37 - Ipeaipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/revista_ppp37.pdf · Daniela Vieira do Amaral...

256
As Teorias de Justiça e a Equidade no Sistema Único de Saúde no Brasil André Nunes Criação da Agência Reguladora e Leis de Incentivo à Cultura: evidências empíricas para o mercado de cinema brasileiro Marcos Vinicio Wink Junior Enlinson Mattos Abrir as Escolas à Comunidade nos Finais de Semana Reduz que Tipo de Violência? Uma Análise de Contrafactual Utilizando Mínimos Quadrados Ponderados pelo Propensity Score Rogério Allon Duenhas Marco Túlio Aniceto França Flávio de Oliveira Gonçalves Determinantes Socioeconômicos na Probabilidade de Aprovação no Exame Vestibular: uma análise entre os campi da Universidade Federal de Pernambuco NG Haig Wing Luiz Honorato Municipalização e Qualidade de Ensino Fundamental no Município de Ponte Nova, Minas Gerais Francisco Carlos Cunha Cassuce Fernanda Rosado Correa Coelho João Eustáquio de Lima Regularização Fundiária Sustentável: alguns desafios Regina Bienenstein Roberto Bousquet Paschoalino Daniela Vieira do Amaral Correia Marcus César Martins Cruz Fábio Roberto de Oliveira Santos Alguns Desafios ao Planejamento e Desenvolvimento do Maranhão, Brasil: contexto histórico, obstáculos e estratégias de superação Jhonatan Uelson Pereira Sousa Ensaio Jurídico sobre o Dano Nuclear no Direito Brasileiro Adriano Celestino Ribeiro Barros jul. dez. 2011 37

Transcript of 37 - Ipeaipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/revista_ppp37.pdf · Daniela Vieira do Amaral...

As Teorias de Justiça e a Equidade no Sistema Único de Saúde no BrasilAndré Nunes

Criação da Agência Reguladora e Leis de Incentivo à Cultura: evidências empíricas para o mercado de cinema brasileiroMarcos Vinicio Wink Junior Enlinson Mattos

Abrir as Escolas à Comunidade nos Finais de Semana Reduz que Tipo de Violência? Uma Análise de Contrafactual Utilizando Mínimos Quadrados Ponderados pelo Propensity ScoreRogério Allon Duenhas Marco Túlio Aniceto França Flávio de Oliveira Gonçalves

Determinantes Socioeconômicos na Probabilidade de Aprovação no Exame Vestibular: uma análise entre os campi da Universidade Federal de PernambucoNG Haig Wing Luiz Honorato

Municipalização e Qualidade de Ensino Fundamental no Município de Ponte Nova, Minas GeraisFrancisco Carlos Cunha Cassuce Fernanda Rosado Correa Coelho João Eustáquio de Lima

Regularização Fundiária Sustentável: alguns desafiosRegina Bienenstein Roberto Bousquet Paschoalino Daniela Vieira do Amaral Correia Marcus César Martins Cruz Fábio Roberto de Oliveira Santos

Alguns Desafios ao Planejamento e Desenvolvimento do Maranhão, Brasil: contexto histórico, obstáculos e estratégias de superaçãoJhonatan Uelson Pereira Sousa

Ensaio Jurídico sobre o Dano Nuclear no Direito BrasileiroAdriano Celestino Ribeiro Barros

jul. dez.

2011 37

Governo FederalSecretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República

Ministro Wellington Moreira Franco

Fundação pública vinculada à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, o Ipea fornece suporte técnico e institucional às ações governamentais – possibilitando a formulação de inúmeras políticas públicas e programas de desenvolvimento brasileiro – e disponibiliza, para a sociedade, pesquisas e estudos realizados por seus técnicos.

PresidenteMarcio Pochmann

Diretor de Desenvolvimento InstitucionalGeová Parente Farias

Diretor de Estudos e Relações Econômicas e Políticas Internacionais, SubstitutoMarcos Antonio Macedo Cintra

Diretor de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da DemocraciaAlexandre de Ávila Gomide

Diretora de Estudos e Políticas MacroeconômicasVanessa Petrelli de Correa

Diretor de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e AmbientaisFrancisco de Assis Costa

Diretor de Estudos e Políticas Setoriaisde Inovação, Regulação e Infraestrutura, SubstitutoCarlos Eduardo Fernandez da Silveira

Diretor de Estudos e Políticas SociaisJorge Abrahão de Castro

Chefe de GabineteFabio de Sá e Silva

Assessor-chefe de Imprensa e ComunicaçãoDaniel Castro

Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoriaURL: http://www.ipea.gov.br

PPP: PLANEJAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICASPublicação semestral do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada cujo objetivo é promover o debate e a circulação de conhecimento em planejamento e políticas públicas, representando o esforço do instituto de disseminar pes-quisas, avaliações e proposições neste campo.E-mail: [email protected]

Corpo Editorial

Membros

Boaventura de Souza Santos (Universidade de Coimbra)Clélio Campolina (UFMG)David Kupfer (IE/UFRJ)Fernando Rezende (Ebape-FGV-BSB/RJ)Gilberto Bercovici (USP)Guilherme Delgado (Ipea – pesquisador aposentado/UFU)Raquel Rolnik (USP)Ricardo Paes de Barros (Ipea)Yves Vaillancourt (Universidade do Quebec, LAREPPS/ESSBE/ARUC)

EditoraLiana Maria da Frota Carleial (Ipea/UFPR)

CoeditorBruno de Oliveira Cruz (Ipea)

Secretário executivoFrancisco de Souza Filho

Apoio técnicoSimone Aparecida Lisniowski

Apoio administrativoEdineide Pedreira Ramos

planejamento e políticas públicas ppp

número 37 | jul./dez. 2011

Brasília, 2011

© Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – ipea 2011

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ou da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reproduções para fins comerciais são proibidas.

Planejamento e políticas públicas / Instituto dePesquisa Econômica Aplicada. – n. 1 (jun.1989)- .Brasília : Ipea, 1989 -

Semestral.Editor anterior: de 1989 a março de 1990,

Instituto de Planejamento Econômico e Social.

ISSN 0103-4138

1. Economia. 2. Políticas Públicas. 3. Plane-jamento Econômico. 4. Brasil. 5. Periódicos. I.Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

CDD 330.05

NOTA DOS EDITORES

O presente número 37 da revista Planejamento e Políticas Públicas (PPP) apresen-ta nove artigos na temática da revista. Estes artigos cobrem desde avaliação de po-líticas públicas até desafios para o planejamento e a formulação de novas políticas. Cinco artigos abrangem o tema da política social, analisando a atuação da agência reguladora no mercado de cinema, passando por questões de justiça e equidade no sistema de saúde e cobrindo também a avaliação de aspectos da política educa-cional. O primeiro artigo sobre o tema educacional avalia a redução da violência a partir da abertura de escolas nos fins de semana. Um segundo artigo estuda os determinantes socioeconômicos do acesso ao ensino superior via exame de vesti-bular nos campi da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Um terceiro avalia a qualidade do ensino fundamental, tomando como exemplo o município de Ponte Nova, Minas Gerais. Desafios e propostas para a formulação de políticas públicas também estão presentes em dois artigos deste número. A regularização fundiária e seus principais impactos é o tema de um artigo, enquanto outro, neste amplo espectro de desafios e propostas de política, analisa o caso do estado do Maranhão, levando em conta o contexto histórico e elencando estratégias para o desenvolvimento deste estado. Outro tema discutido neste número é a questão ambiental e, em especial, o impacto do dano nuclear e a responsabilização do Estado no Direito brasileiro. Desta forma, o número 37 cumpre mais uma vez o papel da revista, qual seja o de publicar artigos que contribuam para a formulação e o aprimoramento das políticas públicas.

Agradecemos mais uma vez a todos os autores e os pareceristas da revista. Ao fim, publicamos a lista dos pareceristas. Eles contribuíram decisivamente para resposta rápida aos autores e para reduzido tempo de decisão editorial. O comitê editorial e a equipe da revista têm envidado esforços a fim de que o processo de revisão double-blind seja o mais célere possível; neste sentido, a contribuição dos pareceristas é de inestimável valor. Fica aqui o reconhecimento a todos que cola-boraram neste processo.

Os Editores

SumáRIO

AS TEORIAS DE JuSTIÇA E A EQuIDADE NO SISTEmA ÚNICO DE SAÚDE NO BRASIL ................9André Nunes

CRIAÇÃO DA AGÊNCIA REGuLADORA E LEIS DE INCENTIVO À CuLTuRA: EVIDÊNCIAS EmPÍRICAS PARA O mERCADO DE CINEmA BRASILEIRO ....................................39Marcos Vinicio Wink JuniorEnlinson Mattos

ABRIR AS ESCOLAS À COmuNIDADE NOS FINAIS DE SEmANA REDuZ QuE TIPO DE VIOLÊNCIA? umA ANáLISE DE CONTRAFACTuAL uTILIZANDO mÍNImOS QuADRADOS PONDERADOS PELO PROPENSITY SCORE ..........................................................77Rogério Allon DuenhasMarco Túlio Aniceto FrançaFlávio de Oliveira Gonçalves

DETERmINANTES SOCIOECONÔmICOS NA PROBABILIDADE DE APROVAÇÃO NO EXAmE VESTIBuLAR: umA ANáLISE ENTRE OS CAMPI DA uNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAmBuCO .....................................................................97NG Haig WingLuiz Honorato

muNICIPALIZAÇÃO E QuALIDADE DE ENSINO FuNDAmENTAL NO muNICÍPIO DE PONTE NOVA, mINAS GERAIS ..........................................................................................133Francisco Carlos Cunha CassuceFernanda Rosado Correa CoelhoJoão Eustáquio de Lima

REGuLARIZAÇÃO FuNDIáRIA SuSTENTáVEL: ALGuNS DESAFIOS .........................................153Regina BienensteinRoberto Bousquet PaschoalinoDaniela Vieira do Amaral CorreiaMarcus César Martins CruzFábio Roberto de Oliveira Santos

ALGuNS DESAFIOS AO PLANEJAmENTO E DESENVOLVImENTO DO mARANHÃO, BRASIL: CONTEXTO HISTÓRICO, OBSTáCuLOS E ESTRATÉGIAS DE SuPERAÇÃO .................................185Jhonatan Uelson Pereira Sousa

ENSAIO JuRÍDICO SOBRE O DANO NuCLEAR NO DIREITO BRASILEIRO .................................231Adriano Celestino Ribeiro Barros

SummARY

THEORIES OF JuSTICE AND EQuITY IN HEALTH SYSTEm IN BRAZIL ...........................................9André Nunes

ESTABLISHmENT OF REGuLATORY AGENCY AND INCENTIVE LAWS TO THE CuLTuRE: EmPIRICAL EVIDENCE FOR THE BRAZILIAN mARKET CINEmA .................................................39Marcos Vinicio Wink JuniorEnlinson Mattos

OPENNING SCHOOL TO COmmuNITY DuRING THE WEEKENDS REDuCES WHAT KIND OF VIOLENCE? A COuNTERFACTuAL ANALYSIS uSING PROPENSITY SCORE WEIGHTED LEAST SQuARES .....................................................................................................77Rogério Allon DuenhasMarco Túlio Aniceto FrançaFlávio de Oliveira Gonçalves

SOCIAL AND ECONOmIC DETERmINANTS IN APPROVAL PROBABILITY IN THE VESTIBuLAR EXAmINATION: AN ANALYSIS BETWEEN uFPE CAmPuS ......................................97NG Haig WingLuiz Honorato

muNICIPALIZATION AND QuALITY OF ELEmENTARY EDuCATION IN THE muNICIPALITY OF PONTE NOVA, mINAS GERAIS ..................................................................133Francisco Carlos Cunha CassuceFernanda Rosado Correa CoelhoJoão Eustáquio de Lima

SuSTAINABLE LAND TENuRE REGuLAIZATION: SOmE CHALLENGES .....................................153Regina BienensteinRoberto Bousquet PaschoalinoDaniela Vieira do Amaral CorreiaMarcus César Martins CruzFábio Roberto de Oliveira Santos

THE SOmE CHALLENGES PLANNING AND DEVELOPmENT OF THE mARANHÃO, BRAZIL: HISTORICAL CONTEXT, OBSTACLES AND STRATEGIES ...........................................................185Jhonatan Uelson Pereira Sousa

JuRIDICAL ARTICLE ABOuT THE NuCLEAR DAmAGE IN THE BRAZILIAN RIGHT .....................231Adriano Celestino Ribeiro Barros

SumARIO

LAS TEORÍAS DE LA JuSTICIA Y LA EQuIDAD EN EL SISTEmA DE SALuD EN BRASIL .................9André Nunes

CREACIÓN DE LEYES DE INCENTIVOS CuLTuRALES Y LA AGENCIA REGuLADORA: EVIDENCIA EmPÍRICA PARA EL mERCADO DEL CINE BRASILEÑO ...........................................39Marcos Vinicio Wink JuniorEnlinson Mattos

ABRIR LAS ESCuELAS A LA COmuNIDAD LOS FINES DE SEmANA REDuCE QuE TIPO DE VIOLENCIA? uN ANáLISIS DE CONTRA FACTuAL uTILIZANDO mÍNImOS CuADRADOS PONDERADOS POR PROPENSITY SCORE  .................................................................................77Rogério Allon DuenhasMarco Túlio Aniceto FrançaFlávio de Oliveira Gonçalves

DETERmINANTES SOCIOECONÓmICOS EN LA PROBABILIDAD DE APROBACIÓN EN EL EXAmEN DE ADmISIÓN EN LA uNIVERSIDAD: uN ANáLISIS ENTRE LOS CAmPuS DE LA uFPE ...............................................................................................................97NG Haig WingLuiz Honorato

muNICIPALIZACIÓN Y CALIDAD DE LA EDuCACIÓN BáSICA EN EL muNICIPIO DE PONTE NOVA, mINAS GERAIS ..........................................................................................133Francisco Carlos Cunha CassuceFernanda Rosado Correa CoelhoJoão Eustáquio de Lima

REGuLARIZACIÓN SOSTENIBLE DE LA TIERRA: ALGuNOS RETOS ..........................................153Regina BienensteinRoberto Bousquet PaschoalinoDaniela Vieira do Amaral CorreiaMarcus César Martins CruzFábio Roberto de Oliveira Santos

ALGuNOS DESAFÍOS A LA PLANIFICACIÓN Y AL DESARROLLO DEL mARANHÃO, BRASIL: CONTEXTO HISTÓRICO, OBSTáCuLOS Y ESTRATEGIAS ..........................................................185Jhonatan Uelson Pereira Sousa

ARTÍCuLO JuRÍDICO SOBRE EL DAÑO NuCLEAR EN EL DERECHO BRASILEÑO ......................231Adriano Celestino Ribeiro Barros

SOmmAIRE

LES THÉORIES DE LA JuSTICE ET L’ÉQuITÉ DANS LE SYSTÈmE uNIQuE DE SANTÉ Au BRÉSIL .................................................................................................................9André Nunes

CRÉATION DE LA RÉGLEmENTATION ET DES LOIS D’INCITATION CuLTuRELLE: LES DONNÉES EmPIRIQuES POuR LE mARCHÉ Du CINÉmA BRÉSILIEN .................................39Marcos Vinicio Wink JuniorEnlinson Mattos

QuELS TYPES DE VIOLENCE SONT RÉDuITS PAR L’OuVERTuRE DES ÉCOLES muNICIPALES LE WEEK-END? uNE ANALYSE CONTREFACTuELLE BASÉE SuR LA mÉTHODE DES mOINDRES CARRÉS PONDÉRÉS PuR PROPENSITY SCORE ................................................77Rogério Allon DuenhasMarco Túlio Aniceto FrançaFlávio de Oliveira Gonçalves

DETERmINANTS SOCIO-ÉCONOmIQuES DANS LA PROBABILITÉ DE RÉuSSITE DE L’EXAmEN D’ENTRÉE DANS L’uNIVERSITÉ: uNE COmPARAISON ENTRE LES CAmPuS DE L’uFPE .............97NG Haig WingLuiz Honorato

muNICIPALISATION ET QuALITÉ D’ENSEIGNEmENT FONDAmENTAL DANS LA muNICIPALITÉ DE PONTE NOVA, mINAS GERAIS ...................................................................133Francisco Carlos Cunha CassuceFernanda Rosado Correa CoelhoJoão Eustáquio de Lima

RÉGuLARISATION DuRABLE DES TERRES: QuELQuES DÉFIS .................................................153Regina BienensteinRoberto Bousquet PaschoalinoDaniela Vieira do Amaral CorreiaMarcus César Martins CruzFábio Roberto de Oliveira Santos

LE PEu DE PLANIFICATION DÉFIS ET LE DÉVELOPPEmENT Du mARANHÃO, Au BRÉSIL: CONTEXTE HISTORIQuE, LES OBSTACLES ET LES STRATÉGIES ..............................................185Jhonatan Uelson Pereira Sousa

ARTICLE JuRIDIQuE Au SuJET Du DÉGÂT NuCLÉAIRE DANS LE DROIT BRÉSILIEN ................231Adriano Celestino Ribeiro Barros

AS TEORIAS DE JUSTIÇA E A EQUIDADE NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE NO BRASILAndré Nunes*

Neste artigo contrapõem-se as teorias de justiça que embasaram a construção do modelo de provisão de saúde universal no Brasil. O argumento central é que os critérios de justiça postulados não são atingidos na prática, uma vez que não há como se pensar em justiça sem considerar as restrições impostas pela escassez de recursos econômicos. Essa é a questão fundamental a ser tratada pela justiça. Neste contexto, questiona-se a viabilidade do modelo de provisão de saúde pública, universal e gratuita, proporcionar atenção à saúde com a qualidade e a tecnologia demandadas pela medicina atual. Duas opções se apresentam. A mais confortável é continuar com o atual modelo, mesmo sem tornar factível o princípio da universalização equitativa. A outra é repensar o modelo de atenção pública e gratuita, criando-se critérios de acessibilidade, priorização do atendimento e coparticipação dos custos.

Palavras-chave: Teorias de Justiça; Equidade; Equidade em Saúde.

THEORIES OF JUSTICE AND EQUITY IN HEALTH SYSTEM IN BRAZIL

This essay compares the theories of justice that founded the set up of a universal health care supply model with the particular way in which the public health sector provides care for the population in Brazil. The main argument states that none of the criteria for postulated justice is reached in practical terms. In fact, there is no way to think about justice without considering the restrictions imposed by the shortage of economic resources. Within this context, the feasibility of the universal and free public health care model to produce health services according to quality and technology required by nowadays medicine is questioned. Therefore, two options appear. The first one is more comfortable, namely to carry on with the current model, which is a fallacy regarding universality. The other option is to reassess the public and free health care model, creating thereby criteria for access, consumer service priority and co-participation.

Key-words: Theories of Justice; Equity; Health Equity.

LAS TEORÍAS DE LA JUSTICIA Y LA EQUIDAD EN EL SISTEMA DE SALUD EN BRASIL

En este artículo se contraponen las teorías de la justicia que han sustentado la construcción del modelo de prestación universal de salud en Brasil. El argumento central es que los criterios postulados de la justicia no se logran en la práctica, ya que no hay manera de pensar la justicia sin tener en cuenta las limitaciones impuestas por la escasez de recursos económicos. Este es un tema fundamental que debe ser tratado por la justicia. En este contexto, cuestionase la viabilidad del modelo de prestación de salud pública, universal y gratuita, ofrecer atención a la salud con la calidad y tecnología exigida por la medicina moderna. Dos opciones se presentan. La más confortable es continuar con el modelo actual, aunque sin hacer viable el principio de la

* Doutor em Economia pela Universidade de Brasília (UnB) e professor do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). E-mail: [email protected]

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201110

universalización equitativa. El otro es el de repensar el modelo de atención pública y gratuita, creándose criterios de accesibilidad, priorización del atendimiento y co-participación de los costos.

Palabras-clave: Teorías de la Justicia; Equidad; Equidad en la Salud.

LES THéORIES DE LA JUSTICE ET L’éQUITé DANS LE SYSTèME UNIQUE DE SANTé AU BRéSIL

Cet article cherche a contraster les théories de la justice qui ont servit de base pour la construction du modèle de prestation de soins de santé universel au Brésil. L’argument central est que les critères de justice postulés ne sont pas réelement atteints dans la pratique, car ce n’est pas possible de penser à la justice sans tenir compte des contraintes imposées par le manque de ressources économiques, qui est la question fondamentale qui doit être traité par la justice. Dans ce contexte, la viabilité du modèle de prestation de santé publique universel et gratuit est questioné en tant que réponse aux exigences de qualité et de technologie compatibles avec la médecine moderne. Deux options se présentent. La plus confortable est de continuer avec le modèle actuel, même sans atteindre le principe de la répartition universelle. L’autre consiste à repenser le modèle de soin public gratuit, en créant des critères d’accessibilité, d’assistance prioritaire et de co-participation des coûts.

Mots-clés: Théories de la justice; L’équité; L’équité en Santé.

1 INTRODUÇÃO

A redução das desigualdades socioeconômicas é o foco das discussões em políticas públicas nesse início de século. As políticas públicas caracterizam-se por transfe-rência de renda monetária ou pela provisão de serviços que dependam, ou não, da inserção socioeconômica dos indivíduos, capazes de criar as condições do Estado de bem-estar. Entende-se por Estado de bem-estar o regime específico de trans-ferências sociais, de base fiscal, cujo objetivo é promover condições de vida digna ao cidadão, mediante esquemas de distribuição de renda ou de bens e serviços públicos, notadamente os da saúde, educação e segurança.

A análise da provisão pública da atenção e serviços de saúde passa pela per-cepção de que o acesso à saúde é um direito e, portanto, aspecto fundamental do processo de promoção do bem-estar dos cidadãos. Neste contexto de aborda-gem, faz-se necessária a discussão de questões de base, como as desigualdades e as injustiças do modelo de provisão de saúde no Brasil. O modelo brasileiro foi construído sob o princípio de que a saúde é um direito de todos e dever do Esta-do, portanto alicerçado no pressuposto do acesso universal e igualitário às ações e aos serviços de saúde para sua promoção, proteção e recuperação – Art. 196 da Constituição Federal de 1988 (CF/88).

Para Mattos (2009) é comum designar por princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) as linhas delineadas na CF/88: a universalidade, a equida-de, a integralidade, a descentralização, a participação da população e a organização

11As Teorias de Justiça e a Equidade no Sistema Único de Saúde no Brasil

da rede de serviços de modo regionalizado e hierarquizado. Para o autor, estes “princípios e diretrizes foram forjados no interior de um processo de luta travada pelo movimento da Reforma Sanitária, desde o final dos anos setenta”. A reivin-dicação de direitos fundamentais, defendida pela corrente dos direitos humanos e mais especificamente o movimento sanitário, produziram um consenso em tor-no de princípios norteadores da atuação do Estado na saúde, sendo o principal: “a saúde deveria ser considerada como um direito de todos e um dever do Estado”. Mattos (2009) acredita, também, que foi o movimento sanitário que engendrou os elementos centrais que chamamos de princípios e diretrizes do SUS.

Ocorre que os princípios da universalização e da inclusão, presentes nos movimentos dos quais se originou o SUS, desenvolveram-se em um contexto de crise fiscal profunda. A universalização, por não ter definido outras fontes e formas de financiamento, de certo modo acabou por reforçar ainda mais a deficiência da atenção à saúde do setor público, o que, de forma não intencio-nal, acabou por fortalecer a saúde privada suplementar. Em vez de o princípio funcionar como mecanismo de inclusão social, passou à função de excludente (FAVERET; OLIVEIRA, 1989) por incorporar apenas os segmentos mais ne-cessitados da população e de forma discriminatória, mediante a oferta de um serviço de qualidade questionável.

O objetivo central deste trabalho é contrapor as teorias de justiça que emba-saram a construção do modelo de provisão de saúde universal com o fato concreto de que a forma como a saúde é fornecida à população no Brasil não possibilita que os critérios de justiça e equidade postulados sejam atingidos. O problema fundamental é que tipo de igualdade em saúde se busca no SUS? Como se pensar em justiça sem considerar as restrições impostas pela escassez de recursos econô-micos? Quais as possibilidades, em um ambiente de restrições fiscais, de engen-drar um modelo de provisão de saúde pública, universal e gratuito, que produza saúde com a qualidade e a tecnologia demandadas pela medicina atual? Na verda-de, estas são as questões fundamentais a serem tratadas pela justiça.

Duas alternativas se apresentam. A primeira é continuar com o atual sistema de saúde, que traz na sua concepção o pressuposto do ideal e não do real, o modelo da falácia da universalização. Nesse desenho, prepondera a crença de que é possível a existência de um modelo de saúde pública, universal e gratuita. A segunda opção seria repensar o modelo de saúde pública no país, criando critérios de acessibilida-de, priorização do atendimento e coparticipação no pagamento.

Atente-se que o fundamental na questão da justiça, que aqui se coloca, é em razão da escassez de recursos e não porque deva prevalecer na sociedade o senti-mento de altruísmo e o desejo da redução das desigualdades. É importante lem-brar que a assertiva de que “a saúde não tem preço” deve ser ponderada, quando

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201112

pensamos em “critérios de justiça”. Se há uma cesta de bens e serviços que os indivíduos podem escolher e entre as escolhas de consumo estão incluídos a saúde e outros bens prejudiciais à saúde – como cigarro, álcool, sedentarismo –, fica clara a interação com outros consumos, que devem ser relativamente valo-rados. Então, a saúde não é um bem absoluto e o bem-estar da sociedade deve ser atingido, alocando recursos para diversos bens e não, exclusivamente, para a saúde (FIGUEIRAS, 1991). Considerando um ambiente de limitação de recur-sos, estaria a sociedade disposta a alocar mais recursos para a saúde e menos para a educação e a segurança? De quanto seria esse limite?

Encaminhar alternativas para se pensar essas questões, utilizando-se das teo-rias de justiça, é o propósito deste artigo, que se divide em cinco seções, incluindo esta introdução. Na seção 2, apresenta-se a discussão sobre o alcance das teorias de justiça. Na seção 3, agregam-se às teorias de justiça às ideias de igualdade e de equidade em saúde. Na seção 4, apresenta-se o reflexo das teorias de justiça e sua (não) aplicabilidade ao modelo de saúde pública no Brasil. Finalmente, na seção 5, conclui-se este trabalho.

