que essa gente vive». O barraco de Ann parecia um oásis de paz diante do deserto agitado pelo qual vagamos. Ao chegarmos Em e Mattie prepararam um mingau de aveia. Saboreamos uma xícara cada. Liz e eu compartilhamos uma cama no quarto exterior. Estávamos quase dormindo quando ouvimos gritos de agonia pela noite; era a voz de uma mulher. Não conseguimos compreender o que dizia, mas estava em franco desespero. A voz vinha do lado de Water Street. Sentimos que uma tragédia estava acontecendo. Houve um estouro e depois veio o silêncio.

É habito nas favelas deixar os portões sempre abertos, o que acaba sendo conveniente aos vadios, que rastejam pelas vielas em busca de um local para dormir à noite, e que não querem gastar alguns pences com um «quarto» de hotel barato. Como Em e Mat mantêm o quintal da casa onde vivem rigorosamente limpo, tornou-se local predileto de vagabundos. Conversávamos sobre isso. Mattie fechou e trancou a porta. Foi quando ouvimos passos ao longo do corredor, batidas na porta, e depois roncos pela noite afora.

A lida diária de Em e Mat com seus vizinhos é intensa, na noite anterior à última passaram sentadas ao lado de uma mulher agonizante. Elas estão cansadas e dormem pesadamente. Liz e eu permanecemos acordadas esperando pela chegada da manhã; estamos por demais oprimidas pelo que vimos e ouvimos.

Pela manhã Liz e eu demos uma espiada ao derredor donde vieram os terríveis gritos agudos à noite. Nenhum sinal de vida. Mas descobrimos sujeira suficiente para espalhar difteria e febre tifóide ao longo de uma grande área. Debaixo de nossa janela há várias polegadas de água parada em meio a um amontoado de sapatos velhos, repolho podre, lixo, madeira podre, ossos, trapos, todo tipo de sujeira, e alguns ratos mortos. Entendemos agora por que Em mantém o quarto dela cheio de desinfetantes. Ela nos disse que não ousa fazer nenhuma denúncia às autoridades sanitárias, nem em seu próprio nome nem em nome de qualquer outra habitação, com medo de antagonizar com pessoas que consideram tais funcionários como inimigos naturais.

Em nossa primeira visita atravessamos vários pequenos becos estreitos, com passos titubeantes, entremeados por tropeços pelo caminho. O chão está cheio de buracos. Há sinais de conserto aqui e ali, mas parecem perigosos sob nossos pés. Um portão se abre em meio a um monte de tranqueiras e uma voz rouca feminina nos convida para entrar. Ela está com uma forte gripe. Estamos todos bem espremidos naquele quarto pequeno, com três mulheres, um homem, um bebê, um sofá cama, um fogão, e sujeira por toda parte. O ambiente fede. O

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homem está evidentemente à beira da morte. Sete semanas atrás ele pegou a tal «gripe». Agora está na última fase de pneumonia. Em tentou convencê-lo a ir para o hospital, e ele balbucia seu desejo de «morrer no conforto de minha própria cama». Conforto! A «cama» é uma armação amontoada de trapos. Lençóis, travesseiros, roupas de dormir não estão em voga nas favelas. Uma mulher dorme no chão sujo com a cabeça debaixo da mesa. Outra mulher, que passou toda a noite cuidando do doente junto com a esposa dele termina sua refeição matutina de ostras assadas. Uma criança que parece nunca ter sido lavada engatinha sobre o chão, caindo por sobre a mulher que dorme. Em dá a ela um pouco de sopa de aveia, e descobre que seu nome é «Christine».

A sujeira, a desordem generalizada, e o mau cheiro, são as características principais dos seis locais que visitamos. Penetramos em sótãos, descemos em porões. As «casas nos fundos» são particularmente terríveis. Em toda parte há esgoto a céu aberto, a grande quantidade de gatos e ratos mortos evidencia os rastros da vigilância sanitária [N.T. no original: mighty hunters among the gamins of the Fourth Ward]. Há muita gente com gripe e com as seqüelas que ela provoca. Mas nenhum desses sofredores sequer pensa em procurar um hospital. A idéia dominante é que «após o banho virá a morte». Para aquela gente um banho provoca mais terror que a forca ou a sepultura.

Em um quarto, com uma janela pequenina, uma mulher morre de tuberculose ao lado de um homem pálido, deitado, um pobre diabo em trapos e enxameado de piolhos. O pequeno filho dela, um menino de oito anos, se aconchega ao seu lado. As bochechas dele são escarlate, os olhos febrilmente luminosos, está com uma tosse seca. «É o frio, moça», balbucia a pequena boca. Há seis camas, amontoadas no quarto ao lado; uma está vazia. Três dias atrás uma mulher morreu ali e o corpo há pouco foi retirado. A presença da morte no ambiente não perturbou o resto dos ocupantes. Uma mulher coberta com um monte de trapos, está deitada em cima dos destroços de uma cama, com sarrafos e ripas sobrepostos em todas as direções.

«Quebrou à noite debaixo de mim», explica. Uma mulher doente quer que Liz faça uma oração. Ajoelhamos no chão imundo. Logo todas minhas faculdades são absorvidas especulando o que virá primeiro, o «Amém» ou a «Morte». Felizmente o amém chegou primeiro. Não via a hora da oração terminar para poder levantar e sair dali. [N.T. no original: Soon all my faculties are absorbed in speculating which will arrive first, the «Amen» or the «B flat» which is wending its way to wards me. This time the bug does not get there, and I enjoy grinding him under the sole of my Slum shoe when the prayer is ended]

Em outro quarto encontramos algo que parecia um cadáver. Uma mulher em um estupor de ópio. E homens bêbedos brigando ao redor dela.

Voltando a nossa moradia, encontramos Em e Liz e trocamos nossas experiências. Os detalhes secundários variam ligeiramente, mas a história é sempre a mesma por toda parte, o mesmo tom comovente da aflição, do crime, e das condições que só mudam com a prisão, o suicídio, ou o cemitério.

O Continente Negro de forma alguma revela mais degradação que os moradores das escuras ruelas de Cherry Hill. Não há vício que não seja praticado naqueles quarteirões. Sementeira de penitenciárias e prisões onde florescem todos os pecados do Decálogo. Tal asquerosidade moral penetra e envenena as veias de nossa vida social. Uma sujeira e mal cheiro que cedo ou tarde esparramam a doença e a morte.

Um quadro verdadeiramente terrível, mas iluminado pelos olhos da

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«doce e séria Em».

Eis aqui o segundo testemunho escrito por um jornalista em visita a Whitechapel. Ele escreve: --

Acabara de passar pela igreja de Mr. Barnett quando parei diante de uma pequena multidão num canto de rua. Havia trinta ou quarenta homens, mulheres, e crianças todos juntos de pé, alguns outros vagavam no lado oposto da rua na porta de um bar. No centro da multidão havia uma pequena mulher com o uniforme do Exército de Salvação, de olhos fechados, enquanto orava «querido Deus, abençoa estas queridas pessoas! Salve-os! Salve-os agora!» Movido pela curiosidade, aproximei-me da multidão, e notei outra mulher, também invocando o Céu, mas de um modo completamente diferente. Dois mendigos bem sujos estavam escutando a oração, de pé enquanto fumavam seus cachimbos. Por uma ou outra razão eles ofenderam a segunda mulher, e ela se voltou contra eles. Eles permaneceram em silêncio enquanto ela vociferava como um demônio. Ela parecida bonita, mas estava horrivelmente inchada pela bebida, e excitada pelo ódio. Ouvi ambas as vozes ao mesmo tempo. Mas que contraste! A oração terminara. E veio uma séria mensagem.

«Você está errada», disse a voz no centro, e «você sabe que está; toda essa sua miséria e pobreza é uma prova disto. Você desperdiça todo o dinheiro que lhe chega às mãos. Você está longe da casa de seu Pai, e se rebela diariamente contra Ele, e não é por acaso que passe tanta fome, opressão, e miséria. Mas apesar de tudo seu Pai ama você. Ele quer que você volte para Ele; que se afaste de seus pecados; que abandone suas más ações; que deixe a bebida e que páre de servir ao diabo. O Pai deu seu Filho Jesus Cristo para morrer por você. Ele quer te salvar. Venha aos pés dele. Ele está esperando. Os braços dele estão abertos. Eu sei que o diabo quer acabar com você; mas Jesus lhe dará força para vencê-lo. Ele o ajudará a dominar seus hábitos ruins e seu vício da bebida. Vem agora a Ele. Deus é amor. Ele me ama. Ele ama você. Ele nos ama a todos. Ele quer salvar todos nós».

Sua voz, clara e forte, eloqüente, fervorosa, e de intenso sentimento, tocou aquela pequena multidão, e derramou uma maré de vida em East End. Ao mesmo tempo que ouvia aquela pura e apaixonada invocação do amor divino, ouvi uma voz nos arredores: «Vocês ---- suínos! Eu acabo com vocês. Nenhum de vocês ---- me desafora. O que significa tudo isso para vocês? Vocês sabem o que fazem, e agora vocês vão para o Exército de Salvação. Eu vou dizer quem são vocês, seus cafajestes sujos». Um homem guardou seu cachimbo: «Qual o problema?» «Problema!» gritou a mulher roucamente. « ---- Olhem para a vida que vocês vivem, vocês não sabem qual o problema? Eu vou dizer para vocês, ---- seu bando de cachorros. Por Deus! Eu vou dizer para vocês, tão certo quanto eu estou viva. O problema! Você sabe qual é o problema.» E assim ela foi embora. Os homens permaneceram de pé, fumando silenciosamente, até que finalmente ela saiu dali para o bar praguejando juramentos e maldições. Parecia que a presença, o espírito, e as palavras da Oficial pedindo clemência ainda ecoavam provocando um efeito estranho em toda aquela gente fazendo com que aqueles pobres infelizes escarnecessem amargamente daquela mulher.

«Deus é amor». Aquela não era a voz de Deus ecoando nas ruas e soprando nas favelas? Sim, verdadeiramente, e aquela voz não cessa e não cessará, enquanto as Irmãs da Favela lutarem sob a bandeira do Exército de Salvação.

Para ter uma idéia da imensa quantidade de coisas boas, temporais e espirituais que as Irmãs da Favela fazem; você precisa segui-las pelos barracos afora, elas pregam o Evangelho com vassoura e escova, e expulsam o diabo com água e sabão. Em um de nossos postos da Favela, onde o piso do quarto dos Oficiais era de chão batido, aproximadamente quatorze outras famílias moravam na mesma casa.

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Havia apenas uma pequena privada nos fundos para todos. Sobre a sujeira, escreve uma Oficial: «Algumas casas estão tão imundas que parece impossível limpá-las. As cinzas do fogão a lenha ficam acumuladas por dias. A mesa muito raramente é, se alguma vez foi, devidamente limpa, as xícaras e pires sujos permanecem amontoados, e quando comem peixe, a mesa fica coberta de ossos e cabeças, com pedaços de cebola misturados com restos de comida. O piso dentro da casa está em piores condições que a calçada da rua, e quando supostamente o limpam fazem isso usando um balde de água suja. Nas raras vezes que lavam, o fazem como se fosse um trabalho desnecessário, usando um ou dois baldes de água. Às vezes fervem panos em alguma caçarola velha na qual cozinham a comida deles. Eles fazem isto simplesmente porque não têm nenhum recipiente maior para usar. As paredes e teto dos cômodos estão tão apinhados de baratas e outros animais daninhos que quando passamos eles caem sobre nossa cabeça. Algumas das paredes estão cobertas de marcas onde eles foram esmagados. Durante o verão, devido ao calor e insetos dentro das casas, muitos preferem passar toda a noite sentados do lado de fora». «Mas como não conseguem ficar por muito tempo sem beber, logo reúnem a vizinhança para beber cerveja -- ai! nunca longe -- e ficam andando de um lado para outro, bêbedos, cantando, gritando e brigando, até três e quatro horas da madrugada».

Eu poderia encher volumes de histórias dessa guerra contra mosquitos, baratas, piolhos, pulgas, ratos, etc., que infestam as favelas, mas o assunto é muito repulsivo àqueles que são freqüentemente indiferentes às agonias de seus semelhantes, e seus sensíveis ouvidos logo ficam chocados pela simples menção desse assunto tão doloroso. Aqui vai, por exemplo, uma amostra do tipo de região onde as Irmãs de Favela vivem:

«Em uma rua aparentemente respeitável próxima à rua Oxford, as Oficiais, enquanto visitavam as casas, viram uma escadaria bem escura que conduzia a um porão. Mesmo julgando impossível que alguém vivesse ali, foram conferir. No princípio não puderam discernir nada por causa da escuridão. Com dificuldade encontraram a porta, entraram, e viram um quarto imundo. Não havia nada aceso, mas o local estava enegrecido por cinzas, uma acumulação de várias semanas pelo menos. No fundo do cômodo havia um saco velho com trapos e ossos jogado no chão, do qual emanava um odor bem desagradável. Ao lado havia um homem idoso bem doente. O lençol da cama em que estava deitado era imundo, não tinha cobertor nem manta. Estava coberto com trapos velhos. Sua pobre esposa, que cuidava dele, parecia desconhecer coisas como água e sabão. As Irmãs da Favela cuidaram daquele casal de idosos. Em certa ocasião, quando vieram com o propósito de limpar a casa, trouxeram material de limpeza. O local estava tão infestado de animais daninhos que mal sabiam por onde começar. A proprietária do local que estava por ali, proibiu-as de trazer novamente tais materiais. O velho, quando podia, trabalhava como alfaiate. Ele ganhava dois xelins e seis pences por semana dos seus fregueses».

Aqui vai um relatório da sede de nossa Brigada da Favela sobre o trabalho das Irmãs da Favela. Faz quase quatro anos desde o início da Operação nas Favelas de Londres. O trabalho principal feito por nossas primeiras Oficiais era visitar doentes, limpar as casas dos favelados, e alimentar os famintos. O que vem a seguir são alguns dos casos de pessoas que receberam benefícios materiais e espirituais pelo nosso trabalho: --

Sra. W. -- Da Favela Haggerston. Era alcoólica, casa destruída, marido era alcoólico, barraco sujo, imundo, terrivelmente pobre. Agora está salva, há mais de dois anos, casa A1., trabalha fazendo cadeiras de vime; o marido agora também foi salvo.

Sra. R. -- Favela Drury Lane. Tanto o marido como a esposa eram

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alcoólicos; o marido era muito preguiçoso, só começou a trabalhar quando começou a passar fome. Quando descobrimos o casal ambos estavam desempregados, o barraco não tinha mobília, estavam cheios de dívidas. Ela foi salva, e nossas moças oraram para ele arrumar emprego. Ele conseguiu, e começou a trabalhar. Algumas semanas depois ele saiu do trabalho, começou a beber novamente e espancou sua esposa. Ela buscou emprego de faxineira, conseguiu, e desde então trabalha regularmente. Ele também arrumou emprego. Agora é abstêmio. Agora a casa está muito confortável, e eles estão pondo dinheiro no banco.

A.M. -- Da Favela Dial. Alcoólico, descuidado com o uso do dinheiro, tinha dificuldade em arrumar trabalho. Foi em uma reunião da Favela, ouviu a Capitã falar: «Busque em primeiro lugar o Reino de Deus!» E perguntou, «você quer dizer que se eu pedir trabalho para Deus, Ele dará?» Naturalmente ela respondeu, «Sim». Ele converteu-se aquela noite, encontrou trabalho, e agora está trabalhando na Gas Works, Old Kent Road.

Atualmente Jimmy é um soldado na Favela do Boro! Ele estava desempregado, longe de casa, e passava fome quando foi convertido. Após entrar no Exército, ele voltou para casa. Encontrou trabalho, e agora possui uma lanchonete em Billingsgate Market, e está se dando bem.

Sargento R. -- Da Favela Marylebone. Alcoólico, morava em um barraco miserável na famosa Charles Street. Quando ele foi salvo tinha dois empregos, em um ganhava 5s. por semana no outro 10s. por semana; recebia um salário de fome que não dava para sustentar sua mulher e seus quatro filhos. No emprego em que recebia 10s. por semana ele tinha que fazer entrega de bebida para o dono de um bar; sentindo que este trabalho não era adequado saiu do emprego. Suas dívidas começaram a ser cobradas, mas Deus resgatou-o a tempo. No local onde ganhava 5s. seu empregador elevou seu salário para 18s., e atualmente ele está ganhando 22s., ele saiu da favela de chão batido para uma casa melhor.

H. -- Favela de Elms. Foi salvo na segunda-feira de Páscoa, desempregado há várias semanas, é um trabalhador, parece muito sério, terrivelmente angustiado. Pagamos 2s. e 6d. por semana à sua esposa para limpar nosso salão (para ajudá-los). Além disso, ela recebia outros 2s. e 6d. como doméstica, o que não dava para sustentar marido e um par de crianças. Para ajudá-los demos 2s. para que pagassem o aluguel. Tentei arrumar emprego para aquele homem, mas não consegui.

T. -- Da Favela Rotherhithe. Era alcoólico, é carpinteiro; salvo cerca de nove meses atrás, mas, tendo que trabalhar em uma taverna aos domingos, ele deixou o emprego; e como não conseguiu arrumar outro, arrumamos para ele em nossa marcenaria. Emma Y. -- Agora é Soldada no Corpo da Favela Marylebone, era uma menina de rua agressiva quando a encontramos em Boro; normalmente era vista pelas ruas, mendigando, aos farrapos, sem agasalho, perambulando, trabalhando apenas ocasionalmente, foi salva dois anos atrás, foi terrivelmente perseguida pelas pessoas da casa onde morava. Nós a retiramos daquele ambiente onde ela viveu durante quase dezoito meses, agora está trabalhando.

Frank do Alojamento. -- Aos vinte um anos de idade herdou #750, mas, por causa da bebida e do jogo, perdeu tudo em seis ou oito meses, e durante mais de sete anos ele perambulou por Portsmouth, pelo Sul da Inglaterra, e pelo Sul de Gales, de albergue em albergue, muitas vezes passou fome, quando conseguia algum dinheiro gastava com bebida; nas farras, era preguiçoso, sem disposição para o trabalho. Nós o encontramos seis meses atrás em um albergue, vivendo com uma menina decaída; ambos foram salvos, e se casaram; cinco semanas depois ele arrumou emprego como carpinteiro e recebe 30s. por semana. Agora ele tem uma casa própria, e quer ser oficial.

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O Oficial que forneceu os relatórios acima relata o seguinte: -- Por causa da bebida Brother e Sister X foram parar em um barraco de favela. De uma vida de luxúria, eles despencaram para um barraco de um cômodo bem no meio da Favela, cercados de alcoólicos, indivíduos de mau caráter, e pessoas oprimidas pela necessidade e pela privação. Suas adoráveis crianças estavam subnutridas, e eram compelidas a ouvir palavrões, testemunhar brigas e querelas, e ai, ai, não apenas dos quartos adjacentes, mas testemunhar tudo isso em seu próprio barraco. Durante mais de dois anos eles viveram sob o poder da maldição do álcool. Agora, o velho cortiço em que viviam é coisa do passado, agora eles têm uma casa confortável. As crianças dão evidências de uma completa conversão, e estão absolutamente gratos pela salvação de seus pais. Um menino de oito anos disse no último Natal, «eu me lembro quando tínhamos apenas um pão seco para comer no Natal; mas hoje tivemos um ganso e dois pudins de ameixa». Brother X. que antes de sua conversão caíra em desgraça em sua profissão de caixeiro viajante; agora é administrador, homem de confiança de um grande empresário.

Ele disse: -- Estou completamente convencido de que nas camadas mais pobres da sociedade, mesmo encontrando trabalho, poucos estão dispostos a trabalhar. Em sua precária e penosa existência muitos deles foram tomados pelo desânimo, outros oscilam entre o banquete e a fome, e os mais inteligentes acabam optando pelo crime.

Estes são os resultados de nosso trabalho nas Favelas: -

1. Uma evidente melhoria na limpeza das casas e das crianças; desaparecimento de ratos, baratas, piolhos, verminoses, e uma considerável diminuição da embriaguez.

2. Um maior respeito pela verdadeira religião, e especialmente pelo Exército de Salvação.

3. Ainda há muito trabalho sendo executado.

4. Muitas garotas decaídas foram salvas.

5. O trabalho no Abrigo parece-nos uma extensão da obra na Favela.

Em conecção com nosso Projeto, propomos imediatamente aumentar a quantidade das Irmãs da Favela, e aumentar sua eficácia ligando seu trabalho diretamente com a Colônia, habilitando-as a trabalhar para elevar as condições de vida de pessoas em termos de saúde, moral, e religião. Isto seria realizado empregando alguns deles na Cidade, o que necessariamente tem que resultar em casas e ambientes melhores ou abrir um caminho direto das Favelas para a Colônia Rural.

SEÇÃO 2. -- O HOSPITAL DO VIAJANTE. Naturalmente, há apenas um real remédio para este estado de coisas, afastá-las para bem longe daqueles barracos miseráveis onde adoecem, sofrem, e morrem, com menos conforto e consideração que os animais dos estábulos e chiqueiros de muitas fazendas. E esta é certamente nossa ambição maior, mas no momento, para alívio da atual angústia, algo está sendo feito no sentido do cuidado imediato dessas pessoas, mas parar por aí torna a operação bem imperfeita.

Acredito que uma pequena carroça, puxada por um pônei, poderia ser providenciada para transportar pessoas doentes e agonizantes, e fazer uma ronda em meio a toda aquela desolação, com um par de enfermeiras devidamente treinadas. Isso seria de imensa utilidade, e não seria tão caro. Elas poderiam ter alguns instrumentos simples, para arrancar um dente ou lancear um abscesso, e aqueles que são absolutamente necessários para operações cirúrgicas simples. Um pequeno fogão a gás para produzir água quente para preparar cataplasma, fazer massagens, ou dar um banho, e várias outras coisas

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necessárias àqueles que precisam de cuidados.

A necessidade destas coisas só são apreciadas por aqueles que sabem o que significa estar totalmente privado de confortos e conveniências em meio às doenças que prevalecem naqueles barracos miseráveis. Se alguém perguntar por que os doentes não vão para o hospital, nossa resposta é que eles simplesmente não vão. Eles preferem ficar em seus quartos e na companhia dos membros de sua própria família, mesmo maltratados, como ocorre freqüentemente, preferem ficar, sofrer, e morrer no meio de toda aquela sujeira e esqualidez que os cercam nas próprias guaridas, do que ir para aquele grande edifício, que para eles é como se fosse uma prisão. O sofrimento dos infelizes ocupantes das Favelas, conforme descrevemos, quando doentes e incapazes de ajudar a si mesmos, faz da organização de algum sistema alimentar em suas próprias casas um dever Cristão. Aqui há um punhado de casos, retirados quase ao acaso dos relatórios de nossas Irmãs da Favela que mostrarão o valor das ações realizadas: --

Muitos daqueles que estão doentes moram em barracos que normalmente tem apenas um quarto e várias crianças. Os Oficiais se depararam com muitos casos onde doentes permaneciam completamente sozinhos, horas e horas sem comida ou nutrição alguma, e sem ninguém cuidando deles. Às vezes algum vizinho trazia uma xícara de chá. Realmente é um mistério como conseguem sobreviver.

Uma pobre mulher em Drury Lane era paralítica. Não tinha ninguém cuidando dela; ela permanecia em cima de um saco estendido no chão, coberta com trapos de pano. Embora fosse inverno, ela muito raramente tinha qualquer fogo. Ela não tinha nenhum artigo de vestuário para usar, e quase nada para comer.

A outra pobre mulher, que estava muito doente, foi dado um pouco dinheiro para sua filha pagar o aluguel da casa onde viviam e comprar comida; mas freqüentemente ela não tinha força para acender o fogo ou cozinhar seu alimento. Ela separou-se do marido por que ele era muito cruel. Freqüentemente ela passa horas e horas sem uma alma que a visite ou a ajude.

A ajudante McClellan encontrou um homem nas piores condições deitado em um colchão de palha. O quarto era imundo; o cheiro fez a Oficial sentir náuseas. O homem estava deitado há dias sem ninguém que fizesse nada por ele. Havia apenas um copo de água ao seu lado. As Oficiais começaram a vomitar devido ao forte cheiro do local. Não é raro encontrar pessoas doentes necessitando de aplicações ininterruptas de cataplasmas quentes, mas que ficam abandonadas por horas passando frio.

Em Marylebone as Oficiais visitaram uma velhinha bem pobre que estava muito doente. Ela vivia em um porão, com quase nenhuma claridade e nenhum raio de sol. A cama dela era improvisada em cima em algumas caixas de ovo. Não tinha ninguém cuidando dela, com exceção de uma filha alcoólica que muito freqüentemente, quando bebia, costumava espancar a pobre velha. As Oficiais achavam que ela freqüentemente passava até doze horas sem comer nada, sem nem mesmo uma xícara de chá para beber. A única mobília no quarto era uma mesa pequena, um velho criado mudo, e uma caixa. Baratas, ratos, pulgas, piolhos, faziam festa no local.

Outra mulher pobre foi encontrada muito doente, mas, por ter uma família pequena, ela achava que tinha que se levantar e dar banho no bebê. Enquanto dava um banho no bebê ela caiu e permaneceu caída incapaz de qualquer movimento. Felizmente uma vizinha entrou para fazer alguma pergunta e a viu caída no chão. Correu imediatamente e foi buscar ajuda. Pensando que a pobre mulher estava morta, eles a colocaram na cama e chamaram um médico. Ele disse que ela estava subnutrida e precisava de repouso e alimentação. A pobre mulher não tinha nem uma coisa nem outra por causa dos filhos. Algumas horas

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depois ela se levantou. Ao descer a escada caiu novamente. Os vizinhos a apanharam e a colocaram na cama onde permaneceu muito tempo completamente prostrada. Os Oficiais assumiram o problema dela, a alimentaram, e aqueceram, limparam o quarto dela, enfim, cuidaram dela.

Em outra favela medonha as Oficiais encontraram outra mulher idosa vivendo em um porão. Ela estava sofrendo com alguma doença. Quando elas bateram à porta ela ficou apavorada pensando que era o proprietário. O quarto estava imundo, parecia que nunca fora limpo. Ela tinha um candeeiro que enchia o quarto de fumaça. A velhinha às vezes era totalmente incapaz de fazer qualquer coisa por ela mesma. As Oficiais cuidaram dela.

SEÇÃO 3. REGENERAÇÃO DE NOSSOS CRIMINOSOS. -- A BRIGADA PORTA DE CADEIA Nossas Prisões deveriam ser instituições que recuperam pessoas, elas deveriam fazer com que cada homem saísse melhor do que quando entrou. De fato, o que ocorre com freqüência é totalmente o contrário. Há poucas pessoas neste mundo tão desventuradas quanto aquele pobre companheiro que foi preso pela primeira vez ou que, uma vez na rua, leva uma vida totalmente desprovida de qualquer sinal de caráter, freqüentemente sem qualquer amigo no mundo. Aqui, novamente, o processo de centralização -- que vem ocorrendo rapidamente nos últimos anos talvez para atender aos interesses da administração -- resulta em efeitos desastrosos aos pobres diabos que caem nas garras do sistema penal.

Antigamente, quando um homem era preso, ele era preso a uma pedra dentro de sua própria casa [N.T. no original: the gaol stood within a stone's throw of his home]. Uma vez livre, de uma forma ou de outra estava perto de seus velhos amigos e relacionamentos, que o acolhiam e lhe davam uma mão para começar uma vida nova mais uma vez. Mas o que aconteceu que fez com que o governo construísse o máximo possível de prisões? Os prisioneiros, quando condenados, são enviados de trem a longas distâncias para as penitenciárias, e ao retornar saem amaldiçoados com a marca da prisão. Assim, longe de casa, ele perde o que eventualmente ainda lhe resta de caráter [N.T. no original: character gone], sem ninguém para aconselhá-lo, ou dar-lhe uma mão. Não é por acaso que a quantidade de vadios tenha crescido tanto nas grandes cidades por causa de ex-presidiários que se tornam moradores de rua e mendigos, na medida em que não lhes resta outra alternativa.

Com tanta gente na porta da fábrica pedindo emprego, provavelmente nenhum empregador está disposto a pegar um homem que acabou de sair da prisão; ninguém quer contratar para prestar serviços em sua casa uma pessoa cujo último ponto do currículo é uma estadia numa das prisões de Sua Majestade. É incrível a quantidade de danos que pode ser provocado por pessoas bem-intencionadas que, na luta para conseguir fazer um bem para a sociedade -- como, por exemplo, reduzir os gastos e aumentar a eficiência na administração das prisões -- esquecem o efeito completamente danoso que tais reformas podem ter nos próprios prisioneiros.

O Exército de Salvação, pelo menos, está altamente qualificado para lidar com esta questão, e acredito estar na posição privilegiada por ser a única corporação religiosa que sempre tem alguns de seus membros presos por objeção de consciência [N.T.: no original, conscience' sake]. Nós também somos uma das poucas corporações religiosas que podem ostentar o fato de que muitos daqueles que estão em nossas fileiras passaram por condições de servidão penal. Então, conhecemos os dois lados da moeda. Alguns homens são presos por serem melhores que seus vizinhos, a maioria dos homens por ser pior. Mártires, patriotas, reformadores de todos os tipos pertencem à primeira categoria. Nenhuma grande causa alcança a vitória sem

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antes fornecer uma certa cota à população prisional. A revogação de uma lei injusta raramente é levada a cabo sem que certo número daqueles que labutam para a aboli-la experimentem o sofrimento da multa e da prisão. O Cristianismo nunca triunfaria sobre o Paganismo da Roma antiga se os cristãos primitivos não provassem no calabouço e na arena a sinceridade e a serenidade de alma que possuíam. Foi com tais armas que confrontaram e venceram seus perseguidores.

Daquele tempo até o momento em que nosso povo conquistou em Whitchurch o direito de reunir-se publicamente, a religião Cristã e a liberdade dos homens nunca falhou em prover sua quota de mártires pela fé.

Quando um homem é preso, na melhor das hipóteses, ele aprende olhar para a questão da disciplina prisional com uma visão bem mais simpática do que quando foi enviado para lá, isso vale até mesmo para os piores criminosos, que os juizes e legisladores conhecem apenas do lado de fora da prisão. Se «o sentimento de solidariedade faz um tipo maravilhoso», estamos em imensa vantagem lidando com as classes criminosas na medida em que muitos de nossos melhores Oficiais já foram presos. Nossa gente, graças a Deus, nunca precisou passar por aquelas escolas que consideram um prisioneiro como um mero condenado -- A 234. Para nossos Oficiais, o prisioneiro é um ser humano, que deve ser cuidado e tratado como uma mãe trata e cuida de seu filho doente. No momento parece haver pouca probabilidade de qualquer real transformação no interior de nossas prisões. Temos que esperar até que os homens venham de fora para ver o que é que pode ser feito. Nosso trabalho começa quando acaba a autoridade prisional. Já tivemos bastante experiência neste campo, tanto aqui como em Bombaim, no Ceilão, na África do Sul, na Austrália e em outros lugares, e em virtude de nossa experiência resolvemos divulgar as medidas que pretendemos adotar, algumas delas já estão sendo realizadas com sucesso.

1. Propomos a abertura de Casas o mais próximo possível das diferentes Prisões. Uma para homens está sendo construída em King's Cross, e será ocupada assim que estiver pronta. Uma para mulheres será inaugurada imediatamente. Outras serão providenciadas em diferentes em partes da Metrópole. Cada uma delas está localizada perto de grandes prisões. Em conecção com estas Casas haverá oficinas nas quais seus ocupantes serão regularmente empregados até o momento em que pudermos empregá-los em outro lugar. Esta classe também tem que trabalhar, não só como disciplina, mas como meio para o próprio sustento deles.

2. Para livrar os réus primários, na medida do possível, da contaminação da vida prisional, para evitar a formação de futuras más companhias, a perda de caráter entalhada pela prisão e pela negligência, oferecemos, nos Tribunais Policiais e Criminais, assumir a responsabilidade por estes criminosos desde que estejam dispostos a vir e aceitar nossos regulamentos. Cremos que a confiança dos magistrados e dos prisioneiros nos será logo afiançada. Com o tempo muitos ficarão de nosso lado, e provavelmente logo teremos um grande número de casos sob nossos cuidados -- conhecidos como «sentenças suspensas» -- que serão colocados em julgamento no devido tempo, o registro de cada sentença dependerá do relatório de conduta elaborado pela Casa do Exército de Salvação.

3. Deveríamos buscar acesso às prisões no intuito de angariar tal familiaridade com os prisioneiros que nos tornasse mais eficazes em beneficiá-los com a soltura. Cremos que este privilégio nos seria outorgado pelas autoridades prisionais quando elas estiverem familiarizadas com a natureza de nosso trabalho e com os notáveis resultados que se seguiram. O direito de entrada nas prisões já foi concedido aos nossos camaradas na Austrália, onde eles tem livre acesso e comunhão com os reclusos. As autoridades prisionais recomendam aos prisioneiros que venham até nós, informando-nos do dia e da hora em que são encaminhados, para que possamos recebê-los.

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4. Visitando os criminosos nas cadeias, oferecemos aceitá-los imediatamente em nossas Casas. A regra geral é que eles assumam um compromisso com velhos amigos ou companheiros, que ordinariamente pertencem à mesma turma. De qualquer forma, seria uma exceção à regra se tal amizade e companheirismo girasse em torno da confiança, do conforto e do poder de um copo alguma bebida enebriante. Consequentemente o companheirismo do bar é invariavelmente evitado, por ser o local onde freqüentemente os crimes são planejados, essas companhias fazem com que em poucas semanas o condenado retorne para a prisão da qual há pouco saiu. Acostumado durante o confinamento com a implícita submissão à vontade de outro, o prisioneiro recém liberto é facilmente influenciado pelo primeiro que ganha sua confiança. Agora, nós propomos nos antecipar com os velhos companheiros para que traga o pássaro engaiolado para debaixo de nossas asas e que fixe diante dele uma porta aberta de esperança no momento em que ele cruze o limiar da prisão, garantindo-lhe que se estiver disposto a trabalhar e a obedecer nossa disciplina, ele não precisará de mais nada.

5. Obteremos das autoridades o privilégio de supervisionar e acompanhar aqueles que são libertos pelos alvarás de soltura, para livrá-los do dever humilhante e vexatório de ter que apresentar-se nas delegacias de polícia.

6. Acharemos emprego satisfatório para cada indivíduo. Se não possuem nenhuma profissão útil, nós ensinaremos alguma.

7. Depois de um certo tempo convivendo nestas Casas, se houver evidências consistentes de um sincero propósito para viver uma vida honesta, ele será transferido para a Colônia Rural, a menos que velhos amigos ou empregadores o tomem de nossas mãos, ou alguma outra forma de ocupação seja obtida, em todo caso ele ainda será objeto de cuidado e atenção.

Nós ofereceremos a todos uma derradeira possibilidade de restauração à Sociedade neste país, ou de transferência para recomeçar a vida em outro.

Com respeito aos resultados podemos falar bem positivamente, embora nossas operações até o presente -- com exceção de uma pequena fração de tempo uns três anos atrás -- fossem limitadas, e sem o auxílio dos acessórios importantes acima descritos, o sucesso no cuidado deles foi bem notável. Vejam alguns exemplos que poderiam ser multiplicados.: --

O Capitão da Casa conheceu J. W. na porta da cadeia e ofereceu ajuda. Ele recusou vir imediatamente pois esperava ajuda de seus amigos na Escócia; mas prometeu vir se eles falhassem. Era sua primeira condenação, ele pegou seis meses por roubar seu patrão. Sua profissão era de padeiro. Em poucos dias ele se apresentou na Casa, e foi recebido. No curso de algumas semanas, ele professou conversão, e deu toda evidência de mudança. Durante quatro meses ele foi cozinheiro e padeiro na cozinha, por fim uma segunda chance foi oferecida a ele, com o [N.T.: no original, aqui o texto é bruscamente interrompido]

J. S. é Sargento mor do Congress Hall Corps. Já faz três anos. Hoje ele está salvo, leva uma vida satisfatória; é um homem completamente útil e respeitável.

J. P. era um criminoso contumaz. Ele foi encontrado em Millbank no final de sua última pena (cinco anos), e veio para a Casa onde trabalhou na sua profissão de alfaiate. Eventualmente encontrou uma namorada e casou-se. Ele tem uma boa casa, a confiança de seus vizinhos, agora é salvo e soldado do Corpo de Hackney.

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C. M. foi outro velho criminoso, cumpriu muitas penas. Foi induzido a vir para a Casa, foi salvo, esteve lá para um longo período, ofereceu-se para a obra, no Campo foi Tenente durante dois anos, e eventualmente casou-se. Agora ele é um mecânico respeitável e soldado de um Corpo em Derbyshire.

J. W. Era gerente em uma grande loja de chapéus em West End. Ele saiu com dois pacotes de dinheiro para trocar [N.T.: no original, two ten-pound packages of silver]. Encontrou um colega e foi induzido a tomar uma bebida. Na taverna seu colega deu uma desculpa para sair e não voltou, foi quando W. percebeu que um dos pacotes fora retirado de seu bolso. Ele teve medo de voltar, e fugiu para o interior. Em uma pequena cidade ele entrou em um Salão Missionário; como o organista estava ausente, um voluntário foi requisitado, como W. era um bom músico, ofereceu-se para tocar. Parece que foi tomado pela música. No meio do hino ele saiu do Salão, foi até a delegacia de polícia e se entregou. Ele pegou seis meses. Quando saiu, conheceu Happy George, um ex-presidiário, que o convidou para o Salão de Reuniões. Ele foi à reunião e foi induzido a vir para a Casa. Eventualmente ele foi salvo, e hoje dirige um trabalho Missionário nas províncias.

O «Velho Dan» cumpriu muitas penas, muitas delas bem longas. Ele entrou na Casa e foi salvo. Lá ele administrou por muito tempo nossa sapataria. Ele montou sua própria sapataria em Hackney, e está casado. Faz quatro anos que trabalha em sua loja, é um homem respeitável, e um Salvacionista.

Charles C. cumpriu uma somatória de vinte e três anos de prisão. Conseguiu uma liberdade condicional, e foi salvo no Posto Avançado de Hull. Até aquele momento ele evitava falar de si mesmo, pois tinha rompido sua condicional e inventado um nome falso. Quando ele foi salvo ele se entregou, e foi conduzido até o magistrado que, em vez de mandá-lo de volta para cumprir sua pena, o entregou ao Exército. Ele foi enviado a nós de Hull por nosso representante, está agora em nossa fábrica e vai bem. Ele ainda permanecerá sob supervisão policial durante cinco anos.

H. Kelso. Também em liberdade condicional. Ele rompeu sua condicional, e foi preso. Diante do magistrado ele disse que estava cansado daquela vida, e que iria para o Exército de Salvação se eles o libertassem. Mandaram-lhe de volta à prisão. O Secretário da Casa fez uma solicitação e o Sr. Matthews concedeu a liberação dele. Ele foi entregue aos nossos Oficiais em Bristol, trazido para Londres, e está agora na Fábrica, foi salvo e vai bem.

E. W. veio de Birmingham, tem 48 anos, passou toda sua vida entrando e saindo da prisão. Ele cumpriu 5 anos no Reformatório de Redhill, e sua última pena foi de 5 anos de reclusão. O Capelão de Pentonville aconselhou-o a buscar o Exército de Salvação se realmente quisesse mudar de vida e viver em liberdade. Ele veio até a Rua Thames, foi enviado à Fábrica, e professou a salvação no domingo seguinte no Abrigo. Isto foi há três meses atrás. Ele vai bem, é trabalhador, está contente e parece transformado.

A. B., vadio, patife, alcoólico, abandonou a família, matou a esposa, e foi preso. Um ministro presbiteriano, amigo da família, tentou mudá-lo, mas sem sucesso. Ele entrou na Casa da Porta de Cadeia, foi completamente salvo, distribuiu folhetos para a Casa até arrumar emprego em uma grande gráfica e editora na qual agora, depois de três anos de serviço, ocupa uma posição responsável. É um ancião da Igreja presbiteriana, voltou para casa, e vive feliz com sua família.

W. C., nasceu em Londres, um rapaz inútil, inativo e dissoluto. Quando seu pai foi embora da Inglaterra disse-lhe que se não mudasse de vida acabaria na forca. Cumpriu várias penas em todo tipo de artigos. Há seis anos o tomamos pela mão, e o admitimos na Brigada

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da Casa da Porta de Cadeia [N.T.: no original Prison Gate Brigade Home] onde ele verdadeiramente foi salvo; ele arrumou emprego como pintor, profissão que aprendeu na cadeia, e se casou com uma mulher que tinha sido antigamente uma cafetina, mas que passara pelo Lar dos Pecadores Salvos [N.T.: no original, Rescued Sinners' Home], onde mudou completamente de vida. Juntos enfrentam com bravura as tormentas da vida, ambos trabalham diligentemente por suas vidas. Agora, eles têm uma pequena casa própria onde vivem felizes, estão indo muito bem.

F. X., filho de um funcionário público, alcoólico, jogador, falsificador, salafrário; numerosas penas de reclusão por falsificação. Na última soltura foi admitido na Brigada da Casa Porta de Cadeia onde ficou aproximadamente cinco meses e verdadeiramente foi salvo. Mesmo com uma saúde precária pelos efeitos de sua vida pregressa, ele vem resistindo à tentação de beber, e mantêm-se confiante em Deus. Através de um anúncio no Brado de Guerra [N.T.: no original, War Cry, órgão oficial do Exército de Salvação nos países de língua inglesa], ele encontrou seu filho e sua filha que haviam se afastado dele, agora felizes com a mudança maravilhosa do pai. Eles se tornaram membros regulares em nossas reuniões no Salão da Temperança [N.T.: no original, Temperance Hall]. No momento, ele tem uma lanchonete, está indo bem, e devidamente salvo.

