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ISSN
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7-06
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Revista deRevista deConjunturaPublicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal
O pré-sal no ponto de vista
econômico
Graças às reservas descobertas no pré-sal, o Brasil é apontado como um dos grandes produtores mundiais
de petróleo. Mas especialistas alertam sobre os impactos econômicos e sociais no País.
Flávio Versiani fala sobre a economia brasileira, os impactos
na industrialização e sobre o Brasil ser uma potência mundial em razão
do seu potencial de produção de alimentos e bioenergia.
ARTIGOS
ENTREVISTA
Sobre olimpíadas, pré-sal e cisnes negros: desafi os e
oportunidades para mudança das instituições orçamentárias
Paulo Carlos Du Pin CalmonCarlos Leonardo Klein
Opção por crescer menos Raul Wagner dos Reis Velloso
Fundo soberanoArthur Oscar Guimarães
Agenda pré-sal: roteiro de questões para equacionar o
projeto brasileiro de longo prazo Sebastião Soares
Aspectos da evolução econômica da China e a
integração com os Países de Língua Portuguesa no
âmbito do Fórum de Macau Elder Linton Alves de Araujo
Análise econômica da crise fi nanceira no Brasil: o caso da
indústria automobilística Marcel Stanlei Monteiro
Ronaldo Augusto da Silva Fernandes
Em 2010, Brasília completará 50 anos. Para homenagear a capital federal no seu cinqüentenário o Corecon/DF lançou três projetos:
• O banco de artigos, monografi as e teses sobre a economia do DF;• O fórum “Brasília 50 anos”; e• A coletânea “Brasília 50 anos”, a ser publicada em abril de 2010.
Para a coletânea de artigos sobre a economia do DF, o Corecon/DF selecionará trabalhos que abordem temas como: história econômica do DF; estrutura econômica; indústria e agricultura; constituição e desenvolvimento dos segmentos do setor serviços (públicos e privados); infraestrutura econômica; Brasília como pólo de desenvolvimento regional; expansão do entorno e das áreas de infl uência do DF; difi culdades e potencialidades da economia do DF; problemas e soluções para o transporte; ordenamento territorial; entre outros temas relacionados à economia do DF.
Os trabalhos poderão ser enviados até o dia 30 de novembro de 2009 para o e-mail: [email protected]
Todos os trabalhos recebidos estarão disponíveis na página do Corecon/DF, no “banco de artigos sobre a economia do DF”.
Os melhores trabalhos serão publicados na coletânea “Brasília 50 anos”. A seleção dos trabalhos será realizada por comissões temáticas formada por professores, considerando a qualidade técnica do trabalho e a adequação e contribuição para a temática abordada.
BRASÍLIA50ANOS
Conselho Regional de Economia da 11ª Região-DFSCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202CEP 70300-907 - Brasília -DF Tels: (61) 3225-9242 / 3223-14293964-8366 / 3964-8368Fax: (61) 3964-8364E-mail: [email protected]: www.corecondf.org.br
A assinatura da Revista de Conjuntura pode ser efetuada contactando o Corecon/DF. O valor da assinatura é de
R$ 80,00 anual, o que equivale a quatro edições da revista.
7 Sobre olimpíadas, pré-sal e
cisnes negros: desafi os e oportunidades para mudança das
instituições orçamentárias
Paulo Carlos Du Pin CalmonCarlos Leonardo Klein
14 Opção por crescer menos
Raul Wagner dos Reis Velloso
23Fundo soberano
Arthur Oscar Guimarães
33Agenda pré-sal: roteiro de
questões para equacionar o projeto brasileiro de longo prazo
Sebastião Soares
41Aspectos da evolução econômica
da China e a integração com os Países de Língua Portuguesa no
âmbito do Fórum de Macau
Elder Linton Alves de Araujo
48Análise econômica da crise
fi nanceira no Brasil: o caso da indústria automobilística
Marcel Stanlei MonteiroRonaldo Augusto da Silva Fernandes
ARTIGOS
2 editorial3 entrevista
Flávio Versiani
28 capaO pré-sal no ponto
de vista econômico
ÍndicePublicação do Conselho Regional de
Economia do Distrito Federal
ANO X • Nº 39 • julho/setembro de 2009
ConjunturaRevista de
Nesta edição
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cias
Editor responsávelJosé Luiz Pagnussat
Conselho editorialHumberto Vendelino RichterJosé Fernando Cosentino TavaresJosé Roberto Novaes de AlmeidaJúlio Flávio Gameiro MiragayaMário Sérgio Fernandez SallorenzoMaurício Barata de Paula Pinto
Jornalista responsávelDaniela Lima (Reg. DRT/DF: 4926)
RedaçãoDaniela Lima
RevisãoMarluce Moreira Salgado
Editoração eletrônicawww.arsventura.com.br
CTP, impressão e acabamentoTeixeira Gráfi ca e Editora
Tiragem: 4.000Periodicidade: trimestral
As matérias assinadas por colaboradores não refl etem, necessariamente, a posição da entidade. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte.
CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO - DF
PresidenteJosé Luiz Pagnussat
Vice-presidenteJusçanio Umbelino de Souza
Conselheiros efetivosMário Sérgio Fernandez SallorenzoRoberto Bocaccio PiscitelliMax Leno de AlmeidaMônica Beraldo Fabrício da SilvaMaurício Barata de Paula PintoHomero Gustavo Reginaldo LimaJosé Luiz PagnussatJusçanio Umbelino de SouzaHumberto Vendelino Richter
Conselheiros suplentesPaulo Luiz Figueiredo de OliveiraMiguel RendyAndre NunesGuilherme Costa DelgadoNewton Ferreira da Silva MarquesVictor José HohlÉrton Birk TeixeiraDiones Alves CerqueiraRonalde Silva Lins
Conselheiro Federal pelo DFJúlio Miragaya
Gerente ExecutivoIsmar Marques Teixeira
Equipe do CoreconAngeilton Francisco Lima Faleiro Iraci da Costa Lopes Jamildo Cezário Gomes Maria Aparecida Carneiro Michele Cantuária Soares
EstagiárioTyago Belarmino de Lira (ensino médio)
End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202CEP 70300-907 – Brasília/DFTel: (61) 3225-9242 / 3223-14293964-8366 / 3964-8368Fax: (61) 3964-8364E-mail: [email protected]: www.corecondf.org.brHorário de funcionamento:das 8h às 18h (sem intervalo)
A exploração das reservas de petróleo da camada do pré-sal apresenta
grandes oportunidades econômicas para o Brasil, mas os riscos econômi-
cos não são desprezíveis. A experiência internacional mostra que os países
grandes produtores de petróleo não transformaram os resultados do setor
em desenvolvimento econômico, pelo contrário sucumbiram a maldição do
petróleo e a chamada doença holandesa.
O desafi o do Brasil é evitar que as exportações do petróleo do pré-sal
provoquem a desvalorização do dólar e inviabilizem os setores produtivos
nacionais, tanto de exportação, pela perda de competitividade, como os vol-
tados para o mercado interno, que passariam a enfrentar produtos importa-
dos baratos, em razão da defasagem cambial. A conseqüência é a desindus-
trialização e a inviabilização da agricultura comercial moderna. A economia
voltaria ao período colonial quando o Brasil tinha apenas um setor moderno
e rico, o exportador (exemplo da cana no século XVII e café no fi nal do século
XIX), e os demais setores pobres, de subsistência. Ou seja, teremos uma nova
versão dos “dois Brasis”, o Brasil rico do petróleo e o Brasil pobre dos brasilei-
ros, englobando todos os demais setores da economia.
Felizmente, o debate tem alertado para os riscos econômicos da explora-
ção do pré-sal e o governo tem reforçado a preocupação.
Por outro lado, as oportunidades proporcionadas pelo pré-sal são mui-
tas, com destaque para o desenvolvimento de toda a Cadeia Produtiva do
Petróleo, que engloba, além da indústria do petróleo, os setores a montante,
indústria nacional que fornece equipamentos e serviços, indústria naval, a
área de pesquisa, de desenvolvimento de novas tecnologias, softwares etc.; e
os setores a jusante, que inclui um enorme conjunto de atividades industriais
e de prestação de serviços, como a indústria química e petroquímica e os se-
tores industriais que utilizam insumos petroquímicos, tais como fertilizantes,
plásticos e outros.
Esta expansão setorial pode ser transformada em vetor de desenvolvi-
mento para o país, se forem adotadas algumas diretrizes, entre elas: a prote-
ção à industria nacional, com a maior parte das encomendas dos bens e ser-
viços adquiridos das empresas brasileiras, de forma a fortalecer a indústria a
montante; maximizar a agregação de valor ao produto, garantindo a geração
de empregos e a expansão da indústria a jusante; uma política de desenvol-
vimento tecnológico nacional, que benefi cie toda a grande cadeia produtiva
do setor e as áreas prestadoras de serviços; a maximização das sinergias com
os outros setores produtivos, como o caso do agronegócio etc. Enfi m, ações
do Estado que propiciem a ampliação das sinergias entre os setores produti-
vos, resultantes da expansão da produção do petróleo.
O pré-sal representa ainda uma oportunidade para acelerar a redução da
pobreza e das desigualdades regionais no Brasil. Fortalece, também, o papel
econômico e geopolítico do Brasil no cenário internacional.
EditorialEditorialPublicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal
ConjunturaRevista de
Um profi ssional experiente num mundo em transformação
ENTREVISTA
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julho / setembro / 2009
Flávio Versiani, o mais antigo professor de economia
da Universidade de Brasília (UnB) conta, em entrevista
para a Revista de Conjuntura do Corecon-DF, sobre a
sua trajetória e experiência profi ssional. O economista
fala também sobre o cenário econômico do País, os im-
pactos na industrialização brasileira e sobre o Brasil ser
uma potência mundial a médio prazo em razão do seu
potencial de produção de alimentos e bioenergia.
Conjuntura – Nos conte um pouco da sua trajetória
como professor da UnB? Sua produção acadêmica? E
outras experiências profi ssionais?
Flávio Versiani – Nos anos setenta, um grupo de
jovens economistas, com doutorado recém obtido no
exterior, transferiu-se para Brasília e “ocupou” o Depar-
tamento de Economia da UnB. Fiz parte desse grupo,
junto com Edmar Bacha, Charles Mueller, Francisco Lo-
pes, Ricardo Lima e outros mais. Houve, nesse período,
expansão signifi cativa do ensino e da pesquisa em Eco-
nomia, no País, e o Departamento esteve na vanguarda
desse processo. Nosso mestrado foi dos primeiros a se-
rem criados; formou-se aqui o primeiro programa “PET”
de Economia do Brasil, no curso de graduação; e o De-
partamento participou ativamente da criação, então, da
Flávio Versiani
Associação de Centros de Pós-Graduação em Economia
- ANPEC, que tem tido papel central no intercâmbio en-
tre pesquisadores da área. Foi uma fase movimentada,
em que se procurava de certa forma compensar, com
o desenvolvimento da análise da economia brasileira e
do pensamento crítico na academia, o fechamento que
o regime militar impunha à sociedade.
Com um interregno de dois anos na direção do
IPEA, em Brasília - uma experiência interessante e ins-
trutiva -, e um período equivalente em universidades
no exterior, permaneci deste então ligado ao Departa-
mento de Economia da UnB, em tempo integral. Nessas
três décadas, é claro, muitas coisas mudaram e evoluí-
ram, na Universidade (outras involuíram). Destaco uma
evolução positiva: o interesse crescente demonstrado
por nossos estudantes de graduação em participar de
atividades de pesquisa e de ensino. Em minha área de
pesquisa, por exemplo, História Econômica, tem havido
uma grande procura de estudantes em participar dos
projetos que coordeno, não só como bolsistas do Pro-
grama de Iniciação à Pesquisa, patrocinado pelo CNPq,
mas também como voluntários, sem qualquer remune-
ração, senão a que decorre do gosto da pesquisa e da
descoberta. Outro exemplo gratifi cante é a disposição
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além de analisar e relatar esses documentos para o
Conselho. Foi, ao cabo, uma experiência compensadora,
já que foi possível, ao longo desse período, aperfeiçoar
um sistema eficaz de acompanhamento, tanto das re-
ceitas e gastos da Universidade, como das realizações
resultantes desses gastos, em termos das atividades-
fim da instituição. Uma importante ferramenta de pla-
nejamento e gestão.
Conjuntura – A conjuntura atual é de crise. Na sua
avaliação quais são os principais impactos na industria-
lização brasileira atual?
Flávio Versiani – A indústria brasileira, depois
de ter sido o carro-chefe da economia por um longo
período , perdeu impulso nas últimas três décadas: o
crescimento anual da indústria de transformação, que
havia atingido a média impressionante de quase 9% ao
ano, entre 1947 e 1980, caiu verticalmente, descendo
abaixo de 1,5%, de 1980 a 2007. Não há consenso quan-
to à importância relativa dos fatores que contribuíram
para provocar essa guinada, mas entre eles ressalta a
baixa eficiência produtiva de setores que surgiram e se
desenvolveram ao abrigo da concorrência internacio-
nal, devido a políticas governamentais protecionistas –
como é o caso de grande parte de nossa indústria. Com
o processo de abertura da economia, a partir do final
dos anos oitenta, esses setores não puderam competir
com a produção estrangeira, e perderam mercado.
É verdade que, em contrapartida, outros ramos da
indústria nacional já atingiram bons níveis de compe-
titividade externa, de que é testemunho o crescimento
mostrada por alunos/as em participar do curso de In-
trodução à Economia, oferecido pelo Departamento,
como monitores, assumindo, com entusiasmo e dedi-
cação, várias tarefas auxiliares – e dessa forma contri-
buindo para aumentar, de forma muito significativa, a
eficiência do ensino da disciplina. E contribuindo tam-
bém, evidentemente, para o aperfeiçoamento de sua
formação profissional.
Penso, aliás, que a Universidade não responde de
forma suficiente a esse interesse e disposição mostra-
dos pelos alunos. Os estudantes frequentemente são
vistos como simples objeto passivo do processo de
aprendizagem, quando poderiam, com muita vanta-
gem para si próprios e para a Universidade, ser mobili-
zados para uma participação mais ativa nas atividades
de ensino e pesquisa. Seria muito desejável que a ad-
ministração das áreas acadêmicas desenvolvesse me-
canismos para facilitar essa participação.
No que toca à administração universitária, tive uma
experiência desafiadora: fui, durante quase 15 anos,
membro do Conselho Diretor da Fundação Universida-
de de Brasília. O maior desafio desse colegiado, no perí-
odo, foi o desenvolvimento de instrumentos de gestão
financeira e planejamento apropriados a uma univer-
sidade, como a UnB, que cobre a maior parte de seus
gastos de manutenção e custeio com recursos pró-
prios, originários da venda de serviços à sociedade e de
seu patrimônio imobiliário. Como único economista no
Conselho, coube-me, ao longo desse período, colaborar
na implantação de uma sistemática de relatórios tri-
mestrais, orçamentário-financeiros e de planejamento,
A retomada do crescimento na economia brasileira e mundial, que muitos prevêem para o
próximo ano, deverá refletir-se favoravelmente em nossa indústria; mas dificilmente se atingirá
um nível alto e sustentado de expansão da produção industrial sem que prossiga o processo
de transformação estrutural dessa atividade.
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apreciável das exportações de produtos manufatura-
dos, nos últimos anos. Mas a crise atingiu pesadamente
esses setores mais competitivos, dada a queda brusca
de demanda internacional (como foi o caso de auto-
móveis e aviões), o que contribuiu para a violenta redu-
ção da atividade industrial observada em 2008: entre o
primeiro trimestre de 2009 e o trimestre corresponden-
te do ano anterior, a produção da indústria de transfor-
mação experimentou uma baixa real de quase 13%.
A retomada do crescimento na economia brasileira e
mundial, que muitos prevêem para o próximo ano, deve-
rá refletir-se favoravelmente em nossa indústria; mas difi-
cilmente se atingirá um nível alto e sustentado de expan-
são da produção industrial sem que prossiga o processo
de transformação estrutural dessa atividade. Ou seja,
sem que siga aumentando o peso relativo de empresas
e setores que possam competir num mundo globalizado.
Uma das chaves dessa competitividade, como vários es-
tudos comprovam, é a capacidade de absorção de novas
tecnologias de produção, visando maior produtividade, e
de desenvolvimento de novas linhas de produção. Numa
palavra, uma busca constante de inovações.
Um cenário favorável pode desenhar-se, na situa-
ção atual, caso os industriais brasileiros aproveitem a
tendência ora observada à valorização do real – que,
por um lado, tem efeito negativo, reduzindo os preços
da produção estrangeira que concorre com a nacional
– para importar máquinas e equipamentos, visando a
modernização de suas fábricas, e o conseqüente au-
mento de produtividade e de competitividade. Esse é
o melhor caminho: em lugar de seguir reclamando do
baixo preço do dólar, e demandar uma improvável ação
do governo para reverter tal tendência, como fazem
alguns, é bem preferível valer-se do aspecto positivo
dessa conjuntura para dar um salto à frente, um salto
de produtividade. Na realidade, não há alternativa: é
modernizar-se e tornar-se competitivo, ou perecer.
Conjuntura – Quais os efeitos da escravidão con-
temporânea (por dívida) no Brasil na atual conjuntura
econômica? A negação dos direitos trabalhistas e so-
ciais interfere na competitividade dos mercados?
Flávio Versiani – A escravidão deixou muitas mar-
cas em nossa sociedade, e de certa maneira sobrevive
em manifestações contemporâneas – e não apenas sob
a forma de trabalhadores forçados a permanecer em
propriedades rurais, presos por supostas dívidas com o
patrão, como às vezes a imprensa noticia. Em certos ca-
sos, relações de trabalho envolvendo trabalhadores de
baixa qualificação, e não organizados (como é o caso
de empregadas domésticas), mostram aspectos que se
aproximam da escravidão: não é raro, por exemplo, que,
em regiões do País onde há muito desemprego, jovens
empregadas domésticas recebam salário muito abaixo
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do mínimo, ou mesmo não recebam salário algum de
seus patrões.
O autoritarismo excessivo no trato de empregados
– a atitude de “senhor de engenho”, comum em certos
meios - é também, pode-se supor, um resquício do tipo
de relação prevalecente entre senhores e escravos. São
traços culturais negativos, que cumpre extirpar de nos-
sa sociedade. Quanto à relação entre observância de
direitos trabalhistas e competitividade, é verdade que
consumidores mais conscientizados, especialmente
na Europa e na América do Norte, costumam resistir à
compra de artigos cuja produção possa ter envolvido,
de alguma forma, mau tratamento de trabalhadores,
reduzindo a competitividade de tais artigos. Isso deu
origem à idéia de uma certifi cação de origem, atestan-
do que as relações de trabalho são corretas naquela
produção, analogamente à certifi cação ambiental. O
que pode, certamente, ter uma infl uência positiva, in-
duzindo práticas trabalhistas mais justas. Mas é preciso
atentar, também, para o fato de que exigências traba-
lhistas são, muitas vezes, uma forma disfarçada de pro-
tecionismo; nesse caso, são inaceitáveis.
Conjuntura – Alguns economistas internacionais
projetam o Brasil como uma potência mundial a mé-
dio prazo em razão do seu potencial de produção de
alimentos e bioenergia (além de petróleo com o pré-
sal), o senhor concorda com esse cenário?
Flávio Versiani – Sem dúvida, o Brasil foi bem agra-
ciado na “loteria” de distribuição de recursos naturais
entre países, no que se refere a terras agricultáveis, o
que faz do País um fornecedor importante de produtos
alimentares e de álcool, no mercado internacional. E há
perspectivas de expansão da produção, pois ainda há
terras a serem incorporadas, e têm-se obtido ganhos
expressivos de produtividade, inclusive pela atuação
da EMBRAPA. Mas há obstáculos do lado da demanda,
dados principalmente pelo protecionismo, muito arrai-
gado em vários países que são grandes consumidores
– e não apenas países mais desenvolvidos: a resistência
da Índia, preocupada em resguardar sua agricultura de
pequena escala da concorrência de produtores mais
efi cientes, foi um dos principais entraves a um acordo,
nas últimas negociações da Rodada de Doha. Cabe à
diplomacia um papel crucial, nesse aspecto. No caso do
álcool, um crescimento expressivo do consumo, a pon-
to de transformar o produto em commodity de peso no
comércio internacional, dependerá também da garan-
tia de um suprimento regular para os consumidores, o
que provavelmente demandaria maior difusão geográ-
fi ca de sua produção. O pré-sal é ainda uma promessa,
enquanto não se equacionam os problemas técnicos, e
principalmente fi nanceiros, de sua extração. Mas uma
promessa plena de perspectivas favoráveis: pode ser
um novo bilhete premiado, em nossa história econô-
mica, como o foram o açúcar, no início da colonização,
e mais tarde o café. Em suma, o País tem, certamente,
grandes possibilidades econômicas, a médio e longo
prazo. Mas – como mostra nossa história econômica
– transformar bilhetes premiados em crescimento sus-
tentado exige políticas corretas; e mais ainda se quer
que os benefícios desse crescimento cheguem a toda
a população, e não apenas a uma camada minoritá-
ria, como no passado. Também nesse ponto podemos
aprender com a História.
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ARTIGO
Possivelmente, o ano de 2009 será lembrado como
um dos mais auspiciosos do século. Repleto de boas
novas, o calendário deste ano confi rmou a presença de
vastas reservas de petróleo na camada do pré-sal da
costa brasileira, apontou a retomada do nível da ativida-
de econômica e, mais recentemente, registrou a escolha
do Rio de Janeiro como a sede da olimpíada de 2016.
Na mesma proporção da importância desses fatos,
surge uma desconfi ança a respeito dos seus reais des-
dobramentos. Mais especifi camente, há dúvidas pro-
fundas sobre a capacidade do governo em capitalizar
adequadamente esses ativos. Há incertezas quanto ao
retorno dos investimentos necessários à exploração
das novas riquezas, e quanto à trajetória futura das
contas públicas, já estremecidas pela política fi scal an-
ticíclica. Analogamente, há quem duvide da oportuni-
dade e da conveniência de realizar um evento de porte
global, como é o caso dos Jogos Olímpicos.