2 AS TEORIAS DE JUSTIÇA

A ciência econômica estuda a produção, a alocação e a distribuição de recursos para atender às necessidades humanas. O “atender” a essas necessidades deve ser percebi-do e analisado como uma “questão de justiça”. A justiça econômica constitui-se em uma das partes mais significativas da justiça na sociedade, vez que as necessidades, os interesses e os desejos das pessoas podem ser expressos em termos econômicos.

A justiça é uma questão central a toda a vida em sociedade. Convém lembrar que, por sua própria natureza, é “social” e “distributiva”. Lidar com a questão da justiça constitui, na verdade, uma condição para a própria existência de uma sociedade. Assim, em todas as sociedades a reflexão mais elaborada é aplicada à solução, dis-solução ou deslocação da questão da justiça (...). É preciso, portanto, contar com a solução, e, portanto com a racionalidade, uma vez que a justiça deve ser justificada – isto é, sustentada por razões válidas. Assim, a teoria da justiça é um problema da mais extrema importância, que normalmente mobiliza os melhores avanços de nos-sa compreensão de sociedade. (KOLM, 2000, p. 4).

Em termos normativos, a justiça está relacionada ao modo como a distribui-ção dos bens e recursos é feita e ao modo como deveria ser feita. Ela nos remete a necessidades, interesses e desejos dos cidadãos que deveriam ser atendidos pelo modelo econômico vigente na sociedade, ou então, por um arranjo estatal capaz de promover condições para uma sociedade mais justa. A promoção das políti-cas sociais significa encontrar soluções distributivas distintas daquelas produzidas pelo mercado. Inserida neste contexto, está a questão da equidade, que se confi-gura como princípio básico de justiça social.

13As Teorias de Justiça e a Equidade no Sistema Único de Saúde no Brasil

Entre os princípios que norteiam as políticas sociais, em especial, as de saú-de, o da equidade é o que mais tem alcançado consenso entre os pesquisadores. Mesmo assim, as políticas implementadas não têm garantido seu efetivo exercí-cio, terminando, muitas vezes, por restringir sua validade à condição formal de um direito.

Para Porto (2004), a elaboração de propostas de justiça social no pensamen-to contemporâneo está relacionada à necessidade de se definir “qual igualdade se procura” que “desigualdades são aceitáveis” e quais seriam, inclusive, desejá-veis.1 A solução remete a uma questão mais ampla: o que é uma sociedade justa? Ou, o que é uma política social justa? Ou, especificamente, o que é uma política de saúde justa? Uma resposta poderia ser: dar mais aos que tem menos. Entre-tanto, se a questão da justiça se apresenta, em termos de “se é importante o que cada um tem o direito de esperar e o que temos direito de esperar de cada um”, é porque os recursos são escassos e não vivemos em uma situação de abundância. Para Parijs (1997) ocorre abundância quando o nível de recursos da sociedade e a estrutura de preferências de seus membros são tais que é possível a cada um deles ter acesso a tudo o que deseja.

Em uma sociedade perfeitamente altruísta, cada um de seus membros leva a sério o interesse de todos os outros, no mesmo grau de intensidade que os seus próprios, pois a maneira como esses interesses são concebidos é idêntica para to-dos. Então, independentemente do tamanho da escassez, a distribuição dos recur-sos não afetaria o bem-estar de ninguém, pois a sociedade seria indiferente a dar mais a um e menos a outro. A partir do momento que o princípio do altruísmo enfraquecesse ou a homogeneidade se alterasse, a questão da justiça voltaria a ad-quirir sentido. Em sociedades como a nossa, tanto a primeira, quanto a segunda condição não são facilmente satisfeitas, o que implica dizer que as circunstâncias da justiça se fazem necessárias.

Nesses termos, a ética econômica e social contemporânea outorga lugar privilegiado à teoria da justiça social, entendida como o conjunto de princípios que regem a distribuição equitativa de direitos e deveres entre os membros da sociedade. Considerando essa ética, pode se pensar em uma solução centrada nas instituições sociais e não no comportamento individual, por meio de modelos de provisão de bens e serviços pelo Estado, nas áreas consideradas essenciais, como no caso da saúde.

Com base em Parijs e Arnsperger (2002) e Parijs (1997) aborda-se as teorias da ética econômica social: utilitarista, libertariana, marxista e igualitarista liberal de Rawls, analisando os juízos de valor que enceram, ao se articularem com a realidade.

1. Para aprofundar o assunto, ver Klein (1988), Pinker (1988) e Culyer (1988).

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201114

2.1 O utilitarismo

Criado por Benthan (1789), popularizado por Mill (1962) e sistematizado por Sidgwick (1874), o utilitarismo constituiu-se, por muito tempo, o marco exclusivo da reflexão ética dos economistas. Para o utilitarismo, as questões fundamentais de nossa sociedade não se resolvem à luz de um pretenso di-reito natural ou de interesses particulares de grupos organizados. Como re-solver questões como: Qual o critério que deve reger a decisão coletiva? Qual a natureza de uma sociedade justa? Para a concepção utilitarista, as respos-tas consistem em proceder à análise objetiva, científica e neutra da situação. A ideia básica do utilitarismo reside nas utilidades dos respectivos indivídu-os e consiste em maximizar a utilidade da sociedade. Importante entender o que é maximizar a utilidade. Para Benthan (1789) maximizar a utilidade é reduzir tanto quanto possível os males que sofrem os indivíduos e fazê-los atingir o máximo de prazer. A proposta original parece bastante idealista e de natureza hedonista. Uma versão mais ampla caracteriza a utilidade como um indicador de satisfação das preferências de uma pessoa, não a associando ne-cessariamente a experiências de prazer ou dor. Então, a solução do utilitarismo passa a ser a maximização da preferência (utilitarismo clássico) ou da média das preferências (utilitarismo médio) de toda coletividade. Para tanto, é ne-cessário comparar a soma ou a média de níveis de bem-estar individuais para escolher a distribuição que maximize o bem-estar coletivo. Entretanto, a “não comparabilidade” das utilidades individuais dificulta a solução apontada pelo utilitarismo clássico.

O utilitarismo ordinal da new welfare economics utiliza o conceito de eficiên-cia para decidir qual a melhor alocação, pretendendo introduzir um formato de neutralidade e objetividade à regra da decisão escolhida. Arrow (1951) ofereceu uma contribuição ao utilitarismo marginal, mostrando que este se encontra limi-tado em dois aspectos:

1. Indeterminação do critério de ótimo de Pareto.2

2. Possibilidade de irracionalidade coletiva inerente a qualquer procedi-mento de agregação ordinal das preferências individuais que se afaste do simples critério de Pareto, para romper com a sua indeterminação.

As discussões, em torno desse dilema, produziram o que se chama de teoria da escolha social, ou da escolha coletiva. O teorema da impossibilidade de Arrow3 produziu dois efeitos:

2. Um estado da economia é Pareto-ótimo se não existe nenhum outro estado possível no qual um agente possa desfrutar de um nível de bem-estar superior, sem que para isso outro agente não tenha seu bem-estar reduzido.3. O teorema da impossibilidade de Arrow diz que não podemos garantir que uma escolha realizada por meio dos critérios de votação democráticos conduza a economia para pontos de maior eficiência (Pareto-superiores).

15As Teorias de Justiça e a Equidade no Sistema Único de Saúde no Brasil

1. Conduziu a uma exploração sistemática dos procedimentos de decisão coletiva, tentando eleger os que parecessem satisfazer algumas condi-ções básicas de aceitabilidade.

2. Introduziu uma ampliação considerável no campo da economia norma-tiva, abrindo espaço para que outras vozes – Sen e Rawls –, distintas das que pensavam que o bem-estar dos indivíduos fosse a única informação pertinente para guiar a escolha pública.

A regra de decisão do utilitarismo exige: especificação das consequências das escolhas associadas às diversas opções; avaliação das consequências do ponto de vista da utilidade dos indivíduos e escolha de uma das opções possíveis, desde que a soma das utilidades a ela associada seja ao menos igual a qualquer outra opção possível.

Para Parijs (1997) a soma das utilidades apresenta três aspectos que me-recem consideração: i) definir quem são os indivíduos que terão as utilidades somadas, podendo se limitar a um grupo ou à sociedade humana como um todo; ii) tomar a soma das utilidades no sentido estrito e exigir a maximização da utili-dade total, como recomenda o utilitarismo clássico de Benthan, ou dividir a soma pelo número de indivíduos, como sugere o utilitarismo médio; e iii) considerar a natureza das utilidades, em termos de prazer e sofrimento em sentido estritamen-te material. Trata-se de prazeres do intelecto e dos sentimentos morais? Trata-se da satisfação de qualquer desejo racional dos indivíduos? O autor considera a última alternativa como a mais adequada. Neste caso, as preferências dos indivíduos não são submetidas a nenhuma censura que não à cognitiva e sua intensidade deter-mina o que os indivíduos recebem, é o utilitarismo preferencial.

A aplicação da teoria utilitarista requer a conversão das preferências indivi-duais em funções de utilidade, para depois definir a utilidade agregada. Para isso é necessário que as preferências individuais sejam completas e transitivas, e, que haja a não saciedade do consumidor. Preferências completas significam que os in-divíduos são racionais, sabem o que preferem e atentam para uma ordem na esco-lha racional. Preferências transitivas significam que se o indivíduo prefere comer carne de peixe à de frango e prefere frango à bovina, ele sempre preferirá peixe à carne bovina. Não saciedade significa que o consumidor, quando pode escolher um bem, ele o prefere em mais quantidade que menos do referido bem oferecido.

O que nos interessa são as questões ligadas à dimensão distributiva do uti-litarismo. Para tal, é necessário lembrar que o ponto fundamental desta teoria é a ideia de utilidade marginal, considerada como a utilidade que o indivíduo tem pelo consumo adicional de uma unidade do bem considerado. Os consumido-res estão dispostos a consumir até o ponto em que sua utilidade marginal seja igual a zero, ou seja, quando não há mais utilidade no consumo. As funções de

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201116

utilidade são caracterizadas pela hipótese de uma utilidade marginal decrescente em função da renda. Uma pessoa que tem renda elevada obtém menos utilidade de um real adicional que outra de renda mais modesta. O utilitarismo manifesta assim um forte viés em favor da redução das desigualdades de renda, pois um tributo sobre os mais ricos com transferências para os mais pobres aumentaria o somatório das utilidades.

Quanto à relação do utilitarismo com as instituições, pode-se dizer que o utilitarismo inclui na noção de bem-estar o que cada pessoa considera importante, inclusive igualdade e liberdade, com as prioridades e ponderações determinadas de modo soberano promovendo, com imparcialidade, o maior nível de bem-estar possível. Entretanto, se a maximização prevista pelo utilitarismo for de encontro à questão moral, devem-se manter as regras do jogo. São as instituições que devem ser julgadas e moldadas pelas regras do utilitarismo e não este que deva ceder às pressões e alterar as regras para atender a uma preocupação moral. Essas conside-rações possuem força considerável quando defrontadas com demandas dispersas, não defensáveis por nenhuma teoria articulada que se oponha ao utilitarismo.

2.2 O libertarismo

O libertarismo4 é a doutrina que pretende colocar a liberdade em seu centro. Sua premissa básica é a dignidade fundamental de cada pessoa, que não pode ser violada em nome de nenhuma necessidade coletiva. A dignidade reside no direito ao exercício soberano da liberdade, baseado em um marco coerente de direitos es-tabelecidos. Uma sociedade justa é uma sociedade livre. Sendo a liberdade um di-reito fundamental, não há espaço para ingerências do Estado no funcionamento do mercado. O mercado é uma interação de transações voluntárias de indivíduos livres. O importante é definir um sistema coerente de direitos de propriedade.

A inspiração dos libertaristas vem de Locke (1924), passando por Hayek (1998), Hospers (1971) e mais recentemente por Nozick (1974) e Steiner (1977). Uma sociedade justa não é aquela em que existe uma preocupação específica com a repartição da renda, mas a dotada de um marco legal com um conjunto de nor-mas sociais, que garantam a liberdade e permitam sua coordenação espontânea.

Para os libertaristas a coordenação econômica de uma sociedade pode ser assegurada pelo mercado, ainda que de forma imperfeita, mas, ao não violar a liberdade dos indivíduos, é mais eficaz que a regulação do Estado. Ocorre que o laisser faire pode conduzir a distribuições de renda injustas. Em princípio, isto não preocupa os libertaristas, pois a justiça de uma distribuição particular de

4. O termo liberalismo poderia ser utilizado para nomear essa escola de pensamento. Entretanto, o amplo emprego deste termo, que serve para nomear desde a esquerda moderada nos Estados Unidos aos economistas ortodoxos no Brasil, produz inúmeras ambiguidades. Por este motivo optou-se pelo termo libertarismo.

17As Teorias de Justiça e a Equidade no Sistema Único de Saúde no Brasil

rendimentos não tem relação com uma estrutura ideal preestabelecida, igualitária ou não. O importante é verificar se ela foi produto de transações voluntárias entre os membros da sociedade, que dispõem de liberdade plena.

Parijs e Arnsperger (2002) elencam três princípios libertários: autoproprie-dade, transferência justa e apropriação original. O primeiro dispõe que todo in-divíduo mentalmente capaz tem o direito absoluto de dispor de seus talentos para fazer o que lhe convier, desde que, não o faça para renunciar a própria liber-dade. A transferência justa acredita que a justiça de um direito de propriedade se estabelece no momento em que ocorre sua transferência voluntária, com ou sem contrapartida material ou monetária, com a pessoa que era anteriormente a proprietária legítima. A apropriação original diz que cada um pode apropriar-se legitimamente de alguma coisa, se não pertencente a ninguém, desde que o bem--estar de outro indivíduo não seja diminuído por isso.

Não há um consenso entre os libertários quanto ao princípio da apropria-ção original. Para Kirzner (1979), “o primeiro que chega se serve primeiro”. Então, se um recurso natural não foi apropriado por ninguém, se o dono de um bem morrer sem deixar herdeiros, ou se há uma ideia que não tenha sido patenteada, o primeiro que reivindicar sua propriedade é o legítimo dono. A maioria dos libertários expressa algum escrúpulo para ratificar as implicações dessa concepção. Para Nozick (1974), essa cláusula deve ser suavizada, pois, se a apropriação de um recurso natural faz com que os que se veem privados da capacidade de se apropriar do deste se encontrem em situação pior do que a teriam em um estado da natureza, isento de qualquer direito de propriedade, onde tudo é acessível a todos, há de se fazer uma compensação aos não pro-prietários. Não parece fácil determinar quem terá direito a essa compensação e qual seu valor adequado.

Para Vallentyne (1998), no princípio da apropriação original deve-se con-siderar que todo ser humano possui um mesmo direito às riquezas da terra. A apropriação só pode ser legítima, se o proprietário paga uma taxa cujo mon-tante reflete o valor dos recursos por ele apropriados. Sob este ponto de vista, os deserdados do sistema, os que não podem encontrar emprego, aqueles cujos serviços valem pouco no mercado, cuja venda não lhes permite uma vida digna, são vítimas de injustiça, de violação de seus direitos naturais, pois o livre jogo do mercado é incapaz de compensá-los adequadamente. Então, todos que a apropriação privada do que era comum deteriorou a sorte, têm direito ao me-nos a uma compensação que os façam elevar-se ao nível de bem-estar no qual eles se encontravam na ausência dessa apropriação, bem como a uma participa-ção nos benefícios de que desfrutam aqueles que o mercado remunera de forma generosa (BRODY, 1983).

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201118

Os libertarianos atribuem importância crucial à liberdade, entendida como a liberdade na transação econômica realizada pelo agente, sem qualquer violação ao direito de propriedade. A liberdade requer o direito de fazer o que se dese-ja consigo mesmo e com tudo de que se é legítimo proprietário. Parijs (1997, p. 190), ao criticar o pensamento libertariano, pergunta:

Mas o que é liberdade? É dizem vocês, a ausência de coerção por outro ou pelo Estado, ou de maneira mais precisa a ausência de qualquer usurpação dos direitos de propriedade legítimos que temos sobre nós mesmos e os bens exteriores. Isso requer (...) uma especificação da maneira como podemos nos tornar proprietários legítimos de bens (...) que antes não eram propriedade de ninguém – um recurso natural. (...). E vocês estão profundamente divididos em relação à maneira de definir as condições nas qual um recurso natural pode ser legitimamente apro-priado. Mas não queremos revolver a faca nesta ferida para fazê-los confessar. A posição de vocês, com efeito, está viciada por um mal muito mais profundo (...). A liberdade não é uma questão de direito de fazer o que se deseja. Ela é tam-bém uma questão de meios.

Esse parece ser o ponto fraco do libertarismo: a não percepção de que o exercício da liberdade está diretamente relacionado à questão dos meios de que as pessoas dispõem para alcançá-la. O foco da justiça deve ser antes a promoção de condições mínimas dos meios, para que todos os indivíduos pertencentes à sociedade possam atingi-la. Em outras palavras, a justiça que produza a igualdade equitativa de oportunidades.

Encerrando a discussão sobre libertarismo cabe ressaltar que este não re-presenta uma uniformidade de pensamento. A corrente real-libertária, ou li-bertarismo de esquerda, apesar de possuir algumas semelhanças com a posição apresentada por Nozick (1974), possui algumas características bastante distintas. O libertarismo de esquerda não fundamenta a distribuição dos direitos de pro-priedade sobre os objetos externos. Os direitos de propriedade são fundamenta-dos em um princípio de maximização da liberdade real para todos. Para Parijs (1997) a diferença central entre as duas vertentes é que para a corrente real-liber-tária: “não é pois pela exortação de um compromisso com outros valores, como a igualdade ou a eficiência, mas em nome da própria liberdade que essa posição pode ser defendida da crítica dos libertarianos”.

2.3 O marxismo

Se para os libertarianos, o utilitarismo não deixa espaço para a liberdade e para o direito dos indivíduos, para a tradição marxista, os conceitos libertarianos não são adequados e só o marxismo apresenta uma concepção ideal de igualdade e justiça social. A questão central para os marxistas é que não são as relações econômicas que estão reguladas por conceitos jurídicos, mas, ao contrário, são as relações

19As Teorias de Justiça e a Equidade no Sistema Único de Saúde no Brasil

jurídicas que emergem dos conceitos econômicos. A justiça das transações entre os agentes produtivos se baseia no fato de que estas são resultados naturais das relações de produção (PARIJS; ARNSPERGER, 2002).

A síntese aqui apresentada não tem a intenção de explorar toda a contribui-ção teórica de Marx, atém-se apenas às ideias sobre teoria da justiça. A aplicação do marxismo na ética econômica e social contemporânea reside na tentativa de abolir a alienação, entendida como o fato de as atividades humanas não terem um fim em si mesmo e de não existir uma relação equitativa entre a produção do trabalhador e a renda por ela proporcionada, bem como de não ocorrer qualquer vínculo com o atendimento às necessidades materiais do trabalhador. A alienação toma forma quando se vende a força de trabalho por um salário. Para eliminá-la não basta acabar com o capitalismo, há que se instaurar um regime de abundân-cia, que seria atingido quando o desenvolvimento das forças produtivas satisfizes-se as necessidades materiais de cada pessoa, sem que fosse necessário remunerar ninguém pelas atividades produtivas que exerça. Nesse estágio, poder-se-ia uti-lizar a famosa frase de Marx: de cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades.

O ponto central da ética econômica e social do marxismo baseia-se na ex-ploração paradigmática, que consiste na extração do sobre trabalho do trabalha-dor pelo capital. A injustiça fundamental reside no fato de que os trabalhadores não estão dispostos a deixar, livremente, uma parte do que produzem para o capi-talista. Eles só o fazem por não terem acesso aos meios de produção. A exploração paradigmática é injusta porque implica em uma troca desigual. A pergunta então seria: O que torna a exploração paradigmática eticamente aceitável?

Uma economia pode ser considerada como uma forma complexa de cooperação ou de troca à qual os indivíduos trazem contribuições e da qual retiram vantagens. Su-pondo que possamos medir as contribuições e as vantagens de tal modo que a soma das primeiras seja igual à soma das segundas. Um princípio de troca igual poderia enunciar que as vantagens que cada um retira da cooperação devem ser iguais a sua contribuição. É vítima de uma troca desigual à pessoa que fornece mais trabalho socialmente necessário do que recebe, incorporado nos bens que compra com o seu rendimento. Ao contrário, é beneficiária de uma troca desigual à pessoa que fornece menos trabalho socialmente necessário do que é incorporado na parte do produto líquido que lhe é atribuído. (PARIJS, 1997, p. 87).

Se a troca desigual é injusta, o capitalismo também o será. Roemer (1982) considera uma pessoa vítima da exploração capitalista, se sua situação material pode ser melhorada caso se reparta em partes iguais à propriedade dos meios de produção. O explorador, pelo contrário, teria sua situação material piorada, caso esta repartição ocorresse. A vantagem dessa definição, segundo Parijs e Arnsperger (2002), é que ela é aplicável no caso em que cada um combina em graus diversos,

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201120

rendas de capital e de trabalho. Ela permite utilizar a definição de exploração em termos de intercâmbio desigual de valor-trabalho. Roemer (1990) amplia a defi-nição de exploração, considerando o ambiente no quais os trabalhadores possuem grandes diferenciais de qualificação. Ele mostra que as dotações iniciais, influen-ciadas por inúmeros fatores – educação, esforço, desutilidade – são importantes indutores de desigualdade, acabando com a ideia de que as injustiças são produ-zidas, apenas, pela relação entre trabalhadores e capitalistas.

Parijs (1997) acredita que a exploração paradigmática, entendida como a extração do sobre o trabalho, não possui qualquer injustiça, pois considera que algumas pessoas se apropriam do produto líquido sem fornecer nenhum trabalho e isto, não é, intrinsecamente, injusto. Dois argumentos ratificam essa ideia:

• Não são apenas os trabalhadores que criam o produto. Os capitalistas também participam no processo de criação, pois a produção corrente não seria possível sem o estoque corrente de capital. Aqui, a diferença entre o trabalho e o capital é que este pressupõe uma espera, uma pou-pança prévia e o risco inerente ao investimento.

• As trocas que os indivíduos fazem são baseadas em contribuições e van-tagens e nem sempre são trocas desiguais, para tanto basta mensurar as contribuições e vantagens de tal modo que a soma das primeiras seja igual a das segundas. O princípio de troca igual deveria ser que cada um retira um “produto” igual a sua contribuição. É vítima de uma troca desigual a pessoa que fornece mais trabalho socialmente necessário do que recebe sob forma de vantagens (mais-valia). Em razão da unidade escolhida para medir as contribuições, somente os trabalhadores trazem contribuição positiva e assim os não trabalhadores vão se beneficiar de uma troca desigual, pois estes não contribuem, apenas recebem as van-tagens. Ou seja, a exploração paradigmática implica uma troca desigual no sentido especificado. Entretanto, a troca igual do valor-trabalho é indefensável, enquanto princípio ético da distribuição de renda. Se os valores de troca cessam de ser determinados pela quantidade de trabalho socialmente necessário (valor-trabalho), nada mais justifica o valor-tra-balho para medir as vantagens que cada indivíduo obtém. A quantidade de valor-trabalho incorporada aos bens que um trabalhador compra com seu trabalho dependerá de suas escolhas. Se comprar bens cujo valor de troca é muito menor, relativamente, ao seu valor-trabalho, ele pode se revelar um beneficiário de trocas desiguais. Em outras palavras, desde que o trabalho vivo não é mais o único fator produtivo escasso, os preços concorrenciais são muito mais apropriados que o “valor-trabalho” para avaliar as vantagens que cada pessoa tira da cooperação econômica.

21As Teorias de Justiça e a Equidade no Sistema Único de Saúde no Brasil

Sintetizando, pode-se dizer que a exploração não foi adequadamente ca-racterizada, podendo-se considerá-la como uma desigualdade de oportunidades. Desta forma, utilizando-se de ideias paralelas às idealizadas pelo marxismo, como a apontada por Parijs (1997), pode-se dizer que um bom critério de justiça seria, mais uma vez, de uma justiça que deve ter na igualdade de oportunidades e na equidade o ponto central de suas preocupações.

2.4 O igualitarismo liberal de Rawls

A teoria da justiça de Rawls foi a que mais influenciou os teóricos no fim do sé-culo passado. Sua ideia de igualitarismo ganhou força com publicação de Theory of Justice, em 1971. A proposta do autor, assim como o utilitarismo, diferente do marxismo, não pretende constituir-se em um modelo de sociedade. Ela se destina à construção de um critério de avaliação de modelos de sociedade, que exige ser completada por análises empíricas de seu funcionamento.

A ideia central é que os princípios da justiça para a estruturação básica da sociedade são objeto do consenso original, emanados de pessoas livres e racionais, preocupadas em promover seus próprios interesses, que aceitariam uma posição inicial de igualdade. Esses princípios passariam a regular todos os demais acordos subsequentes. A essa maneira de considerar os princípios da jus-tiça, Rawls chama de “justiça com equidade”. A situação original é puramente hipotética. Ela é formulada de modo a conduzir a uma concepção de justiça, tendo como característica essencial à situação de que ninguém, a priori, conhe-ce o seu lugar na sociedade, seu status social, suas habilidades, inteligências ou sua condição de saúde.

Os princípios da justiça são escolhidos sob um véu de ignorância. Isso garante que ninguém é favorecido ou desfavorecido na escolha dos princípios (...). Uma vez que todos estão numa situação semelhante e ninguém pode designar princípios para fa-vorecer sua condição particular, os princípios da justiça são resultado de um consen-so ou ajuste equitativo. Pois dadas as circunstâncias da posição original, a simetria das relações mútuas, essa situação original é eqüitativa entre os indivíduos tomados como pessoas éticas, isto é, como seres racionais com objetivos próprios e capazes, na minha hipótese, de um senso de justiça. A posição original é, poderíamos dizer, o status quo inicial apropriado, e assim os consensos fundamentais nela alcançados são eqüitativos. (RAWLS, 2002, p. 13).