G. A., 72, passou 23 anos na cadeia, na última condenação pegou dois anos por roubo; era alcoólico, jogador, velhaco. Em sua soltura foi encontrado pela Brigada Portão de Cadeia, foi admitido na Casa onde permaneceu quatro meses, e verdadeiramente foi salvo. Ele vive uma vida consistente, é um bom homem, e está empregado.

C. D., 64, viciado em ópio, jogador, patife, separado da esposa e da família, eventualmente é preso, foi encontrado em sua última soltura e admitido na Brigada da Casa Porta de Cadeia, foi salvo, agora foi restabelecido à sua esposa e família, vai bem no seu trabalho. S. T. inútil, vadio, ladrão, desavergonhado, um rapaz de má reputação, que vivia, quando fora da prisão, entre as prostitutas de Little Bourke Street. Foi recebido por nossos Oficiais da Brigada Porta de Cadeia, foi salvo, e encontrou trabalho. Depois de alguns meses ele expressou desejo para a obra de Deus, e embora aleijado, e tendo que usar muletas, tinha tal seriedade que foi aceito e fez um bom serviço como oficial do Exército. O testemunho dele é bom e a vida dele consistente. Realmente, ele é uma maravilha da divina graça.

M. J., ainda jovem chegou a ocupar uma alta posição na Inglaterra, subiu rápido; achou que uma mudança para as Colônias seria vantajosa para ele. Começou pela Austrália com #200, boa parte desse dinheiro acabou gastando com bebida ainda a bordo do navio, logo perdeu todas as estribeiras, e pela manhã acordou dentro da prisão, com delirium tremens, nenhum dinheiro, sem bagagem, sem nenhum amigo em todo continente. Em sua soltura ele entrou em nossa Casa Porta de Cadeia, foi convertido, e agora está ocupando uma posição de responsabilidade em um Banco Colonial.

B. C., oriundo de boa família, educação, e posição; alcoólico, afastou-se da família, dos amigos, foi preso, e ao sair veio para nossa Casa; foi salvo, revela uma vida séria e verdadeiramente consistente, sua conversão foi real, tornou-se exemplo para a salvação de muitos que, como ele, experimentaram a destituição e o crime por causa da bebida. Ele está agora em uma ótima situação, recebe #300 por ano, voltou à esposa e à família, vive feliz em sua casa, guardado pelo amor de Deus.

Estes exemplos são apenas alguns, tirados ao acaso, de muitos. E temos orgulho de publicá-los. O poder que tem forjado estes milagres não está em mim nem em meus Oficiais; é poder que vem de cima para baixo. Mas nestes casos, é razoável afirmar o quanto nossa

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instrumentalidade tem sido abençoada em resgatar aquelas almas das chamas. O que permite elevar este trabalho a uma escala bem mais extensa. Se qualquer outra organização, religiosa ou secular, conseguir mostrar troféus semelhantes -- apesar de todas nossas limitações -- entre a população carcerária, eu estou disposto a dar lugar a eles. Tudo aquilo que eu quero é um trabalho bem feito. SEÇÃO 4. -- LIBERTAÇÃO EFICAZ PARA O ALCOÓLICO. A quantidade, a miséria, e a condição desesperada dos escravos do álcool, de ambos os sexos, já foi estabelecida como sendo consideravelmente alta.

Vimos que há na Grã Bretanha aproximadamente um milhão de homens e mulheres sob o completo domínio deste vício cruel. A absoluta impotência da Sociedade para lidar com o alcoólico tem sido continuamente demonstrada e confessada por todos aqueles que tiveram alguma experiência no assunto. Como dissemos anteriormente, o sentimento geral de todos aqueles que lidaram com essa questão é desesperador. Eles acreditam que a presente geração de alcoólicos está perdida e é irrecuperável em sua caminhada rumo ao abismo, que todo tipo de esforço é inútil, que toda energia gasta na tentativa de resgatar os pais seria melhor aproveitada se fosse dirigida em benefício dos filhos.

Há muita verdade em tudo isso, embora nossos próprios esforços tenham sido muito bem sucedidos, Alguns dos mais bravos, mais bem dispostos, mais dedicados, e mais prósperos em nossas fileiras, são homens e mulheres que foram uma vez os escravos mais miseráveis do copo de bebida. Alguns exemplos já foram delineados. Mas poderíamos multiplicá-los aos milhares. Quando comparados com a horrível população que este exército de alcoólicos representa em nossos dias, os salvos são comparativamente poucos. A grande razão para isto é o simples fato de que a vasta maioria desses viciados são verdadeiros escravos do copo. Nenhum argumento, considerações terrestres ou religiosas, pode ter qualquer efeito em um homem que está tão completamente sob o domínio desta paixão que ele não pode nem mesmo afastar-se dela, embora suas mais terríveis conseqüências estejam estampadas em seu rosto.

O alcoólico promete e jura, mas promete e jura em vão.

Ocasionalmente ele desenvolve esforços frenéticos para livrar-se, mas basta surgir uma oportunidade para que desabe novamente. O vício insaciável toma controle sobre ele. Ele não pode fugir. O vício o compele a beber, quer queira quer não, e, a menos que ele entregue tal problema nas mãos do Todo Poderoso, o vício o conduzirá à sepultura e ao inferno dos alcoólicos.

Nossos arquivos registram exitosos salvamentos efetuados nas fileiras do exército alcoólico. O exemplo a seguir não é apenas mais um, ele tende a ilustrar a força e a loucura da paixão que domina o escravo do álcool.

Bárbara. -- Ela descera tão baixo quanto uma mulher pode descer quando nós a encontramos. Desde a idade de dezoito anos -- quando seus pais a arrancaram dos braços de seu amado marinheiro e a forçaram casar-se com um homem «de bem» -- ela deu início a sua jornada rumo ao inferno.

Ela não amava o marido, e logo buscou o conforto no pequeno boteco a alguns passos da porta de sua casa. As constantes discussões com o marido rapidamente abriram espaço para insultos, agressões físicas, xingamentos, e ameaças, e logo a vida dela se tornou uma das mais miseráveis no lugar. Seu marido não tinha nenhuma intenção de cuidar dela, e quando ela estava doente e incapaz de ganhar dinheiro vendendo peixe nas ruas, ele sumia por alguns meses, deixando-a sozinha para cuidar da casa e sustentar os bebês da melhor maneira que podia. Dos vinte anos de casamento, dez foram gastos com

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separações e retornos. E assim ela conseguiu viver apenas para uma coisa: a bebida. A bebida era sua vida; e sua furiosa apetência cresceu a níveis irresistíveis. A mulher que cuidou de Bárbara por ocasião do nascimento do filho recusou quando ela pediu que lhe desse uísque, assim, após fazer o que pode, deixou a mãe para descansar, Bárbara escapuliu para fora da cama e rastejou lentamente pela escada até o bar onde sentou-se, e passou a beber, com o bebê no colo, que tinha nascido a menos de uma hora. Assim as coisas foram, até que a vida dela se tornou tão insuportável que ela resolveu acabar com tudo. Pegou as duas crianças mais velhas e desceu até o rio para deliberadamente afogá-las e depois afogar-se. «Oh, mama, mama, não faz isso!» lamentou a pequena Sarah de três anos, mas ela estava determinada a fazer o que tinha resolvido, foi quando, ao ver um barco se aproximando, percebeu que fora descoberta. É tarde demais para fazer isso agora, pensou ela, e, segurando ambas as crianças, nadou rapidamente para a costa. A história que inventou sobre ter entrado na água satisfez o barqueiro, e Barbara voltou para casa encharcada e confusa. Mas a pequena Sarah não se recuperou do choque, e depois que algumas semanas sua curta vida teve fim, foi levada para o Cemitério.

Por outra ocasião, mergulhada em desespero, ela tentou o suicídio pendurando-se numa corda, mas uma vizinha entrou e a encontrou inconsciente, mas ainda viva. Ela se tornou um terror por todo o bairro, e o nome dela circulou pelos arredores por causa de sua ousadia e ações desesperadas. Mas nossas Reuniões ao ar livre a atraíram, ela veio para o Posto Avançado [N.T.: no original, Barracks], foi salva, e liberta de seu amor pela bebida e pelo pecado.

Da medonha condição anterior, sua casa transformou-se em uma espécie de casa de refúgio na pequena rua onde vivia; outras esposas tão infelizes quanto ela no passado a procuravam em busca de conselho e ajuda. Todos ficaram sabendo da mudança ocorrida na vida de Barbie, ela adorava fazer tudo que podia para seus vizinhos. Há alguns meses atrás ela veio até a Capitã grandemente angustiada por causa de uma mulher que levava uma vida bem diferente, e que fora cruelmente maltratada e espancada pelo marido. Expulsa de casa dirigiu-se até Barbie como sua única esperança. Naturalmente Barbie a acolheu, com bondade cuidou dela como fazia com outras mulheres que, fugindo da brutalidade de seus maridos, a procuravam em busca de sua simpatia, ela era tanto enfermeira como médica para mulheres pobres. [...] Este é o segundo caso --

Maggie. -- Ela tinha uma casa, mas raramente estava suficientemente sóbria para retornar durante a noite. Ela permanecia caída na calçada até ser socorrida por algum transeunte ou policial.

Em uma de suas furiosas extravagâncias ela passou a ser insultada por uma de suas companhias, um pequeno corcunda, também alcoólico; sem nenhuma hesitação, Maggie o agarrou e o empurrou de ponta cabeça pela boca de um velho cano de esgoto da cidade de Scotch. Se uma pessoa que estava passando não tivesse visto a sola de seu sapato balançando e o socorresse, a raiva o teria sufocado.

Certa noite de inverno Maggie bebeu bastante, e também brigou, como sempre, e seguiu cambaleando como podia, a caminho de sua casa. Foi quando, ao passar por uma ponte estreita, tropeçou e caiu, e ficou estirada na neve, com sangue escoando dos ferimentos, e os cabelos desgrenhados.

Pelas 5 na manhã, algumas meninas da fábrica que cruzavam a ponte em direção ao trabalho, viram aquele corpo estendido no meio da neve e da escuridão.

Despertá-la de seu sono alcoólico era algo bem difícil, mas retirá-la do chão foi ainda mais difícil. O cabelo emaranhado e o

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sangue tinham congelado rapidamente na terra, e Maggie ficara presa. Depois de tentar tirá-la dali por diferentes modos, e recebendo como recompensa uma salva de chingamentos e palavrões, uma das meninas correu em busca de uma chaleira de água fervente, e vertendo tudo ao redor dela, aos poucos tiveram sucesso derretendo o gelo e colocando-a finalmente em pé! Mas ela veio para nossos Postos Avançados, e foi profundamente convertida, e a Capitã foi recompensada pelas noites e dias de labuta procurando transformá-la em uma mulher sóbria.

Tudo corria bem até que um amigo pediu-lhe que fosse até a casa dele para tomar um brinde juntamente com sua esposa recém-casada. «Você não vai beber nada alcoólico», disse. «Brinde a mim com esta limonada». E Maggie, sem nada suspeitar, bebeu, e enquanto bebia percebeu que o conteúdo do copo era seu velho inimigo, o uísque! O homem riu do desânimo dela, mas um amigo correu e contou toda a história para a Capitã. «Ainda há tempo, ela não poder voltar a beber»; e a Capitã correu para a casa, tentando amarrar seu chapéu enquanto corria. «Não estou nada bem -- fique longe de mim -- não quero vê-la, Capitã», lamentou Maggie «deixe-me em paz -- oh, eu estou em chamas por dentro». Mas a Capitã foi firme, e levou-a para casa, ela se trancou com a mulher, e sentou com a chave no bolso, enquanto Maggie, meio furiosa e ansiosa, andava de um lado para o outro como um animal enjaulado, prometendo e suplicando. «Nunca, enquanto eu viver», era tudo o que a Capitã respondia; assim que ela se distraiu, em questão de momento, ouviu um ranger de porta. A Capitã viu a porta se abrir e Maggie escapar rapidamente! Acostumada com todos os segredos e «evasivas», Maggie arrancou a fechadura da porta, e saiu correndo para o bar mais próximo.

Maggie desceu a escadaria do bar correndo, com a Capitã atrás dela; mas antes que o assustado garçom pudesse dar-lhe a bebida que ela pedia aos gritos, a Capitã já estava ao lado dela. «Se você ousar servi-la, eu quebrarei o copo antes que alcance a os lábios dela. Ela não vai beber nada!» e assim Maggie foi persuadida a sair dali, e ficou sob proteção até a paixão terminar. Maggie tornou-se Ela Mesma mais uma vez.

Mas o homem que teve o descaramento de dar-lhe uísque permaneceu trancado dentro de casa durante semanas. O povo ficou sabendo da armadilha que ele armou para ela, e o teria linchado se o encontrasse na rua.

O terceiro caso é o de Rose.

Rose foi desonrada, abandonada, e largada nas ruas quando tinha apenas treze anos, por um homem rico que está agora, segundo sabemos, fazendo trabalhos forçados em uma casa de correção no Norte da Inglaterra.

Órfã de mãe e pai, e quase poder-se-ia dizer, sem amigos, Rose trilhou pelo largo caminho da destruição, com toda sua miséria e vergonha, durante doze longos anos. Sua natureza selvagem, apaixonada, forjada pela injustiça e pelo sofrimento, procurando consolo no copo de bebida, logo fez dela uma notória alcoólica. Durante sua jornada ela foi setenta e quatro vezes arrastada às barras dos tribunais, e nas setenta e quatro vezes, com apenas uma exceção, ela foi castigada, mas na septuagésima quarta vez ela estava longe de ser transformada. A única exceção ocorreu no Dia do Jubileu da Rainha. Ao ver seu rosto bem conhecido novamente diante dele, o juiz reclamou, «Quantas vezes essa mulher já passou por aqui antes?»

O Superintendente de Policia respondeu, «Cinqüenta vezes». De mau humor, o magistrado disse: «Então este é o Jubileu dela», e por causa da coincidência, ele a deixou ir embora livre. Assim Rose passou o jubileu fora da prisão.

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É surpreendente que a terrível, alcoólica, negligente, dissoluta, vida que ela viveu não acelerou sua ida para a sepultura; mas afetou sua razão, e durante três semanas ela foi recolhida em um Manicômio de Lancaster, depois de ter passado por um período de fúria por causa da bebida e do pecado.

Revelando sua natureza despreocupada ela disse depois de sua segunda prisão que nunca mais entraria em uma delegacia de polícia novamente; quando a polícia a encontrava em meio a orgias selvagens e resolvia prendê-la, eles tinham que levá-la para a delegacia de polícia do jeito que podiam, às vezes num carrinho de mão, numa carroça, ou numa maca, e às vezes no braço. Em certa ocasião, já no fim de sua carreira, quando era transportada pelo último método, com quatro policiais carregando-a até a estação, ela estava extraordinariamente violenta, gritava muito, dava socos, pontapés e mordidas, quando, sem querer ou de propósito, um dos policiais deixou escapar a cabeça dela que, ao chocar-se com o meio fio, começou a sangrar. Assim que eles a colocaram na cela, a pobre criatura pegou seu sangue nas mãos e literalmente lavou sua face com ele. Na manhã seguinte ela apresentava uma imagem lastimável, e antes de a levarem ao tribunal a polícia quis lavá-la, mas ela declarou que arrancaria sangue de qualquer homem que tentasse chegar perto dela; eles tiveram que deixá-la como estava, e ela se apresentou toda suja de sangue no tribunal como um testemunho contra eles. Da última vez que saiu da prisão, ela encontrou alguns Salvacionistas batendo o bumbo e cantando: «Oh! o sangue do Cordeiro, o sangue do Cordeiro; Ele foi digno». Rose, sensibilizada com a canção, e impressionada com o rosto alegre das pessoas, as seguiu, dizendo a si mesma, «eu nunca ouvi nada assim antes, nem tinha visto tanta gente tão feliz». Ela entrou no Posto Avançado; seu coração estava quebrantado; ela foi até o Banco de Penitentes, e a Cristo, que com seu próprio precioso sangue, lavou os pecados dela. Ela ajoelhou-se e disse à Capitã, «está tudo bem agora».

Três meses depois de sua conversão houve uma grande reunião no maior salão da cidade onde ela era conhecida por quase todos os habitantes. Havia aproximadamente três mil pessoas presentes. Rose foi chamada para dar seu testemunho de que o poder de Deus salva.

Uma entusiástica onda de simpatia tomou conta daquela multidão, todos estavam familiarizados com o passado de Rose. Depois dela balbuciar algumas palavras expressando a mudança maravilhosa que acontecera em sua vida, um primo dela que, como ela, tinha vivido uma vida notoriamente má, veio à Cruz.

Rose é agora sargenta do Brado de Guerra. Ela entra nos bordéis, bares e outros refúgios do vício da qual ela foi salva, e vende mais jornais do que qualquer outro Soldado.

O Superintendente da Polícia, logo após a conversão dela, disse à Capitã do Corpo que a conversão de Rose foi o trabalho mais maravilhoso que tinha visto em toda sua carreira.

S. nasceu em Lancashire, filho de pais virtuosos, e pobres. Ele foi salvo aos dezesseis anos de idade. Ele foi primeiro Evangelista, depois Missionário da Cidade durante cinco ou seis anos, e depois Ministro Batista. Foi quando caiu na influencia da bebida, resignado, tornou-se vendedor ambulante, mas perdeu sua licença por bebida. Tornou-se então agente de seguros, foi promovido a superintendente, mas foi novamente despedido por causa da bebida. Durante toda sua carreira de alcoólico, por quatro vezes ele teve delirium tremens, tentou suicídio por três vezes, vendeu seis casas, freqüentou nossa oficina com sua esposa e família por três vezes.

Suas últimas performances durante suas bebedeiras era proferir falsos sermões e falsas orações nos bares que freqüentava.

Depois de uma de suas performances blasfemas no bar. Ele foi

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desafiado a ir ao Posto Avançado com as palavras «Você é Salvo?».

Ele foi, e o Capitão que o conhecia bem, pediu para que ele se convertesse. S. o agrediu com um soco, e voltou ao bar. Porém, ele ficou tão sensibilizado pelo que ouvira que não conseguiu beber, Ele foi e voltou do bar para a reunião e da reunião para o bar por três vezes. Ele não tinha sossego, e na terceira vez que voltou à reunião os Soldados estavam cantando: --

«Profunda clemência, ainda há Clemência reservada para mim? Poderá meu Deus reprimir sua ira? Para mim, o maior dos Pecadores?»

Esta canção o atingiu profundamente; ele chorou, e permaneceu no Posto até a meia-noite. Ele ficou bêbado durante todo o dia seguinte, tentando vaidosamente afogar suas culpas. O Capitão o visitou pela noite, mas foi logo mandado para fora da casa. Ele voltou na manhã seguinte, orou e conversou com S. durante quase duas horas. O pobre S. estava em desespero. Ele persistia que não haveria nenhuma clemência por ele. Depois de uma longa luta, porém, brilhou um raio de esperança, ele ajoelhou-se, confessou seus pecados, e obteve o perdão divino.

Quando isto aconteceu, sua mobília consistia de uma mesa e cadeiras. A esposa dele, ele, e três crianças, há três anos não dormiam em uma cama. Agora, ele tem uma família feliz, uma casa confortável, e meios para levar outros escravos do pecado ao Salvador, a uma vida verdadeiramente feliz.

Casos semelhantes, descrevendo a libertação de alcoólicos da escravidão da bebida, poderiam ser reproduzidos indefinidamente. Há Oficiais marchando em nossas fileiras hoje, que uma vez foram possuídos por esta fascinação diabólica, mas que se livraram dessas correntes, e são agora homens livres no Exército. Mas a torrente poderosa do Álcool, alimentada por dez mil fábricas, permanece avassaladora, trazendo consigo -- eu não tenho nenhuma dúvida sobre isso -- a maré mais suja e mais sangrenta que já fluiu da terra para a eternidade. A Igreja do Deus vivo não deve -- não estou falando de religião -- como não devem as pessoas que tenham algo de humano dentro de si, descansar enquanto não fizer algo para resgatar este meio milhão de almas que estão no meio desse redemoinho diabólico. Então, nos propomos salvar tais pessoas dessa tentação que não conseguem resistir. Levá-las a Deus para que essa tentação possa ser retirada de dentro delas, e que seja retirada a autorização de funcionamento de cada uma destas casas que comercializam bebidas alcoólicas, e que sejam fechadas, e fechadas para sempre. Mas isso não acontecerá ainda, pelo menos por enquanto.

Alguns casos de embriaguez devem ser considerados como hábito, outros como doença. No primeiro caso deve-se descobrir uma forma de retirar o homem da esfera da tentação, enquanto que no outro, pela paixão pela bebida constituir-se em doença, devemos desenvolver alguma outra paixão, uma paixão saudável que tome o lugar da paixão doentia pela bebida, de forma a obter a cura.

As Casas de Dalrymple onde -- por ordem de um magistrado e pelo próprio consentimento dos alcoólicos -- os alcoólicos ficam confinados durante algum tempo, teve um sucesso parcial em lidar com os dois tipos de alcoólicos; mas tais casas são definitivamente caras demais para famílias com poucos recursos. Nem trabalhadores, nem pessoas do povo, podem pagar duas libras por semana pelo privilégio de ser afastado para longe dos bares, que se multiplicam por toda parte. Além disso, aqueles que conseguem entrar nestas casas sentem-se bem a vontade por pertencerem à mesma classe social que mantém essas instituições. Mas nós propomos estabelecer Casas que contemplem a libertação, não de um ou outro, mas de multidões, e

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que sejam acessíveis ao proletariado, ou a qualquer pessoa de qualquer classe. O alcoolismo é nosso vício nacional, e exige nada menos do que um remédio nacional -- de qualquer maneira, um remédio em grande escala para que seja considerado nacional.

1. Poderíamos começar com Casas Anti-alcoólicas Urbanas [N.T.: no original, City Homes], onde um homem possa ser levado, cuidado, e mantido, longe da tentação, e se possível libertado deste hábito terrível.

Em alguns casos de pessoas que estão trabalhando ou envolvidas em seus negócios na Cidade durante o dia, elas seriam acompanhadas por uma pessoa do trabalho para Casa e da Casa para o trabalho. Neste caso, naturalmente, seria necessário uma remuneração adequada para este cuidado extra.

2. Casas Anti-alcoólicas Rurais [N.T.: no original, Country Homes] que administraremos no princípio de Dalrymple; quer dizer, um magistrado conduz pessoas para uma espécie de confinamento compulsório por um certo período. Os regulamentos gerais para ambos tipos seriam algo como segue: --

(1). Haverá apenas uma classe em cada estabelecimento. Casas onde ricos e pobres convivem juntos não funcionam bem, deve-se providenciar instituições separadas.

(2). Todas as pessoas engajadas terão que se ocupar em alguma forma de trabalho. De preferencia trabalho ao ar livre, mas o trabalho em recinto fechado será proporcionado àqueles que se encontram em estado mais satisfatório, e em tempos e ocasiões do ano quando o trabalho em hortas torna-se impraticável.

(3). Um custo de 10s. por semana será cobrado. Este valor será revisto quando não houver qualquer possibilidade de pagá-lo.

A utilidade de tais Casas é tão evidente que dispensa qualquer discussão. Há uma classe de criaturas infelizes que deveria ser objeto da compaixão de todos aqueles que chegaram a conhecê-los, quer dizer, homens e mulheres que são arrastados continuamente diante dos tribunais, e a respeito dos quais lemos constantemente nos relatórios policiais, pessoas que dentro e fora das prisões constituem um enorme custo ao país, e sem qualquer benefício para eles.

Deveríamos, portanto, lidar com esta gente. Seria possível aos magistrados -- em vez de condenar estes pobres diabos a sessenta e quatro e a cento e vinte anos de prisão -- enviá-los a esta Instituição, pela simples reforma das sentenças quando solicitadas. Tais arranjos sairiam bem mais baratos para o país!

SEÇÃO 5. -- UMA NOVA SAÍDA PARA MULHERES PERDIDAS. AS CASAS DE RESGATE. Talvez não haja nenhum outro mal tão destrutivo dos melhores interesses da Sociedade, ou reconhecidamente mais difícil de lidar com eficácia, como aquele que é conhecido como o Mal Social. Temos testemunhado o crescimento deste terrível mal, e a maneira alarmante como ele afeta nossa moderna civilização.

Estamos tentando lutar contra este mal com aproximadamente treze Casas na Grã Bretanha, acomodando 307 meninas sob os cuidados de 132 Oficiais, juntamente com dezessete Casas no estrangeiro, abertas para o mesmo propósito. Esse total, embora pequeno comparado com a imensa necessidade, talvez constitua o maior e mais eficiente esforço nessa área em todo o mundo.

É difícil estimar os resultados já alcançados. Através de nossas variadas operações, associadas à atuação dessas Casas, provavelmente centenas, senão milhares tiveram suas vidas libertadas da vergonha e

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da miséria. Não temos as estatísticas exatas com relação ao atendimento em nossas Casas no exterior, mas em conexão com a obra em nosso país, cerca de 3.000 delas já foram resgatadas, e estão vivendo vidas virtuosas, com firme e habitual disposição para o bem.

Este sucesso tem sido gratificante não apenas por causa das bênçãos trazidas a estas jovens mulheres, pela alegria proporcionada nas casas em que foram restabelecidas, pelo benefício dado à Sociedade, mas porque esse sucesso nos assegurou que maiores resultados desse tipo podem ser conseguidos por operações administradas em escala maior, e diante de circunstâncias mais favoráveis.

Com esta visão propomos remodelar e aumentar grandemente o número dessas nossas Casas tanto em Londres como nas províncias, e estabelecer uma em cada grande centro desse tráfico infame. Transformá-las em grandes Casas Receptoras, onde as meninas sejam iniciadas no sistema de recuperação, testadas em seu real desejo de libertação, e instruídas no caminho da verdade, da virtude, e da religião.

Com a supervisão destas Casas, um grande número de meninas poderia ser restaurada por amigos e parentes, algumas seriam treinadas e encaminhadas para o serviço doméstico, e outras iriam para Colônias Rurais.

Na Fazenda elas se engajariam em várias ocupações. Na Fábrica, encadernando e tecendo; na Estufa cuidando de frutas e de flores; na Leiteria, fazendo manteiga; em todos os casos desenvolvendo um trabalho que as capacite no serviço doméstico.

Em cada fase será aplicado o mesmo processo de treinamento moral e religioso, no qual temos uma especial confiança.

Provavelmente haverá uma considerável quantidade de casamentos entre os Colonos, e dessa forma várias destas meninas seriam absorvidas na Sociedade.

Um grande número delas será enviado ao estrangeiro como empregadas domésticas. No Canadá, as meninas saem das Casas de Resgate como criadas, sem nenhuma outra referência senão algumas semanas de residência, e recebem salários de até #3 por mês. A escassez de empregadas domésticas nas Colônias australianas, nos Estados Ocidentais da América, África, e em outros lugares é bem conhecida. E nós não temos nenhuma dúvida de que todos darão boas-vindas às nossas meninas com 12 meses de caráter, a questão das roupas e do dinheiro da passagem será encaminhada com facilidade pelas pessoas interessadas nos serviços delas, adiantando a quantia, com o detalhe de que será deduzido dos primeiros salários delas.

Temos também a Colônia Além-Mar que requererá os serviços de um número grande delas. Muitas famílias se alegrarão em adotar uma dessas jovens mulheres, não como criada servil, mas como companheira e amiga.

Por este método nos capacitaremos a levar a cabo o trabalho de Resgate em uma escala bem maior. No momento, duas dificuldades bem grandes bloqueiam nosso caminho. Uma é o custo do trabalho. As despesas relacionadas com o resgate de uma garota no presente plano não fica por menos de #7; quer dizer, incluindo o custo daquelas com as quais falhamos, e nas quais aplicamos dinheiro. Mas sete libras não é certamente uma soma muito grande considerando o benefício resultante na menina que é retirada para fora das ruas, e o benefício resultante à Sociedade, removendo-as do mau caminho em que estavam. Todavia, quando o trabalho alcançar milhares de indivíduos, o montante requerido torna-se considerável. No plano proposto calculamos que quando chegarem à Colônia Rural elas receberão quase tudo aquilo que for necessário ao seu apoio.

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A próxima dificuldade que impede nossa expansão nesta área é o desejo de situações satisfatórias e permanentes. Embora tenhamos alcançado o maravilhoso sucesso de ter encaminhado até o presente momento cerca de 1.200 garotas ao serviço doméstico, a dificuldade nesse sentido é bem grande. As famílias revelam-se naturalmente tímidas em receber estas pobres desafortunadas no que diz respeito a afiançar a ajuda que elas precisam combinada com um caráter puro; e nós não os podemos culpar.

Então, novamente, é fácil compreender que a monotonia do serviço doméstico neste país é absolutamente incompatível com os gostos de muitas destas meninas acostumadas a uma vida de excitação e liberdade. Isto pode ser facilmente compreendido. Ficar presa sete dias por semana com pequeno ou nenhum relacionamento, nem com amigos nem com o mundo externo, com exceção do serviço semanal da Igreja ou da «noite fora» com ninguém para se encontrar, com muitas delas distantes das Reuniões do Exército de Salvação, tudo fica muito monótono, em horas de depressão não seria surpresa alguma se algumas voltassem atrás em suas resoluções, retornando ao velho modo de vida em que viviam.

Mas no plano que propomos há algo que alegrará estas meninas. A vida na fazenda será atraente. Dali elas poderão ir para um novo país e poderão começar tudo de novo, com a possibilidade de casar-se e ter uma pequena casa própria algum dia. Com tal perspectiva, achamos que elas provavelmente estarão bem mais dispostas a lutar contra a escuridão e resistir às tentações do que no momento.

Este plano também tornará a tarefa de salvar as meninas bem compensatória aos Oficiais engajados, na medida em que -- por sua perseverança no encorajamento dessas meninas -- elas abandonam seus velhos hábitos, e justificam cada centavo gasto com elas. Neste momento há meninas que podem ser resgatadas e salvas, apesar das circunstâncias, e temos muitas provas disso. Veja os exemplos abaixo: --

J. W. foi trazida por nossas Oficiais de um bairro que ficou famoso por causa das atrocidades ali perpetradas, até mesmo entre os distritos semelhantes, de caráter igualmente ruim.

Ela tinha apenas dezenove anos. Uma menina do campo. Ela começou bem cedo sua luta pela vida trabalhando em uma grande lavanderia, e foi estuprada aos treze anos de idade. Após esse primeiro tropeço, sua queda foi mais rápida, irrequieta, aflitante, e profunda do que seria em uma cidade do interior, ela mudou-se para Londres.

Durante algum tempo ela viveu no mundo dos holofotes, da extravagancia e do exibicionismo, em pouco tempo conheceu muita gente dessa classe -- conseguiu bastante dinheiro, roupas boas, e ambientes luxuosos, até que uma terrível doença tomou conta de seu corpo, e ela viu-se abandonada, sem-teto, e sem amigos, uma proscrita da Sociedade.

Quando a encontramos ela era difícil e impenitente, difícil de atingir até mesmo com amor; mas o amor a atingiu e a conquistou, e desde então ela tornou-se uma soldada consistente de um corpo do Exército, e uma vendedora campeã do Brado de Guerra.

UMA MULHER EM LIBERDADE CONDICIONAL. A. B., filha de respeitáveis trabalhadores -- católicos romanos -- cedo ficou órfã. Deixou-se envolver em más companhias, e viciou-se na bebida. Como não bastasse sua constante embriaguez, o roubo e a prostituição a conduziram ainda mais fundo no poço. Ela passou sete anos na prisão, e em sua última condenação pegou sete anos de liberdade condicional. Rompendo sua condicional, ela foi trazida diante do juiz.

O magistrado indagou se ela alguma vez passou por alguma Casa. «Ela

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é muito velha, ninguém vai querer se responsabilizar», foi a resposta, mas um Detetive, conhecendo um pouco sobre o Exército de Salvação, adiantou-se e explicou ao magistrado que ele não acreditava que o Exército de Salvação recusasse qualquer pessoa que o buscasse. Ela foi entregue formalmente a nós em uma condição deplorável, vestindo roupas escassas e sujas. Durante mais de três anos ela deu evidência de uma mudança genuína, nesse tempo ela vive de seu próprio trabalho.

UMA MULHER SELVAGEM. Visitando uma favela em uma cidade ao Norte da Inglaterra, nossas Oficiais entraram em um buraco que parecia mais toca de animal selvagem do que habitação humana. Sua mobília era uma imunda armação de cama de ferro, uma caixa de madeira servindo de mesa e cadeira, e uma lata velha funcionando como lata de lixo. A habitante daquela toca miserável era uma pobre mulher que escondeu-se no canto mais escuro quando nossa Oficial entrou. Esta pobre infeliz era vítima de uma besta humana que nunca lhe permitiu sair para fora, mantendo-a viva com uma escassa quantidade de comida. A única roupa dela consistia de um saco amarrado em torno do corpo. Descalça, cabelos desgrenhados, parecia tudo, menos um habitante de um país civilizado.

Ela deixou para traz uma casa respeitável, o marido e a família, e afundou tanto que o homem que dizia sustentá-la argumentou ao Oficial que ele tinha melhorado a condição dela tirando-a das ruas. Tomamos aquela pobre criatura, a lavamos e a vestimos; ela mudou seu coração e sua vida, ela é mais uma que se soma ao número daqueles que foram abençoados pela obra do Exército de Salvação.

SEÇÃO 6. -- UMA CASA PREVENTIVA PARA MENINAS DE RUA EM VIAS DE PROSTITUIR-SE. Há uma história bem conhecida e que talvez seja verdadeira sobre uma menina que bateu à porta de uma certa casa de recuperação de mulheres decaídas. A matrona indagou naturalmente se ela tinha perdido a honra; a menina respondeu que não. Ela tinha se preservado daquela infâmia, mas era pobre e sem amigos, e estava procurando algum lugar onde pudesse encontrar trabalho, e abrigo. A matrona deve ter sentido pena dela, mas que não podia ajudar pois não pertencia à categoria à qual a instituição foi planejada. A menina insistiu, mas a matrona não podia alterar a regra, nem ousou fazer isso, já era difícil encontrar um lugar para aquelas que chegavam até ali pedindo ajuda e se enquadravam. A pobre menina saiu da porta relutante, depois de pouco tempo voltou, e disse, «agora estou decaída, você vai me ajudar?»

Em Londres e em todas nossas grandes cidades deve haver um número considerável de meninas pobres que, pelas mais variadas causas, acabam mergulhadas nesta condição de abandono; uma discussão com a patroa, uma súbita demissão, uma doença prolongada, uma saída do hospital sem dinheiro, um roubo do pagamento, esperar que a situação melhore enquanto gasta cada centavo, essas e muitas outras coisas tornam uma menina uma presa quase indefesa na mão dos vilões que a observam atentamente aguardando o momento exato para tirar proveito de sua inocência quando ela estiver em perigo. Há um grande número destas meninas, principalmente em grandes cidades como Londres, que já se depararam com a possibilidade de ter uma porta batida na cara caso recusem submeter-se às propostas infames daqueles que as rodeiam. Sabemos que a Sociedade para a Proteção de Crianças no ano passado processou um fabuloso número de pessoas por práticas anti-naturais perpetradas contra crianças. Mas daqueles que foram trazidos às barras da justiça, quantos foram realmente condenados? Nós apenas temos que imaginar quão pobre é uma menina, diante da terrível alternativa de ser literalmente lançada nas ruas por empregados, parentes, ou outros sob cujo poder infelizmente está subordinada.

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Agora, queremos uma casa de verdade para elas -- uma casa para a qual qualquer menina possa abrigar-se a qualquer hora do dia ou da noite, onde seja recebida, cuidada, protegida do inimigo, e mantida em segurança.

O Refúgio que propomos funcionará no mesmo princípio dos Abrigos descritos anteriormente. Deveríamos aceitar qualquer menina, a partir de quatorze anos de idade, visivelmente desprovida de apoio, mas disposta ao trabalho e à disciplina. Haveria várias formas de trabalho, como lavagem de roupa, costura, tricotagem. Toda influência benéfica em nosso poder seria colocada à disposição em prol da retificação e da formação do caráter. Seriam feitos contínuos esforços para criar situações de fácil adaptação para as meninas, restabelecer o contato com suas famílias, tudo seria providenciado. Como ocorre nas outras Casas, haverá um caminho de acesso à Fazenda e à Colônia além mar. As instituições seriam multiplicadas na medida de nossas possibilidades e de nossas necessidades, e tão auto-sustentadas quanto possível.

SEÇÃO 7. -- ESCRITÓRIO PARA LOCALIZAÇÃO DE PESSOAS DESAPARECIDAS. Talvez nada insinue mais vivamente as variadas formas da terrível miséria nas grandes cidades que o fato de que a cada ano 18.000 pessoas perdem o contato com seus parentes e familiares, e 9.000 nunca são encontradas em parte alguma deste mundo. Se isso é verdade para Londres, achamos que isso também seja verdadeiro na mesma proporção para o resto do país. Maridos, filhos, filhas, e mães, desaparecem continuamente, sem deixar nenhum vestígio.

Tais casos, em um mundo onde as relações entre as pessoas têm tão pouca importância, o máximo que as autoridades policiais podem fazer é uma ou outra ligeira investigação, freqüentemente desprovida de êxito. E a procura será em vão, a menos que o interessado disponha de grandes somas em dinheiro, e contrate um detetive particular que faça buscas aqui e no estrangeiro.

Mas se os parentes e amigos do indivíduo perdido vivem em circunstâncias humildes, de cada dez casos nove fracassam em sua busca.

Tome, por exemplo, um casal de camponeses em uma aldeia, cuja filha se despede para trabalhar na cidade mais próxima ou em uma cidade grande. Pouco tempo depois chega uma carta informando aos seus pais de que ela está bem. O ambiente é bom, o trabalho fácil, e ela gosta dos colegas de trabalho. Que ela freqüenta a capela ou igreja. A família fica contente com essas notícias. As cartas continuam chegando com as mesmas informações, mas, repentinamente, elas cessam. Cheia de preocupação, a mãe escreve para saber a razão, mas nada de resposta, depois de um tempo as cartas são devolvidas com «mudou-se sem deixar endereço», escrito no envelope. A mãe escreve para parentes e amigos, ou o pai viaja para a cidade, mas nenhuma informação adicional pode ser obtida além do fato que «a menina vinha se comportando de uma maneira um tanto estranha ultimamente; passou a ser relapsa em seu trabalho; foi vista na companhia de algum rapaz; sem avisar ninguém desapareceu completamente».

Agora, o que essa pobre gente pode fazer? Eles procuram à polícia, mas a polícia não pode fazer nada. Talvez eles peçam ajuda ao clérigo da paróquia, que também não pode fazer nada a não ser encharcar seus ombros com as lagrimas da mãe desesperada, que espera, que pede a Deus por notícias da filha, notícias que nunca chegam. Ela teme o pior.

Agora, nosso Escritório Para Localização de Pessoas Desaparecidas provê um remédio para este estado de coisas. Em casos assim, o encaminhamento seria dado pelo Oficial do Exército de Salvação mais próximo -- provavelmente na própria aldeia dela, ou de qualquer modo, na cidade mais próxima -- que orientaria os pais a escrever ao Escritório Central em Londres, enviando retratos e todas as

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características particulares. A Busca seria imediatamente colocada em prática, no sentido de localizar e, se for o caso, resgatar a menina.

As realizações deste Departamento, que só recentemente entrou em operação e em escala limitada, como uma filial do grupo Rescue Work, tem sido maravilhosas. Nenhum de nossos escritores mais imaginativos poderia conceber histórias mais românticas que as que estamos registrando. Veja alguns casos ilustrativos que aconteceram pouco tempo atras.

O MARIDO DESAPARECIDO. A BUSCA. A Sra. S., de New Town, Leeds, escreveu relatando que ROBERT R. deixou a Inglaterra em julho de 1889. Ele viajou para o Canadá em busca de uma melhor qualidade de vida. Ele deixou para trás a esposa e quatro crianças pequenas. Foi embora dizendo que se tivesse êxito os chamaria, caso contrário voltaria.

Como foi mal sucedido, ele resolveu voltar. Saiu de Montreal no Navio «Oregon» no dia 30 de outubro. Fora o cartão postal enviado antes da viagem, a esposa e os amigos nunca mais tiveram qualquer notícia dele. As coisas estavam assim quando nos escreveram.

Eles escreveram para a Companhia «Dominion» que respondeu que «ele certamente desembarcara em Liverpool», assim, achando que ele desaparecera ao chegar, colocaram o assunto nas mãos da Polícia de Liverpool que, após acompanhar o caso durante várias semanas fez seu habitual relatório -- «não localizado».

O RESULTADO. Imediatamente começamos a procurar por algum passageiro que viera no mesmo navio, depois de um pequeno lapso de tempo tivemos sucesso, encontramos um.

Em nossa primeira entrevista com ele descobrimos que Robert R. não desembarcou em Liverpool. Sofrendo de depressão lançou-se ao mar três dias após deixar a América, desaparecendo nas águas. As informações adicionais que conseguimos descobrir sobre sua morte foi que os marinheiros roubaram suas roupas e bagagem, e dividiram entre eles.