Tal cepticismo, todavia, não se baseia apenas em
agouro. De fato, boa parte dessas preocupações se jus-
tifi ca em algumas das páginas recentes da história do
País, manchadas por diversos escândalos envolvendo
incompetência, desperdícios e desvios na destinação
dos recursos públicos.
No fundo, o que está sendo realmente questionado
são as bases institucionais pelas quais se operam as polí-
ticas públicas no País. No âmago dessa questão, desafi a-
se a capacidade de governança das fi nanças públicas.
O problema é que, embora não seja novo esse de-
bate continua a avançar de forma muito fragmentada,
e em arenas quase desconexas. De um lado, prevalece a
perspectiva que privilegia análises sobre o impacto das
contas públicas na política macroeconômica. Em para-
lelo, discutem-se as condicionantes da produtividade
do gasto público e os efeitos distributivos das fi nanças
governamentais. Por fi m, há ainda uma terceira verten-
te importante – e que tem crescido muito nos últimos
anos – fundada na demanda por maior transparência
e participação sistemática da sociedade nas escolhas
orçamentárias.
A conseqüência mais clara desse fracionamento
equivocado da questão é o retardamento de sua com-
preensão. É embaraçoso perceber como difi culdades de
consciêncitização dos problemas nacionais impedem
o aproveitamento de oportunidades de transformação
institucional, tão necessárias e raras em nações em de-
senvolvimento. Diante disso, o principal propósito des-
te texto é resgatar certas conexões inalienáveis a esse
Sobre olimpíadas, pré-sal e cisnes negros: desafi os e
oportunidades para mudança das instituições orçamentárias
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debate. Em primeiro lugar, argumenta-se que essas três
perspectivas precisam ser integradas para que se com-
preenda melhor seu objeto de análise. Por exemplo, não
parece razoável estabelecer uma trajetória sustentável
para a dívida pública sem que se considerem os aspectos
relacionados ao impacto do gasto público ou à gover-
nança democrática. Na verdade, o eixo estruturador do
debate sobre gasto público deveria ser a adequação das
instituições orçamentárias existentes e não as dimensões
específi cas da gestão das fi nanças públicas.
Um segundo ponto, talvez mais importante, diz res-
peito à inadequação das instituições orçamentárias bra-
sileiras e sobre as difi culdades de modifi cá-las. Como
conseqüência, diante da necessidade de mudanças, a
tendência natural é a realização de ajustes meramente
pontuais, mantendo-se estáveis as bases institucionais
existentes. A continuidade dessa estratégia de ajuste se
constitui em grave erro. É necessário e urgente, apesar de
todos os obstáculos, repensar e transformar as institui-
ções que moldam a infraestrutura orçamentária do País.
Avaliando as instituições orçamentárias
Ao longo da história, cidades, feudos, impérios e de-
mocracias estabeleceram instituições para lidarem com
questões relacionadas às fi nanças públicas. Essas institui-
ções têm um papel importante na história desses esta-
dos. Como bem afi rmou Joseph Schumpeter, O espírito de
um povo, seu nível cultural, sua estrutura social, o resultado
das suas políticas – tudo isso e muito mais está refl etido em
sua história fi scal, desnudada de todas as frases. Aquele que
consegue ouvir sua mensagem é também capaz de discer-
nir, com maior clareza, os trovões da história.1
O conjunto de instituições que regem as decisões
sobre fi nanças públicas contituem as “regras do jogo
orçamentário”. Ela orienta a interação estratégica en-
tre inúmeros atores, dentro e fora do governo, da qual
resulta um determinado nível e perfi l das receitas e
despesas do governo. Nesse sentido, ela condiciona as
relações econômicas, sociais e políticas entre atores en-
volvidos nas políticas públicas.
As regras do jogo orçamentário podem ter tanto um
caráter formal, como leis, decretos e outras normas ex-
pressamente estabelecidas, como podem ser também
de natureza informal, estabelecendo crenças, valores e
prinícipios para interpretar e implementar as regras for-
mais.2 Essa densa rede de normas formais e informais
estabelece a infraestrutura institucional subjacente ao
processo decisório que determina a alocação de recur-
sos públicos no País. Vale destacar que ela envolve e
infl uencia cada uma das fases do ciclo de alocação de
recursos: a formulação, a implementação, a avaliação e o
controle do orçamento.
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O conjunto de instituições que regem as decisões sobre fi nanças públicas
contituem as ‘regras do jogo orçamentário’. Ela orienta a interação estratégica entre
inúmeros atores, dentro e fora do governo, da qual resulta
um determinado nível e perfi l das receitas e despesas
do governo. Nesse sentido, ela condiciona as relações
econômicas, sociais e políticas entre atores envolvidos nas
políticas públicas.
1 SCHUMPETER, J.A. 1918. The crisis of the tax state. In: SWEDBERG R.A. (Ed.) Joseph A. Schumpeter: the economics and sociology of capitalism. Princeton, NJ: Princeton University Press. 1991.
2 NORTH, D.C at alli. Violence and social orders: a conceptual framework for interpreting recorded human history. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.
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A infraestrutura orçamentária pode ser avaliada de
diferentes formas. Talvez a maneira mais simples e didá-
tica seja uma analogia com as “três funções” propostas
por Richard Musgrave3: a função alocativa, a função es-
tabilizadora e a função distributiva. A essas três funções
podemos acrescentar mais duas: a função regulatória e
a função legitimadora.
A existência de 3+2 critérios avaliativos permite
formular uma série de questões interessantes como,
por exemplo:
• Em que medida as instituições orçamentárias exis-
tentes promovem uma melhor seleção e análise de pro-
gramas e projetos, fomentando a efi ciência alocativa , o
crescimento e o aumento da produtividade?
• Até que ponto a infraestrutura orçamentária estimu-
la a efetividade e sustentação das iniciativas voltadas
para redução das disparidades de riqueza, renda e opor-
tunidades e a promoção da justiça distributiva no País?
• Em que medida o processo orçamentário contribui
para uma política fi scal consistente com o objetivo de
estabilidade macroeconômica?
• Em que proporção as regras do jogo orçamentário
regulam e fomentam a comunicação, a coordenação e
a cooperação necessárias à sinergia entre agentes eco-
nômicos, públicos e privados?
• Até onde o processo decisório sobre as fontes de
fi nanciamento e destinação dos gastos públicos contri-
bui para a governança democrática do País?
Não raro, propostas de mudanças geram inten-
sos confl itos entre esses cinco critérios. Por exemplo,
mudanças nas metas fi scais com o fi to de assegurar a
estabilidade macroeconômica podem impactar ne-
gativamente nas políticas voltadas para promoção da
justiça distributiva, como da mesma forma que o afã de
reduzir o oportunismo e regular as relações econômi-
cas entre diferentes atores, dentro e fora do governo,
pode criar distorções alocativas importantes.
As transformações no setor público e nas políti-
cas públicas
Um dos mais interessantes aspectos do campo de
estudos orçamentários e da história fi scal situa-se em
analisar como um país acomoda os confl itos existentes
entre esses critérios, adaptando-os às transformações
políticas e sociais.
Ao longo das últimas décadas, essas transformações
vêm se acelerando, especialmente no contexto brasilei-
ro. Três mudanças importantes merecem ser destaca-
das. Primeiramente, há uma rápida expansão do setor
público, com um aumento considerável do número de
organizações e de pessoas. Esse ponto é importante e
gera alguma confusão. Embora a parcela do setor pú-
blico no PIB possa oscilar, em termos absolutos, o setor
público cresce de forma consistente ao longo das últi-
mas décadas.
Além de maior, o setor público se tornou mais com-
plexo. O equilíbrio vertical (entre os três poderes) e
horizontal (entre diferentes unidades da federação) se
tornou consideravelmente instável. Há hoje fronteiras
difusas delimitando competências e autoridade. Além
disso, novos atores passaram a ter grande infl uência nas
‘‘
‘‘
Há uma rápida expansão do setor público, com um aumento considerável do número de organizações
e de pessoas. Esse ponto é importante e
gera alguma confusão. Embora a parcela do setor público no PIB
possa oscilar, em termos absolutos, o setor
público cresce de forma consistente ao longo das
últimas décadas.
3 MUSGRAVE, R.A. Teoria das fi nanças públicas. São Paulo: Editora Atlas, 1973.
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a
decisões de políticas públicas, muitas vezes com poder
de veto. Considere, por exemplo, a crescente influência
de grupos sociais organizados e de entidades interna-
cionais nas decisões sobre políticas públicas no País.
Uma terceira mudança importante ocorre no âmbi-
to das políticas públicas. Além de grande e complexo,
o governo passou a formular políticas públicas que
possuem um alto grau de complexidade. As políticas
passaram a ser gerenciadas de forma transversal, en-
volvendo um grande número de atores dentro e fora
do governo, e multifuncionais, ou seja, a buscar vários
objetivos simultaneamente.
Formular, gerir e avaliar políticas públicas tem se tor-
nado tarefa muito mais complexa. Nesse novo contexto,
cabe indagar: como as regras do jogo orçamentário se
adéquam a essa nova situação? Seriam elas apropriadas
ao enfrentamento dos desafios decorrentes das boas
notícias surgidas ao longo desses últimos meses?
A inadequação da infraestrutura institucional
existente
No caso brasileiro, o equilíbrio do jogo orçamentá-
rio é estabelecido a partir de regras fundamentadas em
quatro pilares: (i) A Lei 4.320, de 1964, que estabeleceu
normas gerais para o orçamento e controle da União,
Estados e Municípios; (ii) a Constituição de 1988 que es-
tabeleceu a tríade da programação orçamentária LDO,
LOA e PPA e as bases do controle interno e, (iii) a Lei
Complementar nº 101 (LRF) de 2000 e (iv) um conjunto
de normas, orientações e interpretações estabelecidas
pelas organizações inseridas na “função controle” do
governo (TCU, CGU, MP etc).
Como se percebe, a infraestrutura orçamentária do
País é estabelecida de maneira fragmentada, através de
diferentes marcos legais que foram sendo concebidos ao
longo dos últimos 50 anos. É interessante notar que esse
processo de mudança institucional vai ocorrendo “em ca-
madas”, ou seja, novas regras e normas vão se sobrepon-
do ao longo do tempo, mas as normas antigas são man-
tidas. O resultado é um conjunto de normas e princípios
diversos e, muitas vezes, incompatíveis entre si.
Embora essa não seja a ocasião para realizar uma
avaliação das instituições orçamentárias, com base nos
critérios avaliativos propostos anteriormente, verifica-
se que há espaço considerável para aperfeiçoamentos.
Do ponto de vista da promoção da eficiência alo-
cativa e da efetividade distributiva, há lacunas im-
portantes, como por exemplo, a ausência de práticas
avaliativas institucionalizadas, que permitam aferir
adequadamente a gestão e o impacto dos programas
governamentais, estimulando o aprendizado.
Em relação à sustentação de uma trajetória consis-
tente da dívida pública, há um sistema de metas fiscais
razoavelmente funcional, mas que carece de credibili-
dade em função da ausência de instrumentos que per-
mitam firmar acordos intertemporais críveis e estabe-
lecer uma programação orçamentária de médio prazo
que seja consistente.
Já o marco regulatório hoje existente, é impreci-
so, instável e, muitas vezes, predatório. Há uma su-
perdosagem de controle em determinadas áreas,
submetendo programas e projetos a um sistema de
múltiplas chibatas, onde diferentes reguladores atuam
‘‘
‘‘
Em relação à sustentação de uma trajetória
consistente da dívida pública, há um sistema
de metas fiscais razoavelmente funcional,
mas que carece de credibilidade em função da ausência de instrumentos
que permitam firmar acordos intertemporais
críveis e estabelecer uma programação orçamentária
de médio prazo que seja consistente.
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simultaneamente sobre as mesmas dimensões opera-
cionais do programa. Por outor lado, há pouca ênfase
na avaliação da performace ou na análise de resultados
e impactos. Esse modelo regulatório gera custos tran-
sacionais altíssimos e obstaculariza a inovação e o em-
preendedorismo nas políticas públicas.
Finalmente, quanto à governança democrática, é
notória a escassez de mecanismos que permitam o
controle social, bem como é inegável a carência de are-
nas decisórias estruturadas para permitir a efetiva par-
ticipação popular.
É importante ressaltar que ao apontar espaços de
aperfeiçoamento não significa negar a importância
dos avanços ocorridos no passado. Muito pelo contrá-
rio. Desde a Lei nº 4.320 foram feitos avanços impor-
tantes, os quais devem ser valorizados e reconhecidos.
A crítica aqui formulada se origina da percepção de
que as regras do jogo orçamentário hoje existente não
atendem adequadamente aos cinco critérios acima
mencionados. Esse parece ser hoje o consenso entre
especialistas, analistas e gestores.
As dificuldades de mudança
Se há consenso sobre a inadequação da infraestrutu-
ra orçamentária existente, porque não se estabelece um
novo marco institucional para o processo orçamentário
brasileiro? Se o país teve relativo sucesso na instalação
de um novo regime monetário no país, inclusive com a
instalação do regime de metas inflacionárias, por que
não estrutura um novo conjunto de instituições para
lidar com o regime orçamentário? O que está faltando?
Essas perguntas são importantes. Há vários fatores
que obstacularizam essas mudanças.
a) O efeito “Torre de Babel” ou a ausência de uma co-
munidade epistêmica homogênea. Ao contrário do
que ocorre com a política monetária, participam dos
debates sobre política orçamentária profissionais com
diferentes formações, diferentes retóricas e diferentes
referenciais teóricos. Economistas que trabalham com
questões fiscais e instituições têm que compartilhar
suas idéias com contadores, administradores, especialis-
tas em direito público e cientistas políticos de diferentes
orientações conceituais e filosóficas. As propostas sobre
orçamento acabam formando um mosaico disforme de
idéias, quase sempre incompatíveis entre si e dificultam
a formação de consenso sobre o tema.
b) As dificuldades na percepção dos benefícios das
mudanças. Os efeitos de alterações nas instituições or-
çamentárias podem gerar ganhos de produtividade no
setor público, maior transparência, marcos regulatórios
claros e redução de incerteza na relação entre atores
dentro e fora do governo. Esses efeitos têm o potencial
de gerar ganhadores e perdedores e, se são difíceis de
serem mensurados, podem resultar na falta de apoio
ou mesmo em resistências às mudanças.
c) Os altos custos transacionais das mudanças nas re-
gras do jogo orçamentário. A área orçamentária é mar-
cada por regras de “alta densidade” e grande interrelação
técnica com outras normas e princípios. Há também altos
custos de instalação e sérios problemas de ação coletiva,
visto que essas mudanças afetam diferentes entidades
dentro e fora do setor público.
Em função de tais dificuldades e diante dos novos
desafios que surgem, a tendência é a manutenção da
‘‘
‘‘
Se há consenso sobre a inadequação da infraestrutura orçamentária existente, porque
não se estabelece um novo marco institucional para o
processo orçamentário brasileiro? Se o país teve relativo sucesso na
instalação de um novo regime monetário no país, inclusive
com a instalação do regime de metas inflacionárias, por que
não estrutura um novo conjunto de instituições para lidar com o
regime orçamentário?
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infraestrutura orçamentária básica inalterada e realizar
mudanças localizadas e específi cas, perpetuando um
processo de transformação em camadas. Grande parte
das iniciativas hoje em discussão aponta nessa direção.
Em um primeiro momento, essa parece ser uma solução
cômoda: emendar pontualmente o modelo atual e man-
ter a essência da infraestrutura orçamentária existente.
Não obstante, essa estratégia incremental poderá se
constituir em grave erro, na medida em que adia refor-
mas promissoras ao desenvolvimento nacional.
O ataque dos cisnes negros
Robert Skidelsky, o mais famoso biógrafo de Key-
nes, em debate promovido pelo jornal inglês “The
Guardian” procurou responder a pergunta da rainha Eli-
zabeth sobre o recente colapso do sistema fi nanceiro
internacional: “Como ninguém previu o surgimento
dessa crise?”. Com bom humor e um certo tom de picar-
dia, Skidelsky propõe um diálogo fi ctício entre a rainha
e seu conselheiro para assunto econômicos. Nesse diá-
logo, o conselheiro econômico afi rmava que “não havia
espaço para tais eventos em nossos modelos econômi-
cos e, consequentemente, o que não podemos mode-
lar, não irá acontecer”.
Diante dessa resposta a rainha indaga: “Mas como
isso veio a ocorrer?“. O conselheiro respondeu, um
tanto envergonhado, que “cisnes negros, sempre em
formação, têm a péssima prática de atacar sistemati-
camente nossos modelos e crenças sobre o funciona-
mento da economia.”4
Obviamente, Skidelsky se referia ao argumento
apresentado no livro de Nassim Taleb, “A lógica do cisne
negro: o impacto do altamente improvável”5, e a análise
sobre os princípios de causalidade e inferência feita por
Hume, Mill e Popper. Há semelhanças entre a análise de
Taleb e de Keynes, e Skidelsky percebeu isso com clare-
za. Em função disso, Skidelsky desafi a os economistas
a “construir modelos que sejam robustos o sufi ciente
para resistir ataques dos cisnes negros”.
A olimpíada e as descobertas no pré-sal são exce-
lentes notícias para o País. Mas embora os nossos mo-
delos de gestão macroeconômica e de investimentos,
assim como o conjunto de instituições orçamentárias
hoje existentes não tenham espaço para previsão des-
ses riscos, eles são reais e importantes.
Os investimentos requeridos serão grandes, com-
plexos e envolverão políticas públicas a serem formu-
ladas e implementadas transversalmente e com foco
multidimensional. Há problemas de ação coletiva im-
portantes a serem superados que demandarão grande
esforço para gerar cooperação, coordenação e comu-
nicação entre os atores envolvidos. Há riscos externos
também, em função de mudanças no cenário econômi-
co e político internacional.
O desafi o agora é estabelecer modelos de análise
e gestão de políticas e programas que sejam, entre
‘‘
‘‘Os investimentos
requeridos serão grandes, complexos e envolverão
políticas públicas a serem formuladas e implementadas
transversalmente e com foco multidimensional. Há
problemas de ação coletiva importantes a serem superados
que demandarão grande esforço para gerar cooperação, coordenação e comunicação
entre os atores envolvidos.
4 O vídeo da apresentação de Robert Skidelsky está disponível no site http://www.guardian.co.uk/commentisfree/video/2009/feb/26/robert-skidelsky-capitalism-crisis em 01/10/2009
5 TALEB, N.N. A lógica do cisne negro: o impacto do altamente improvável. Rio de janeiro: Editora Best Seller, 2009.
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outras coisas, capazes de resistir aos inevitáveis ata-
ques dos cisnes negros.
Assim como os investimentos preconizados na olim-
píada e no pré-sal poderão gerar benefícios duradou-
ros para a infraestrutura física do País, metamorfoses
na infraestrutura institucional e, mais especificamente,
nas instituições orçamentárias,tendem a ser o mais im-
portante dos legados a ser deixado para as gerações
futuras. Portanto, a medida do sucesso da olimpíada de
2016 talvez não seja o número de medalhas conquista-
das pela delegação brasileira, e nem mesmo a quanti-
dade de turistas visitando nosso País, mas sim as trans-
formações duradouras e necessárias às instituições que
regem o jogo orçamentário. Essa pode ser a “janela de
oportunidade” para que essas mudanças, tão difíceis de
ocorrer, possam ser finalmente implementadas.
Embora o objetivo desse artigo seja tão somente re-
fletir sobre a necessidade e a urgência de mudanças nas
instituições orçamentárias, e se creia que essas sugestões
devam ser construídas a partir de um processo de reflexão
coletiva, cabe apontar, mesmo correndo o risco da super-
ficialidade, algumas medidas e caminhos como sugestão:
• Promover, de forma integrada, o debate sobre as-
pectos macroeconômicos e microeconômicos do setor
público.
• Incentivar a simplificação de normas e procedimen-
tos orçamentários.
• Implementar instrumentos que permitam a contrata-
ção de resultados e a flexibilização do controle dos gastos.
• Incentivar o desenvolvimento de instrumentos que
favoreçam a aferição de desempenho e não o controle
administrativo ou de insumos. Há iniciativas já em an-
damento no setor público brasileiro nessa direção que
precisam ser sustentadas e disseminadas.
• Incentivar a implementação de sistemas avaliativos
que gerem informações úteis e que possam subsidiar o
processo decisório referente às políticas públicas, espe-
cialmente o processo orçamentário.
• Estabelecer um novo quadro de referência para
a programação de médio prazo, melhor integrado ao
orçamento e que dê credibilidade e transparência aos
acordos intertemporais, especialmente na área de in-
vestimentos estratégicos.
• Reconhecimento da heterogeneidade das organi-
zações no setor público, inclusive no âmbito estadual
e municipal, e estabelecimento de “regimes simplifica-
dos” de execução e prestação de contas.
• Integração dos instrumentos de acompanhamento e
gestão de informação, classificações, sistemas e procedi-
mentos técnicos. A divisão entre planejamento, orçamen-
to, contabilidade e controle é um obstáculo importante
para a programação orçamentária. A heterogeneidade
das práticas entre entes federativos precisa ser reduzida.
• Mudança no modelo regulatório das finanças públi-
cas com melhor coordenação entre as agências envolvi-
das e consolidação das ações fiscalizatórias. A presença
de multiprincipais e múltiplas chibatas da forma como
se apresenta no País viola grande parte das lições sobre
incentivos e efetividade da regulação.
• Estabelecimento de uma agência independente
para fixação de normas orçamentárias e de certificação
de pessoas e de sistemas no setor público, especialmen-
te no âmbito dos investimentos públicos. Nesse sentido,
há muito a ser aprendido com os sistemas de certifica-
ção já existentes na área de investimentos privados.
• Apoiar iniciativas para o estabelecimento do mer-
cado de títulos públicos estaduais e municipais para
financiamento de investimentos de infraestrutura, com
normas que privilegiem a transparência e a aprovação
da emissão de títulos a partir de plebiscitos.
• Estabelecer normas de conduta precisas para todas
as entidades prestadoras de serviço aos governos, esta-
belecendo isonomia com as entidades públicas no que
se refere à transparência, prestação de contas e com-
promisso com o interesse público.
• Fortalecer a transparência das contas públicas, de-
terminando a divulgação imediata e detalhada pela
Internet de todos os gastos acima de R$ 25 mil reais.