Elaborada a concepção da justiça como equidade, uma das principais tarefas é a determinação dos princípios da justiça que seriam escolhidos na posição origi-nal. Os dois princípios formulados por Ralws (2002, p. 64) são:

(i) Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que seja compatível com o sistema semelhante de liberdade para as outras (princípio da igual liberdade);

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201122

(ii) As desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos.

O princípio da igual liberdade5 garante aos cidadãos as liberdades funda-mentais: liberdade de expressão, de consciência, de associação, de direito ao voto. O princípio da igualdade equitativa6 divide-se nos subprincípios das oportuni-dades e da diferença. O primeiro garante que todos os cidadãos devem ter a mesma oportunidade de acesso às diversas posições sociais, para que pessoas com o mesmo talento tenham condições equitativas de competitividade. O segundo garante que as desigualdades devem contribuir para elevar ao máximo o benefício dos membros mais pobres da sociedade. Para tal, deve-se atender às expectativas associadas aos diversos níveis sociais, principalmente ao nível dos bens primários, atendendo aos mais pobres, e, ainda, que as possibilidades de desigualdade entre os níveis socioeconômicos tenham efeito positivo sobre a soma dos benefícios totais a partilhar. Tais princípios devem ser utilizados para a distribuição dos bens primários, definidos pelo autor como os tipos de bens que todos os indivíduos preferem ter mais que menos, por exemplo: riqueza, posição social, oportunida-des, habilidades, liberdade e até mesmo autorrespeito.

Para Rawls (2002), a garantia de que os princípios escolhidos sejam equi-tativos está determinada pelas circunstâncias especiais de constituição da posição original, na qual devem existir relações simétricas entre as partes. Os resultados equitativos são assegurados pela característica equitativa da situação inicial. Para a implementação dos critérios de justiça é necessária a intervenção governamental por meio de suas instituições, para assegurar um mínimo social, a partir da distri-buição dos bens primários.

Parijs e Arnsperger (2002) acreditam que, admitindo como justas algumas desigualdades, o princípio da diferença busca conciliar igualdade e eficiência. É assim que Rawls concebe o maximín, que consiste em escolher, entre to-das as disposições institucionais possíveis, aquela que eleve ao máximo o bem--estar dos mais pobres. É importante observar a distinção entre o conceito de equidade como maximín para Ralws e o da maximização do bem-estar para os utilitaristas. De um modo geral, o utilitarismo se propõe a maximizar o nível médio de bem-estar. Podemos utilizar a ideia utilitarista de uma forma equita-tiva, substituindo a média simples por uma média ponderada, atribuindo um peso mais significativo àqueles cujo nível de bem-estar é mais baixo. O proble-

5. Liberdade igual pode consistir nos direitos civis e humanos iguais (liberdades básicas), na renda igual, na igualdade de oportunidades, em outras palavras, os bens primários de Rawls. O significado ético depende da natureza específica das alocações, das situações ou das esferas de liberdades consideradas. (KOLM, 2000, p. 190).6. O papel do princípio da igualdade equitativa de oportunidades é assegurar que o sistema de cooperação seja um sistema de justiça procedimental pura. (RAWLS, 2002, p. 89-95).

23As Teorias de Justiça e a Equidade no Sistema Único de Saúde no Brasil

ma é que qualquer ponderação incorpora um grau de arbitrariedade e parte da solução consiste em considerar apenas a elevação do bem-estar dos indivíduos de menor bem-estar da sociedade.

Para Parijs (1997), esse princípio do bem-estar mínimo corresponde à ma-neira segundo a qual alguns economistas interpretaram o princípio da diferença de Rawls. Esta interpretação dá origem a uma questão instigante, chamada de “gostos dispendiosos”. Suponha que um paciente esteja extremamente infeliz por estar internado em um quarto compartilhado com outro paciente, enquanto ou-tro paciente, mais acostumado às vicissitudes e supostamente de menor renda, estaria feliz se conseguisse um quarto compartilhado. O princípio da diferença exige que se reduza um pouco o nível de satisfação do paciente de menor renda, internando-o em uma enfermaria com mais pacientes, de modo a proporcionar ao primeiro paciente um quarto individual. Este é o motivo pelo qual Ralws não formulou seu princípio da diferença em termos de utilidade ou de bem-estar, mas em termos de bens sociais primários.

Bens sociais primários podem ser definidos como condições indispensáveis que permitam a cada indivíduo perseguir a realização de sua concepção de vida – renda, saúde, educação e as bases sociais do autorrespeito. Essa solução evita o problema dos “gostos dispendiosos” e fornece um critério para arbitrar a tensão entre eficiência e igualdade.

Retornando a questão do consenso original da teoria da justiça, Kolm (2000) acredita que a posição original constrói uma teoria dedutiva moralmente independente com três objetivos:

1. Suprimir os efeitos de meios individuais diferentes sobre a escolha co-letiva, de modo que ninguém seja favorecido ou desfavorecido pelas contingências naturais ou pelas circunstâncias sociais.

2. Não adaptar os princípios às circunstâncias de um caso pessoal, mas garantir que aspirações pessoais não afetem os princípios adotados. Um homem rico acharia racional vetar impostos que elevem a tributação so-bre o patrimônio, por considerá-lo injusto, mas é provável que o pobre tivesse achado justa a elevação desses tributos. Rawls exclui o conheci-mento dessas contingências que criam divergências entre os homens.

3. Representar um método de pensamento e um recurso expositivo para testar ou ampliar as convicções ponderadas sobre a justiça, até que pos-sam chegar a um equilíbrio reflexivo.

Kolm apresenta algumas questões sobre a teoria da posição original, que fazem com que ela não possa ser considerada uma teoria da ética social. O indiví-duo egoísta da posição original estabelece as leis da sociedade que vão determinar

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201124

as situações específicas dos indivíduos reais. Ele não tem informação nenhuma sobre o que ele vai ser, sobre o que ele desejará ser, nem tampouco sobre o que ele irá fazer ou o que terá. O indivíduo leva essa ignorância em consideração na sua escolha egoísta das regras sociais. Ele pode correr o risco de sacrificar alguns dos possíveis indivíduos reais futuros, caso isso permita uma melhora da situação de um número razoável de outras pessoas, pois há uma probabilidade de ele tornar--se um individuo beneficiário. Quando os indivíduos reais se materializam nessas categorias, o resultado pode ser muito parcial ou injusto. Portanto, “a escolha na posição original não pode, a priori, ser chamada de justa para os indivíduos reais”. (KOLM, 2000, p. 239).

O fato de o interesse pessoal imaginário não ser influenciado pelo interesse pessoal não implica que a escolha seja justa ou equitativa com relação aos indiví-duos reais futuros. A justiça não pode ser resultante da ignorância egoísta, agindo em seu interesse próprio. Para Kolm (2000), a teoria da posição original produz justiça para os indivíduos na posição original (ex ante), mas não a produz entre os indivíduos reais (ex post). Ocorre que o mundo real é ex post.

A justiça é objetividade, não incerteza. É imparcialidade, não ignorância. É abstrair--se do interesse pessoal, não da informação sobre si mesmo. O esquecimento do próprio interesse não é relativo à informação. As duas coisas são muito diferentes e, certamente, levam a conclusões muito diversas. A introdução da incerteza é um convite a se confundirem as questões, e fazê-la ocupar o lugar da moral e da impar-cialidade vem completar a confusão. A justiça provém do maior conhecimento de fatos e razões relevantes, não da maior ignorância. A justa escolha decorre da abs-tração do interesse pessoal, não de se favorecê-lo avidamente, ainda que por trás do véu da ignorância. Justiça é objetividade informada e vigilante, não egoísmo cego. (KOLM, 2000, p. 243).

Mesmo consideradas as críticas de Kolm, a teoria da justiça de Rawls aporta bases fundamentais à busca de uma conceituação do termo equidade. Basta des-tacar a incorporação de interesses coletivos como resultado do contrato original entre indivíduos, o papel do Estado na distribuição dos bens primários e a preo-cupação com a diminuição das desigualdades por intermédio de políticas que, em alguma medida, melhorem a situação dos menos favorecidos.

3 AS TEORIAS DE JUSTIÇA, A IGUALDADE E A EQUIDADE

A definição clara de equidade tem sido preocupação recorrente na área da saúde. Uma primeira sugestão é a divisão de equidade em horizontal e vertical (WEST; CULLIS, 1979; WAGFTAFF; VAN DOORSLAER, 1993). Para estes autores, a equidade horizontal consiste no tratamento igualitário – igual para iguais – e a equidade vertical implica em tratamentos distintos – que considerem as caracte-rísticas dos pacientes – resultando em tratamento “desigual para desiguais”.

25As Teorias de Justiça e a Equidade no Sistema Único de Saúde no Brasil

Para Jardanovski e Guimarães (1993), a equidade horizontal é vis-ta como um tratamento igualitário para as mesmas necessidades de saúde. São consideradas distinções de gênero, idade e condições socioeconômicas. O conceito de equidade horizontal torna-se um pouco mais amplo, tendo em vista o agrupamento de necessidades semelhantes para produzir resultados semelhantes. Na equidade vertical, supõem-se tratamentos diferenciados para necessidades também diferenciadas. Os autores incorporam preocupações alocativas no seu conceito de equidade vertical que poderá ser utilizado para definir prioridades sobre que tipo de ação tomar, considerando a escassez de recursos. Por exemplo, escolher, alternativamente, entre investir para elevar o número de leitos em UTI neonatal ou priorizar uma campanha nacional de aleitamento materno. A visão de equidade vertical dos autores é criticada pelos defensores da universalização, que a veem como um anúncio de políti-cas hierarquizadas com o risco de focalização. Entretanto, a ideia de equidade vertical produz a visão da necessidade de priorização, que poderia ser dada aos bens primários em saúde.

Outra tipificação que define equidade em saúde utiliza diversos tipos de igualdade. Turner (1986) relaciona três tipos a serem consideradas para atingir a equidade. São elas: a igualdade de oportunidades, a de condições e a de resulta-dos. Por não terem igualdade de oportunidades as pessoas não atingem a igualda-de de condições, não chegando à igualdade de resultados.

Artells (1983 apud PORTO et al., 2001) apresenta definições operacionais de equidade baseadas em critérios prévios de igualdade:

• Igualdade de despesa per capita.

• Igualdade de recursos per capita. Realizada em base populacional, incor-pora correções à distribuição de recursos em função das diferenças de preço observadas em cada região.

• Igualdade de recursos para necessidades iguais. Para obter distribuições equitativas, leva em conta as diferentes necessidades sanitárias existentes e efetua correções com base no perfil demográfico e epidemiológico.

• Igualdade de oportunidade de acesso para necessidades iguais. Reco-nhece, além das diferentes necessidades determinadas pelo perfil demo-gráfico e epidemiológico, a existência de desigualdades no custo social do acesso – por exemplo, a distância aos serviços.

• Igualdade de utilização para iguais necessidades. Considera não só a distribuição da oferta e os custos sociais, mas também os fatores condi-cionantes da demanda.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201126

• Igualdade de satisfação de necessidades marginais. Parte do pressuposto que as necessidades mantêm a mesma ordem de prioridade nas diferen-tes regiões. Alcança-se a equidade quando um incremento ou corte nos recursos, com o aumento ou a diminuição na cobertura das necessida-des, for o mesmo em todas as regiões.

• Igualdade nas condições de saúde. Tem por objetivo a igualdade nos indicadores de saúde.

As duas primeiras definições de Artells (1983 apud PORTO et al., 2001) relacionam-se à igualdade per capita e não à equidade. As quatro seguintes preo-cupam-se com o atendimento a algum tipo de equidade específica: de recursos, de acesso, de necessidade. Apenas a última definição incorpora um conceito de equi-dade mais amplo, cuja preocupação está voltada para o resultado da ação de saúde.

Le Grand (1988) afirma que os tipos de equidade representam variações de uma mesma ideia e podem ser sintetizados em três pontos: tratamento igual para necessidades iguais, igualdade de acesso e igualdade de saúde. A igualdade de acesso é entendida como igualdade de custos pessoais para a obtenção de tra-tamento, incluindo variáveis como distância dos serviços e tempo de espera para o atendimento.

Travassos (1992) observa que mesmo tendo igualdade no uso de serviços de saúde, não há garantia na igualdade de resultados, referindo-se às distinções de ca-pacidade de Sen (1992). Entende que deve ser dada prioridade à igualdade de uti-lização de serviços de saúde, em função das necessidades em saúde e ao uso dos serviços de saúde dado pelas necessidades e características da oferta. Para Whitehead (1991) as intervenções nas desigualdades devem ser realizadas com o intuito de obter a igualdade dos estados sanitários. Nesse sentido, a partir da identificação dos fatores que dão origem às desigualdades em saúde se estabelece uma classificação destes, em termos de injustos e evitáveis. Então, a equidade é entendida como a superação de desigualdades evitáveis e consideradas injustas, implicando que necessidades distin-tas sejam atendidas por ações diferenciadas.

Tema igualmente importante na discussão entre justiça e equidade diz respeito a como tratar os pacientes que tem alguma responsabilidade pela sua condição de saúde. Os exemplos mais comuns na literatura são o do motorista embriagado e o do fumante inveterado. Segall (2010) levanta a discussão de que tratamento a sociedade deve dispensar a esses pacientes. A tese de Segall está re-lacionada à que concepção de justiça distributiva deve ser aplicada a pessoas que tem responsabilidade individual pela situação de desigualdade em saúde. A ideia de que a justiça equitativa deve corrigir as desvantagens oriundas da “sorte bru-ta” parece não se coadunar com os casos em que a responsabilidade individual é determinante para a condição de saúde. Nesse contexto, as principais perguntas

27As Teorias de Justiça e a Equidade no Sistema Único de Saúde no Brasil

passam a ser: Como tratar pacientes que de alguma forma são responsáveis por suas próprias condições de saúde? Podem as desigualdades em saúde ser deter-minadas apenas pela “sorte bruta” – genes e fatores exógenos fora de controle – ou elas são influenciadas pela responsabilidade individual? Como reduzir as disparidades em saúde, empregando critérios de justiça, sem levar em conta as inter-relações entre responsabilidade individual e os custos impostos aos sistemas de saúde, financiados com orçamentos sociais?

Para Porto (2004), existe consenso de que as variações biológicas naturais como os comportamentos perigosos livremente escolhidos7 e as vantagens tem-porárias em matéria de saúde de um grupo em relação a outro8 não podem ser consideradas injustas. Entretanto, há fatores considerados injustos e evitáveis, por isso, constituem objetos de intervenções na redução das iniquidades, como:

• Comportamentos perigosos para a saúde em situações em que os indi-víduos têm pouca escolha, em termos de modo de vida.

• Exposição a condições de vida e de trabalho insalubres ou que gerem estresse.

• Acesso insuficiente aos serviços de saúde e a outros serviços públicos fundamentais.

Retornando a discussão da justiça, Sen (1992) acredita que os valores cen-trais da justiça social são a igualdade e a liberdade. A liberdade não no conceito dos libertarianos, mas entendida em sentido amplo, no qual, além da possibili-dade de escolha individual, inclui-se o requisito de segurança social e econômica. Porto (2004, p. 49) resume essas ideias:

Sen considera que a vida pode ser vista como um conjunto de funções inter-rela-cionadas e que as realizações pessoais podem ser entendidas como o vetor resultante dessas funções. Como exemplo de funções relevantes, menciona ser bem nutrido, ter boa saúde, bem como algumas mais complexas, como ser feliz, ter auto-estima. Mas, o ponto central está na capacidade de os indivíduos exercerem essas funções, na capacidade de as pessoas transformarem bens em funções. O conjunto de capa-cidades do indivíduo representa sua efetiva oportunidade de consecução do bem--estar, assegurando a liberdade de escolha entre formas de vida – escolha entre o conjunto de vetores de funcionamentos possíveis.

Uma política pública que pretenda ser equitativa deve ater-se a duas ques-tões propostas, respectivamente, por Rawls e Sen: os bens primários e as capa-cidades. Rawls (2002) concentra sua atenção na distribuição de bens primários,

7. Por exemplo, a prática de esportes associados a elevados riscos de saúde.8. Essa vantagem pode ocorrer pelo primeiro grupo adotar um comportamento favorável à saúde. Sendo que os outros grupos poderão adotar o mesmo comportamento em um curto espaço de tempo.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201128

incluindo direitos, oportunidades, renda e saúde. Sen (1992, p. 134-135) acre-dita que “os bens primários não são constitutivos da liberdade como tal, sendo melhor concebidos como meios para liberdade”.

Uma solução rawlsiana centraria seus esforços no sentido de garantir a equi-dade na distribuição dos bens primários. Na compreensão de Sen (1992), isso não é suficiente para assegurar tratamento equitativo, há de se cuidar de outra questão: a desigualdade de capacidades. É esta desigualdade que impede a obten-ção da equidade.

Importa distinguir capacidades, bens primários e realizações. Por exemplo, uma pessoa pode ter mais bens primários que outra, entretanto, pode ser por-tadora de algum tipo de incapacitação. Duas pessoas podem ter igualdade de capacidades e chegarem a estados de bem-estar diferentes, simplesmente como resultado da liberdade de escolha. O estado de saúde depende então da “capaci-dade de funcionar” que as pessoas têm a sua disposição. Devem ser incorporados a esse conceito de capacidades diferentes fatores determinantes das necessidades, tanto os relacionados às características biológicas e sociais dos indivíduos, quan-to os decorrentes da oferta existente, produto das políticas sociais. Em outras palavras, tal capacidade é determinada pelos bens – por exemplo, cuidados de saúde, educação, alimentação – e pelas características dos bens – eficácia clínica, conhecimentos, composição protéica da dieta. Por sua vez, as características dos bens religam-se aos fatores ambientais – disponibilidade de cuidados médicos, de boa educação, de alimentação nutritiva – e a características pessoais – idade, nível socioeconômico, dimensão da família. Então, a equidade deve ser entendida como igualdade de oportunidades e que, para sua efetiva consecução, torna-se necessário compensar as desigualdades de capacidade. Nesse contexto, os bens primários de Rawls (2002) são apenas meios para qualquer propósito ou recursos úteis para a busca de diferentes concepções do bem que os indivíduos podem ter.

A conversão destes bens primários e recursos em liberdade de escolha entre combi-nações alternativas de funcionamento e outras realizações pode variar de pessoa para pessoa, a igualdade de parcelas de bens primários ou de recursos pode seguir lado a lado com sérias desigualdades. (SEN, 1992, p. 136).

Essa discussão é de grande importância para a equidade em saúde. Admi-tindo que a provisão de saúde seja um bem primário e que, por hipótese, não houvesse desigualdades relevantes de acesso e oferta de serviços de saúde e, ainda, que o serviço é oferecido de forma idêntica a todos os cidadãos, mesmo assim, a atenção à saúde não seria equitativa, pois, as capacidades das pessoas para realizar várias combinações alternativas de “funcionamentos” são diferentes. Para Sen é necessário distinguir a capacidade, que representa a liberdade desfrutada de bens primários, da capacidade de realizações.

29As Teorias de Justiça e a Equidade no Sistema Único de Saúde no Brasil

Uma pessoa que com alguma deficiência pode dispor de mais bens primários (na forma de renda, riqueza, liberdades), mas tem menos capacidade, devido a sua de-ficiência. (...) uma pessoa pode ter uma renda maior e ingerir mais nutrientes, mas ter menos liberdade para viver bem nutrida devido a sua taxa maior de metabo-lismo basal, maior vulnerabilidade a doenças, ou simplesmente por estar grávida. (...) Nem os bens primários, nem os recursos, definidos de modo abrangente, po-dem representar a capacidade que uma pessoa realmente desfruta. Ilustrando a se-gunda distinção, uma pessoa pode ter a mesma capacidade que outra, mas ainda assim escolher um “pacote” diferente de funcionamentos, de acordo com suas metas particulares. Além disso, duas pessoas com as mesmas capacidades reais e ate mesmo com as mesmas metas, podem terminar com resultados diferentes devido a dife-renças nas estratégias ou táticas que seguem respectivamente ao usar sua liberdade. (SEN, 1992, p. 137).

O conceito de capacidade é fundamental. Ele reflete a liberdade de uma pes-soa para escolher entre alternativas ou combinações de funcionamentos. É impor-tante distinguir entre liberdade, refletida pela capacidade e realização e pelos fun-cionamentos realizados. Para Sen (1992), a igualdade de liberdade que busca fins não pode ser gerada pela igualdade na distribuição de bens. É necessário examinar as variações intertemporais na transformação de bens primários e recursos, mais genericamente, em respectivas capacidades para buscar nossos fins e objetivos.

Tomando por base os conceitos de justiça apresentados, pode-se construir uma definição mais ampla de equidade em saúde, em termos de: equidade de Rawls, equidade de Sen e equidade plena. A equidade de Rawls é a equidade na entrega do bem primário. Haverá equidade de Rawls se todos os cidadãos receberem “saúde” de acordo com suas necessidades. Pressupõe redistribuições não igualitárias de recursos, produto de ajustes efetuados em função dos fatores biológicos, sociais e político-organizacionais, determinantes das desigualdades existentes. Essa conceituação guarda um pouco do espírito das definições conce-bidas pela OPS (1998) de que a equidade implica receber atenção, segundo suas necessidades e por Porto et al. (2001) em que a equidade é o princípio que rege funções distributivas, com o objetivo de compensar ou superar as desigualdades socialmente injustas e evitáveis.

A equidade de Sen é a que considera não as necessidades do indivíduo, mas sua habilidade (capacidade) de transformar o bem recebido em bem-estar. Não basta receber o bem primário, é preciso saber o que fazer com ele. Haverá equidade de Sen, quando todos os indivíduos tiverem a mesma capacidade bási-ca para utilizar de um mesmo bem recebido. A solução só é possível corrigindo as incapacidades básicas. O atendimento a essa equidade exige um nível de in-tervenção maior que o da equidade rawlsiana. As pessoas devem ter condições mínimas para receber o bem – ou serviço, ou atenção – “saúde”. O nível de intervenção extrapola o campo da saúde, atingindo outras necessidades como

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201130

saúde alimentar, educação básica, nível de renda mínimo e diversos fatores que possibilitam ao indivíduo ter as mínimas capacidades de cuidar do bem recebi-do. A equidade plena corresponde à ocorrência conjunta da equidade rawlsiana e da equidade de Sen. Há equidade de Sen, quando a “saúde” recebida pelas pessoas de acordo com suas necessidades, não é influenciada pelo seu diferencial de capacidades. A equidade rawsiana não garante a equidade plena, torna-se necessário passar pela equidade de Sen.

4 TEORIAS DE JUSTIÇA, PROVISÃO UNIVERSAL E EQUIDADE NO SUS

A atual forma de provisão de saúde pelo SUS não atende aos critérios de justiça e equidade tratados anteriormente. Admitindo-se a hipótese de que o atual mo-delo de saúde pretenda atingir a equidade de Rawls, dever-se-ia tratar a saúde como um bem social primário. Sendo o bem oferecido a todos, atende-se, par-cialmente, ao princípio da teoria da justiça de igual liberdade. Para garantir o atendimento pleno do princípio, devem-se considerar as desigualdades, elevan-do ao máximo o benefício dos membros mais pobres da sociedade – utilizando o maximín rawsiano.

A utilização do conceito de bem primário em saúde consiste em definir com precisão o que é bem primário. A atenção plena às necessidades de saúde pode ser considerada como um bem primário? As campanhas de vacinação, atendimentos em pronto socorro, cirurgias de redução do estômago, cirurgias de vasectomia, tratamentos de infertilidade, distribuição de remédios para farmácia básica e para tratamento da AIDS são bens primários em saúde? Todas estas categorias devem ser oferecidas indistintamente a todos na sociedade? A pergunta é: Que justiça se quer para o SUS?

O atendimento integral do princípio de igual liberdade não ocorre por-que, dada a atual forma de alocação de recursos, economicamente é inviá-vel oferecer atenção integral de saúde a toda população. Em um ambiente de restrição fiscal, essa alternativa parece ser pouco provável. O atendimento integral é possível apenas para aqueles bens que podem ser facilmente carac-terizados como bens públicos: vacinação, erradicação de endemias, saúde pú-blica. Quando se trata de atenção médico-hospitalar, como consultas, exames de diagnóstico, atendimento ambulatorial e internações, o atendimento a toda população configura um ideal pouco provável de ocorrer. Como a escassez se faz presente no cotidiano dos hospitais e ambulatórios do SUS, gestores locais – médicos, enfermeiros, atendentes que recebem as demandas da população – elegem as prioridades de atenção e criam critérios de justiça próprios. Então, o que se faz nos postos de atendimento e hospitais do SUS é nada mais que resolver o problema da escassez.

31As Teorias de Justiça e a Equidade no Sistema Único de Saúde no Brasil

O que se questiona é se, na falta de recursos para atender a todos, não se-ria melhor estabelecer critérios de justiça aplicáveis ao mundo real? Divulgação recente na mídia sobre possível normatização do Ministério da Saúde (MS) a respeito de procedimentos para eleger prioridades de internação em UTI, de pacientes em número superior à quantidade de leitos, mostrou que a sociedade não está amadurecida para discutir critérios de justiça. Prefere-se fazer de conta que todos serão atendidos, como se não houvesse custos envolvidos nesse pro-cesso, do que analisar com profundidade as priorizações na questão da alocação de recursos em saúde.

É evidente que não se postula aqui a tese do término da saúde pública no país. O SUS é a única forma de acesso à saúde para milhões de brasileiros. Tam-bém não se trata da entrega da atenção à saúde ao mercado, sem qualquer tipo de regulação, pois o mercado de saúde é caracterizado por inúmeras imperfeições, que justificam a intervenção do Estado. O que se propõe é a necessidade de uma nova discussão em torno de critérios de justiça capazes de desenhar um novo mo-delo de atenção à saúde. Questões como atendimento preferencial e copagamen-to não podem ser tratadas de forma dogmática, ignoradas, consideradas como “questões fora de cogitação” em nome da universalização do sistema.