Escrevemos à Companhia passando essas informações, e eles prometeram fazer investigações e indenizações, mas como muito freqüentemente acontece, ao comunicar o fato à família, a Companhia acaba assumindo o caso em suas próprias mãos, contra os interesses da família, resultando em que, certamente, a família acabe perdendo uma boa soma indenizatória que provavelmente conseguiríamos para ela.

A ESPOSA DESAPARECIDA. A BUSCA. F. J. L. pediu-nos para encontrar sua esposa que o deixara no dia 4 de novembro de 1888. Ele temia que ela estivesse vivendo uma vida imoral; deu-nos a descrição e dois endereços onde provavelmente ela seria encontrada. O casal tinha três filhos.

O RESULTADO. Investigamos tais endereços e não extraímos nenhuma informação, mas observando a vizinhança descobrimos o paradeiro da mulher.

Depois de alguma dificuldade nossa Oficial conversou com a mulher que ficou muito surpresa por a termos descoberto. Com fé e firmeza a Oficial falou-lhe sobre o plano de Deus para a vida dela. Coberta de vergonha e remorso, ela prometeu voltar ao marido.

Entramos em contato com o Sr. L.. Alguns dias depois ele nos enviou um telegrama dizendo que tinha perdoado a esposa, e que novamente estavam juntos.

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Logo depois ela escreveu expressando profunda gratidão à Sra. Bramwell Booth por ter se envolvido no caso dela.

A FILHA DESAPARECIDA. A BUSCA. ALICE P. fora raptada há dez anos atrás por Ciganos, agora deseja encontrar os pais dela, e voltar a viver com eles. Ela acredita que a casa dela está em Yorkshire. A Polícia teve este caso em mãos durante algum tempo, mas falhou completamente.

O RESULTADO. Anunciamos estas informações no «Brado de Guerra». A Capitã Green, ao ver o anúncio, escreveu em 3 de abril que sua Tenente conhecia uma família que se enquadrava nas descrições vivendo em Gomersal, Leeds.

Em 4 de abril escreveu pedindo confirmação.

Em 6 de abril, tivemos notícias do Sr. P --- , que aquela moça era a filha dele, e que ele escrevia cheio de gratidão e alegria, dizendo que enviará dinheiro para ela voltar para casa. Enquanto isso, obtemos da Polícia, que há muito procurava a menina, uma descrição completa e uma fotografia, que enviamos à Capitã Cutmore; em 9 de abril, ela escreveu-nos que a menina se encaixava exatamente naquela descrição. Obtivemos 15/- dos pais da menina, e Alice foi restabelecida mais uma vez aos seus pais. Glória a Deus.

OUTRA FILHA DESAPARECIDA. A BUSCA. E. W., 17 anos. O pedido de busca dessa menina, desaparecida desde julho 1885 quando viajou para o Canadá, foi encaminhado pela mãe e irmão. Tinham recebido algumas cartas, desde Montreal, mas elas pararam. Uma fotografia, a descrição completa, e a letra, foram fornecidos.

O RESULTADO. Descobrimos que algumas pessoas respeitáveis de uma Igreja ajudaram E. W. a emigrar, mas que não tinham nenhuma informação sobre seu paradeiro após o desembarque.

Sua descrição completa, com fotografia, foi enviada a nossos Oficiais no Canadá. Como a menina não foi encontrada em Montreal. A informação foi enviada então a Oficiais em outras cidades naquela parte da Colônia.

A busca prosseguiu por alguns meses; e, finalmente, por nosso Chefe de Divisão, recebemos a informação de que a menina fora reconhecida e identificada em um de nossos Postos Avançados. Quando foi repentinamente chamada pelo nome ela quase desmaiou de susto. Ela estava em uma terrível condição de pobreza e vergonha, mas imediatamente consentiu, ao ouvir falar que sua mãe a procurava, em ir até uma de nossas Casas de Resgate canadenses. Ela está bem agora. Dá para imaginar a alegria da mãe.

A AMIGA PERDIDA. A BUSCA. A Sra. M. escreveu-nos, profundamente consternada, sobre esta menina. Ela disse que ela era esforçada, mas que, arruinada por um rapaz que a cortejou, e já com três crianças, continuamente retornava ao «vil caminho», embora ocasionalmente tivesse algumas semanas luminosas e felizes.

A Sra. M. disse-nos que Harriett teve pais bons, já mortos, mas que ainda tem um irmão respeitável em Hampshire. A última vez que ouviu falar dela foi algumas semanas atrás, quando estava num Abrigo para

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Meninas em Bristol, mas que partira, e desde então nunca mais soube dela.

Pediu-nos que a achássemos, e com muita fé nos disse, «eu acho que vocês são os únicos que, tendo sucesso em localizá-la, poderão resgatá-la e torná-la uma boa pessoa».

O RESULTADO. Demos início à nossa busca, e no espaço de alguns dias descobrimos que ela saíra de Bristol em direção a Bath. Em seguida soubemos que, em um lugarejo chamado Bridlington, na estrada para Bath, ela encontrou um homem com o qual conversou, e que a levou a uma taverna.

A situação estava assim quando descobrimos a cena. Após conversar com ambos sobre o assunto, ela admitiu a possibilidade de voltar, mas pediu dois dias para decidir.

Os dois dias passaram e a trouxemos de volta. Foi enviada a uma de nossas Casas onde arrependida desfruta de paz.

Quando informamos sua amiga e seu irmão do sucesso, eles ficaram bem contentes e gratos.

OUTRO MARIDO DESAPARECIDO. Em uma casa litorânea no último Natal havia uma esposa entristecida lamentando ter sido abandonada pelo marido. Vagava de um canto para outro bebendo. O marido dela a deixou sozinha com seus quatro filhos.

Sabendo da angústia dela, o capitão do Corpo pediu-nos para localizar o homem por um anúncio no Brado de Guerra. Anunciamos. Passou um tempo sem qualquer resultado.

Várias semanas depois um Salvacionista entrou em uma cervejaria onde um grupo de homens estava bebendo, e começou a distribuir o Brado de Guerra entre eles, enquanto falava sobre a eternidade que está diante de cada um de nós.

Um homem se levantou com um prato mão, e pediu que lhe desse um jornal, olhava negligentemente as colunas quando viu seu próprio nome, ficou tão assustado que deixou o prato cair no chão. «Volte para casa», estava escrito, «e tudo será perdoado».

O pecado dele estava à sua frente; foi completamente tomado pela idéia da esposa triste e das crianças famintas. Naquela mesmo momento saiu da taverna, e começou a caminhar em direção à sua casa -- a uma distância de muitas milhas -- chegou por volta da meia-noite, depois de uma ausência de onze meses.

A carta de sua esposa contando as boas notícias do retorno do marido, também falava da determinação dele, com a ajuda de Deus, de ser um homem diferente. Agora ambos freqüentam as reuniões do Exército de Salvação.

UM SEDUTOR COMPELIDO A PAGAR. Entre as cartas recebidas pelo Escritório de Busca estava a de uma garota pedindo ajuda para localizar o pai do filho dela que parou de pagar a pensão da criança. O caso foi levado ao Tribunal, e julgado a favor dela, mas o culpado fugiu, e o pai dele recusou revelar seu paradeiro.

Nós chamamos o velho e expusemos a questão, mas ele recusou tanto assumir as responsabilidades do filho como nos colocar em contato com ele. Uma resposta a um anúncio no Brado de Guerra, porém, trouxe luz ao paradeiro do filho, e naquela mesma manhã nosso Oficial de Busca comunicou à polícia, que o intimou pagar as pensões atrasadas, o rapaz também recebera uma carta do pai pedindo que deixasse

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imediatamente o país. Ele já havia largado o emprego e recebido #16 de salário, mas foi obrigado a entregar essa quantia -- mais um pouco do dinheiro que o pai lhe dera para a viagem -- para a mãe de seu filho.

ENCONTRADA NA SELVA. Há um ou dois anos atrás ela era uma respeitável garota holandesa que poderia ter rapidamente construído seu espaço. Oriunda de uma cidade da África do Sul, traída, desgraçada, expulsa de casa com palavras de amargo desprezo, sem ter qualquer amigo no mundo que oferecesse ajuda, pensou em suicidar-se lançando-se no rio. O que poderia fazer além de mergulhar naquele rio, e acabar com tudo? Mas Greetah temeu o «futuro», e resolveu passar a noite na escuridão, miserável e só.

Passaram sete anos. Um inglês viajando pela África do Sul resolveu sair a procura de uma pequena aldeia para poder passar o domingo, ao perambular pelos bosques deparou inesperadamente com uma aldeia onde viu um velho hotentote agachado, com uma criança branca brincando no chão ao seu lado. Contente, aceitou a oferta de abrigar-se do sol ardente. O viajante entrou na cabana, e ficou surpreso por encontrar lá dentro uma jovem moça branca, evidentemente a mãe da criança brincalhona. Cheio de compaixão pelo estranho par, e especialmente pela garota, contou-lhes sobre a maravilhosa Salvação de Deus. Tratava-se de Greetah. O inglês teria oferecido uma grande soma para resgatá-la daquele lugar miserável. Mas isto era impossível, e com relutância despediu-se.

Já em sua casa na Inglaterra, sentado diante da lareira durante a noite, sozinho, surgiu em sua imaginação a visão daquela garota que encontrara na aldeia hotentote, e desejou saber se seria possível alguma forma de resgate. Foi quando leu o seguinte parágrafo no Brado de Guerra.: --

«AO AFLITO. O Exército de Salvação convida pais, parentes, e amigos, em qualquer parte do mundo, que estão a procura de alguma mulher ou menina que sabem ou desconfiam viver em imoralidade, ou está em perigo de cair sob o controle de pessoas imorais, a escrever fornecendo descrição completa, com nome, data, e endereço dos interessados, e, se possível, uma fotografia da pessoa procurada. Todas as cartas, vindas destas pessoas ou de tais mulheres ou meninas, serão consideradas estritamente confidenciais. Podem ser escritas em qualquer idioma, e devem ser endereçados à Sra. Bramwell Booth, 101, Queen Victoria Street, Londres, E.C».

«Não custa nada tentar», exclamou o rapaz, «estou assombrado com o que vi», e sem mais tardar descreveu aquela parte de sua aventura africana, o mais detalhada quanto possível. A informação chegou ao conhecimento do nosso Oficial Dirigente na África do Sul.

Logo após, um dos nossos camaradas salvacionistas saiu a procura da garota, depois de alguma dificuldade descobriu a aldeia, a garota foi resgatada e salva. O hotentote converteu-se depois, e ambos agora são Soldados Salvacionistas.

Aparte das agências independentes contratadas para efetuar esse tipo de investigação, que em muito tem aumentado, o Exército possui por si só vantagens peculiares a este tipo de busca. A operação se processa da seguinte forma: --

Há um Núcleo Central sob a direção de um Oficial e assistentes competentes, ao qual as descrições de maridos, esposas, filhas, filhos desaparecidos, podem ser remetidos. Estes são anunciados, exceto quando julgado desaconselhavel, no «Brado de Guerra» inglês, com sua tiragem de 300.000 cópias, e a partir dele traduzido para vinte e três outros «Brados de Guerra» publicados em diferentes partes do mundo. Cada informação específica é enviada aos Oficiais locais do Exército que encaminham a questão juntamente com

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especialistas ou com Oficiais especialmente treinados para este trabalho, que imediatamente atuam em cima de qualquer pista fornecida pelos parentes ou amigos.

Cada um dos 10.000 Oficiais, e quase todos os soldados em suas fileiras, espalhados por todo canto do mundo, podem ser considerados como um Agente de Busca. É cobrada uma pequena quantia, e quando as pessoas podem pagar, todo custo da investigação é coberto por elas. SEÇÃO 8. -- REFÚGIOS PARA CRIANÇAS DE RUA. Muita compaixão tem sido expressa às crianças abandonadas ou desamparadas que vagueiam pelas ruas de Londres, e tais crianças merecem bem mais compaixão. Não temos nenhuma intenção direta de iniciar uma campanha em prol delas aparte de nossa tentativa a mudar seus corações e vidas, e melhorar a situação de seus pais.

Nossa principal esperança para estes jovens, selvagens, banidos, tende nessa direção. Se pudermos alcançar e propiciar algum benefício aos seus guardiães, moral e materialmente, chegaremos ao caminho mais eficaz para beneficiar os filhos deles.

Ainda, vários deles serão inevitavelmente colocados sob nossos cuidados; e estaremos bem preparados para aceitar a responsabilidade de lidar com eles, acreditamos que nossa organização nos capacitará fazer isso, não apenas com facilidade e eficiência, mas a um custo insignificante para o público.

Para começar, seriam estabelecidas Creches ou Abrigos Diurnos para Crianças [N.T.: Children's Day Homes] nos centros populacionais proletários onde, a um pequeno custo, bebês e crianças pequenas podem ser cuidadas durante o dia enquanto as mães trabalham, em vez de deixá-las expostas ao perigo das ruas ou ao perigo maior de morrerem queimadas dentro de suas próprias miseráveis casas. Por este plano poderemos não apenas beneficiar aquelas pobres crianças, não apenas propiciar-lhes acesso a sabão, água e comida saudável, mas também exercer alguma influencia humanizante nas próprias mães.

Na Colônia Rural, lidaríamos com as crianças deixadas nos alojamentos dos Sindicatos e em outros estabelecimentos. Nossas mães camponesas, com dois ou três de seus próprios filhos, prontamente aceitaria mais um extra em sua condição habitual de cuidar das crianças, e nada seria mais simples ou fácil para nós do que encontrar alguma senhora experiente e confiável para fazer uma inspeção constante sobre se as crianças ali colocadas estão desfrutando das condições necessárias à saúde e ao bem-estar geral. Aqui haveria uma Creche Rural [N.T.: no original, Baby Farm] administrada em um ambiente adequado.

SEÇÃO 9. -- ESCOLAS INDUSTRIAIS. Eu também proponho, na primeira oportunidade que tiver, dar à questão do treinamento industrial aos meninos um tratamento adequado; e, se bem sucedido, estendê-lo também às meninas. Eu estou quase convencido de que se tirarmos crianças de cerca de 8 anos de idade das ruas, e cuidarmos delas até, digamos, aos vinte e um, de uma forma criteriosa, sensata, ponderada, sua própria força e capacidade proverá amplamente todos seus próprios desejos. Eles provarão ser, acredito, membros completamente bons e capazes da comunidade.

Aparte do aspecto meramente benevolente da questão, o sistema presente de ensino representa, ao meu ver, um anti-natural e vergonhoso desperdício das energias das crianças. Todo aquele período em que meninos e meninas são forçados a permanecer sentados em seus bancos escolares é gasto por pouco ou nenhum propósito -- não, todo esse tempo é mais do que desperdiçado. A mente da criança é incapaz de longos períodos de concentração [N.T.: no original, The minds of the children are only capable of useful application for so

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many consecutive minutes], consequentemente o tempo em que as crianças ficam ali deve ser administrado por um método racional; digamos, a primeira metade dos trabalhos da manhã deve ser dedicada aos livros, e a outra metade a algum aprendizado industrioso; a horticultura seria bem natural e saudável no tempo da colheita, no tempo inadequado à horticultura haveriam oficinas.

Na medida em que este método saudável é adotado, a escola passa a ser amada, e o custo da educação barateado. A vocação natural da capacidade da criança seria descoberta e poderia ser cultivada. Em vez de sair da escola, de não aprender quase nada, de perder para sempre a parte mais preciosa da vida no que diz respeito ao aprendizado, de desencadear alguma perseguição por causa de matérias às quais não há nenhuma predileção, de não prometer nada além da mediocridade, senão do fracasso, o trabalho -- para o qual a mente é peculiarmente adaptada e para o qual, então, tem uma capacidade natural -- é não apenas descoberto, como a vocação cultivada e a profissão escolhida adequadamente.

Longe de mim tentar reformar nosso sistema Escolar com este modelo. Mas eu acho que poderia testar a teoria praticando-a em uma Escola Industrial na Colônia Rural. Eu provavelmente começarei com crianças selecionadas pela qualidade e capacidade, visando dar-lhes uma educação superior, ajustando-os assim para a posição de Oficiais em todas as partes do mundo, com o objetivo especial de levantar um corpo de homens completamente treinados e educados para, entre outras coisas, levar a cabo todas as seções de obra social fixadas neste livro, e capacitá-los a instruir outras nações dentro o mesmo objetivo.

[...]

CAPÍTULO 6. SOCORRO EM GERAL. Há muitos que não estão perdidos, mas que precisam de socorro. Dar uma pequena ajuda hoje talvez previna a necessidade de ter que salvá-los amanhã. Há alguns que, mesmo após serem salvos, ainda precisarão de uma mão amiga. O serviço iniciado precisa ser levado a cabo para que termine bem. Pode-se objetar que até este momento nosso Projeto tratou quase que exclusivamente dos mais desacreditados e desesperados. Isto era inevitável. Obedecemos nosso Divino Mestre e buscamos salvar aqueles que estão perdidos. Mas mesmo, como disse no princípio, reivindicando urgência justamente para aqueles que não têm nenhuma ajuda, não podemos, pois, esquecer das necessidades e das aspirações das pessoas de comportamento decente que atualmente estão empobrecidas, mas que se mantêm em seus próprios pés, que não caíram, e que se apoiam mutuamente. Eles são tantos que constituem uma nação. Há aqueles que estão abaixo da linha da pobreza e aqueles que estão abaixo da linha da miséria. Mas o proletário que ganha uma libra por semana ou menos, constitui em todo mundo a maioria da população. Não podemos esquecê-los, mesmo porque estamos lado a lado com eles. Somos muitos milhares[N.T.: no original, We belong to them and many thousands of them belong to us]. Sempre estamos procurando uma forma de socorrê-los, e achamos que isto pode ser feito de muitas maneiras, algumas das quais passo a descrever.

SEÇÃO 1. -- MELHORES HABITAÇÕES. A necessidade de uma qualidade melhor nos alojamentos para pobres salvos em nossos Abrigos é uma premente necessidade. Uma das primeiras coisas que acontecem quando um homem é retirado para fora da sarjeta, quando consegue uma situação mais favorável, e quando ganha um sustento decente, é desejar alguma acomodação melhor que aquela disponível nos Abrigos. Agora há algumas centenas sob nossa

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responsabilidade que podem perfeitamente pagar por um maior conforto e privacidade. Continuamente eles nos dizem: --

«Todos os Abrigos foram de muita utilidade quando estávamos caídos, pois sempre cumpriram sua função; na realidade, não fosse por eles, nós e nossos amigos ainda estaríamos dormindo no Aterro, vivendo desonestamente, ou nem mesmo vivendo. Agora estamos trabalhando, queremos um quarto e uma cama decente para dormir, um guarda-roupa e um armário para guardar nossas coisas. Você não pode fazer algo prá gente?» A eles respondemos que, agora que estão estáveis, que estão capacitados, podem pagar e obter o conforto que desejam. Ao que respondem, «Isso é muito bom. Sabemos de alguns lugares onde gostaríamos de viver. Entretanto, veja, é aqui no Abrigo que estão nossos amigos e companheiros que pensam como nós. Há a oração, a pregação, a reunião, e a influência saudável todas as noites, isso nos ajuda a nos mantermos. Gostaríamos de um lugar melhor, mas se não dá para achar um que caiba todos nós preferimos permanecer aqui mesmo no Abrigo dormindo no chão, como fizemos até agora. Preferimos continuar aqui do que nos separarmos, nos misturarmos com companhia ruim, para depois voltarmos novamente à situação precária em que estávamos antes».

Mas isto, embora natural, não é desejável; pois se as coisas transcorressem assim, com o passar do tempo a totalidade das pessoas já recuperadas mas que ainda ocupam o Abrigo tomariam o lugar das pessoas para as quais fora originalmente destinado. Então, proponho às pessoas já recuperadas mas que desejam continuar relacionadas ao Exército de Salvação, uma moradia de qualidade superior, uma espécie de METRÓPOLE PROLETÁRIA, social e economicamente integrada, administrada nos mesmos princípios, mas com acomodação melhor em todos os sentidos. Mas antecipo que tal Metrópole seria inteiramente baseada no apoio mútuo [N.T.: no original, self-suporting]. Nestas casas haveriam dormitórios separados, boas salas-de-estar, cozinhas adequadas, banheiros, um salão para reuniões, e muitos outros confortos dos quais todos desfrutariam. E tudo isso abaixo do preço de custo, pois mesmo sem pagar juros pelo desembolso inicial, estarão asseguradas contra qualquer depreciação de capital.

Nesse sentido, as mulheres também vão querer algo melhor. E uma vez iniciado esse processo temos que ir em frente. Até aqui minha proposta abrange apenas homens solteiros e mulheres solteiras, mas há algo que logo se fará sentir. Nossos esfarrapados, famintos, destituídos, desempregados, quase sempre são casados. Quando eles vem até nós, chegam sozinhos e são tratados como solteiros, mas depois que você desperta nele aspirações para coisas melhores, ele se lembra de sua esposa que provavelmente abandonou, e que passa por privações. Assim que tal homem se encontra debaixo de boa influência, estável, seu primeiro pensamento é voltar e cuidar da «Patroa». Há muito pouca realidade sobre qualquer mudança de coração em um homem casado, a ponto dele não demonstrar simpatia e desejo pela sua esposa, e quanto mais bem sucedidos formos na lida com estas pessoas, mais inevitavelmente seremos confrontados com pares casados que, por seu turno, nos pedirão que providenciemos habitações. Estas coisas nos propomos a fazer também em grande escala. Eu antevejo um maior incremento nesta direção, o qual será descrito no capítulo relativo a Habitações Suburbanas. A Casa Modelo para Pessoas Casadas é, porém, uma dessas coisas que devem ser providas como um suplemento dos Depósitos de Alimentos e dos Abrigos.

SEÇÃO 2. -- MODELO DE VILAS SUBURBANAS. Embora tenha declarado reiteradamente, vou fazê-lo mais uma vez, e isto é tão importante que deve ser repetido infinitamente, um dos primeiros passos que inevitavelmente deve ser dado para a emancipação do pobre [N.T.: no original, in the reformation of this class], é providenciar casas decentes, saudáveis, agradáveis, ou ajudá-los a erguê-las, o que é, quando possível, bem melhor. Eu considero que estas classificações de habitações em primeira,

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segunda, ou terceira classe não é outra coisa senão paliativos da angústia existente. Substituir a vida nas ruas pela vida em uma pensão é, sem dúvida, um imenso avanço, mas não é de forma alguma o limite máximo. Viver em uma pensão é melhor do que viver na rua, mas está longe de ser a melhor forma de convívio humano.

Consequentemente, esse é um objetivo que nunca perco de vista e que para mim funciona como um guia para aqueles que -- por meio dos Depósitos de Alimentos e dos Abrigos -- agora caminham pelos seus próprios pés, obtiveram emprego na Cidade, e possuem casa própria. Não acredito que esse um ou no máximo dois cômodos onde a grande maioria dos habitantes de nossas grandes cidades é compelida a passar seus dias, seja alguma solução para a questão. O amontoado de lixo humano que abarrota cada um desses cômodos, e a situação que compele famílias a viver desde o berço até a sepultura dentro das quatro paredes de um único cômodo, não poderia resultar em outra coisa senão a reprodução serial infinita de todos os terríveis males que tal estado de coisas tem necessariamente que criar.

Não posso me dar por satisfeito com estes imensos e feios blocos de edifícios, que são apenas um tênue avanço desde o Sindicato da Bastilha -- criador do Modelo Industrial de Habitações -- tanto na moda no momento, como sendo uma resposta satisfatória à questão ardente sobre como deve ser a habitação do proletariado. Como contribuição a esta questão, eu proponho o estabelecimento de uma série de Núcleos [N.T.: no original, Settlements] Industriais ou Aldeias Suburbanas [N.E.: ou suburbanização. Migração das famílias que procuram sair dos centros populosos e congestionados para os subúrbios, onde supostamente há menor poluição e as condições de vida são mais saudáveis e aprazíveis. Esses novos locais de moradia são mais caros e exclusivos] pelo país afora, razoavelmente distante de todas nossas grandes cidades, compostos de habitações e edifícios de tamanho adequado, e com todo conforto e acomodação necessário às famílias de trabalhadores, e cujo aluguel, juntamente com a tarifa da estrada de ferro, e outras conveniências econômicas, deveriam estar ao alcance de uma família de renda moderada.

Esta proposta está ligeiramente fora do escopo deste livro, caso contrário eu exporia o esquema em detalhes. Porém, posso dizer que isso que aqui proponho foi cuidadosamente planejado, e é de um caráter perfeitamente prático. No planejamento disto recebi uma valiosa ajuda de um amigo que teve considerável experiência em construções em grande escala, e ele aposta a reputação profissional dele em sua viabilidade. Porém, o seguinte pode ser exposto como um esboço rudimentar: --

A Aldeia não deveria estar a mais de doze milhas da cidade; deveria estar em uma situação não pantanosa e saudável, e próxima a uma linha de estrada de ferro. Não é absolutamente necessário que esteja perto de uma estação, antevendo que a companhia irá, em seu próprio interesse, imediatamente construir uma.

As habitações devem ser construídas com o melhor material e o melhor acabamento. Isto seria efetuado satisfatoriamente afiançando um contrato exclusivo para a mão-de-obra, os projetores do Empreendimento comprarão os materiais diretamente dos produtores e os fornecerão aos construtores. As habitações consistiriam de três ou quatro quartos, com copa, e um anexo à horta. As casas deveriam ser construídas em terraços, cada um com uma boa horta acoplada. Primeiramente, deveriam ser feitos arranjos para a ereção de mil a duas mil casas. Na Aldeia ou Vila deveria ser estabelecida uma Loja de Produtos Cooperativos [N.T.: no original, Co-operative Goods Store], que proveria a preços módicos todas as coisas que fossem realmente necessárias aos aldeões. A venda de bebida alcoólica deveria ser terminantemente proibida na Propriedade, e, se possível, o proprietário de terras de quem a terra foi obtida deveria comprometer-se por contrato a fazer o mesmo com relação a qualquer outra porção de terra adjacente. No que diz respeito à Companhia de

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Estrada de Ferro, em atenção à inconveniência e sofrimento que infligem aos pobres, e contra os interesses dos mesmos, poderia ser induzida a fazer os seguintes arranjos vantajosos: --

(1) O transporte de cada membro que mora de fato na aldeia viajaria de e para Londres à taxa de seis pences por semana. Cada vez que fosse viajar, o passageiro apresentaria uma carteirinha com sua foto, isso seria disponibilizado apenas para os Trens de Trabalhadores que correm pela manhã, pela tarde e durante certas horas do dia, quando os trens estão quase vazios.

(2) O transporte de pertences e pacotes custaria metade das taxas ordinárias. É razoável supor que grandes proprietários de terra doariam alegremente cem acres de terra de olho na valorização das terras circunvizinhas que viria logo em seguida, uma vez que a ereção de mil ou duas mil casas constituiria o núcleo de um Povoado de proporção considerável.

Concluindo, o aluguel de uma casa de quatro cômodos não ficaria por mais de 3s. por semana. Adicione a isso os seis pences de passagem de ida e volta de Londres, e você terá 3s. + 6d. e se a companhia insistir em 1s., totalizará 4s. para o qual haveria todas as vantagens de uma casa confortável -- com a possibilidade do inquilino tornar-se o dono -- uma boa horta, ambientes agradáveis, e outras influencias promotoras da saúde e da felicidade da família. É desnecessário dizer que em conexão com esta Aldeia haverá perfeita liberdade de opinião em todos os assuntos. Uma olhada de relance nas casas ordinárias do proletariado desta grande Cidade nos assegurará imediatamente que tal aldeia seria um verdadeiro Paraíso para eles, e aquelas mil ou duas mil casas com quatro, cinco, ou seis cômodos que imediatamente estariam à sua disposição não seriam suficientes para atender nem mesmo a décima parte da multidão de gente interessada em ocupá-los.

SEÇÃO 3. -- O BANCO DO POBRE [N.T.: no original, The Poor Man's Bank] Se o amor ao dinheiro é a raiz de todo o mal, então o desejo de dinheiro é a causa de uma imensidão de males e dificuldade. No momento que você começa efetivamente a aliviar as misérias das pessoas, você descobre que o eterno desejo pelo pence é uma das maiores dificuldades delas. Em meus momentos mais otimistas eu nunca sonhei superar esta sina do homem [N.T.: no original, I have never dreamed of smoothing this difficulty out of the lot of man], mas seguramente não é nenhum ideal inacessível estabelecer o Banco do Pobre, que estenderá à baixa classe média e à classe operária as vantagens do sistema de crédito, que é a própria base de sustentação de nosso comércio.

Talvez fosse melhor se não houvesse crédito ou coisa parecida, que ninguém precisasse emprestar dinheiro, e que a cada dia cada um fosse compelido a confiar apenas no dinheiro que possui. Mas nesse caso, se aplicássemos esse princípio a todo o círculo; não nos gloriaríamos de nosso comércio mundial, nem ostentaríamos nossas riquezas, que jamais seriam obtidas, em muitos casos, adotando este princípio. Se transacionar com um banco funciona para um grande comerciante, se é indispensável -- para tocar devidamente o negócio -- aos homens ricos que eles tenham como alavanca um sistema de crédito que de vez em quando os adeqüe às inovações necessárias e os permite reagir seguramente contra a pressão de súbitas demandas, para evitar ser destruído, então, se isso é verdade, o caso se aplica ainda com mais força se for para prover um recurso semelhante a homens economicamente débeis. A atual Sociedade é intensamente organizada no princípio de que aquele que tem mais lhe será dado, e aquele que não tem até mesmo o que tem lhe será retirado.

Se estamos realmente do lado do proletariado, nós só podemos fazê-lo através de medidas práticas. Temos apenas que olhar em volta e ver o tipo de vantagens que os homens ricos acham indispensáveis para a

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devida administração dos negócios deles, e perguntar para nós mesmos porque o pobre não desfruta das mesmas oportunidades. A razão pela qual o homem pobre não desfruta dessas oportunidades é óbvia. Prover necessidade de rico é um meio de tornar-se rico; prover necessidade de pobre é um meio de envolver-se em dificuldades na medida em que o lucro não vale a pena. Os homens entram em negócios bancários e outros negócios com o objetivo de obter aquilo que os humoristas estadunidenses chamam de o comandante mor dos tempos modernos, ou seja, os «dez por cento». O que os homens não farão para obter esses dez por cento? Eles penetrarão nos intestinos da terra, explorarão as profundezas do mar, ascenderão ao cume nevado da mais alta montanha, ou navegarão pelo ar, desde que obtenham seus dez por cento. Eu não arrisco sugerir que o Banco do Pobre renderá dez por cento, ou mesmo cinco, mas acredito que poderia pagar suas despesas, e o ganho resultante à comunidade seria enorme.

Pergunte qualquer comerciante que conheça onde é que o negócio dele iria parar se ele não tivesse suporte de seu banco, e então, depois que ele lhe responder, pergunte a você mesmo se não valeria a pena, mesmo diante da dificuldade que isso representa, afiançar, propiciar, introduzir à grande massa de nossos compatriotas -- com princípios empresariais sãos -- as vantagens desse sistema de crédito que funciona tão vantajosamente para poucos «bem sucedidos».

Algum dia espero que o Estado possa ser suficientemente iluminado para assumir esta tarefa [N.E.: Aqui, mais de 100 anos de história nos deram uma lição inesquecível. Pela sua própria natureza, em termos gerais e permanentes, Estado algum nunca assumiu, nem jamais assumirá qualquer tarefa em prol dos pobres, com uma única exceção aparente, na revolução russa de 1917, que resultou ser definitivamente o maior fiasco de todos. Os bolcheviques tomaram o poder, reprimiram as forças libertárias que haviam feito a revolução e impuseram uma nova variante do velho sistema: o capitalismo burocrático de Estado. A burocracia «comunista» se converteu na nova classe dirigente; o Estado se erigiu num único capitalista soberano]; no momento tal função é exercida por agiotas e por carteiras de empréstimo, um jogo de tubarões que cruelmente atacam os interesses do pobre. O estabelecimento de bancos agrícolas para pobres, quase sempre camponeses, foi uma das características de uma legislação progressista na Rússia, Alemanha, e em outros lugares. A instituição do Banco do Homem Pobre será, espero, em pouco tempo, algo reconhecido pelo nosso próprio governo.

Diante do exposto arrisco uma sugestão como adendo à já gigantesca gama de operações apresentadas neste livro: -- Seria possível a alguns filantropos com capital estabelecer com princípios claramente definidos um Banco do Pobre para fazer pequenos empréstimos a níveis seguros, ou proporcionar avanços àquele que está em perigo de ser subjugado por alguma súbita pressão financeira? Disponibilizar ao «pequeno» o que todos os bancos fazem para o «grande»? Enquanto isso, deveria entrar no coração de alguns proprietários de riquezas inclinados à benevolência doar aquilo que pagam por um cavalo de corrida, ou coisa parecida, para formar o núcleo do capital necessário. Eu certamente farei experimentos nesta direção.

Eu posso antecipar à zombaria do cínico que ridiculariza aquilo que chama de minha glorificada casa de penhores. As zombarias dele não me atingem. O Mont de Piete -- ou (Monte da Devoção) mostra que o Banco do Pobre em vez de ser uma instituição censurável ao longo do Canal -- poderia ser uma excelente instituição na Inglaterra. Porém, devido aos juros extraídos dos comerciantes atualmente, seria impossível ao Estado estabelecê-lo, pelo risco de um ruinoso fracasso. Porém, não haveria nenhuma dificuldade em instituir um Mont de Piete privado, que conferiria um benefício incalculável ao lutador pobre.

Além disso, é necessário ligar este tema à nossa Agência de Emprego, desde que atue dentro de um princípio que seja facilmente

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compreendido. O princípio da liberdade de um homem garantir com segurança o reembolso de um empréstimo, comprometendo-se a trabalhar em troca de alimento até reembolsar todo capital e juros. Uma ou duas ilustrações explicarão o que eu quero dizer. Tomemos um carpinteiro que vem ao nosso Abrigo; é um homem honesto, decente, que por doença ou alguma outra calamidade perdeu tudo que tinha. Gradualmente ele foi penhorando cada uma de suas coisas para manter seu corpo e alma unidos, até que finalmente foi obrigado a penhorar suas ferramentas de trabalho. Nós o registramos em nossa Agência de Emprego, e alguém aparece pedindo um carpinteiro. Sugerimos o homem imediatamente, entretanto surge uma dificuldade. Ele não tem nenhuma ferramenta; o que fazer? Na situação em que se encontra, o homem perde a oportunidade de trabalho e continua em nossas mãos.

Obviamente é muito desejável aos interesses da comunidade que o homem possa retirar suas ferramentas do penhor; mas quem é que vai assumir a responsabilidade de adiantar o dinheiro para o resgate? Eu acredito que esta dificuldade poderia ser encaminhada da seguinte forma: O homem concorda (por contrato) em transferir seus salários para nós, ou parte, como melhor lhe convenha, nós nos comprometeríamos fornecer-lhe alimento e abrigo até o momento em que reembolse tudo que deve. [...] Até que o homem esteja livre de suas dívidas ele não é o dono de seus salários. Tendo garantido suas rações e Abrigo o restante de seu salário pertenceria ao seu credor. Claro que tal arranjo poderia ser variado indefinidamente por meio de um acordo privado; o reembolso das prestações poderia ser estendido por um tempo maior ou menor, mas a base de todo princípio seria o cumprimento do contrato assumido pelo homem, dando como garantia toda sua mão-de-obra ao Banco até o reembolso de sua dívida.

Tomemos outro exemplo. Um administrador pertencente a uma boa família que lhe deu respeito e educação, esteve durante muitos anos em boa situação. Faltava apenas alguns anos para se aposentar quando repentinamente deparou-se com um problema que ele não criou, envolvendo uma soma de cem libras, totalmente além de suas possibilidades. Ele sempre foi um homem cuidadoso com seu dinheiro, nunca pediu um centavo emprestado a ninguém em toda sua vida, e ficou sem saber o que fazer diante daquela situação difícil. Se ele não levantasse aquela soma suas coisas seriam leiloadas, perderia sua casa, sua família não teria onde ficar, perderia o emprego e todos seus benefícios, enfim, estaria completamente arruinado.

Agora, se ele recebesse um salário equivalente a dez por cento da dívida, provavelmente teria uma conta bancária, e, por conseguinte, poderia obter o dinheiro necessário em seu banco. Agora, que tal se ele pudesse empenhar seu salário, ou parte dele, a uma Instituição que o permitisse pagar integralmente sua dívida, em condições suficientemente remunerativas ao banco, mas que lhe possibilitasse limpar o nome?

No momento o que faz o pobre infeliz? Ele consulta seus amigos que, possivelmente, não tem como ajudá-lo, ou busca dinheiro emprestado aqui e ali. Naturalmente pode conseguir esse dinheiro com agiotas, mas a juros completamente desproporcionais para o risco que correm, e que usam sua posição vantajosa para extorquir cada centavo que ele tem. Um grande livro negro pleno de cartas de lamentação, de luto, e de aflição, poderia ser escrito relatando o sofrimento das vítimas dos agiotas pelo mundo afora.

É de pouca utilidade denunciar estes salafrários. Eles sempre existiram, e provavelmente sempre existirão; o que podemos fazer é restringir o círculo de suas operações e o número das suas vítimas. Isto só pode ser feito dando uma mão legítima e misericordiosa àquelas pobres criaturas, no momento em que precisam desesperadamente de ajuda, para impedir que caiam nas garras dessas bestas feras que destruíram a sorte de milhares e dirigiram muitos homens decentes ao suicídio ou à uma prematura sepultura.

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Há infinitas versões deste princípio, que não precisam ser descritas aqui, mas antes de deixar esse assunto quero aludir a um mal que é uma realidade cruel, ai! para uma multidão de homens e mulheres infelizes. Refiro-me ao sistema da Compra a Prestação [N.T.: no original, Hire System]. O homem ou a mulher pobre, decente, que anseia ganhar a vida honestamente trabalhando com uma calandra, máquina de costura, torno mecânico, ou algum outro instrumento indispensável, mas que não tem as poucas libras necessárias para comprar a vista, tem que comprar estas coisas a Prestação -- quer dizer, um carnê que lhe permita pagar a máquina através de crediário. Só que o preço que paga no total geralmente está acima do preço de mercado e, por causa dos juros exorbitantes, paga uma quantia dez ou vinte vezes maior do que seria uma taxa justa de juros, e o pior de tudo é que se ele a qualquer momento, por infortúnio, falhar no pagamento do carnê, o total já pago será confiscado, a máquina tomada, e o dinheiro perdido.

Vamos novamente recorrer à nossa analogia da pequena comunidade onde as pessoas se conhecem umas às outras. Por exemplo, quando um rapaz é reconhecido como brilhante, promissor, honesto, e industrioso, como alguém que quer começar a viver uma vida independente mas que precisa de algum pequeno capital inicial que o habilite a ter seu lugar no mundo. Os vizinhos o ajudam porque conhecem o rapaz, porque sua família tem vínculos com a vila, e a honra da família do rapaz é uma garantia na qual um homem pode adiantar com segurança uma pequena soma em dinheiro. Tudo isso pode ser igualmente aplicado com respeito a uma viúva destituída, um artesão em dificuldades, um órfão, e daí por diante. Na Grande Cidade todas essas boas coisas desaparecem, como também desaparecem todos esses pequenos atos de serviço que são, e devem ser, os pára-choques que salvam os homens de morrerem esmagados pelas férreas paredes das circunstâncias. De uma ou de outra forma temos que tentar restabelecer essas boas coisas se queremos retornar, não ao Jardim do Éden, mas às condições ordinárias da vida que existem em uma comunidade saudável, pequena. É verdade que nenhuma instituição jamais poderá substituir o laço mágico da amizade pessoal, mas se temos a massa inteira da Sociedade penetrada em todas as direções por associações fraternas estabelecidas com a finalidade do apoio mútuo e do aconselhamento simpático, não é uma coisa impossível acreditar que poderemos fazer algo que restabeleça esse elemento perdido pela moderna civilização.

SEÇÃO 4. -- O ADVOGADO DO HOMEM POBRE. No momento em que você lida com os desejos das pessoas, você descobre que muitas das dificuldades delas não são materiais, mas morais. Não há maior engano que imaginar que, para garantir a felicidade de um homem, basta encher seu estômago e cobrir sua bunda. O homem é sujeito a desarranjos e enguiços muito mais que um aparato digestivo. Consequentemente, se é importante lembrar-se que um homem tem estômago, também é necessário não esquecer que ele tem um coração e uma mente freqüentemente transtornados por extremas dificuldades que, se ele vive em um ambiente amigável, não raramente desaparecem. Um homem, e mais ainda uma mulher em problemas, freqüentemente se restabelecem totalmente muito mais pela ação de um conselheiro confiável do que pela providência de um jantar ou de uma roupa. Muitas destas pobres almas padecem dias a fio, arrastadas cada vez mais para o fundo, e quanto mais afundam mais mergulham na lama do pecado, da tristeza e do desesperado desejo por um amigo verdadeiro que possa dar-lhe um conselho e possa fazê-la sentir que há alguém no mundo que se preocupa com ela, e que a ajudará se puder.