• Dar ampla transparência, inclusive disponibilizando
pela Internet, de todos os convênios, contratos e outros
arranjos que impliquem em venda de patrimônio ou
transferência de recursos entre entidades federativas e
em pagamentos para o setor privado.
Carlos Leonardo Klein
Paulo Carlos Du Pin CalmonEconomista pela Universidade de Brasília,
mestre em Economia - Vanderbilt University e doutor em Políticas Públicas - University of Texas at Austin.
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junt
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Desde a promulgação da Constituição de 1988 o
Brasil vem pondo em prática um modelo fi scal que visa
à expansão e sustentação da demanda agregada oriun-
da de certos segmentos, com base em gastos diretos
de pessoal e transferências do orçamento da União.
Trata-se dos segmentos contemplados exatamente pe-
los itens de maior peso no gasto: previdência, pessoal
e assistência social, e correspondendo basicamente
a funcionários públicos, aposentados e pensionistas,
além de benefi ciários de programas de transferências
de renda, onde os gastos se destinam basicamente a
consumo. Juntando a esses os gastos com assistência
médica e saúde pública, além das demais despesas cor-
rentes, onde os gastos têm crescido um pouco menos,
chega-se à parcela majoritária de 95% do orçamento
público ou 16,3% do PIB (2008). Com exceção de anos
de crise aguda, e conforme atesta o gráfi co 1, essa par-
cela vem crescendo sistematicamente acima do PIB há
vários anos, cabendo notar que há bem pouco tempo,
em dezembro de 2003, ela representava bem menos –
14,8% do PIB, ou seja, cerca de 1,5 ponto percentual do
PIB (ou R$ 43 bilhões) a menos do que atualmente.
Opção por crescer menos
Raul Wagner dos Reis Velloso
ARTIGO
Gráfi co 1Tx.Cresc.% Real da Desp.Não Fin.Corrente da União e do PIB (ult.12 meses), dez03 a ago09
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A outra preocupação relevante das autoridades fe-
derais tem sido o combate à infl ação. Investimento e
crescimento da economia passaram a ser variáveis que
se determinam endogenamente.
Resumidamente, com o advento do bem sucedido
Plano Real (1994-1995), o Brasil se livrou da infl ação
crônica, e, em 1999, a taxa de câmbio passou a fl utuar
sem repique da infl ação endêmica. Por essa altura, o País
começava a gerar superávits fi scais elevados, inclusive
nas administrações estaduais e municipais, median-
te a aplicação, pelo Tesouro Nacional, de uma pesada
camisa-de-força fi nanceira sobre esses entes. Na União,
com exceção dos momentos de crise aguda, a geração
desses superávits se deu sem prejudicar a implementa-
ção do modelo acima descrito. Nessas crises (como em
1998-1999 e 2002-2003), o governo não apenas bus-
cava aumentar a arrecadação, mas também fazia uma
contenção especial dos gastos em geral. Fora desses
momentos, contudo, o ajuste fi scal vem sendo feito ba-
sicamente pelo aumento da arrecadação, em primeiro
lugar, e pela contenção dos investimentos, em segundo.
Em que pese os resultados favoráveis associados à
primeira fase pós Plano Real, por volta de 2002 a polí-
tica macroeconômica se situava diante de um impasse
complicado, pois a combinação de um mundo cheio
de crises (especialmente nos países emergentes) com
certas condições macroeconômicas ainda precárias
faziam com que a razão dívida/PIB viesse subindo sis-
tematicamente desde 1996, mesmo na presença de su-
perávits fi scais relativamente elevados.
Que condições eram essas? Por um lado, as reservas
internacionais eram baixas e era alto o peso da parcela
externa na dívida pública. Diante de crises, havia fuga
de capitais, aumento das taxas de risco (Risco-Brasil) e
da taxa de câmbio, e fi nalmente subida da taxa Selic
para combater a infl ação resultante. Em conseqüência,
subia a dívida pública. Isso ocorria tanto pelo aumento
da taxa de câmbio como da taxa Selic, já que esta era o
principal componente do custo real implícito da dívi-
da pública líquida global, custo esse que, por volta de
2000, se situava ao redor de 11% ao ano acima do IPCA,
um dos maiores do mundo.
Diante de juros reais tão altos, a economia crescia
pouco. Os superávits fi scais primários aumentavam
pelo esforço de aumento da arrecadação (que inclusive
subia mais que o PIB) e pela forte contenção dos inves-
timentos, mas eram insufi cientes para contrabalançar
o efeito expansionista sobre a razão dívida/PIB de ju-
ros reais altos, câmbio alto e crescimento baixo do PIB
(cerca de 2,3% ao ano, em média). Isso tudo contribuía,
além do mais, para reduzir os investimentos privados
e a capacidade de crescimento da economia brasileira.
Mantidas essas condições, a principal saída imaginá-
vel era “dobrar a aposta” na mesma política de aumento
de superávits, mas agora revertendo a velha política de
aumento dos gastos correntes, em face do virtual esgo-
tamento das vias tradicionais do esforço de ajuste – au-
mento da arrecadação e corte de investimentos. Só que o
esforço de ajuste teria de ser de tal ordem, que logo pas-
sasse a viabilizar a redução da razão dívida/PIB, quebran-
do o círculo vicioso em vigor, antes que uma nova crise se
abatesse sobre o País e pusesse tudo por terra.
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Diante de juros reais tão altos, a economia crescia
pouco. Os superávits fi scais primários aumentavam
pelo esforço de aumento da arrecadação e pela forte
contenção dos investimentos, mas eram insufi cientes para
contrabalançar o efeito expansionista sobre a razão
dívida/PIB de juros reais altos, câmbio alto e crescimento baixo
do PIB. Isso tudo contribuía, além do mais, para reduzir os
investimentos privados e a capacidade de crescimento da
economia brasileira.
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Lidar com esses problemas na transição entre o se-
gundo governo FHC e o primeiro governo Lula (2002-
2003) era algo obviamente muito complexo, pois, dado
o impasse, o temor era de que o novo governo preferis-
se tratar do assunto por caminhos heterodoxos. Nessas
condições, acabou estourando nova crise, com fuga de
capitais e a repetição de todos os efeitos nocivos à eco-
nomia das crises anteriores. Diante de mais uma crise
aguda, o novo governo seguiu estratégia semelhante à
de 1998-1999 num primeiro momento, sem mexer no
sistema de metas de inflação. Nesse ano, enquanto a
receita líquida da União crescia 12,3%, em termos no-
minais, os gastos com outros custeios e capital caíram
13,3%, enquanto os com pessoal cresciam à taxa de
6,7%, bem abaixo da receita. Já o item mais rígido, be-
nefícios do INSS, cresceu nada menos do que 21,7%. Ao
final, o total dos gastos cresceu 10,8%, taxa essa que, de
qualquer forma, se situava ainda abaixo do crescimento
da receita. Mas como o impasse macroeconômico conti-
nuava vivo, surgiu a dúvida sobre o passo seguinte a ser
dado pelo governo: adotar-se-ia finalmente uma políti-
ca de contenção dos gastos correntes?
Na prática, o governo Lula acabou não precisando
enfrentar essa difícil questão do ponto de vista político,
porque o cenário externo passou a melhorar conside-
ravelmente, diante da exacerbação da curiosa sinergia
sino-americana, em que os chineses (sem falar nos ha-
bitantes de outros países asiáticos, como o Japão, ou da
Europa, como a Alemanha) poupavam muito, enquanto
os americanos consumiam ao máximo. Isso levou a um
maior crescimento do comércio mundial e a um forte
choque externo favorável para o Brasil, mediante a dis-
parada dos preços de nossas commodities de exporta-
ção, que, em várias seqüências de subidas, alcançaram
níveis historicamente muito elevados até um pouco
antes da crise de 2008.
A liquidez mundial passou a se expandir considera-
velmente, aumentando fortemente os movimentos de
capitais, sob várias modalidades, particularmente para o
Brasil. Em conseqüência, as taxas de risco passaram a cair,
o mesmo sucedendo com as taxas de câmbio e as taxas
de juros, expandindo-se o crédito interno e os prazos de
financiamento. Subiram aceleradamente as reservas in-
ternacionais, e a dívida externa pública não apenas ze-
rou, como hoje se transformou em crédito líquido.
Ao lado disso, as importações de bens de capital e
os investimentos privados subiram bastante. Os inves-
timentos públicos também subiram porque, mesmo
se mantendo a política de geração de altos superávits
fiscais, a arrecadação de tributos passou, sob a influên-
cia do boom mundial, a crescer até acima do próprio
crescimento da economia (veja gráfico 2). Ao final, a
fase 2002-2008 acabou testemunhando uma expressi-
va redução da razão dívida/PIB, graças, ainda, a maiores
taxas de crescimento da economia, quebrando-se o cír-
culo vicioso sem mudar a política de gastos. Do pico
observado pela razão dívida/PIB em setembro de 2002
(52,9% do PIB) ao nível mais baixo observado recente-
mente, em novembro de 2008, quando chegou a 37,7%
do PIB, após vários meses de queda contínua, o indi-
cador básico do grau de solvência pública do País caiu
sistematicamente na recente fase de bonança externa.
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A liquidez mundial passou a se expandir consideravelmente,
aumentando fortemente os movimentos de capitais, sob
várias modalidades, particularmente para o
Brasil. Em conseqüência, as taxas de risco passaram a cair, o mesmo sucedendo com as taxas de câmbio
e as taxas de juros, expandindo-se o crédito
interno e os prazos de financiamento.
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Antes de a crise atual estourar por aqui, em
decorrência da chamada bolha imobiliária,
o Brasil parecia ter encaminhado, num grau
bastante satisfatório, o equacionamento
do problema macroeconômico básico dos anos precedentes, o de insolvência pública, e
sem precisar abrir mão do modelo de expansão dos
gastos correntes
Em resumo, antes de a crise atual estourar por aqui,
em decorrência da chamada bolha imobiliária, o Brasil
parecia ter encaminhado, num grau bastante satisfató-
rio, o equacionamento do problema macroeconômico
básico dos anos precedentes, o de insolvência pública,
e sem precisar abrir mão do modelo de expansão dos
gastos correntes acima referido. Por trás, o PIB poten-
cial crescia a taxa entre 4,5 e 5% ao ano, mesmo sem
existir um esforço maior direcionado para a remoção
de entraves que impediam uma retomada mais firme
dos investimentos.
Só que, em contraste com o que se passava à época
em que abundavam crises oriundas de países emer-
gentes (quando a Selic subia para fazer face a pressões
inflacionárias oriundas de choques cambiais, mas não
por excesso de demanda), o Banco Central acabou ten-
do, entre 2007 e 2008, de subir a taxa básica de juros,
por conta da constatação de excesso de demanda agre-
gada sobre a produção doméstica, brecando a escalada
ascendente da economia. Isso se deu mesmo com a ra-
zão dívida/PIB em processo de declínio (o que reduz o
risco-Brasil e aumenta o ingresso de dólares no País, le-
vando à apreciação da taxa de câmbio), e mesmo com
a taxa de câmbio em forte queda, por esse e por outros
motivos (o que ameniza as pressões inflacionárias).
E foi exatamente o que sucedeu a partir da reunião
do COPOM de 17.10.07, quando, interrompendo longo
período de queda contínua da Selic, o BC, diante de ex-
pectativas inflacionárias desfavoráveis, resolveu man-
tê-la constante em 11,25%, situação que não se alterou
até a reunião de 5.03.08. A partir daí, a Selic aumentou
em todas as reuniões que se seguiram, até a de 10.09.08,
quando chegou à marca de 13,75%, e ficou constante
nesse nível até a reunião de 10.12.08. Enquanto isso, a
taxa de câmbio se reduzia de R$ 1,81 (17.10.07) para o
ponto mínimo de R$ 1,56, em 30.07.08.
A Selic teve de subir porque, diante de uma capaci-
dade de produção agregada que tem crescido relativa-
mente pouco desde os anos setenta (em vista de baixas
e declinantes taxas de investimento), os gastos públi-
cos não financeiros vinham subindo a taxas excessivas
há muito tempo, como se exemplificou para o período
contido no gráfico 1. E esse tempo era suficientemente
longo para, em conjunto com a expansão dos gastos
privados (tanto de consumo como de investimento,
que cresciam em conjunto), produzir um excesso de
demanda sobre a produção doméstica em montante
capaz de gerar pressões inflacionárias acima do tolerá-
vel pela política de metas de inflação, além de uma pio-
ra nas contas externas. No tocante aos gastos da União,
quando medidos, por exemplo, para os últimos dozes
meses, no período de dezembro de 2003 a outubro de
2007, as despesas correntes totais (que representavam
cerca de 95% do gasto total no final do ano passado)
subiram à taxa média anualizada de 14,4%, o que reve-
la expressivo crescimento real (já que a variação média
anual do IPCA, medido nos últimos doze meses, entre
esses mesmos meses, se situou em 5,5%).
Subindo a Selic, cairiam, em seguida, tanto a taxa de
crescimento do consumo como, e especialmente, dos
investimentos privados, demonstrando que um teto de
crescimento da economia havia sido atingido naque-
la altura, mesmo sem os efeitos da crise do mercado
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imobiliário americano, e a despeito de se saber que a
trajetória da razão dívida/PIB tenderia a continuar de-
clinante (ou seja, que a estratégia de equacionamento
progressivo do risco de insolvência pública poderia se-
guir inalterada).
Claro estava, então, que a taxa de crescimento do
PIB no terceiro trimestre de 2008 não se repetiria nos
trimestres seguintes, mesmo sem a crise. Essa taxa era
de 1,3% ante o trimestre precedente ou 5,4% em ter-
mos anualizados. O PIB do terceiro trimestre de 2008
registrava, em adição, crescimento real de 6,7% em
relação ao do terceiro trimestre de 2007, taxas essas
todas acima da média mundial, de 4,5% ao ano, obser-
vada em 2008.
Por trás de tudo, mais uma vez o governo havia dei-
xado de emitir qualquer sinal de que mudaria a políti-
ca de expansão de gastos correntes que, com exceção
de momentos de crise aguda, vigorava há muitos anos.
Nesses termos, fazia-se a opção por o PIB crescer me-
nos, em vez de pagar o preço político de mudar o mo-
delo de expansão dos gastos públicos correntes.
A partir de novembro de 2008 fi zeram-se sentir os
efeitos da crise internacional sobre o Brasil, crise essa
de natureza completamente diversa em relação às an-
teriores. Em vez de enfrentar pressões infl acionárias de-
correntes de um novo choque cambial, mas diante da
queda da demanda externa e da contração do crédito
tanto externo como interno que se seguiu, e a exem-
plo do que sucedeu em outros países, houve drástica
desabada da produção industrial, tendo o valor absolu-
to das taxas negativas, nas comparações mês contra o
mesmo mês do ano precedente, se situado nos maiores
níveis observados desde os anos noventa.1 Dessa for-
ma, mesmo tendo a taxa de câmbio subido de forma
Gráfi co 2Tx.Cresc.% Real da Rec. Liq. da União, do Ind.de Prod. Indl. e do PIB (ult.12 meses), dez03 a ago09
(Obs. A série relativa à produção industrial termina em julho de 2009).
1 Confronte-se, a propósito, a queda de 15,8% do índice de produção industrial do IBGE, em dezembro de 2008, contra idêntico mesmo do ano precedente, com a segunda maior queda na série contemplando o período de 1992 a 2009, de 11,9%, em agosto de 1992.
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significativa logo no início da crise, eventuais pressões
inflacionárias se dissiparam rapidamente dentro do
quadro recessivo que se formou. Em conseqüência, e
também sob o impacto das desonerações fiscais apro-
vadas pelo governo para o setor automobilístico e ou-
tros, houve forte queda também da arrecadação de
impostos (ver gráfico 2).
Como se vê, para os últimos doze meses termina-
dos em julho último e a partir do final do ano passado,
a taxa de crescimento da receita líquida real da União
(com base no deflator implícito do PIB), que, desde de-
zembro de 2003, crescia sistematicamente tanto acima
do índice de produção industrial como do PIB, passa,
então, a cair. Até julho último, essa queda fica abaixo
da queda do índice de produção industrial (-2,8 con-
tra -8,0% deste), mas é bem mais forte do que a queda
da taxa de crescimento do PIB real (taxa essa que ficou
em 0,5% nos últimos doze meses terminados em julho).
Registra-se que, em agosto, a taxa de crescimento da
arrecadação cai mais um pouco (de -2,8 para -3,1%), na
esteira da nova queda da taxa relativa ao PIB real (es-
timada de 0,5 para 0,0%). Em síntese, depois de vários
anos se situando tanto acima da taxa de crescimento
da produção industrial como da taxa relativa ao PIB, a
taxa de crescimento da receita líquida real da União
passou, após a crise, a se situar entre aquelas duas.
Na reação à crise, além de o BC ativar a política mo-
netária, seja pela redução da taxa Selic (que caiu de
13,75 para 12,75% na reunião de 21.01.09, e continuou
caindo até atingir 8,75% na reunião de 22.07.09), seja
pela liberação de depósitos compulsórios, entre outras
medidas de alívio monetário, o governo resolveu deter-
minar aos bancos oficiais que expandissem suas opera-
ções de crédito, para tentar compensar o encolhimento
que vinha ocorrendo no âmbito das instituições finan-
ceiras privadas. Além disso, decidiu também atuar no
lado fiscal, aumentando especialmente os gastos cor-
rentes. Isso pode ser discutido com a ajuda do gráfico 3.
Como se vê, em agosto último os gastos correntes
subiam 6,3%, para os últimos doze meses terminados
nesse mês, enquanto a receita caía 3,1%, no mesmo
tipo de comparação.
A maior subida dos gastos correntes da União pode
também ser ilustrada pelo exame das taxas de cresci-
mento nominal de itens de peso nessa categoria, e tam-
bém pela comparação dessas taxas com a evolução da
receita e dos investimentos. Para valores acumulados
nos doze meses precedentes, verificam-se as seguintes
Gráfico 3Tx.Cresc.% Real da Rec. Liq. da União e da Desp. Não Financ. Corrente da União (ult.12 meses), dez03 a ago09
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taxas entre novembro de 2008 e agosto de 2009: recei-
ta líquida (-0,4%); despesa de pessoal (14,4%); benefí-
cios do INSS (6,6%); benefícios assistenciais LOAS/RMV
(9,0%); investimentos (1,6%).
Em conseqüência, e conforme dados divulgados
recentemente pelo BC, o superávit primário da União
vem caindo de forma expressiva de novembro de 2008
para cá, de 2,9% para 0,7% do PIB, em agosto último,
uma queda inédita para os últimos anos. E a razão dí-
vida/PIB global acabou subindo de 37,7% para 44% do
PIB, nesse mesmo interregno.
Outra informação importante é que, graças aos es-
tímulos fi scais e monetários, e ao fato de o setor indus-
trial, que emprega apenas 25% do contingente empre-
gado pelo setor de serviços, ter sido o mais afetado pela
crise, a economia como um todo reagiu rápida e em
intensidade surpreendente. Com efeito, o emprego na
área de serviços até se expandiu, diante do desempe-
nho favorável desse setor, e, assim, não houve a queda
da massa salarial que se temia. Nesses termos, a reces-
são acabou durando apenas dois trimestres, conforme
acaba de divulgar o IBGE. Segundo esse órgão, e com
base em dados dessazonalizados, depois de cair, em
termos reais, 3,4% no último trimestre de 2008, em re-
lação ao trimestre precedente, e cair 1,0% no primeiro
trimestre de 2009, nesse mesmo tipo de comparação, o
PIB trimestral brasileiro subiu 1,9% no segundo trimes-
tre deste ano. Assim, se o PIB crescer, a partir do terceiro
trimestre de 2009, 1,1% ao trimestre até o fi nal de 2010
(que implica taxa anualizada de 4,5%), projeção essa de
difícil contestação entre especialistas no assunto, a taxa
de crescimento média anual do PIB será de -0,3% este
ano e 4,7% no ano de 2010.2
Em resumo, depois de longo período em que o
atual governo parecia ter como objetivo uma drástica
redução da inserção do setor público no fi nanciamento
da economia brasileira (a julgar pela intenção, aparente
nos procedimentos anteriores, de continuar reduzindo
progressivamente a razão dívida/PIB sem nenhuma
meta explícita à frente), embora não parecesse decidi-
do a mudar o modelo de crescimento dos gastos cor-
rentes (o que limitava as possibilidades de crescimento
do País), duas decisões parecem ter sido tomadas dian-
te da crise internacional.
A primeira foi a de fazer com que os gastos públicos
correntes crescessem até mais do que estava anterior-
mente programado, para tentar reativar a economia da
forma mais rápida possível, deixando de lado qualquer
preocupação com pressão infl acionária futura. Nesse
sentido, fez-se uma reafi rmação do modelo de expan-
são dos gastos correntes. Já a segunda foi a de aban-
donar momentaneamente qualquer preocupação com
insolvência pública, argumentando, em várias ocasiões,
que, mesmo a relação dívida/PIB voltando a se mostrar
crescente por algum tempo, terminaria havendo rever-
são da nova trajetória ascendente dessa razão mais à
frente, quando a arrecadação voltasse aos níveis an-
teriores à crise e sua progressão, a partir daí, voltasse
à normalidade. Afi nal de contas, o mundo todo não
‘‘
‘‘Graças aos estímulos fi scais e monetários, e ao fato de o
setor industrial, que emprega apenas 25% do contingente
empregado pelo setor de serviços, ter sido o mais
afetado pela crise, a economia como um todo reagiu rápida e em intensidade surpreendente. Com efeito, o emprego na área
de serviços até se expandiu, diante do desempenho
favorável desse setor, e, assim, não houve a queda da massa
salarial que se temia.
2 Confrontem-se essas taxas com a mediana das expectativas de mercado coletadas em 25/09/09 pelo BC: 0% e 4,5%, respectivamente.
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estava fazendo o mesmo com suas respectivas razões
dívidas/PIB (ou seja, deixando-as subirem à vontade)?