O atendimento ao segundo princípio de Rawls, de que as desigualdades devem contribuir para elevar o bem-estar dos mais carentes da sociedade, está ainda mais distante. Para atingi-lo, a entrega do bem primário deve elevar o be-nefício dos mais pobres. Cumprir o segundo princípio é objetivo mais complexo. Implicaria desenhar um modelo que direcione maior parcela de recursos aos mais pobres, ou aos mais necessitados, ou aos mais doentes.

Uma questão de ordem prática e de natureza ética caracteriza bem esse pro-blema: Como devemos ordenar, por meio de um critério de justiça, a fila9 para transplantes de órgãos? Os mais antigos da fila ou os mais necessitados? Os mais idosos e depois os mais jovens, ou vice-versa? A questão da renda deve constituir--se em um critério na priorização? Certamente, a resposta irá variar dependendo do critério de justiça utilizado. Tome como exemplo a fila para transplante de fígado. Se os critérios de inscrição não são muito claros, pode-se produzir um efeito indesejável: a inscrição preventiva de pacientes para guardar lugar em uma eventual necessidade. Tal atitude poderia provocar um inchaço da fila. Quanto à ordem de atendimento, em termos humanitários, parece lógico dar prioridade aos pacientes mais graves. Entretanto, quanto ao custo-efetividade, já que se trata de um recurso escasso e dispendioso, seria mais racional determinar qual paciente

9. A discussão sobre a fila de espera é bastante ampla e não é objeto desse ensaio. Para alguns a fila nada mais é que uma alteração de direitos de propriedade sobre órgãos humanos baseada no consenso presumido (SHIKIDA; ARAÚJO JR., 2004).

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201132

tem maior probabilidade de sobrevida. Este é um exemplo claro de uma questão de justiça decorrente de um problema de escassez. A opinião de dois hepatologis-tas deixa nítida a controvérsia.

Existe na medicina o que chamamos de tratamento fútil: a utilização de recursos ca-ros com resultados pífios. Se passarmos a operar só os pacientes graves, eles deixarão de morrer na fila para morrer depois do transplante. E vamos desperdiçar os poucos órgãos disponíveis. (MIES, 2005, p. 65).

Opinião bastante diferente é a de Sette (2005, p. 66) que acredita que “não temos o direito de escolher quem vai viver. Deixar sobreviver apenas os mais ca-pazes é um extermínio”. Alterando-se apenas o grau de gravidade do problema, essa mesma decisão de justiça é tomada nos hospitais, ambulatórios, postos de saúde do SUS, quando se decidem as prioridades para atendimento nas UTIs, nas cirurgias eletivas, nos exames de diagnóstico, no fornecimento de fármacos e demais procedimentos não se definindo um critério de justiça.

No caso brasileiro, optou-se pela utilização da fila como critério mais co-mum de justiça.10 A fila, admitindo-se a hipótese de que não há “furo de fila”, é tipicamente um critério de igualdade e não de equidade, pois não considera as necessidades diferenciadas. A fila viola claramente o segundo princípio de Rawls. Então, discutir a teoria de justiça como equidade é fundamental para se pensar que tipo de igualdade/equidade se busca no SUS. Busca-se a justiça rawlsiana? Sua implantação se apresenta viável ou a solução passa por um critério como a fila, que privilegia a igualdade e não a equidade.

Para Medeiros (1999), o princípio da igualdade tem base na ideia de que todos os indivíduos são iguais e possuem os mesmos direitos, portanto, devem re-ceber tratamento igual. Assim, uma pessoa rica deve receber o mesmo tratamento dispensado a uma pobre, ou seja, a mesma fração de recursos públicos. Assim, a igualdade é baseada no direito de cidadania. O princípio da equidade reconhece que os indivíduos são diferentes entre si e, portanto, merecem tratamento diferen-ciado, de modo a reduzir as desigualdades existentes. Indivíduos pobres necessitam de uma parcela maior de recursos públicos que a destinada aos ricos. O autor acredita que igualdade e equidade fundamentam, respectivamente, estratégias de universalização e de focalização. A adoção de uma ou outra estratégia produz im-plicações distintas na estrutura de desigualdades da sociedade, no custo de imple-mentação e no controle das políticas públicas. A separação entre estes princípios não se dá na distinção de direitos entre os indivíduos, pois todos têm igualdade de direitos em ambas as óticas. A separação ocorre na forma como esses direitos são atendidos, que resulta em perspectivas diferentes em relação às regras distributivas.

10. A partir de 2006, o transplante de fígado no SUS passou a obedecer também aos critérios de necessidade ou gravidade do caso.

33As Teorias de Justiça e a Equidade no Sistema Único de Saúde no Brasil

Tratando-se especificamente do que Sen (1992) chamou de equidade e olhando para as capacidades ou habilidades das pessoas, o imbróglio é mais com-plicado. O objetivo para este autor é atingir resultados iguais. Ter acesso igualitá-rio ao bem primário não resolve o problema. A solução só é possível corrigindo as incapacidades, de modo que o tratamento das pessoas produza resultados equiva-lentes. Entre dois pacientes com o mesmo diagnóstico e a mesma renda, porém em distintas condições físicas, é provável que aquele em melhores condições reaja mais rapidamente ao tratamento. Para Sen, seria mais equitativo maximizar os cuidados do paciente em piores condições físicas.

A noção de capacidade de Sen, levada ao extremo, não admite o conceito de equidade horizontal, pois, considerando-se que não existem duas pessoas iguais, a cada uma delas deverá ser dispensado um tratamento diferenciado. Apenas a equidade vertical atenderia a essa ideia de justiça elaborada pelo autor. O conceito de equidade vertical produz uma interessante visão da necessidade de priorização que poderia ser dada aos bens primários em saúde.

Sen (1992) mostrou que o foco é responder: igualdade de quê. Ou seja, a valoração depende do que se defina como necessidade. O grau de diferenciação das necessidades passa a ser o elemento central na discussão entre igualdade e equidade. Se alguns indivíduos têm mais necessidades insatisfeitas que outros, mais forte é a diferenciação entre igualdade e equidade. Caso contrário, quando as necessidades são semelhantes, igualdade e equidade serão também semelhantes. Quando responder a igualdade de quê, se reflete em alocação de recursos, é fun-damental considerar as necessidades diferenciadas para direcionar as decisões alo-cativas. Então, a questão que se coloca é a dicotomia entre a atenção integral da saúde e a eleição dos bens primários. Quais as necessidades em saúde que podem e devem ser contempladas com políticas públicas? Se todas as necessidades podem ser contempladas, se não há o problema da escassez, então a decisão pública é simples: tudo para todos. Nesse caso, a questão da justiça não se apresenta. Entre-tanto, não é essa a realidade vivida pelo SUS, portanto, refletir sobre os critérios de justiça que devem ser aplicados ao Sistema Único de Saúde parece indispensá-vel quando se objetiva atingir um sistema de atenção à saúde que seja equitativo.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entender a noção de justiça engendrada pela sociedade brasileira para a provisão dos bens e serviços de saúde pelo SUS é um passo importante para construção de um sistema mais justo. Compreender o modelo de financiamento público ajuda a traçar a caminho que se deve percorrer para alcançar um modelo de financia-mento que seja equitativo. Antes da implementação de políticas que busquem redução das desigualdades, deve-se definir qual igualdade se procura alcançar.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201134

O princípio de equidade a ser considerado aproxima-se de um conceito de justiça que deve ter na desigualdade de oportunidade e na iniquidade o ponto central de suas preocupações.

Tomando como referência os conceitos de equidade disponíveis na literatu-ra e as concepções de justiça e equidade de Raws e Sen, construiu-se uma classi-ficação de equidade em três grupos: a equidade de Rawls, a equidade de Sen e a equidade plena. A equidade de Rawls é a equidade na entrega do bem primário. Haverá equidade rawlsiana se todos os cidadãos receberem “saúde” de acordo com suas necessidades. Ela pressupõe redistribuições não igualitárias de recursos, produto de ajustes efetuados em função dos fatores biológicos, sociais e político--organizacionais determinantes das desigualdades existentes.

A equidade de Sen é a que considera não apenas as necessidades do indi-víduo, mas a sua habilidade de transformar o bem recebido em bem-estar. Não basta receber o bem primário, é preciso saber o que se fazer com ele. Haverá equidade de Sen, quando todos os indivíduos tiverem a mesma capacidade básica para utilizar um mesmo bem recebido. A solução só é possível corrigindo as in-capacidades básicas. O atendimento a essa equidade exige um nível de interven-ção maior que àquele da equidade ralwsiana. O nível de intervenção extrapola o campo da saúde, atingindo a questão da saúde alimentar, da educação básica, de um nível mínimo de renda e outros fatores que possibilitam ao indivíduo ter as mínimas capacidades de cuidar do bem recebido. A equidade plena corresponde à ocorrência conjunta da equidade rawsiana e da equidade de Sen.

O SUS vigente no Brasil não pode ser enquadrado em nenhuma das classifi-cações de equidade supracitadas. Nele, não há a identificação do que seria o bem primário de Rawls. A interpretação poderia ser de que a saúde é um bem primário e de que todas as necessidades em saúde devam ser atendidas. Entretanto, atender essa ampla gama de necessidades, utilizando a tecnologia disponível na medici-na moderna, produz um custo que não pode ser financiado no atual arcabouço fiscal brasileiro. Desenhar um sistema que produza justiça não significa fechar os olhos é fingir que o atual modelo atende às necessidades da população. Pelo contrário, agir com justiça é admitir as atuais inconsistências do SUS e pensar em um modelo que se adapte à realidade do financiamento. O sistema deve pactuar a priorização da atenção às necessidades dos mais carentes, admitindo a criação de critérios de acessibilidade, priorização do atendimento e, se for o caso, moda-lidades de copagamento.

A construção de uma política que se pretenda equitativa deve considerar como referenciais de justiça à proposição dos bens primários de Rawls e as capaci-dades de Sen. Para Sen, a conversão dos bens primários depende das capacidades individuais de funcionamento e pode variar de pessoa para pessoa. A igualdade

35As Teorias de Justiça e a Equidade no Sistema Único de Saúde no Brasil

de parcelas de bens primários ou de recursos pode seguir, lado a lado, com sérias desigualdades. Então, para assegurar efetiva igualdade de oportunidades deve-se garantir a liberdade de escolha e compensar as desigualdades entre as correspon-dentes capacidades básicas, determinadas por fatores biológicos, socioeconômicos e pela disponibilidade de oferta existente. A escolha do espaço, bem como a sele-ção de medidas particulares de desigualdade seria feita à luz desse propósito. Por exemplo, pode-se saber qual o efeito que a desigualdade de renda tem sobre as condições de saúde da população. Pode-se identificar que tipo de bens primários, que tipo de atenção à saúde: postos de saúde, hospitais, distribuição de remédios, ou de distribuição de recursos um país está tentando alcançar. Estas avaliações são fundamentais para compreender o papel das políticas públicas, em geral, e das políticas públicas de saúde, em particular.

REFERÊNCIAS

ARROW, K. J. Social choice and individual values. New York: Wisely, 1951.

BENTHAN, J. An Introduction to the Principles of Morals and Legislation. In: MILL, J. S. Utilitarism. Londres: Fontana, 1962, p. 33-77. Primeira edição de 1798.

BRODY, B. Redistribution without egalitarianism. Social Philosophy and Policy, v. 1, p. 71-87, 1983.

CULYER, A. J. Inequality of Health Services is, in General, Desirable. In: GREEN, D. G. Acceptable Inequalities, London, n. 3, p. 10-31, 1988 (IEA Health Unit Paper).

FAVERET, P.; OLIVEIRA, J. A. Universalização excludente: reflexões sobre as tendências no sistema de saúde. Rio de Janeiro: UFRJ, 1989.

FIGUEIRAS, A. J. Analisis del Mercado de la Salud. Económica, La Plata, v. 37, n. 1-2, 1991.

JARDANOVSKI, E.; GUIMARãES, P. C. O desafio da eqüidade no setor saúde. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, p. 38-51, maio/jun. 1993.

HAYEK, F. A. The Constitution of Liberty. Londres: Routledge & Kegan Paul; Madrid: Union Editorial, 1998. Primeira edição de 1960.

HOSPERS, J. Libertarianism: A Political Philosophy Whose Time Has Come. Santa Barbara, Califórnia: Reason Press, 1971.

KIRZNER, I. M. Perception, Opportunity, and Profit: Studies in the Theory of Entrepreneurship. Chicago: University of Chicago Press, 1979.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201136

KLEIN, R. Acceptable Inequalities. In: GREEN, D. G. Acceptable Inequalities. London, 1988. p. 67-90 (IEA Health Unit Paper, n. 3).

KOLM, S. C. Teorias modernas da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

LE GRAND, J. Equidad, Salud y Atención Sanitaria. In: SALUD Y EQUIDAD: JORNADA DE ECONOMIA DE LA SALUD, 8. España, 1988.

LOCKE, J. Second Treatise on Government, of Civil Government. London: Dent & Sons, 1924. Primeira edição de 1690.

MATTOS, R. A. Princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e a humanização das práticas de saúde. Iterface: comunicação, saúde, educação, Botucatu, v. 13, suplemento 1, 2009.

MEDEIROS, M. Princípios de justiça na alocação de recursos em saúde. Rio de Janeiro: Ipea, 1999 (Texto para Discussão, n. 687).

MIES, S. Revista Época, 2005. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT987888-1664-3,00.html>. Acesso em: 5 maio 2010.

MILL, J. S. Utilitarianism. Londres: Fontana, 1962. Primeira edição de 1861.

NOZICK, R. Anarchy, State and Utopia. Oxford: Blackwell, 1974.

ORGANIZAçãO PAN-AMERICANA DE SAÚDE (OPS). Ineqüidades en la situación de salud, acceso y gasto en atención de salud. Washington, DC, 1998. Proyeto de Investigación División de Salud y Desarrollo Humano.

PARIJS, P. V. O que é uma sociedade justa? Introdução à prática da filosofia política. São Paulo: Ática, 1997.

PARIJS, P. V.; ARNSPERGER, C. Ética económica y social: Teorías de la socie-dad justa. Barcelona: Paidós, 2002.

PINKER, R. Towards a mixed Economy of Welfare in Health Care. In: GREEN, D. G. Acceptable Inequalities. London, 1988. p. 32-45 (IEA Health Unit Pa-per, n. 3).

PORTO, S. M. Justiça social e equidade em saúde. In: CURSO DE INICIA-çãO EM ECONOMIA DA SAÚDE PARA A TOMADA DE DECISãO, 6. Manual do curso. Brasília: DES/SCTIE/MS, 2004.

PORTO, S. M. et al. Metodologia de alocação de recursos financeiros federais do SUS. Rio de Janeiro: ENSP/Fiocruz. Relatório final de projeto REFORSUS, 2001.

RAWLS, J. Uma teoria da justiça. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

ROEMER, J. E. The possibility of market socialism. California: University of California (Davis), Department of Economics, 1990 (Working Paper, n. 357).

37As Teorias de Justiça e a Equidade no Sistema Único de Saúde no Brasil

______. A general theory of exploitation and class. Cambrige, Massachussets: Harvard University Press, 1982.

SEGALL, S. Health, luck and Justice. Princeton: Princeton University Press, 2010.

SEN, A. Inequality Reexamined. Oxford: Clarendon Press, 1992.

SETTE, H. Revista Época, 2005. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT987888-1664-3,00.html>. Acesso em: 5 maio 2010.

SHIKIDA, C. D.; ARAÚJO JR., A. F. Introdução à economia da alocação de órgãos para transplantes: direitos de propriedade, mercado de órgãos e fila de espera no sistema nacional de transplantes. Minas Gerais: Ibmec, 2004 (Working Paper, n. 15).

SIDGWICK, H. The Methods of Ethics. Londres: Macmillan, 1874.

STEINER, H. Critical Notice on Nozick. Anarchy, State and Utopia, Mind, v. 86, p. 120-129, 1977.

TRAVASSOS, C. Equity in the use of private hospital contracted by a compulsory insurance scheme in the city of Rio de Janeiro, Brazil, in 1986. 1992. Thesis (Doctor of Philosophy) – London School of Economics and Political Science, 1992.

TURNER, B. Equality. London: Tavistock Publications, 1986.

VALLENTYNE, P. Le Libertarisme de gauche et la justice. Revue économique, v. 50, p. 31-41, 1998.

WAGFTAFF, A.; VAN DOORSLAER, E. Equity in the finance and delivery of health care: concepts and definitions In: VAN DOORSLAER, E; WAGFTAFF, A.; RUTTEN, F. (Ed.). Equity in the Finance and Delivery os Care: An Internacional Perspective. Inglaterra: Oxford Medical Publications, Comission of the European Communities Health Research, n. 8, p. 7-19, 1993.

WEST, P.; CULLIS, J. Introducción a la economía de la salud. Oxford: Oxford University Press, 1979.

WHITEHEAD, M. The concepts and principles of equity and health. Copenhagen: World Health Organization, 1991.

Originais submetidos em abril de 2010. Última versão recebida em julho de 2011. Apro-vado em julho de 2011.

CRIAÇÃO DA AGÊNCIA REGULADORA E LEIS DE INCENTIVO À CULTURA: EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS PARA O MERCADO DE CINEMA BRASILEIROMarcos Vinicio Wink Junior* Enlinson Mattos**

O objetivo do presente trabalho é investigar se a criação da Agência Nacional de Cinema (Ancine), com as leis de incentivo, está relacionada às mudanças na renda proveniente da execução dos filmes nacionais, na participação no consumo destes filmes no total de filmes consumidos no Brasil, bem como no bem-estar dos consumidores de cultura (excedente do consumidor). Usando um conjunto particular de dados combinados – Ancine e Filme B –, no período de 1995 até 2008, nossas estimações sugerem que a criação desta agência reguladora apresenta uma relação positiva com a renda dos filmes nacionais e também com o excedente do consumidor. Em particular, a criação da Ancine está associada a aumentos de renda dos filmes em média em cerca de R$ 2 milhões. No entanto, verifica-se também que esta criação não contribui estatisticamente para ampliação da participação de um filme no total de expectadores de cinema, contando filmes nacionais e internacionais.

Palavras-chave: Cinema Nacional; Leis de Incentivo; Análise de Eficiência.

ESTABLISHMENT OF REGULATORY AGENCY AND INCENTIVE LAWS TO THE CULTURE: EMPIRICAL EVIDENCE FOR THE BRAZILIAN MARKET CINEMA

The goal of the paper is to investigate whether the establishment of regulatory agency named Ancine along with the incentive laws is statistically related to the income from the national films exe8cution, participation in the consumption of those films in Brazil, as well the culture consumer’s welfare (consumer surplus). Using a particular dataset – Ancine and Filme B – from 1995 to 2008, our results suggest that this establishment suggest a positive relation with national films income and consumer surplus. In particular, Ancine’s establishment is associated with increases in films’ income about to two million reais. However, we do not find any effect on the share of national films consumed.

Key-words: National Cinema; Laws of Incentive; Efficiency Analysis.

CREACIÓN DE LEYES DE INCENTIVOS CULTURALES Y LA AGENCIA REGULADORA: EVIDENCIA EMPÍRICA PARA EL MERCADO DEL CINE BRASILEÑO

El objetivo del trabajo es evaluar (investigar) si la creación del órgano regulador Ancine, conjuntamente con las leyes de incentivo está relacionada con los cambios en los ingresos (impuestos) que proviene de la ejecución de las películas nacionales, y en la participación en

* Mestre em economia pela Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EESP/FGV), doutorando em economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisador da Fundação de Economia e Estatística (FEE/RS). E-mail: [email protected]** Professor da EESP/FGV. E-mail: [email protected]

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201140

el consumo nacional de estas películas del total de las que son realizadas en Brasil, así como el bienestar de los usuarios de cultura (el excedente del consumidor). A través del uso de un determinado conjunto de datos combinados – Ancine e Filme B – realizados desde 1995 a 2008, nuestras estimaciones sugieren que esta creación representa una relación positiva entre el ingreso (impuestos) de las películas nacionales y el excedente al consumidor. En particular, la creación de Ancine, está asociada a los aumentos del ingreso promedio de las películas que son cerca de dos millones de reales. Sin embargo, contando las películas nacionales e internacionales, se ha verificado que la creación de la Agencia Nacional del Cine no contribuye estadísticamente para aumentar la participación de una película del total de los espectadores del cine.

Palabras-clave: Cine Nacional; Leyes de Incentivos; Análisis de la Eficiência.

CRÉATION DE LA RÉGLEMENTATION ET DES LOIS D’INCITATION CULTURELLE: LES DONNÉES EMPIRIQUES POUR LE MARCHÉ DU CINÉMA BRÉSILIEN

L’objectif de l’étude est de déterminer si la création d’organisme de réglementation désigné Ancine avec les lois d’incitation est statistiquement liée au revenu de l’exécution nationale des films, la participation à la consommation de ces films au Brésil, ainsi le bien-être du consommateur culture (surplus du consommateur). L’utilisation d’un ensemble de données particulier (Ancine et Filme B) de 1995 à 2008, nos résultats suggèrent que cet établissement suggèrent une relation positive avec le revenu des films nationaux et surplus du consommateur. En particulier, l’établissement Ancine est associée à l’augmentation du revenu des films au sujet de deux millions de reais. Cependant, nous ne trouvons pas d’effet sur la part des films nationaux consommés.

Mots-clés: Cinéma Nationaux; Lois D’incitation; Analyse D’efficacité.

1 INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, tem sido frequente a participação do Estado na oferta de bens culturais. Essas políticas de apoio a obras culturais são realizadas com o objetivo de aumentar a quantidade desses bens em relação àquela que o setor privado conseguiria ofertar. Segundo Throsby (2001), os bens culturais apresentam ca-racterísticas que se enquadram em falhas de mercado, por isso a necessidade de atuação do Estado em sua provisão, pois a oferta por parte do setor privado se daria em um ponto subótimo. Com a atuação do Estado, portanto, é possível que a sociedade tenha um ganho de bem-estar.

Uma das áreas culturais que cresceu muito de importância ao longo dos últi-mos anos foi a área que contempla o audiovisual. Para dar dimensão da evolução do setor, segundo dados fornecidos pelo Ministério da Cultura (MinC), em 1995 o valor captado por meio das leis de incentivo a cultura para o cinema nacional foi de R$ 2,2 milhões, o que correspondia a 5,25% do total de renúncia fiscal para a cultura nacional nesse ano. Já em 2008, o total de valores captados por meio da renúncia fiscal para o cinema nacional foi de R$ 114,5 milhões, o que correspon-deu a 11% dos valores de renúncia fiscal para obras culturais.

41Criação da Agência Reguladora e Leis de Incentivo à Cultura...

Com a crescente participação do cinema nacional no total dos valores cap-tados por meio de renúncia fiscal no Brasil, criou-se um órgão regulador para o setor audiovisual, a Ancine, com o objetivo de promover a cultura mediante o desenvolvimento do cinema nacional. Segundo dados do portal da transparência, o orçamento da Ancine também evoluiu no período. O primeiro dado dispo-nível é o de 2004, que aponta um orçamento para Ancine de R$ 14,6 milhões, correspondente nesse ano a 5,5% do orçamento total do MinC. Já em 2009, o orçamento da Ancine foi de R$ 134,3 milhões, o que nesse ano significou 17,6% do orçamento do MinC. Vale notar também que o número de filmes nacionais cresceu muito nos últimos anos. Segundo dados da Filme B – portal sobre o mer-cado de cinema no Brasil –, em 1992 o Brasil produziu apenas três filmes por ano, em 2008, por exemplo, esse número já era 79.

Neste sentido, o objetivo deste trabalho é investigar se a criação desse órgão regulador, a Ancine, com as leis de incentivo, está relacionada às mudanças na renda proveniente da execução dos filmes nacionais, na participação no consumo destes filmes no total de filmes consumidos no Brasil, bem como no bem-estar dos consumidores de cultura (excedente do consumidor).

A literatura internacional aponta os eventuais benefícios que a cultura pode trazer para uma sociedade, assim como as melhores formas de promover cultura em um país. Alguns impactos econômicos de curto prazo associados aos bens culturais são: aumento de emprego, renda e consumo, ou mesmo arrecadação do governo por taxas e impostos. Destacam-se nessa área Throsby (2001), Baumol e Bowen (1966), Frey (1999) e Schuster (1999). Outra vertente aponta que o objetivo da cultura seria enriquecer os indivíduos de cidadania e, dessa forma, a mensuração de seus benefícios externos ao mercado torna-se difícil (BILLE, 1994, 1995; FREY; POMMEREHNE, 1989).

Entretanto, o consenso nessa literatura é que economia da cultura é a área da Economia que analisa a melhor alocação de recursos para a atividade econômica relacionada a bens culturais e a indivíduos que possuem valores culturais, sendo seu objetivo fornecer aos gestores de políticas públicas um forte instrumental analítico capaz de indicar a racionalidade da intervenção estatal na oferta de bens culturais. Este trabalho busca preencher essa lacuna ao tentar desenvolver uma análise empírica com dados do mercado de cinema brasileiro.

Este trabalho está organizado em quatro seções, além desta breve introdu-ção e do anexo. A seção 2 apresenta as características do mercado de cinema. A seção 3 traz as variáveis, a metodologia utilizada e os principais resultados das estimações referentes à renda e à participação do filme nacional e ao excedente do consumidor, uma medida de bem-estar econômico. E, por fim, a seção 4 faz as considerações finais.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201142

2 MERCADO DE CINEMA

Um bem é considerado público se ele é não disputável e não excludente. Bens não disputáveis são aqueles cujo custo marginal de produção é zero para um consumidor adicional. Bens não excludentes são aqueles que as pessoas não podem ser impedidas de consumir. Bens culturais são não dispu-táveis, uma vez que ao aumentar o acesso, na maioria dos casos, não resulta em um maior custo adicional, porém são excludentes por ter a necessidade de pagamento ao se consumir esse tipo de bem. Bens culturais, por exem-plo o cinema, não apresentam custo adicional para um consumidor a mais. O custo de um filme não varia se a quantidade de telespectadores se alterar, no entanto o consumidor necessita fazer o pagamento para usufruir desse bem, por isso ele é exclusivo.