Se pretendemos restabelecer o senso de fraternidade no mundo, temos que confrontar com esta dificuldade. Dizem que Deus, antigamente, guiava o desolado pela instrumentalidade de sua família; mas de alguma maneira, nos tempos modernos, a solitária viagem desolada é feita no meio de um mundo impiedoso e carente. «Não há ninguém que se importe com minha alma. Não há nenhuma criatura que se preocupe

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comigo e cuide de mim, e se eu morrer ninguém vai nem notar», seguramente é um dos gritos mais amargurados que podem romper de um coração. Um dos segredos do sucesso do Exército de Salvação é o fato daqueles que não encontram amigos em parte alguma do mundo encontram amigos ali. Não há um pecador no mundo -- não importa quão degradado e sujo ele possa estar -- que meus camaradas não se alegrarão em tomá-lo pela mão, orar com ele, labutar com ele, para assim trazê-lo para fora, como um tição que resgata algo das chamas. Agora, queremos fazer mais uso disto, e tornar o Exército de Salvação o núcleo de uma grande agência que traga conforto e aconselhamento a esses que estão à beira do desespero, e com a sensação de que no mundo inteiro não há uma só pessoa a quem recorrer.

O que queremos fazer é espalhar pelo mundo a idéia da família. O «Pai Nosso» é a idéia fundamental. Há alguém que é Nosso Pai, então somos todos irmãos. Constituímos uma família. Se qualquer um estiver com a mente ou a consciência atribulada, não haverá nenhuma dificuldade em superar isso. A filha conversa com seu pai, o filho conversa com sua mãe, abrem seus corações, e são aliviados. Se há qualquer dificuldade séria o conselho familiar é garantido, todos se reúnem em torno dessa dificuldade, colocam seus recursos a disposição e resolvem diretamente o problema. É isso que pretendemos estabelecer na Organização da Nova Sociedade para a qual estamos trabalhando. Não podemos saber mais que o Deus Onipotente que sabe o que é bom para o homem. Estamos satisfeitos em seguir pelo Seu caminho, e para reparar esse mundo buscaremos restabelecer o significado da idéia familiar para aquelas muitas centenas de milhares -- sim, milhões -- que não têm ninguém mais sábio ou mais experimentado que eles a quem possam recorrer, a quem possam levar suas tristezas, ou consultar em suas dificuldades.

Claro que podemos fazer isto, mas imperfeitamente. Apenas Deus pode criar uma mãe de verdade. Mas a Sociedade precisa de muitas mães de verdade, muito mais do que meras progenitoras. Como uma criança precisa de uma mãe a quem possa recorrer em suas tribulações e dificuldades, a quem possa derramar confiantemente seu pequeno coração, assim também homens e mulheres, cansados e sobrecarregados pelas batalhas da vida, precisam de alguém a quem buscar quando premidos pelo senso da injustiça sofrida ou cometida, sabendo que a confiança deles será preservada inviolada, e que as declarações deles serão recebidas com condolência. Proponho tentar seguir por este caminho, estabelecerei um departamento no qual serão colocadas as pessoas mais sábias, mais compassivas, onde serão colocados os homens e as mulheres mais sagazes que puder encontrar do meu pessoal, aos quais todos aqueles que estão em dificuldades e perplexidades serão convidados a se dirigir. Não adianta nada dizer que amamos nossos irmãos humanos a menos que tentemos ajudá-los, e não adianta nada fingir solidariedade com os fardos pesados que eles carregam em suas vidas a menos que tentemos aliviar e iluminar a existência deles.

Quando acumulamos mais experiência prática da vida do que as pessoas em geral, mais estaremos aptos a ajudá-las em sua inexperiência, e a compartilhar nossos talentos com elas. Mas se acreditamos que são nossos irmãos, e que há um Pai, que é o mesmo Deus que nos julgará daqui por diante por todas as ações que fizemos no corpo social, então deveremos estabelecer de algum modo um escritório parental, mesmo imperfeito, dentro de nossas possibilidades. Devemos estar dispostos a receber as manifestações do pensamento, do sentimento, das lutas, de nossos semelhantes, escutar seus mais íntimos segredos que atormentam seus corações, dar-lhes boas-vindas em vez de repeli-los por obedecer ao preceito Apostólico: «Confessem seus pecados uns aos outros». Não deixem que a palavra confissão escandalize ninguém. Confissão do tipo mais aberto; confissão em plataforma pública, ante a presença dos ex-companheiros no pecar, no beber, no farrear, esse tipo de confissão foi por muito tempo uma das armas mais potentes pelas quais o Exército de Salvação conquistava suas vitórias. Essa confissão, que durante muito tempo

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impomos a todos nossos convertidos, era a única confissão que nos parecia ser uma condição de Salvação. Mas a sugestão agora é de um tipo diferente. Não é imposta como meio de graça. Nem pretende ser uma preliminar à absolvição que ninguém pode pronunciar a não ser o próprio Senhor. É meramente uma resposta de nossa parte a uma das mais profundas necessidades e desejos mais secretos das mulheres e homens de nosso tempo, e daqueles que estão em contato diário conosco em nosso trabalho. Por que alguém deveria deixar-se abater pela miséria de seu pecado secreto, quando uma conversa direta e clara com um homem ou mulher escolhido por sua experiência espiritual, solidariedade e bom senso, poderia aliviar o peso dos ombros daqueles que estão esmagados em sombrio desespero?

Não para absolvição, mas para empatia, comiseração e direção, eu proponho estabelecer minha Agência de Aconselhamento em uma forma definida e colocá-la em prática. Antevejo coisas maravilhosas acontecendo quando começar a funcionar. Eu não tenho nenhum prazer em inventar estes departamentos. Todos eles exigem trabalho duro e nenhum sossego. Mas se formos representar o amor de Deus a homens, temos que ministrar todos os desejos e necessidades do coração humano. Mas esta Agência de Aconselhamento não tratará apenas de coisas do coração. Também será totalmente útil às coisas da cabeça. Na forma como a concebo a Agência de Aconselhamento será O ADVOGADO E A TRIBUNA DO POBRE [N.T.: no original, THE POOR MANS LAWYER AND THE POOR MANS TRIBUNE].

Não há nenhum lugar em Londres, pelo que eu saiba, onde pobres e necessitados possam obter qualquer ajuda legal nas variadas dificuldades e aflições pelas quais passam, por causa da pobreza e do preconceito de que são vítimas.

Enquanto as classes «abastadas» podem consultar amigos hábeis para aconselhamento, ou ajudar-se mutuamente em termos de aprendizagem e experiência profissional, o homem pobre não tem literalmente ninguém qualificado para o aconselhar em tal matéria. Em casos de doença ele pode recorrer ao doutor da vila ou a um grande hospital, e recebe uma ou duas palavra rápidas de aconselhamento, e um frasco de remédio que pode resolver ou não. Mas se as circunstâncias são desfavoráveis, confusas, em perigo de levá-lo a perder tudo que tem, ou para a prisão, ou para uma situação pior, ele não tem ninguém para apelar que o oriente ou o habilite a tomar a decisão correta.

Queremos criar uma Corte de Apelação ou Aconselhamento à qual qualquer vítima de algum tipo de constrangimento contra sua pessoa, liberdade, propriedade, ou outra coisa de importância relevante, possa recorrer, e não só para obter conselho, mas ajuda prática. Entre os diversos tipos de pessoas às quais este Tribunal estaria a disposição estão aquelas que são vergonhosamente negligenciadas, as Viúvas. Há cerca de 6.000 no Leste de Londres, a maior parte em situação bem precária. Em toda a cidade de Londres não pode haver menos que 20.000, e na Inglaterra e Gales estima-se que há 100.000, das quais cinqüenta mil provavelmente são pobres e sem amigos.

O tratamento dispensado ao povo pobre desta nação é um escândalo gritante. Tome o caso da viúva comum, mesmo sob circunstâncias confortáveis. Freqüentemente ela é lançada diante de um mar de perplexidade, mesmo quando capaz de prover-se do melhor conselho. Mas pense nas multidões de mulheres pobres. Quando o marido de alguma delas cerra os olhos para sempre, ela perde o único amigo que conhece qualquer coisa dela; sobre as circunstâncias dela. Pode haver uma ninharia de dinheiro, um pequeno estabelecimento comercial, uma pequena renda conectada com propriedade ou alguma outra posse, tudo que ela precisa é de alguma atenção imediata, algo que permita àquela pobre criatura resistir à tempestade e evitar o vórtice da absoluta destituição.

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Tudo que dissemos se aplica igualmente, em termos gerais, aos órfãos e pessoas sem amigos. Porém, nenhuma instituição nacional poderia abarcar as necessidades de todos estes casos. Mas nós podemos fazer algo, e nesses assuntos já abordados, como aqueles que envolvem perda de propriedade, acusação maliciosa, criminosa, e daí por diante, nós podemos proporcionar uma ajuda significativa.

O fato de levar a cabo este propósito não significa que alguma parte de nosso plano encoraje procedimentos legais contra outras pessoas, ou que iremos providenciar recursos para isso. Todo recurso legal seria evitado ou negociado, a menos que absolutamente necessário. Mas onde a manifesta injustiça e a patente iniquidade são perpetradas, e todo outro método de obter reparação falha, nos valeremos da ajuda que a Lei dispõe.

Porém, nossa grande esperança da utilidade deste Departamento repousa na prevenção. O fato do oprimido ter em nós um amigo com quem pode contar freqüentemente previne a injustiça que as pessoas avarentas covardemente poderiam infligir àqueles que estão sozinhos, o mesmo pode ocorrer contra aqueles que estão fracos e sem amigos. Eu também calculo uma grande utilidade na esfera da arbitragem amigável e da intercessão. Pelo menos, haverá um tribunal desinteressado, embora humilde, doméstico, que abarca questões de natureza contenciosa e litigiosa, sem envolver qualquer custo sério.

Os seguintes incidentes resultaram de operações empreendidas nesta direção, que explicarão e ilustrarão o tipo de trabalho realizado, e alguns dos benefícios esperados.

Cerca de quatro anos atrás uma delicada garota, filha de um piloto, veio até nós em grande angústia. A história dela é a história de milhares de outras. Ela fora seduzida por um homem rico em West End, agora era mãe de um bebê.

Pouco antes de dar a luz seu sedutor fez com que ela assinasse uma declaração de que ele não era o pai da criança que estava por nascer. Em troca ele deu a ela algumas libras. A pobre menina entrou em grande desespero e angústia. A pedido entramos imediatamente em contato com o homem, e depois de negociações, para evitar mais constrangimentos, foi compelido a afiançar uma pensão à sua infeliz vítima para o sustento da criança.

ILUSÃO E ARMADILHA A. foi induzida a deixar uma casa confortável para se tornar governanta das crianças órfãs da mãe do Sr. G., o qual ela achava ser um empregador amável e considerado. Depois de um curto período nesse serviço ele propôs a ela uma viagem a Londres. Ela consentiu alegremente, afinal ele havia oferecido um bom emprego a ela. Em Londres ele a seduziu, e a manteve como amante até que, cansado dela, mandou-a embora. «Faça como as outras mulheres fazem», disse-lhe.

Em vez prostituir-se, ela procurou e conseguiu trabalho, e assim sustentou a si mesma e ao filho com algum conforto, até que ele a procurou e novamente a deixou em má situação. Outra criança nasceu, e pela segunda vez ele a abandonou e a deixou sofrer privações. Foi quando ela veio até nós. Saímos atrás do homem, procuramos pelo país inteiro, e o ameaçamos de exposição pública. Acuado ele foi obrigado a pagar à sua vítima uma quantia de #60, uma pensão de #1 por semana, e uma Apólice de seguro da vida dele de #450 a favor dela.

#60 DA ITALIA. C. foi seduzida por um italiano jovem e rico, que prometeu casar-se com ela, mas pouco tempo antes do dia do casamento ele disse que precisava viajar urgente a negócios para o estrangeiro. Ele prometeu que voltaria em dois anos e se casaria com ela. Ele escrevia ocasionalmente, até que finalmente ela teve o coração quebrantado

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com a notícia de que ele havia se casado com outra, acrescentando o insulto e a ofensa pela sugestão de que ela poderia vir e viver com a esposa dele, mas na condição de empregada, oferecendo-se pagar pelo sustento da criança até que crescesse o suficiente para poder ser colocada aos cuidados do capitão de um dos navios pertencentes à sua empresa.

Nenhuma destas promessas foi cumprida, e C., com a ajuda da mãe, durante um tempo conseguiu apoiar a criança; mas a mãe, já idosa e com muitos problemas, não pode ajudar mais, e a pobre menina caiu em desespero. O caso dela foi trazido até nós, e nós tomamos providências imediatas. O Cônsul da cidade onde o sedutor confortavelmente vivia foi comunicado do fato. Foram feitos contatos com o pai do rapaz que, para evitar a desonra da exposição do caso, pagou mais de #60. Esta soma ajuda no sustento da criança; a menina trabalha como empregada doméstica e está bem.

COMPRA A PRESTAÇÃO. Quanto mais pobres as pessoas são, freqüentemente mais cruéis são as injustiças que sofrem quando resolvem comprar Mobília, Máquinas de Costura, Calandras, ou outros artigos, a prestação. Fisgado pela isca dos anúncios enganosos, o pobre é induzido a comprar artigos a prestações semanais ou mensais. Eles se esforçam para obter as quantias, e se submetem a todo tipo de sacrifício, mas quando atrasam um pouco no pagamento os credores aparecem para tomar-lhe o bem, que muitas vezes é sua ferramenta de trabalho da qual dependem para viver, assim, por questões técnicas envolvendo cláusulas de contrato, acabam sendo roubados. Em tais circunstâncias, o pobre totalmente sem amigos, irremediavelmente se submete a estas extorsões infames. Nossa Agência estará aberta a todos eles.

CORRETORES, AGIOTAS, AÇAMBARCADORES. Temos aqui mais classes que vivem de chupar o sangue dos pobres, induzindo-os comprar coisas que freqüentemente não têm nenhum uso imediato -- coisas que no fundo não prestam para nada -- através de promessas milagrosas sobre condições fáceis de reembolso. Quando a vítima morde a isca é arrastada até a miséria, e muito freqüentemente mergulha em ruína temporal; uma vez agarrados a fuga é sumamente difícil, se não impossível. Propomos ajudar estas pobres vítimas através deste Projeto, até onde for possível.

Esperamos que nossa Agência seja de imensa utilidade a Ministros e Clérigos de todas as denominações, bem como aos Voluntários do Distrito, Missionários, e outros que espontaneamente estão entre os pobres, prestando-lhes assistência, conselho legal, e coisas assim. Sempre teremos prazer em ajudá-los.

DEFENDENDO INDEFESOS. Pouco a pouco o público se conscientiza de que um incontável número de pessoas inocentes sofrem freqüentemente condenações por crimes e transgressões, muitas vezes por mera inabilidade em efetuar uma defesa eficiente. Embora hajam várias associações em Londres e no interior que lidam com criminosos, e mais particularmente com ex-prisioneiros, parece não haver gente afim de ajudar prisioneiros ainda não condenados. Este trabalho nos propomos desenvolver com coragem e determinação.

Por estas e muitas outras maneiras ajudaremos pessoas acusadas de crimes dos quais, por uma observação mais cuidadosa e arrazoada, poderiam ser consideradas inocentes, mas que por falta de meios não podem obter ajuda legal, e produzir as provas necessárias para uma defesa eficiente.

Não pretendemos arbitrariamente julgar quem é inocente ou culpado, mas se após uma completa explanação e pesquisa pode-se supor arrazoadamente que a pessoa acusada é inocente, mas não tem condição de se defender, então deveríamos nos sentir livres para advogar tal caso, esperando salvar tal pessoa, sua família e seus amigos de

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muita miséria, e possivelmente da ruína absoluta. O Sr. Justice Field observou recentemente: --

«Quando um homem ajuda outro homem processado criminalmente, ele pratica um ato altamente louvável e salutar. Se um homem não tem amigos, e surge alguém pronta e legitimamente com o propósito de assisti-lo honestamente com os meios necessários ao andamento de sua defesa diante do Tribunal, isso será um ato altamente saudável e louvável. Ele seria a última pessoa no mundo a reclamar daqueles que tomam tal atitude».

Estas observações são endossadas pela maioria dos Juizes e Magistrados, e nossa Agência de Aconselhamento dará efeito prático a elas.

Em cada caso será feita uma tentativa para assegurar, não apenas uma mudança externa, a regeneração real completa das pessoas que ajudamos. Será proporcionada uma atenção especial aos réus primários, conforme descrito abaixo no ponto sobre «Departamento de Correção Penal» [N.T.: no original, Criminal Reform Department]. Também devemos nos esforçar para ajudar, até o limite de nossas possibilidades, as Esposas e Filhos de pessoas que estão pagando pena, através de empenho para que obtenham emprego, ou caso contrário, prestando-lhes ajuda. Centenas de pessoas nestas condições mergulham na mais profunda angústia e desmoralização por falta de uma ajuda amigável nas circunstâncias de abandono em que elas ficam, com a condenação de parentes dos quais dependiam para seu sustento, ou para proteção e direção nos negócios ordinários da vida.

Este Departamento também será responsável para juntar informações, divulgá-las, e acompanhar os processos em geral de forma adequada visando alcançar as melhorias tão necessárias à nosso Sistema Carcerário. Em resumo, este Departamento buscará tornar-se o verdadeiro amigo e salvador da População Carcerária em geral -- fazendo isso desejaremos agir em harmonia com as sociedades no momento em existência -- cujo membro pode estar buscando contato com a família através da Agência de Aconselhamento. Escrevemos a seguinte lista para dar uma idéia dos tópicos pelos quais a Agência de Aconselhamento pode ser consultada: --

Socorro em caso de Acidentes Administração Pública Adulteração de Alimentos e Medicamentos Questões de Agenciamento Busca de Acordo Casos de Afiliação Crueldade Contra Animais Prisão Injusta Agressão Falências Letras de Câmbio Instrumentos de Venda Obrigações Processo por Quebra de Compromisso Matrimonial Crueldade Contra Crianças Custódia de Crianças Compensação por Danos Compensação por Acidente Compensação por Difamação Compensação por Perda de Emprego Confisco por Proprietários Brecha de Contratos Infração de Registro Casos de Tribunais Municipais

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Dívidas Penhora Ilegal Divórcio Casos de Expulsão Ato de Responsabilidade de Empregadores Deveres de Testamenteiros Abuso de Empregador Tentativa de Fraude Venda de Facilidades Perda de Garantia Lei de Herança Disputas entre Maridos e Esposas Prisão Ilegal Custódia de Crianças Casos de Falta de Testamento Intimações Proprietários e Casos de Arrendamento Lapsos e Renovações de Arrendamento Disputa de Legados Casos de Calúnia Licenças Questões da Lei do Matrimônio Atos de Mestres e Criados Direito Público Hipotecas Negligência Ameaças de Morte Lei de Vizinhança A Lei de Sociedade Inscrição e Infração de Patentes Penhoristas e Penhores Casos de Polícia Provas Taxas e Impostos Interesses Contrários Casos de Sedução Demissão Injusta de Empregados Xerifes Seguranças Disputa sobre Aluguéis Infração de Marcas de Comércio Casos de Fraude Fiduciários e Confianças Salários Disputas e Testamentos Não Comprovados Crueldade com Mulheres Queixas de Trabalhadores

A Agência de Aconselhamento será então, em primeiro lugar, um lugar onde homens e mulheres em dificuldade podem vir quando precisarem comunicar algo em confiança por causa da ansiedade deles, com a certeza de que eles receberão uma audiência solidária e o melhor conselho.

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Em segundo lugar, será o Advogado do Homem Pobre, dando a melhor assistência legal sobre processos abertos contra ele nas várias circunstâncias com as quais se defronta.

Em terceiro lugar, agirá como a Tribuna do Homem Pobre, e empreenderá a defesa de prisioneiros supostamente inocentes e sem amigos, de vítimas de extorsões, de acusação de ofensores que recusam reparação legal pelas injustiças que cometeram.

Quarto, agirá onde quer que seja chamado como Tribunal de Arbitragem entre litigantes onde a decisão será de acordo com o patrimônio líquido, e os custos reduzidos ao máximo possível. Tal Departamento não pode ser improvisado; mas provido adequadamente para suas funções. Tanto quanto possível, não pode falhar em gerar grandes benefícios.

SEÇÃO 5. -- NOSSO DEPARTAMENTO DE PESQUISA. Um suplemento indispensável deste Projeto será a instituição do que pode ser chamado de Departamento Central de pesquisa. Já foi dito que o poder pertence ao mais bem informado, e se pretendemos lidar efetivamente contra as forças do mal social, temos que ter prontamente ao alcance de nossas mãos o máximo da experiência acumulada e das informações do mundo inteiro sobre este assunto. A coleção de fatos e o registro sistemático deles seria inestimável, disponibilizando o resultado dos experimentos das gerações anteriores para nós mesmos e para quem desejar.

Atualmente não há nenhuma instituição central, governamental ou coisa parecida, neste país ou qualquer outro, que selecione e colecione idéias e conclusões na área de Economia Social, idéias que ajudem na solução do problema que temos diante de nós. O British Home Office apenas começou a indexar seus próprios documentos. O Local Government Board está em uma condição semelhante, e, embora cada Blue Book particular possa ser admiravelmente indexado, não há nenhum índice classificado completo. Se este é o caso do Governo, não é provável que as inúmeras organizações privadas que estão bicando aqui e ali na questão social possuam qualquer método sistematizado com a finalidade de comparar notas e armazenar informações. Este Departamento de Pesquisa que eu proponho fundar primeiramente em pequena escala, terá nele o germe da grande escala que irá, se adequadamente apoiado, tornar-se um tipo de Universidade na qual serão guardadas as experiências acumuladas da raça humana, digeridas, e tornadas disponíveis tanto para tarefas simples como para grandes obras de reforma social. No momento presente quem pode encontrar em qualquer um dos nossos museus e universidades um índice classificado de publicações relativas a pelo menos um dos muitos temas relativos à questão social aqui abordados? Quem entre todos nossos sábios e reformadores sociais pode me enviar uma lista das melhores obras sobre -- digamos, o estabelecimento de colônias agrícolas ou experiências que foram feitas lidando com alcoólicos; ou os melhores planos para a construção de chalés para trabalhadores?

Para o desenvolvimento deste Projeto é necessário primeiramente um Escritório pelo qual, abordando os variados a assuntos tratados neste volume, eu posso organizar a essência condensada de todos os melhores livros que foram escritos, e os nomes e endereços daqueles cujas opiniões são de muito valor, juntamente com uma nota do que essas opiniões representam, e os resultados das experiências que foram feitas em relação a elas. Eu quero estabelecer um sistema que me permitirá utilizar, não apenas os olhos e as mãos dos Oficiais Salvacionistas, mas os olhos e as mãos de seus amigos e simpatizantes em todas as partes do mundo, com o propósito de notar e informar imediatamente toda experiência social de importância, qualquer palavra de sabedoria na questão social, seja relacionada à procriação de coelhos, à organização de um serviço de emigração, ao melhor método de administrar uma Fazenda Agrícola [N.T.: no original, Cottage Farm], ou ao melhor modo de cozinhar batatas. Não

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há nada na gama inteira de nossas operações que nos impeça de acumular e registrar os resultados da experiência humana. O que eu quero é adquirir a essência da sabedoria que os mais sábios juntaram a partir da mais ampla experiência, e tornar tudo isso imediatamente disponível para o trabalhador mais humilde na Fábrica Salvacionista ou na Colônia Rural, e para qualquer outro trabalhador braçal em semelhantes campos do progresso social.

Isso pode e deve ser feito a serviço das pessoas. Eu preciso de auxiliares neste departamento entre aqueles que até aqui não se interessaram pelo Exército de Salvação, mas que no âmbito dos seus estudos e bibliotecas prestarão um grande auxílio compilando este grande Índice de Experiências Sociológicas, e que estariam dispostos, desta forma, a ajudar neste Projeto, como Sócios, para melhorar a condição das pessoas, se não posso ter acesso aos seus olhos e ouvidos, que me dêem pelo menos o benefício dos seus cérebros, de seu conhecimento, e de como esse conhecimento pode ser melhor utilizado. Eu proponho começar abrindo um escritório com dois homens capazes e um menino, instruídos para destacar, preservar, e verificar todos os registros contemporâneos na imprensa diária e semanal que chegam em qualquer filial de nossos departamentos. Em torno destes dois homens e menino crescerá, eu acredito confiantemente, uma vasta organização de zelosos trabalhadores voluntários que cooperativamente farão de nosso Departamento de Pesquisa um grande armazém de informação -- uma biblioteca universal onde qualquer homem tenha possibilidade de aprender acerca de tudo aquilo que representa a somatória do conhecimento humano, em qualquer ramo, e que tenha tudo isso ao alcance de suas mãos.

SEÇÃO 6. -- COOPERAÇÃO EM GERAL. Se qualquer um me pedisse que declarasse em uma palavra do que parece ser a chave da solução do Problema Social provavelmente eu responderia sem qualquer excitação que é a Cooperação. Sem nunca perder de vista que nos referimos à Cooperação conduzida sob princípios íntegros, justos, honrados, retos, íntegros, virtuosos, idôneos, e com o objetivo de fazer coisas boas da maneira correta; caso contrário é de se esperar que a Associação não produza outro fruto mais vantajoso do que o Individualismo. Cooperação é associação aplicada -- associação com a finalidade da produção e da distribuição. Cooperação implica numa combinação voluntária de indivíduos para atingir um objetivo pela ajuda mútua, pela deliberação mútua, e pelo esforço mútuo. Nesse exato momento há muita conversa fiada no mundo sobre o capital, como se o capital fosse inimigo do trabalho. É bem verdade que há capitalistas, e não são poucos, que podem ser considerados como inimigos, não só do trabalho, mas da raça humana; mas o capital em si mesmo, longe de ser um inimigo natural do trabalho, é o grande objetivo que o trabalhador tem constantemente em vista. Porém por mais que um agitador denuncie o capital, sua grande queixa é que ele não tem suficiente capital para si mesmo. Então, o capital não é um mal em si mesmo; pelo contrário, é bom -- tão bom que um dos grandes alvos do reformador social deveria ser facilitar o máximo possível sua distribuição entre os membros da raça humana. O que é mau é o acúmulo, a concentração, a congestão de capital, e a questão do trabalho nunca será definitivamente resolvida até que cada trabalhador seja seu próprio capitalista.

Tudo isso é bem comum, e já foi dito por milhares de vezes, mas, infelizmente, o assunto termina com a mera declaração. No que diz respeito à distribuição, a Cooperação foi colocada em prática com um sucesso considerável, mas a cooperação como meio de produção não alcançou o sucesso previsto. Vez após vez foram iniciados empreendimentos baseados nos princípios da cooperação que caminhavam bem, e na opinião dos promotores, tinham sucesso; mas depois de um, dois, três, ou dez anos, o empreendimento iniciado com tanto ânimo foi mirrando, encolhendo, até o fracasso total ou parcial. No momento, muitos empreendimentos de cooperação não são outra coisa senão Comitês Acionários de Responsabilidade Limitada, parte dessas

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Ações é assegurada em grande parte por trabalhadores, mas não necessariamente, e às vezes nem mesmo por aqueles que são empregados de fato no negócio que chamam de cooperativo. Agora, por que isto acontece? Por que empresas de cooperação, fábricas de cooperação, e as Utopias cooperativas sofrem tão freqüentemente com tantas aflições? Eu acredito que a causa é um segredo aberto, e pode ser discernido por qualquer um que olhe para o assunto com um olho aberto.

O sucesso no âmbito industrial é em grande parte uma questão de administração. Administração significa governo, e governo implica em autoridade, e autoridade é a última coisa que os cooperadores da categoria Utópica estão dispostos a reconhecer como elemento essencial para o sucesso dos seus Projetos. A instituição da cooperação que é governada por princípios Parlamentários, com ilimitado direito de debate e direito de obstrução, nunca poderá competir com sucesso com instituições que são dirigidas por um único cérebro que maneja o conjunto de recursos de um disciplinado e obediente exército de trabalhadores. Consequentemente, para fazer da cooperação um sucesso você deve adicionar além do princípio do consentimento o princípio da autoridade; você tem que investir nas pessoas em quem você confia, para a administração de seu estabelecimento de cooperação, a mesma liberdade de ação que detém o proprietário da fábrica no outro lado do repudiado regime podre e esgotado dos Bourbons [N.E.: membro da família real da França e Espanha. Conservador ferrenho], os camponeses e trabalhadores franceses imaginaram que eles estavam inaugurando o milênio quando picharam Liberdade, Igualdade, Fraternidade, por todas as igrejas em todas as cidades da França. Eles levaram ao extremo seus princípios de liberdade e licença, e tentaram administrar o exército deles em princípios Parlamentários. Não funcionou; a indisciplina e a leviandade tomaram conta; e a desordem reinou no campo Republicano; e a Revolução francesa teria sido sufocada em seu berço se o instinto da nação não tivesse discernido a tempo o ponto fraco em suas fortificações. Ameaçada por guerras estrangeiras e revoltas intestinas, a República estabeleceu uma disciplina férrea em seu exército, e obrigou obediência pelo processo sumário da execução militar. A liberdade e o entusiasmo desenvolvidos pela explosão das forças revolucionárias longamente retidas proveram a força motriz, mas foi a disciplina dos exércitos revolucionários, a austeridade, foi a obediência inflexível a que foi obrigada em todos os graus do mais alto ao mais baixo que criou para Napoleão o instrumento militar admirável pelo qual ele derrubou todos os tronos na Europa e irrompeu em triunfo de Paris até Moscou.

Em questões industriais somos muito parecidos com a República francesa antes dela temperar sua doutrina dos direitos do homem com o dever da obediência por parte do soldado. Temos que introduzir disciplina no exército industrial, temos que adicionar além do princípio da autoridade o princípio da cooperação, e assim permitir ao trabalhador ganhar integralmente pelo aumento na produtividade do trabalho de homens que são empregados em suas próprias fábricas e na própria propriedade deles. Não há nenhuma necessidade de clamar para grandes esquemas de Socialismo Estatal. A coisa inteira poderia ser feita simples, econômica, e rapidamente, se os trabalhadores tão somente se dedicassem como muita abnegação à causa de estabelecer-se como capitalistas, como fazem os Soldados na prática do Exército de Salvação de todos os anos na Semana de Abnegação. Qual o sentido de nunca fazer uma coleta, a não ser durante uma greve? Em vez de pedir um xelim, ou dois xelins, durante uma semana para manter homens em greve que estão passando fome por causa de uma disputa com seus patrões, por que os trabalhadores não fazem uma coleta e a mantêm durante semanas ou meses, com a finalidade de montar um negócio como patrões de si mesmos? Se fizessem assim não haveria, pois, nunca mais um proprietário capitalista cara a cara com as massas do proletariado, mas todos os meios de produção, as fábricas, e todos os recursos acumulados do capital realmente estariam à disposição do trabalho. Porém, isto nunca será feito enquanto as experiências de

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cooperação forem continuadas na forma arcaica presente.

Acreditando em cooperação como última solução, se à cooperação você puder somar subordinação, eu estou disposto a tentar algo nesta direção em meu novo Projeto Social. Eu devo esforçar-me para começar uma Fazenda Cooperativa nos princípios de Ralahine, e fundar a totalidade de minhas Colônias Rurais em uma base Cooperativa. Começando esta pequena Comunidade Cooperativa, eu me lembro daqueles que estão sempre reclamando pelos cotovelos e pressentido males, e olhando para os fracassos aos quais eu há pouco mencionei, discorrendo sobre histórias das tentativas de estabelecer comunidades ideais neste mundo comum, vulgar, prosaico, prático. Agora, eu li a história do muitas tentativas de cooperação que foram feitas para fundar estabelecimentos comunistas nos Estados Unidos, e estou perfeitamente familiarizado com o destino triste que tragou quase todos esses estabelecimentos; mas a história dos fracassos deles não me intimida nem um pouco, porque eu os considero nada mais do que advertências para evitar certos enganos, balizas para ilustrar a necessidade de proceder em um curso diferente. Falando em termos gerais, suas comunidades experimentais falharam porque todas suas Utopias começaram sob o sistema da igualdade e do governo pelo voto da maioria, e, como conseqüência necessária e inevitável, suas Utopias caem nas mãos de pessoas estúpidas, imbecis [N.T.: no original, your Utopians get to loggerheads], e a Utopia é esmagada contra as rochas, eu evitarei essas rochas. A Colônia Rural, como todos os outros departamentos do Projeto, será governada, não no princípio do faro contábil [N.T.: no original, counting noses], mas no princípio precisamente oposto de não admitir nenhum nariz que não esteja disposto a ser guiado pela direção do cérebro. Será administrado em princípios que afirmam que o mais ajustado [N.T.: no original, fittest] deve reger, e prover que o mais ajustado seja selecionado, o qual, uma vez no topo, insistirá na obediência universal e inquestionável daqueles que estão na base. Se alguém não gosta de trabalhar por seu próprio alimento, nem submeter-se às ordens dos Oficiais superiores, então que vá embora. Não há nenhuma obrigatoriedade para que fique. O mundo é amplo, e fora dos limites de nossa Colônia e das operações de nossos Corpos, minha autoridade não alcança. Mas julgando a partir de nossa breve experiência não é a revolta contra a autoridade que faz com que o Projeto seja fadado ao fracasso.

Não pode haver um maior engano neste mundo que imaginar que homens contestem ser governados. Eles gostam de ser governados, contanto que o governador tenha a «cabeça no lugar certo» e que ele esteja pronto a ouvir, pronto a ver e a reconhecer tudo aquilo que é vital aos interesses da comunidade. Assim, longe de ser inato ao gênero humano recusar ser governado, o instinto para obedecer é tão universal que até mesmo quando o governo é cego, surdo, paralítico, podre de corrupção, e incompetente ao longo do tempo, ele ainda inventa uma forma de manter-se vivo. Contra um Governo capaz ninguém se rebela, apenas quando a estupidez e a incapacidade tomam posse da cadeira do poder é que as insurreições começam.

SEÇÃO 7. -- UMA AGÊNCIA MATRIMONIAL. Há outra área onde algo deve ser feito para restabelecer as vantagens naturais desfrutadas por qualquer comunidade rural, mas que foram destruídas pela crescente tendência do gênero humano de concentrar-se em grandes aglomerações. Eu me refiro aquilo que constitui, afinal de contas, uma das coisas mais importantes em toda a vida humana, o casamento, o matrimônio. Na vida natural de uma aldeia rural rapazes e moças crescem todos juntos, eles se encontram em associações religiosas, diariamente em seu trabalho, e nas diversões e passeios na praça. Juntos aprenderam a ler e a escrever seus garranchos, e quando chega o tempo em que se juntam em casais, eles tem oportunidades excelentes para conhecer as qualidades e os defeitos daqueles que selecionam como parceiros e parceiras na vida. Tudo em tal comunidade se presta naturalmente às preliminares

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indispensáveis da corte e do namoro que, mais que a maioria das coisas, contribui para a felicidade ou para a vida. Mas em uma grande cidade tudo isso é destruído. Em Londres no momento presente quantas centenas, senão milhares, de rapazes e moças vivem fechados em seus apartamentos, praticamente privados de qualquer oportunidade do conhecimento mútuo, ou de conhecer qualquer pessoa do sexo oposto! A rua, sem dúvida, é a substituta da praça da vila da pequena cidade do interior, mas que substituta!

Alguém que sabia o que estava falando disse amargamente, «há milhares de rapazes que estão totalmente privados de conhecer qualquer mulher pelo nome de batismo, exceto as moças que encontram perambulando pelas ruas exercendo sua terrível profissão.» Diante disso, o vício tem uma enorme vantagem em cima da virtude; tal arranjo social anormal restringe a moralidade e abre um grande espaço à prostituição. Temos que voltar à natureza para poder contender com este mal horrível. Deveria haver mais oportunidades para o relacionamento humano saudável entre rapazes e moças, a Sociedade não pode desvencilhar-se de sua grande responsabilidade pela destruição da masculinidade e da feminilidade disseminadas por nossas ruas, é necessário que façamos alguma tentativa de construir uma ponte neste abismo horroroso que se abre entre as duas metades da humanidade. Quanto mais vivo mais absolutamente me oponho a qualquer coisa que viole a lei fundamental da família. A humanidade é composta de dois sexos, e ai daqueles que tentam separá-los em corpos distintos, fazendo de cada metade um inteiro! Isso foi experimentado em monastérios e conventos com um triste resultado, contudo o que nossos ferventes protestantes parecem não ver é que estamos reconstruindo um falso sistema semelhante para nossos jovens sem as proteções e as restrições das paredes do convento ou da influência santificada de convicção religiosa. As condições de vida na Cidade, a ausência da companhia necessária da aldeia e da cidade pequena, a dificuldade dos jovens de achar inofensivas oportunidades de relacionamento amigável, todas essas coisas tendem a criar classes de celibatários que não são puros, e cuja tolerância irregular e ilícita a um instinto universal constitui uma das características mais melancólicas do presente estado da sociedade.

Mais ainda, por mais geralmente que isto seja reconhecido, um dos termos pelos quais as conseqüências deste estado antinatural de coisas é popularmente conhecido é como «o mal social», como se todos os outros males sociais fossem relativamente desmerecedores de atenção comparados com este.

Enquanto estive ativo e ocupado desenvolvendo meu Projeto para o encaminhamento de trabalhadores, me ocorreu mais de uma vez a seguinte questão: por que não adotar algo no mesmo sentido em relação a homens que querem esposas e mulheres que querem maridos? O matrimônio é em grande parte para a maioria das pessoas uma questão de oportunidade. Determinados homens e determinadas mulheres que, se vivessem juntos, formariam um lar feliz, conduzem neste momento vidas miseráveis e solitárias, sofrendo no corpo e na alma, por estarem excluídos do estado natural do matrimônio. É claro que a inscrição de um solteiro que deseja se casar é uma questão bem mais delicada do que a inscrição de um marceneiro ou pedreiro que deseja trabalhar. Mas a coisa não é impossível. Eu verifiquei repetidamente em minha experiência que determinados homens e determinadas mulheres só ficariam alegres diante de uma sugestão amigável sobre pessoas do sexo oposto às quais poderiam voltar suas atenções ou das quais poderiam receber propostas. Com relação a tal agência, se fosse estabelecida -- e eu estou bem engajado no empreendimento desta tarefa -- proporia que promovesse os necessários encontros, além disso poder-se-ia adicionar casas de treinamento matrimonial. Meu coração sangra pelos muitos jovens casais que eu vejo pulando no mar do matrimônio sem saber como administrar uma casa. A garota deixa o curso primário em nossas escolas públicas e vai para a fábrica sem nunca ser treinada no serviço de casa, e ainda, quando se torna esposa, irracionalmente se espera que assuma a difícil posição de

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dona de casa e de mãe de família. Gastar um mês antes do matrimônio em uma casa de treinamento de administração doméstica vai conduzir muito mais para a felicidade da vida de casada do que a lua de mel que vem imediatamente após o casamento.

Este é especialmente o caso daqueles que se casam no estrangeiro e se instalam em um país distante. Eu freqüentemente me espanto quando penso no absoluto desamparo da mulher moderna, comparada com a habilidade da avó dela. Quantas de nossas meninas sabem pelo menos assar um pão? O padeiro destruiu uma de nossas artes domésticas mais fundamentais. Mas se você está em regiões recobertas de matas e afastadas dos centros populosos, nas pradarias no campo, não haverá nenhum carro de padeiro passando pela frente de sua casa a cada manhã com pão fresco, e eu penso freqüentemente, com tristeza, que tipo de coisa esta pobre esposa servirá ao seu marido faminto. O mesmo vale para assar, limpar, ordenhar, tecer, enfim todas as artes e ciências da casa que antigamente era costume ensinar para todas as filhas que nasceram no mundo. No que diz respeito aos direitos da mulher, um dos primeiros direitos da mulher é o direito de ser treinada para ser a rainha do seu lar, para ser a mãe de seus filhos, para sua arte.

Uma conversa com colonos inspirou-me pensar se algo não poderia ser feito para prover, em um sistema bem organizado, os milhares de garimpeiros solteiros ou a multidão de homens solteiros que labutam na selva nos limites da civilização, com esposas capazes que abundam em nossas grandes cidades. Prover mulheres em quantidades adequadas é a grande moralizadora da Sociedade, mas a mulher distribuída da forma como está no Far West e nas estepes australianas, na proporção de uma mulher para uma dúzia de homens, é uma fonte fértil de vício e de crime. Novamente aqui temos que voltar à natureza, cujas leis fundamentais nossos arranjos sociais têm rudemente jogado de lado e sempre com terríveis conseqüências. Sempre nasceram no mundo, e continuam nascendo, meninos e meninas em proporções bem iguais, mas a colonização e o aventureirismo [N.T.: no original, soldiering] levam embora nossos homens, deixando para trás um excesso continuamente crescente de mulheres solteiras, que não podem permanecer solteiras, e que não conseguem encontrar maridos. Este é um vasto campo de discussão na qual eu não devo entrar. Deixo essas discussões para os entendidos, talvez algum filantropo inteligente encontre alguma solução; mas seria melhor não tomar nenhuma decisão precipitada, e levar em conta todas as dificuldades e perigos ocultos. Porém, obstáculos existem para ser superados e convertidos em vitórias. Há uma certa fascinação pela dificuldade e pelo perigo, que atrai muito fortemente todos aqueles que sabem que a dificuldade aparentemente insolúvel contém em seu seio a chave para o problema que você está buscando resolver.