Na verdade, o procedimento mais adequado teria
sido, primeiro, conferir primazia total à política mone-
tária na ação anticíclica, principalmente no caso brasi-
leiro, em que as taxas básicas de juros estavam entre as
mais altas do mundo. Nada obstante, tomada a decisão
de ativar a política fi scal do lado do gasto, dever-se-iam
aumentar gastos apenas de forma temporária, pois,
mais adiante, tanto a demanda externa, como o consu-
mo e os investimentos privados internos, se expandirão
naturalmente. Ou seja, quanto mais crescerem os gas-
tos públicos correntes rígidos na resposta à crise, maior
a probabilidade de o BC rapidamente voltar a aumen-
tar a Selic, para combater pressões infl acionárias que
certamente aparecerão até meados do ano que vem,
quando se der mais um congestionamento de gastos
públicos e privados frente à limitada capacidade de
produção interna. O próprio BC acaba de anunciar que
parou de reduzir a taxa Selic, porque espera pressões
infl acionárias decorrentes de gastos públicos excessi-
vos logo à frente.
O governo poderia ter aproveitado a ocasião propí-
cia, conferida pelo ambiente de crise, para fazer ajustes
no modelo de expansão dos gastos correntes, levando
em conta que sua manutenção, mesmo sem a crise, e
devido às pressões infl acionárias decorrentes de exces-
so de demanda, estava levando à obtenção de taxas de
crescimento do PIB relativamente baixas, conforme se
viu anteriormente nesta nota. Nesses termos, ao sair da
crise, difi cilmente as taxas de crescimento da economia
brasileira ultrapassarão a média mundial,3 e muito me-
nos a média observada nos países emergentes. Nesse
contexto, admitindo que os investimentos respondes-
sem muito lentamente em vista de vários entraves hoje
existentes, qualquer aumento de gasto corrente teria
de ser feito sob a forma de abono, de forma que esse
dispêndio extra pudesse ser retirado mais adiante à
medida que se acumulassem novas pressões infl acio-
nárias. Nesse caso, os mercados não apenas louvariam a
rapidez da resposta à crise no caso brasileiro, como en-
xergariam na ação governamental um maior compro-
metimento com o objetivo de crescimento econômico
mais rápido.
Segundo declarações ofi ciais mais recentes, as isen-
ções tributárias deverão ser eventualmente removi-
das, mas a meta de superávit primário global de 2009
acaba, uma vez mais, de ser reduzida (desta feita para
1,5% do PIB), a fi m de conciliar a manutenção do mo-
delo de expansão dos gastos com um desempenho
da arrecadação menos favorável em face do desaque-
cimento da economia. Reafi rmou-se, assim, o compro-
misso com o modelo de gastos e explicitou-se a falta
‘‘
‘‘
quanto mais crescerem os gastos públicos correntes rígidos na resposta à crise,
maior a probabilidade de o BC rapidamente
voltar a aumentar a Selic, para combater pressões
infl acionárias que certamente aparecerão até meados do ano que
vem, quando se der mais um congestionamento de gastos públicos e privados
frente à limitada capacidade de produção interna.
3 Registre-se que a taxa de crescimento média do PIB brasileiro que, nos anos setenta, era mais do dobro da média mundial, passou a se situar em apenas metade daquela nos anos oitenta, e, apesar de vir subindo gradativamente desde os anos noventa relativamente à média global, não chegou a superá-la nem na fase de bonança de 2002 a 2008.
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de compromisso com metas de superávit primário e,
portanto, com a evolução descendente da razão dívi-
da pública/PIB. Em adição, conforme também afi rmou
o ministro do Planejamento à imprensa, a meta fi xada
anteriormente para o superávit de 2010 (3,3% do PIB)
não será atingida a qualquer custo, mas apenas se as
condições econômicas permitirem (ou seja, se a econo-
mia – e, portanto, a arrecadação de impostos – se recu-
perarem rapidamente).
Em resumo, o Brasil vem tentando, desde 1988,
implementar um modelo de sustentação e expansão
dos gastos (basicamente de consumo) de certos seg-
mentos, ao mesmo tempo em que procura manter a
infl ação dentro de um certo “intervalo de metas”. Nesse
último contexto, tem havido uma batalha tenaz contra
o problema da insolvência pública (ou da tendência
ascendente da razão dívida pública/PIB). Contudo, à ex-
ceção dos momentos de crise aguda originadas em pa-
íses emergentes, e apenas por períodos bem curtos, a
prioridade à implementação do citado modelo tem-se
feito sentir com maior força em todos os anos recentes,
em relação a tudo o mais.
Faz parte também do discurso ofi cial a busca de
taxas de crescimento do PIB (e, portanto, do emprego)
cada vez maiores, embora, na prática, as variáveis investi-
mento e crescimento do PIB venham sendo determina-
das endogenamente. Em conseqüência disso tudo, fi cou
claro que, mesmo sob condições externas altamente
favoráveis, como em 2002-2008, e diante dos gargalos
setoriais existentes e da própria capacidade de produ-
ção que se erigiu com taxas de investimento baixas e
declinantes desde os anos setenta, é impossível conciliar
taxas de crescimento acima da média mundial com uma
forte expansão dos gastos públicos correntes, como se
vem tentando no Brasil. Em relativamente pouco tempo,
os gastos agregados passam a superar a produção do-
méstica numa intensidade excessiva, levando a pressões
infl acionárias indevidas e a défi cits externos de peso, só
restando ao Banco Central subir as taxas de juros.
Diante da crise do mercado imobiliário americano,
que diferiu das anteriores pelo forte impacto recessivo
que trouxe consigo, o governo basicamente dobrou a
aposta na implementação do modelo de expansão dos
gastos correntes rígidos, em vez de esperar uma maior
fl exibilização da política monetária ou de fazer apenas
aumentos temporários de despesas. Além disso, está
fazendo vista grossa à retomada do problema de insol-
vência pública, que resulta da queda da arrecadação.
Nesse sentido, ao colocar “o carro adiante dos bois”, o
País está optando por crescer mais a curtíssimo prazo,
mas certamente menos a médio e longo.
Raul Wagner dos Reis VellosoEconomista formado pela Faculdade de Ciências Econômicas
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Master of Arts e PhD em economia pela Yale University –EUA. Mestre pela Escola
de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas, RJ. Ex-secretário para assuntos econômicos do
Ministério do Planejamento.
‘‘
‘‘
O Brasil vem tentando, desde 1988, implementar um modelo
de sustentação e expansão dos gastos (basicamente de consumo) de certos
segmentos, ao mesmo tempo em que procura manter a
infl ação dentro de um certo “intervalo de metas”. Nesse
último contexto, tem havido uma batalha tenaz contra o problema da insolvência pública (ou da tendência
ascendente da razão dívida pública/PIB).
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Em 2008, um interessante debate foi travado por
diversos economistas e especialistas que se dividiram
em relação à validade e importância da constituição ou
não de um fundo soberano pelo Brasil. Parte deste de-
bate encerrou-se com a promulgação da lei Nº 11.887,
de 24 de dezembro de 2008, que Cria o Fundo Soberano
do Brasil - FSB, dispõe sobre sua estrutura, fontes de recur-
sos e aplicações.
Como pressuposto básico para o que se pretende
aqui explicitar, leva-se em consideração o teor do Art.
1º da referida lei, que defi ne o FSB como um fundo
especial de natureza contábil e fi nanceira, vinculado ao
Ministério da Fazenda, com as fi nalidades de promover
investimentos em ativos no Brasil e no exterior, formar
poupança pública, mitigar os efeitos dos ciclos econômi-
cos e fomentar projetos de interesse estratégico do País
localizados no exterior.
A conceituação prévia do que é fundo soberano é
básico neste debate. Considerando que um fundo é
um conjunto de recursos com a fi nalidade de desenvolver
ou consolidar, através de fi nanciamento ou negociação,
uma atividade pública específi ca (Fonte: Banco Central
e Tesouro Nacional), os fundos soberanos são aqueles
em que se administram as imensas reservas de divisas
dos países exportadores de bens manufaturados, parti-
cularmente daqueles que tiveram suas receitas multi-
plicadas de maneira formidável nos últimos anos. É ine-
gável, então, que o debate vincula-se umbilicalmente à
descoberta do pré-sal, mesmo não sendo este o escopo
deste artigo.
Entre os mais importantes fundos soberanos exis-
tentes fi guram os de Dubai, Noruega, Qatar, Cingapura
e China, este último criado em 2007 com aporte de 200
bilhões de dólares. Essa modalidade de investimen-
to estatal está crescendo de forma assustadora e vem
sendo utilizada, na maioria das vezes, para adquirir
participações em empresas estrangeiras, com obje-
tivos fi nanceiros e estratégicos. Os países mais indus-
trializados (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França,
Grã-Bretanha, Itália e Japão), reunidos no G7, pediram
o estabelecimento de um código de boas práticas para
estes fundos, a fi m de fortalecer principalmente sua
“transparência e previsibilidade”. Para o Fundo Mone-
tário Internacional, o aumento em tamanho e em nú-
mero desses fundos merece atenção reforçada, diante
das conseqüências potenciais que poderão ter sobre
os mercados fi nanceiros e os investimentos.
Como já mencionado, no fi nal de 2007 o debate
sobre a constituição de um “fundo soberano” brasileiro
se fazia presente na mídia (BNDES vai dispor de fundo
soberano de US$ 10 bi, diz Mantega - 22/11/2007). Na-
quele momento a falta de consenso quanto ao papel
destinado a um fundo desta natureza já se explicitava
no seio do governo e mesmo entre outros especialis-
tas. Para alguns membros do governo o acúmulo de
reservas internacionais com tendência crescente seria
Fundo soberano1
Arthur Oscar Guimarães
ARTIGO
1 Fundo soberano ou Fundo de Riqueza Soberana (em inglês, Sovereign Wealth Funds - SWF) é um instrumento fi nanceiro adotado por alguns países que utilizam parte de suas reservas internacionais. (Fonte: Wikipedia).
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usado (essa era a expectativa de então) na criação de
um fundo soberano, que serviria para o governo inves-
tir recursos na eventualidade de uma crise financeira
de grandes proporções.
Entretanto, a falta de consenso alcançava até mesmo
o objetivo do fundo. O presidente do Banco Central, Hen-
rique Meirelles, refutava a idéia de que o fundo poderia
fazer um uso alternativo das reservas do país. Afirmava,
então: “Em primeiro lugar, é importante mencionar que os
conceitos são diferentes entre as reservas internacionais do
Brasil que, por lei são gerenciadas pelo Banco Central, fa-
zem parte dos ativos do banco e que visam oferecer uma
proteção financeira ao país.” E mais: “Um outro conceito
que começou a ser desenvolvido por outros países é o de
fundo soberano de investimentos. É uma entidade que
visa fazer investimentos, mas investimentos de conteúdo
estratégico, não apenas de liquidez.” (grifamos)
Em maio de 2008, ganhava relevo a criação de um
fundo de poupança fiscal, denominação então utilizada
pelo ministro da Fazenda para o fundo soberano brasi-
leiro, cujos recursos, aplicados em dólar, seriam usados
para financiar, a taxas subsidiadas, empresas brasileiras
com atuação no exterior. A proposta do ministro Guido
Mantega estava praticamente formatada e aprovada,
faltando fechar uma questão importante: quem iria ad-
ministrar esse fundo, se a Fazenda ou o Banco Central.
A mídia noticiava que o BC permanecia não muito en-
tusiasmado com a proposta, particularmente porque
temia influências indevidas na formação da taxa de
câmbio. Por isso, no caso de criação do fundo, defendia
que a administração ficasse com a diretoria da autori-
dade monetária.
A decisão então tomada seria a de criação de um fun-
do soberano de US$ 10 bilhões para atender à demanda
de financiamento do BNDES para 2008. Tratava-se, por-
tanto, de um fundo que seria alimentado pela “aquisição
de dólares que estão sobrando no mercado”. Afirmou-se,
de pronto, que não seriam usadas as reservas interna-
cionais. O BNDES tinha a intenção de captar pelo menos
R$ 25 bilhões, metade dos recursos já disponíveis. A esse
respeito afirmou o ministro Mantega: “Não precisamos
usar as reservas existentes. Essas reservas serão manti-
das e continuarão aumentando. Vamos criar um fundo
de reservas. O BNDES poderá se beneficiar das aplicações
que esse fundo de reserva fará, porque ele vai comprar títu-
los, fazer operações financeiras. E o BNDES é um forte can-
didato a apresentar os seus títulos externos para que sejam
comprados desse fundo”. (grifamos)
Nesse caso, o ministro da Fazenda parece ter acerta-
do em sua previsão, segundo se pode verificar na ten-
dência de formação de nossas reservas internacionais
nos últimos anos. Os dados falam por si:
‘‘
‘‘
Em maio de 2008, ganhava relevo a criação
de um fundo de poupança fiscal, denominação então
utilizada pelo ministro da Fazenda para o fundo soberano brasileiro, cujos
recursos, aplicados em dólar, seriam usados
para financiar, a taxas subsidiadas, empresas
brasileiras com atuação no exterior.
Dez/06 Dez/07 Dez/08 Out/092/
Ativos de Reserva Oficiais 1/ 85.839 180.334 193.783 224.194
(US$ milhões)
Fonte: BACEN (http://www.bcb.gov.br/pec/sdds/port/templ1p.shtm). Adaptado pelo autor.1/ Valores marcados a mercado desde novembro de 2000.2/ Posição em 01 de outubro de 2009.
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O aspecto central de qualquer fundo são suas fon-
tes. A mídia de 12.05.2008 trazia a notícia de que “uma
parte do esforço fiscal adicional pretendido pela equipe
econômica será utilizada para compor os recursos do fun-
do soberano. Segundo um assessor do presidente, o novo
fundo será anunciado dentro de um mês - para ser cria-
do, ele necessitará da aprovação do Congresso Nacional.
O governo quer usar os recursos do fundo para financiar
projetos de investimento de empresas brasileiras no exte-
rior.” (Valor Econômico - 12/5/2008)
No momento em que se falou na hipótese de cria-
ção de um fundo soberano, foi fundamental, para os
que eram contra, assim como para os que se encontra-
vam em posição favorável ao FSB, incorporar as refle-
xões presentes na experiência internacional. Mas neste
debate cabia, de um lado, relacionar tais análises ao pa-
pel do Estado brasileiro como receptor de investimen-
tos dos fundos soberanos e como protagonista de In-
vestimento Estrangeiro Direto por meio de seu próprio
fundo soberano, sem nos esquecermos dos problemas
internos de nossa economia, mas de outro, era impor-
tante não desconsiderar a capacidade de intervenção
do governo brasileiro na economia, o que ficou evi-
denciado na crise internacional cujos principais efeitos
chegaram ao Brasil por volta de setembro de 2008, an-
tes da criação do FSB.
Assim, cumpre considerar que a conjuntura em
que o fundo soberano estava sendo discutido (final de
2008), com uma possível elevação da taxa de superávit
fiscal, de 3,8% para 4,5 ou mesmo 5,0%, somava-se aos
receios do resultado de mais uma reunião do Banco
Central (COPOM), que aconteceria na primeira semana
de junho. A taxa básica, a Selic, estava em 11,75% e hoje
é de 8,75%, ainda exageradamente alta, mas não impe-
ditiva à criação do fundo.
Segundo parte da mídia, a intenção do presidente
Lula seria a de elevar o aperto fiscal para combater o
risco de inflação, tentar amenizar a alta dos juros e fi-
nanciar investimentos brasileiros no exterior. Os recur-
sos que excederem os 3,8% do PIB seriam usados para
financiar o fundo soberano (instrumento sob controle
da Fazenda para comprar dólares e financiar projetos de
investimento privado e público do Brasil no exterior). Esse
formato poderia ser bem visto ao menos por parte do
mercado, pois não aqueceria ainda mais a economia
interna. Em resumo, de alguma maneira seria o alinha-
mento da política fiscal com o esforço anti-inflacionário ,
na tentativa de evitar uma redução nos níveis da produ-
ção e do emprego em razão da elevação dos juros e de
uma taxa de câmbio desfavorável ao setor exportador.
Essa posição não é acompanhada, todavia, por ou-
tros economistas. Alexandre Schwartsman, economis-
ta-chefe para América Latina do ABN Amro e ex-diretor
de Assuntos Internacionais do Banco Central, afirma
que “a proposta não tem pé, não tem cabeça e não tem
sentido”. Segundo ele, em face de o que foi adianta-
do até o momento pelo Ministério da Fazenda sobre
as características do novo fundo, ele “certamente” não
será um fundo soberano como o mundo já conhece.
Nessa mesma linha, o economista Paulo Rabello de
Castro, da RC Consultores, afirma que “o que o governo
quer fazer para ajudar as empresas lá fora não precisa de
fundo soberano”. Para ele o que se pretende fazer “fere o
‘‘
‘‘
A conjuntura em que o fundo soberano estava sendo
discutido (final de 2008), com uma possível elevação da taxa de superávit fiscal,
de 3,8% para 4,5 ou mesmo 5,0%, somava-se aos receios do resultado de mais uma reunião do Banco Central
(COPOM), que aconteceria na primeira semana de junho. A taxa básica, a Selic, estava
em 11,75% e hoje é de 8,75%, ainda exageradamente alta,
mas não impeditiva à criação do fundo.
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Maiores fundos soberanos do mundo
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Fundo_Soberano
País NomeAtivos
(em bilhões) Data de
fundação Origem
Valor por cidadão
Abu DhabiADIA – Abu Dhabi Investment Authority
$875[1] 1976 Petróleo $1,000,000
NoruegaGPF – The Government Pension Fund of Norway
$350[2] 1990 Petróleo $74,500
Singapura (Cingapura)GIC – Government of Singapore Investment Corporation
$330[3] 1981 Diversos $100,000
Arábia Saudita Diversos $300 n/a Petróleo $15,000
KuwaitKIA – Kuwait Investment Authority
$250 1953 Petróleo $80,000
ChinaCIC – China Investment Corporation
$200 2007.09.28 Diversos $151
Singapura (Cingapura) Temasek Holdings $159.2[3] 1974 Diversos $35,400
RússiaSFRF – Stabilization Fund of the Russian Federation
$158[4] 2004.01.01 Petróleo $1,180
Canadá CPP – CPP Investment Board $119.4 1999 Petróleo $12,800
AustráliaFFMA – Australian Government Future Fund
$61.3[5] 2004 Diversos $2,900
QatarQIA – Qatar Investment Authority
$50[6] 2000 Petróleo $250,000
Estados Unidos (Alaska)
APFC – Alaska Permanent Fund $40.1 1976 Petróleo $61,000
Líbia - $40 2007 Petróleo $7,200
Brunei BIA – Brunei Investment Agency $30 1983 Petróleo $90,100
Coréia do SulKIC – Korea Investment Corporation
$20 2005 Diversos $417
Malásia KN – Khazanah Nasional $18.3 1993 Diversos $658
CazaquistãoKNF – Kazakhstan National Fund
$17.8 2000 Petróleo $1170
República da ChinaNSF – National Stabilisation Fund
$15 2000 Diversos $652
IrãOSF – Petróleo Stabilisation Fund
$12.9 1999 Petróleo $174
Dubai Istithmar n/a 2003 Petróleo n/a
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conceito de fundo soberano escolher áreas de incentivo
e de estímulo”, lembrando que, em geral, o critério das
aplicações dos fundos já existentes é a rentabilidade de
longo prazo. O governo estaria prometendo adotar um
instrumento típico de países que têm superávits fiscais
elevados para financiar despesas que denunciam exa-
tamente a falta de poupança fiscal do próprio governo.
“É uma contradição.”
Algumas das ponderações feitas por Paulo Noguei-
ra Batista ao jornal O Globo (1/12/2007), em seu artigo
“Pajelança financeira?”, que naquela data já afirmara
sobre o fundo soberano:
“Os fundos soberanos surgem quando um país come-
ça a acumular reservas internacionais excedentes, isto é,
superiores aos níveis considerados necessários para fi-
nanciar eventuais emergências de balanço de pagamen-
tos ou para administrar com segurança a taxa de câmbio.
Nessa situação, existe a oportunidade de criar um fundo
à parte, onde os ativos externos pertencentes ao governo
possam ser aplicados com mais rentabilidade. As reser-
vas tradicionais, administradas normalmente pelo
Banco Central, são sempre aplicadas de forma muito
conservadora, em papéis líquidos e sem risco (títulos
governamentais de países desenvolvidos, por exemplo).
Elas têm que estar prontamente disponíveis para cobrir
desequilíbrios de balanço de pagamentos e intervir no
mercado de câmbio. Em contrapartida, a sua rentabili-
dade é muito modesta. Já os fundos soberanos têm mais
liberdade para aplicar. Podem fazer investimentos de pra-
zo mais longo, comprar títulos privados, ações e até as-
sumir o controle de empresas em outros países. No caso
brasileiro, por exemplo, cogita-se financiar as ativi-
dades do BNDES no exterior, mediante a aquisição
de papéis do banco. Em suma, são investimentos de
maior risco e menos liquidez, mas com rentabilidade
mais atraente. Administrados de forma profissional, es-
ses fundos podem gerar rendimentos consideravelmente
superiores às reservas tradicionais.” (grifamos)
Entretanto, hoje, pouco tempo depois das afir-
mações e posicionamentos acima, parece mais ade-
quado considerar neste debate o fato de o País ter
enfrentado uma crise com demonstração inequívoca
de grande capacidade de gestão, com o Brasil sendo
apontado como um dos primeiros países a sair da crise,
experimentando níveis de inflação ainda mais baixos,
particularmente para os segmentos de menor renda,
tendo obtido de mais uma agência o chamado invest-
ment grade e passando à situação de credor do Fundo
Monetário Internacional, permitindo inferir que as críti-
cas à decisão governamental relativa ao FSB parecem
cada vez mais distantes.
Portanto, qualquer posicionamento definitivo so-
bre o erro ou acerto a respeito da criação do FSB, pare-
ce hoje precipitado, mas a título de conclusão ficamos
com a afirmação do próprio Paulo Nogueira Batista:
“Por que então o barulho na imprensa e a indignação da
turma da bufunfa? Arrisco uma hipótese: a criação de um
fundo soberano com parte das reservas, ou com reservas
adicionais a serem adquiridas no mercado pelo Tesouro,
resultaria em uma certa redistribuição de poder dentro do
governo. Perderia o Banco Central, ganhariam o Tesouro
e o BNDES.”