Já o mercado cinematográfico, em sua cadeia produtiva, é composto por três setores distintos, mas dependentes entre si. São eles: produção, distribuição e exibição. Apesar da dependência entre os mercados, Salvo (2008) afirma ha-ver uma assimetria entre eles, dados pelo descompasso existente entre a oferta e a demanda. Dessa forma, a produção não garante a exibição e a competição com produtos internacionais, desencadeia em uma pequena demanda por filmes nacionais. Portanto, mesmo que a produção seja realizada, a distribuição e a exibição podem não garantir o retorno que o produtor desejava, visto que ele não é responsável pelos demais elos da cadeia produtiva, e o setor de exibição, por exemplo, racionalmente, tem preferências pelas indústrias internacionais, já que esses filmes, na maioria dos casos, são mais aceitos pelo público. A oferta de cinema nacional, dessa forma, torna-se dependente da participação do Estado, sem ele poucos produtores arcariam com os custos de produção e o risco do filme não ser exibido nas salas de cinemas.

Nessa expectativa, o Estado tem duas possibilidades de incentivar a pro-dução de cultura: direta ou indiretamente. A primeira é feita simplesmente com transferências de recursos públicos para o setor cultural. Já a forma indireta é feita por meio de renúncia fiscal. No Brasil, grande parte da captação de recursos feita pelas empresas produtoras de cultura se dá por meio de incentivos indiretos. Para 2005, segundo dados da Ancine, o investimento de forma indireta respondeu a 98,4% do total do investimento brasileiro em cultura. Os mecanismos de incenti-vo fiscal fazem com que pessoas físicas ou jurídicas possam reduzir, ou até mesmo eliminar o ônus dos impostos sobre a renda, repassando esse montante a algum setor produtivo com o objetivo de incentivá-lo.

Essa é a principal forma de ação do Estado na provisão de bens culturais. Assim, atuando de maneira indireta, o governo age como uma espécie de regu-lador da atividade, diminuindo os riscos de produção e tornando interessante,

43Criação da Agência Reguladora e Leis de Incentivo à Cultura...

do ponto de vista financeiro, o investimento em obras culturais por parte das empresas, já que elas têm liberdade de investimento e, assim, podem utilizar esses recursos também como publicidade para sua marca.

As principais leis de incentivo, em relação ao montante arrecadado, que atu-am no mercado audiovisual são as de caráter federal. São elas: a Lei do Audiovisual (Lei no 8.685/1993) e a Lei Rouanet (Lei no 8.313/1991). A Lei Rouanet intro-duziu o Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC). Esta lei tem por objetivo criar recursos para o desenvolvimento cultural, estimulando a oferta, a distribuição e a demanda por bens culturais. Esse mecanismo de incentivo fiscal viabiliza benefícios para investidores que desejam patrocinar, ou apenas fazer do-ações às atividades culturais. Empresas e pessoas físicas podem utilizar a isenção em até 100% do valor no Imposto de Renda e investir em projetos culturais. A renúncia fiscal, além de possibilitar a redução dos tributos para as empresas, viabiliza a venda de sua marca.

Já a Lei do Audiovisual foi criada com o objetivo de garantir o equilíbrio e a concorrência da obra audiovisual brasileira, estimulando a produção, a di-vulgação e a exibição, tanto no Brasil como no exterior. A Lei do Audiovisual age por meio da renúncia fiscal, de forma semelhante a da Lei Rouanet e é, atualmente, a principal forma de incentivo a produções cinematográficas na-cionais. Das produções audiovisuais existentes, o cinema é o de maior impacto econômico, tanto pela geração de emprego e renda, como pelo grande volume de recursos captado por meio da renúncia fiscal.

Os mecanismos de captação de recursos da Lei do Audiovisual estão ba-sicamente ligados aos seus Arts. 1o e 3o. A dedução permitida pelo Art. 1o está limitada a 3% do imposto devido, tanto para pessoas físicas quanto para jurí-dicas. O limite máximo de incentivos por projeto é de R$ 3 milhões. O Art. 3o permite ainda o abatimento de 70% do imposto incidente na remessa de lucros e dividendos decorrentes da exploração de obras audiovisuais estrangeiras no ter-ritório nacional, desde que os recursos sejam investidos na coprodução de obras audiovisuais cinematográficas brasileiras de produção independente, em projetos previamente aprovados pelo MinC.

A Medida Provisória no 2228-1, de 6 de setembro de 2001, criou o órgão regulador para o cinema nacional, a Ancine, que entrou em operação a partir de 2002. Este órgão nasceu com o objetivo de executar políticas de fomento às obras cinematográficas, fiscalizar o cumprimento da legislação e regular o setor de cine-ma. No âmbito da regulação, o papel da Ancine consiste em criar mecanismos de fomento e produção à atividade cinematográfica nacional e facilitar a participação de obras cinematográficas no mercado interno e externo.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201144

3 DESCRIÇÃO DAS VARIÁVEIS E METODOLOGIA

Para realizarmos nossas estimações, utilizamos dados1 fornecidos pelo Sindicato do Audiovisual de São Paulo (SIAESP), pela Ancine e pela Filme B sobre o ci-nema nacional para o período 1995-2008. As variáveis utilizadas são: renda de cada filme nacional produzido no período (Renda), preço médio do ingresso de cada filme da amostra (PMI), número de captações que o filme teve, público de cada filme (Público), valor captado por meio das leis de incentivo para cada filme (Valor captado) e salas de cinema no Brasil por ano (Salas), a diferença entre a renda do filme e de seus valores captados aqui chamaremos de lucro – hipótese plausível já que o custo do filme acaba sendo exatamente o que o filme conseguiu captar de recursos – e a participação de um filme nacional no total do público de cinema tanto nacional como internacional (Share).

A tabela 1 mostra um comparativo das estatísticas descritivas das variáveis antes e depois da criação da Ancine. Podemos notar que tanto pelo lado do pro-dutor quanto pelo do consumidor esta agência reguladora parece ter melhorado os indicadores do cinema nacional.

TABELA 1Estatísticas descritivas da amostra para o período 1995-2008

Variável

Antes da Ancine(1995-2001)

Depois da Ancine(2002-2008)

Diferença de médias(teste t bicaudal)

Média(erro-padrão)

Média(erro-padrão)

Estatística t(erro-padrão)

Renda (R$) 989.693,30 1.514.521,00 -1.8525*

(2.152.754,00) (4.336.724,00) (283309.5)

PMI (R$) 4,92 6,91 -19,423***

(0,85) (1,48) (0.10273)

Número de captações 0,93 1,28 -4.4533***

(0,71) (0,97) (0.0794)

Público 209.021,30 222.598,30 -0.2709

(468.599,20) (644.234,40) (50113.21)

Valor captado (R$) 1.430.351,00 1.733.152,00 -1.7413*

(1.792.106,00) (1.933.214,00) (173896.2)

Salas de cinema 1.349,98 2.020,64 -40.1182***

(190,01) (137,50) (16.716)

Share 0,038 0,018 2.628***

(0,09) (0,06) (0.0074)

1. Os dados dos filmes encontram-se no anexo deste texto (tabela 1A).

(Continua)

45Criação da Agência Reguladora e Leis de Incentivo à Cultura...

Variável

Antes da Ancine(1995-2001)

Depois da Ancine(2002-2008)

Diferença de médias(teste t bicaudal)

Média(erro-padrão)

Média(erro-padrão)

Estatística t(erro-padrão)

Lucro (R$) -449.826,40 -261.539,40 -0.674

(2.436.114,00) (3.808.939,00) (277565.7)

Número de filmes 157 382

Fontes: Ancine, Filme B e SIAESP.Notas: * Significativo a 10%.

** Significativo a 5% – nenhum dado desta tabela se enquadra nesta classificação.*** Significativo a 1%.

A diferença das médias da renda dos filmes antes e depois da Ancine se mostrou significante a 10%, indicando que após a criação desta agência, os filmes nacionais tiveram maior bilheteria. Este resultado pode ter sido gerado, principal-mente, pelo aumento do preço médio do ingresso que ocorreu no período, como aponta o teste de diferença de médias que para o PMI foi significante a 1%. Dessa forma, o preço do ingresso aumentou com a criação da Ancine, mesmo o público se mantendo constante em média.

Nota-se, também, que as médias tanto do valor captado por filme quanto do número de captações cresceram no período. Assim, a criação da agência re-guladora parece ter facilitado a captação de recursos pelas empresas produtoras de cinema, o que aumentou tanto o número de captações quanto o montante do valor captado por filme. A Ancine também parece ter criado um ambiente propício ao investimento em novas salas de cinema. A tabela 1 também mostra evidências de desconcentração do mercado de cinema, já que o share do público por filme caiu, indicando menor participação de um filme no total de público de cinema. Tal fato pode ter ocorrido pelo grande aumento no número de produ-ções cinematográficas nacionais após 2002. Por fim, a diferença entre a renda dos filmes e seus valores captados, o lucro, em média parece ter se mantido constante ao longo do período, já que a diferença entre as médias não é estatisticamente diferente de zero.

Para verificarmos o comportamento dos principais indicadores de cinema nacional durante o período e o impacto da criação de um órgão regulador para o cinema nacional utilizaremos como estratégia empírica a estimação das variá-veis dependentes Renda e Share, todas elas como função de PMI, Valor captado, Salas de cinema e dummies para filmes cariocas, de gênero ficção, de gênero documentário (o outro gênero possível é animação) e para filmes exibidos depois da criação da Ancine.2

2. A variável Rendimento médio não se mostrou significativa em nenhuma das regressões e, por isso, não será usada como variável explicativa.

(Continuação)

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201146

As estimações das equações da Renda e Share são feitas por meio do método de seemingly unrelated regression (SUR), conforme o modelo a seguir:

A vantagem da utilização do método SUR é o fato de estimar um sistema de equações e possibilitar possíveis correlações entre os erros dessas equações.3

3.1 Resultados

A tabela 2 mostra os resultados das regressões por SUR, em que o primeiro valor é o coeficiente da regressão e o número entre parênteses (abaixo do coeficiente) é o erro padrão do coeficiente. Nota-se a importância dos valores captados para todas as variáveis dependentes. O coeficiente para equação da renda nos diz que R$ 1,00 a mais de valores captados para um filme, aumenta em média sua renda em R$ 0,86. O coeficiente dos valores captados para a equação do Share indica que o aumento de R$ 1,00 nos valores captados de uma produção aumenta a par-ticipação do filme em relação ao total de público de cinema em 0,00000024%.

Outro resultado relevante é trazido pelo coeficiente dummy da criação da Anci-ne. Ela se mostra positivamente relacionada com a renda dos filmes. Segundo nossos resultados a criação da agência reguladora aumentou a renda dos filmes em quase R$ 2 milhões em média. Deste modo, a Ancine parece ter conseguido o que se propôs em sua criação, ou seja, desenvolveu uma indústria de cinema nacional com maior eficiência na captação de recursos, o que gerou maiores bilheterias aos filmes nacionais. O fato de ter uma Agência Nacional de Cinema parece ter gerado um am-biente propício para a produção cinematográfica nacional de qualidade, o que resul-tou em benefícios para os participantes do mercado, gerando aumento de bem-estar tanto para ofertantes quanto para demandantes. No entanto, a criação da Ancine não parece ter impacto sobre a participação de um filme nacional, (share) no total de público de cinema. Tal fato pode estar relacionado ao aumento no número de produções de cinema, o que reduz o poder de mercado de uma produção individual.

Por fim, os resultados sugerem que as produções cariocas têm renda superior em R$ 652.497,00 em média, comparando com os demais filmes. Isto ocorre porque a maior parte da produção de filmes da produtora Globo Filmes acontece na cidade do Rio de Janeiro. Como se sabe, a Globo tem forte fonte de publicida-de e de artistas reconhecidos, o que faz de seus filmes, normalmente, sucessos de bilheterias. Para o período 1995-2002, por exemplo, segundo dados da Ancine,

3. Para mais detalhes sobre o método, ver Zellner (1962).

47Criação da Agência Reguladora e Leis de Incentivo à Cultura...

filmes produzidos ou coproduzidos pela Globo Filmes concentraram 90% da renda total do setor. O número de salas de cinema por ano se relaciona negati-vamente com a renda dos filmes. Cabe ressaltar aqui, no entanto, que não existe um dado disponível que mostre em quantas salas de cinema um filme foi exibido. No entanto, como número de salas de cinema é altamente correlacionado com o número de filmes produzidos (coeficiente de 0,86), e como o número de filmes produzidos aumentou no período analisado, o público de cinema por filme decli-nou. Portanto, quando se controla pelo preço médio do ingresso, o coeficiente do número de salas de cinema deve ser negativo em média para a estimação da renda por filme. Para se exemplificar a queda do público de cinema por filme no período notamos, por exemplo, com base nos dados da Ancine, que o público de cinema por filme caiu pela metade entre 2003 e 2004 e se analisarmos o período entre 2003 e 2007, o público médio de cinema por filme caiu cerca de 85%.

TABELA 2Estimações por SUR

Variáveis explicativas

Variáveis dependentes

Renda coeficiente

(ep)

Share coeficiente

(ep)

Constante 2.364.578,0 -1268

(2.159.886) (882,9)

PMI -88.013,72 4,3

(133984.5) (54,7)

Carioca 652.497,5* 141

(355683.6) (145,4)

Ficção 157.551,6 222

(1.401.822) (573)

Documentário -280.171,5 57

(1.455.562) (595)

Valor captado 0,8672731*** 0,00024***

(0,1005561) (0,00004)

Salas -2.045,66* 0,442

(1.188,89) (0,486)

Ancine 1.977.247,00** -158

(834.514,4) (341,13)

R-sq (ajustado) 0,2038 0,1117

Observações 457

Notas: * Significativo a 10%.** Significativo a 5%.*** Significativo a 1%.

Obs.: Os coeficientes e os erros-padrão da equação do Share foram multiplicados por 100 mil.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201148

3.2 Cálculo do excedente do consumidor e avaliação do bem-estar

Para avaliar o impacto da criação da Ancine sobre o bem-estar dos indivíduos, buscou-se, nesta subseção, verificar como se comportou o excedente do con-sumidor com esta agência. Supõe-se aqui que a criação da Ancine não alterou o gosto das pessoas por cinema nacional e, portanto, não há deslocamento da demanda no período. Dessa forma, para que a criação desta agência reguladora tenha aumentado o excedente do consumidor, necessariamente houve um deslo-camento da oferta, como ilustrado no gráfico 1. Apenas para facilitar a análise, supomos ainda que a demanda e a oferta sejam lineares. Se a Ancine efetivamen-te deslocar a curva de oferta, espera-se que os consumidores tenham ganho de bem-estar (área PP’ – QQ’).

Para realizar o cálculo do excedente, o processo utilizado foi estimar a de-manda de cinema nacional para o período 1995-2008. Como o coeficiente do preço é a inclinação da curva de demanda (ΔQ/ΔP), podemos encontrar o preço do ingresso que zere a demanda (P0) e, assim, calcular a área do gráfico que nos fornece o excedente do consumidor, descrito na subseção 3.2.1.

GRÁFICO 1Oferta e demanda de filmes nacionais

Q Q´ Q

P0

P P´

o

D

P

Fonte e elaboração dos autores.

3.2.1 Modelo de oferta e demanda de filmes nacionais

Estimações de demanda e oferta de bens geralmente levam ao problema de equa-ções simultâneas. Para estimarmos a demanda, portanto, temos que realizar um procedimento que nos permita recuperar os parâmetros da função original.

49Criação da Agência Reguladora e Leis de Incentivo à Cultura...

Assumimos que as equações na forma estrutural são as seguintes:

Função de demanda: (1)

Função de oferta: (2)

em que:

= público de cinema do filme nacional

= preço médio do ingresso do filme nacional

= rendimento médio da população brasileira no ano em que o filme foi exibido, conforme dados do Ipea

= público de cinema nacional no ano anterior a exibição do filme

= valor captado por meio das leis de incentivo para a produção do filme

Como os produtores de cinema não elaboram o filme no mesmo período que este é exibido, é razoável supor que o rendimento da população neste perí-odo não interfira na oferta de cinema, apenas na demanda. Da mesma forma, o público no período anterior serve de base para o produtor decidir lançar um filme no período, embora pareça sensato supor que isso não afete a demanda. Assim, temos como variáveis endógenas apenas a quantidade e o preço. Neste caso, tanto a equação da demanda como a da oferta podem ser exatamente iden-tificadas e, portanto, estimadas de acordo com o procedimento a seguir.

Pelo mecanismo de ajuste dos mercados temos que a quantidade ofertada é igual à quantidade demandada e, portanto:

(3)

Resolvendo (3) para e depois substituindo na equação da demanda ou da oferta, chega-se as equações da forma reduzida (variáveis endógenas em função de variáveis exógenas):

(4)

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201150

em que:

Dessa forma, estimando as equações da forma reduzida pode-se recuperar os parâmetros das equações da forma estrutural. A tabela 3 apresenta os coeficientes estimados da regressão na forma reduzida, assim como em parênteses seus respec-tivos erros-padrão robustos.

51Criação da Agência Reguladora e Leis de Incentivo à Cultura...

TABELA 3Regressões das equações na forma reduzida

Variáveis explicativas

Variáveis independentes

PMIcoeficiente

(ep robusto)

Públicocoeficiente

(ep robusto)

Constante 609.394*** -38.225

(6.300) (292.727,2)

Público t-1 0,00253*** -0,0000559

(0,0004) (0,0023195)

Valor captado 0,007** 0,1325322***

(0,003) (0,0216996)

Rendimento médio -12,75*** 2.469,856

(1,67) (6,13)

Teste de Hausman p-valor = 0,79

Observações 530

Notas: * Significativo a 10%.** Significativo a 5%.*** Significativo a 1%.

Obs.: Os coeficientes e os erros-padrão da equação do PMI foram multiplicados por 100 mil.

Observa-se que quanto maior o público de cinema no período anterior, maior o preço médio do ingresso no período t. Este coeficiente é significativo e indica que se o público no período anterior aumentar em uma pessoa, o preço médio do ingresso aumenta em média em R$ 0,0000000253. O valor captado parece também influenciar significativamente o preço médio do ingresso e, ain-da, o público de cinema. O aumento de R$ 1,00 do valor captado, aumenta em média R$ 0,00000007 o preço médio do ingresso e aumenta o público em 0,13 pessoas. Por fim, o rendimento médio das pessoas parece ser negativamente rela-cionado com o preço médio dos ingressos, indicando que o aumento de R$ 1,00 no rendimento médio das pessoas reduz o preço médio do ingresso de cinema em R$ 0,00012. Este resultado pode ser explicado porque com o aumento da renda das pessoas, aumenta a demanda por diversidade cultural e, aumentou também no período (1995-2008), o número de filmes nacionais exibidos. Dessa forma, o público de cinema por filme cai, como já evidenciado na seção 2, e consequente-mente o preço do ingresso deve cair.

Como o que interessa nesse resultado é a inclinação da curva de demanda, temos por meio das estimações que , ou seja, (-0,0000559/0,0000000253) que é igual a -2.209. Esse resultado indica que o aumento de R$ 1,00 no preço do ingresso de cinema reduz a demanda em 2.209 pessoas em média por filme. Para

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201152

confiarmos no resultado e termos certeza de que não estamos enfrentando o pro-blema da simultaneidade, utilizamos o teste de especificação de Hausman. Como não se rejeita a hipótese de estimadores consistentes (valor p = 0,79), verificamos que o regressor endógeno não está correlacionado com o erro e, assim, as estima-ções de mínimos quadrados ordinários (MQO) podem ser consideradas válidas.

3.3 Estimação do excedente do consumidor

Para verificarmos o comportamento do excedente do consumidor a partir de nos-sas variáveis explicativas, estimamos o seguinte modelo:

A tabela 4 mostra os resultados da estimação do excedente do consumidor. Observe que este excedente foi calculado como a área do gráfico 1 e conforme a explicação dada na subseção 3.2. O excedente é uma medida de uma área, o que torna a interpretação dos coeficientes desta regressão complicada. Por isso, o foco desta seção é avaliar o sinal e a significância estatística das variáveis do modelo. A equação do excedente (1) estima o excedente do consumidor por mí-nimos quadrados, utilizando erros-padrão robustos. No entanto, o excedente do consumidor, variável dependente, é uma variável gerada. Dessa forma, precisa-se corrigir os erros-padrão dessa variável. A equação (2) corrige os erros-padrão pelo método de Bootstrap.

Nota-se que o preço médio do ingresso apresenta coeficiente significativo a 1% e com sinal esperado para a equação excedente (2). Ele é negativamente relacionado com o excedente do consumidor. Este resultado demonstra que au-mentos de preços reduzem em média o bem-estar dos consumidores.

Com base na tabela 4 percebe-se que produções cariocas não parecem ser relevantes para explicar excedente do consumidor, visto que seu coeficiente não é estatisticamente significativo. Dos diferentes gêneros de produção, apenas ficção parece ampliar o excedente do consumidor de forma significativa a 10%. Isto ocorre devido ao fato de que os filmes de ficção apresentam médias de público superiores do que, por exemplo, documentários. Enquanto a média de público de um filme de ficção no período (1995-2008) é de cerca de 290 mil pessoas, documentários apresentam média de 18 mil pessoas no mesmo período. Vale ressaltar também que o preço médio do ingresso entre os gêneros não apresentam diferenças significantes.

Já os valores captados por meio das leis de renúncia fiscal, em média, são positivamente relacionados com o excedente do consumidor e com o alto grau de significância. Esses resultados sugerem que o valor captado para a produção

53Criação da Agência Reguladora e Leis de Incentivo à Cultura...

cinematográfica parece estar cumprindo papel importante, tanto para a oferta quanto para a demanda de cinema. Desse modo, expande-se a oferta e tanto os produtores quanto os consumidores são beneficiados. Estes resultados sugerem que a renúncia fiscal pode ter trazido benefício ao cinema nacional.

Na equação do excedente (2), percebe-se uma relação negativa e significativa entre o excedente do consumidor e o número de salas de cinema. Ocorre que, como existe uma correlação forte entre número de salas de cinema e número de filmes (coeficiente de correlação de 0,86), e como o aumento do número de fil-mes leva, como já explicado, a uma redução do público de cinema por filme, logo, por construção, o excedente do consumidor deve ser negativamente relacionado com o número de salas de cinema a um dado preço.

Por fim, nota-se que a criação da Ancine está associada positivamente à nossa medida de bem-estar. Se interpretarmos como uma relação causal – o que é difícil com esse banco –, os resultados sugerem que a criação desta agência reguladora proporcio-nou melhora do bem-estar na sociedade. Vale reforçar aqui, no entanto, que esta in-terpretação não é apropriada, pois nosso modelo não permite fazer inferências causais.

TABELA 4Estimação excedente

Variáveis explicativas

Variável dependente

Excedente (1) Excedente (2)

Coeficiente(ep robusto)

Coeficiente(ep bootstrap)

Constante 265000 265000

(208000) (181000)

PMI -22800** -22800***

(8979,4) (8892,3)

Carioca 28300 28300

(50000) (51200)

Ficção 115000* 115000*

(61100) (61200)

Documentário 103000 103000

(76000) (78300)

Valor captado 0,076*** 0,076***

(0,025) (0,025)

Salas -251,2 -251,2*

(152,5) (146,2)

Ancine 245000** 245000**

(Continua)

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201154

Variáveis explicativas

Variável dependente

Excedente (1) Excedente (2)

Coeficiente(ep robusto)

Coeficiente(ep bootstrap)

(118000) (119000)

R-sq (ajustado) 0,0998 0,0858

Observações 457

Nota: * Significativo a 10%.** Significativo a 5%.*** Significativo a 1%.

Obs.: Todos os coeficientes e erros-padrão estão em milhares.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste trabalho é realizar uma análise empírica associando as leis de incentivo – medida pelo valor captado – e a criação da Agência Nacional de Ci-nema – medida pela variável Ancine – com a renda dos filmes, a participação do cinema nacional e o bem-estar dos consumidores de filme no Brasil. As variáveis participação (share) da bilheteria e renda capturam uma dimensão do impac-to dessa criação sobre a produção de cinema nacional enquanto que por meio de nosso cálculo do excedente do consumidor, procuramos ter uma medida de bem-estar dos consumidores.

Os resultados sugerem que o incentivo ao cinema nacional pode ter favo-recido não somente os produtores, mas também os consumidores de cinema. Dessa forma, existe uma relação positiva entre os valores captados por meio das leis de incentivo (valores captados) e da participação (share) do filme nacional, bem como a renda destes filmes. Os resultados ainda apontam a existência de uma relação positiva entre a variável valores captados e a nossa variável calculada excedente do consumidor.

No que diz respeito à criação da Ancine, nossas estimações sugerem que este fato apresenta uma relação positiva com a renda dos filmes nacionais e tam-bém com o excedente do consumidor. A criação desta agência reguladora está associada a aumentos da renda dos filmes, em média, de aproximadamente R$ 2 milhões. No entanto, verifica-se que esta criação não contribui estatisticamente para ampliação da participação de um filme no total de expectadores de cinema, contando filmes nacionais e internacionais (share). Tal fato pode ocorrer porque a criação desta agência aumentou o número de filmes produzidos, reduzindo o poder de mercado de cada filme e, como visto na tabela 1, o público por filme nacional não aumentou no período, indicando uma redução na participação de cada filme no público total de filme.

(Continuação)

55Criação da Agência Reguladora e Leis de Incentivo à Cultura...

Este trabalho apresenta, no entanto, diversas limitações. As principais delas são geradas em função da agregação da base de dados. Isto torna algumas inter-pretações complicadas, pois não temos informações detalhadas de cada filme e de cada região em que o filme foi exibido. Outra possível limitação do trabalho surge no método de cálculo do excedente do consumidor. Como foi calculado, assume-se uma demanda linear e constante ao longo do tempo, o que pode não ser verdade. Por fim, este texto também não apresenta uma análise de custo-bene-fício da criação da Ancine e, por consequência, das leis de incentivo. Evidencia-se aqui, apenas a associação de eventuais benefícios econômicos com a criação desta agência reguladora e com as medidas de incentivo a produção de cinema nacional sobre os participantes do mercado.