SEÇÃO 8. -- WHITECHAPEL COSTEIRA. Quando se pensa na melhoria das condições de vida do proletariado, a recreação nunca deve ser omitida. Continuamente desejei viabilizar a possibilidade deles passarem ocasionalmente algumas horas pelo litoral, ou mesmo vez por outra três ou quatro dias. Apesar de taxas módicas e freqüentes excursões, há multidões de pessoas pobres que, entra ano sai ano, nunca saem para fora do formigueiro da cidade, e raramente saem com seus filhos para os parques durante feriados ou nas noites quentes de verão. A maioria, especialmente os habitantes da Zona Leste de Londres, nunca sai do ambiente das ruelas sombrias e das ruas encardidas onde vive anos a fio. É verdade que há alguns aqui e ali da população adulta, e uma boa porção de crianças, que usufruem de algum tipo de excursão de caridade anual para Epping Forest, Hampton Court, ou talvez para o litoral. Mas é só uma minoria. Um vasto número, mesmo possuídos por um apaixonada vontade de ver o mar, que apenas aqueles que se misturaram com eles pode conceber, passam suas vidas inteiras sem nunca ter examinado suas águas azuis uma única vez, ou assistido às ondas quebrando aos seus pés.

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Agora eu não cometeria a tolice de sonhar que é possível fazer alguma mudança na Sociedade que permita ao homem pobre levar esposa e filhos para uma curta estadia de uma quinzena, durante os dias quentes de verão, ou aliviá-los de suas tarefas durante o inverno, embora isto não seja menos desejável para eles do que para outras classes mais favorecidas. Mas de vez em quando eu possibilitaria a todo homem, mulher e criança, um dia para uma refrescante visita a lugares interessantes. Para levar a cabo este plano, há algumas dificuldades como a necessidade de uma grande redução no custo da viagem. Para fazer qualquer coisa efetiva devemos propiciar a qualquer homem de Whitechapel ou Stratford uma excursão para o litoral pelo valor de um xelim.

Infelizmente, Londres está a sessenta milhas do mar. Suponha que nossa excursão seja de setenta milhas. Isto implicaria numa viagem de cento e quarenta milhas por uma pequena soma de 1s. Isto pode ser feito? Eu acredito que sim, e via trem; é a única forma dessa parte de meu Projeto se realizar. Eu acho que este grande benefício pode ser concedido às pessoas pobres sem que os dividendos das companhias sejam sensivelmente afetados. Refiro-me ao custo de haulagem para um trem comum de passageiros, levando de quinhentas a mil pessoas, a 2s. 7d. por milha; uma companhia de estrada de ferro poderia levar e trazer seiscentos passageiros, setenta milhas na ida, e setenta milhas na volta, a um custo de #18 1s. 8d. Seiscentos passageiros a um xelim sai #30, de forma que haveria um evidente lucro à companhia de quase #12 na haulagem, para o pagamento de interesse no capital, desgaste de linha. Mas eu considero, a uma cômputo bem moderado, que duzentas mil pessoas viajariam toda estação para lá e para cá. Uma adição de #10.000 no caixa de uma companhia de estrada de ferro não é nada desprezível e seria uma mera bagatela diante dos lucros indiretos resultantes do estabelecimento de um povoado que, se devidamente encaminhado, rapidamente se tornará uma comunidade grande e ativa.

Para isto seria necessário entrar em contato com as companhias ferroviárias, e para a execução desta parte de meu Projeto espero conhecer algum gerente suficientemente imbuído de espírito público para tentar essa experiência. Quando tal homem for encontrado, eu pretendo fixar imediatamente meu Estabelecimento de Excursões Litorâneas [N.T.: no original, Sea-Side Establishment]. Isto apresentará as seguintes vantagens especiais que sem dúvida serão devidamente apreciadas pelo povo pobre de Londres: --

Uma propriedade de trezentos acres seria comprada, nela seriam erguidos edifícios de forma a atender os desejos desse tipo de excursionistas.

Seriam providas refeições ligeiras a taxas bem parecidas com as praticadas em nossos Restaurantes em Londres [N.T.: no original London Food Depots]. Seriam, naturalmente, instalações bem maiores em termos de quartos e acomodação.

Os alojamentos teriam um preço mais baixo para os deficientes, para as crianças, e para aqueles que desejam fazer uma curta permanência no lugar. Poderiam ser cobrados camas para homens solteiros e mulheres solteiras à baixa taxa de seis pence por noite, quanto maior o grupo de crianças menor a taxa per capita [N.T.: no original, children in proportion]. As pessoas casadas teriam acomodações satisfatórias, em condições bem moderadas.

Nenhuma taberna, bar, boteco, ou qualquer comércio de bebidas alcoólicas, seria permitido dentro dos limites do estabelecimento. Parque, pátio de recreio, música, barcos, locais cobertos para tomar banho, sem custos adicionais, tudo isso seria provido, juntamente com outros arranjos para o conforto, recreação, lazer e prazer das pessoas.

A propriedade comporia uma das Colônias do empreendimento geral, e

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nela haveria o cultivo de frutas, legumes, flores, e outros produtos para o uso dos visitantes, tudo isso seria vendido bem baratinho. Uma das principais providências para o conforto dos excursionistas seria a ereção de um grande salão, dispondo de um amplo abrigo no caso de tempo ruim. Nesta e em outras partes do lugar haveria a mais completa oportunidade para ministérios de todas as denominações para serviços religiosos relacionados a qualquer excursionista.

Haveriam lojas para as pessoas venderem seus produtos, casas para residentes, um museu panorâmico, brinquedos [N.T.: no original, stuffed whale]; barcos poderiam ser alugados a preços moderados, e um navio a vapor levaria as pessoas algumas milhas mar afora, e tantas milhas por um centavo, com primeiros socorros onde nenhuma despesa extra seria cobrada.

Na realidade as tarifas da ferrovia e refeições estariam na mesma escala, um homem e sua esposa poderiam usufruir de um passeio de 70 milhas através de campos verdejantes, novas safras de feno, grãos ondulantes ou pomares carregados de frutas; poderiam vagar por horas pela beira da praia, poderiam ter alimento confortante e nutritivo, poderiam descansar tranqüilos e sóbrios numa casa, poderiam ficar alegres e revigorados por uma pequena soma de 3s. Poderiam trazer um par de crianças com menos de 12 anos pagando 1s. 6d. -- não somente isso, poderia vir a família inteira, marido, esposa e quatro crianças, supondo que uma vai no colo, poderiam passar um dia no litoral, sem compromisso ou caridade, por 5s.

Os habitantes magros e famintos das Favelas economizariam seus trocados, e viriam aos milhares; os clérigos teriam possibilidade de trazer uma parte dos membros pobres e necessitados de suas paróquias; estudantes, grupos de mães, e sociedades filantrópicas de todos os tipos seriam atendidos por atacado; em suma, aquilo que Brighton representa para West End e para as classes médias, este lugar representará para os pobres de East End, e não apenas para eles, também para os pobres da Metrópole em termos gerais, uma Whitechapel Litorânea.

Agora isto deverá ser feito completamente aparte de meu Projeto. As ricas corporações que estão a cargo dos negócios desta grande Cidade, e os milionários que nunca acumulariam suas fortunas sem o concurso das massas, estão com a palavra. Suponhamos que as Companhias Ferroviárias recusem fornecer para tal empreendimento as grandes ferrovias, das quais se tornaram monopolistas, sem uma subvenção, então a subvenção necessária deve ser providenciada. Algo deve ser feito para possibilitar ao triste trabalhador braçal sair de seu barraco, ou da fábrica sufocante; à costureira deixar sua agulha. Algo deve ser feito para possibilitar à mãe de vez em quando se afastar do cansativo círculo do cuidado das crianças, do maçante cuidado da casa, pelo menos por um dia. Para poder relaxar, revigorar, encher seus pulmões com a brisa do mar, algo deve ser feito. Algo deve ser feito, mesmo que custe alguns vis milhares. Que os homens e mulheres que gastam uma pequena fortuna todos os anos em excursões continentais, escalas, ascensão às montanhas dos Alpes, excursões de iate, e muitas outras formas de passeios, viagens luxuosas, dêem um passo à frente e digam que será possível a estas multidões de seus irmãos menos afortunados ter a oportunidade de passar pelo menos um dia por ano no litoral.

CAPÍTULO 7. O QUE DÁ PARA FAZER? COMO? SEÇÃO 1. -- AS CREDENCIAIS DO EXÉRCITO DE SALVAÇÃO. Esta grande obra pode ser feita? Eu acredito que sim. E eu acredito que esta obra pode ser feita pelo Exército de Salvação, porque tem prontamente à mão uma organização de homens e mulheres, em número e zelo suficiente para tocar esse enorme empreendimento. Essa obra

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pode estar além de nossas possibilidades. Mas isso não está tão manifesto a ponto de nos impedir desejar tentar. O que em si mesmo é uma qualificação que não é compartilhada por nenhuma outra organização -- no momento. Se podemos fazer isto temos um campo inteiro para nós mesmos. As igrejas ricas não mostram nenhuma inclinação para lutar pelo oneroso privilégio de fazer uma experiência nesta forma definida e prática. Se temos ou não temos a capacidade, temos, pelo menos, a vontade, a impetuosa aspiração de fazer esta grande obra por causa de nossos irmãos, e nisso repousa nossa principal credencial para confiar na realização deste empreendimento.

A segunda credencial é o fato de que, enquanto usamos todos os meios materiais, nossa confiança está no poder da colaboração de Deus. Não saímos para esta batalha confiados em nossa própria força, mas confiados em Jeová. Não seguimos adiante escorados em nossa própria força para esta batalha, mas escorados naquele que pode influenciar o coração do homem. Não há nenhuma dúvida de que o método mais eficaz de levantar um homem é efetuar uma mudança tal em suas visões e sentimentos, que ele acaba abandonando seus maus caminhos voluntariamente. Coloque diligência, assiduidade, atividade, esforço e bondade no lugar das tentações e companhias que anteriormente o conduziram ao erro, e viva uma vida Cristã, ele será um exemplo do que pode ser feito pelo poder de Deus mesmo diante das circunstâncias mais impossíveis.

Mas nisto repousa a grande dificuldade que se repete vez após vez, os homens não têm aquela força de caráter que os constrange adotar por eles mesmos os métodos de libertação. Nosso Projeto está baseado na necessidade de ajudá-los.

Nossa terceira credencial é o fato de que, de uma ou de outra forma, já alcançamos uma tão grande medida de sucesso que acreditamos que podemos razoavelmente abraçar este dever adicional. As operações corriqueiras do Exército de Salvação já efetuaram as mais maravilhosas mudanças nas condições dos mais pobres e dos piores. Multidões de escravos de todo tipo de vício tem sido libertos não apenas de seus hábitos, mas libertos também da destituição e da miséria que tais vícios produzem. Exemplos foram dados. Mais deles podem ser produzidos. Nossa experiência quase global já demonstrou que não basta tornar o criminoso honesto, o alcoólatra sóbrio, a meretriz pura, devemos também erradicar aquela pobreza plena de miséria e de desamparo. Nossa quarta credencial é que nossa Organização entre as corporações religiosas da Inglaterra é a única fundada no princípio da obediência tácita.

Quanto à Disciplina o que posso dizer é que o Exército de Salvação, em grande parte recrutado entre os pobres mais pobres, é freqüentemente reprovado por seus inimigos por causa da severidade de suas regras. É o único corpo religioso fundado em nosso tempo que é baseado no princípio da sujeição voluntária a uma autoridade absoluta. Ninguém é obrigado a permanecer contra sua vontade no Exército de Salvação, nem mesmo por um dia. Enquanto ele permanece lá ele está concatenado pelas condições do Serviço. A primeira condição desse Serviço é a obediência implícita, inquestionável. O Salvacionista é ensinado a obedecer como o soldado é ensinado a obedecer no campo de batalha.

Desde o tempo em que o Exército de Salvação começou a adquirir força e a crescer, evoluindo do grãozinho de semente de mostarda até o presente momento, quando suas filiais cobrem toda a terra, constantemente fomos advertidos contra os males que este sistema autocrático encerra. Nos disseram que, principalmente em uma era democrática, as pessoas nunca fariam valer o estabelecimento do que foi descrito como despotismo espiritual. Que isso era contrário ao espírito dos tempos, que seria uma pedra de tropeço e uma pedra de insulto às massas que invocamos, e assim sucessivamente, e daí por diante.

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Mas qual foi a resposta dos fatos diante destas predições dos teóricos? A despeito da alegada impopularidade de nossa disciplina, talvez por causa do rigor da autoridade militar na qual insistimos, o Exército de Salvação cresceu ano a ano com uma rapidez sem paralelo em toda moderna Cristandade, e apenas nos vinte e cinco anos desde que nasceu, é agora a maior Casa e Sociedade Missionária Internacional no mundo protestante. Nós temos quase 10.000 oficiais sob nossas ordens, um número que aumenta diariamente, cada um deles conduz o serviço na condição expressa que ele ou ela obedecerão sem questionamento ou repúdio às ordens do Quartel General. Desses, 4.600 estão na Grã Bretanha. O maior número fora destas ilhas, mais que em qualquer país, está nos Estados Unidos [N.T.: no original, American Republic] onde temos 1.018 oficiais. Na Austrália democrática temos 800.

A submissão à nossa disciplina não é uma mera lealdade no papel. Esses oficiais estão no campo de batalha constantemente expostos a privações e maltratos de todo tipo. Basta que eu envie um telegrama a qualquer um deles, mesmo que esteja nos confins da terra, para que ele seja transferido das Favelas de Londres para São Francisco, para que ele viaje para ajudar abrir missões na Holanda, Zululand, Suécia, ou América do Sul. Assim, longe de se ressentir com o exercício da autoridade, o Exército de Salvação se alegra em reconhecer esse exercício de autoridade como um grande segredo de seu sucesso, um pilar de força no qual todos seus soldados podem confiar, um princípio que o qualifica como diferente de todas as demais organizações religiosas fundadas em nossos dias.

Com dez mil oficiais, treinados para obedecer, e igualmente treinados para comandar, eu não sinto que a organização do desorganizado, do explorado, dos habitantes desesperados, dos encharcados de álcool da Tenebrosa Inglaterra seja impossível. É possível, porque isso já foi realizado concretamente no caso dos milhares que, antes de serem salvos, estavam entre aqueles que praticam o mal, na lama do pecado, e que agora estão ao nosso lado tentando resgatar os que ainda permanecem ali.

Nossa quinta credencial é a extensão e a universalidade do Exército de Salvação. Que poderosa instituição para botar esse Projeto para funcionar! Isso fica bem claro quando consideramos que já se estendeu por mais de trinta Colônias e Países diferentes, com uma base permanente em cerca de 4.000 lugares diferentes, que tem suficientes soldados ou amigos em harmonia com a idéia de prestar socorro a uma considerável população em quase todo mundo civilizado, e em boa parte do mundo não-civilizado, que tem quase 10.000 oficiais dedicados, cujo treinamento, disposição, e história os qualifica como camaradas entusiastas e sérios. Na realidade, toda nossa gente saudará o elo de conecção que este grande Projeto de regeneração da humanidade representa, que permitirá marcar os impulsos de seus corações, que já os incita a fazer coisas boas acontecer tanto aos corpos como às almas dos homens.

Vamos considerar as reuniões. Com poucas exceções, cada um destes quatro mil centros tem um Salão onde ocorrem reuniões todas as noites durante a semana e da manhã até quase meia-noite a cada Domingo [N.T.: no original, Sabbath]. Quase todas essas reuniões públicas nos salões são precedidas por uma reunião ao ar livre, o sentido especial de cada uma dessas reuniões é a salvação destas multidões miseráveis. Realmente, quando este Projeto for aperfeiçoado e estiver razoavelmente em curso, toda reunião em salão ou ao ar livre será olhada tanto como anúncio terrestre como condição celeste de felicidade. E cada Avançada, Corpo, Setor do Exército de Salvação se tornará um centro onde mulheres e homens pobres pecadores sofredores poderão encontrar simpatia, aconselhamento, e todo socorro prático possível em suas tristezas. Todo Oficial ao longo de nossas fileiras em todos os rincões do globo se tornará um cooperador.

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Veja quão útil nossa gente será unindo-se a esta classe. Mantendo contato com eles. Vivendo na mesma rua, trabalhando nas mesmas lojas e fábricas, e entrando em contato com eles em cada esquina e canto da vida. Se não vive entre eles, é como se vivesse. Ele sabe onde achá-los; são seus amigos do peito, companheiros de luta, e camaradas para o que der e vier. Esta classe é o eterno desafio da vida do Salvacionista. Ele sente que não há nenhum socorro para eles nas condições em que se encontram no momento. Eles são tão desesperadamente fracos, e suas tentações são tão terrivelmente fortes, que soçobram ante elas. O Salvacionista sente isto quando é atacado pelas tentações nos bares, nas ruas [N.T.: no original, low lodging houses], ou em suas próprias tristes casas.

Consequentemente, muitas vezes, o Cruzado perde toda sua coragem. Ele é tão freqüentemente tentado. Mas este Projeto irá resgatá-los imediatamente dos seus velhos barracos e tentações, da destruição social vendida por atacado, e lhes dará uma nova vida.

Então veja quão útil este exército de Oficiais e Soldados será para a regeneração desta massa inflamada de vício e de crime, na medida em que ela fica, digamos, ao nosso lado [N.T.: no original, in our possession]. Todos os milhares de bêbedos, meretrizes, blasfemadores, preguiçosos têm que ser refeitos, renovados no espírito de suas mentes, e tornados bons. Será necessário uma multidão de trabalhadores morais para realizar tal gigantesca transformação. No Exército de Salvação já temos alguns milhares, de qualquer maneira temos gente suficiente para começar, e o próprio Projeto irá produzir mais. Olhe as qualificações destes guerreiros para o trabalho!

Eles são treinados, trazidos à linha de frente, e são exemplos do caráter que queremos produzir.

Eles entendem seus treinandos -- são feitos do mesmo material. Escolha um malandro para pegar outro malandro, dizem, ou seja, supomos, são malandros diplomados. De qualquer maneira, é assim conosco. Estes guerreiros rudes trabalharão ombro a ombro para assumir mutuamente o mesmo emprego braçal. Eles se ocuparão da tarefa por amor. Esta é uma parte significativa da religião deles, o novo instinto comovente da natureza divina que os descobriu. Eles querem gastar suas vidas fazendo o bem. E aqui há uma oportunidade. Então vê quão úteis serão estes Soldados ao longo do campo de batalha! [N.T.: no original, for distribution!] Todo Oficial e Soldado Salvacionista em cada um destes 4.000 centros, espalhados ao longo de trinta países e colônias estrangeiras, com todos seus correspondentes, amigos e camaradas que vivem em outros lugares, estarão na torre de vigia buscando casas e empregos onde mulheres e homens salvos podem ser fixados vantajosamente, alimentados em vigor moral, amparados a cada tropeço, e assistidos até o dia em que sejam capazes de trilhar sozinhos pelos ásperos e escorregadios caminhos da vida.

Estou, portanto, autorizado a confiar na possibilidade de fazer grandes coisas. Por mais desesperador que o problema possa ser considerado, ele deve ser abordado com inteligência e determinação, e em uma escala que corresponda à magnitude do mal com que temos que contender.

SEÇÃO 2. -- QUAL O MONTANTE NECESSÁRIO PARA EXECUTAR O PROJETO? Será necessário uma quantia considerável de dinheiro para inaugurar este Projeto de uma forma razoável, e alguma renda pode ser necessária para mantê-lo durante algum tempo, mas, uma vez em operação, temos boas razões para acreditar que todas suas filiais serão auto-sustentáveis. Quanto mais ampla for sua área de atuação, mais completamente poderemos confiar. Naturalmente, o custo do esforço depende muito de sua magnitude. Quanto maior o mal, maior será o desembolso. Se o problema é drenar uma horta, é necessário

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apenas algumas libras, mas se o problema é drenar um escuro e vasto pântano que se estende por muitas milhas, infestado por todo tipo de pestilência, criadouro de todo tipo de malária mortal, que se mantém e se multiplica, então é necessário não apenas uma soma bem distinta, mas todo um sistema de investimento econômico.

Na medida em que o país gasta algo em torno de Dez Milhões por ano com a Lei do Pobre e o Alívio Caridoso [N.T.: no original, Poor Law and Charitable Relief] sem provocar qualquer real derrota ao mal, duvido que o público não se apresse em prover a décima parte dessa quantia. Considerando que o dez por cento mais pobre seja composto por um milhão de pessoas, bastará uma libra por cabeça para cada um daqueles que buscamos beneficiar, quer dizer, UM MILHÃO DE LIBRAS ESTERLINAS dará ao presente Projeto uma chance justa de entrar em operação prática.

O montante arrecadado determinará necessariamente a extensão de nossas operações. Calculamos cuidadosamente que com cem mil libras o Projeto pode ser colocado em movimento com sucesso, e pode continuar sendo executado com um montante anual de #30.000 que representa cerca de pouco mais de 3% de um orçamento de milhões de libras esterlinas. Há pessoas sérias querendo arregaçar as mangas para resolver problemas sérios; e nosso julgamento é baseado, não em meras idéias, mas no resultado atual de experiências já feitas. É bom não esquecer que um objetivo tão vasto e desejável não pode ser contemplado sem um adequado desembolso financeiro. Porém, diante do argumento de que a subscrição para o empreendimento é bastante flutuante, uma questão pode ser colocada, «Que fundos adicionais serão requeridos para uma manutenção eficiente?» Temos resposta a esta questão. Vamos considerar separadamente os três tipos de Colônias, entendendo que algumas circunstâncias valem para o todo. O ASPECTO FINANCEIRO DA COLÔNIA URBANA. Aqui haverá, naturalmente, um desembolso considerável, necessário à compra e à devida montagem da propriedade, aquisição de maquinaria, mobília, ferramentas, enfim, tudo aquilo que é necessário para levar adiante as mais variadas operações. Uma vez adquirido todo esse material, nenhum desembolso adicional será mais necessário com exceção das reparações normais relacionadas à manutenção.

As Casas Populares [N.T.: no original, Homes for the Destitute] serão em sua maior parte, se não totalmente, auto sustentáveis. Os moradores das Casas Superiores para Solteiros e Casados não apenas pagarão por suas moradias, eles pagarão também um pouco de juros da quantia investida que será dedicado à concretização de outras partes do Projeto.

Os Refúgios para Meninas Decaídas exigem consideráveis fundos de manutenção. Mas o público nunca vacilou em expressar na prática sua solidariedade para com esse tipo de obra.

As Casas de Custódia e Operações de Porta de Cadeia [N.T.: no original, Criminal Homes and Prison Gate Operations] requerem uma ajuda continuada, mas não em um patamar muito grande. Todavia, o trabalho nas Favelas é um tanto quanto caro. Cada uma das oitenta garotas que no momento estão engajadas nessa área representam um custo médio de 12s. por semana para despesas pessoais, inclusive roupas e outras despesas, há despesas relacionadas aos Salões de Reunião e outras pequenas despesas eventuais que não podem ser evitadas. Nosso desembolso anual no trabalho nas Favelas perfaz um total de #4.000. Mas entre as pessoas pobres há aquelas que com seu trabalho, apesar de sua extrema pobreza, já estão contribuindo com mais de #1.000 por ano, quantia que tende a aumentar. Através desse Projeto propomos acrescentar imediatamente mais uma centena de pessoas àqueles que já estão engajados, será exigido dinheiro para manter o funcionamento desse esquema.

A Associação Anti-Alcoólica [Inebriate Home], eu calculo, se manterá

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por si mesma. Todos seus ocupantes terão que se engajar em alguma ocupação remunerativa, e nós calculamos que, além disso, haverá um dinheiro extra obtido daqueles que foram indiretamente beneficiados. Mas para socorrer na prática os meio milhão de escravos da bebida, é necessário ter dinheiro não apenas para manter nossas operações mas também para ampliá-las.

Os Restaurantes [N.T.: no original, Food Depots], uma vez em operação, pagam suas próprias despesas de funcionamento.

A Emigração, Conselho, e o Escritório para Localização de Pessoas Desaparecidas terão que se manter por si mesmos ou quase. As Oficinas, Anti-Exploração [N.T.: no original, Labour Shops, Anti-Sweating], e outras operações semelhantes sem dúvida exigirão dinheiro para que possam alcançar seus objetivos. Em geral, exigirá uma soma muito pequena de dinheiro comparado com a imensa quantidade de bens e serviços que serão produzidos, e às boas coisas resultantes.

O ASPECTO FINANCEIRO DA COLÔNIA RURAL. Com relação aos aspectos monetários da Colônia Rural quero fazer algumas considerações. Aqui também uma certa quantidade de dinheiro terá que ser gasta ao início; alguns dos itens principais será a compra de terra, a ereção de edifícios, de setores de manutenção e armazenagem, e a produção das primeiras colheitas. Atualmente há uma abundância de terra no mercado, a preços bem reduzidos. É muito importante para o experimento inicial que a propriedade a ser obtida não esteja longe de Londres, e que tenha terra boa para cultivo imediato. Tal propriedade vai além da questão do preço. Depois de um tempo, eu não tenho nenhuma dúvida, poderemos lidar com terra de quase qualquer qualidade (e em quase qualquer parte do país), por causa da superabundância de mão-de-obra disponível. Não há nenhuma dúvida sobre o sucesso do Projeto, mas as propriedades serão obtidas em conecção com as grandes cidades. Estou bem animado pela perspectiva de que uma quantidade suficiente de terra será doada, ou, de qualquer forma, vendida para nós em condições bem favoráveis.

Quando adquirida e equipada, calculo que essa terra, se devidamente cultivada [N.T.: no original, cultivated by spade husbandry], sustentará pelo menos duas pessoas por acre. O testemunho de pessoas experientes em partilhas de terra indicam que cinco pessoas podem ser sustentadas com três acres. Mas, mesmo supondo que este cálculo seja muito pouco otimista, ainda podemos considerar que uma fazenda de 500 acres sustentará, sem qualquer ajuda externa, digamos, 750 pessoas. Mas, neste Projeto, teremos muitas vantagens não possuídas pelo camponês simples, como as vantagens resultantes da combinações, pactos, acordos, do mercado horti-fruti-granjeiro [N.T.: no original, market gardening], e as outras formas de cultivo já mencionadas, assim, há a possibilidade de duplicar ou triplicar o número de pessoas nessa mesma quantidade de terra.

Na pior das hipóteses, a combinação entre Colônias Urbanas e Colônias Rurais gerará um mercado para uma grande porção de produtos. Considerando o atual consumo apenas em nossos Restaurantes e Abrigos em Londres, [N.T.: no original, London Food Depots and Homes for the Destitute], seriam necessários pelo menos 50 acres apenas para o cultivo de batatas, e todo Colono adicional seria um consumidor adicional.

Não haverá nenhum aluguel para pagar, pois propomos obter todos os direitos sobre a terra. No caso de uma grande procura por terra, porções adicionais poderiam ser alugadas, com opção de compra. Naturalmente, a mudança contínua de trabalhadores exercerá um efeito negativo na rentabilidade do empreendimento. Mas isto será proporcionalmente benéfico para o país, pois cada pessoa que passa por uma instituição de crédito representa um a menos na multidão desamparada.

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O aluguel de partes, porções, cotas, lotes [N.T.: no original, The rent of Cottages and Allotments] constitui um retorno pequeno, mas pelo menos paga o juro do dinheiro investido neles.

O trabalho despendido na Colônia constantemente aumentaria seu valor monetário. Seriam construídas cabanas, pomares seriam plantados, a terra seria enriquecida, fábricas seriam erigidas, armazéns erguidos, enquanto outras melhorias iriam continuamente sendo feitas. Toda mão-de-obra e uma grande parte de material seria provida pelos próprios Colonos.

O trabalhador pode eventualmente ser sustentado ao longo destas ereções e produções, que por si só representa uma soma considerável. Mas para que isso ocorra é necessário um desembolso inicial. Mas cada cabana erguida, cada estrada feita, em suma, cada estrutura e melhoria realizada, constitui uma forma de levar o processo de regeneração adiante, e em muitos casos espera-se que se torne uma fonte de renda.

Como os progressos do Projeto, não é irracional esperar que o Governo, ou algumas das diversas Autoridades Locais, ajudem no funcionamento de um plano que, de maneira tão destacada, aliviará as taxas e impostos ou o país.

O salário dos Oficiais, que é bem pequeno, seria de acordo com o que é determinado pelo Exército de Salvação.

Nenhum salário seria pago a Colonos, como foi descrito, além de dinheiro para pequenos gastos e uma ninharia por serviço extra. Embora não se conheça nada que invalide permanentemente o progresso das Colônias, é justo assumir que haverá um certo número, e também um resíduo considerável de pessoas naturalmente indolentes, de mentalidade débil, incapazes de progresso, diante de nós. Ainda, imagina-se que com a mudança nos hábitos, com a variedade de emprego, e superintendência cuidadosa, algo pode ser feito de maneira que essas pessoas possam pelo menos obter seu próprio sustento, especialmente quando se tem em mente que a menos que trabalhem, na medida de suas capacidades, eles não podem permanecer na Colônia.

Se o Projeto de Salvamento Doméstico [N.T.: no original, Household Salvage Scheme] explicado no Capítulo II, provar o sucesso que antecipamos, com tudo funcionando de acordo com o previsto, não há dúvida de que haverá uma grande ajuda financeira ao Projeto como um todo.

O ASPECTO FINANCEIRO DA COLÔNIA ULTRAMAR. Vamos agora abordar a Colônia Ultramar, e também considerá-la do ponto de vista financeiro. Aqui temos que nos ocupar principalmente com o desembolso preliminar, pois não pudemos nem por um momento contemplar a possibilidade de buscar ajuda financeira quando o empreendimento já estiver bem estruturado. A despesa inicial vai, sem nenhuma dúvida, ser um pouco pesada, mas nada além de uma quantia razoável.

A terra que precisamos provavelmente seria doada, seja na África, no Canadá, ou em outro lugar; seja lá como for, ela seria conquistada da mesma maneira que se conquista um presente.

Uma soma considerável seria certamente necessária para erigir os primeiros estabelecimentos. Haveria edifícios temporários a erguer, terra a revolver, colheitas; provisões, instrumentos rurais de trabalho, mobília para comprar, e outras despesas semelhantes. Mas isto não seria empreendido em grande escala, na medida em que, até certo ponto, os sucessivos grupos de Colonos mais ou menos proverão suas próprias necessidades, urdindo assim sua própria salvação.

Os adiantamentos para passagens, equipamento, e instalações seriam

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reembolsados pelos Colonos através de prestações, que por seu turno pagariam o transporte de outros ao mesmo destino.

O custo de passagens e dinheiro de equipamento vai, sem dúvida, constituir alguma dificuldade. A quantia de #8 por cabeça, digamos, para a África -- #5 de passagem, e #3 para a viagem pelo país -- é uma grande soma quando há um considerável número de pessoas envolvidas; e temo que nenhuma Colônia seria alcançada a uma taxa mais baixa. E não espero que o Governo possa nos ajudar nesse sentido.

Abordando a questão por inteiro, abrangendo as três Colônias, estaremos satisfeitos se a soma alcançada for suficiente para a operação de uma agência que provavelmente salvará um imenso número de pessoas da degradação e da imoralidade. Uma soma em torno de #30.000 será suficiente. Mas supondo que uma quantia muito maior seja necessária, o que é bem provável, para operações mais avançadas do que as aqui abordadas, não é irracional esperar obter essa quantia no futuro, pois a preocupação com o pobre é não apenas um dever, uma obrigação universal, um princípio radical de toda religião, é também um instinto humano que provavelmente não será abolido em nosso tempo. Não nos opomos à caridade em si mesma, mas ao modo como é ministrada que, em vez de aliviar permanentemente, apenas desmoraliza e mergulha aqueles que a recebem no fundo do lodo, e assim derrotam seu próprio propósito.

«O que?» Posso ouvir alguém dizer, «um milhão de libras esterlinas? Como é que algum homem do lado de fora de um manicômio pode sonhar em levantar tal soma?» Pare um pouco! Um milhão pode ser muito dinheiro para pagar um diamante ou um palácio, mas é uma mera ninharia comparada com as somas que a Inglaterra esbanja sempre que algum bretão precisa ser liberto, caso seja capturado no estrangeiro. O Rei de Ashantee capturou alguns súditos britânicos -- nem mesmo de nascimento inglês -- em 1869. John Bull despachou o General Wolseley com a nata do exército britânico, que esmagou Koffee Kalkallee, libertou os cativos, incendiou Coomassie, e não estremeceu com a conta de #750.000. Mas isso foi uma mera ninharia. Quando o Rei Theodore da Abissínia capturou um par de representantes britânicos, Lord Napier foi despachado para salvá-los. Ele moveu seu exército de Magdala, resgatou os prisioneiros, e matou o Rei Theodore. O custo daquela expedição foi de mais de #9.000.000. A Campanha egípcia que esmagou os árabes [N.T.: no original, Arabi], custou quase #5.000.000. A recente investida em direção a Khartoum que chegou tarde demais para salvar o General Gordon, custou quantia semelhante. A guerra afegã custou #21.000.000. Quem ousa dizer então que a Inglaterra não pode prover #1.000.000 para salvamento, não de um ou dois cativos, mas de um milhão, cuja sina é integralmente tão dolorosa quanto a dos prisioneiros de reis selvagens, que se encontram, não na terra do Sudão, ou nos pântanos de Ashantee, ou nas Montanhas da Lua [N.E.: Mountains of the Moon, uma região localizada na África], mas aqui mesmo diante de nossas próprias portas? Não venham me dizer que é impossível levantar esse #1.000.000. Nada é impossível quando a Inglaterra está determinada a fazer algo sério. Toda essa conversa de impossibilidade apenas significa que você não acredita que a nação não tem nenhum desejo de entrar em uma campanha séria contra o inimigo em nossos portões.

Quando John Bull partiu para a guerra ele não levou em conta as despesas. E quem ousa negar que chegou o momento de fazer uma declaração de guerra contra os Males Sociais que parecem ter expulsado Deus para fora deste nosso mundo?

SEÇÃO 3. -- ALGUMAS VANTAGENS EVIDENTES. Este Projeto abarca todo proletário, [N.T.: no original, all kinds and classes of men who may be in destitute circumstances] independente de seu caráter ou conduta, e se encarrega de provê-lo imediatamente de suas necessidades temporais; e colocá-lo em uma

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posição permanente de relativo conforto, a única condição exigida é que o receptor desse benefício tenha vontade de trabalhar e de agir de acordo com a disciplina [N.E.: aqui vemos uma variação da máxima comunalista de «dar a cada um conforme sua necessidade e exigir de cada um conforme sua capacidade»].

No princípio, poderemos estabelecer alguns limites com respeito a idade e doença, esperamos, quando o Projeto estiver razoavelmente funcionando, poder dispensar até mesmo estas restrições, e receber qualquer indivíduo infeliz que tem apenas sua miséria como credencial ou o desejo sincero de sair dessa condição.

É bom destacar que, neste aspecto, esse Projeto é superior [N.T.: stands head and shoulders above] a qualquer outro anteriormente apresentado, pois quase todas aquelas propostas e expedientes caridosos se revelaram mais ou menos absolutamente incapazes de beneficiar pessoas fora do conceito de trabalhador «decente».

Este Projeto busca por todo tipo de agências, maravilhosamente adaptadas para a tarefa, contemplar o bem-estar das classes proletárias, e, por variadas medidas e motivos adaptar-se às suas circunstâncias e inspirá-las a aceitar os benefícios oferecidos.

Nosso Plano não pretende outra coisa senão revolucionar o caráter daqueles cujas faltas, defeitos, imperfeições, falhas, erros, enganos, deslizes, omissões, negligências, transgressões, descuidos, são a razão de sua destituição. Temos observado que em cinqüenta por cento dos casos a má conduta é a causa da miséria deles. Para parar com esses males é necessário nada menos que uma real mudança do coração, caso contrário o fracasso é inevitável. Mas temos muito ânimo para efetuar tal coisa -- de uma forma ou de outra, na grande maioria dos casos -- pelo argumento e pela persuasão, pelas vantagens terrestres e celestes, pelo poder humano e pelo poder divino.

Por este Projeto qualquer homem, não importa quão profundamente esteja mergulhado na lama, sem auto-estima, sem amor-próprio, pode reentrar novamente na vida, desde que restabeleça o caráter que perdeu, ou mesmo encontre o caráter que nunca teve, obtendo acesso a um emprego decente, e o direito de ser aceito na Sociedade como um cidadão de bem. Enquanto muitos desta multidão carecem absolutamente de um amigo decente, outros, do alto da respeitabilidade que algum dia tiveram, tem algum parente, ou amigo, ou empregador, que ocasionalmente pensa neles, basta uma real e prodigiosa mudança e haverá não apenas disposição, mas também satisfação em ajudá-los mais uma vez.

Por este Projeto, acreditamos poder ensinar hábitos de economia, administração doméstica, cuidado com o dinheiro, e coisas assim. Há inúmeros homens que, embora sofrendo a angústia mais medonha da pobreza, sabem pouco ou nada sobre o valor do dinheiro, ou de seu uso prudente; e há centenas de mulheres pobres que não sabem o que é uma casa decentemente administrada, e se jamais tiverem os mais amplos meios dificilmente conseguirão fazer isso mesmo que tentem, refiro-me a mulheres que nunca viram outra coisa na história de suas casas a não ser sujeira, desordem, e miséria. Elas jamais conseguiriam preparar um jantar ou uma refeição decente se as vidas delas dependesse disto, pois nunca tiveram uma chance de aprender a fazer estas coisas. Mas por este Projeto há como ensinar tudo isso. Por este Plano, serão criados hábitos de limpeza, e será dado um pouco de conhecimento de questões sanitárias em geral. Este Projeto muda as circunstâncias desses cuja pobreza é causada pelo infortúnio. Para começar, encontraremos trabalho para o desempregado. Esta é a necessidade principal. O grande problema que há muito vem confundindo os cérebros dos economistas políticos e filantropos tem sido «Como podemos gerar emprego para estas pessoas?» Não importa que outras formas de auxílio sejam

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descobertas, sem trabalho não há nenhuma base real para ânimo. A caridade e todos os outros dez mil dispositivos são apenas expedientes temporários, completamente insuficientes para suprir a necessidade. O trabalho, aparte do fato dele ser o método de Deus de prover os múltiplos desejos da natureza humana é, em todos os sentidos, essencial ao seu bem-estar -- e neste Plano há trabalho, trabalho honrado -- não o desmoralizante trabalho forçado, [N.T.: no original, stone-breaking, or oakum-picking business] um negócio que atormenta e insulta a pobreza. Todo trabalhador sentirá que ele ocupa seu tempo não apenas em seu próprio benefício, qualquer vantagem colhida em torno de sua atividade também servirá para erguer algum outro pobre infeliz para fora da sarjeta.

Haveria trabalho para todo tipo de habilidade. Cada dom poderia ser empregado. Por exemplo, leve cinco pessoas para a Fazenda -- padeiro, alfaiate, sapateiro, cozinheiro, e um agricultor. O padeiro faria pão para todos, todos os artigos de vestuário ficariam aos cuidados do alfaiate, os sapatos com o sapateiro, o cozinheiro cozinharia para todos, e o agricultor plantaria para todos. Esses que sabem fazer qualquer coisa que seria útil aos habitantes da Colônia serão colocados para fazê-lo, e a esses que não sabem fazer qualquer atividade ou profissão serão ensinados em uma.

Este Projeto remove as classes criminosas e viciosas para fora da esfera de tentações que os fizeram desabar no passado. Nossa experiência mostrará que quando você produz -- pela graça Divina, pelas vantagens de uma boa vida, ou pelas desvantagens de uma vida ruim -- circunstâncias, condições, situações favoráveis, os homens como os descritos resolvem virar uma nova página em suas vidas. As tentações e dificuldades com as quais eles se deparam e que ordinariamente os dominam dificilmente serão desfeitas e superadas, se eles continuam cercados pelos velhos companheiros, enganados, fascinados, encantados, seduzidos, atraídos e engodados pelo pecado.

Agora, olhe para a natureza das tentações que esta classe tem que enfrentar. O que é que conduz pessoas de todas as classes, ricos como também pobres, a fazer coisas erradas? Não é o desejo de pecar. Eles não querem pecar; muitos deles nem mesmo sabem o que é pecado, mas eles têm certos apetites ou preferências naturais, tem prazeres, deleites dos quais se agradam, e quando o desejo pela satisfação ilícita é despertada, sem consideração ou respeito à vontade de Deus, aos seus próprios interesses mais elevados, ou ao bem-estar dos seus companheiros, eles são levados de arrasto; apesar de todas as boas resoluções feitas no passado. Aí vem a aflição.

Por exemplo, olhe para a tentação que tem a ver com o apetite natural da fome. Eis aqui um homem que esteve em uma reunião religiosa, ou recebeu algum bom conselho, ou talvez tenha há pouco saído da prisão, com as recordações dos sofrimentos que sofreu ainda frescos em seu corpo e em sua mente, ou com o conselho do capelão tilintando em seus ouvidos. Ele decidiu não roubar nunca mais, mas ele não tem nenhum meio de sustento. Ele sente fome. O que ele faz? Ele é tentado por um pedaço de pão, ou mais provavelmente, por uma corrente de ouro que ele pode transformar em pão. Começa uma luta dentro dele, ele tenta esquecer estas idéias, mas seu estômago ronca, e pode ser que também haja esposa e crianças famintas como ele; assim ele cai em tentação, leva a corrente, e a polícia por seu turno o leva.