Arthur Oscar Guimarães
Doutor em Sociologia, na Área de C&T e Sociedade, pelo Departa-mento de Sociologia da UnB. Pesquisador Associado do Centro
de Desenvolvimento Sustentável (CDS/UnB). Mestrado em Engenharia de Produção, na Área de Política de C&T pela COPPE/UFRJ. Graduado em Ciências Econômicas pela UnB. Atualmente
é Consultor Legislativo concursado da Câmara Legislativa do DF (CLDF), cedido ao Senado Federal (SF) desde 1999, onde ocupa a
função de Assessor Técnico.
O pré-sal no ponto de vista
econômico
Localizado numa faixa situada entre os estados do
Espírito Santo e Santa Catarina, os depósitos de petró-
leo ocupam uma área de 160 bilhões de m², em pro-
fundidades de até sete mil metros. As reservas dessa
província estão estimadas entre 40 e 80 bilhões de bar-
ris. Se forem confi rmadas, o Brasil vai fazer parte do se-
leto grupo dos maiores produtores mundiais do setor.
A economista e conselheira do Conselho Regional do
Espírito Santo, Martha Ferreira, acredita que se forem
implementadas políticas bem feitas, esse petróleo vai
trazer uma excelente oportunidade para a inserção da
economia brasileira, em termos internacionais. Em seu
ponto de vista, o Brasil possui uma estrutura industrial
bastante diversifi cada e não gravita apenas em torno
do setor de petróleo e gás. “A exploração desse setor
abrirá novas oportunidades para o desenvolvimento
industrial e tecnológico brasileiro, agregando valor às
outras cadeias produtivas já existentes. Portanto, se as
ações de regulamentação e coordenação dos proces-
sos forem devidamente observadas, o Brasil terá mo-
tivos para comemorar, futuramente”, diz a economista.
O pré-sal pode ser considerado mais uma riqueza
ao patrimônio da Nação, uma vez conhecida a proba-
bilidade de sucesso da exploração. Entretanto, existem
incertezas geológicas, tecnológica e, principalmente,
de custos, é o que pensa Felipe Ohana, economista e
consultor sócio da OF Consultoria Econômica. Para
ele, o novo estoque de riqueza – na forma de óleo e
gás – deve assumir a forma de equipamentos e servi-
ços públicos. “Uma simples troca, mas que gera efeitos
reais sobre a produtividade dos fatores de produção.
Ao conjunto dos efeitos decorrentes da troca de óleo
por Daniela Lima
Intitular o Brasil como um dos grandes produtores de petróleo graças às reservas desco-bertas no pré-sal não deixa de ser considerada, principalmente por parte dos governistas, mais uma ascensão do País. Mas a grande preocupação de especialistas na área econômica é com relação aos efeitos do pré-sal na economia brasileira. O que inclui diversos aspectos, tais como o modelo empresarial de exploração a ser adotado, a doença holandesa; a redução do câmbio com a excessiva oferta de dólar; a conseqüente desestruturação do setor expor-tador; o crescimento das importação; a partilha dos royalties e a maneira como os recursos provenientes do petróleo podem afetar as questões sociais do País.
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por equipamento e serviço públicos denominamos
rendimentos. Os rendimentos (capitalizados e trazidos
a valor presente) são a medida do impacto econômi-
co do pré-sal - aumento da competitividade do parque
produtivo nacional. Desnecessário dizer, esses rendi-
mentos dependem da gestão desse estoque de rique-
za. Portanto, temos aí um signifi cativo elemento para
agravar a incerteza do pré-sal”.
Preocupados em analisar os impactos ou não na
economia brasileira, os especialistas acreditam tratar-se
de um efeito permanente de riqueza e as consequên-
cias dependerão da forma como esse impacto vier a ser
administrado. Felipe Ohana ressalva as possibilidades
de complicações a partir de efeitos cambiais e da polí-
tica fi scal, se o Estado julgar que pode “fi nanciar”, com a
totalidade dos recursos do óleo, a expansão da deman-
da agregada. “Uma boa administração implica adquirir
ativos, mundo a fora, e internalizar parte dos rendimen-
tos, a exemplo do que fazem os países com superávit
crônico na balança de pagamentos. A partir daí, tem-se
um fi nanciamento consistente (não implica exigibilida-
des) e permanente das benfeitorias para a economia e
a sociedade brasileira (equipamentos, serviços públi-
cos, pesquisas etc)”, afi rma Ohana.
Os efeitos negativos na economia
Os prejuízos para a economia brasileira vêm por
meio da valorização real do câmbio, por uma política fi s-
cal excessivamente expansionista ou pela formação de
expectativas negativas ao investimento (ameaçado pela
importação competitiva), a economia pode entrar num
ritmo de sucesso mercantilista, com reduzida perspecti-
va de desenvolvimento sustentado no tempo. Mas, con-
siderando o conhecimento acumulado, a sofi sticação do
setor produtivo no País e o permanente debate que esse
tema enseja, não se deve esperar desvios permanentes
de rota, na administração do recursos do pré-sal.
Felipe Ohana estranha o formato ideológico do de-
bate sobre o modelo de negócio para explorar o pré-
sal. E acrescenta que essa escolha deve depender – des-
de a perspectiva do proprietário do óleo – dos riscos
envolvidos na extração. “Na Arábia Saudita, a chance de
sucesso de qualquer perfuração é quase de 100%, com
Agência Petrobras de Notícias / Juarez Cavalcanti
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custos conhecidos. Por essa razão, o modelo é de con-
trato de serviço. No pré-sal, a ideologia pulou na fren-
te e definiu que o modelo será de partilha, como, por
exemplo, na Angola, Egito e Líbia”.
Para a economista Martha Ferreira os estados e mu-
nicípios produtores, e sua região de influência, sofrem
muito mais com os impactos da exploração do petró-
leo, especialmente aqueles que não possuem econo-
mia diversificada ou base industrial consolidada. Nes-
tes, existe o perigo real de se verificar o “efeito Macaé”.
“É preciso uma atenção especial para evitar, também,
a ‘doença holandesa’, que dizima a indústria local ou a
‘maldição do petróleo’, que aumenta o nível de desi-
gualdades e pobreza”, ressalta. “Mas, o impacto mais ne-
gativo sobre a economia brasileira será o descaso se a
aplicação dos recursos para desenvolvimento do setor,
planejamento e execução das obras infraestruturantes
e distribuição de royalties não forem seriamente fisca-
lizados e a corrupção punida, exemplarmente, quando
acontecer. Os olhos do mundo estão voltados para o
Brasil e um deslize, nesse sentido, terá resultados catas-
tróficos sobre a credibilidade do País, com efeito direto
sobre os investidores”, explica a economista.
Etanol versus pré-sal
A descoberta das reservas do pré-sal traz dúvidas
com relação ao etanol e a possível perda de espaço no
mercado e visibilidade internacional, principalmente
em um momento de luta para transformá-lo em um pro-
duto de exportação. Na análise de Ohana, os produtos
são escolhidos pela sua eficiência relativa (menor custo
para gerar o mesmo benefício), como em qualquer con-
corrência. “No caso do etanol, há o componente ecoló-
gico que ‘reduz’ o seu preço (custo para quem compra),
na forma de honra ao mérito por poluir menos. Nada
obstante, tenho dificuldade para acreditar em regimes
sustentados de negócio em que a eficiência não seja o
principal elemento de determinação. Se o pré-sal trou-
xer a justificativa para o governo federal diminuir qual-
quer eventual subsídio ao etanol, entendo que essa é
uma consequência positiva. Seguindo essa suposição, o
núcleo de negócios do etanol terá que investir em pro-
dutividade (tornar-se mais eficiente), o que viria a ser
uma outra consequência positiva do pré-sal”.
A distribuição dos royalties do pré-sal
De acordo com a Agência Nacional do Pe-tróleo (ANP), royalties são uma compensação finan-
ceira devida ao Estado pelas empresas concessionárias
produtoras de petróleo e gás natural no território brasilei-
ro e são distribuídos aos estados, municípios, ao Coman-
do da Marinha, ao Ministério da Ciência e Tecnologia e ao
Fundo Especial administrado pelo Ministério da Fazenda,
que repassa aos estados e municípios de acordo com os
critérios definidos em legislação específica.
A Constituição diz que os estados e municípios pos-
suidores de áreas petrolíferas produtoras são beneficia-
dos com os royalties por serem afetados pela explora-
ção do petróleo. O atual modelo calcula que 50% dos
royalties e as participações especiais sejam recolhidas
para a União (40% para o Ministério de Minas e Energia
e 10% para o do Meio Ambiente), 40% aos estados pro-
dutores e 10% aos municípios.
Essa discussão não traz consenso entre as opiniões
de especialistas e o governo. Para Martha Ferreira, os
estados e municípios produtores, e sua região de in-
fluência, sofrem muito mais com os impactos da ex-
ploração do petróleo. Também demandam por muito
mais recursos para investir em infraestrutura social e
econômica, e para preservar o meio ambiente. Segun-
do ela, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo são
os principais críticos dos projetos. “Eles não abrem mão
de continuar recebendo percentuais maiores de com-
pensação financeira, os royalties; e nem aceitam que os
projetos de regulamentação do pré-sal sejam votados
às pressas. Então, o governo retrocedeu: manteve o mo-
delo de concessão para os blocos já licitados e o atual
sistema de distribuição de royalties; e mandou retirar a
urgência na votação do pré-sal”, explica.
As implicações de um novo marco regulatório
O governo começou a discutir um novo marco regu-
latório, ou seja, um outro modelo de exploração, que será
aplicado nessa área, e enviou quatro Projetos de Lei ao
Congresso Nacional. O primeiro discute o regime de ex-
ploração, que passa do modelo de concessão para o de
partilha da produção. No modelo de concessão, as em-
presas disputam em leilão público a compra do direito
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de explorar as áreas oferecidas pela Agência Nacional
do Petróleo. A Petrobras concorre em pé de igualdade,
com outras empresas do setor, e não há garantia de par-
ticipação mínima para ela. É o modelo usado pelos EUA,
Canadá, Inglaterra e Noruega. No contrato de partilha,
o Estado e as empresas dividem entre si a produção do
petróleo, permitindo à União capturar a maior parte da
riqueza gerada. O governo poderá contratar a Petrobras
para produzir no pré-sal e em áreas estratégicas ou con-
tratar empresas privadas, por meio de licitação, mas as-
segurando à estatal uma fatia mínima de 30% em cada
bloco. Além disso, a Petrobras será a operadora de todos
os novos campos. Esse é o modelo usado pela China, Irã,
Angola e Venezuela.
O segundo projeto cria uma nova estatal, para geren-
ciar as atividades no pré-sal; o terceiro destina os recur-
sos obtidos com a renda do petróleo a um fundo social,
que realizará investimentos no Brasil e no exterior, sendo
que, parte das receitas desses investimentos, retornará à
União, para serem aplicados em programas de comba-
te à pobreza, em inovação científica e tecnológica e em
educação; e o quarto trata da capitalização da Petrobras.
Para Martha Ferreira a oposição e a iniciativa priva-
da acreditam que haverá: desconfiança no mercado, se
houver mudança no modelo de exploração e se ele for
imposto aos blocos já licitados; aparelhamento político
partidário, se implantada uma nova estatal; desvio de
recursos e corrupção, facilitados pela criação do fundo
social; e que a capitalização da Petrobras não vem num
bom momento, em decorrência da crise financeira mun-
dial. “Desde a abertura do setor petroleiro para o capital
externo, em 1997, o Brasil tem gozado de boa reputação,
como mercado estável e transparente, e os críticos da
nova proposta apenas temem que a concentração estatal
venha a reverter esse histórico. Todo brasileiro tem a obri-
gação de participar desse debate”, conclui a economista.
As tabelas 1 e 2 apresentam as alíquotas e os beneficiários da distribuição dos royalties, conforme estabele-
cido na legislação pertinente
Tabela 1Parcela de 5% – lei nº 7.990/89 e decreto nº 01/91
Lavra
em terra
70% Estados produtores
20% Municípios produtores
10% Municípios com instalações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural
Lavra na
plataforma
continental
30% Estados confrontantes com poços
30% Municípios confrontantes com poços e respectivas áreas geoeconômicas
20% Comando da Marinha
10% Fundo Especial (estados e municípios)
10% Municípios com instalações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural
Tabela 2Parcela acima de 5% – lei nº 9.478/97 e decreto nº 2.705/98
Lavra
em terra
52,5% Estados produtores
25% Ministério da Ciência e Tecnologia
15% Municípios Produtores
7,5% Municípios afetados por operações nas instalações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural
Lavra na
plataforma
continental
25% Ministério da Ciência e Tecnologia
22,5% Estados confrontantes com campos
22,5% Municípios confrontantes com campos
15% Comando da Marinha
7,5% Fundo Especial (estados e municípios)
7,5% Municípios afetados por operações nas instalações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural
Fonte: Agencia Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustiveis - ANP
Font
e: g
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Estimativa de Produção no Pré-sal concedido (Mil barris por dia)
Nos próximos anos o Brasil produzirá, somente no pré-sal já concedido, quase o mesmo volume produzido atualmente no país.
Produção total média no 1º semestre de 2009: 1.936.000 barris/dia
1997
PAÍS• Instabilidade macroeconômica;• Blocos exploratórios de baixarentabilidade e risco elevado;• Importador de Petróleo;• Escassez de recursos parainvestimentos.
PETROBRAS• Insufi ciência de capital para realizar investimentos;• Difi culdade de captação externa;• Elevados custos de capital.
PREÇO DO PETRÓLEO• US$ 19/barril.
2009
PAÍS• Estabilidade macroeconômica;• Descoberta de uma províncias petrolíferas do mundo;• Parque industrial diversifi cado;• Perspectiva de aumento dacapacidade de exportação.
PETROBRAS• Elevada capacidade tecnológica;• Maior capacidade de captação de recursos;• Robusta carteira de investimento.
PREÇO DO PETRÓ• Preço oscilando em torno de US$ 65/barril.
Font
e: g
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ARTIGO
Visão de longo prazo
Um país democrático e coeso, no qual a iniquidade foi
superada, todas as brasileiras e todos os brasileiros têm
plena capacidade de exercer sua cidadania, a paz social
e a segurança pública foram alcançadas, o desenvolvi-
mento sustentado e sustentável encontrou o seu curso,
a diversidade, em particular a cultural, é valorizada. Uma
nação respeitada e que se insere soberanamente no ce-
nário internacional, comprometida com a paz mundial e
a união entre os povos.
(Agenda Nacional de Desenvolvimento – CDES)
A exploração das reservas de petróleo do pré–sal
apresenta muitas oportunidades que, adequadamente
aproveitadas, podem conformar e viabilizar durante a
primeira metade do Século XXI, o mais importante pro-
jeto para o Brasil. É a construção de uma grande Na-
ção que seja democrática, justa e soberana, bem como
social, ambiental e economicamente desenvolvida. O
território brasileiro constituindo um espaço que aco-
lha, abrigue e integre uma sociedade aberta e plural,
diversifi cada e pacífi ca, sem desequilíbrios, exclusões e
discriminações de quaisquer naturezas.
No entanto, a implementação desse projeto, em
suas vertentes econômica e social, mediante o aprovei-
tamento da abundância petroleira implica, essencial-
mente, promover uma ampla realocação distributiva
de encargos e benefícios. E nossa experiência histórica
demonstra a impossibilidade de que isso possa ocorrer
exclusivamente por meio dos mecanismos usuais de
mercado. São também imprescindíveis órgãos e insti-
tuições de Estado, políticas públicas e instrumentos pe-
culiares e adequados ao enfrentamento desse desafi o.
Alem desses atores relevantes no equacionamento
dessas questões, a sociedade civil e seus movimentos e
organizações, são também indispensáveis, participan-
do dessas discussões e da formulação das soluções,
bem como no acompanhamento e no controle social
das respectivas implementações.
Pré-sal e cenários de desenvolvimento com re-
distribuição de renda
A dinâmica do crescimento por consumo de mas-
sa tem sido bem sucedida em países com mercado de
grande dimensão, tanto pelo contingente populacio-
nal quanto pela propensão ao consumo da população.
Como se sabe, tal estratégia motiva o aparecimento
no tecido econômico e social do País, de um círculo
virtuoso que pode ser, de modo expedito, assim enun-
ciado: a ampliação da demanda popular a setores
modernos engendra a realização de investimentos em
bens de capital e em inovação, que propiciam ganhos
de produtividade e de competitividade na economia,
os quais, sendo apropriados por toda a população, na
forma de aumento do rendimento das famílias traba-
lhadoras, resultam em renovado estímulo ao consumo
popular de bens modernos, e assim por diante.
Agenda pré-sal Roteiro de questões para equacionar
o projeto brasileiro de longo prazoSebastião Soares
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Obviamente, não constitui uma questão trivial o
estabelecimento e a sustentação dessa dinâmica, mas,
entre nós, esse modelo é conhecido e vem sendo im-
plementado de forma crescentemente ordenada e arti-
culada. Suas bases conceituais podem ser encontradas
em trabalhos de importantes economistas e professo-
res cabendo mencionar, dentre outros, Celso Furtado e
Maria da Conceição Tavares em estudos e publicações
das décadas de 1950/1960 e, mais recentemente, Anto-
nio Barros de Castro e Ricardo Bielschowisky.
Na realidade, sem muito alarde e de modo pouco
sistemático e ainda não totalmente consistente, desde
2003 o governo do presidente Lula vem promovendo o
desenvolvimento por consumo de massa. A estratégia
do modelo, de forma explícita e integral, orienta e con-
forma os dois Planos Plurianuais brasileiros elaborados
desde então (PPAs 2004-2007 e 2008-2011), e os resul-
tados obtidos têm sido muito satisfatórios.
Vencido o primeiro momento, de controle da infla-
ção, de reequilíbrio das contas públicas, de equaciona-
mentos para a superação da vulnerabilidade externa
da economia brasileira, consolidaram-se as condições
macroeconômicas para o desenvolvimento nacional, em
bases sustentadas. Assim, no período 2004-2007 ocorreu
a retomada do crescimento econômico, associado à re-
dução da desigualdade de renda entre os brasileiros (PPA
2004/2007). Os dados a seguir ilustram esses fatos.
Entre 2004 e 2007 o PIB cresceu em média 4,5% ao
ano, o que corresponde, praticamente, ao dobro da mé-
dia observada nos 20 anos anteriores – média de 2,3%
ao ano entre 1982 e 2003. Tal resultado, embora ainda
inferior àquele alcançado em período anterior (média
de 7,7% ao ano entre 1966 e 1981), já configura um
novo padrão de crescimento, em patamar mais elevado.
Essa assertiva fica tão mais clara quanto se considerar-
mos que no último trimestre de 2007 e até que a crise
econômico-financeira mundial alcançasse e repercutisse
na economia brasileira. No segundo semestre de 2008,
a taxa de crescimento já se situava acima de 6% ao ano.
Nesse período houve uma geração líquida de 5,6 mi-
lhões de empregos formais e a inflação que em 2003 havia
sido de 9,3%, recuou gradativamente (PPA 2004/2007),
alcançando 5,2% na média de 2004 a 2007 e, hoje, se
encontra praticamente no centro da faixa definida para
a meta da inflação (4,5%).
O desempenho exportador reduziu a vulnerabili-
dade externa e permitiu superar o déficit estrutural, há
muito observado nas transações correntes, e acumular
reservas internacionais, que alcançaram mais de US$
200 bilhões em 2008.
A retomada do desenvolvimento apoiou-se inicial-
mente na expansão do consumo das famílias, graças às
políticas sociais adotadas a partir de 2003, especialmen-
te o Bolsa Família e os aumentos reais do salário mínimo.
No período 2004-2007, alem da geração de empregos
formais na economia, houve também aumento real do
salário dos trabalhadores, o que se sobrepõe ao efeito
das políticas sociais e também amplia o consumo das
famílias e sustenta o crescimento. No final do primeiro
semestre de 2008 já se observava que, há cerca de um
ano, os investimentos vinham crescendo 2,5 vezes mais
rápido que o PIB, e a taxa de investimento alcançava cer-
ca de 18% dessa referência (TORRES, 2008).
Todos esses fatos são evidências que o processo
de crescimento com redistribuição de renda ocorre no
Brasil e o círculo virtuoso, inicialmente referido, do mo-
delo de consumo de massa, instalou-se na economia
‘‘
‘‘
A retomada do desenvolvimento apoiou-se inicialmente na expansão do consumo das
famílias, especialmente o Bolsa Família e os aumentos reais
do salário mínimo. No período 2004-2007, alem da geração de empregos formais na economia,
houve também aumento real do salário dos trabalhadores, o que se sobrepõe ao efeito
das políticas sociais e também amplia o consumo das famílias e
sustenta o crescimento.
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brasileira. A crise econômico-financeira internacional,
que aqui chegou no segundo semestre de 2008, afe-
tou perversamente essa dinâmica, mas tudo indica que
seus efeitos são exclusivamente conjunturais. De fato, a
pronta e efetiva ação do Banco Central e do Ministério
da Fazenda restaurando o crédito, incentivando o con-
sumo de bens duráveis mediante renúncia fiscal, man-
tendo os gastos públicos nos programas sociais e, es-
pecialmente, sustentando os investimentos (PAC), e até
os ampliando (Habitação), dentre outras, apresentaram
notável eficácia contracíclica, atenuando a magnitude
e reduzindo a duração da crise em nossa economia.
A continuidade dessa dinâmica do consumo de
massa está consagrada no Plano Plurianual até 2011,
e a economia brasileira apresenta condições objetivas
para que isso, de fato, se efetive. E as oportunidades
abertas pela descoberta do pré-sal, e o seu aprovei-
tamento de forma adequada pode assegurar, a longo
prazo, a evolução positiva e sustentada dessa dinâmica,
em dimensões compatíveis com as necessárias à cons-
trução de uma grande Nação.
Fortalecimento da cadeia produtiva do petróleo
e desenvolvimento sustentável
A pesquisa, exploração, produção e transporte de
petróleo bruto; o refino, a produção e distribuição de
derivados; bem como todos os segmentos a jusante,
no campo da indústria química e petroquímica, com-
põem um enorme conjunto de atividades industriais e
de prestação de serviços, interdependentes, que atual-
mente já têm significativa presença na economia brasi-
leira. O aproveitamento das reservas de petróleo e gás
do pré-sal, se adequadamente equacionado e imple-
mentado, poderá induzir uma vigorosa expansão des-
sas atividades, e assim, converter a cadeia produtiva de
petróleo no poderoso vetor que irá estimular, orientar e
suportar o processo de desenvolvimento sustentável -
econômico, social e ambiental -, em benefício da Nação
brasileira, durante as próximas décadas.