No entanto, este artigo busca preencher a ausência de análises empíricas sobre e economia da cultura no Brasil, sendo pioneiro neste sentido. Busca-se identificar associações estatísticas entre as leis de incentivo, a criação da Ancine e algumas variáveis econômicas. Apesar das limitações já citadas do trabalho, no caso do cinema nacional brasileiro, a parceria entre o setor público e o privado parece estar associada a resultados positivos para os participantes do mercado de cinema nacional.

Espera-se que a partir deste trabalho, outros possam contribuir com a lite-ratura de economia da cultura, não só para o caso do cinema, mas para as mais diversas áreas culturais. Ainda é necessária a disponibilização de dados do setor em níveis mais desagregados, o que pode melhorar a avaliação das políticas de incentivos e também em diferentes regiões para contribuir com futuras políticas sociais adotadas pelos gestores de políticas públicas.

REFERÊNCIAS

BAUMOL, W. J.; BOWEN, W. G. Performing Arts: the economic dilemma. Reino Unido: Cambridge University, 1966.

BILLE, H. T. The Economic Dimension of Culture with Specific Focus on the Use of Impact Studies. The World Commission on Culture (WCCD), 1994. Expert paper for Unesco.

______. Measuring the value of culture. International Journal of Cultural Policy, v. 1, p. 309- 322, 1995.

FREY, B. State Support and Creativity in the arts: some new considerations. Journal of Cultural Economics, Holanda, v. 23, p. 71-85, 1999.

FREY, B. S.; POMMEREHNE, W. Muses and Markets: Explorations in the Economics of the Arts. Oxford: Basil Blackwell, 1989.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201156

SALVO, M. Aspectos econômicos do impacto da Lei Estadual de Incentivo à Cultura na Indústria Cinematográfica Gaúcha. Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, número especial, p. 895-916, 2008.

SCHUSTER J. M. The other side of the subsidized muse: indirect aid revisited. Journal of Cultural Economics, Holanda, v. 23, p. 51-70, 1999.

THROSBY, D. Economics and Culture. Reino Unido: Cambridge University, 2001.

ZELLNER, A. An efficient method of estimating seemingly unrelated regression equations and tests for aggregation bias. Journal of the American Statistical Association, v. 57, p. 348-368, 1962.

Originais submetidos em fevereiro de 2011. Última versão recebida em maio de 2011. Aprovado em maio de 2011.

57Criação da Agência Reguladora e Leis de Incentivo à Cultura...

ANEXO

TABELA 1ABase de dados do cinema nacional – 1995-2008

Ano Título do filmePMI(R$)

PúblicoRenda (R$)

Valor captado total (R$)

Salas de cinema

ShareLucro (R$)

1995 Sábado 5,85 155.000 906.750,00 283.001,00 1.033 0,001824 623.749,00

1995Banana is my Business

5,82 15.470 90.000,00 0,00 1.033 0,000182 90.000,00

1995Carlota Joaquina, princesa do Brasil

5,00 1.286.000 6.430.000,00 0,00 1.033 0,015129 6.430.000,00

1995 Causa secreta 5,00 3.000 15.000,00 0,00 1.033 0,000035 15.000,00

1995Cinema de lágrimas

4,76 1.575 7.500,00 0,00 1.033 0,000019 7.500,00

1995 Efeito ilha 5,00 3.000 15.000,00 0,00 1.033 0,000035 15.000,00

1995 Louco por cinema 4,62 12.991 60.000,00 0,00 1.033 0,000153 60.000,00

1995Menino malu-quinho

3,86 397.023 1.532.509,00 0,00 1.033 0,004671 1.532.509,00

1995 O mandarim 4,60 7.616 35.000,00 0,00 1.033 0,000090 35.000,00

1995 O quatrilho 4,04 1.117.154 4.513.302,00 1.130.553,00 1.033 0,013143 3.382.749,00

1995Perfume de gardênia

6,06 9.077 55.000,00 0,00 1.033 0,000107 55.000,00

1995 Super colosso 3,27 154.762 506.027,00 595.807,00 1.033 0,001821 -89.780,00

1995 Terra estrangeira 4,43 112.840 500.000,00 180.001,00 1.033 0,001328 319.999,00

1995 Yndio do Brasil 5,00 3.000 15.000,00 0,00 1.033 0,000035 15.000,00

1996 A felicidade é... 5,00 3.000 15.000,00 0,00 1.365 0,000048 15.000,00

1996 As meninas 3,69 13.527 49.957,00 493.501,00 1.365 0,000218 -443.544,00

1996 Cassiopéia 4,24 14.224 60.359,00 335.521,00 1.365 0,000229 -275.162,00

1996Como nascem os anjos

4,77 41.945 200.000,00 249.701,00 1.365 0,000677 -49.701,00

1996 Corisco e Dada 4,44 13.525 60.000,00 244.773,00 1.365 0,000218 -184.773,00

1996 Doces poderes 4,34 13.809 60.000,00 82.401,00 1.365 0,000223 -22.401,00

1996 Fica comigo 4,54 2.866 13.000,00 0,00 1.365 0,000046 13.000,00

1996 Jenipapo 4,85 72.133 350.000,00 745.980,00 1.365 0,001163 -395.980,00

1996 Mil e uma 4,99 2.403 12.000,00 0,00 1.365 0,000039 12.000,00

1996O cego que gritava luz

5,16 1.647 8.500,00 358.101,60 1.365 0,000027 -349.601,60

1996 O corpo 4,45 26.984 120.000,00 0,00 1.365 0,000435 120.000,00

1996 O guarani 4,58 26.190 120.000,00 2.998.825,00 1.365 0,000422 -2.878.825,00

1996 O judeu 5,30 11.817 62.630,00 0,00 1.365 0,000191 62.630,00

1996O monge e a filha do carrasco

4,29 16.824 72.173,00 0,00 1.365 0,000271 72.173,00

(Continua)

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201158

Ano Título do filmePMI(R$)

PúblicoRenda (R$)

Valor captado total (R$)

Salas de cinema

ShareLucro (R$)

1996Quem matou pixote?

4,61 32.220 148.534,00 1.039.323,72 1.365 0,000520 -890.789,72

1996 Sombras de julho 6,52 767 5.000,00 274.172,00 1.365 0,000012 -269.172,00

1996 Tieta do agreste 9,42 511.954 4.820.381,77 3.349.569,35 1.365 0,008257 1.470.812,42

1996Todos os corações do mundo

3,79 265.017 1.004.415,00 0,00 1.365 0,004274 1.004.415,00

1997 A ostra e o vento 4,30 86.616 372.814,00 1.344.696,01 1.075 0,001666 -971.882,01

1997Anahy de las misiones

3,76 131.000 492.560,00 1.545.508,00 1.075 0,002519 -1.052.948,00

1997 Baile perfumado 4,47 73.062 326.879,00 50.000,00 1.075 0,001405 276.879,00

1997 Buena sorte 3,53 10.674 37.654,00 2.334.538,78 1.075 0,000205 -2.296.884,78

1997 Crede-mi 4,96 2.134 10.585,00 0,00 1.075 0,000041 10.585,00

1997 Ed Mort 5,00 74.195 370.809,00 485.806,00 1.075 0,001427 -114.997,00

1997 Guerra de canudos 4,16 655.016 2.725.130,00 5.544.738,36 1.075 0,012596 -2.819.608,36

1997 Lua de outubro 3,37 33.894 114.351,00 1.855.526,56 1.075 0,000652 -1.741.175,56

1997 Miramar 5,18 7.616 39.451,00 91.793,00 1.075 0,000146 -52.342,00

1997 Navalha na carne 4,59 170.929 784.214,00 2.202.218,87 1.075 0,003287 -1.418.004,87

1997 O amor está no ar 5,41 5.877 31.816,00 1.191.971,98 1.075 0,000113 -1.160.155,98

1997 O cangaceiro 4,39 140.932 618.692,00 2.585.233,10 1.075 0,002710 -1.966.541,10

1997 O homem nu 6,07 74.188 450.321,00 774.001,00 1.075 0,001427 -323.680,00

1997 O noviço rebelde 4,01 1.501.035 6.019.150,00 1.083.235,00 1.075 0,028866 4.935.915,00

1997O que é isso companheiro?

5,56 321.450 1.787.262,00 3.836.051,62 1.075 0,006182 -2.048.789,62

1997 O velho 3,73 11.874 44.290,00 0,00 1.075 0,000228 44.290,00

1997 Os matadores 4,78 27.014 128.998,00 461.728,03 1.075 0,000520 -332.730,03

1997Pequeno dicionário amoroso

5,22 402.430 2.100.685,00 358.210,00 1.075 0,007739 1.742.475,00

1997Sertão das memórias

4,82 3.110 15.000,00 0,00 1.075 0,000060 15.000,00

1997Silvino Santos: o cineasta da selva

4,69 4.560 21.386,00 297.252,50 1.075 0,000088 -275.866,50

1997 Um céu de estrelas 5,44 13.307 72.390,00 0,00 1.075 0,000256 72.390,00

1998 A grande noitada 4,79 1.587 7.594,00 388.797,00 1.300 0,000008 -381.203,00

1998 Ação entre amigos 4,99 38.957 194.330,00 1.240.501,00 1.300 0,000207 -1.046.171,00

1998 Alô 4,81 2.703 13.000,00 552.372,00 1.300 0,000014 -539.372,00

1998 Amor e cia. 5,03 47.179 237.310,00 2.501.155,44 1.300 0,000251 -2.263.845,44

1998 Amores 4,95 33.192 164.418,00 503.517,00 1.300 0,000176 -339.099,00

1998Bahia de todos os sambas

4,92 1.037 5.107,00 8.000,00 1.300 0,000006 -2.893,00

1998 Bella donna 5,43 68.151 370.060,00 4.249.879,60 1.300 0,000362 -3.879.819,60

(Continuação)

(Continua)

59Criação da Agência Reguladora e Leis de Incentivo à Cultura...

Ano Título do filmePMI(R$)

PúblicoRenda (R$)

Valor captado total (R$)

Salas de cinema

ShareLucro (R$)

1998Bocage: o triunfo do amor

4,41 16.621 73.281,00 314.804,63 1.300 0,000088 -241.523,63

1998 Boleiros 5,00 60.000 300.000,00 1.398.822,53 1.300 0,000319 -1.098.822,53

1998 Central do Brasil 5,07 1.593.967 8.087.276,00 3.072.417,70 1.300 0,008467 5.014.858,30

1998 Cinderela bahiana 5,63 32.000 180.000,00 0,00 1.300 0,000170 180.000,00

1998 Como ser solteiro 5,47 150.778 825.101,00 457.518,24 1.300 0,000801 367.582,76

1998 Coração iluminado 5,20 17.850 92.892,00 9.209.284,60 1.300 0,000095 -9.116.392,60

1998For All: o trampo-lim da vitória

5,57 62.604 348.628,00 4.182.531,99 1.300 0,000333 -3.833.903,99

1998 Kenoma 4,88 8.197 40.000,00 1.112.572,16 1.300 0,000044 -1.072.572,16

1998La serva padrona: o filme

5,00 50.000 250.000,00 330.539,10 1.300 0,000266 -80.539,10

1998Menino maluqui-nho 2

2,45 367.456 898.496,00 4.017.783,43 1.300 0,001952 -3.119.287,43

1998 O toque do oboé 5,07 2.368 12.000,00 1.162.202,00 1.300 0,000013 -1.150.202,00

1998Policarpo quares-ma: herói do Brasil

2,39 76.761 183.538,00 3.168.293,32 1.300 0,000408 -2.984.755,32

1998Simão, o Fantasma trapalhão

3,69 1.658.136 6.118.522,00 0,00 1.300 0,008808 6.118.522,00

1998 Terra do mar 4,96 1.531 7.596,00 0,00 1.300 0,000008 7.596,00

1998 Traição 5,38 37.572 202.207,00 820.490,88 1.300 0,000200 -618.283,88

1998 Tudo é Brasil 2,80 1.910 5.348,00 292.291,00 1.300 0,000010 -286.943,00

1999 A Hora mágica 5,32 5.999 31.891,00 1.143.019,00 1.350 0,000032 -1.111.128,00

1999Até que a vida nos separe

5,56 43.815 243.629,00 3.679.982,00 1.350 0,000233 -3.436.353,00

1999Caminho dos sonhos

4,65 14.646 68.060,00 1.431.001,00 1.350 0,000078 -1.362.941,00

1999Castelo rá-tim--bum: o filme

4,18 725.329 3.031.875,00 6.266.955,22 1.350 0,003853 -3.235.080,22

1999Contos de Lígia e morte

5,02 649 3.257,00 0,00 1.350 0,000003 3.257,00

1999 Dois córregos 4,99 38.017 189.716,00 1.835.262,00 1.350 0,000202 -1.645.546,00

1999 Fé 5,13 8.248 42.349,00 558.413,00 1.350 0,000044 -516.064,00

1999Histórias do flamengo

5,06 11.157 56.465,00 450.000,00 1.350 0,000059 -393.535,00

1999 Mário 5,30 2.249 11.929,00 240.005,48 1.350 0,000012 -228.076,48

1999Mauá o imperador e o rei

4,72 195.790 923.684,00 4.935.001,00 1.350 0,001040 -4.011.317,00

1999No coração dos deuses

3,90 23.217 90.530,00 1.155.477,48 1.350 0,000123 -1.064.947,48

1999Nós que aqui estamos por vós esperamos

4,87 58.577 285.130,00 0,00 1.350 0,000311 285.130,00

(Continuação)

(Continua)

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201160

Ano Título do filmePMI(R$)

PúblicoRenda (R$)

Valor captado total (R$)

Salas de cinema

ShareLucro (R$)

1999O trapalhão e a luz azul

3,82 771.831 2.947.356,00 2.350.002,00 1.350 0,004100 597.354,00

1999 O tronco 5,00 1.000 5.000,00 2.488.754,80 1.350 0,000005 -2.483.754,80

1999 O viajante 4,16 5.970 24.809,00 3.281.414,00 1.350 0,000032 -3.256.605,00

1999 Orfeu 4,63 961.961 4.455.409,00 6.702.478,99 1.350 0,005110 -2.247.069,99

1999 Os carvoeiros 5,00 1.000 5.000,00 943.252,00 1.350 0,000005 -938.252,00

1999 Outras estórias 4,74 21.515 102.060,00 2.738.750,99 1.350 0,000114 -2.636.690,99

1999 Paixão perdida 5,43 3.596 19.516,00 457.221,00 1.350 0,000019 -437.705,00

1999 Por trás do pano 5,36 22.109 118.411,00 1.244.569,99 1.350 0,000117 -1.126.158,99

1999 Primeiro dia 5,40 64.383 347.917,00 2.317.001,00 1.350 0,000342 -1.969.084,00

1999 Santo forte 5,02 18.313 91.883,00 0,00 1.350 0,000097 91.883,00

1999 São Jerônimo 5,54 5.000 27.722,00 76.001,00 1.350 0,000027 -48.279,00

1999 Tiradentes 4,57 7.489 34.253,00 2.295.256,41 1.350 0,000040 -2.261.003,41

1999 Um copo de cólera 5,30 58.337 309.094,00 677.170,00 1.350 0,000310 -368.076,00

1999Uma aventura do Zico

4,31 36.727 158.373,00 3.000.001,00 1.350 0,000195 -2.841.628,00

1999 Xuxa requebra 3,94 2.074.461 8.173.376,00 3.043.336,97 1.350 0,011020 5.130.039,03

1999 Zoando na tv 3,80 911.394 3.463.297,00 0,00 1.350 0,004841 3.463.297,00

2000A terceira morte de Joaquim Bolívar

4,93 2.330 11.497,00 237.855,00 1.480 0,000017 -226.358,00

2000 Amélia 5,74 24.431 140.283,00 3.453.081,00 1.480 0,000180 -3.312.798,00

2000 Através da janela 5,25 10.271 53.960,00 1.325.931,00 1.480 0,000076 -1.271.971,00

2000 Bossa nova 6,08 520.614 3.165.333,00 4.264.067,37 1.480 0,003831 -1.098.734,37

2000Cronicamente inviável

5,45 69.443 378.287,00 1.206.678,07 1.480 0,000511 -828.391,07

2000Cruz e Sousa: o poeta do desterro

4,30 3.608 15.510,00 0,00 1.480 0,000027 15.510,00

2000 Estorvo 5,75 11.532 66.325,00 3.731.762,07 1.480 0,000085 -3.665.437,07

2000 Eu tu eles 5,91 695.682 4.111.481,00 4.293.300,68 1.480 0,005119 -181.819,68

2000 Gêmeas 5,82 40.368 234.781,00 265.001,00 1.480 0,000297 -30.220,00

2000 Hans Staden 5,11 46.646 238.389,00 1.269.219,35 1.480 0,000343 -1.030.830,35

2000 Iremos a Beirute 5,34 1.639 8.751,00 535.793,00 1.480 0,000012 -527.042,00

2000Minha vida em suas mãos

4,47 10.222 45.733,00 1.495.839,00 1.480 0,000075 -1.450.106,00

2000O auto da compadecida

5,33 2.157.166 11.496.994,00 0,00 1.480 0,015872 11.496.994,00

2000 O dia da caça 5,51 43.531 239.708,00 3.805.465,10 1.480 0,000320 -3.565.757,10

2000O rap do pequeno príncipe contra as almas sebosas

3,26 22.577 73.489,00 488.001,00 1.480 0,000166 -414.512,00

2000 Oriundi 5,77 38.755 223.608,00 3.316.158,00 1.480 0,000285 -3.092.550,00

(Continuação)

(Continua)

61Criação da Agência Reguladora e Leis de Incentivo à Cultura...

Ano Título do filmePMI(R$)

PúblicoRenda (R$)

Valor captado total (R$)

Salas de cinema

ShareLucro (R$)

2000 Os três zuretas 5,01 6.760 33.899,00 379.081,00 1.480 0,000050 -345.182,00

2000Pierre Verger: Mensageiro...

0,00 3.400 ND 0,00 1.480 0,000025 0

2000 Quase nada 5,98 10.691 63.937,00 584.228,00 1.480 0,000079 -520.291,00

2000 Tolerância 5,88 84.620 497.953,00 1.493.166,48 1.480 0,000623 -995.213,48

2000Um certo Dorival Caymmi

5,06 2.076 10.509,00 452.290,00 1.480 0,000015 -441.781,00

2000Villa Lobos uma vida de paixão

6,07 143.981 874.453,00 3.931.439,98 1.480 0,001059 -3.056.986,98

2000 Xuxa pop star 4,02 2.394.326 9.625.191,00 1.902.356,00 1.480 0,017617 7.722.835,00

2001 2000 nordestes 4,82 4.297 20.707,00 0,00 1.620 0,000057 20.707,00

2001 A hora marcada 5,61 16.441 92.213,00 1.865.996,21 1.620 0,000219 -1.773.783,21

2001 A partilha 6,07 1.449.411 8.797.925,00 1.789.367,71 1.620 0,019325 7.008.557,29

2001 Abril despedaçado 5,84 353.713 2.063.956,00 5.741.299,82 1.620 0,004716 -3.677.343,82

2001 Amores possíveis 6,71 396.224 2.658.663,00 1.982.699,82 1.620 0,005283 675.963,18

2001Anésia: um vôo no tempo

4,30 1.498 6.436,00 346.924,00 1.620 0,000020 -340.488,00

2001 As feras 4,09 3.645 14.922,00 300.000,00 1.620 0,000049 -285.078,00

2001 Babilônia 2000 5,65 15.301 86.496,00 0,00 1.620 0,000204 86.496,00

2001 Barra 68 4,50 6.989 31.427,00 0,00 1.620 0,000093 31.427,00

2001Bicho de sete cabeças

5,44 401.565 2.184.514,00 940.631,00 1.620 0,005354 1.243.883,00

2001Brava gente brasileira

4,42 23.170 102.507,00 1.191.758,00 1.620 0,000309 -1.089.251,00

2001 Bufo & Spallanzani 5,36 47.017 251.836,00 2.708.934,50 1.620 0,000627 -2.457.098,50

2001 Caramuru 6,10 246.023 1.500.740,00 0,00 1.620 0,003280 1.500.740,00

2001Condenado à liberdade

5,06 15.262 77.169,00 1.929.508,33 1.620 0,000203 -1.852.339,33

2001 Copacabana 6,08 234.014 1.422.805,00 2.243.144,93 1.620 0,003120 -820.339,93

2001 Domésticas 4,62 91.488 422.675,00 950.105,00 1.620 0,001220 -527.430,00

2001 Grilo feliz 4,72 216.611 1.022.404,00 2.869.181,00 1.620 0,002888 -1.846.777,00

2001 Lavoura arcaica 6,08 143.860 874.018,00 2.722.001,00 1.620 0,001918 -1.847.983,00

2001 Memórias póstumas 4,59 186.380 855.484,00 4.074.882,90 1.620 0,002485 -3.219.398,90

2001 Nelson Gonçalves 4,77 4.381 20.881,00 457.564,49 1.620 0,000058 -436.683,49

2001Netto perde sua alma

4,53 41.479 187.837,00 2.781.518,00 1.620 0,000553 -2.593.681,00

2001O casamento de Louise

5,61 8.761 49.126,00 230.518,00 1.620 0,000117 -181.392,00

2001O chamado de Deus

5,58 4.535 25.316,00 0,00 1.620 0,000060 25.316,00

2001 O sonho de rose 3,81 12.232 46.561,00 350.000,00 1.620 0,000163 -303.439,00

(Continuação)

(Continua)

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201162

Ano Título do filmePMI(R$)

PúblicoRenda (R$)

Valor captado total (R$)

Salas de cinema

ShareLucro (R$)

2001O xangô de baker street

6,21 366.353 2.275.052,00 9.387.584,99 1.620 0,004885 -7.112.532,99

2001 Senta a pua 5,97 13.181 78.756,00 287.500,00 1.620 0,000176 -208.744,00

2001Tainá: uma aventu-ra na Amazônia

3,58 853.210 3.054.492,00 6.153.111,18 1.620 0,011376 -3.098.619,18

2001 Tônica dominante 5,76 8.020 46.159,00 432.280,00 1.620 0,000107 -386.121,00

2001 Um anjo trapalhão 4,08 125.913 513.632,00 0,00 1.620 0,001679 513.632,00

2001 Xuxa e os duendes 4,40 2.657.091 11.691.200,00 3.700.001,98 1.620 0,035428 7.991.198,02

2002 Ônibus 174 5,78 35.290 203.962,00 200.000,00 1.635 0,000388 3.962,00

2002A paixão de jacobina

4,67 146.062 682.110,00 5.892.278,57 1.635 0,001607 -5.210.168,57

2002 As três marias 5,91 13.003 76.819,00 2.011.489,62 1.635 0,000143 -1.934.670,62

2002 Avassaladoras 5,55 310.260 1.722.883,00 270.000,00 1.635 0,003414 1.452.883,00

2002 Bellini e a esfinge 4,99 60.073 300.000,00 1.939.533,59 1.635 0,000661 -1.639.533,59

2002 Cidade de Deus 5,66 3.370.871 19.066.087,00 7.584.938,26 1.635 0,037097 11.481.148,74

2002Dias de Nietzsche em Turim

5,73 15.017 85.993,00 0,00 1.635 0,000165 85.993,00

2002Duas vezes com Helena

6,28 6.374 40.056,00 763.476,00 1.635 0,000070 -723.420,00

2002 Edifício master 7,00 86.483 605.243,00 0,00 1.635 0,000952 605.243,00

2002Eu não conhecia tururu

6,83 823 5.621,00 870.001,00 1.635 0,000009 -864.380,00

2002Gregório de Mattos

6,21 3.812 23.660,00 275.001,00 1.635 0,000042 -251.341,00

2002Houve uma vez dois verões

5,61 68.487 384.212,00 173.001,00 1.635 0,000754 211.211,00

2002 Invasor 6,45 103.810 669.762,00 430.002,00 1.635 0,001142 239.760,00

2002 Janela da alma 5,63 141.360 795.856,00 820.730,17 1.635 0,001556 -24.874,17

2002 Lara 5,87 2.639 15.504,00 3.969.634,79 1.635 0,000029 -3.954.130,79

2002 Latitude zero 5,70 7.867 44.829,00 767.240,00 1.635 0,000087 -722.411,00

2002 Madame satã 7,08 163.161 1.155.180,00 3.336.217,40 1.635 0,001796 -2.181.037,40

2002Nem gravata nem honra

4,88 3.237 15.789,00 0,00 1.635 0,000036 15.789,00

2002 O príncipe 6,15 15.295 94.037,00 1.594.001,00 1.635 0,000168 -1.499.964,00

2002 Onde a terra acaba 5,43 3.786 20.543,00 465.121,00 1.635 0,000042 -444.578,00

2002 Poeta de sete faces 4,67 4.495 20.972,00 600.001,00 1.635 0,000049 -579.029,00

2002 Rocha que voa 5,06 5.929 30.000,00 183.791,94 1.635 0,000065 -153.791,94

2002 Sonhos tropicais 4,67 36.304 169.438,00 1.646.972,27 1.635 0,000400 -1.477.534,27

2002 Surf adventures 6,45 200.853 1.295.502,00 944.132,21 1.635 0,002210 351.369,79

2002 Timor lorosae 3,75 7.683 28.797,00 697.240,80 1.635 0,000085 -668.443,80

2002 Uma onda no ar 4,41 34.837 153.644,00 1.430.846,17 1.635 0,000383 -1.277.202,17

(Continuação)

(Continua)

63Criação da Agência Reguladora e Leis de Incentivo à Cultura...