Agora, este homem não quer ser mau, muito menos ir para a prisão. De um modo sincero, sonhador, ele deseja ser bom, e se o caminho fosse mais fácil, ele provavelmente o trilharia.

Novamente há o apetite para a bebida. Aquele homem não tem nenhum pensamento pecaminoso quando leva o primeiro copo à sua boca. Muito menos quer se embriagar. Ele ainda pode ter uma lembrança vívida das conseqüências desagradáveis que se seguiram à última farra que participou, mas ele tem vontade de beber; o bar está bem ali

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pertinho; os companheiros dele o estimulam; e ele se rende, e cai, e talvez caia para nunca mais se levantar.

Nós poderíamos discorrer longamente sobre essas coisas, mas nosso Projeto propõe afastar o pobre escravo imediatamente dos bares, da bebida, e dos companheiros que o estimulam a beber, e assim acreditamos que as chances de recuperação são de longe bem maiores. Então achamos que os grandes beneficiários deste Projeto serão as crianças, na medida em que as tiramos das favelas, dos miseráveis barracos, e dos ambientes imundos nas quais eles estão sendo criados para indescritíveis vidas de abominação, e as colocamos no campo, para correr entre as árvores verdes e morar em cabanas onde eles poderão crescer e ter uma chance de salvar corpo e alma.

Pense novamente na mudança que este Projeto trará a estas pobres criaturas retirando-as de seus ambientes depressivos, desmoralizantes, pouco apresentáveis, de seus imundos cômodos onde se amontoam, retirando-as para um ar puro, para um lugar onde possam ver e ouvir a natureza. Há muita conversa sobre a influência benéfica dos quadros, da música e da literatura nas multidões.

Dinheiro está sendo vertido como água, para prover tais atrações em Museus, Palácios do Povo, e coisas assim, para a edificação e melhoria da condição social das massas. Mas «Deus fez o campo, o homem fez a cidade», e se nós levamos as pessoas aos quadros de fabricação divina, esse deve ser um plano de qualidade superior.

Novamente, o Projeto é capaz de aplicação ilimitada. O curativo deve ser tão grande quanto a ferida. A ferida é certamente bem extensa, e à primeira vista parece quase ridículo qualquer iniciativa privada tentar lidar com ela. Três milhões de pessoas, vivendo numa ambiência de perpétua miséria têm que ser alcançadas e salvas desta condição terrível. Isso pode ser feito, e este Projeto fará isto, se tiver uma chance justa. Tudo de uma vez? Não! É bom que fique claro que levará tempo, mas uma vez iniciado fará uma diferença nas massas, imediatamente. Dentro de um período mensurável poderemos tirar deste mar imundo pelo menos cem indivíduos por semana, e não há nenhuma razão pela qual este número não tenda a aumentar.

Um apreciável efeito neste golfo de miséria seria imediatamente notado, não só entre os salvos de suas águas medonhas, mas entre aqueles que ficaram para trás, na medida em que para cada cem indivíduos removidos, fica algum trabalho que eles executavam disponível aos remanescentes. Poderá não ser muita coisa, mas mesmo assim deverá ser levado em consideração. Suponhamos três carpinteiros passando fome em um emprego que cobre um terço do tempo deles, se dois forem removidos, o remanescente terá emprego em tempo integral. Isto é para dar uma idéia ao público contribuinte da extensão de nossas operações.

Os benefícios resultantes por este Projeto serão permanentes e duradouros. Será patente que não tratamos aqui de nenhum expediente temporário, como, ai! foi o caso de quase todo esforço feito até aqui em nome destas classes. Frentes de Trabalho, Sopões, Pesquisas de Caráter, Esquemas de Emigração, nada disso ajudará. A caridade em suas cem formas, as Custódias Casuais, o Sindicato, e uma centena cem outras Panacéias podem servir por um momento, mas tudo isso não passa de paliativo. Mas este Projeto, eu digo sem pestanejar, oferece um remédio significativo e permanente.

Socorrendo uma seção da comunidade, nosso plano não envolve nenhuma interferência com o bem-estar de qualquer outra. (Veja Capítulo VII. Seção 4, «Objeções».)

Para este Projeto não há barreira que não possa ser superada por uma vida industriosa e religiosa. Este Projeto não apenas conduz multidões perdidas para fora da «Cidade da Destruição» em direção à Canaã da abundância, como também as eleva ao patamar do mais

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favorável privilegio do gênero humano, afiançando a salvação de suas almas.

Olhe para as circunstâncias das centenas, das milhares de classes proletárias [N.T.: no original, of the classes of whom we are speaking]. Do berço à sepultura, tudo que diz respeito à influência exercida pela Convicção Religiosa pode ser resumido em apenas uma frase, «É mais fácil ser ateu» [N.T.: no original, «Atheism made easy»]. Vamos imaginar que este seja o caso dos leitores. Qual a possibilidade de, sob tais circunstâncias, deixar de urdir algumas dúvidas sérias sobre a existência de um Deus benevolente que permite suas criaturas passar fome? Que não se preocupa com as misérias temporais de sua criação? Que Deus é esse que não tem nenhum coração para com essa vida? Se é assim porque nos preocuparmos com a próxima?

Tome um homem, faminto, com frio, que não sabe quando será sua próxima refeição; ou melhor, talvez nem haja uma próxima refeição.

Tudo que ele pensa diz respeito ao pão necessário ao seu corpo. Tudo que ele quer é um jantar. Os interesses de sua alma têm que esperar.

Tome uma mulher com uma família faminta que sabe que segunda-feira tem que pagar o aluguel, se não pagar ela e seus filhos vão ser jogados na rua, ela vai perder as poucas coisas que tem. No momento presente ela não tem o dinheiro. Qual será o provável pensamento dela quando passa desapercebida por uma Igreja, Salão Missionário, ou Corpo do Exército de Salvação?

Eu tive um pouco de experiência neste assunto, e tenho ponderado a esse respeito desde o dia em que fiz minha primeira tentativa de alcançar pessoas passando privações, famintos, multidões -- isso foi a quarenta e cinco anos atrás -- e não é de admirar que tais multidões não sejam salvas nas presentes circunstâncias. Todos os Clérigos. Núcleos Missionários, Núcleos de Assistência, Visitantes de Doentes, e todos os demais que se preocupam com a Salvação do pobre, podem confirmar isso. Se estas pessoas acreditarem em Jesus Cristo, tornarem-se Servos de Deus, e escaparem das misérias consequentes das más ações, [N.T.: no original, miseries of the wrath to come] elas devem ser ajudadas a sair de suas atuais misérias sociais. Elas devem ser postas numa situação na qual possam trabalhar e possam comer, numa situação com uma moradia decente para viver e dormir dentro dela, numa situação onde possam ver alguma outra coisa além do longo, cansativo, monótono, triturante circuito de trabalho, na ânsia da preocupação de manter vivos aqueles que amam, alguma coisa diferente do Hospital, do Sindicato, ou do Hospício. Se os Trabalhadores Cristãos e Filantropos unissem suas mãos para efetuar e concretizar esta mudança, o povo se levantará e os abençoará, e serão salvos; se tudo continuar como está, o povo os amaldiçoará e perecerá.

SEÇÃO 4. -- ALGUMAS POSSÍVEIS OBJEÇÕES. Objeções devem surgir. Elas sempre surgem com respeito a qualquer Projeto que ainda não foi concretizado na prática, e simplesmente significam que o Projeto vai encontrar obstáculos pelo caminho [N.T.: no original, simply signify foreseen difficulties in the working of it]. Admitimos abertamente que há abundantes dificuldades relacionadas ao custo do plano, se ele vai funcionar adequada e prosperamente da forma como foi colocado. [N.T.: no original, we freely admit that there are abundance of difficulties in the way of working out the plan smoothly and successfully that has been laid down] Mas muitos destes obstáculos que imaginamos desaparecerão quando vermos os primeiros resultados [N.T.: no original, But many of these we imagine will vanish when we come to close quarters], o resto será sobrepujado pela coragem e paciência. Porém, para que este plano prove o sucesso previsto, ele precisa revolucionar a situação dos setores famintos da Sociedade, não só nesta grande metrópole, mas, eventualmente, ao longo de toda gama da civilização.

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Devemos pois ser merecedores não apenas de uma cuidadosa consideração mas de um perseverante auxílio.

Algumas destas dificuldades parecem bem sérias à primeira vista. Vamos olhar para elas.

Objeção I. -- É sugerido que o tipo de gente para o qual o Projeto foi desenhado não vai se envolver.

Quando o banquete foi preparado e o convite distribuído, disseram que as multidões famintas não viriam; que embora houvesse trabalho na Cidade, ou que haveria trabalho na Fazenda, as multidões iriam preferir apodrecer em suas presentes misérias do que tirar proveito do benefício oferecido.

Para colher as opiniões das pessoas mais aflitas, consultamos uma noite, por um Censo em nosso Abrigo Londrino, duzentos e cinqüenta homens sem trabalho, todos eles sofrendo severamente as conseqüências do desemprego. Fizemos uma série de perguntas, e processamos todas as respostas. Agora, devemos destacar que aqueles homens estavam totalmente a vontade em suas respostas aos nossos pesquisadores, nem por um momento foram obrigados a responder favoravelmente ao nosso plano, o qual, diga-se de passagem, quase nada conheciam.

Daqueles duzentos e cinqüenta homens, em sua maior parte no primor da vida, muitos deles eram trabalhadores qualificados; um exame no resultado da pesquisa revelou que duzentos e sete poderiam trabalhar em suas próprias profissões se tivessem uma oportunidade.

O número de profissões era naturalmente variado. Havia de todo tipo: Engenheiros, Alfaiates, Professores, Relojoeiros, Marinheiros, homens com experiência nos diversos ofícios no ramo da Construção; e também vários homens que trabalharam em seus próprios estabelecimentos.

A média salarial dos mecânicos qualificados quando regularmente empregados era de 33s. por semana; e o dinheiro ganho por um não qualificado girava em torno de 22s. por semana.

Eles não poderiam ser considerados preguiçosos, a maioria deles; quando não empregados na profissão ou ocupação deles, provavam sua vontade de trabalhar aceitando qualquer emprego que aparecesse. Examinando essa lista descobrimos um ex-Administrador Alfandegário até recentemente trabalhando como Auxiliar de Carpinteiro; um Tipógrago se contentou em trabalhar como Limpador de Chaminé; e um Professor, capaz falar cinco idiomas, e que em seus bons momentos tinha possuído uma fazenda, se contentou fazendo biscates como Servente de Pedreiro; ou Cuidando de Cavalos, e que certa vez quando ganhava #5 por semana desceu tanto em seu padrão de vida que agradeceria se conseguisse trabalhar carregando cartazes nas costas [N.T.: no original, Sandwich man] pela magnífica soma de quatorze pences por dia, nem que fosse apenas de vez em quando.

Nessa lista havia um tintureiro e um faxineiro com sua esposa e nove filhos que poderiam ganhar cerca de 40s. por semana, mas que não conseguiram nenhum trabalho regular por três anos nos últimos dez.

Colocamos uma questão nos seguintes termos: -- «Se você fosse posto em uma fazenda, e colocado para trabalhar em qualquer coisa que você pudesse fazer, e fosse provido de comida, alojamento, roupa, com uma perspectiva de caminhar pelos seus próprios pés sem depender de ninguém, você estaria disposto a fazer tudo que pode?»

Em resposta, todos os 250 responderam no afirmativo. Houve apenas uma exceção, que verificamos tratar-se de um rapaz que, sendo marinheiro, temia não saber como poderia ser aproveitado.

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Ao serem interrogados sobre o desejo deles de trabalhar duro na terra, eles responderam: «Por que não? Olhe para nós. Pode haver alguma situação mais miserável que a nossa?» Por que não? Basta olhar de relance para aquela gente para concluir que é difícil encontrar alguma razão racional para uma recusa -- em trapos, enxameados de piolhos, famintos, muitos deles vivem de restos de comida, mendigando ou roubando, sem roupa suficiente para cobrir seus pobres esqueletos, a maioria deles não tem nem mesmo uma camisa. Toda manhã é a mesma sina, não sabem o que fazer para conseguir alimento, ou os quatro pences necessários para dispor novamente do humilde abrigo que desfrutaram naquela noite. A idéia de recusar um emprego que cobriria as necessidades de uma vida abundante, e abriria a perspectiva de se tornar, no decorrer do tempo, proprietário de uma casa, com seus confortos e companhias, é inconcebível. Não há dúvida que esta classe não apenas aceitará o Projeto que queremos apresentar para elas, como também ficarão imensamente gratos em fazer tudo que estiver ao seu alcance para que tenha sucesso.

II. -- Viria gente demais. E isto é bem provável. Haveria certamente muitos. Mas não deveríamos sentir nenhuma obrigação de levar mais que o conveniente. Quanto maior o número de aplicações mais largo o campo de seleção, e maior a necessidade de ampliar nossas operações.

III. -- Eles viriam mas com o tempo desistiriam. Objeta-se que mesmo que venham, a monotonia da vida, a estranheza do trabalho, junto com a ausência da excitação e da diversão que os entretinham nos bairros e nas cidades, tornaria a existência deles insuportável. Mesmo vivendo nas ruas, há uma certa quantidade de vida e de ação na cidade que é muito atraente. Indubitavelmente alguns cairiam fora, mas eu não acho que seria uma grande proporção. A mudança seria tão grande, e tão palpavelmente vantajosa, que eu acho que eles achariam nisto ampla compensação para a privação de alguma excitação prazerosa deixada para trás na cidade. Por exemplo, haveria --

Alimento Suficiente. A amizade e a simpatia de seus novos companheiros. Haveria abundância de camaradas de semelhantes preferências e situações -- sem ranço religioso. Seria totalmente diferente de ir sem qualquer respaldo para uma fazenda, ou para uma família triste.

Então haveria a perspectiva de um benefício para eles no futuro, junto com toda vida religiosa, reuniões, música, e liberdade do Exército de Salvação.

Mas o que diz nossa experiência?

Há uma classe que é o desespero do reformador social, uma classe que é descrita das mais variadas formas, mas que podemos dar um termo, as mulheres perdidas de nossas ruas. Do ponto de vista do organizador industrioso, essa classe sofre da maior privação material, quase total, que um ser humano pode alcançar. Ela é, com algumas exceções, destreinada na labuta, desmoralizada por uma vida de deboche, acostumada à selvageria mais licenciosa, avessa a toda a disciplina, sujeita à fome, determinada a beber, e, em sua maior parte, doente. Então, se um número considerável de pessoas desta classe pode prontificar-se e submeter-se voluntariamente à disciplina, suportar a privação da bebida, e aplicar-se continuamente à labuta, então haverá um grande exemplo para provar que mesmo esse pior quadro de humanidade, se inteligentemente conduzido, completamente controlado, e sujeito à disciplina, funcionará. Em nossas Casas de Resgate Britânicas recebemos mais de mil desafortunadas a cada ano; enquanto que no mundo inteiro, nossa média anual está em dois mil. O trabalho está em operação há três anos -- um tempo suficientemente longo para nos permitir testar a capacidade dessa classe, em termos completos, no que diz respeito à possibilidade de transformação.

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Conosco não há nada compulsório. Se qualquer menina desejar permanecer, ela permanece. Se ela desejar ir, ela vai. Ninguém é forçado a permanecer um minuto a mais do que deseja. Mas mesmo assim nossa experiência mostra que, como regra, elas não vão embora. Mesmo sendo bem mais inquietas, imprudentes e determinadas a mudar (enquanto classe) do que os homens, quando as meninas aderem a essa batalha, um número considerável delas dificilmente deserta. A média de nossas Casas de Londres, durante os últimos três anos, abarcou apenas 14 por cento delas, conforme elas mesmas dizem, enquanto que durante o ano de 1889 eram apenas 5 por cento. E o número total daquelas que partiram ou foram recusadas durante aquele ano, chega a apenas 13 por cento do total.

IV. -- Eles não trabalhariam. Naturalmente, para quem durante anos a fio conduziu uma vida improdutiva, qualquer coisa parecida com labor e trabalho duro seria bem árduo e penoso, e muita paciência e persuasão poderiam ser requeridos para colocá-los nos trilhos. Talvez alguns estejam desesperadamente além de salvação neste respeito, e, até que o tempo da salvação chegue, se chegar, quando o Governo reconhecer como criminoso deixar um homem capacitado para o trabalho implorar por uma oportunidade de trabalho remunerado, esta classe afligirá um grande número de pessoas. Porém, basta espalhar que há trabalho para quem quiser, para que aqueles homens e mulheres que se mantiveram deliberadamente em inatividade saiam dessa situação. E quando surgir esse gargalo de que um homem não pode comer sem trabalhar, entre passar fome e trabalhar ele escolherá trabalhar, por mais desagradável que seja, por causa da fome. Devemos ter em mente que a penalidade de certas expulsões, muitas vezes mal compreendida, exerce uma boa influência induzindo o preguiçoso a dar ao trabalho o seu devido valor, por isso não há razão para desânimo em conquistar aqueles que são completamente avessos ao trabalho, é perfeitamente possível transformar vadios preguiçosos em sócios realmente produtivos da Sociedade.

Qualquer um que teme este ponto pode ser encorajado a comparar nossos variados e sempre renovados métodos de trabalho, com os monótonos e desinteressantes empregos ordinários dos pobres, e as circunstâncias que os rodeiam.

Aqui, novamente, retornarmos à nossa atual experiência no trabalho de recuperação. Em nossas Casas de Resgate de Mulheres Perdidas não temos nenhuma dificuldade em conseguir que elas trabalhem. A inatividade desta seção dos diversos estratos sociais já foi abordada anteriormente; é inegável e inquestionável que a inatividade delas é a causa de grande parte de sua pobreza e angústia. Mas desde o amanhecer até o romper da noite, em nossas Casas, todas fazem parte de um círculo de ocupação, em grande parte, muito desinteressante; mesmo tendo, com um estímulo humano, apenas serviço doméstico pela frente -- do qual elas não são de nenhuma maneira particularmente apaixonadas -- ainda assim não há qualquer motim, qualquer objeção, qualquer repugnância ao trabalho; na realidade elas parecem bem contentes em ser continuamente estimuladas. Eis aqui um relatório que ensina a mesma lição.

Uma pequena Fábrica de Encadernação funciona em conecção com as Casas de Resgate em Londres. Boa parte do serviço é feito por meninas resgatadas das ruas, as quais, por várias razões, foram consideradas inaptas ao serviço doméstico. A Fábrica resolveu o problema de emprego para alguns dos casos mais difíceis. Duas das meninas que no momento trabalham ali são deficientes, enquanto uma terceira mantém a si e aos seus dois filhos.

Enquanto aprendizes elas vivem nas Casas de Resgate, e são sustentadas pelos fundos da Casa. Tão logo conseguem ganhar 12s. por semana, um alojamento é fornecido a elas (com Salvacionistas, se

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possível), e elas passam a ser completamente mantidas pelos seus próprios recursos. A maioria de nossas meninas que trabalham em Londres, vivem em família, e os 6s., 7s., e 8s. por semana constituem uma aceitável adição à renda da Casa; mas para serem totalmente dependentes de seus próprios salários têm que receber pelo menos 12s. por semana. Para que isso ocorra temos que pagar salários mais altos que outros empregadores. Por exemplo, pagamos de 2 1/2d. a 3d. a mais que o mercado paga pela encadernação de pequenos livros; não obstante, depois de pagar o salário do Gerente, um homem casado, e do superintendente das máquinas, ainda há um lucro de cerca de #500. O trabalho está melhorando. Todo trabalho é feito por encomenda. Dezoito mulheres se sustentam deste modo no momento, e estão se dando muito bem. Algumas delas atuam como contramestre, e ministram a Reunião de Oração às 12.30 hs., os Dois Minutos de Oração após as refeições, etc.. A permanência delas na fábrica está condicionada ao bom comportamento delas -- tanto em casa como no trabalho. Tivemos alguma dificuldade com uma garota, mas mesmo nesse caso solitário a menina arrependeu-se e foi perdoada, e está bem desde então. Eu acho que, sem exceção, elas são Soldadas Salvacionistas, e freqüentam quase todas as reuniões no Domingo, etc.. As encadernações das publicações do Exército de Salvação -- «O Libertador», «Todo Mundo», o Pequeno Cancioneiro, etc., são quase todas feitas por nós mesmos. Um pequeno trabalho para fora é executado todo fim de mês, mas que geralmente não dá lucro nenhum, pagam muito mal.

Dá para ver que trata-se de uma fábrica em miniatura, mas mesmo assim é uma fábrica, e uma fábrica que funciona em bases que admitem um crescimento ilimitado, e que pode, eu acho, ser perfeitamente considerada como um encorajamento e um exemplo do que pode ser realizado, com infinitas variações.

V. -- Novamente, pode ser objetado que a classe cujo benefício contemplamos não teria preparo físico para trabalhar em uma fazenda, ou ao ar livre.

Como é que, questionam, alfaiates, balconistas, tecelões, costureiras, e pessoas pobres, nascidas e criadas em favelas e barracos das cidades e bairros pobres, poderão fazer qualquer trabalho relacionado com a terra? O trabalho ao ar livre, a exposição a todo tipo de tempo, irá matá-los imediatamente.

A isso respondemos que a divisão de trabalho anteriormente descrita torna isto desnecessário, indesejável e antieconômico, não há qualquer necessidade de colocar muitas destas pessoas revolvendo a terra ou plantando. Nem faz parte de nossos planos fazer isso. Em nosso Projeto mostramos que cada um seria designado a fazer aquele tipo de trabalho que já conhece, que é física e intelectualmente capaz de fazer, e ao qual melhor se adapta. Além disso, não pode haver nenhuma possível comparação entre as condições de saúde desfrutadas por homens e mulheres sem-teto que vagam pelas ruas, dormindo nas praças ou debaixo das pontes, vivendo amontoadas em um único cômodo, trabalhando de doze a quatorze horas em antros de exploração [N.T.: no original, sweater's den. Uma antiga versão do moderno sweatshop, aquele estabelecimento escravizante em que os empregados trabalham longas horas a salários de fome, além de outras más condições de higiene e trabalho], e as condições daqueles que vivem em relativo conforto em casas bem aquecidas e ventiladas, bem espaçadas entre si, com abundância de bens, com muito ar livre e comida saudável.

Leve um homem ou uma mulher ao ar livre, dê-lhe exercício apropriado, e alimento adequado. Propicie a eles uma casa confortável, companheiros alegres, e uma perspectiva justa de alcançar uma posição de independência nesta ou em alguma outra terra. Uma renovação completa na saúde e um aumento no vigor será,

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esperamos, um dos primeiros grandes benefícios resultantes.

VI. -- Há quem possa objetar que estaremos diante de um considerável amontoado de pessoas abobalhadas, desamparadas.

Indubitavelmente as dificuldades são reais, e deveríamos estar preparados para o que der e vier. Nós certamente, ao início, deveríamos estar atentos com muitos daqueles que caem em nossas mãos, e não deveríamos ser compelidos a sustentar qualquer um deles. É sempre doloroso ter que mandá-los de volta à vida terrível da qual foram resgatados. Porém, mesmo assim isso não seria tão ruinoso, do ponto de vista financeiro, como alguns poderiam imaginar. Podemos, acreditamos, mantê-los a 4s. por semana, e realmente teriam que ser muito fracos no corpo, e na mente, para não angariar esse montante em algumas nas muitas formas de trabalho que a Colônia disponibilizaria a eles.

VII. -- Novamente, poderão refutar que alguns esforços de caráter semelhante falharam. Por exemplo, os empreendimentos cooperativos agrícolas que não tiveram sucesso.

Verdadeiramente, tanto quanto pude averiguar, nunca nenhum empreendimento do caráter que aqui descrevemos, jamais foi tentado. Um grande número de comunidades Socialistas erigidas fracassaram nos Estados Unidos, Alemanha e outros lugares, mas elas tinham tudo, tanto no princípio como na prática, notavelmente parecido com o que estamos propondo aqui. Com exceção de apenas um particular. Grande parte destas sociedades não somente não tiveram qualquer consideração com os princípios do Cristianismo, como também, na vasta maioria dos exemplos, se colocaram diretamente contra. Resultado, as únicas comunidades baseadas em princípios de cooperação que sobreviveram aos primeiros meses de existência foram justamente aquelas baseadas na verdade Cristã. Se essas comunidades vitoriosas não tiveram o mais absoluto sucesso, tiveram pelo menos um excelente resultado, obtido por esforços ligados à natureza de algumas coisas que proponho aqui. (Conheça detalhes sobre Ralahine, descritos no Apêndice.)

VIII. -- Há quem diga que seria impossível manter a ordem e estabelecer uma boa disciplina nesta classe de pessoas.

Nossa idéia é totalmente oposta. Nós não achamos, temos a mais absoluta certeza disto, e nós falamos de cima da considerável experiência daqueles que lidam com as mais baixas classes da Sociedade. Nós já lidamos com esta dificuldade. E poderemos lidar com ela no presente e no futuro --

Nossa proposta não é botar mil pessoas em um lugar selvagem, indomado, nem aqui nem no estrangeiro. Para a Colônia Ultramar deveríamos enviar apenas aqueles que tiveram um longo período de treinamento neste país. Os candidatos ao envio para a Fazenda Provinciana deveriam ter alguma experiência nos diferentes Estabelecimentos da Cidade. Deveríamos projetar a Propriedade para receber um pequeno número de pessoas, as quais estamos preparados para lidar, e eu não tenho dúvida alguma de que mesmo sem os métodos legais de manutenção da ordem livremente aplicados em casas correcionais e outras instituições similares, teremos uma obediência perfeita à Lei, um grande respeito à autoridade, e um forte espírito de bondade permeando todos os níveis ao longo de toda comunidade, mais do que poderia ser encontrado em qualquer outra instituição na terra.

É necessário ter em mente que nosso Sistema Militar de governo nos qualifica grandemente para esta tarefa. De qualquer maneira, nos dá um bom começo. Toda nossa gente é treinada em hábitos de obediência, e todos nossos Oficiais são educados no exercício da autoridade. Os Oficiais pelas Colônias seriam recrutados exclusivamente das fileiras do Exército, e todo mundo iria para o trabalho, em termos

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práticos e teóricos, familiarizados com os princípios que são a essência da boa disciplina.

Então podemos argumentar, e com fortes argumentos, de cima da experiência real que tivemos na lida com esta classe. Tomemos como experiência o próprio Exército de Salvação. Observe a disciplina de nossos Soldados. Aqui estão homens e mulheres que, sem ter nenhum interesse temporal em jogo, sem receber qualquer remuneração, freqüentemente sacrificam seus interesses terrestres para estar conosco. Veja como eles são alinhados, e obedecem prontamente às ordens, até mesmo quando tais ordens contrariam alguns interesses temporais deles.

«Sim», responderão alguns, «mas isto funciona muito bem com relação àqueles que estão completamente de acordo com seu modo de pensar. Você pode comandá-los como quiser, e eles obedecerão, mas como é que você pode provar sua habilidade no controle e na disciplina daqueles que não pensam como você?»

«Você pode fazer isso com seus Salvacionistas porque eles são salvos, como você diz. Quando os homens nascem novamente você pode fazer qualquer coisa junto com eles. Mas a menos que você converta todos os habitantes da Tenebrosa Inglaterra, que chance haverá deles serem dóceis à sua disciplina? Se eles não fossem profundamente salvos, não tenho nenhuma dúvida de que algo poderia ser feito. Mas se eles não são salvos, estão perdidos. Como posso acreditar que eles se sujeitarão à disciplina?»

Eu admito a força desta objeção; mas eu tenho uma resposta, e uma resposta que parece a mim completa. Uma disciplina, e do tipo mais impiedoso, está sendo imposta a multidões de pessoas neste momento. Nada, nem mesmo a mais rígida disciplina industriosa em seu absolutismo pode, nem por um momento, comparar-se com a escravidão forçada em que empregados, dia após dia, trabalham longas horas a salários de fome, além de outras más condições de higiene e trabalho. Não é uma escolha entre a liberdade e a disciplina que confronta estes desafortunados, mas entre disciplina impiedosamente obrigada pela fome e inspirada pela fútil ganância, e disciplina acompanhada com rações regulares e administrada somente para o próprio benefício patronal. Que liberdade há para alfaiates que têm que coser durante dezesseis a vinte horas por dia, em um porão pestilento, para ganhar dez xelins por semana? Não há nenhuma disciplina tão brutal quanto a desses estabelecimentos escravizantes; não há nenhuma escravidão tão inexorável como aquela que explora suas vítimas. Comparada com a condição normal da existência deles, seria necessário a disciplina mais rigorosa para afiançar o sucesso completo de qualquer nova organização de indivíduos que pretenda escapar da escravidão para a liberdade.

Você pode replicar, «poderia ser assim, se as pessoas entendessem o próprio interesse delas. Mas de fato elas não entendem nada disto, e nunca terão suficiente sagacidade para apreciar as vantagens que lhes são oferecidas».

A isto respondo eu, e aqui também não falo de teoria. Esparramo diante de vocês os resultados averiguados por anos de experiência. Há mais de dois anos atrás, movido pelo alastramento da miséria e pelo desespero dos desempregados, eu abri os Restaurantes e Abrigos Populares [Food and Shelter Depots] em Londres, aqui descritos.

Esses locais são freqüentados todas as noites por um grande número de homens, muitos deles moradores de rua, mesmo os mais pobres, que rastejam pelas calçadas, alguns são criminosos, mesmo diante de uma classe de pessoas tão difícil de administrar como de reunir, conseguimos congregar 200 deles em um único edifício noite após noite, desde a abertura das portas pela noite e até que o último homem parta pela manhã, não há praticamente nenhuma palavra de descontentamento; de qualquer maneira, nenhuma expressão de afronta

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ou palavrões. Nenhum policial é requerido; realmente duas ou três noites de experiência são suficientes para transformar freqüentadores regulares do lugar, por livre e expontânea vontade, em Agentes da Ordem, contentes não apenas em manter os regulamentos do lugar, mas obrigar que os outros o cumpram.

Novamente, todo Colono, seja no âmbito Urbano ou em outro lugar, sabe que aqueles que carregam os interesses da Colônia no coração são leais em sua autoridade e princípios, e a apoiam industriosamente promovendo seus interesses, e que serão adequadamente recompensados através de promoção a posições de influência e de autoridade, que também os levariam a vantagens temporais, presentes e prospectivas.

Mas uma de nossas esperanças principais estaria na apreensão pelos Colonos do fato de que todos nossos esforços foram perpetrados ao lado deles. Todo homem e mulher no lugar saberia que este empreendimento foi iniciado e continuado somente para o benefício deles, e dos outros membros da classe deles, e que apenas sua própria boa conduta e cooperação asseguraria sua parcela pessoal em tais benefícios. De qualquer forma, nossas expectativas estariam em grande parte baseadas na criação de um espírito altruísta, generoso, na comunidade.

IX. Novamente, é contestado que o Projeto é muito vasto para ser tentado através de empreendimento voluntário; deveria ser assumido e levado a cabo pelo próprio Governo.

Talvez, mas não há nenhuma probabilidade real do Governo empreendê-lo, e mesmo que empreendesse, não estamos bastante seguros se tal tentativa provaria sucesso. Vendo que nem Governo, nem Sociedade, nem indivíduos se levantam para empreender o que Deus colocou diante de nós na forma de um trabalho tão vital e tão importante a ser feito. Ele nos encheu de disposição e, em um sentido muito importante, de habilidade. Nós estamos preparados. Se a ajuda financeira for fornecida, se o esforço for levado com determinação, esse empreendimento será não apenas levado a cabo, ele se revelará o mais absoluto sucesso.

X. -- É objetado que as classes que buscamos beneficiar são por demais ignorantes e depravadas para que qualquer esforço Cristão, ou de qualquer espécie, as alcance e as mude.

Olhe para os moradores de rua, os bêbedos, as meretrizes, os criminosos. Quão apegados eles são a seus hábitos de inação e aos seus vícios. Dirão, e realmente já foi dito pelas pessoas com quem eu conversei, que eu não conheço aquela gente; eu acho que isso não tem sustentação, se eu não os conheço, quem conhece?

Eu admito, porém, que milhares desta classe estão muito distantes de todo sentimento, princípio e prática de uma conduta correta. Mas eu defendo que estas pessoas pobres não podem ser mais contrárias ao trabalho de regeneração do que as muitas tribos selvagens e pagãs, em cuja conversão os cristãos acreditam de uma forma universal; e que para isso imploram por grandes somas de dinheiro, e para os quais enviam suas melhores e mais valentes pessoas.

Estas pessoas pobres certamente fazem parte do Divino plano de clemência. Foi justamente a essa classe que o Salvador dedicou uma especial atenção quando esteve na terra, e foi certamente por ela que Ele morreu na Cruz.

Alguns dos melhores exemplos da fé e da prática Cristã, alguns deles inigualáveis pelas suas contribuições em prol do gênero humano, saíram desta classe, da qual temos exemplos registrados na Bíblia. Um bom número deles faz parte da história da Igreja e do Exército de Salvação.

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Pode ser objetado que ao mesmo tempo em que este Projeto socorre uma classe da comunidade tornando-a indubitavelmente trabalhadora, estável, industriosa, tem que prejudicar outras classes na medida em que acrescenta uma grande quantidade de mão-de-obra nova no mercado de trabalho, já tão seriamente abarrotado.

A isso respondemos que embora essa objeção pareça consistente, ela já foi, creio eu, devidamente respondida nas páginas precedentes. Mais adiante, se o aumento de trabalhadores, que este Projeto certamente trará, for seu princípio e seu fim, certamente apresentará um aspecto um tanto quanto sério. Mas, mesmo nessa suposição, eu não vejo como o trabalhador qualificado poderia deixar seus irmãos apodrecer na presente miséria em que estão. A salvação deles, portanto, deveria envolver o compartilhamento de uma porção de seus salários.

(1) Mas não há tal perigo, pois o número de mãos extras que lançaria no Mercado de Trabalho Britânico deve ser necessariamente insignificante.

(2) O aumento de produção de alimento em nossas Fazendas e operações Coloniais indiretamente têm que beneficiar o trabalhador.

(3) Quando o mercado de trabalho absorve um grande número de indivíduos que no momento trabalha apenas parcialmente, na medida em que os beneficia, necessariamente disponibiliza mais postos de trabalho.

(4) Na medida em que cada indivíduo pobre desempregado arruma emprego, torna-se consumidor em potencial. Por exemplo, o ex-alcoólatra que vivia em meio a tijolos, caixotes, e trapos, por mais humilde que possa ser, vai querer no mínimo uma cadeira, uma mesa, uma cama, e outros suplementos necessários para mobiliar uma casa.

Não há nenhuma dúvida de que quando nosso Projeto de Colonização estiver a todo vapor, resgatará não apenas muitos dos que estão no pântano, como também um grande número daqueles que estão à beira dele. Mais ainda, até mesmo os artesãos, angariando o que é considerado bons salários, serão atraídos pelo desejo de melhorar suas circunstâncias, ou de criar seus filhos em ambientes mais favoráveis, ou pelos mais nobres motivos, deixar seu velho país. Então é de se esperar que o camponês e o artesão do vilarejo que está migrando para as grandes metrópoles e cidades dêem preferência à Colônia Ultramar, isso evitará que a acumulação de trabalho barato interfira consideravelmente na manutenção de um padrão elevado de salários.

SEÇÃO 5. RECAPITULAÇÃO. Passo agora em revisão as características principais do Projeto, que eu espero contribuir consideravelmente para a melhora das condições dos mais baixos estratos da nossa Sociedade. Esse Projeto de forma alguma professa ser completo em todos os seus detalhes. Qualquer um pode em qualquer ponto mudar algo aqui ou ali, mudar uma ou outra característica do Projeto, e mostrar algum vácuo que deve ser preenchido para funcionar com eficácia. Porém, há algo que seguramente pode ser dito como desculpa para depreciação do Projeto, quer dizer, é necessário um plano perfeito e esperar pelo Milênio, ora, quando o Milênio chegar já não haverá nenhuma necessidade de projeto algum. Minhas sugestões, tão cruas como poderiam ser, tem, não obstante, um elemento que proverá todas as deficiências a tempo. Há vida nelas, enquanto ha vida há a promessa e o poder de adaptação a todas as inúmeras e variadas circunstâncias da classe com a qual temos que lidar. Onde há vida há um infinito poder de ajuste. Este não é nenhum Projeto inflexível, forjado em um único cérebro e então montado como um padrão para o qual tudo têm que se conformar. É uma planta robusta, que tem suas raízes profundamente fincadas na natureza e nas circunstâncias dos homens. Mais que isso, eu acredito

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que ele está no coração do próprio Deus. Já cresceu muito, e vai, se apropriadamente cuidado e zelado, crescer ainda mais, até que, como a pequena semente de mostarda na parábola, se transforme em uma grande árvore cujos galhos cobrirão toda a terra.

Mais uma vez quero destacar que não reivindico nenhum direito autoral em qualquer parte deste Projeto. Realmente, eu não sei o que há nele que seja ou não original. Antes de formular alguns planos, que eu achava serem novos debaixo do sol, descobri que eles já tinham sido experimentados em diferentes partes do mundo, e com grande promessa. O mesmo pode ter ocorrido com outros planos, e nisto eu me alegro. Não reivindico nenhuma exclusividade. A questão é por demais séria para tal equívoco. Trata-se de milhões de nossos semelhantes perecendo na arrebentação do mar da vida, colidindo e despedaçando-se entre pedras afiadas, tragados por turbilhões de redemoinhos de água, sufocados até mesmo quando pensam que chegaram à praia por traiçoeiras areias movediças; para salvá-los desta destruição iminente eu sugiro que estas coisas sejam feitas. Se você tem algum plano melhor que o meu para efetuar este propósito, no nome de Deus traga-o à luz e trate de levá-lo a cabo depressa. Se você não tem, então me ajude com o meu, como eu me alegraria em ajudar o seu se visse nele maior promessa de sucesso que o meu.

Em um Projeto que visa o desenvolvimento da salvação social, o grande e único teste válido é o sucesso em atingir o alvo para o qual ele foi inventado. Um barril velho e feio boiando no mar e que leva um náufrago até uma praia segura vale mais para ele do que o melhor iate que é incapaz de atingir o mesmo propósito. Os devotos da fina cultura podem torcer o nariz diante da crueza de nossas sugestões na lida com os dez por cento mais pobres, mas um mero recuo não é nenhuma solução. Se os cultos, os respeitáveis, os ortodoxos, as pessoas estabelecidas, e as convenções da Sociedade passam ao largo não podemos seguir seu exemplo.

Podemos não ser clérigos [N.T.: no original, priests] e Levitas, mas podemos fazer o papel do Bom Samaritano pelo menos. O homem que descia para Jericó e que caiu nas mãos dos ladrões provavelmente era um indivíduo bem descuidado, despreocupado, ele deveria ter conhecido melhor a região, e não andar sozinho por áreas imundas infestadas de bandidos. O que é que se pode esperar quando um homem expõe desleixadamente a si mesmo e seus bens ao olhar avarento de salteadores? Não há dúvida de que, em grande parte, foi pelo seu próprio erro e insensatez que ele acabou atacado, ferido e desmaiado, quase morto. A mesma falha é cometida, em grande parte, por aqueles que buscamos socorrer e que são encontramos caídos em situação de desamparo. Seja lá como for, devemos colocar curativos em suas feridas com o bálsamo que tivermos à mão, devemos pegar nossos insensatos e levá-los à nossa Colônia onde possam ter tempo para recuperação, e retomar seu caminho na viagem da vida.

Agora, após essas explicações visando esclarecer as dúvidas de alguns de meus críticos, passo a recapitular as características marcantes do Projeto. Eu coloquei na primeira parte certos pontos que seriam mantidos por encarnarem leis ou princípios invariáveis da economia política, e sem os quais nenhum Projeto pode nem mesmo ter qualquer chance de sucesso. Sujeito a estas condições, acredito que meu Projeto seguirá adiante de forma satisfatória. É suficientemente amplo para contender com os males que nos confrontarão; é praticável, viável, factível, tanto que já está em curso de aplicação, e é capaz de infinita expansão. Mas seria melhor repassar em revisão todo o Projeto em suas características mais salientes. De vários modos, o Projeto buscará propiciar beneficio às classes destituídas, independente de sua entrada nas Colônias. Homens e mulheres talvez muito pobres e em imensa tristeza, mais que isso, à beira da fome, podem estar em circunstâncias tais que os incapacite serem inscritos nas fileiras das Colônias. Para estes, nossos Restaurantes Populares, nossa Agência de Aconselhamento, Nossas

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Oficinas, e outras agências serão de um benefício indizível, tal ajuda temporária provavelmente os ajudará sair do fundo do poço onde lutam. Os que precisam de ajuda permanente irão para a Colônia Urbana, e ficarão diretamente sob nossos cuidados e controle. Aqui eles serão empregados como descrevemos anteriormente. Muitos serão enviados para amigos; e trabalho será encontrado para outros na Cidade ou em outro lugar, se revelarem-se a altura, depois de prova razoável sobre sinceridade e vontade de ajudar a si mesmos na própria salvação, serão enviados para as Colônias Rurais onde o mesmo processo de reforma e treino terá continuidade, e a menos que algum emprego seja obtido, eles passarão para a Colônia Ultramar.