Nessa ordem de idéias, e em primeiro lugar, o
aproveitamento do pré-sal não pode converter o Brasil
em um grande exportador de petróleo bruto. É preci-
so agregar valor ao produto extraído mediante o refi-
no e a produção de derivados e produtos de segunda
e terceira gerações. A partir daí o amplo espectro de
setores industriais que utilizam insumos petroquími-
cos, tais como fertilizantes, plásticos e outros, também
agregam valor ao produto. Desta forma, a diretriz bási-
ca a ser adotada é o suprimento do mercado interno,
exportando apenas produtos de maior valor agrega-
do. A comercialização externa de petróleo bruto seria
tolerada apenas em quantidades marginais e/ou em
situações ou condições excepcionais, em que o inte-
resse nacional, especialmente de caráter geopolítico, as
justificasse.
Em segundo lugar, é indispensável maximizar as en-
comendas dos bens e serviços às empresas brasileiras,
aqui instaladas. Desde a construção naval, passando pe-
las indústrias fabricantes de equipamentos para apoio e
realização de pesquisas, extração, armazenamento, bem
como para o refino e todos os segmentos down stream,
e até segmentos mais sofisticados como a robótica, de-
verão ser majoritariamente adquiridos no parque na-
cional. Deverá haver estímulo e apoio tecnológico, fiscal
‘‘
‘‘
O aproveitamento das reservas de petróleo e gás do
pré-sal, se adequadamente equacionado e implementado, poderá induzir uma vigorosa expansão dessas atividades, e assim, converter a cadeia produtiva de petróleo no
poderoso vetor que irá estimular, orientar e suportar o processo de desenvolvimento
sustentável – econômico, social e ambiental –, em
benefício da Nação brasileira, durante as próximas décadas.
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a
e financeiro para que as indústrias já existentes se am-
pliem, e também, para que novas se instalem.
Igualmente, no setor de prestação de serviços deve-
rão ser priorizadas as encomendas no Brasil abrangendo
todos os ramos da engenharia, nas atividades de desen-
volvimento, projeto básico e detalhamento de proces-
sos, equipamentos e instalações, passando por logística
e transporte e alcançando segmentos específicos, tais
como desenvolvimento de sistemas de informática (soft
e hardwares), treinamento e capacitação de recursos hu-
manos, e outros. A partir de um patamar mínimo inicial,
por exemplo de 65/70%, é conveniente se estabelece-
rem metas crescentes para os índices de nacionalização,
a serem alcançados em determinado prazo.
Adicionalmente ao que se expôs nos parágrafos
anteriores, é preciso realizar um significativo esforço
de desenvolvimento tecnológico interno. Temos as
condições básicas necessárias para isso, no âmbito do
denominado Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia,
com nossas Universalidades e Centros de Pesquisas, os
órgãos de Estado voltados a essa temática e um valioso
contingente de pesquisadores, em todas as regiões do
País. Dispomos também de alguns paradigmas exito-
sos, nos contextos nacional e internacional, que cabe
expandir/multiplicar ou “aclimatar”.
Como exemplos são citados: (i) o desenvolvimento
tecnológico para pesquisa e exploração de petróleo
em águas profundas, da plataforma marítima, resul-
tado esse que, em grande parte, deve ser creditado à
parceria COPPE/CENPES; (ii) as novas tecnologias para
processamento de petróleo pesado e a produção de in-
sumos e produtos petroquímicos de primeira e segun-
da gerações que viabilizaram o Projeto COMPERJ, no
estado do Rio de Janeiro; e (iii) a indústria de constru-
ção naval asiática, especialmente na Coréia do Sul e em
Cingapura, que mediante um amplo e diversificado es-
forço de pesquisa e inovação tecnológica, colocou seus
produtos em patamar elevado de competitividade.
Como dissemos, temos as condições necessárias;
precisamos, no entanto, realizar uma grande articulação
de atores, com interesses e inserções diversas, em torno
da questão para a concretização desse objetivo; são eles,
sem pretender esgotar a lista: Petrobras, BNDES, Univer-
sidades e Centros de Pesquisas de todo o País, empresas
nacionais e suas organizações, FINEP, MCT, MDIC.
Um quarto aspecto muito importante consiste na
absoluta necessidade de que o aproveitamento do pré-
sal ocorra sem agressões ao meio ambiente. A realiza-
ção deste objetivo apresenta uma extensa intersecção
com o tema do desenvolvimento tecnológico endóge-
no. Trata-se de buscar soluções tecnológicas, em todas
as situações, que sejam “limpas”, isto é, isentas de efeitos
danosos ao meio ambiente, ou, quando existentes, que
sejam devidamente mitigados. O leito do mar, e todo
o bioma marinho da plataforma continental brasileira,
apresentam uma enorme biodiversidade. Em especial,
as algas marinhas são consideradas muito importantes
na geração do oxigênio da atmosfera. Esse nosso patri-
mônio é muito valioso e não pode ser destruído ou mal-
baratado. É a Amazônia Azul e precisamos cuidar dela.
A geração de CO2
decorrente do uso do gás natural
ou de combustível derivado do petróleo como fonte
energética nas instalações marítimas e nas instalações
de terra, bem como nas unidades industriais da cadeia
‘‘
‘‘
no setor de prestação de serviços deverão ser priorizadas
as encomendas no Brasil abrangendo todos os ramos da engenharia, nas atividades de
desenvolvimento, projeto básico e detalhamento de processos, equipamentos e instalações,
passando por logística e transporte e alcançando
segmentos específicos, tais como desenvolvimento de
sistemas de informática (soft e hardwares), treinamento e capacitação de recursos
humanos, e outros.
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produtiva, pode ser resolvida ou mitigada com o de-
senvolvimento de tecnologia economicamente viável,
para captura e armazenamento de carbono (CCS – Car-
bon Capture and Storage). As pesquisas estão em fase
inicial, e ainda não são conhecidas as condições nas
quais essa solução poderia ser adotada. A propósito,
seria muito conveniente e desejável estabelecer, em
todas as iniciativas e projetos de desenvolvimento tec-
nológico, referentes ou não à cadeia produtiva do pe-
tróleo, no âmbito do Sistema Nacional da Ciência e Tec-
nologia, a diretriz de colocar, sempre um foco especial
na busca de tecnologias ambientalmente sustentáveis.
O quinto ponto que desejamos abordar diz respei-
to ao ritmo que deve ser aplicado na implementação
do projeto pré-sal. Neste tema penso ser mandatório
que a aceleração aplicada à implantação do empreen-
dimento seja aquela compatível com a plena realização
dos quatro objetivos delineados acima. Mais que isso, ao
longo do tempo, o ritmo deve ser marcado pela veloci-
dade com que se poderá alcançar o objetivo mais difí-
cil, ou de implementação mais lenta, dos quatro acima
apresentados. Em hipótese alguma devemos nos pautar
pela lógica, e o desejo, dos grandes consumidores de
petróleo. São economias desenvolvidas e dependentes
do petróleo, cujas reservas são hoje muito escassas em
seus territórios, e por isso, são obrigadas a buscar o seu
abastecimento em geografias distantes, que estão cres-
centemente conturbadas por razões políticas. Para esses
consumidores as reservas do pré-sal constituem alterna-
tiva de suprimento fortemente atrativa.
Contemplados os aspectos substantivos dos cin-
co temas tratados neste artigo quais seriam as conse-
qüências para o Brasil? Estaremos, durante as próximas
décadas, gerando milhões de empregos de qualidade
distribuídos por todo o território nacional; realizando
investimentos estratégicos, especialmente nos setores
fabricantes de equipamentos, com desenvolvimento e
incorporação de modernas tecnologias sustentáveis,
com os correspondentes ganhos de produtividade; e
alcançando um novo patamar de crescimento do PIB.
Na realidade, estará sendo fortalecida, ampliada e con-
solidada a dinâmica do consumo de massa, realizando-
se assim, o desenvolvimento sustentado com distri-
buição de renda. E, isso estará ocorrendo com plena
autonomia e irreversibilidade.
Destinação dos recursos decorrentes da explo-
ração do pré-sal
Em níveis atuais dos preços internacionais do pe-
tróleo – aproximadamente US$ 70,00 por barril – o
aproveitamento dos hidrocarbonetos do pré-sal apre-
senta excelente rentabilidade. Isso decorre basica-
mente das elevadas dimensões das reservas e de não
existir, praticamente, risco geológico de pesquisa e de
exploração. Considerando a agregação de valor ao pe-
tróleo extraído , que se pretende seja uma diretriz fun-
damental do empreendimento, com a experiência do
operador que se espera venha a ser Petrobras, e com
os incrementos naturais de produtividade que sempre
ocorrem nos projetos na medida em que amadurecem,
aquela rentabilidade confortável, obtida desde o início,
será ainda significativamente ampliada.
Assim sendo, mesmo que se transfira parcela impor-
tante dessa rentabilidade aos rendimentos dos traba-
lhadores, mediante aumentos reais dos salários, e ainda
que se assegure o devido retorno aos investimentos
feitos, bem como todos os encargos tributários devidos
aos entes federativos, o que sobra corresponde a um
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Em níveis atuais dos preços internacionais do petróleo
– aproximadamente US$ 70,00 por barril – o
aproveitamento dos hidrocarbonetos do pré-sal apresenta excelente
rentabilidade. Isso decorre basicamente das elevadas dimensões das reservas e
de não existir, praticamente, risco geológico de pesquisa
e de exploração.
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a
montante muito elevado, e será apropriado pelo dono
do petróleo bruto produzido. Se for instituído um siste-
ma de partilha da produção pelo novo marco regulató-
rio, e dependendo da participação que for destinada a
União Federal (por exemplo 80%), esta disporá anual-
mente, de um montante elevado de recursos líquidos e
absolutamente disponíveis, medido na escala de deze-
nas de bilhões de dólares.
Cabe destacar que tais recursos são adicionais à
atual tributação incidente nessas atividades, e des-
tinada às fazendas municipais, estaduais e federal. A
sua totalidade estará disponível para a União, em con-
sequência de disposição constitucional (Art. 20, da
Constituição Federal), e será parte em moeda nacio-
nal e parte em divisas. Assim sendo, é oportuno cons-
tituir com eles um ou mais Fundo(s) Soberano(s),
em regime de capitalização, com criação e operação
adequadamente reguladas. Na sua constituição se-
ria definida a forma e o ritmo da capitalização e da
respectiva utilização. Nessa etapa caberá também
definir sua destinação e neste caso, propõe-se a sua
aplicação em três vertentes assim denominadas: (i)
Investimentos sociais; (ii) Benefícios para gerações
futuras; e (iii) Busca de sustentabilidade ambiental.
A primeira vertente, dos investimentos sociais, cor-
responde a acréscimos às usuais dotações orçamentá-
rias da União à Educação e à Saúde. No primeiro caso
reforçando e ampliando os projetos e ações que com-
põem o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE),
com ênfase na universalização da educação infantil, na
ampliação dos cursos técnicos e profissionalizantes e
do terceiro grau, em todo o território nacional, bem
como, melhorando significativamente a qualidade do
ensino em todos os níveis.
No campo da Saúde, consolidando a prestação dos
serviços no âmbito do SUS e estendendo sua cobertu-
ra, ampliando o número de equipes de saúde da famí-
lia, de saúde bucal e de agentes comunitários de saúde,
de modo a universalizar a prestação desses serviços a
todos os brasileiros. E, aqui também, com o objetivo
de melhorar significativamente a qualidade do atendi-
mento, em todas as situações e em todo o País.
Na vertente dos benefícios para as gerações futuras
alinham-se, de um lado, as alocações de caráter social,
para a universalização da previdência social para todos
os brasileiros, com níveis satisfatórios para o valor dos
benefícios previdenciais, ao longo do tempo. E, também,
para ampliar a cobertura e o nível dos recursos alocados
no âmbito da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).
Neste último caso, o objetivo é a consolidação de um
conjunto de políticas públicas e de uma rede de órgãos
e entidades capazes de prover a proteção social, de efeti-
vidade compatível com a extensão do território nacional
e com as necessidades da população brasileira.
De outro lado, ainda nesta vertente seriam alocados
recursos em projetos e ações de caráter estratégico, para
defesa da soberania brasileira em todo o território na-
cional, e no mar, até as 350 milhas de distância do lito-
ral, área que o Brasil considera sob seu domínio, e que
está em fase de reconhecimento pela Organização das
Nações Unidas. Nas zonas fronteiriças em terra, espe-
cialmente na região amazônica, e também no mar, onde
estão as reservas do pré-sal, é necessário que o Exército,
a Marinha e a Aeronáutica tenham recursos para assegu-
rar, hoje e para as futuras gerações de brasileiros, a nossa
plena e inconteste soberania sobre essas áreas.
A questão da sustentabilidade ambiental seria
destinada a terceira parcela da macro alocação dos
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Na vertente dos benefícios para as gerações
futuras alinham-se, de um lado, as alocações de caráter social, para a universalização da
previdência social para todos os brasileiros, com níveis satisfatórios para o valor dos benefícios
previdenciais, ao longo do tempo.
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recursos provenientes do(s) Fundo(s) Soberano(s).
Como exemplos de programas e empreendimentos
nesse campo podem ser relacionados, sem pretender
esgotar tais possibilidades:
• investimentos, e aplicações de custeio, para detec-
tar, monitorar e reduzir drasticamente o desmatamen-
to na Amazônia;
• investimentos no âmbito do Sistema Nacional de
Ciência e Tecnologia em parceria com os setores produ-
tivos, para o desenvolvimento de tecnologias “limpas”,
citando como exemplo: (i) o aproveitamento da biodiver-
sidade existente no bioma amazônico e do centenário
conhecimento e cultura dos povos da floresta, no campo
da “medicina popular” da região, visando à utilização de
produtos fitoterápicos, bem como o desenvolvimento de
novos princípios ativos para a indústria químico-farma-
cêutica; (ii) captura de carbono na atmosfera (CCS), junto
aos grandes consumidores de energia oriunda de com-
bustíveis fósseis; (iii) pesquisa e desenvolvimento, junto
com a indústria automobilística brasileira e suas associa-
ções, do carro elétrico brasileiro;
• investimentos para desenvolvimento tecnológico
e inovação – e também na produção, distribuição e uti-
lização do álcool combustível e do biodiesel. Desenvol-
vimento de uma nova alcoolquímica, como alternativa
à produção de insumos e produtos derivados dos com-
bustíveis fósseis.
Além dos ganhos diretos para a economia brasileira
decorrentes desses aportes provenientes do(s) Fundo(s)
Soberano(s), sua mera existência constituirá instrumento
valioso na viabilização de ações e políticas contracíclicas.
Ademais, o fortalecimento de toda a cadeia produtiva do
petróleo, como se tratou anteriormente, e a continuida-
de dos investimentos que hoje vêm sendo realizados em
setores da infraestrutura, principalmente energia elétrica
e transportes; em saneamento básico; em habitação; e
outros, constituirão um conjunto de circunstâncias e si-
tuações favoráveis que certamente sustentarão o desen-
volvimento brasileiro nas próximas décadas.
Para concretizar essa sgenda pré-sal há a necessida-
de de o Poder Executivo desenvolver um amplo espec-
tro de articulações políticas e institucionais. No plano
externo é preciso articular com os países da América do
Sul, especialmente no âmbito do MERCOSUL e da UNA-
SUL (Conselho de Defesa Sul Americano), com países
da África e da Ásia, especialmente Angola, África do Sul,
Índia e China. Também com os países desenvolvidos,
no âmbito do G-20 e com organismos multilaterais,
da Organização das Nações Unidas. No campo interno
são necessárias, amplas e extensas negociações com o
Congresso Nacional e articulações com o Poder Judi-
ciário e os entes federativos (Estados e Municípios), os
meios de comunicação, os empresários e suas organi-
zações, os sindicatos de trabalhadores, as organizações
e os movimentos da sociedade civil.
A situação atual
Os quatro Projetos de Lei recentemente encami-
nhados ao Congresso Nacional constituem propostas
do Executivo que, certamente, poderão ser aperfeiço-
adas pelo Legislativo. Em síntese, consideramos positi-
vos os seguintes pontos:
• o novo marco regulatório consagra o modelo de
partilha como aquele que será adotado. É uma sábia
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Para concretizar essa sgenda pré-sal há a necessidade de o Poder Executivo desenvolver
um amplo espectro de articulações políticas e institucionais. No plano
externo é preciso articular com os países da América do Sul, especialmente no âmbito do MERCOSUL e
da UNASUL (Conselho de Defesa Sul Americano), com
países da África e da Ásia, especialmente Angola, África
do Sul, Índia e China.
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decisão dadas as características das reservas do pré-sal
e o uso que dela pretendemos fazer;
• a criação da Petro-Sal, que assumirá em nome da
União a parcela que lhe couber na partilha do petróleo
extraído e, como agente do Estado, exercerá na explo-
ração do pré-sal, um importante monitoramento de as-
pectos relevantes para assegurar a plena realização dos
objetivos nacionais;
• o papel da Petrobras, será bastante relevante, a sa-
ber (i) será a operadora de todos os blocos explorados,
devendo ter uma participação acionária expressiva em
todos eles, para bem desempenhar essa missão; (ii) po-
derá ela própria participar dos leilões, só ou em parce-
ria com outros investidores; (iii) poderá ser contratada
diretamente pela União, para explorar os blocos que
apresentem grande reserva estimada.
• o BNDES está capacitado e preparado para ser o
agente financeiro principal no financiamento do projeto.
Suas equipes técnicas, seus recursos financeiros, sua forte
experiência aportam segurança na execução dessa função.
Estão ainda imprecisos e obscuros os equaciona-
mentos propostos em relação a outras questões, tais
como:
• a própria taxa que caberá à União na partilha; em
cada situação será estabelecida uma referência míni-
ma, sendo vencedor o licitante que oferecer a maior
taxa, obviamente acima do mínimo estabelecido. Pelo
exemplo internacional, em situações semelhantes ao
pré-sal (magnitude das reservas e inexistência ou bai-
xo risco geológico), essa taxa mínima deveria situar-se
próximo de oitenta por cento;
• a utilização do petróleo destinado à União – há
indicações que a Petrobras será a encarregada da sua
comercialização, mas nada se anuncia no que concerne
à agregação de valor ao petróleo produzido, como am-
plamente abordado neste trabalho;
• quanto à destinação dos recursos do Fundo Social
a ser criado, os objetivos são muito genéricos, nada ha-
vendo em relação a importantes finalidades, especial-
mente as que aqui denominamos como vertente dos
benefícios para gerações futuras;
• como será tratada a unitização das reservas quan-
do ocorrer interseção entre blocos já concedidos e blo-
cos do pré-sal;
• o aumento do capital social da Petrobras a ser promo-
vido pela União, embora meritório e necessário, é operação
complexa que ainda não está claramente encaminhada.
Finalmente, como dificuldades que, desde já, são es-
peradas na definição dos meios e modos de explorar as
reservas do pré-sal, podem ser relacionadas:
• a tramitação dos Projetos de Lei do Executivo no
Congresso Nacional;
• os poderosos interesses nacionais, e internacio-
nais, contrariados pelo que se delineia na equação que
está sendo estruturada;
• a posição da maioria dos grupos que detém o con-
trole da grande mídia no Brasil;
• o longo prazo e a complexidade de equacionamen-
to de alguns aspectos indispensáveis ao sucesso do
aproveitamento do pré-sal com apropriação pelo País
e o seu povo, dos resultados desse empreendimento.
Para concluir, apenas mais uma reflexão. Face à im-
portância do projeto pré-sal e às oportunidades que ele
oferece, bem como frente aos riscos existentes, de uma
inadequada exploração, há um desafio para todos nós:
devemos nos mobilizar – os trabalhadores e os empre-
sários; os jovens e os mais velhos; o campo e as cidades;
os profissionais liberais; os formadores de opinião; enfim
a sociedade civil organizada, ou não – para que seja ade-
quadamente equacionada a exploração das reservas do
pré-sal, em benefício do Brasil e de sua população.
Referências Bibliográficas:
Plano Plurianual 2004-2007. Relatório de Avaliação. Ca-
derno 1, Secretaria de Planejamento e Investimentos
Estratégicos. Brasília: MP, 2008.
TORRES , Ernani. A Crise Financeira Internacional e a Eco-
nomia Brasileira. APE / BNDES – Palestra no 29º Con-
gresso da ABRAPP. Rio de Janeiro, nov/2008, mimeo.
Sebastião Soares
Engenheiro aposentado do BNDES. Colaborador do IBASE desde sua fundação, hoje está na Presidência do Conselho Curador da Entidade. Ex-secretário de Planejamento e Investimentos
Estratégicos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
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Introdução
O forte crescimento econômico da China e seu
crescente protagonismo nas decisões de comércio e
investimento têm ensejado refl exões sobre o novo pa-
pel das economias emergentes na globalização. Isso
porque a China tem demandado insumos de vários
países, entre eles o Brasil, e procurado diversifi car mer-
cados fornecedores e consumidores. Nesse aspecto,
vêm ganhando relevância o comércio e o investimen-
to com os Países de Língua Portuguesa, a partir da pla-
taforma de Macau.
Este artigo tem como objetivo apresentar aspectos
da evolução econômica da China e do processo de in-
tegração com os Países de Língua Portuguesa no âm-
bito do Fórum de Macau. Além desta introdução, o tex-
to aborda aspectos gerais da China, do seu processo
de abertura e reforma, do seu crescimento econômico
e da criação e desenvolvimento do Fórum de Macau.
O governo chinês tem incentivado maior inter-
câmbio e promovido ações conjuntas com os Países
de Língua Portuguesa. Dentre elas, o “Colóquio para
Autoridades da Área de Administração Econômica
dos Países de Língua Portuguesa – Fórum de Macau”,
consistiu em uma visita à China, em maio de 2009, de
26 pessoas representes da delegação de seis Países
de Língua Portuguesa - PLP: Brasil (cinco convidados),
Cabo Verde (dois), Guiné Bissau (cinco), Moçambique
(cinco), Portugal (quatro) e Timor Leste (cinco).