Ano Título do filmePMI(R$)

PúblicoRenda (R$)

Valor captado total (R$)

Salas de cinema

ShareLucro (R$)

2002Uma vida em segredo

6,03 14.279 86.160,00 1.586.359,00 1.635 0,000157 -1.500.199,00

2002 Viva São João 6,20 7.092 43.963,00 780.000,00 1.635 0,000078 -736.037,00

2002Xuxa e os duen-des 2

4,99 2.301.152 11.485.979,00 5.524.252,00 1.635 0,025325 5.961.727,00

2003 Dom 3,60 108.499 390.784,00 2.930.525,00 1.817 0,000575 -2.539.741,00

2003A taça do mundo é nossa: casseta e planeta, o filme

6,29 690.709 4.346.394,00 4.512.002,00 1.817 0,003660 -165.608,00

2003 Acquaria 5,33 837.695 4.466.393,00 5.177.057,67 1.817 0,004439 -710.664,67

2003 Amarelo manga 5,97 129.021 769.750,00 400.770,00 1.817 0,000684 368.980,00

2003Apolônio Brasil: campeão da alegria

6,52 12.176 79.348,00 2.268.667,00 1.817 0,000065 -2.189.319,00

2003As alegres comadres

7,22 2.977 21.486,00 2.704.336,79 1.817 0,000016 -2.682.850,79

2003Banda de Ipanema: folia de Albino

4,92 2.004 9.854,00 221.000,00 1.817 0,000011 -211146,00

2003 Carandiru 6,31 4.693.853 29.623.481,00 6.445.173,00 1.817 0,024871 23.178.308,00

2003 Cristina quer casar 6,75 113.208 764.230,00 2.463.226,78 1.817 0,000600 -1.698.996,78

2003 Desmundo 7,03 98.514 692.921,00 4.276.405,62 1.817 0,000522 -3.583.484,62

2003 Deus é brasileiro 6,52 1.635.212 10.655.438,00 5.499.001,66 1.817 0,008664 5.156.436,34

2003Dois perdidos numa noite suja

4,03 43.780 176.541,00 276.310,00 1.817 0,000232 -99.769,00

2003 Durval discos 6,95 58.543 406.930,00 1.380.995,00 1.817 0,000310 -974.065,00

2003História do jorna-lismo brasileiro: Nelson Freire

7,10 64.264 456.022,00 982.598,40 1.817 0,000341 -526.576,40

2003História do jorna-lismo brasileiro: Paulinho da Viola

6,64 54.025 358.726,00 982.598,40 1.817 0,000286 -623.872,40

2003 Histórias do olhar 6,97 1.511 10.524,58 672.302,00 1.817 0,000008 -661.777,42

2003 Ilha rá-tim-bum 5,29 187.297 991.184,00 500.001,00 1.817 0,000992 491.183,00

2003Lisbela e o prisioneiro

6,27 3.174.643 19.915.933,00 4.148.073,93 1.817 0,016821 15.767.859,07

2003Maria, mãe do filho de Deus

5,50 2.332.873 1.2842.085,00 3.824.949,00 1.817 0,012361 9.017.136,00

2003O caminho das nuvens

7,94 214.830 1.705.750,00 5.630.002,00 1.817 0,001138 -3.924.252,00

2003 O cupido trapalhão 5,11 1.758.579 8.984.535,00 3.275.537,00 1.817 0,009318 5.708.998,00

2003 O homem do ano 6,94 104.659 726.383,00 3.540.322,00 1.817 0,000555 -2.813.939,00

2003O homem que copiava

7,06 664.651 4.692.436,00 1.937.425,91 1.817 0,003522 2.755.010,09

2003 Os normais 6,63 2.996.467 19.874.866,00 1.500.001,00 1.817 0,015877 18.374.865,00

(Continuação)

(Continua)

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201164

Ano Título do filmePMI(R$)

PúblicoRenda (R$)

Valor captado total (R$)

Salas de cinema

ShareLucro (R$)

2003Rua seis sem número

4,50 1.315 5.918,00 250.001,00 1.817 0,000007 -244.083,00

2003Seja o que Deus quiser

6,28 16.254 102.038,00 572.634,97 1.817 0,000086 -470.596,97

2003 Separações 7,45 69.697 519.101,00 965.061,00 1.817 0,000369 -445.960,00

2003Um passaporte húngaro

6,40 9.069 58.000,00 0,00 1.817 0,000048 58.000,00

2003 Xuxa abracadabra 5,27 2.214.481 1.1677.129,00 3.619.952,00 1.817 0,011734 8.057.177,00

2003 Zico, o filme 5,00 1.000 5.000,00 1.296.501,00 1.817 0,000005 -1.291.501,00

2004 33 5,00 11.500 57.500,00 0,00 1.997 0,000098 57.500,00

20041,99: um supermercado que vende palavras

7,01 11.572 81.156,00 898.313,00 1.997 0,000099 -817.157,00

2004 A cartomante 6,61 36.094 238.667,00 719.271,21 1.997 0,000307 -480.604,21

2004 A dona da história 7,10 1.271.415 9.025.423,00 4.896.362,00 1.997 0,010825 4.129.061,00

2004À margem da imagem

7,15 1.728 12.354,00 300.001,00 1.997 0,000015 -287.647,00

2004 Batalha: entreatos 8,16 38.341 313.023,00 1.040.001,00 1.997 0,000326 -726.978,00

2004 Batalha: peões 7,92 17.960 142.211,00 1.040.001,00 1.997 0,000153 -897.790,00

2004 Benjamim 7,73 98.301 759.726,00 1.750.002,00 1.997 0,000837 -990.276,00

2004 Cama de gato 7,38 25.315 186.823,00 0,00 1.997 0,000216 186.823,00

2004 Cazuza 6,89 3.082.522 21.230.606,00 4.174.502,00 1.997 0,026245 17.056.104,00

2004Cine gibi da turma da Mônica

5,97 305.752 1.823.899,00 847.533,80 1.997 0,002603 976.365,20

2004Como fazer um filme de amor

7,25 53.545 388.309,00 417.240,00 1.997 0,000456 -28.931,00

2004 Concerto campestre 5,17 13.010 67.205,00 2.764.002,00 1.997 0,000111 -2.696.797,00

2004 Contra todos 7,40 25.358 187.641,00 1.529.760,00 1.997 0,000216 -1.342.119,00

2004 De passagem 6,62 11.419 75.632,00 750.701,00 1.997 0,000097 -675.069,00

2004 Didi quer ser criança 5,68 982.175 5.583.242,00 3.503.753,00 1.997 0,008362 2.079.489,00

2004Espelho d’água: uma viagem no rio são francisco

6,71 18.096 121.469,00 1.920.001,00 1.997 0,000154 -1.798.532,00

2004Evandro Teixeira: instantâneos da realidade

6,71 875 5.874,00 0,00 1.997 0,000007 5.874,00

2004 Fábio fabuloso 7,62 12.458 94.961,00 0,00 1.997 0,000106 94.961,00

2004 Fala tu 6,83 10.526 71.929,00 220.001,00 1.997 0,000090 -148.072,00

2004 Filme de amor 6,59 10.742 70.761,00 150.000,00 1.997 0,000091 -79.239,00

2004 Garotas do ABC 6,70 10.746 71.962,00 2.265.354,71 1.997 0,000091 -2.193.392,71

2004Glauber o filme, labirinto do Brasil

6,33 13.456 85.179,00 150.000,00 1.997 0,000115 -64.821,00

(Continuação)

(Continua)

65Criação da Agência Reguladora e Leis de Incentivo à Cultura...

Ano Título do filmePMI(R$)

PúblicoRenda (R$)

Valor captado total (R$)

Salas de cinema

ShareLucro (R$)

2004 Irmãos de fé 5,85 966.021 5.652.025,00 4.358.965,00 1.997 0,008225 1.293.060,00

2004 Justiça 4,85 28.635 138.770,00 135.000,00 1.997 0,000244 3.770,00

2004Língua: vidas em português

8,25 11.943 98.562,00 509.960,00 1.997 0,000102 -411.398,00

2004 Lost zweig 8,43 2.398 20.214,00 2.292.242,00 1.997 0,000020 -2.272.028,00

2004Meu tio matou um cara

6,93 591.120 4.095.008,00 3.950.001,00 1.997 0,005033 145.007,00

2004Motoboys: vida loca

0,00 ND ND 0,00 1.997 0 0

2004 Nina 7,08 25.268 178.834,00 2.039.615,00 1.997 0,000215 -1.860.781,00

2004 Noite de São João 4,80 5.355 25.704,00 415.301,00 1.997 0,000046 -389.597,00

2004O outro lado da rua

7,18 92.165 661.465,00 3.000.001,00 1.997 0,000785 -2.338.536,00

2004O prisioneiro da grade de ferro

5,64 27.848 156.931,00 654.151,49 1.997 0,000237 -497.220,49

2004 O vestido 7,18 30.683 220.274,00 4.880.001,00 1.997 0,000261 -4.659.727,00

2004 Olga 6,62 3.078.030 20.375.397,00 6.649.218,81 1.997 0,026207 13.726.178,19

2004 Onde anda você 8,08 50.958 411.530,00 3.009.131,55 1.997 0,000434 -2.597.601,55

2004Os narradores do vale de Javé

6,81 67.004 456.307,00 2.934.338,00 1.997 0,000570 -2.478.031,00

2004 Pelé eterno 7,18 257.932 1.851.866,00 4.549.530,61 1.997 0,002196 -2.697.664,61

2004 Procuradas 6,75 2.920 19.720,00 374.001,00 1.997 0,000025 -354.281,00

2004 Querido estranho 6,77 18.103 122.520,00 1.544.643,85 1.997 0,000154 -1.422.123,85

2004 Raízes do Brasil 6,20 19.420 120.366,00 930.885,40 1.997 0,000165 -810.519,40

2004 Redentor 7,59 247.893 1.880.401,00 4.767.117,00 1.997 0,002111 -2.886.716,00

2004 Rio de Jano 6,75 8.284 55.948,00 0,00 1.997 0,000071 55.948,00

2004 Samba Riachão 5,58 1.330 7.418,00 150.000,00 1.997 0,000011 -142.582,00

2004Sexo, amor e traição

7,11 2.219.423 15.775.132,00 3.619.763,04 1.997 0,018896 12.155.368,96

2004 Um show de verão 5,39 137.507 741.047,00 3.049.733,00 1.997 0,001171 -2.308.686,00

2004 Viva sapato 6,90 3.507 24.187,00 2.014.752,00 1.997 0,000030 -1.990.565,00

2004 Viva voz 7,37 206.568 1.522.763,00 2.102.444,00 1.997 0,001759 -579.681,00

2004Xuxa e o tesouro da cidade perdida

5,34 1.331.652 7.108.730,00 3.357.097,80 1.997 0,011338 3.751.632,20

2005 A casa de areia 8,32 187.296 1.557.698,00 6.952.602,00 2.045 0,002001 -5.394.904,00

2005A pessoa é para o que nasce

6,22 24.475 152.261,00 579.215,00 2.045 0,000261 -426.954,00

2005 As vidas de Maria 6,38 2.746 17.530,00 430.000,00 2.045 0,000029 -412.470,00

2005 Bendito fruto 8,72 52.022 453.503,00 429.610,00 2.045 0,000556 23.893,00

2005 Bens confiscados 5,73 4.669 26.754,00 835.477,00 2.045 0,000050 -808.723,00

2005 Cabra cega 7,70 28.620 220.339,00 882.002,00 2.045 0,000306 -661.663,00

(Continuação)

(Continua)

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201166

Ano Título do filmePMI(R$)

PúblicoRenda (R$)

Valor captado total (R$)

Salas de cinema

ShareLucro (R$)

2005 Celeste & estrela 4,87 4.965 24.175,00 215.001,00 2.045 0,000053 -190.826,00

2005 Cidade baixa 7,97 128.134 1.021.626,00 3.038.584,73 2.045 0,001369 -2.016.958,73

2005Cinema, aspirina e urubus

8,36 105.526 882.373,00 1.426.570,00 2.045 0,001127 -544.197,00

2005 Coisa de mulher 7,22 98.963 714.666,00 2.831.002,00 2.045 0,001057 -2.116.336,00

2005 Coisa mais linda 8,90 35.861 319.251,00 2.044.321,00 2.045 0,000383 -1.725.070,00

2005 Confronto final 5,90 2.081 12.278,00 332.401,00 2.045 0,000022 -320.123,00

2005Diário de um novo mundo

6,57 12.685 83.387,00 787.301,00 2.045 0,000136 -703.914,00

2005

Dois filhos de Fran-cisco: a história de Zezé Di Camargo & Luciano

6,90 5.319.677 36.728.278,00 5.746.002,00 2.045 0,056832 30.982.276,00

2005Doutores da alegria

8,07 26.294 212.313,00 1.613.245,15 2.045 0,000281 -1.400.932,15

2005Eliana e o segredo dos golfinhos

6,12 330.742 2.022.729,00 2.891.202,00 2.045 0,003533 -868.473,00

2005 Estrela solitária 6,98 7.877 54.977,00 1.730.001,00 2.045 0,000084 -1.675.024,00

2005 Extremo sul 6,79 13.571 92.149,00 1.420.225,66 2.045 0,000145 -1.328.076,66

2005 Feminices 8,96 7.091 63.556,00 0,00 2.045 0,000076 63.556,00

2005 Filhas do vento 7,08 16.578 117.448,00 660.500,00 2.045 0,000177 -543.052,00

2005 Gaijin II 7,35 52.898 388.800,00 7.682.586,48 2.045 0,000565 -7.293.786,48

2005 Harmada 6,74 1.261 8.499,00 235.001,00 2.045 0,000013 -226.502,00

2005Jogo subterrâneo: underground games

7,83 20.928 163.781,00 4.870.002,00 2.045 0,000224 -4.706.221,00

2005Mais uma vez amor

7,27 228.567 1.662.516,00 3.262.057,00 2.045 0,002442 -1.599.541,00

2005 Moro no Brasil 4,44 2.680 11.911,00 707.536,00 2.045 0,000029 -695.625,00

2005 Morro da Conceição 8,12 4.943 40.124,00 457.001,00 2.045 0,000053 -416.877,00

2005 O cárcere e a rua 4,80 7.792 37.424,00 310.451,00 2.045 0,000083 -273.027,00

2005O casamento de Romeu e Julieta

7,54 969.278 7.303.657,00 6.750.002,00 2.045 0,010355 553.655,00

2005O coronel e o lobisomem

7,14 654.983 4.678.543,00 7.594.121,28 2.045 0,006997 -2.915.578,28

2005 O diabo a quatro 7,25 7.247 52.512,00 1.808.589,74 2.045 0,000077 -1.756.077,74

2005 O fim e o princípio 8,39 9.674 81.146,00 892.650,00 2.045 0,000103 -811.504,00

2005 O signo do caos 7,27 1.255 9.130,00 80.000,00 2.045 0,000013 -70.870,00

2005 Preto e branco 8,08 177 1.430,50 0,00 2.045 0,000002 1.430,50

2005 Preto no branco 0,00 65 ND 0,00 2.045 0,000001 0

2005Quanto vale ou é por quilo?

5,95 32.863 195.672,00 2.527.001,00 2.045 0,000351 -2.331.329,00

2005 Quase dois irmãos 7,81 58.928 460.087,00 1.420.001,00 2.045 0,000630 -959.914,00

(Continuação)

(Continua)

67Criação da Agência Reguladora e Leis de Incentivo à Cultura...

Ano Título do filmePMI(R$)

PúblicoRenda (R$)

Valor captado total (R$)

Salas de cinema

ShareLucro (R$)

2005 Sal de prata 7,22 17.289 124.880,00 2.023.005,80 2.045 0,000185 -1.898.125,80

2005 Soldado de Deus 7,48 2.528 18.919,00 0,00 2.045 0,000027 18.919,00

2005Sou feia mas tô na moda

7,97 5.575 44.447,00 0,00 2.045 0,000060 44.447,00

2005Tainá 2: a aventura continua

5,85 788.442 4.612.264,00 6.537.502,00 2.045 0,008423 -1.925.238,00

2005 Vida de menina 7,60 27.648 210.049,00 2.473.044,00 2.045 0,000295 -2.262.995,00

2005 Vinícius de Moraes 8,75 271.979 2.378.985,00 2.100.002,00 2.045 0,002906 278.983,00

2005Vlado: 30 anos depois

7,59 3.283 24.902,00 0,00 2.045 0,000035 24.902,00

2005 Vocação do poder 7,48 1.995 14.914,00 772.406,78 2.045 0,000021 -757.492,78

2005Xuxinha e Guto contra os monstros do espaço

7,14 596.218 4.259.097,00 5.531.016,50 2.045 0,006370 -1.271.919,50

2006 1972 8,58 6.756 57.994,00 3.320.002,00 2.045 0,000039 -3.262.008,00

2006 A concepção 7,00 20.827 145.883,00 200.000,00 2.045 0,000120 -54.117,00

2006A conspiração do silêncio

6,83 5.676 38.784,00 1.182.534,43 2.045 0,000033 -1.143.750,43

2006A festa de Mar-garette

0,00 9.486 ND 0,00 2.045 0,000055 0

2006A ilha do terrível rapaterra

7,20 5.240 37.729,00 1.925.816,94 2.045 0,000030 -1.888.087,94

2006 A máquina 7,86 56.088 440.711,00 4.994.451,00 2.045 0,000323 -4.553.740,00

2006A mochila do mascate

3,15 2.191 6.892,00 799.828,87 2.045 0,000013 -792.936,87

2006A odisséia musical de Gilberto Mendes

0,00 ND ND 0,00 2.045 0 0

2006A oitava cor do arco-íris

8,36 274 2.292,00 0,00 2.045 0,000002 2.292,00

2006Achados e perdidos

7,61 14.328 109.076,00 1.608.248,30 2.045 0,000082 -1.499.172,30

2006Acredite! um espírito baixou em mim

6,93 30.458 211.042,00 0,00 2.045 0,000175 211.042,00

2006 Anjos do sol 7,81 79.800 623.063,00 150.000,00 2.045 0,000459 473.063,00

2006 Árido movie 13,13 21.729 285.246,00 740.002,00 2.045 0,000125 -454.756,00

2006 Boleiros 2 9,09 10.316 93.786,00 2.729.001,00 2.045 0,000059 -2.635.215,00

2006Brasília 18 por cento

8,79 15.587 136.947,00 4.401.055,02 2.045 0,000090 -4.264.108,02

2006 Brilhante 6,15 1.581 9.720,00 0,00 2.045 0,000009 9.720,00

2006 Cafundó 5,54 33.534 185.707,00 3.920.569,00 2.045 0,000193 -3.734.862,00

2006 Cafuné 7,96 4.236 33.727,00 150.000,00 2.045 0,000024 -116.273,00

(Continuação)

(Continua)

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201168

Ano Título do filmePMI(R$)

PúblicoRenda (R$)

Valor captado total (R$)

Salas de cinema

ShareLucro (R$)

2006 Canta maria 7,22 7.949 57.359,00 4.204.441,95 2.045 0,000046 -4.147.082,95

2006Carnaval, bexiga, funk e sombrinha

8,49 6.955 59.041,00 0,00 2.045 0,000040 59.041,00

2006Casseta e planeta: seus problemas acabaram

7,14 596.624 4.262.366,00 0,00 2.045 0,003435 4.262.366,00

2006 Crime delicado 8,29 21.891 181.460,00 2.041.102,00 2.045 0,000126 -1.859.642,00

2006Depois daquele baile

8,58 28.869 247.791,00 1.296.914,09 2.045 0,000166 -1.049.123,09

2006 Dia de festa 6,16 1.620 9.975,00 100.000,00 2.045 0,000009 -90.025,00

2006Didi, o caçador de tesouros

6,07 1.024.732 6.220.016,00 3.101.108,90 2.045 0,005899 3.118.907,10

2006 Do luto à luta 8,69 3.107 26.991,00 100.000,00 2.045 0,000018 -73.009,00

2006Do outro lado do rio

0,00 ND ND 0,00 2.045 0 0

2006Dom Hélder Câmara: o santo rebelde

6,52 3.592 23.410,00 505.308,00 2.045 0,000021 -481.898,00

2006 Estamira 7,74 40.992 317.423,00 580.001,00 2.045 0,000236 -262.578,00

2006 Eu me lembro 8,24 15.094 124.394,00 400.001,00 2.045 0,000087 -275.607,00

2006 Família Alcântara 7,64 307 2.345,00 428.629,00 2.045 0,000002 -426.284,00

2006Fica comigo esta noite

7,72 249.248 1.925.083,00 4.009.052,00 2.045 0,001435 -2.083.969,00

2006Gatão de meia idade

9,17 81.947 751.249,00 3.636.290,83 2.045 0,000472 -2.885.041,83

2006Ginga: a alma do futebol brasileiro

3,10 1.266 3.925,00 0,00 2.045 0,000007 3.925,00

2006Helena Meireles: a dona da viola

3,77 2.495 9.394,00 0,00 2.045 0,000014 9.394,00

2006 Incuráveis 7,69 1.871 14.382,00 100.000,00 2.045 0,000011 -85.618,00

2006Intervalo clan-destino

0,00 ND 419,00 720.102,61 2.045 0 -719.683,61

2006 Irma vap: o retorno 9,05 247.325 2.239.090,00 6.080.412,38 2.045 0,001424 -3.841.322,38

2006 Meninas 6,28 4.208 26.415,00 978.382,50 2.045 0,000024 -951.967,50

2006 Moacir arte bruta 7,47 2.271 16.966,00 0,00 2.045 0,000013 16.966,00

2006Muito gelo e dois dedos d’água

7,78 509.098 3.960.788,00 5.700.942,00 2.045 0,002931 -1.740.154,00

2006 Mulheres do Brasil 7,65 48.293 369.464,00 1.712.306,00 2.045 0,000278 -1.342.842,00

2006 No meio da rua 5,77 2.133 12.317,00 1.190.089,00 2.045 0,000012 -1.177.772,00

2006 Nzinga 10,10 21 212,00 419.193,00 2.045 0,000000 -418.981,00

2006 O amigo invisível 5,36 1.030 5.517,00 16.452,00 2.045 0,000006 -10.935,00

(Continuação)

(Continua)

69Criação da Agência Reguladora e Leis de Incentivo à Cultura...

Ano Título do filmePMI(R$)

PúblicoRenda (R$)

Valor captado total (R$)

Salas de cinema

ShareLucro (R$)

2006O ano em que meus pais saíram de férias

8,59 368.986 3.169.763,00 5.309.002,00 2.045 0,002124 -2.139.239,00

2006O cavaleiro Didi e a princesa Lili

6,29 742.340 4.672.418,00 3.839.503,00 2.045 0,004273 832.915,00

2006 Cerro do Jarau 3,07 6.252 19.195,00 1.540.331,00 2.045 0,000036 -1.521.136,00

2006 O céu de Suely 8,18 73.892 604.614,00 1.745.176,67 2.045 0,000425 -1.140.562,67

2006O dia em que o Brasil esteve aqui

6,81 778 5.300,00 630.001,00 2.045 0,000004 -624.701,00

2006O homem pode voar: a saga de Santos Dumont

8,54 1.912 16.332,00 969.001,00 2.045 0,000011 -952.669,00

2006O maior amor do mundo

8,22 209.741 1.723.672,00 6.150.207,00 2.045 0,001207 -4.426.535,00

2006 O olhar estrangeiro 7,14 4.750 33.928,00 200.001,00 2.045 0,000027 -166.073,00

2006O sol: caminhando contra o vento

5,21 9.401 49.026,00 580.001,00 2.045 0,000054 -530.975,00

2006O veneno da madrugada

7,67 3.639 27.907,00 5.602.903,82 2.045 0,000021 -5.574.996,82

2006 Outra memória 4,47 976 4.363,00 0,00 2.045 0,000006 4.363,00

2006Parteiras da Amazônia

9,53 135 1.287,00 200.001,00 2.045 0,000001 -198.714,00

2006 Se eu fosse você 7,93 3.644.956 28.916.137,00 4.298.173,32 2.045 0,020983 24.617.963,68

2006 Solo Dios sabe 6,92 4.301 29.765,00 3.700.001,00 2.045 0,000025 -3.670.236,00

2006 Sonhos e desejos 7,94 13.613 10.8151,00 2.993.726,51 2.045 0,000078 -2.885.575,51

2006Soy Cuba, o ma-mute siberiano

7,72 16.556 127.740,00 150.000,00 2.045 0,000095 -22.260,00

2006 Tapete vermelho 5,41 50.955 275.515,00 1.364.381,00 2.045 0,000293 -1.088.866,00

2006 Tow in surfing 8,31 2.398 19.935,00 0,00 2.045 0,000014 19.935,00

2006Trair e coçar é só começar

7,25 481.006 3.486.329,00 3.280.002,00 2.045 0,002769 206.327,00

2006Um craque chama-do divino

7,82 1.148 8.978,00 760.000,00 2.045 0,000007 -751.022,00

2006Veias e vinhos, uma história brasileira

7,03 1.649 11.591,00 1.209.889,00 2.045 0,000009 -1.198.298,00

2006 Vestido de noiva 7,73 5.871 45.380,00 1.392.001,00 2.045 0,000034 -1.346.621,00

2006 Vinho de rosas 3,86 23.817 91.817,00 1427202,98 2.045 0,000137 -1.335.385,98

2006Wood & Stock: sexo, orégano e rock´n roll

7,99 55.231 441.039,00 384.001,00 2.045 0,000318 57.038,00

2006 Xuxa gêmeas 5,76 1.007.490 5.801.734,00 4.803.503,00 2.045 0,005800 998.231,00

2006 Zé pureza 3,92 415 1.625,00 0,00 2.045 0,000002 1.625,00

2006 Zuzu Angel 7,48 774.318 5.789.238,00 6.036.002,00 2.045 0,004458 -246.764,00

(Continuação)

(Continua)

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201170

Ano Título do filmePMI(R$)

PúblicoRenda (R$)

Valor captado total (R$)

Salas de cinema

ShareLucro (R$)

2007 3 efes 5,66 1.358 7.690,00 0,00 2.120 0,000015 7.690,00

20073 irmãos de sangue

9,32 6.873 64.086,00 0,00 2.120 0,000076 64.086,00

2007 500 almas 6,91 3.833 26.489,00 1.163.501,00 2.120 0,000042 -1.137.012,00

2007 A casa de Alice 8,77 18.276 160.333,00 2.168.287,00 2.120 0,000202 -2.007.954,00

2007A grande família: o filme

7,61 2.035.576 15.482.240,00 0,00 2.120 0,022523 15.482.240,00

2007A história das três marias

0,00 ND ND 180.321,00 2.120 0 0

2007À margem do concreto

6,57 718 4.717,00 500.609,90 2.120 0,000008 -495.892,90

2007 A via láctea 8,59 9.610 82.550,00 754.204,55 2.120 0,000106 -671.654,55

2007 Aboio 6,85 857 5.870,00 60.000,00 2.120 0,000009 -54.130,00

2007 Antônia 7,56 79.428 600.698,00 2.764.091,40 2.120 0,000879 -2.163.393,40

2007As tentações do irmão Sebastião

5,65 546 3.086,00 1.151.600,00 2.120 0,000006 -1.148.514,00

2007 Baixio das bestas 7,41 48.844 361.846,00 80.000,00 2.120 0,000540 281.846,00

2007 Batismo de sangue 7,12 56.535 402.345,00 4.350.002,00 2.120 0,000626 -3.947.657,00

2007Bem-vindo a São Paulo

8,48 4.981 42.249,00 0,00 2.120 0,000055 42.249,00

2007 Brasileirinho 8,65 19.090 165.184,00 1.749.027,00 2.120 0,000211 -1.583.843,00

2007 Brichos 4,99 7.732 38.583,00 763.201,00 2.120 0,000086 -724.618,00

2007 Caixa 2 8,51 247.292 2.105.386,00 3.080.003,00 2.120 0,002736 -974.617,00

2007 Cão sem dono 7,74 31.231 241.780,00 2.500.003,00 2.120 0,000346 -2.258.223,00

2007 Caparaó 6,02 3.508 21.120,00 72.000,00 2.120 0,000039 -50.880,00

2007 Carreiras 7,34 5.778 42.388,00 173.694,06 2.120 0,000064 -131.306,06

2007Cartola: música para os olhos

8,14 63.924 520.400,00 1.339.385,00 2.120 0,000707 -818.985,00

2007Cidade dos homens: o filme

7,93 282.085 2.236.643,00 5.610.153,00 2.120 0,003121 -3.373.510,00

2007Conceição: autor bom é autor morto

4,90 2.248 11.013,00 0,00 2.120 0,000025 11.013,00

2007 É proibido proibir 8,03 37.182 298.600,00 914.591,60 2120 0,000411 -615.991,60

2007 Em trânsito 3,13 579 1.810,00 368.260,00 2.120 0,000006 -366.450,00

2007 Esses moços 6,18 2.693 16.646,00 292.251,00 2.120 0,000030 -275.605,00

2007 Fabricando Tom Zé 6,69 16.209 108.437,00 600.001,00 2.120 0,000179 -491.564,00

2007 Faixa de areia 5,57 241 1.343,00 240.001,00 2.120 0,000003 -238.658,00

2007Gigante: como o inter conquistou o mundo

8,34 23.515 196.117,00 0,00 2.120 0,000260 196.117,00

(Continuação)

(Continua)

71Criação da Agência Reguladora e Leis de Incentivo à Cultura...