Todos aqueles em circunstâncias de destituição, vício, ou criminalidade receberão ajuda casual ou serão levados à Colônia, desde que estejam ansiosos por libertação, trabalhem para ela, e submetam-se à disciplina, completamente independente de caráter, habilidade, opiniões religiosas, ou qualquer outra coisa.

Nenhum benefício será conferido a qualquer indivíduo sem que haja algum retorno na forma de trabalho, exceto sob circunstâncias extraordinárias. Até mesmo no caso de parentes e amigos proverem dinheiro aos Colonos, cada um deles tem que assumir sua quota de trabalho com seus camaradas. Não daremos guarida a um único preguiçoso ao longo de todos nossos domínios.

O tipo de trabalho que cada indivíduo fará será escolhido conforme seus antigos empregos ou habilidade. Aqueles que têm qualquer conhecimento de agricultura naturalmente serão postos para trabalhar na terra; o sapateiro fará sapatos, o tecelão tecidos, e assim por diante. E quando não houver nenhum conhecimento de qualquer habilidade manual, a aptidão do indivíduo e as necessidades da hora irão determinar o tipo de trabalho mais lucrativo para ele aprender.

Todo tipo de trabalho até onde for possível será executado por mão-de-obra. A atual fúria pelo maquinário, essa corrida do homem à máquina, tende a produzir muita destituição na medida em que a máquina ocupa o lugar da mão-de-obra. Nós queremos, até onde for praticável, retornar da máquina ao humano.

Cada sócio da Colônia receberia comida, roupa, alojamento, medicina, e todo cuidado necessário no caso de doença.

Nenhum salário seria pago -- exceto uma ninharia para os que ocupam cargos de confiança, ou a título de encorajamento pelo bom comportamento e esforço -- para economizar, tendo em vista as exigências de nosso Banco Colonial. Haveria um resíduo para não deixar ninguém com os bolsos vazios.

O Projeto das três Colônias será, para propósitos práticos, considerado como um único projeto; consequentemente o treinamento terá em vista a qualificação dos Colonos para que angariem seu sustento no mundo, ou seja, completamente independente de nossa ajuda, ou, caso fracassemos neste ponto, ajustá-los para que assumam algum trabalho permanente dentro de nossas fronteiras domésticas ou no estrangeiro.

Outro resultado deste vínculo entre Colônias Rurais Urbanas do País será a remoção de uma das dificuldades conectadas com a disponibilização dos produtos ao trabalhador desempregado. A comida da Fazenda seria consumida na Cidade, enquanto que muitos bens produzidos na Cidade seriam consumidos na Fazenda.

O esforço continuado de todos os interessados na reforma destas pessoas inspirará e cultivará esses hábitos, cuja ausência foi em grande parte responsável pela destituição e pelos vícios do passado.

A rígida disciplina, envolvendo cuidadosa e contínua supervisão, seria necessária à manutenção da ordem diante de uma quantidade tão

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grande de pessoas, muitos dos quais até então viveram uma vida selvagem e licenciosa. Nossa principal confiança neste respeito é que o espírito do interesse mútuo prevaleça.

A Colônia inteira provavelmente seria dividida em seções, cada uma delas sob a supervisão de um sargento -- um deles -- trabalhando lado a lado com eles, contudo responsável pela conduta de todos. Os Oficiais dirigentes da Colônia seriam indivíduos dedicados ao trabalho, não para sustento próprio, mas por um desejo de ser útil em minorar o sofrimento do pobre. Em princípio eles seriam selecionados do Exército de Salvação, desde que capacitados para a posição, conheçam as particularidades do trabalho que irão supervisionar, ou sejam bons disciplinadores e tenham a faculdade de controlar homens e infuenciá-los por um espírito de amor. No final das contas os Oficiais seriam, sem dúvida, como é o caso em todas nossas outras operações, homens e mulheres erigidos entre os próprios Colonos, e que vão por conseguinte, possuir algumas qualificações especiais para lidar com aqueles que eles têm que superintender. Os Colonos serão divididos em duas classes: os de 1º classe que não recebem nenhum salário consistirá de: --

(a) Os novatos, cujo caráter, hábitos e habilidades são ainda desconhecidos.

(b) Os menos capazes em força, calibre mental, ou outras capacidades.

(c) O indolente, e aquele cuja conduta e caráter parece duvidoso. Este permaneceria nesta classe, até melhorar o suficiente para uma promoção, ou expulsão caso sua indolência ultrapasse todos os limites.

A 2ª classe teria uma pequena mesada extra, uma parte da qual seria dada aos trabalhadores para uso particular, e uma parte reservada a contingências futuras, o pagamento de despesas de viagens, etc. Desta classe deveríamos obter nossos sargentos, trabalhadores assalariados, emigrantes, etc., etc.

Assim é o Projeto que eu concebi. Se inteligentemente aplicado, e resolutamente perseverado, duvido que não produza uma grande e saudável mudança na condição de muitos dos mais desesperados de nossos compatriotas. Mas esse Projeto pode ser aplicado não apenas aos nossos compatriotas. Em suas características marcantes, com as devidas alterações, pelas diferenças de clima e de raça, pode ser adotado em qualquer cidade no mundo, na tentativa de restabelecer às massas humanas que abarrotam as cidades, os elementos humanos e naturais da vida que eles possuíam quando viviam em quantidades menores na aldeia ou a cidade. Não há nenhuma dúvida que isso é extensamente necessário. Londres é, talvez, o lugar onde as massas populacionais são mais densas que qualquer outra cidade; mas essa densidade existe igualmente nos principais centros populacionais da Nova Inglaterra que pululam além mar, como também nas maiores cidades da Europa. É um fato notável que até o presente momento o melhor acolhimento de boas vindas para com este Projeto tenha vindo de Melbourne onde nossos oficiais foram compelidos a começar operações pela pressão da opinião pública conforme solicitações urgentes do Governo por um lado e dos líderes proletários por outro, antes mesmo do plano ser elaborado, ou de instruções serem enviadas para a orientá-los.

É bastante estranho ouvir falar da angústia da fome que alcança uma cidade como Melbourne, a capital de um novo e grande país que abunda em riqueza natural de todo tipo. Mas Melbourne, também, tem seu desempregado, e em nenhuma outra cidade no Império tivemos mais êxito em lidar com o problema social do que na capital de Victoria. Os documentos australianos durante algumas semanas estiveram abarrotados com relatórios dos procedimentos do Exército de Salvação

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para com o desempregado de Melbourne. Isto foi antes da grande Greve. O Governo de Victoria praticamente entregou a nossos oficiais a tarefa de negociar com os desempregados. O assunto foi debatido na Casa da Assembléia, e ao fim do debate foi tomada uma assinatura de um daqueles que tinham sido nossos oponentes mais extremos, e uma soma de #400 foi entregue a nossos oficiais para impedir que pessoas morressem de fome. Nossa gente encontrou nessa situação não menos de 1.776 pessoas, e está dispensando refeições ao preço de 700 por dia. O Governo de Victoria durante muito tempo tem tomado a dianteira no reconhecimento da obra secular do Exército de Salvação. A seguinte carta foi enviada pelo Ministro do Interior ao Oficial encarregado com a supervisão desta parte de nossas operações, e indica a estima com que somos agraciados.: --

Governo de Victoria, Escritório do Secretário Geral, Melbourne. Melbourne, 4 de julho de 1889.

Ao Superintendente da Obra de Resgate do Exército de Salvação. Sr. -- Atendendo a seu pedido de uma carta de apresentação que possa usar na Inglaterra, tenho muito prazer em declarar que os relatórios fornecidos pelos Funcionários de meu Departamento me convenceram que o trabalho em que vocês estiveram comprometidos durante os últimos seis anos foi materialmente vantajoso para a comunidade. Vocês salvaram do crime alguns que, se não fosse pelo aconselhamento e assistência proporcionada a eles, poderiam ser um permanente peso para o Estado. Vocês tiraram do caminho do crime outros que já tinham sofrido castigo legal pelas suas transgressões. Tenho o prazer de comunicar-lhes que o Conselho Executivo autorizou vocês a apreender crianças encontradas em Bordéis, e se encarregar de tais crianças depois dos procedimentos formais. É inquestionável o grande valor que o trabalho de vocês desenvolve nessa área. É evidente que a presença de vocês e de seus Oficiais nos tribunais e nas prisões tem sido contemplado com resultados benéficos, e o convite para que vocês freqüentem também nossas penitenciárias foi prontamente aprovado pela direção do Departamento. Em geral, eu posso dizer que sua política e procedimento foram recomendados pelos Principais Dirigentes do Governo desta Colônia que observaram seu trabalho.

Seu obediente Servo, com muita honra. (Assinado) ALFRED DEAKIN.

O Parlamento Vitoriano votou uma concessão anual a nossos fundos, não como uma doação religiosa, mas em reconhecimento ao serviço que nós fazemos na recuperação de criminosos, e ao que pode ser chamado, se eu posso usar uma palavra que foi tão abusivamente depravada no Continente, de manutenção da ordem [N.T.: no original, moral police] moral da cidade. Nosso Oficial em Melbourne tem uma posição oficial que abre a ele quase toda instituição Estatal e todos os abrigos do vício onde pode ser necessário entrar na procura a meninas que foram enganadas ou que trilham por caminhos ruins.

Há também em Victoria um sistema de persuasão onde os réus primários são colocados aos cuidados dos Oficiais do Exército de Salvação, os quais, a título de reconhecimento, são prontamente atendidos em suas solicitações. Em cada Tribunal há um Oficial do Exército de Salvação de plantão, e a Brigada Porta de Cadeia [Prison Brigade] sempre está alerta na porta das prisões para conversar, atender e prestar serviços aos prisioneiros que são soltos. Nossos Oficiais também têm acesso livre às prisões onde podem ministrar serviços e podem labutar com seus ocupantes para a Salvação deles. Como Victoria provavelmente é a mais democrática de nossas colônias, e onde o proletariado tem o supremo controle, o fato de seu governo reconhecer o valor de nossas operações é um indicativo suficiente de que os regimes democráticos facilitam nosso trabalho. Na colônia fronteiriça de New South Wales uma senhora nos doou uma fazenda de trezentos acres, onde já começamos as primeiras operações de uma Colônia Rural. Naqueles confins, parece haver perspectivas de que o

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Projeto funcione tão bem como aqui em Londres. O acolhimento carinhoso dispensado aos nossos Oficiais em Melbourne tende a encorajar a expectativa de que o Projeto, pela sua seriedade, será assumido em sua totalidade e entre rapidamente em operação ao redor do mundo.

CAPÍTULO 8. UMA CONCLUSÃO PRATICA. Ao longo deste livro usei constantemente o pronome na primeira pessoa, mais que em qualquer material que tenha escrito. Fiz isto deliberadamente, não por egotismo, mas para deixar claramente manifesto que trata-se de uma proposta definida feita por um indivíduo que está preparado para efetuá-la se os meios forem fornecidos. Quero deixar claro também que pretendo embarcar neste grande empreendimento estribado, não em minha própria força, nem em meus próprios cuidados. A menos que Deus me ajude nessa obra, que acredito ter sido inspirada por Ele, qualquer tentativa de executá-la não resultará outra coisa senão confusão, desastre, e decepção. Mas se Deus é por nós -- e se não é, logo se saberá -- quem será contra? Confiando nEle para orientação, encorajamento, e apoio, proponho entrar imediatamente nesta formidável campanha.

Não me atreveria a entrar nessa empreitada se não fosse chamado. Não me atreveria preencher esse vácuo se não fosse premido pela urgência. Se sou ou não chamado por Deus, e pelos gritos de agonia de sofrimento de homens, mulheres e crianças, Deus deixará isso claro para mim, e para todos nós; como deixou para Gideão quando ele procurou por um sinal diante dele, por uma confirmação da mensageiro divina, em seu empreendimento de conduzir as pessoas escolhidas contra as hostes de Midiã. Da mesma forma eu procuro um sinal. O sinal de Gideão foi arbitrário. Ele acabou fazendo uma seleção. Ele ditou suas próprias condições; e apesar de sua fé vacilante, um sinal foi dado a ele, e por duas vezes. Na primeira vez a lã estava seca com toda terra em volta encharcada de orvalho; na segunda vez a lã estava encharcada de orvalho com toda terra em volta seca.

O sinal que eu peço para me incentivar seguir adiante é único, não duplo. É necessário e não arbitrário, e é de um tipo que até mesmo o céptico mais teimoso ou o materialista mais cínico reconhecerá como suficiente. Para fazer funcionar o Projeto esboçado neste livro, eu tenho que ter amplos meios para fazê-lo. Quanto ao valor necessário para operar este Plano de Campanha em sua plenitude, cobrindo toda a terra com seus galhos carregados de todo tipo de frutos agradáveis, não posso nem mesmo me aventurar conceber. Mas eu tenho uma idéia definida do valor necessário para colocá-lo razoavelmente em operação.

Por que eu falo sobre começar? Nós já começamos, e com que consideráveis resultados! Nossa mão foi forçada pelas circunstâncias. O mero rumor de nosso empreendimento chegou até Antípodes, antes mesmo de ser descrito, e estimulou tal demonstração de aprovação que meus Oficiais foram compelidos a começar agir mesmo antes das ordens chegarem. Neste país temos trabalhado à beira do pântano mortal durante alguns anos, e com resultados maravilhosos. Temos nossos Abrigos, nossas Agências de Trabalho, nossa Fábrica, nossos Escritórios de Informação, nossas Casas de Resgate, nossas Irmãs da Favela, e outras atividades semelhantes, todas em andamento e em boa ordem. A esfera destas operações pode ser ainda limitada; e o que já fizemos é uma ampla prova de que aquilo que eu proponho fazer é muito mais do que eu menciono aqui neste livro; portanto, o sinal que eu peço pode não ser dado, mas mesmo assim eu irei levar a luta adiante nas mesmas linhas. Para levar seriamente adiante esta obra aqui esboçada -- estabelecer a tríplice Colônia, com todas suas agências e filiais -- eu preciso de pelo menos cem mil libras.

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Não há nenhum espírito ditatorial ou arrogante no pedido desse sinal. É uma necessidade. Nem mesmo Moisés poderia ter atravessado os Filhos de Israel com os pés secos através do Mar Vermelho a menos que o mar se abrisse para eles passar.

Esse foi o sinal que deixou claro o que fazer, que deu força à sua fé, e que determinou sua ação. O sinal que eu busco é um pouco semelhante. Dinheiro não é tudo. Não é de forma alguma a coisa principal. Midas, com todos seus milhões, não pôde de forma alguma fazer o que era necessário para vencer a batalha de Waterloo, ou manter a Passagem de Thermopylae. Mas os milhões de Midas são capazes de realizar grandes e poderosas coisas, se esses milhões forem enviados para fazer coisas boas sob a direção da Divina sabedoria e do amor de Cristo.

Quão difícil é para os ricos entrar no Reino dos Céus! É mais fácil convencer cem homens pobres a sacrificar as vidas deles do que induzir um homem rico a sacrificar sua fortuna, ou mesmo uma porção dela, por uma causa que, em sua indiferença, ele parece acreditar.

Quando eu examino o rol de homens e mulheres que deixaram amigos, pais, casas, perspectivas, e tudo o que possuíam para caminhar sob o ardente sol da distante Índia, manter-se com um punhado de arroz, e morrer -- por Deus e pelo Exército de Salvação -- no meio de um tenebroso paganismo , às vezes me maravilho dessa disposição em deixar tudo, até mesmo a própria vida, por uma causa que não tem suficiente poder para induzir um número razoável de pessoas ricas a doar nem mesmo algumas meras superfluidades e luxurias de sua existência. Espera-se muito daqueles que muito tem; mas, ai, ai, quão pouco se recebe deles! Ainda é a viúva que a lança tudo que tem na tesouraria de Deus -- quando aludimos ao dízimo de Deus, o rico julga isto uma sugestão absurda , e revela seu enfado quando pedimos apenas as farpas de pão que caem de suas mesas.

Aqueles que até aqui me acompanharam decidirão por si mesmos até que ponto me ajudarão a levar a cabo este Projeto, ou se não me ajudarão em nada. Acredito que nem diferenças sectárias nem sentimentos religiosos devem ser levados em conta nesta questão. Mesmo que não gostem de meu Salvacionismo, seguramente ele é melhor que estas multidões de miseráveis, infelizes, sem ter nem mesmo alimento para comer, roupas para vestir, e uma casa onde possam repousar seus ossos cansados após o fim de mais um dia de labuta. Mesmo que essas mudanças sejam acompanhadas de algumas noções peculiares e práticas religiosas, por parte desses famintos, nus, moradores de rua, e descrentes de qualquer religião. Deve ser infinitamente preferível que eles falem a verdade, sejam virtuosos, criativos, contentes, e até mesmo que orem a Deus, cantem Salmos, e saiam por aí com camisas vermelhas, fanaticamente, como vocês dizem, «buscando o milênio» -- do que permanecer ladrões ou meretrizes, sem nenhuma fé em Deus, um fardo para a Municipalidade, uma maldição para a Sociedade, e um perigo para o Estado.

O fato de você não gostar do Exército de Salvação, eu me aventuro a dizer, não é nenhuma justificativa para impedir sua simpatia e cooperação prática em levar a cabo um Projeto que promete tanta bem-aventurança aos membros da raça humana. Você pode não gostar de nosso governo, de nossos métodos, de nossa fé. Seu sentimento para conosco talvez possa ser descrito apropriadamente por uma observação que escapou da boca de um célebre líder no mundo evangelístico, o qual, quando perguntado sobre o que pensava do Exército de Salvação, respondeu que «não gostava nem um pouco», mas que acreditava «ter sido criado pelo Deus Todo Poderoso». Talvez, como entidade, podemos não estar exatamente de acordo com seu modo de pensar, mas essa não é a questão. Olhe para aquele oceano em trevas, onde tudo aquilo que é humano está destruído, se contorcendo em angústia e desespero. A questão é como salvar esses desafortunados. O caráter particular dos

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métodos empregados, os estranhos uniformes usados pela tripulação do barco salva-vidas, o barulho feito pelos motores, e os gritos de entrosamento entre resgatados e resgatadores, tudo isso pode ser contrário ao seu gosto e às suas tradições. Mas todas estas objeções e antipatias são secundárias, nada disso pode ser comparado ao resgate das pessoas para fora daquele mar de escuridão.

Se entre meus leitores há alguém que, ciente deste Projeto que aqui apresento, mas que pelos mais variados motivos e meios se recusa contribuir até mesmo com um único centavo que seja, a atitude dessa pessoa é, pelo menos, vergonhosa. Pode haver quem acredite que os homens que foram literalmente martirizados nesta causa enfrentaram a morte por causa dos vis cobres que colecionaram para manter unidos corpo e alma. Gente que pensa assim possivelmente não pode achar nenhuma dificuldade em persuadir-se de que este Projeto não é outra coisa senão mais uma tentativa de obter dinheiro para aumentar aquela fortuna mítica que eu -- que nunca tirei um centavo dos fundos do Exército de Salvação além de meras despesas corriqueiras -- supostamente estou acumulando. Dessas pessoas peço apenas que paguem pelo seu abuso, e asseguro que, por pior que falem de mim, seriam mais brandos em suas infâmias se estivessem corretos na interpretação de meus motivos.

Aparentemente há apenas duas razões para justificar a qualquer homem, com um coração no peito, recusar cooperar comigo neste Projeto: --

1. Ele deve ter uma convicção honesta e inteligente de que este Projeto não pode ser levado a cabo com nenhuma medida razoável de sucesso; ou,

2. Que ele (o objetor) está preparado com algum outro plano que efetivamente alcançará a finalidade que meu Projeto contempla.

Vamos considerar a segunda razão primeiro. Se você tem algum plano que promete efetivar a libertação destas multidões mais diretamente que o meu, eu lhe imploro que o coloque imediatamente em execução.

Deixe-o visível à luz do dia. Mostre-nos não apenas sua teoria, mostre-nos também as evidências que provam seu caráter prático e que asseguram seu sucesso. Se seu plano suportar um exame meticuloso, então vou considerá-lo aliviado da obrigação de ajudar-me -- mais que isso, se depois de uma completa análise de seu plano eu considerá-lo melhor que o meu, eu deixarei meu plano de lado, colocarei meu plano na gaveta, e vou ajudá-lo em seu plano com todas as minhas forças. Mas se você não tiver nada a oferecer, eu exijo sua ajuda em nome desses cuja causa pelejo.

Agora, diante de sua primeira objeção que julgo poder expressar-se em uma palavra -- «impossível». Essa objeção, se bem fundada, é igualmente fatal a minhas propostas. Mas, em resposta, posso dizer -- Como você sabe? Você já investigou? Assumirei que você leu o livro, e que o considerou devidamente. Seguramente você não rejeitaria um tema tão importante sem alguma reflexão. Entretanto, meus argumentos podem não ter peso suficiente para propiciar uma convicção, mas você tem que admitir que eles tem suficiente importância para merecer uma investigação. Então venha e veja por você mesmo o que já foi feito, ou, pelo menos, o que estamos fazendo agora. Se não puder, envie alguém que confie e que seja capaz fazer um julgamento justo. Não me importo quem você envie. É verdade que as coisas do Espírito são espiritualmente discernidas, mas as coisas da humanidade qualquer homem pode julgar, seja santo ou pecador, desde que tenha uma inteligência comum e um sentido ordinário de compaixão.

Porém, se puder, prefira um investigador que tenha um pouco de conhecimento prático de economia social, e eu ficaria bem mais contente se ele tivesse gasto um pouco do seu próprio tempo e um

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pouco de seu próprio dinheiro tentando ele mesmo fazer esse tipo de trabalho. Após tal investigação acredito que haveria apenas um resultado.

Tenho mais um argumento a oferecer aos que eventualmente buscam desculpas para não prestar qualquer ajuda financeira ao Projeto.

Esse Projeto não merece uma chance pelo menos a título de experiência? Dezenas de milhares de libras são anualmente gastas em «tentativas» com respeito a minerais, perfurações para encontrar carvão, água, creio que há aqueles que acham que isso vale a pena, que compensa gastar centenas de milhares de libras, que é válido efetuar experiências para verificar a possibilidade de fazer um túnel sob o mar entre este país e a França. Se estes aventureiros falham em suas variadas operações, eles têm, pelo menos, a satisfação de saber, mesmo que sejam gastas centenas de milhares de libras, que elas não foram perdidas, e não reclamarão; porque pelo menos tentaram realizar algo que sentiram que deveria ser feito; e que tentar fazer as coisas é um dever, tentar fazer algo mesmo falhando é melhor que nunca tentar nada. Neste livro acreditamos ter encontrado uma razão suficiente para justificar a aplicação do dinheiro e o esforço envolvido na execução desta experiência. Se, todavia, o esforço não terminar nesse grande sucesso que predigo tão confiantemente -- o qual todos temos que desejar ardentemente, e não apenas desejar, mas ter a satisfação de tentar algum tipo de libertação para estas pessoas miseráveis -- pelo menos haverá resultados que reembolsarão amplamente cada centavo gasto na experiência.

Tenho agora sessenta e um anos de idade. Nos últimos dezoito meses minha sócia ininterrupta em todas minhas atividades durante quase quarenta anos tem sido vítima de um indizível sofrimento, um sofrimento a mais que se soma aos muitos anteriores, para esgotamento de meu termo de serviço. Eu já sinto algo daquela pressão que levou o agonizante Imperador da Alemanha a dizer, «eu não tenho tempo nem mesmo para ficar cansado». Se eu consigo ver a realização desta minha expectativa em qualquer grau considerável, sem demora devo receber permissão para embarcar neste empreendimento, com o fardo mundial que pesa constantemente sobre meus ombros com relação à missão universal de nosso Exército, eu não posso lutar sozinho nesse campo.

Mas eu confio que as classes altas e médias finalmente estão acordando de seu longo sono com respeito à melhora permanente dessa multidão que têm até aqui sido considerada como sendo eternamente condenada ao abandono e ao desespero. É uma verdadeira vergonha para a Inglaterra se -- a exemplo do Imperador e do Governo da Alemanha em nossos dias -- simplesmente encolhermos nossos ombros, e novamente voltarmos nossa atenção para nossos negócios ou para nossos prazeres deixando estas multidões de miseráveis nas sarjetas onde eles têm permanecido por tanto tempo. Não, não, não; o tempo é curto. Levantemo-nos em nome de Deus e da humanidade, e limpemos este triste estigma da bandeira britânica de que nossos cavalos são melhor tratados do que nossos trabalhadores.

Será visto que este Projeto contém muitas sucursais. É provável que alguns de meus leitores sejam incapazes de endossar o plano como um todo, que alguns cordialmente aprovem algumas de suas características. É provável que outros, embora o aprovem cordialmente, não tenham nenhuma disposição de subscrevê-lo. Onde isto ocorrer, estaremos alegres deles nos ajudar levar a cabo as porções do empreendimento que mais especialmente são do agrado deles e que é recomendável em seu julgamento. Por exemplo, um homem pode acreditar na Colônia Ultramar, mas não sente nenhum interesse na Associação Anti-Alcoólica; outro pode não simpatizar com a emigração, mas pode desejar ajudar em uma Fábrica ou Casa de Resgate; um terceiro pode desejar doar uma propriedade, ajudar no Restaurante e no Abrigo, ou no ampliamento da Brigada da Favela.

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Agora, embora eu considere o Projeto como uno e indivisível -- do qual você não pode retirar nenhuma porção sem prejudicar o prospecto como um todo -- é bastante praticável administrar a subscrição do dinheiro de forma que os desejos de cada doador possa ser levado a cabo. Então, as subscrições podem ser enviadas tanto para dentro de um fundo geral do Projeto Social, como podem ser dedicadas de acordo com a vontade do doador a quaisquer dos seguintes distintos fundos: --

1. Colônia Urbana. 2. Colônia Rural. 3. Colônia Ultramar. 4. Brigada de Resgate Doméstico. 5. Casas de Resgate para Mulheres Caídas. 6. Associação Anti-Alcoólica. 7. Brigada Porta de Cadeia. 8. Banco do Homem Pobre. 9. Advogado do Homem Pobre. 10. Whitechapel Marinha.

Ou qualquer outro departamento sugerido anteriormente. Ao fazer este apelo, refiro-me principalmente aos que têm dinheiro; mas dinheiro, mesmo sendo indispensável, nunca foi a coisa mais necessária. O dinheiro é o nervo da guerra; e, da forma como a presente sociedade é constituída, nenhuma guerra, seja carnal ou espiritual pode ser travada sem dinheiro. Mas há algo ainda mais necessário que dinheiro. Nenhuma guerra pode ser empreendida sem soldados. Um Wellington pode fazer muito mais em uma campanha que um Rothschild. Mais que dinheiro -- bem mais, muito mais -- eu quero homens; e quando eu digo homens, eu também quero dizer mulheres -- homens experimentados, homens inteligentes, homens sensíveis, e homens de Deus.

Nesta grande expedição, estou começando por um terreno com o qual estou bem familiarizado, e em certo sentido, entrando em uma terra desconhecida. Esse terreno é novidade para minha gente. Treinamos nossos soldados para salvar almas, ensinamos nossos soldados a dobrar seus joelhos, instruímos nossos soldados na arte e no mistério de lidar com as consciências e com os corações dos homens; e esses continuarão sendo os elementos principais de suas vidas. Salvar a alma, regenerar a vida, e inspirar o espírito com o amor eterno de Cristo é a obra à qual todos os outros deveres devem estar estritamente subordinados nos Soldados do Exército de Salvação. Mas a nova esfera na qual estamos entrando pedirá faculdades diferentes das que temos até aqui cultivado, e pedirá conhecimentos de caráter diferente; e os que têm estes dons, e que detêm informações práticas, serão extremamente necessários.

Nesse momento nosso trabalho de Salvação mundial passa a limpo as energias de todo Oficial sob nosso comando. Pela sua extensão temos a maior dificuldade para manter o passo; e, quando este Projeto tiver que ser levado na prática, enfrentaremos dilemas maiores do que os que enfrentamos agora. De fato, haverá emprego para uma multidão de energias e talentos que agora repousam dormentes, não obstante, esta amplitude taxará ao extremo nossos recursos. Devido a isto, reforços serão indispensáveis. Precisaremos dos melhores cérebros, das pessoas mais experimentadas, e da energia mais destemida da comunidade.

Eu quero Recrutas, mas não posso amolecer as condições para atrair homens para nossas Cores. Eu não quero nenhum camarada nestas condições, quero os que conhecem nossas regras e estão preparados para submeter-se à nossa disciplina: aqueles que se unem a nós nos grandes princípios são os que determinam nossa ação, cujo coração está nesta grande obra para a melhoria da terrível multidão de proscritos e perdidos. A estes dou boas-vindas ao serviço.

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Pode ser que você não consegue dirigir uma reunião ao ar livre, nem administrar uma reunião em recinto fechado. Pode ser que a labuta por almas seja uma coisa que você nunca fez até agora. Nas vinhas de Deus, porém, há muitos trabalhadores, e não é necessário que todos façam a mesma coisa. Se você tem um conhecimento prático de quaisquer uma dessas variadas operações mencionadas neste livro; se você está familiarizado com agricultura, entende sobre construção de edifícios, ou tem um conhecimento prático de algum tipo de indústria, há um lugar para você.

Não podemos lhe oferecer bons salários, posição social, ou qualquer resplendor e brilho de glória humana; na realidade, podemos prometer pouco mais que rações, bastante trabalho duro, e provavelmente não serão poucas as vezes em que você será desprezado por pessoas mundanas; mas se em geral você acha que não pode de forma alguma ajudar seu Deus e abençoar a humanidade, você pode corajosamente enfrentar a oposição de amigos, abandonar prospectos terrestres, pisotear seu orgulho, sair e segui-Lo nesta Nova Cruzada.

Para você que acredita no remédio aqui proposto, e na inteireza destes planos, para você que tem a habilidade para me ajudar, eu apelo agora confiantemente para a evidência prática da fé que está em você. A responsabilidade já não é só minha. É tanto minha como tua. É até mesmo mais tua do que minha se você detêm os meios pelos quais eu posso levar a cabo o Projeto. Eu dou o que eu tenho. Se você dá o que você tem a obra será feita. Se não for feita, se o rio tenebroso da miséria continuar seu curso, tão largo e tão fundo como está, as conseqüências baterão à porta daquele que virar as costas. Eu sou apenas um homem entre companheiros, igual a você. A obrigação para cuidar destas multidões de perdidos e arruinados não repousa em mim mais do que em você. A mim veio a idéia, mas a você veio os meios pelos quais pode ser realizada. O Plano foi agora publicado em todo o mundo; você está com a palavra para dizer se ele vai permanecer estéril, ou se vai frutificar em inumeráveis bênçãos para todos os filhos dos homens.

APÊNDICE(*) (*) [N.E.: Por não termos acesso à versão impressa de «The Darkest England and the Way Out» alguns dados estatísticos aparecem embaralhados como na versão eletrônica inglesa que dispomos]

1. Exército de Salvação -- Um Resumo -- Posição das Forças, outubro de 1890.

2. Circular, Formulários de Registro, e notas recentes do Bureau de Trabalho.

3. A Experiência Bavariana de Rumford.

4. O Experimento Cooperativo de Ralahine.

5. O Sr. Carlyle e a Arrimentação de Desempregados.

6. «Cristandade e Civilização», pelo Rev. Dr. Barry.

O EXÉRCITO DE SALVAÇÃO

Posição de nossas forças em outubro de 1890.

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O TRABALHO SOCIAL DO EXÉRCITO.

Casas de Resgate (mulheres decaídas) ... ... 33 Postos nas Favelas... ... ... ... ... .. ... 33 Brigada Porta de Cadeia .... ... ....... ... 10 Restaurantes Populares ... ... ... ...... ... 4 Abrigos para Moradores de Rua .. ....... .... 5 Associações Anti-Alcoólicas..... ..... ... .. 1 Fabrica para «desempregados»....... .. ... .. 1 Bureaux de Trabalhadores .... ... ... ... ... 2

Total de Estabelecimentos 384

Circulação anual: 33.400.000 Circulação anual de outra publicações: 4.000.000 ----------- Circulação anual total da literatura salvacionista: 37.400.000 -----------

No Reino Unido --

«Brado de Guerra» 300.000 semanais «Jovem Soldado» 126.750 semanais «All the World» 50.000 mensais «The Deliverer» 48.000 mensais

RELATÓRIOS GERAIS E ESTATÍSTICAS.

Custo Anual de Alojamentos. Quartel para Treinamento de Oficiais (Reino Unido) 28 #11,500 (Estrangeiro) 38 760

Furgões grandes para Evangelizar Aldeias (apelidados de Fortes da Cavalaria)

Casas de Repouso para Oficiais 24 240 10.000

Reuniões em recinto fechado, semanais 28.351

Reuniões ao ar livre semanais (principalmente na Inglaterra e Colônias) 21.467 ------- Total Reuniões semanais 49.818 -------

Número de Casas visitadas semanalmente (apenas na Grã Bretanha) 54.000

Número de Colônias e Países ocupados

Línguas em que nossa Literatura é distribuída 15

Línguas em que a Salvação é pregada por nossos Oficiais 29

Número de Oficiais Locais (Oficiais Não Comissionados) e Músicos 23.069

Número de Escriturários e Empregados em Escritório 471

Recepção semanal comum de telegramas, 600 e cartas, 5.400 no Quartel de Londres

Soma levantada anualmente de todas as fontes pelo Exército #750.000

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Os Balancetes, propriamente elaborados por contadores profissionais, são anualmente emitidos em conexão com o Quartel Internacional. Veja o Relatório Anual de 1889 -- «Apostolic Warfare».

Também são produzidos trimestralmente Balancetes de cada Corpo do Exército no mundo, são examinados e assinados pelos Oficiais Locais. Balancetes Divisionais são emitidos mensalmente e examinados por um Departamento Especial do Quartel.

Balancetes própria e independentemente auditados de cada Quartel Territorial também são emitidos anualmente.

LIGA DE AUXILIO.

1. -- Pessoas que, sem necessariamente endossar ou aprovar individualmente cada método usado pelo Exército de Salvação, está suficientemente sensibilizado com seu grande trabalho na recuperação de alcoólicos, resgatando os caídos -- em uma palavra, salvando o perdido -- e que doam suas ORAÇÕES, INFLUÊNCIA, E DINHEIRO.

2. -- Pessoas que, embora olhando as coisas da mesma perspectiva do Exército, não podem unir-se a ele, por estar ativamente comprometidos no trabalho das próprias denominações deles, por causa de saúde ruim ou outras fraquezas que proíbem levar qualquer parte ativa no trabalho cristão. Ou são matriculadas como Subscritores ou Coletores Auxiliares.

A Liga inclui pessoas de influência e posição, membros de quase todas as denominações, e muitos ministros.

PUBLICAÇÕES. -- Auxiliares sempre serão providos com cópias gratuitas de nosso Relatório, Balancete Anual e outros folhetos que são produzidos e distribuídos pelo Quartel. Alguns de nossos Auxiliares tem nos ajudado materialmente distribuindo nossa literatura por toda parte, e fazendo arranjos para a provisão regular de salas de espera, clínicas hidropáticas, e hotéis, ajudando a dispersar o preconceito que muitos tem com a obra do Exército.

«All The World» postado gratuita e regularmente a cada mês por Auxiliares.

Para informação adicional, e para pormenores da obra do Exército de Salvação em sua totalidade, solicite pessoalmente ou por carta ao GENERAL BOOTH, ou para o Secretário Financeiro no Quartel Internacional, 101, Rainha Victoria St., Londres, E.C., aos quais as contribuições também devem ser enviadas.

Cheques e Postal Orders cruzados no «City Bank».

EXÉRCITO DE SALVAÇÃO: UM RESUMO.

ESCRITO POR UM OFICIAL DE SETENTA ANOS. Que é Exército de Salvação?

É uma Organização que existe para efetuar uma revolução radical na condição espiritual da maior parte das pessoas em todo o mundo. Seu alvo é não apenas produzir uma mudança na opinião, sentimento, e princípios destas vastas populações, mas alterar o curso inteiro de suas vidas, de forma que em vez de passar o tempo delas em frivolidades e farras, se não nas formas mais totais de vício, gastarão seu tempo servindo sua geração e adorando a Deus. Opera principalmente em países de confissão Cristã onde a maioria das pessoas cessou, de uma forma ou de outra, de adorar publicamente a Jesus Cristo, ou de submeter-se à Sua autoridade. Até que ponto o Exército teve sucesso?

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Sua bandeira está desfraldada agora em 34 países ou colônias sob a liderança de quase 10.000 homens e mulheres cujas vidas estão completamente dedicadas à obra, organizando 49.800 reuniões religiosas todas as semanas, e assistidas por milhões de pessoas que dez anos atrás ririam dessa possibilidade.

Estas operações constituem os meios utilizados para seu crescimento, como pode ser visto, especialmente diante do fato de que o Exército tem 27 jornais semanais, com nada menos que 31.000.000 cópias que são vendidas nas ruas, restaurantes, e recantos populares da maioria irreligiosa. Isso para que eventualmente estas multidões de homens e mulheres sejam convertidas.

Essas coisas não significam a criação de um mero e efêmero fogo de palha, principalmente pelo fato do Exército ter acumulado nada menos que #775.000 em propriedades, seus salões de reuniões pagam aluguéis que chegam a #220.000 por ano, e tem uma renda total por ano, das mais diversas fontes, que atinge 3/4 de milhão de libras por ano. Agora considere como se conseguiu tudo isso. Em apenas vinte e cinco anos o autor deste livro levantou-se absolutamente só na Zona Leste de Londres, para Cristianizar multidões irreligiosas, sem conceber em sua mente, nem mesmo remotamente, da possibilidade de tal Organização ser criada.

Vamos considerar os obstáculos que o Exército de Salvação encontrou pelo caminho.

O Exercito de Salvação tem enfrentado em cada país uma forma de preconceito universal, desconfiança, e desprezo, e freqüentemente uma forte antipatia. Esta oposição geralmente é expressa de uma forma sistemática através de restrições impostas por Governos e pela Polícia, que em muitos casos resultam em prisões, e efusões condenatórias por parte de Bispos, Clero, Imprensa e outros, naturalmente muitas vezes seguidos por pragas, maldições, gritos e insultos da populaça. Por tudo isso, em país após país, o Exército constrói seu espaço e conquista uma posição de respeito universal. E o que tem feito para conquistar esse respeito? Onde quer que o Exército vá ele convida para suas reuniões, em primeiro lugar, aquela multidão de pessoas humildes, gente violenta e homens blasfemos. Muitas vezes, quando descobrem a ausência de qualquer tipo de repressão policial, interrompem os serviços, e freqüentemente atacam os Oficiais do Exército ou suas propriedades com violência. Não obstante casais de Oficiais enfrentem a audiência com a absoluta certeza de recrutar pessoas para os Corpos do Exército, muitos milhares deles que são agora proeminentes nas fileiras do Exército jamais tiveram qualquer idéia do que fosse uma pregação antes deles assistirem seus serviços; e boa parte deles se convenceram profundamente de que todo conceito anterior que tinham a respeito de religião era totalmente falso. Foi com este tipo de material que Deus construiu aquilo que se considera uma das corporações cristãs mais fervorosas da face da terra.

Muitas pessoas que observam o progresso do Exército revelaram um estranho desejo de discernimento, falando e escrevendo como se tudo isso fosse um mero modismo incidental, ou como se um indivíduo pudesse pela simples força de vontade produzir tais mudanças nas vidas dos outros, aleatoriamente. A mais leve reflexão será suficiente para convencer qualquer indivíduo imparcial de que os gigantescos resultados atingidos pelo Exército de Salvação só poderiam ser alcançados pelos mesmos processos de adaptação, desenhados para alcançar suas finalidades. E quais são os processos pelos quais este grande Exército foi feito?

1. A base de todo sucesso do Exército de Salvação, sem considerar sua fonte divina de força, é seu contínuo ataque direto ao mal buscando pessoas para colocá-las sob a influência do Evangelho. O Oficial do Exército de Salvação, em vez de se colocar em cima de

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algum pedestal de dignidade para descrever a condição de decadência dos membros da raça humana, na esperança de mantê-los distante de sua pessoa, por um processo misterioso, ele vive uma vida melhor, pelas ruas, de porta em porta, e de casa em casa, pondo suas mãos naqueles que estão espiritualmente doentes, e conduzindo-os ao Médico Todo-Poderoso. Em sua forma de falar e escrever o Exército constantemente exibe esta mesma característica. Em vez de propor teorias religiosas ou fingir ensinar algum sistema teológico, fala bem ao estilo do velho Profeta ou Apóstolo, a cada indivíduo, sobre seu pecado e dever, procurando trazer luz e o poder do céu a cada coração e consciência, pois apenas assim o mundo pode ser transformado.

2. E passo por passo, juntamente com este contato humano inequívoco vai algo que não é humano.

A perplexidade e a contradição da maioria dos críticos das fontes que fizeram brotar este Exército surge indubitavelmente do fato de que eles elaboram respostas para seu sucesso sem admitir qualquer poder sobre-humano assistindo seu ministério, contudo, dia após dia, e noite após noite, os fatos maravilhosos vão se multiplicando. O homem que ontem à noite estava bêbado em uma favela de Londres, está na noite seguinte defendendo Cristo em uma plataforma do Exército. O céptico inteligente que algumas semanas atrás interrompia os oradores em Berlim, vertendo desprezo às reivindicações deles por um conhecimento pessoal do Salvador invisível, é no dia seguinte um crente completo como qualquer um dos demais. A menina pobre, perdida, envergonhada, que há um mês atrás perambulava faminta pelas ruas de Paris, é hoje uma dedicada e modesta seguidora de Cristo, trabalhando em situação humilde. Para os que admitem que temos razão dizendo «isto é obra de Deus», tudo é bem simples, e nossa certeza de que os feios sedimentos da Sociedade podem tornar-se seus ornamentos não requer nenhuma explicação adicional.