A delegação dos Países de Língua Portuguesa par-
ticipou de eventos (cursos, palestras, visitas técnicas)
nas cidades de: Beijing (Pequim), especialmente no
Centro de Treinamento do Ministério do Comércio -
MofCom; Shanghai (Xangai), considerada como cen-
tro fi nanceiro da China; e Zhuhai, pólo de integração
comercial (via acordos da província de Guangdong
e Macau); além de Macau e Hong Kong, Regiões Ad-
ministrativas Especiais, que têm certa autonomia em
relação à China Continental e se constituem como pla-
taformas de integração entre a China e seus parceiros
comerciais.
Aspectos gerais da China
Consistiu em um dos principais objetivos da vi-
sita da delegação dos Países de Língua Portuguesa a
Aspectos da evolução econômica da China e a
integração com os Países de Língua Portuguesa no âmbito
do Fórum de MacauElder Linton Alves de Araujo
ARTIGO
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a
apresentação de maiores informações sobre a China,
sua história, cultura e desenvolvimento econômico.
Em termos gerais, a República Popular da China,
com seus 60 anos de história recente, além de sua cul-
tura milenar, e cujo atual presidente é Hu Jintao e o
primeiro-ministro, Wen Jiabao, localiza-se no Sudeste
Asiático, tem área territorial de 9.596.960 Km² e pos-
sui divisão administrativa constituída de 23 províncias
(sheng); cinco regiões autônomas (zizhiqu); e quatro
municipalidades (shi).
As províncias são: Anhui, Fujian, Gansu, Guangdong,
Guizhou, Hainan, Hebei, Heilongjiang, Henan, Hubei,
Hunan, Jiangsu, Jiangxi, Jilin, Liaoning, Qinghai, Shaanxi,
Shandong, Shanxi, Sichuan, Yunnan, Zhejiang; e Taiwan
(a China Continental considera Taiwan como sua 23ª
província). Há ainda as Regiões autônomas: Guangxi,
Nei Mongol, Ningxia, Xinjiang e Xizang (Tibet); as Mu-
nicipalidades: Beijing (Pequim, a Capital do País), Chon-
gqing, Shanghai (Xangai) e Tianjin, ligadas diretamente
ao governo central; e as regiões administrativas espe-
ciais, Hong Kong (desde 1997) e Macau (desde 1999).
O idioma oficial é o Chinês ou Mandarin. As religiões
predominantes são o Taoísmo e a Budismo. A popula-
ção é de mais de 1,3 bilhão de habitantes. A expectativa
de vida é de 73,5 anos (média geral), sendo 71,6 anos
para os homens e 75,5 para as mulheres. A taxa de cres-
cimento da população é de 0,7% ao ano.
A moeda chinesa é o Yuan-Renminbi, cuja cotação
média, em 2009, em relação ao dólar é de RMB / US$ =
6,85. Segundo o FMI, o PIB (pela paridade com poder de
compra) equivale a cerca de US$ 7,9 trilhões (2008) e a
Renda per capita, US$ 6 mil. Em termo de composição
do valor adicionado por setor na economia da China, a
Agricultura responde por 10,6%, os Serviços por 40,2%
e a Indústria por 49,2% (2008).
As exportações chinesas foram da ordem de US$
1,2 trilhão em 2007, tendo como principais produtos:
máquinas e equipamentos, ferro e aço, telefone celula-
res, produtos elétricos, equipamentos de processamen-
to de dados, têxtil e vestuário; e como principais com-
pradores: Estados Unidos (19,1% do total), Hong Kong
(15,1%), Japão (8,4%), Coréia do Sul (4,6%) e Alemanha
(4,0%). Dados ainda não definitivos apontam exporta-
ções de US$ 1,5 trilhão para 2008. Os efeitos da crise
financeira internacional têm provocado redução do vo-
lume de exportações chinesas em 2009. Ainda assim, a
China, atualmente, já é o 2º exportador mundial e o 3°
importador mundial.
Quanto às importações chinesas, foram da ordem
de US$ 960 bilhões, em 2007. Os principais produtos
foram: máquinas e equipamentos, óleo e minerais com-
bustíveis, plásticos, equipamentos óticos e médicos,
químicos orgânicos, ferro e aço; e os principais fornece-
dores: Japão (14,0%), Coréia do Sul (10,9%), Estados Uni-
dos (7,3%), Alemanha (4,7%), Malásia (3,0%) e Austrália
(2,7%). Dados de 2008 apontam importações totais de
US$ 1,15 trilhão. A redução do ritmo de atividade em
2009 tem resultado em menor nível de importação.
Abertura e reforma da China
Em 1949, a China adotou o regime Socialista, na re-
volução de Mao Tse-tung que instalou a República Po-
pular e o sistema de planificação econômica. A partir
do governo de Deng Xiaoping, a China vem passando
por grandes transformações. Desde 1978, vem sendo
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As importações chinesas foram da ordem de US$ 960
bilhões, em 2007. Os principais produtos foram: máquinas e
equipamentos, óleo e minerais combustíveis, plásticos,
equipamentos óticos e médicos, químicos orgânicos, ferro e
aço. Dados de 2008 apontam importações totais de US$ 1,15
trilhão. A redução do ritmo de atividade em 2009 tem
resultado em menor nível de importação.
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implementada a Reforma Econômica, com flexibiliza-
ção do regime Socialista, com avanço gradual da pla-
nificação total (modelo socialista similar ao da antiga
União Soviética) para uma estrutura mista, denominada
pelos chineses como “socialismo de mercado” ou ainda
“economia de mercado socialista”. Logo, o atual sistema
econômico chinês tem características peculiares: “Um
país, dois sistemas”, como costumam apresentar.
O processo de reforma também abrange aspectos
de abertura econômica, com graduais avanços internos
e nas relações exteriores. Destacando alguns fatos, no
ano de 1980, abertura do setor rural, com migração das
propriedades comunais para sistema de pequenas pro-
priedades cooperativas. Em 1984 foi a vez do setor urba-
no, com estratégia de industrialização e infraestrutura de
transportes. Em seguida de1985 a 1988, reforma do sis-
tema financeiro, com ajuste nos bancos e reforma do sis-
tema cambial. No ano de 1992, houve a implantação do
sistema de mercado socialista. Em 2001, houve a entrada
da China na Organização Mundial do Comércio – OMC.
Na estratégia de abertura para o exterior, fez-se
grande uso das chamadas Regiões Administrativas Es-
peciais, Hong Kong e Macau. Essas duas regiões eram
ex-colônias da Inglaterra e de Portugal, que foram
devolvidas à China em 1997 e 1999, respectivamente.
Dada a estrutura comercial e financeira, passaram a ser
utilizadas como plataformas de integração.
A estratégia de abertura concretizou-se por meio
das Zonas Econômicas Especiais (ZEE). Depois de 1978,
buscou-se um novo caminho de desenvolvimento: a
“China se abriu ao mundo” por meio das Zonas Econô-
micas Especiais. Os chineses criaram as Zonas Econômi-
cas e de Desenvolvimento, especializadas por função: i)
ZEE – Zonas Econômicas Especiais; e ii) ZD – Zonas de
Desenvolvimento, em cinco níveis: ZDET – Zonas de De-
senvolvimento Econômico e Tecnológico; ZDIAT – Zo-
nas de Desenvolvimento da Indústria de Alta Tecnolo-
gia; ZF – Zonas Francas; ZPE – Zonas de Processamento
de Exportações; e ZCEF – Zonas de Cooperação Econô-
mica Fronteiriça. As ZEE e ZDET são as mais complexas,
pois envolve maior cadeia produtiva e científica.
Na província de Guandong, onde está Zhuhai (ci-
dade vizinha de Macau), foi criada a primeira ZEE. Na
transição do sistema planificado para o sistema misto
de mercado, utilizou-se como “ponte” as cidades de
Hong Kong e de Macau para desenvolver as vizinhan-
ças, Guangdong e Fujian, que eram regiões pobres e
atrasadas. Nessas províncias e outras regiões da costa
leste, aplicaram-se políticas especiais e flexíveis em
relação ao restante da China Continental (onde per-
maneceu predomínio da economia planificada, es-
pecialmente no lado oeste), com atração de capitais
estrangeiros, desenvolvimento industrial e comercial
e do sistema financeiro e imobiliário. Ou seja, nas ZEE
se adota o livre mercado e fora delas continua a eco-
nomia planificada, o que justifica a explicação de “Um
país, dois sistemas”.
Após 30 anos de transição gradual, os chineses
acreditam na obtenção de êxitos das ZEE, em quatro
aspectos: i) função econômica – adoção das regras da
OMC para comércio exterior; vocação exportadora; ii)
certa autonomia administrativa, de acordo com re-
gulamento especial do governo central; iii) ambiente
de negócios – melhorias na infraestrutura, facilidades
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Na estratégia de abertura para o exterior, fez-se
grande uso das chamadas Regiões Administrativas Especiais, Hong Kong e
Macau. Essas duas regiões eram ex-colônias da
Inglaterra e de Portugal, que foram devolvidas à China em 1997 e 1999, respectivamente. Dada a estrutura comercial e
financeira, passaram a ser utilizadas como plataformas
de integração.
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político-administrativas; e iv) mudanças gradativas a
cada ano; grandes mudanças a cada três anos. Reco-
nhecem as necessidades de aperfeiçoamento no siste-
ma financeiro, na estrutura industrial e na administra-
ção social. Para contínua internacionalização das ZEE, o
Fórum de Macau reforça essa estratégia.
Crescimento econômico da China
A China tem apresentado fortes taxas de crescimen-
to, cerca de 10% aa em média, nos últimos dez anos.
Mesmo com os efeitos da crise financeira mundial, o
PIB chinês teve elevação real de 9% em 2008. Para 2009,
com as medidas de combate a crise, o governo chinês
espera crescimento da ordem de 8%. Projeções do FMI
apontam crescimento de 7,5%, em 2009 e de 8,5% em
2010, na China.
O governo chinês associa o forte ritmo de cresci-
mento econômico à adoção do chamado “Socialismo
de mercado” ou “economia de mercado socialista”, e de-
claram que se leva em conta a busca da igualdade en-
tre regiões e entre indivíduos. Dos cerca de 1,3 bilhão
de habitantes da China, apenas 45% vive na área urba-
na. Ou seja, a maior parte da população (55%) ainda é
rural. Com isso, a renda per capita urbana é de RMB 13,8
mil (ou cerca de US$ 2 mil), enquanto a renda per capita
rural é de RMB 4,1 mil (cerca de US$ 600) e ambas ainda
refletindo forte desigualdade.
A China utiliza a competição de mercado, para qual
consideram grande papel na distribuição, combinada
com a função de macrocontrole do Estado sobre o mer-
cado. O governo central é quem estabelece os objeti-
vos e metas do macrocontrole. Por exemplo, em 2020, o
PIB da China deve ser quatro vezes maior do que o de
2001. Em cinco anos, a meta é manter a taxa anual de
crescimento de pelo menos 8%. Anualmente, faz-se os
ajustamentos do plano de longo prazo.
Com a crise financeira, desde o final de 2008, foi re-
duzido o crescimento do PIB e retraiu-se o comércio.
O sistema financeiro da China quase não foi afetado
em função de ser fortemente estatizado e contar com
suporte especial. Além disso, a adoção de medidas de
apoio ao setor real da economia manteve aquecida a
demanda interna (pacote de RMB 4 trilhões, ou cerca de
US$ 600 bilhões; para obras de infraestrutura). As dire-
trizes governamentais apontam para: industrialização
e urbanização; investimentos em infraestrutura; inova-
ção tecnológica e capital humano; aumento da renda
China – Produto Interno Bruto (Variação Real % aa)
Fonte: National Bureau of Statistics of China.*2009 e 2010 = projeções FMI.
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julho / setembro / 2009
per capita; e desenvolvimento do sistema financeiro. Os
chineses consideram como principais desafios: conser-
vação do meio-ambiente e melhoria das condições de
vida (melhores sistemas de saúde e previdência).
Em termos de iniciativas de investimentos, os chine-
ses destacam dois grandes ciclos: o primeiro, que teve
início em 1992, com a visita de Xiao Ping ao Sul da Chi-
na; e o segundo, que foi iniciado em 2002, após entrada
da China na OMC em 2001. Os Investimentos Diretos
Estrangeiros (IDE), vinham aumentando nos últimos
anos, mas verificou-se queda em 2008 devido aos efei-
tos da crise internacional (foram cinco meses seguidos
de redução do IDE desde out/2008). Ainda assim, em
2008, foram cerca de US$ 93 bilhões de IDE para a Chi-
na. No acumulado de 1979 a 2008, entraram US$ 860
bilhões de IDE na China. Os principais investidores tem
sido: EUA, Japão, Coréia do Sul, Cingapura, Hong Kong e
Portos Livres. A maior parte dos investimentos tem sido
direcionada para províncias do Leste (85%); em segui-
da para as províncias Centrais (8%) e para as do Oeste
(7%). Destaca-se ainda o aumento do IDE da China em
outros países. A China está presente com investimen-
tos em 173 países, com ênfase nos setores: indústria, co-
mércio (atacado e varejo), construção civil, mineração.
Em 2008, o investimento da China em outros países
chegou a US$ 52,2 bilhões. A China também atua na
terceirização de mão-de-obra e financiamento de pro-
jetos e investimento.
Integração da China com os Países de Língua
Portuguesa no âmbito do Fórum de Macau
O Fórum para a Cooperação Econômica e Comercial
entre a China e os Países de Língua Portuguesa - Fórum
de Macau – existe desde 2003 e abrange Angola, Brasil,
Cabo Verde, China, Guiné Bissau, Moçambique, Portugal
e Timor Leste. Tem como principal objetivo ampliar os
fluxos de Investimentos, notadamente em infraestrutu-
ra, construção civil e terceirizações, e promover maior
corrente de comércio (ampliar exportação e impor-
tação) entre os países membros. Desde 1999 existe a
RAEM – Região Administrativa Especial de Macau. An-
teriormente, por 50 anos, Macau foi administrada por
Portugal. Atualmente, a RAEM faz parte da China, mas
tem relativa autonomia ao governo central, exceto em
questões de relações exteriores. O chinês e o português
são línguas oficiais. As principais atividades econômi-
cas de Macau são: construção, indústria do jogo (cas-
sinos) e turismo. Macau é considerada como ligação
e porta de entrada para o interior da China, com con-
dições especiais para os Países de Língua Portuguesa.
Macau está diversificando suas plataformas, sobretudo
serviços, turismo e indústria de cosméticos e de roupas.
Os esforços se realizam em três frentes: i) ligação com o
interior da China via CEPA – o Acordo de Estreitamento
das Relações Econômicas e Comerciais entre o Conti-
nente Chinês e Macau; ii) comércio da China com Paí-
ses de Língua Portuguesa; e iii) apoio a investimentos e
empresas de chineses espalhados pelo mundo.
A idéia do Fórum de Macau foi posta em prática a
partir da 1a Conferência Internacional, realizada na Chi-
na em 2003, com a presença dos ministros do comér-
cio dos países membros. Na ocasião, foi formalizada a
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Em termos de iniciativas de investimentos, os chineses
destacam dois grandes ciclos: o primeiro, que teve início em 1992, com a visita de
Xiao Ping ao Sul da China; e o segundo, que foi iniciado em 2002, após entrada da China
na OMC em 2001. Quanto os investimentos diretos
estrangeiros (IDE), vinham aumentando nos últimos
anos, mas verificou-se queda em 2008 devido aos efeitos
da crise internacional.
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a
criação do Fórum e houve definição de estratégias de
atuação, especialmente para promoção do comércio e
investimentos entre os países. A 2a Conferência Inter-
nacional foi realizada em 2006, onde se buscou o apro-
fundamento da cooperação e elaboração de plano de
ação. A próxima Conferência deverá ocorrer em 2010,
quando haverá avaliação dos resultados até então al-
cançados e definição de novas metas de cooperação.
Para operacionalização do Fórum, foi criada a secreta-
ria executiva em Macau, a cargo do IPIM – Instituto de
Promoção do Comércio e do Investimento de Macau,
que organiza grupos de trabalho e reuniões temáticas.
Cabe destacar também que têm sido organizados en-
contros anuais dos empresários da China e dos Países
de Língua Portuguesa para viabilização dos negócios
a partir dos acordos institucionais; Angola (2005), Por-
tugal (2006), Moçambique (2007), Cabo Verde (2008); e
o mais recente, no Brasil, no Rio de Janeiro (ago/2009).
Por meio do Fórum de Macau também são promovi-
dos diversos seminários, debates e cursos de formação,
tais como o “Colóquio para Autoridades da Área de Ad-
ministração Econômica dos Países de Língua Portuguesa
– Fórum de Macau”, em maio de 2009. Há ainda a Feira
Internacional de Macau, cuja 14ª edição foi de 22 a 25
de outubro de 2009. Há diversos incentivos do governo
chinês (tributários, creditícios etc) para investimentos e
comércios dos Países de Língua Portuguesa via Macau
(RAEM). Utiliza-se a RAEM como plataforma de integra-
ção com a China Continental (via Guangdong – Zhuhai),
sob o guarda-chuva do Acordo CEPA. Isso tem tornado
Macau como porta de entrada na Região do Grande Del-
ta do Rio das Pérolas (GDRP), considerada a mais extensa
aliança econômica regional da China, além de permitir
acesso a outras áreas da China Continental. A tabela 1
ilustra a ampliação da corrente de comércio após a im-
plantação do Fórum de Macau.
Tabela 1:Corrente de Comércio entre China e Países de Língua Portuguesa - US$ Milhões FOB
Corrente de Comércio Var.% ante ano anterior
2004 18.770 65,0
2005 23.190 30,0
2006 34.080 47,0
2007 46.350 36,0
2008* 77.022 66,2 Fonte: IPIM.* Dados preliminares.
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Em 2009, completam-se35 anos de relações
diplomáticas entre Brasil e China e que tem potencial
de ampliação no futuro, dados os resultados do
maior intercâmbio com os Países de Língua Portuguesa
no âmbito do Fórum de Macau e de outras iniciativas
de integração da China com os países da América Latina.
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julho / setembro / 2009
Entre os Países de Língua Portuguesa, o Brasil é o
principal parceiro econômico e comercial da China
(62,5% da corrente de comércio), seguido por Angola
(33,7%); Portugal (3,3%); e Moçambique (0,5%). A im-
portação brasileira de produtos chineses cresceu 56,9%
em 2008, em comparação com 2007, e atingiu US$ 20
bilhões. A exportação de produtos brasileiros para a
China também cresceu quase na mesma proporção
(50,8%), atingindo US$ 16,4 bilhões. A China passou, em
2008, a ocupar a 3ª posição entre os principais países
de destino das exportações brasileiras, e a 2ª posição
entre os países fornecedores do Brasil. A China superou
os Estados Unidos e tornou-se, em março/2009, o prin-
cipal destino das exportações do Brasil, com importa-
ções de US$ 1,7 bilhão em mercadorias brasileiras, prin-
cipalmente minério de ferro, soja, aeronaves e açúcar.
Para ilustrar a ampliação dos negócios do Brasil
com os chineses, na recente visita do presidente Lula à
China, em maio de 2009, o Banco de Desenvolvimento
da China (BDC) assinou acordo de crédito de US$ 10 bi-
lhões com a Petrobras e de US$ 800 milhões com o Ban-
co Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES). A Petrobras e a China Petroleum & Chemical
(Sinopec), assinaram acordo de comércio e cooperação.
Parte dos recursos levantado nos acordos será utiliza-
da no plano de investimento da Petrobras, que inclui
a aquisição de bens e serviços da China. Pelos acordos,
procura-se aumentar as exportações de petróleo bruto
do Brasil à China, sendo que a Petrobras exportará 150
mil barris de petróleo por dia à China em 2009; e 200
mil barris por dia de 2010 a 2019. Para o futuro, os chi-
neses vêm demonstrando interesse em investimentos
do pré-sal.
Considerações finais
Em outubro de 2009, o povo chinês está comemo-
rando os 60 anos da proclamação da República Popular
da China, mostrando ao mundo grande progresso eco-
nômico e científico e com nova visão de busca de sus-
tentabilidade ambiental e de maior justiça social. Os re-
sultados alcançados são reflexos de 30 anos da reforma
e abertura. Afirmam que se vive o “socialismo ao modo
chinês”, em que também se utilizam as ferramentas de
mercado para acelerar os ganhos em prol do povo. A
pujança da economia chinesa aumenta a importância
das economias emergentes nas decisões globais e po-
tencializa a organização dos países do chamado BRIC
(Brasil, Rússia, Índia e China) a mais a África do Sul. Tanto
que se ampliaram as discussões das medidas de com-
bate à crise global do G-8 para o G-20.
Cabe ainda notar o avanço da integração dos chi-
neses, especialmente com o Brasil, com a intensificação
das negociações comerciais e dos investimentos recí-
procos. Em 2009, completam-se 35 anos de relações
diplomáticas entre Brasil e China e que tem potencial
de ampliação no futuro, dados os resultados do maior
intercâmbio com os Países de Língua Portuguesa no
âmbito do Fórum de Macau e de outras iniciativas de
integração da China com os países da América Latina.
Referências bibliográficas
Banco Central do Brasil – BCB. Indicadores Econômicos.
Brasília, 2009.
Fundo Monetário Internacional - FMI. World Economic
Outlook. Washington, 2009.
Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento
de Macau – IPIM. Relatórios Diversos. Macau, 2009.
Ministério do Comércio da China – MofCom. Relatórios
Diversos. Pequim, 2009.
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior – MDIC. Relatórios Diversos. Brasília, 2009.
Elder Linton Alves de Araujo
Economista. Mestre em Economia pela Unicamp. Coordenador do Curso de Ciências Econômicas do UniDF. Especialista em
Políticas Públicas e Gestão Governamental, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
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Con
junt
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Introdução
O mercado automobilístico no Brasil cresceu consi-
deravelmente nos últimos anos. Esse cenário de prospe-
ridade vem passando, de forma mais evidente, a partir
de setembro de 2008, por diversas difi culdades em de-
corrência da crise fi nanceira internacional.
O presente estudo tem por objetivo analisar a crise
internacional, sua origem, suas causas e seus refl exos no
mercado brasileiro, destacando a indústria automobilís-
tica sob uma perspectiva teórica, embasada pelo estu-
do da literatura referente ao mercado fi nanceiro, e tam-
bém de artigos técnicos referente à crise internacional.
Em seguida, apresenta-se uma contextualização da
crise, especialmente quanto as suas origens, e também
seus refl exos nos mais diversos segmentos da eco-
nomia mundial, seguido da formulação do problema
proposto nesta pesquisa, na qual se destaca a indústria
automobilística.
A metodologia adotada baseia-se na teoria econô-
mica, evidenciando o mercado de consumo e a teoria
econômica, destacando o modelo econométrico.
O tema foi escolhido por sua relevância e visibilidade
atual na mídia e pelo fato de seus refl exos alcançarem a
vida de todos os brasileiros – famílias, empresas e go-
verno – sobretudo por interferir de forma negativa no
crescimento do país.
Referencial teórico
Mercado fi nanceiro – aspectos históricos
Nas últimas décadas, pode-se dizer que o mercado
fi nanceiro teve um grande desenvolvimento no Brasil.
Mecanismos e instituições públicas e privadas foram
criados com o objetivo de ampliar a poupança nacional
e transformar esses recursos de poupança em investi-
mento, até atingirmos a situação atual, que se caracte-
riza pela relativa variedade de instrumentos e serviços
fi nanceiros, de modo a procurar atender as diferentes
necessidades de tomadores e poupadores de recursos.
Percebe-se também que a economia está sempre em
constante mutação e as leis tentam acompanhar esse
processo.
Segundo Gremaud, Júnior e Vasconcellos (2005)
uma característica marcante destas últimas décadas é
a crescente integração econômica mundial em diver-
sos aspectos: comercial, produtivo e fi nanceiro. Essa
Análise econômica da crise fi nanceira no Brasil: o caso
da indústria automobilística
Marcel Stanlei MonteiroRonaldo Augusto da Silva Fernandes
ARTIGO
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julho / setembro / 2009
questão ganhou mais destaque no período recente
sendo chamada de globalização. Fortuna (1999) expli-
ca que a partir dos anos 50, solidificaram-se as posições
brasileiras, explodindo aos poucos seu potencial econô-
mico. Propagaram-se bancos e, com eles, os primeiros
sintomas de uma debilitada capacidade empresarial
para administrá-los. Em 1945, através do decreto-lei n°
7.293, foi criada a Sumoc (Superintendência da Moeda
e do Crédito), com o objetivo de exercer o controle do
mercado monetário.
Fortuna (1999) conclui que o processo de globaliza-
ção, a abertura econômica e o Plano Real provocaram,
em seu conjunto, e com apoio do Proer (Programa de
Estímulo à Reestruturação e ao Sistema Financeiro Na-
cional), do Proes (Programa de Incentivo à Redução do
Setor Público Estadual na Atividade Bancária) e da ade-
são Brasil ao Acordo de Basiléa, um processo de sanea-
mento, privatização e fusão de instituições bancárias
que, no limiar de 1998, iniciou uma revolução nos méto-
dos e práticas de nossa atividade bancária.
Características
Segundo Andrezzo (1999), o mercado financeiro é
composto pelo conjunto de instituições e instrumen-
tos financeiros destinados a possibilitar a transferência
de recursos dos ofertadores para os tomadores e, as-
sim, criar condições de liquidez no mercado. Podemos
dizer ainda, que o mercado financeiro é o local onde o
dinheiro é gerido, intermediado, oferecido e procurado.
O mercado financeiro encontra-se, sob um ponto de vis-
ta financeiro, dividido em duas categorias, levando em
conta, principalmente, os prazos das operações:
Mercado de crédito: composto pelo conjunto de
instituições e instrumentos financeiros destinados a
possibilitar operações de prazo curto, médio ou alea-
tório. Um exemplo de operações cujo prazo é aleatório
são os depósitos à vista, pois há possibilidade de resga-
te a qualquer momento, sem exigências.
Mercado de capitais: composto por um conjunto
de instituições e instrumentos financeiros destinados a
possibilitar operações de médio ou longo prazo ou de
prazo indefinido, como no caso das ações, por exemplo.
Destina-se principalmente, ao financiamento de capital
fixo, capital de giro e especiais, como habitação.
Assim, a autora diz que o mercado financeiro nada
mais é do que um grande fundo, do qual, se pode sacar
ou depositar recursos. É nele que se determina uma das
variáveis cruciais da economia – a taxa de juros – que
representa os termos em que se podem realizar transfe-
rências intertemporais de recursos.
Mercado financeiro brasileiro
Segundo Gremaud, Júnior e Vasconcellos (2005), no
final de 1993, começou a ser implementado o plano
mais engenhoso de combate à inflação já utilizado no
País. Após uma série de tentativas fracassadas de planos
heterodoxos na Nova República, o Plano Real conseguiu,
de forma duradoura, reduzir a inflação. Porém, de forma
geral, a nova moeda trouxe uma série de diferenças em
relação à condução da política macroeconômica. Para
garantir a estabilização da economia, centrou-se na
valorização cambial, que acabou provocando profun-
da deterioração das contas públicas. A manutenção da
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‘‘
Segundo Andrezzo (1999), o mercado financeiro é
composto pelo conjunto de instituições e instrumentos
financeiros destinados a possibilitar a transferência
de recursos dos ofertadores para os tomadores e, assim, criar condições de liquidez
no mercado. Podemos dizer ainda, que o mercado
financeiro é o local onde o dinheiro é gerido,
intermediado, oferecido e procurado.
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a
valorização cambial acabou levando a baixas taxas de
crescimento econômico, pela necessidade de se man-
terem elevadas taxas de juros para atrair o capital es-
trangeiro. Já destacado anteriormente, o sistema finan-
ceiro brasileiro teve um crescimento significativo com
as reformas políticas, mas principalmente a partir do
final dos anos 80, em razão do contexto de inflação ele-
vada. Os ganhos do sistema financeiro não decorriam
das operações de crédito, mas basicamente do Floating
de recursos – apropriação do imposto inflacionário. E a
questão que se colocava, no momento do Plano Real,
era quais seriam os impactos da estabilização sobre o
sistema financeiro e como este se adequaria. Segundo
os autores, a resposta dos bancos à perda da receita in-
flacionária foi a expansão das operações de crédito logo
após a implementação do plano e a elevação nas tarifas
cobradas sobre serviços bancários.
Crise econômica internacional
Para Freitas (2008), vários são os pontos sob
os quais se pode analisar a crise na economia mundial.
Baseado na perspectiva brasileira, o autor comenta que
o Brasil, assim como os demais paises, esta diminuindo
os juros e aumentando as despesas do governo, e que
apenas a intensidade das medidas é que é menor. E que
o fio condutor da crise entre nós foi a contração do cré-
dito externo de todos os tipos e prazos, com dois efei-
tos imediatos: de um lado a forte desvalorização do real
diante do dólar, e, de outro, uma grave contração reflexa
do crédito bancário doméstico.
O governo respondeu nas duas frentes. No
mercado de câmbio usou as reservas internacionais do
Banco Central para irrigar o mercado de câmbio via cré-
dito comercial de curto prazo aos exportadores, além
de vender dólares à vista e a futuro para suavizar a tra-
jetória de desvalorização cambial decorrente do impac-
to da crise. No mercado interno, liberou recolhimentos
compulsórios dos bancos, vinculando parcialmente tais
liberações ao destravamento e desempoçamento do
crédito. Todas elas, medidas de recomposição da liqui-
dez do sistema econômico. Quanto à duração da crise, o
autor diz que vai demorar o tempo necessário para que
as famílias, indivíduos e empresas alcançados pelo em-
pobrecimento restabeleçam seu equilíbrio patrimonial
e voltem a gastar normalmente. Alguns economistas
prognosticam que a presente recessão americana po-
deria durar algo como 18 meses.
Efeitos da crise financeira internacional sobre o
mercado de crédito no Brasil
Araújo (2008) afirma que os dados do mercado de
crédito no Brasil revelam expansão vigorosa quando
se comparam os dados anuais. No entanto, esse movi-
mento vem perdendo força desde setembro de 2008, re-
fletindo as dificuldades decorrentes do acirramento da
crise financeira internacional ao final de 2008. Os efeitos
no Brasil são atenuados pelas medidas governamentais
adotadas para aumento da liquidez, que contrabalan-
çam as restrições e ampliam o crédito diretamente por
meio dos bancos públicos e também por incentivos
aos bancos privados e aos tomadores finais. A maior
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O sistema financeiro brasileiro teve um
crescimento significativo com as reformas políticas,
mas principalmente a partir do final dos anos
80, em razão do contexto de inflação elevada.
Os ganhos do sistema financeiro não decorriam das operações de crédito,
mas basicamente do Floating de recursos –
apropriação do imposto inflacionário.
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julho / setembro / 2009
preocupação passa a ser a extensão dos impactos da cri-
se financeira sobre o setor real da economia, que foram
muito abruptos no último trimestre de 2008. A recessão
nas principais economias e a desaceleração do mercado
interno têm como conseqüências a redução do ritmo es-
perado para crescimento do crédito no Brasil e geram a
necessidade de medidas adicionais para sustentação da
dinâmica do sistema financeiro, especialmente no mer-
cado de crédito, que depende da reativação da atividade
econômica e manutenção do emprego e da renda.
Metodologia
Teoria econômica – princípios do mercado de
consumo
Segundo Varian (2006), para que o comportamento
dos seres humanos seja explicado, é necessário termos
uma estrutura para basear a análise. Em economia, é uti-
lizada com freqüência uma estrutura baseada nos dois
princípios que seguem:
O principio de otimização: onde as pessoas tentam
escolher o melhor padrão de consumo ao seu alcance.
O princípio de equilíbrio: onde os preços ajustam-
se até que o total que as pessoas demandam seja igual
ao total ofertado.
A respeito destes princípios, o autor comenta que
considerando o primeiro, se as pessoas são livres para
escolher, é razoável supor que elas tentam escolher as
coisas que desejam em vez das que não querem. Quan-
to ao segundo, o autor explica que sua noção é um pou-
co mais problemática. O autor explana ainda, que vale a
pena observar que a definição utilizada para equilíbrio
pode ser diferente em modelos diferentes, mas no caso
do mercado simples, o conceito de equilíbrio de oferta e
demanda será adequada à nossa necessidade.
Demanda
Varian (2006) explica que as funções de demanda do
consumidor dão as quantidades ótimas de cada um dos
bens, como uma função dos preços e da renda com os
quais o consumidor se defronta. O autor escreve estas
funções da seguinte forma: x1 = x1 (P1, P2, m) e x2 = x2
(P1, P2, m).
O autor explica que o lado esquerdo de cada equa-
ção representa a quantidade demandada. O lado direi-
to, a função que relaciona os preços e a renda com essa
quantidade.
Considerando a forma da demanda por um bem, ela
varia à medida que a renda do consumidor e os preços
variam, assim, o autor diz que sua intenção é comparar a
escolha ótima para um dado nível de renda.
Bens normais e inferiores
Varian (2006) diz que é razoável pensar que, normal-
mente, a demanda por cada bem aumente quando a
renda aumentar. Os economistas chamam esses bens
de bens normais. Se o bem um é um bem normal, então,
a sua demanda aumentará quando a renda aumentar e
diminuirá quando a renda diminuir. Para um bem nor-
mal, a quantidade demandada variará sempre no mes-
mo sentido da renda, conforme modelo descrito pelo
autor: ∆x1/ ∆m >0.
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Varian (2006) diz que é razoável pensar que,
normalmente, a demanda por cada bem aumente
quando a renda aumentar. Os economistas chamam
esses bens de bens normais. Se o bem um é um bem
normal, então, a sua demanda aumentará quando a renda
aumentar e diminuirá quando a renda diminuir. Para um
bem normal, a quantidade demandada variará sempre no
mesmo sentido da renda.
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Oferta
Segundo Varian (2006), para entender o comporta-
mento da oferta, é preciso pensar sobre a natureza do
mercado em que estamos examinando. O autor cita
como exemplo, o mercado de aluguel de apartamentos,
se referindo a este como mercado competitivo. Dentro
deste contexto, o autor explica que na hipótese de que
se cobrem pelos apartamentos um alto preço, pa, e um
baixo, pb, as pessoas que estão alugando seus aparta-
mentos por um preço alto, poderiam procurar um pro-
prietário que cobrasse menos e oferecer-se para pagar
um aluguel entre pa e pb.Tal transação favoreceria tanto
o proprietário quanto o locatário. Segundo o autor, até
aqui, a oferta simplesmente mede o quanto o consumi-
dor está disposto a ofertar de um bem a cada possível
preço do mercado. Com efeito, isso é a própria definição
da curva de oferta: para cada preço p, determinamos
que quantidade do bem será ofertada, S(p).
Equilíbrios de mercado
Para Varian (2006), o equilíbrio de mercado é repre-
sentado pela oferta, pela demanda e pelo preço. O autor
explica que ao se traçarem as curvas de oferta e deman-
da no mesmo gráfico, utilizaremos p* para representar
o preço. Sendo, o ponto onde a quantidade demanda-
da se iguala a quantidade ofertada, o preço de equilí-
brio. Em outras palavras, o autor diz que no equilíbrio
de mercado, se os preços estiverem acima de p* haverá
mais oferta em relação a demanda; se estiver abaixo, ha-
verá demanda demais em relação a oferta; e ao preço
p* os comportamentos serão compatíveis, haverá equi-
líbrio entre demanda e oferta.
Modelo econômico – descrição das varáveis
utilizadas
Uma das variáveis – produção física industrial
(variável dependente da equação econométrica) uti-
lizada para a estimação do modelo da crise financeira
no Brasil consiste da nova série de índices mensais da
produção industrial, elaborados com base na Pesquisa
Industrial Mensal de Produção Física (PIM-PF) reformu-
lada. A fonte dos dados para as variáveis independentes.
Taxa de câmbio efetiva real:
Medida da competitividade das exportações bra-
sileiras calculada pela média ponderada do índice de
paridade do poder de compra dos 16 maiores parceiros
comerciais do Brasil.
Taxa de juros over/selic:
Dados mais recentes atualizados pela Sinopse da
Andima. Obs.: A taxa Overnight / Selic é a média dos ju-
ros que o governo paga aos bancos que lhe empresta-
ram dinheiro.
Créditos concedidos ao setor privado:
Banco Central do Brasil (BACEN). Operações de cré-
dito do sistema financeiro ao setor privado.
Modelo explicativo
( )TxCBC rTxJfY ,,=
‘‘
‘‘
Uma das variáveis – produção física industrial (variável dependente da equação econométrica)
utilizada para a estimação do modelo da crise
financeira no Brasil consiste da nova série de índices
mensais da produção industrial, elaborados com base na Pesquisa Industrial Mensal de Produção Física
(PIM-PF) reformulada. A fonte dos dados para as variáveis independentes.
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53
julho / setembro / 2009
Hipóteses:
( )( ) 01 <∂∂
TxJY
Esta hipótese diz que o produto mantém uma rela-
ção inversa com a taxa de juros, ou seja, quando aumen-
ta a taxa de juros reduz o produto.
( )( ) 02 >∂∂
C rY
Esta hipótese diz que o produto mantém uma rela-
ção direta com o volume de crédito na economia, ou seja,
quando aumenta a taxa de juros aumenta o produto.
( ) 03 >∂∂
TxCBY
Esta hipótese diz que o produto mantém uma rela-
ção direta com a taxa de câmbio real, ou seja, quando
aumenta a taxa de câmbio aumenta o produto.
Modelo econométrico
Logaritmizando:
iiii TxCBC rTxJY µββββ ++++= loglogloglog 3210
logY=logaritmo do produto da economia.
TxJ= logaritmo da taxa de juros.
Cr= logaritmo do crédito da economia.
TxCB = logaritmo da taxa de câmbio.
b0=intercepto da equação econométrica.
b1= representa o coeficiente de elasticidade da taxa
de juros com relação ao produto.
b2= representa o coeficiente de elasticidade do cré-
dito da economia com relação ao produto.
b3= representa o coeficiente de elasticidade da taxa
de câmbio real com relação ao produto.
µ=termo aleatório da economia.
Análise dos resultados
Pelos resultados reportados na tabela I, pode-se
concluir que o modelo apresenta indícios de equação
espúria. O valor do R2 (0,71) apresenta-se próximo ao
teste dw (0,84). Portanto, devemos desconfiar dessa re-
gressão, pois ela presume que há uma tendência deter-
minística quando sabemos que a série temporal produ-
to tem tendência estocástica.
Neste caso, devemos fazer os testes de raízes unitá-
rias. O Dickey-Fuller (DF) é um teste estatístico que pode
ser empregado para determinar se uma série temporal
é estacionária. Se os termos de erro no modelo apre-
sentar correlação serial, então o teste DFA é o mais ade-
quado (tabela II). As estatísticas τ para os coeficientes
apropriados nas três séries são, pelas regressões DFA, as
seguintes:
Tabela I - Estimação da equação básica
produção crédito txcâmbio txjuros _cons
Coef. 4.25E-05 0.05 -2.54 82.73
T 14.61 1.75 -2.34 18
F 140.6
Dw 0.84
R2 0.71
Tabela II - Teste de raiz unitária com tendência
(estatística τ –ADF)
Séries Produto Taxa de juros CréditoTaxa de câmbio
Valor crítico a 1%
Valor crítico a 5%
Nível -3.221 -2.837 1.968 -1.742 -4.006 -3.436
Diferença -15.280 -14.034 -6.117 -9.872 -4.006 -3.436
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Diz-se que duas variáveis são co-integradas se existir
entre elas uma relação estável no longo prazo, mesmo
que ambas sejam individualmente não-estacionárias.
Nesse caso, a regressão de uma dessas variáveis contra
a outra não é espúria. Ambas as estatísticas do teste de
Johansen (traço e máximo autovalor) não rejeitam a hi-
pótese do número de vetores ser menor ou igual a 1,
mas rejeitam a hipótese do número de vetores ser me-
nor ou igual a 1. Este fato implica a presença de uma
tendência linear no modelo, quando descrito com as
variáveis em nível.
Tabela III – Determinação do número de vetores de cointegração
Número de vetores Traço Valor crítico
0 117.67 39.89
1 21.81* 24.31
2 5.11 12.53
3 0.09 3.84
4
Cabe ressaltar que no caso de um vetor de cointe-
gração, indica-se um significado de relação de longo
prazo compartilhada pelas variáveis, como se interpreta
no caso de apenas um vetor de cointegração. A cointe-
gração implica uma relação de longo prazo, ou equilí-
brio, entre duas (ou mais) variáveis. No curto prazo pode,
no entanto, haver um equilíbrio entre elas.
Os resultados reportados na tabela nº IV diz respeito,
as elasticidades de curto prazo que foram obtidas com
base na estimação do modelo vetor de correção de erro
(VECM), o qual inclui os vetores de cointegração estima-
dos no anexo. A elasticidade da taxa de câmbio de curto
prazo foi estimada em 0,01, o que é bastante baixa, mas
estatisticamente não nula, de acordo com a hipótese
esperada. A elasticidade de crédito de curto prazo, por
outro lado, foi de 1.48, também é estatisticamente não
nula, ou seja, diferente de zero. O sinal obtido é o espe-
rado pela teoria. A elasticidade da taxa de juros foi -0,45,
também, estatisticamente significativa em nível de sig-
nificância de 1%, como em todas as variáveis. O sinal
esperado esta de acordo com a hipótese do modelo.
Tabela IV - Modelo Vetor de Correção de Erro (VECM)
D.lnprodução Coef. t
∆lnproduçãot-1 -0.29 -6.41
∆txcâmbiot-1 0.01 -5.48
∆lncréditot-1 1.48 2.98
∆txjurost-1 -0.45 -6.45
vetor cointegração 1 -0.14 -5.21
_cons -1.33 -6.4
Conclusão
O presente artigo estudou os aspectos gerais da cri-
se financeira internacional, destacando seus pontos re-
levantes, sua origem e seus reflexos na economia mun-
dial. Contextualizou o mercado brasileiro e a evolução
de suas operações junto ao sistema bancário. Dentre a
análise, utilizando-se da metodologia da teoria econô-
mica e do modelo econométrico foi possível entender
‘‘
‘‘
O presente artigo estudou os aspectos
gerais da crise financeira internacional, destacando
seus pontos relevantes, sua origem e seus
reflexos na economia mundial. Contextualizou
o mercado brasileiro e a evolução de suas operações junto ao
sistema bancário.
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julho / setembro / 2009
o drama da indústria automobilística no Brasil, que teve
sua trajetória de crescimento interrompida no último
trimestre de 2008. Segundo a análise, os fatores que
contribuíram negativamente com este cenário foram
as taxas de juros, que subiram consideravelmente e que
durante o trimestre em referência, ficaram instáveis, so-
frendo várias alterações em um único dia. Outro fator de
extrema importância, foi a escassez do crédito no País e
por fim, a brutal desvalorização do câmbio – real frente
ao dólar.
A mola mestra da venda de carros sempre foi o cré-
dito, e uma vez que este desapareceu do mercado com
o advento da crise financeira internacional, o mercado
brasileiro, em especial, o da indústria automobilística
sofreu duramente as conseqüências em forma de perda
nas vendas de veículos, demissões e inadimplência. O
governo tentou através de medidas e de outras tenta-
tivas estimular, por parte das pessoas, a compra de au-
tomóveis, dentre elas, a redução do IPI. De forma geral
a saída da crise depende da recuperação da economia
mundial, e esta, é uma função da recuperação da eco-
nomia americana. Precisa-se de crédito e dos mercados
em expansão. Logo, a recuperação no Brasil também
será reflexa. Espera-se que antes eles se recuperem
para só então pensarmos em retomar nosso brilhante
desempenho do qüinqüênio 2004-2008, quando o PIB
cresceu 26,5%.
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Marcel Stanlei Monteiro
Administrador e Especialista em Controladoria e Finanças
Ronaldo Augusto da Silva Fernandes
Economista, mestre em Economia de Empresas. Empresário e professor de Graduação e Pós Graduação.
Conselho Regional de Economia da 11ª Região-DFSCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202
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