3. Porém, todos estes milagres modernos teriam sido comparativamente inúteis não fosse o sistema do Exército de utilizar os dons e a energia de nossos convertidos. Suponha que sem qualquer reivindicação do poder Divino o Exército tivesse sucesso em levantar dezenas de milhares de pessoas, desconhecidas e aparte da comunidade, e as transformasse em Cantores, Oradores, Músicos, e Lideranças, isso é seguramente por si só um fato notável. Mas essas pessoas não apenas se engajam em várias labutas em benefício da comunidade. Elas são tomadas por uma ambição ardente de atingir o mais alto grau possível de utilidade. Ninguém deseja mais do que nós ver a continuação desse mesmo processo vitorioso entre nossos novos amigos da Custódia Casual e da Favela. E se o Exército pôde realizar tudo isso utilizando talentos humanos para os mais elevados propósitos, apesar de predominar quase universalmente no seio das Igrejas uma prática contrária, o que é que se pode esperar da Ala Social, diante do exemplo do Exército?

4. A manutenção de todo esse sistema, naturalmente, ocorre em grande parte devido à aceitação completa do governo e da disciplina militar. Mas diante disto não podemos fechar os olhos ao fato de que até mesmo em nossas próprias fileiras as dificuldades surgem diariamente em virtude da lida dessas pessoas que eram antigamente opressores e ofensivos. O velho sentimento que teria mantido Paulo suspeito, obscuro, depois da conversão dele é, infelizmente, uma parte da base conservadora da natureza humana que continua existindo em toda parte, fato que tem que ser superado pela rígida disciplina que dá segurança em todos os lugares e em todo o tempo, o novo convertido deve ser tornado o mais importante para Cristo. Mas nosso sistema Militar é um grande fato indisputável, tanto que nossos inimigos às vezes nos reprovam por este motivo. A possibilidade de criar uma Organização Militar, e afiançar execução fiel do dever diário realmente é uma maravilha, mas uma maravilha realizada, completamente da mesma maneira como é entre os Republicanos da

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América e da França, entre os bem treinados militares alemães, ou os súditos da monarquia britânica. É notório que podemos enviar um oficial de Londres, desprovido de qualquer habilidade extraordinária, para assumir o comando de qualquer corpo de exército no mundo, com a certeza de que ele encontrará soldados ansiosos em atender suas solicitações, e sem um pensamento que questione seu comando, soldados que tanto quanto ele continuam fiéis às ordens e regulamentos sob os quais estão alistados.

5. Mas os que mostram uma curiosa ignorância a respeito do sucesso de nossa disciplina, como se ela fosse algo parecido com uma ordem de prisão, como aquela que é forçada por um carcereiro ou um padre católico. Pelo contrário, se a disciplina do Exército de Salvação estivesse em extinção, e seu sucesso regular durante algum tempo interrompido, certamente teria sido por uma tentativa de pedir algo sem o necessário espírito jovial, sem a alegria do amor, que é sua fonte principal. Ninguém pode familiarizar-se com nossos soldados em parte alguma da terra sem ser imediatamente golpeado com a alegria extraordinária de nossa gente, e esta alegria é por si só um dos elementos que mais contribui para o crescimento, influência e sucesso do Exército de Salvação. Mas se isto é assim, entre todas as coisas boas que o Exército de Salvação faz, julgo que é provável que seus melhores resultados estejam entre os mais pobres e os mais miseráveis! Entre aqueles que nunca conheceram dias luminosos, e a mera visão de uma face feliz significa uma grande revelação e inspiração para eles.

6. Mas o sucesso do Exército de Salvação não vem com rapidez mágica; esse sucesso depende, assim como qualquer trabalho real, de uma infinita perseverança. Sem falar da perseverança do Oficial que fez da salvação dos homens o trabalho de sua vida, o do qual, ocupado e absorto com este grande alvo, espera-se naturalmente que permaneça fiel, há multidões desses nossos Soldados que, após a labuta de um dia duro pelo pão diário deles, em vez de algumas horas de lazer, dedica boa parte de seu tempo livre para o serviço da Guerra. Vez após vez, ouvimos algo sobre algum Soldado do Exército de Salvação que detém um respeito quase universal em sua cidade, mas que antigamente era conhecido como malfeitor, e ouvimos também que este homem, desde a data de sua conversão, cinco a dez anos atrás, raramente esteve ausente do seu posto, e nunca sem uma boa razão para isto. Sua função pode ter sido comparativamente insignificante, «apenas um guardião de porta», e «apenas um vendedor de Brado de Guerra», contudo domingo após de domingo, noite após noite, ele está presente, não importa quem seja o oficial dirigente, ele faz a sua parte, ele é paciente, animado, pronto para socorrer o aflito, e revela fidelidade sem vacilar em nada. A continuação deste processo de compaixão depende em grande parte de liderança, e a criação e a manutenção desta liderança foi uma das maravilhas do Movimento.

Temos hoje homens respeitados e reverenciados ao longo do país, despertando multidões para um serviço mais dedicado, homens que alguns anos atrás foram notórios campeões de iniqüidade em quase toda forma de vício, e alguns deles foram cabeças de motim em oposição violenta contra o Exército. Temos o direito de acreditar que nessas mesmas linhas Deus está levantando líderes, de uma forma infinita e imensurável.

Por trás de todo sucesso do Exército de Salvação há uma força contra a qual o mundo pode zombar, mas sem a qual as misérias do mundo não podem ser removidas, a força daquele Divino amor que inspirou o Calvário, a força que Deus pode transmitir pelo Seu espírito para os corações humanos em nossos dias.

É lamentável ver homens inteligentes tentando considerar, sem admitir este grande fato, a abnegação e o sucesso dos Oficiais e Soldados Salvacionistas. Se aqueles que desejam entender o Exército considerassem apenas a dificuldade de gastar até vinte e quatro horas com sua gente, quão diferentes em quase todos os sentidos

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seriam as conclusões a que chegariam. Meia hora gasta ao lado de muitos de nossos oficiais seria suficiente para convencer, até mesmo o trabalhador bem sucedido, que a vida não pode ser vivida com felicidade em tais circunstâncias sem um pouco daquele poder sobrenatural que tanto sustenta como alegra a alma, completamente independentemente dos ambientes terrestres.

O Projeto proposto neste livro, estamos bem satisfeitos com ele, jamais teria qualquer chance de sucesso não fosse o fato de termos uma vasta provisão de homens e mulheres, com o amor de Cristo regendo seus corações, preparados para dedicar suas vidas a um esforço de auto-sacrifício em benefício do mais vil e do mais rude, uma dedicação que significa o mais alto dos privilégios. Mas mesmo com tais homens e mulheres ousamos dizer que a realização deste estupendo empreendimento seria impossível sem a ajuda material que o Exército de Salvação necessita para colocá-lo em prática.

A OBRA SOCIAL DO EXÉRCITO DE SALVAÇÃO.

Quartel General Temporário 36, UPPER THAMES STREET, LONDRES, E.C.

OBJETIVOS. -- Reunir empregadores e trabalhadores para a vantagem mútua deles. Fazendo conhecer os desejos de cada uma das partes, provendo um método efetivo de comunicação.

PLANO DE OPERAÇÃO. -- A Abertura de um Escritório Central de Registro, que no momento funciona no endereço acima, onde uma série de informações serão colocadas a disposição para livre consulta de empregadores, empregados, e qualquer pessoa interessada.

Salas de espera públicas (masculinas e femininas) na qual o desempregado pode vir com a finalidade de esquadrinhar jornais, inserir anúncios para emprego em todos os jornais a taxas mais baratas. Mesas apropriadas que permitam aos usuários escrever seus currículos. Caixas postais (para respostas a pedidos de emprego) para trabalhadores desempregados.

As Salas de Espera também funcionarão como Ponto de Encontro onde os empregadores podem encontrar e fixar compromissos com Trabalhadores de todos os tipos, através de contratos. Isso anula armadilhas montadas contra desempregados, pois estes não têm nenhum outro lugar para esperar a não ser dentro dos Bares, que no presente é quase o único «ponto de encontro» do trabalhador desempregado.

Geralmente levando ao conhecimento do público os desejos dos desempregados por meio de anúncios, através de currículos, e entrando em contato direto com os empregadores, elaborando estatísticas com informações sobre o número de desempregados ansiosos por trabalho, nas várias profissões e ocupações em que trabalham.

A abertura de filiais do Agências de Emprego, tão rapidamente quanto os fundos e oportunidades permitirem, em todas as grandes metrópoles e centros industriais ao longo da Grã Bretanha.

Com relação à Agência de Emprego, propomos lidar com trabalhadores qualificados e não-qualificados, formando agencias como a Sociedade dos Carregadores de Cartazes [«Sandwich» Board Men's Society], Sapateiros, Tapeceiros, Pintores, Faxineiros, Lenhadores, e outras Brigadas, todas elas, como muitas outras, serão colocadas em operação na medida em que prestem um auxílio ao público, atendendo todo tipo de trabalhadores.

A Agência de Empregados Domésticos também será uma filial da Agência, e haverá também uma Casa Para Empregados Domésticos sem trabalho. Aqui e em outras áreas serão necessários fundos para início das operações. Todas as informações, doações, etc., devem ser

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endereçados ao local acima, direcionadas à «Agência de Trabalho», etc.

CENTRAL DE EMPREGOS. AGENTES LOCAIS E DEPARTAMENTO POSTAL.

Querido Camarada -- A carta anexa que está sendo enviada a nossos Oficiais ao longo do Campo, explica o objetivo que temos em vista. Seu nome foi sugerido a nós como alguém cujo coração está em completa afinidade com qualquer esforço em nome da pobre e sofrida humanidade. Estamos ansiosos para ter conectado com nossos Corpos do Exército de Salvação, em qualquer localidade ao longo do Reino Unido, todo camarada sensato, simpatizante com nossa obra, e que atue como nosso Agente ou Correspondente local, e com quem pudéssemos contar a qualquer momento para obter informações seguras, e que assuma esta função como trabalho regular de comunicação amorosa e útil com respeito à condição social em termos gerais no bairro onde vive.

Apreciaríamos sua resposta, fazendo-nos conhecer o mais cedo possível suas visões e sentimentos nesse assunto, estamos ansiosos por agir imediatamente. Pretendemos acima de tudo obter informações sobre desempregados e empregadores necessitando de trabalhadores, de forma que possamos colocar essas informações em nossos registros, e tornar conhecidos os desejos tanto de empregadores e como de candidatos a emprego.

Teremos toda satisfação em manter contato com você, forneça alguns fatos sobre as condições de vida em sua localidade, ou qualquer idéia ou sugestão que gostaria de dar para nos ajudar com relação a este bom trabalho.

O Serviço Social compreende não apenas a questão do trabalho, compreende também a recuperação de presidiários e outras áreas na obra Salvacionista, que geralmente labuta com as classes mais sofridas da humanidade, de forma que você pode ser uma grande bênção contribuindo para a obra de Deus cooperando conosco.

Afetuosamente, etc.

AGENTES LOCAIS E DEPARTAMENTO POSTAL.

Proposta para agente local, correspondente, etc.

Nome....................................................

Endereço.................................................

Ocupação..............................................

Se Soldado, qual Corpo?................................

Se não é Soldado, qual a Denominação?......................

Se falou com alguém sobre esse assunto, que resposta obteve?.... .......................................................... ..........................................................

........................................................... ...........................................................

...........................................................

Assinado.....................................................

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Corpo......................................................

Data............................ 189__.

Favor enviar-nos logo que possível, e entraremos em contato com o Camarada que você propõe para esta vaga.

PARA EMPREGADORES.

Trazemos ao seu conhecimento o fato de que o Exército de Salvação abriu no endereço acima (relacionado à sua Obra de Resgate Social), uma Agência de Empregos para a Inscrição dos interessados de todas as classes Laborais, tanto empregadores como candidatos a emprego em Londres e ao longo do Reino Unido, nosso objetivo é colocar ambas as partes em contato, para mútua vantagem, os que precisam de trabalhadores e os que querem trabalho.

Foram feitas adaptações no endereço acima nas salas de espera, de forma que os empregadores possam ver os homens e mulheres a procura de emprego, e estes possam ter acomodações para escrever cartas, e ver anúncios nos jornais.

Você está a procura de determinado tipo de trabalhador? Basta preencher o formulário e enviá-lo para nós. Diante das descrições fornecidas nos empenharemos em atender tuas necessidades. Todos teus pedidos, é desnecessário dizer, terão nossa melhor atenção, não importa se o trabalho é de caráter permanente ou temporário.

Também teremos o prazer, pelo escritório de informações do Departamento do Trabalho, de lhe fornecer qualquer informação adicional sobre nossos planos, nossos Oficiais também estarão prontos a atender suas necessidades quando você necessitar de mão-de-obra.

Como nada será cobrado para os registros, nem de empregadores nem de candidatos a empregos, é óbvio que um desembolso considerável será necessário para dar continuidade a estas operações, e uma ajuda financeira será grandemente necessária.

Estaremos gratos por qualquer doação, por menor que seja, para ajudar a cobrir o custo de funcionamento deste departamento. Apenas em casos especiais daremos recomendações pessoais, pois teremos que lidar com um números muito grande de pessoas totalmente desconhecidas. Por favor envie seus comunicados ou doações para o endereço acima, assinalando «Agência Central de Emprego», etc.

INICIAMOS UMA CAMPANHA CONTRA OS «SWEATINGS», estabelecimentos escravizantes em que os empregados trabalham longas horas a salários de fome, além de outras más condições de higiene e trabalho. VOCÊ IRÁ NOS AJUDAR?

Prezado Sr. -- em conexão com o Setor de Reforma Social inauguramos na Agência Central de Empregos um departamento que tratará especialmente com mão de obra «não especializada», entre as quais estão PLAQUEIROS, CARTEIROS, ENTREGADORES, FAXINEIROS, PINTORES.

É muito importante que trabalho dado a estes trabalhadores e outros não mencionados, fosse remunerado com o mínimo de taxas e descontos por parte do Contratante, ou pelos intermediários entre empregadores e trabalhadores.

Em todas nossas operações nesse setor não propomos lucrar em cima daqueles que beneficiamos; tudo que recebemos é inteiramente aplicado no esquema, até o último centavo, será dedicado a pagar

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despesas como prover placas para plaqueiros, alugar carrinhos de mão, ou comprar equipamentos necessários.

Estamos muito ansiosos para ajudar as classes mais necessitadas, especialmente os plaqueiros, muitos dos quais recebem salários miseráveis; freqüentemente tão baixos que atingem apenas um xelim por um dia inteiro de trabalho.

NÓS APELAMOS A TODOS AQUELES QUE SE COMPADECEM COM A HUMANIDADE SOFREDORA, especialmente Religiosos, Filantropos e Sociedades, a nos ajudar em nossos esforços, fazendo pedidos para a provisão de Plaqueiros, Mensageiros, Faxineiros e outros tipos de trabalhadores em nossas mãos. Nosso custo para plaqueiros será 2s. 2d., incluso as placas, o contrato e a própria supervisão desses homens, Dois xelins, pelo menos, irão direto para os homens; a maioria dos intermediários dos plaqueiros recebem este valor, e alguns até mesmo mais, mas freqüentemente pagam não mais que um xelim para os homens que contratam. Estaremos satisfeitos em fornecer informações adicionais sobre nossos planos, enviar um representante para explicações adicionais, receber pedidos, etc.

Atenciosamente, etc.

AGÊNCIA CENTRAL DE EMPREGOS. AOS HOMENS E MULHERES SEM EMPREGO.

AVISO.

Um Registro Grátis, para todos os tipos de desempregados, foi aberto no endereço acima. Se você quer trabalho, diga o que sabe fazer e onde deseja trabalhar. Preencha um relatório com nome e endereço e outras informações, ou preencha o formulário abaixo, e envie para o endereço acima. Examine as páginas de anúncios dos jornais que disponibilizamos. Mesas com canetas e tinteiros estão a sua disposição. Se você mora longe leve formulários para serem preenchidos por amigos e conhecidos que estão desempregados, e depois remetidos à Agencia de Empregos aos cuidados do Comissário Smith.

Nome.......................................................

Endereço....................................................

...........................................................

Tipo de trabalho procurado........................................

Salário pretendido..............................................

----------------------------------------------------------- I Nome I I ----------------------------------------------------------- I Idade I I ----------------------------------------------------------- I Durante os últimos 10 anos você teve algum emprego regular? I ----------------------------------------------------------- I Quanto tempo trabalhou? I ----------------------------------------------------------- I Que tipo de trabalho?

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I ----------------------------------------------------------- Que trabalho sabe fazer? I ----------------------------------------------------------- I Que faz nas horas vagas? I ----------------------------------------------------------- I Quanto recebia quando estava regularmente empregado? I ----------------------------------------------------------- I Quanto recebia quando trabalhava sem carteira assinada? I ----------------------------------------------------------- I Você é casado? I ----------------------------------------------------------- I Vive com sua esposa? I ----------------------------------------------------------- I Quantos filhos tem e qual a idade deles? I ----------------------------------------------------------- Se você fosse colocado em uma fazenda para trabalhar naquilo que pudesse, e fosse provido com comida, moradia, e roupas, com uma perspectiva de andar pelos seus próprios pés, você faria tudo que estivesse ao seu alcance? -----------------------------------------------------------

COMO COUNT RUMFORD ABOLIU A MENDICÂNCIA NA BAVIERA.

Count Rumford foi um oficial americano que serviu com considerável distinção na Guerra Revolucionária naquele país, e depois se instalou na Inglaterra. Depois disso ele foi deslocado para a Baviera onde foi promovido ao comando principal de seu exército, e também dedicou-se energicamente ao Governo Civil. Naquele tempo a Baviera estava literalmente enxameada por mendigos que não apenas era algo desagradável à visão e vergonha da nação, como também um terrível peso para o Estado. Count solucionou o problema acabando com esta profissão miserável, o texto abaixo extraído de seus escritos narram o método pelo qual ele conseguiu realizar essa façanha: --

«A Baviera, pela negligência do Governo, e pelo abuso da bondade e da caridade de sua boa gente, foi infestada com mendigos, que se misturaram a vagabundos e ladrões. Eles estavam para o corpo político como parasitas e vermes estão para as pessoas e para as casas -- vivendo na mesma negligência preguiçosa». -- (Página 14.)

«Na Baviera haviam leis que protegiam os pobres, mas elas eram um incentivo à negligência. E a mendicância tornou-se generalizada». -- (Página 15.)

«Em suma», diz Count Rumford, «estes detestáveis parasitas proliferavam por toda parte; eles eram não apenas clamorosa e grandemente descarados e impudicos, eles tinham acesso às artes mais diabólicas e praticavam os crimes mais horrendos em sua lida infame. Eles expunham e torturaram seus próprios filhos, e se aproveitavam deles para extorquir esmolas de pessoas caridosas». -- (Página 15.)

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«Nas grandes cidades a mendicância tornou-se uma impostura organizada, com um tipo de governo e polícia própria. Cada mendigo tinha sua característica, com uma ordem hierárquica e promoções, como ocorre com outros governos. Haviam batalhas para decidir reivindicações contraditórias, e um bom caráter não era nenhum incentivo ao matrimônio ou legado vantajoso». -- (Página 16.)

«Ele viu que não bastava proibir a mendicância através da lei ou o castigo pela prisão. Os mendigos não se preocupavam com isso. O enérgico Count atacou essa questão de uma forma científica. Ele estudou os pedintes e a mendicância. Como lidar com um mendigo individualmente? Prendê-lo por um mês para que ao sair voltasse novamente à mendicância? Isso não era nenhum remédio. A solução evidente seria proibir-lhe mendigar, mas ao mesmo tempo dar-lhe oportunidade para trabalhar; ensinar-lhe a trabalhar, o encorajar um trabalho honesto. A sábia regra seria prover auto-sustento, alimento, conforto, e trabalho a todo mendigo e vagabundo na Baviera». -- (Página 17.)

«Count Rumford, sábio e justo, empenhou-se num processo de recuperação de todo tipo de mendigos e vagabundos, convertendo-os em cidadãos úteis, até mesmo aqueles que tinham afundado no vício e no crime».

«'O que é mais necessário à vida?' Perguntou a si mesmo. 'Qual a primeira condição de conforto?' A limpeza, que animais e insetos prezam. A limpeza, que afeta o caráter moral do homem. A limpeza, que é similar à compaixão pelos sofrimentos alheios. A idéia de que a alma torna-se suja e depravada por influencia daquilo que é imundo prevaleceu por muito tempo em todas as eras. A virtude é incompatível com a sujidade. Nosso corpo está em guerra com tudo que o suja».

«Seu primeiro passo, depois de um completo estudo e análise do assunto, foi prover em Munique, grandes, bem ventiladas e elegantes Indústrias, bem abastecidas com ferramentas e materiais necessários. Cada Indústria foi provida com um grande refeitório e uma cozinha suficientemente grande para propiciar um jantar econômico a todo trabalhador. Havia mestres engajados com cada tipo de trabalho».

«Calor, luz, conforto, limpeza, e ordem, dentro e ao redor destas casas, tornava-a atraente. O jantar era servido diariamente, grátis, no princípio fornecido pelo Governo, depois pelas contribuições dos cidadãos. Padeiros traziam pão amanhecido; açougueiros traziam refugos de carne; os cidadãos traziam porções de alimentos -- tudo pela alegria de ver-se livre da amolação da miséria. Os mestres de trabalhos braçais foram providos pelo Governo. E enquanto tudo isso era fornecido gratuitamente, todo mundo recebia o valor completo de seu trabalho. Ninguém precisava implorar por nada; mas havia conforto, comida, trabalho, pagamento. Ninguém era maltratado, ninguém falava palavrão; em cinco anos nenhuma criança sofreu qualquer agressão».

«Quando os preparativos desta grande experiência foram silenciosamente finalizados, o exército -- o braço direito do poder administrativo que tinha sido treinado para executar essa operação -- entrou em ação juntamente com a polícia e os magistrados civis. Regimentos da cavalaria se espalharam por toda cidade, com patrulhas em todas as estradas, em rondas pelas vilas, mantendo a ordem e a disciplina mais rígida, prestando extrema deferência às autoridades civis, e evitando toda a ofensa às pessoas; foram instruídos de, quando a ordem fosse dada, prender todo mendigo, vagabundo, desertor, trazê-los diante dos magistrados. Esta operação militar não custou nada mais que alguns acantonamentos rurais, e esta despesa custou para o país inteiro menos de #3.000 por ano».

«Em 1º de janeiro de 1790 -- Dia de Ano novo, desde tempos imemoriais, o feriado dos vagabundos, quando eles enxameavam pelas

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ruas, na expectativa de algum presente -- oficiais comissionados e não-comissionados foram distribuídos pela madrugada em três regimentos de infantaria em diferentes pontos de Munique para esperar as ordens. O Tenente-General Count Rumford reuniu em sua residência os principais oficiais do exército e os principais magistrados da cidade, e comunicou a eles seus planos para a campanha. Então, vestiu seu uniforme e, com suas comendas e condecorações brilhando no peito, seguiu o exemplo do soldado mais humilde, saiu pelas ruas, não demorou muito um mendigo se aproximou desejando um 'Feliz Ano Novo', e ficou aguardando o presente. 'Eu fui para perto dele', disse Count Rumford, 'coloquei minha mão suavemente em seu ombro, e disse-lhe que a mendicância daqui para a frente não mais seria tolerada em Munique; e que se ele estivesse em necessidade, ajuda seria dada; e se ele fosse descoberto novamente em mendicância, seria severamente castigado'. Então ele foi enviado para a Prefeitura, seu nome e residência foi inscrito e registrado, e ele foi designado para efetuar reparos na Casa Militar da Indústria pela manhã do dia seguinte, lá ele encontraria refeições, trabalho, e salários. Todo oficial, todo magistrado, todo soldado, seguiu o exemplo determinado; todo mendigo que resistisse seria preso, bastou um dia para que a mendicância fosse abolida da Baviera. A mendicância foi banida do reino».

«E agora vamos considerar qual foi o progresso e o sucesso desta experiência. Parecia um risco confiar matérias-primas de indústria -- lã, linho, fios, etc. -- nas mãos de mendigos comuns; transformar gente debochada e depravada em pessoas ordeiras e úteis, era um empreendimento árduo. Claro que a maior parte deles fazia um trabalho ruim no princípio. Por meses eles custavam mais do que produziam. Eles estragaram mais chifres do que produziam colheres.

«Empregados primeiramente nas operações mais grosseiras e rudes da fabrica, aos poucos avançavam na medida em que melhoravam, e durante algum tempo seus pagamentos eram maiores do que o resultado de seu trabalho -- no intuito de encorajar a boa vontade, esforço, e perseverança. Estas coisas valem qualquer soma. O povo pobre sentiu que era tratado mais do que com justiça -- mas com bondade. Ficou mais do que evidente que tudo aquilo concorria para o bem deles. No princípio havia confusão, mas nenhuma insubordinação. Eles eram desajeitados, mas não insensíveis à bondade. O velho, o fraco, e as crianças foram colocados em tarefas mais fáceis. Os adolescentes eram pagos para ficar simplesmente olhando até implorarem unir-se ao trabalho, que para eles parecia um jogo. Ao redor deles reinava um clima limpo, quieto, ordeiro, agradável, aprazível, gostoso, divertido, alegre, ameno, calmo. Vivendo em suas próprias casas, eles entraram a uma hora determinada pela manhã. Ao meio-dia eles tinham um almoço quente, nutritivo. As provisões vinham de contribuições ou eram compradas no atacado, e o aproveitamento dos alimentos na cozinha chegava ao ponto da perfeição. Count Rumford tinha planejado todo o aparato culinário de tal forma que três mulheres preparavam um jantar para mil pessoas com lenha velha como combustível ao custo de 4 1/2d.; um almoço para 1.200 pessoas custava apenas #1 7s 6 1/2d., ou um-terço de centavo para cada pessoa! Tudo isso na mais perfeita ordem -- no trabalho, nas refeições, e em toda parte. Imediatamente após a companhia tomar seu lugar à mesa, e a comida previamente servida, todos repetiam uma curta oração. 'Talvez', diz Count Rumford, 'eu devesse pedir perdão por praticar esse costume tão fora de moda, mas eu sou suficientemente fora de moda para apreciar tais coisas'».

«O povo pobre foi generosamente pago pelo seu trabalho, mas apenas pagamento em dinheiro era insuficiente. Era necessário o sentimento de competição, o desejo de superação, o senso de honra, o amor à glória. Não apenas pagamento, mas recompensas, prêmios, distinções, foram dados aos mais meritórios. Foi dedicado um cuidado peculiar às crianças. Primeiramente elas eram pagas pela simples presença, como ociosos observadores, até suplicarem às lágrimas que lhes fosse permitido trabalhar. 'Quão doces essas lágrimas eram para mim', diz

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Count Rumford, 'não é difícil imaginá-las'. Certas horas foram gastas por eles em uma escola, para a qual foram providos professores».

«O efeito destas medidas foi bem notável. Aquelas pessoas eram desajeitadas, mas não eram estúpidas, e mais rápido do que pudéssemos imaginar eles aprenderam a trabalhar. Mas o mais maravilhoso foi a mudança nos modos deles, na aparência, e mesmo na expressão de seus semblantes. A alegria e a gratidão substituíram a escuridão da miséria e a rabugice do desespero. Seus corações foram amolecidos; eles eram gratos ao seu benfeitor, e ainda mais por causa de seus filhos. Estes trabalhavam com seus pais, formando pequenos grupos laboriosos cuja dedicação atraía o interesse de toda visita. Os pais estavam contentes na crescente criatividade e inteligência de seus filhos, e as crianças estavam orgulhosas de suas próprias realizações».

«A grande experiência foi um completo e triunfante sucesso. Quando Count Rumford escreveu sua narrativa, seu plano completava já cinco anos de operação; seu plano foi, financeiramente, uma bagatela, e não apenas baniu a pobreza, mas forjou uma total mudança nos modos, hábitos, e na aparência, das pessoas mais abandonadas e degradadas do reino».--(«Count Rumford», páginas 18-24.)

«O pobre é ingrato? Count Rumford achava que não. Quando, ao fim de sua grande labuta ele caiu perigosamente doente, o povo pobre cujas vidas resgatara da vergonha e da miséria, espontaneamente se reuniu em torno dele, formou uma procissão, e entrou unido na Catedral para oferecer suas orações conjuntas para a recuperação dele. outra feita, quando estava ausente na Itália, e suposto gravemente doente em Nápoles, eles reservaram um certo tempo a cada dia, após suas horas de trabalho, para orar pelo seu benfeitor. Depois de uma ausência de quinze meses, Count Rumford voltou com saúde renovada a Munique -- uma cidade onde havia trabalho para todo o mundo, e onde as pessoas conseguiam prover suas necessidades básicas. Quando ele visitou a casa militar, a recepção que o povo pobre lhe proporcionou arrancou lágrimas de seus olhos diante de todos os presentes. Alguns dias após ele entreteu-se com 18.000 deles no jardim inglês -- um festival promovido por 30.000 cidadãos de Munique». («Cunt Rumford», páginas 24-25.)

O EXPERIMENTO COOPERATIVO RALAHINE.

«Os recentes ultrajes de 'Whitefeet', 'Lady Clare Boys', e 'Terry Alts' (trabalhadores) passaram da conta; até agora nenhum remédio foi tentado por meio da força, com excessão de um proprietário irlandês, Sr. John Scott Vandeleur, de Ralahine, município de Clare, seu derradeiro xerife. No início do ano de 1831 Vandeleur e sua família foram forçados a sair daquela área, sob escolta policial, seu mordomo havia sido assassinado por um trabalhador escolhido por sorteio em uma reunião para decidir quem deveria perpetrar a ação. O Sr. Vandeleur veio até a Inglaterra buscar alguém que o ajudasse a organizar os trabalhadores em uma associação agrícola e industrial, que seria administrada nos princípios da cooperação. Foi-lhe recomendado o Sr. Craig que, em um grande sacrifício de sua posição e prospectos, consentiu prestar seus serviços».

«Ninguém exceto um homem de raro zelo e coragem teria tentado tão aparentemente desesperada tarefa como aquela que o Sr. Craig empreendeu. Tanto os homens que ele tinha que administrar -- Terry Alts que tinha assassinado o mordomo do dono da terra -- como as circunstâncias eram bem imprevisíveis para inspirar confiança no sucesso de qualquer projeto que pudessem planejar. Os homens geralmente falavam no idioma irlandês que o Sr. Craig não entendia, e olharam para ele como uma pessoa suspeita enviada para se insinuar em torno do segredo do recente assassinato. Por conseguinte ele foi

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tratado com frieza, ou pior que isso. Em uma ocasião o contorno de sua sepultura foi desenhado da campina próxima à sua casa, e ele temeu pela sua vida. Porém, depois de um tempo, ele ganhou a confiança destes homens, eles se tornaram selvagens devido ao maltrato».

«A fazenda foi alugada pelo Sr. Vandeleur a um valor determinado, a ser pago em quantidades fixas de produtos da fazenda que, aos preços vigentes em 1830-31, representariam #900, incluindo nesse montante edifícios, maquinaria, e os estoques providos pelo Sr. Vandeleur. O aluguel era de apenas #700. Como a fazenda consistia de 618 acres com apenas 268 cultivados, este aluguel era um muito alto -- um fato que foi reconhecido pelo proprietário. Tirando o pagamento do aluguel todo o lucro pertenceria aos sócios, divisíveis ao término do ano se desejado. Eles começaram uma loja cooperativa para provimento de alimentos e vestuário, e a propriedade passou a ser administrada por um comitê de sócios, que pagavam salários a cada associado homem ou mulher pelo trabalho realizado em notas de trabalho que eram trocáveis na loja por bens ou dinheiro. Tanto a bebida alcoólica como o tabaco foram proibidos. O comitê determinava a cada homem os deveres do dia. Os sócios trabalhavam a terra, uma parte era cultivada com hortas de verduras e legumes e pomares de fruta, e outra parte era usada como fazenda leiteria, depósitos foram construídos para armazenar feno para o gado. Foram criados porcos e aves. Naquela ocasião os salários eram de apenas 8d. por dia para os homens e 5d. para as mulheres, os associados recebiam nessa faixa. Eles se mantinham com batatas e leite produzidos principalmente na fazenda, também carne de carneiro e carne de porco eram vendido a eles a preços extremamente baixos, assim eles economizaram dinheiro ou notas de trabalho. A saúde e a aparência deles melhoraram depressa, tanto que, com a doença rondando nos arredores, não houve nenhum caso de morte ou doença séria entre eles enquanto durou a experiência. Os homens solteiros moravam junto em um edifício grande, e as famílias em cabanas. Assistidos pela Sra. Craig, o secretário desenvolveu um brilhante sistema de educação para jovens, e aqueles com idade suficiente para freqüentar alternadamente a fazenda e a escola. Os arranjos sanitários estavam em um estado alto de perfeição, e o treinamento físico e moral era cuidadosamente assistido. Em relação a estes e outros arranjos sociais, o Sr. Craig era um homem bem além do seu tempo, e desde então ele construiu um nome conectado com suas aplicações em várias partes do país».

«O 'Novo Sistema', como a experiência de Ralahine foi chamada, foi considerado no princípio com suspeita e escárnio, mas rapidamente ganhou aprovação no distrito, de forma que aqueles que antes estavam arredios tornaram-se extremamente entusiasmados pela associação. Em janeiro de 1832, a comunidade consistia de cinqüenta adultos e dezessete crianças. O número total aumentou depois para oitenta e um. Tudo era próspero, e não apenas foram beneficiados os sócios da associação, a melhoria deles exerceu uma influência benéfica nas pessoas do bairro. Esperava-se que outros proprietários imitassem o excelente exemplo do Sr. Vandeleur, especialmente quando sua experiência tornou-se por si só lucrativa, como também calculada para produzir paz e satisfação na transtornada Irlanda. Justo quando o ânimo estava elevado ao grau mais alto de expectativa, a comunidade feliz de Ralahine foi quebrada por causa da ruína e dos exageros do Sr. Vandeleur que tinha perdido sua propriedade no jogo. Tudo foi vendido, e todas as notas de trabalho juntadas pelos sócios teriam sido inúteis não tivesse o Sr. Craig, com nobre abnegação, as resgatado do seu próprio bolso».

«Demos uma descrição bem escassa do sistema desenvolvido em Ralahine. Os arranjos foram em todos os sentidos admiráveis, e refletiram em grande crédito ao Sr. Craig como organizador e administrador. O sucesso de sua experiência foi em grande medida devido a sua sabedoria, energia, tato e paciência, e é bem lamentável que ele não estivesse em posição de repetir a mesma

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tentativa em circunstâncias mais favoráveis». («History of a Co-operative Farm».)

[. . .]

A IGREJA CATÓLICA E A QUESTÃO SOCIAL.

O Rev. Dr. Barry leu um documento no dia 30 de junho de 1890 na Conferência Católica, do qual separei alguns extratos para ilustrar o elevado sentimento deste assunto por parte da Igreja Católica. O Rev. Dr. Barry começou definindo o proletariado como formado por aqueles que têm apenas uma posse -- sua mão de obra. Eles não têm nenhuma terra, nenhum pedaço de terra, nenhuma casa, nenhuma mobília, exceto poucas tábuas que eles chamam significativamente pelo nome, nenhum emprego estável, o máximo que podem conseguir é um auxílio miserável, e nos últimos 20 anos não tiveram nem mesmo direito à educação. Esta classe, sem figuras de linguagem ou vôos de retórica, é composta por sem teto, sem terra, destituídos, que povoam nossas principais cidades, e eu chamo de proletariado. Sobre o proletariado, ele declarou haver centenas de milhares crescendo longe do alcance de todas as igrejas.

Ele continuou: É horrivelmente evidente que o Cristianismo distanciou-se do povo; e que ficou terrivelmente para trás; e que, em termos claros, temos em nosso meio uma nação de pagãos para os quais os ideais, as práticas, e os mandamentos da religião são um amontoado de coisas desconhecidas -- pouco notadas nos milhares e milhares de conjuntos habitacionais para pessoas pobres, e mas fábricas onde trabalham, como se Cristo nunca tivesse vivido ou morrido. Como poderia ser o contrário? A grande massa de homens e mulheres nunca tem tempo para a religião. O que é que se pode esperar quando eles trabalham em dupla jornada? Quando se matam de tanto trabalhar, antes do sol nascer e depois que o sol se põe podemos vê-los e saber o que ocorre com eles, o que é que sobra para o lazer após seis dias da semana? ... Temos que encarar este assunto de frente. Não pretendo estabelecer a proporção entre as diferentes seções em que estas coisas acontecem. Ainda menos coloco a culpa nesses que são sem teto, sem terra e sem qualquer propriedade. O que eu digo é que se o Governo de um país permite lançar milhões de seres humanos em tal condição de vida e de trabalho como temos visto, as conseqüências não podem ser outras. «Uma criança», disse o Bispo Anglicano South, «tem o direito de nascer, mas não de ser condenada ao inferno no mundo». Aqui há milhões de crianças literalmente «condenadas ao inferno no mundo», nem suas cabeças nem suas mãos são treinadas para qualquer coisa útil, a subsistência miserável delas é recheada de sofrimento e de angústia, suas casas fedem sob a lei do inquilinato que produziu toda uma Londres de desterrados e uma horrível Glasgow, o direito delas a um pátio de recreio e diversão foi reduzido à fedentina da sarjeta, e a grande «lição objetiva» de suas vidas são seus pais bêbedos que muito freqüentemente terminam na prisão, no hospital, e no asilo. Não é o fato deles não serem cristãos que deve nos surpreender, mas o fato deles nem ao menos entender por que deveriam ser....

A condição social criou este paganismo, esta barbárie, e esta brutalidade tão familiar. Então a condição social deve ser mudada. Nós levantamos a necessidade de uma fé pública -- de uma fé social, e se você entende a palavra, de um Cristianismo leigo, secular. Este trabalho não pode ser feito pelo clero, nem dentro das quatro paredes de uma igreja. O campo de batalhas está na escola, em casa, na rua, na taverna, no mercado, e onde quer que os homens se reunam. Para tornar o povo Cristão é necessário restaurá-los para suas casas, e suas casas para eles.

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FIM DO LIVRO «NA TENEBROSA INGLATERRA E A SAÍDA». ÍNDICE PARTE I. A TENEBROSA INGLATERRA. CAPÍTULO 1. Porque «A Tenebrosa Inglaterra»? CAPÍTULO 2. O Lumpen CAPÍTULO 3. Os Sem-Teto CAPÍTULO 4. Os Desempregados CAPÍTULO 5. Na Beira do Abismo CAPÍTULO 6. Os Drogados CAPÍTULO 7. Os Criminosos CAPÍTULO 8. Os Meninos de Rua CAPÍTULO 9. Qual a Saída? PARTE II. O RESGATE. CAPÍTULO 1. Uma Grande Tarefa Seção 1. A Essência do Projeto Seção 2. Meu Projeto CAPÍTULO 2. Rumo ao Resgate! – A Colônia Urbana Seção 1. Alimento e Abrigo para Todos Seção 2. Trabalho para Desempregados -- A Fábrica Seção 3. A Arregimentação de Desempregados Seção 4. A Brigada Doméstica de Salvamento CAPÍTULO 3. Rumo ao Campo! – A Colônia Rural Seção 1. A Propriedade Agrícola Seção 2. A Aldeia Industrial Seção 3. A Aldeia Agrícola Seção 4. A Fazenda Cooperativa CAPÍTULO 4. Nova Inglaterra – A Colônia Ultramar Seção 1. A Colônia e os Colonos Seção 2. Emigração Universal Seção 3. O Barco da Salvação CAPÍTULO 5. Mais Campanhas Seção 1. A Campanha da Favela – Nossas Irmãs Faveladas Seção 2. O Hospital do Viajante Seção 3. Regeneração de Criminosos – A Brigada Porta de Cadeia Seção 4. Recuperação de Alcoólicos Seção 5. Um Novo Refúgio Feminino – As Casas de Resgate Seção 6. Uma Casa de Prevenção à Prostituição Infantil Seção 7. Escritório para Localização de Pessoas Desaparecidas Seção 8. Refugio para Meninos de Rua Seção 9. Escolas Industriais CAPÍTULO 6. Socorro em Geral Seção 1. Melhoria de Moradias Seção 2. Bairros Modelo na Periferia Seção 3. O Banco do Pobre Seção 4. O Advogado do Pobre Seção 5. Departamento de Informações Seção 6. Cooperativas Gerais Seção 7. Bureau Matrimonial Seção 8. Whitechapel Marítima CAPÍTULO 7. O Que e Como fazer? Seção 1. As Credenciais do Exército de Salvação Seção 2. Quanto Custará? Seção 3. Algumas Vantagens Apresentadas Seção 4. Algumas Objeções Encontradas Seção 5. Recapitulação

CAPÍTULO 8. Uma Conclusão Prática

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APÊNDICE

Na Tenebrosa Inglaterra e A Saída © 2004 - William Booth

[email protected] Coletivo Periferia http://www.geocities.com/projetoperiferia Caixa Postal 52550, CEP 08010-971, São Miguel Pta., São Paulo-SP, Brasil

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