Ano Título do filmePMI(R$)

PúblicoRenda (R$)

Valor captado total (R$)

Salas de cinema

ShareLucro (R$)

2007Grupo corpo 30 anos: uma família brasileira

8,92 2.743 24.479,00 997.516,00 2.120 0,000030 -973.037,00

2007 Hércules 56 5,86 11.820 69.270,00 812.000,00 2.120 0,000131 -742.730,00

2007Histórias do rio negro

8,34 1.990 16.594,00 899.000,00 2.120 0,000022 -882.406,00

2007 I hate São Paulo 2,63 215 566,00 0,00 2.120 0,000002 566,00

2007Inacreditável: a batalha dos aflitos

0,00 ND ND 0,00 2.120 0 0

2007 Inesquecível 8,10 59.397 481.334,00 3.650.004,00 2.120 0,000657 -3.168.670,00

2007 Jogo de cena 8,89 29.680 263.786,00 90.001,00 2.120 0,000328 173.785,00

2007Mestre Bimba: a capoeira iluminada

6,42 3.336 21.433,00 621.261,00 2.120 0,000037 -599.828,00

2007 Meteoro 6,90 3.518 24.281,00 4.774.031,00 2.120 0,000039 -4.749.750,00

2007Milton Santos ou o mundo global visto do lado de cá

7,37 16.118 118.826,00 449.293,00 2.120 0,000178 -330.467,00

2007 Mutum 9,04 19.682 177.993,00 3.388.322,00 2.120 0,000218 -3.210.329,00

2007 Não por acaso 8,17 119.973 980.022,00 4.756.152,00 2.120 0,001327 -3.776.130,00

2007 Noel, poeta da vila 8,98 37.652 338.058,00 2.510.001,00 2.120 0,000417 -2.171.943,00

2007Nossa senhora de Caravaggio

6,13 2.185 13.398,00 1.687.334,00 2.120 0,000024 -1.673.936,00

2007 O cheiro do ralo 8,31 172.959 1.437.254,00 449.959,00 2.120 0,001914 987.295,00

2007 O dono do mar 5,44 4.062 22.101,00 5.945.702,00 2.120 0,000045 -5.923.601,00

2007O engenho de Zé Lins

9,27 3.827 35.490,00 40.001,00 2.120 0,000042 -4.511,00

2007 O fim do sem fim 8,26 1.190 9.827,00 125.000,00 2.120 0,000013 -115.173,00

2007O homem que desafiou o diabo

7,08 422.855 2.992.203,00 5.689.546,22 2.120 0,004679 -2.697.343,22

2007 O longo amanhecer 5,33 1.022 5.443,00 0,00 2.120 0,000011 5.443,00

2007 O magnata 7,66 147.592 1.130.988,00 4.251.778,00 2.120 0,001633 -3.120.790,00

2007O mundo em duas voltas

9,28 54.683 507.392,00 2.318.158,25 2.120 0,000605 -1.810.766,25

2007 Ó paí, ó 7,99 397.075 3.172.654,00 2.615.003,00 2.120 0,004393 557.651,00

2007 O passado 9,22 173.821 1.601.885,00 6.689.273,54 2.120 0,001923 -5.087.388,54

2007O passageiro: segredos de adulto

7,82 5.481 42.880,00 2.446.002,61 2.120 0,000061 -2.403.122,61

2007 O primo Basílio 7,60 838.726 6.376.703,00 6.825.003,00 2.120 0,009280 -448.300,00

2007 O quinze 3,00 110 330,00 1.709.001,00 2.120 0,000001 -1.708.671,00

2007 Ódiquê? 7,48 3.204 23.951,00 0,00 2.120 0,000035 23.951,00

2007 Os 12 trabalhos 5,65 21.173 119.716,00 1.614.715,61 2.120 0,000234 -1.494.999,61

2007 Os porralokinhas 6,67 61.212 408.229,00 2.900.002,00 2.120 0,000677 -2.491.773,00

(Continuação)

(Continua)

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201172

Ano Título do filmePMI(R$)

PúblicoRenda (R$)

Valor captado total (R$)

Salas de cinema

ShareLucro (R$)

2007Oscar Niemeyer: a vida é um sopro

5,82 10.281 59.884,00 456.300,00 2.120 0,000114 -396.416,00

2007Pampulha ou a invenção do mar de Minas

0,00 ND ND 150.001,00 2.120 0 0

2007Pedrinha de Aruanda: Maria Bethânia

8,86 12.065 106.940,00 0,00 2.120 0,000133 106.940,00

2007 Person 6,48 1.518 9.834,00 132.187,00 2.120 0,000017 -122.353,00

2007 Podecrer! 8,25 43.833 361.507,00 2.580.001,00 2.120 0,000485 -2.218.494,00

2007Porto Alegre: meu canto no mundo

5,76 1.356 7.812,00 314.000,00 2.120 0,000015 -306.188,00

2007 PQD 4,34 2.881 12.495,00 31.001,00 2.120 0,000032 -18.506,00

2007 Pro dia nascer feliz 6,36 51.140 325.211,00 955.001,00 2.120 0,000566 -629.790,00

2007 Querô 7,18 20.178 144.823,00 3.292.009,00 2.120 0,000223 -3.147.186,00

2007 Remissão 7,20 298 2.147,00 400.001,00 2.120 0,000003 -397.854,00

2007Sambando nas brasas, morô?

7,44 1.072 7.979,00 0,00 2.120 0,000012 7.979,00

2007Saneamento básico, o filme

7,72 190.656 1.472.475,00 2.602.003,00 2.120 0,002110 -1.129.528,00

2007 Santiago 8,90 48.339 430.422,00 0,00 2.120 0,000535 430.422,00

2007 Sem controle 7,85 23.598 185.307,00 1.872.902,00 2.120 0,000261 -1.687.595,00

2007 Serras da desordem 8,58 273 2.341,00 386.001,00 2.120 0,000003 -383.660,00

2007 Tropa de elite 8,44 2.417.754 20.395.447,00 6.214.003,00 2.120 0,026751 14.181.444,00

2007Turma da Mônica em uma aventura no tempo

7,45 531.656 3.961.558,00 5.435.154,00 2.120 0,005883 -1.473.596,00

2007Viúva rica solteira não fica

8,73 1.494 13.039,00 0,00 2.120 0,000017 13.039,00

2007Xuxa em um sonho de menina

6,23 126.499 788.700,00 3.412.162,00 2.120 0,001400 -2.623.462,00

2008Meu nome não é Johnny

8,68 2.075.431 18.019.978,00 5.804.842,30 2.120 0,257713 12.215.135,70

2008Ensaio sobre a cegueira

8,63 892.272 7.703.078,00 6.900.000,00 2.120 0,110796 803.078,00

2008 Era uma vez... 8,04 565.258 4.542.398,00 5.153.000,46 2.120 0,070190 -610.602,46

2008A casa da mãe Joana

7,34 525.035 3.852.415,78 3.258.712,00 2.120 0,065195 593.703,78

2008 Última parada 174 7,11 523.987 3.723.809,00 3.902.500,00 2.120 0,065065 -178.691,00

2008Bezerra de Mene-zes: o diário de um espírito

7,98 443.143 3.534.245,00 0,00 2.120 0,055026 3.534.245,00

2008 Sexo com amor? 8,40 419.991 3.527.053,00 4.984.034,59 2.120 0,052152 -1.456.981,59

(Continuação)

(Continua)

73Criação da Agência Reguladora e Leis de Incentivo à Cultura...

Ano Título do filmePMI(R$)

PúblicoRenda (R$)

Valor captado total (R$)

Salas de cinema

ShareLucro (R$)

2008A guerra dos Rocha

6,89 345.964 2.382.939,00 3.985.000,00 2.120 0,042959 -1.602.061,00

2008O guerreiro Didi e a ninja Lili

6,22 329.106 2.048.541,00 4.936.903,00 2.120 0,040866 -2.888.362,00

2008 Romance 6,70 295.470 1.980.728,00 4.800.255,00 2.120 0,036689 -2.819.527,00

2008 Os desafinados 8,57 194.043 1.663.446,78 6.898.044,51 2.120 0,024095 -5.234.597,73

2008 Chega de saudade 8,43 179.005 1.509.907,00 5.038.324,00 2.120 0,022228 -3.528.417,00

2008 Linha de passe 8,77 163.666 1.434.833,00 0,00 2.120 0,020323 1.434.833,00

2008 Entre lençóis 8,31 132.414 1.100.615,00 479.414,37 2.120 0,016442 621.200,63

2008A mulher do meu amigo

7,57 141.218 1.069.344,00 3.443.651,00 2.120 0,017535 -2.374.307,00

2008 Estômago 8,92 90.464 807.005,00 250.000,00 2.120 0,011233 557.005,00

2008 Polaróides urbanas 8,41 94.048 790.640,00 5.670.000,00 2.120 0,011678 -4.879.360,00

2008O banheiro do Papa

8,24 66.743 550.184,00 0,00 2.120 0,008288 550.184,00

2008 O signo da cidade 7,40 55.329 409.671,00 3.983.000,00 2.120 0,006870 -3.573.329,00

2008Orquestra dos meninos

6,06 63.277 383.223,00 4.098.000,00 2.120 0,007857 -3.714.777,00

2008 Pequenas histórias 4,56 72.222 329.482,00 1.485.963,26 2.120 0,008968 -1.156.481,26

2008O mistério do samba

8,68 33.574 291.543,40 1.200.000,00 2.120 0,004169 -908.456,60

2008 Nome próprio 8,27 32.769 270.962,00 0,00 2.120 0,004069 270.962,00

2008 Show de bola 7,00 26.826 187.888,00 0,00 2.120 0,003331 187.888,00

2008Encarnação do demônio

7,16 25.762 184.403,00 1.431.958,96 2.120 0,003199 -1.247.555,96

2008 Garoto cósmico 4,93 36.417 179.690,00 1.642.290,00 2.120 0,004522 -1.462.600,00

2008 Feliz Natal 7,50 21.192 159.031,45 1.970.000,00 2.120 0,002631 -1.810.968,55

2008Mulheres sexo verdades mentiras

9,33 16.048 149.767,00 150.345,55 2.120 0,001993 -578,55

2008Maré, nossa história de amor

6,01 24.404 146.764,00 2.300.255,00 2.120 0,003030 -2.153.491,00

2008 Juízo 7,01 17.360 121.684,00 1.509.217,00 2.120 0,002156 -1.387.533,00

2008 Bodas de papel 5,85 16.462 96.290,00 1.304.290,96 2.120 0,002044 -1.208.000,96

2008 Falsa loura 7,08 10.094 71.509,00 2.117.540,00 2.120 0,001253 -2.046.031,00

2008Nossa vida não cabe num Opala

3,44 19.200 66.112,00 476.477,00 2.120 0,002384 -410.365,00

2008 Juventude 10,47 5.017 52.531,00 861.365,98 2.120 0,000623 -808.834,98

2008 Café dos maestros 9,41 5.396 50.752,00 300.000,00 2.120 0,000670 -249.248,00

2008 Dot.com 8,94 5.478 48.984,00 0,00 2.120 0,000680 48.984,00

2008Ainda orango-tangos

7,66 6.159 47.149,70 157.388,65 2.120 0,000765 -110.238,95

(Continuação)

(Continua)

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201174

Ano Título do filmePMI(R$)

PúblicoRenda (R$)

Valor captado total (R$)

Salas de cinema

ShareLucro (R$)

20085 frações de uma quase história

7,10 6.420 45.554,00 1.450.553,00 2.120 0,000797 -1.404.999,00

2008 Dias e noites 7,56 5.818 43.996,73 0,00 2.120 0,000722 43.996,73

2008 Deserto feliz 6,56 6.395 41.967,80 1.378.000,00 2.120 0,000794 -1.336.032,20

2008 Cleópatra 6,92 5.919 40.956,00 3.354.019,99 2.120 0,000735 -3.313.063,99

2008 Terra vermelha 8,83 4.366 38.550,27 699.999,98 2.120 0,000542 -661.449,71

2008 Corpo 6,05 5.287 31.986,00 689.000,00 2.120 0,000657 -657.014,00

2008 Panair do Brasil 7,94 3.951 31.377,50 200.000,00 2.120 0,000491 -168.622,50

2008Onde andará Dulce Veiga?

8,58 3.585 30.746,00 2.921.858,18 2.120 0,000445 -2.891.112,18

2008Valsa para Bruno Stein

5,61 5.140 28.837,50 2.098.559,40 2.120 0,000638 -2.069.721,90

20081958, o ano em que o mundo descobriu o Brasil

7,13 3.450 24.607,00 868.000,00 2.120 0,000428 -843.393,00

2008 Fim da linha 4,25 4.900 20.803,00 948.211,71 2.120 0,000608 -927.408,71

2008 Devoção 7,15 2.608 18.643,00 600.000,00 2.120 0,000324 -581.357,00

2008Pan-cinema perma-nente

5,62 2.684 15.081,83 0,00 2.120 0,000333 15.081,83

2008O aborto dos outros

7,44 1.899 14.137,00 585.256,26 2.120 0,000236 -571.119,26

2008 Fronteira 7,92 1.475 11.685,90 751.000,00 2.120 0,000183 -739.314,10

2008 O tempo e o lugar 7,39 1.512 11.168,00 700.000,00 2.120 0,000188 -688.832,00

2008 Vingança 5,68 1.943 11.044,46 0,00 2.120 0,000241 11.044,46

2008Pindorama: a verdadeira história dos 7 anões

6,30 1.636 10.307,16 0,00 2.120 0,000203 10.307,16

2008 A outra margem 10,58 930 9.840,50 0,00 2.120 0,000115 9.840,50

2008 Iluminados 8,13 1.140 9.273,00 152.187,00 2.120 0,000142 -142.914,00

2008 Andarilho 6,39 1.320 8.437,50 521.000,00 2.120 0,000164 -512.562,50

2008 Pretérito perfeito 5,44 1.506 8.194,00 0,00 2.120 0,000187 8.194,00

2008 Otávio e as letras 7,22 876 6.322,00 291.937,33 2.120 0,000109 -285.615,33

2008 Olho de boi 4,77 1.286 6.130,00 170.000,00 2.120 0,000160 -163.870,00

2008O romance do vaqueiro voador

5,66 1.010 5.717,80 600.000,00 2.120 0,000125 -594.282,20

2008O mistério da estrada de Sintra

7,93 687 5.451,00 0,00 2.120 0,000085 5.451,00

2008 Meu Brasil 3,91 1.008 3.941,75 0,00 2.120 0,000125 3.941,75

2008 L.A.P.A. 4,00 809 3.232,00 0,00 2.120 0,000100 3.232,00

2008 O retorno 8,55 364 3.113,00 679.926,00 2.120 0,000045 -676.813,00

(Continuação)

(Continua)

75Criação da Agência Reguladora e Leis de Incentivo à Cultura...

Ano Título do filmePMI(R$)

PúblicoRenda (R$)

Valor captado total (R$)

Salas de cinema

ShareLucro (R$)

2008Castelar e Nelson Dantas no país dos generais

8,08 383 3.094,50 100.000,00 2.120 0,000048 -96.905,50

2008O demoninho de olhos pretos

10,81 264 2.853,50 600.000,00 2.120 0,000033 -597.146,50

2008 Meu nome é Dindi 5,65 458 2.586,00 0,00 2.120 0,000057 2.586,00

2008 Quarta B 6,55 356 2.332,00 0,00 2.120 0,000044 2.332,00

2008 A dança da vida 4,71 334 1.574,50 0,00 2.120 0,000041 1.574,50

2008 A margem da linha 9,12 157 1.432,50 0,00 2.120 0,000019 1.432,50

2008 Musicagen 6,51 197 1.283,00 289.600,00 2.120 0,000024 -288.317,00

2008As filhas de Chiquita

4,55 270 1.228,92 0,00 2.120 0,000034 1.228,92

2008Memória para uso diário

3,06 354 1.084,00 0,00 2.120 0,000044 1.084,00

2008Brigada paraque-dista

4,85 162 786,00 0,00 2.120 0,000020 786,00

2008 Cana quente 3,38 163 550,50 0,00 2.120 0,000020 550,50

Fontes: Ancine, SIAESP e Filme B.Obs.: ND = não disponível.

(Continuação)

ABRIR AS ESCOLAS À COMUNIDADE NOS FINAIS DE SEMANA REDUZ QUE TIPO DE VIOLÊNCIA? UMA ANÁLISE DE CONTRAFACTUAL UTILIZANDO MÍNIMOS QUADRADOS PONDERADOS PELO PROPENSITY SCORE*

Rogério Allon Duenhas**

Marco Túlio Aniceto França**

Flávio de Oliveira Gonçalves***

O artigo mostra o impacto da abertura de escolas da primeira fase do ensino fundamental à comunidade nos finais de semana sobre dimensões de violência percebidas pelos diretores. Dois contrafactuais são utilizados: escolas que aguardavam a entrada no programa e as que não demonstraram interesse. Por um lado, o programa mostrou impacto positivo sobre as relações intraescolas, como a melhoria do relacionamento entre o corpo discente, redução de crimes contra a propriedade e o tráfico de drogas na escola. Por outro, aumentou a percepção de diretores sobre os conflitos externos às escolas, como ação de gangues e vandalismo.

Palavras-chave: Violência; Escola; Contrafactual.

OPENNING SCHOOL TO COMMUNITY DURING THE WEEKENDS REDUCES WHAT KIND OF VIOLENCE? A COUNTERFACTUAL ANALYSIS USING PROPENSITY SCORE WEIGHTED LEAST SQUARES

This paper tests the impact of Comunidade Escola Program on some violence aspects obtained by the primary school principal’s answers to Prova Brasil 2007. This program showed positive result according to some characteristics such as the improvement of the relationship among pupils, decreasing crime against propriety and occurrence of drug dealing into school. There is a rise in principal sensitivity about out of school violence such as gangs and vandalism.

Key-words: Violence; Schools; Counterfactual.

* O trabalho foi desenvolvido no âmbito do Núcleo de Avaliação de Políticas Públicas Educacionais (NAPPE) da Uni-versidade Federal do Paraná (UFPR). Os autores agradecem ao Programa Observatório da Educação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro à pesquisa. Agradecem também à cooperação da Secretaria Municipal de Educação de Curitiba, à Fundação Itaú Social e aos dois pareceristas anônimos pelas sugestões. Possíveis erros e omissões são da responsabilidade dos autores. ** Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico da UFPR. E-mails: [email protected] e [email protected]*** Professor adjunto do Departamento de Economia da UFPR. E-mail: [email protected]

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201178

ABRIR LAS ESCUELAS A LA COMUNIDAD LOS FINES DE SEMANA REDUCE QUE TIPO DE VIOLENCIA? UN ANÁLISIS DE CONTRA FACTUAL UTILIZANDO MÍNIMOS CUADRADOS PONDERADOS POR PROPENSITY SCORE 

El artículo muestra el impacto de la apertura de las escuelas de la primera etapa de la educación básica a la comunidad los fines de semana en suya contribución para la reducción en algunas formas de la violencia percibida por los directores. Dos contrafactuales se utilizan, las escuelas en espera de la entrada en el programa y las escuelas que no han mostrado interés en ingresar en el programa. El programa mostró efectos positivos sobre las relaciones dentro de las escuelas como la mejora de la relación entre el cuerpo estudiantil, la reducción de delitos contra la propiedad, tráfico de las drogas en la escuela. Por otro lado, aumenta la percepción de los directores sobre los conflictos en las escuelas como la acción de las pandillas y el vandalismo.

Palabras-clave: Violencia; Escuelas; Contrafactual.

QUELS TYPES DE VIOLENCE SONT RéDUITS PAR L’OUVERTURE DES éCOLES MUNICIPALES LE WEEK-END? UNE ANALYSE CONTREFACTUELLE BASéE SUR LA MéTHODE DES MOINDRES CARRéS PONDéRéS PUR PROPENSITY SCORE

L’article montre l’impact de l’ouverture, pour la communauté et durant les week-ends, des écoles de la première phase de l’enseignement fondamental sur le type de violences perçues par les directeurs. L’étude a été faite en comparant les écoles participant au programme avec les écoles qui attendent d’y entrer et les écoles qui ne démontrent pas d’intérêt pour celui-ci. Le programme montre l’impact positif sur les liens intra-écoles avec notamment l’amélioration des relations entre les professeurs et les élèves, la réduction des crimes contre la propriété, et la baisse du trafic de drogues au sein de l’école. D’un autre côté, cela permet aussi aux directeurs, de mieux connaître les conflits externes à l’école tels que les actions liées aux gangs et au vandalisme.

Mots-clés: Violence; Écoles; Contrefactuelle.

1 INTRODUÇÃO

A violência é uma das maiores fontes de desconforto nas sociedades moder-nas. O problema da violência no Brasil é grande, sobretudo para a faixa etária compreendida entre 15 e 24 anos, que evoluiu entre 1998 e 2008, de 47,7 para 52,9 mortes para cada 100 mil jovens. No estado do Paraná, para a mesma faixa etária, em 1998, registrou-se 28,5 mortes provocadas para cada 100 mil habitantes e, em 2008, houve um salto para uma taxa de 73,3. A cidade de Curitiba que registrava 22,7 mortes em 1998 passa a 52,5 em 2008, para uma população de 15 a 24 anos.

Acredita-se que soluções para a minimização da violência e criminali-dade pode estar além das estratégias tradicionais de repressão, como o aumen-to de policiamento ou das guardas municipais. É possível que ações alternativas como a intervenção em áreas sociais possam surtir efeitos positivos no combate à

79Abrir as Escolas à Comunidade nos Finais de Semana Reduz que Tipo de Violência...

violência.1 Nesse sentido algumas cidades adotaram a política de abertura de esco-las públicas nos finais de semana em comunidades vulneráveis à violência. A me-dida é colocar à disposição da população um espaço alternativo para realização de atividades esportivas e socioculturais, criando ou fortalecendo o capital social local e reduzindo a violência. Esta iniciativa visa fortalecer os laços entre a comunidade e a escola por meio de atividades esportivas, culturais e sociais nos finais de semana como alternativa de lazer em um ambiente seguro e respeitado pela sociedade.

Nesse contexto, foi criado na cidade de Curitiba, em 2005, o Programa Comunidade Escola (PCE). Em linhas gerais, o programa visaria à redução dos episódios de violência por meio do aumento do capital social da comunidade na medida em que reduziria a exposição dos alunos a situações de riscos, como desi-gualdades, discriminações e outras vulnerabilidades sociais.

O objetivo central do trabalho é verificar se a implantação do PCE na ci-dade de Curitiba, em 2005, contribuiu para a redução da violência, representada pela delinquência prática, ou seja, depredação, pichações, venda e consumo de drogas, violência física e verbal, contra professores e entre os alunos. A estratégia empírica utilizada foi o emprego dos mínimos quadrados ponderados (MQP) pelo propensity score (PS) a fim de captar sob quais dimensões o PCE logra sucesso na redução da violência, mensurado por intermédio da percepção dos dirigentes das escolas municipais de Curitiba de educação de primeiro nível (1a a 4a série). A estratégia considerará grupo de tratamento as escolas participantes do programa. O contrafactual será dividido em dois. O primeiro diz respeito às escolas que esta-vam na “Fila” para participar do Programa Comunidade Escola (FPCE) em 2007 e o segundo grupo corresponde às escolas municipais restantes que Não participa do Programa Comunidade Escola (NPCE).

O programa mostra um impacto positivo e significante na redução das vio-lências internas à escola. Por outro lado, o programa traz a violência externa para a escola ao mostrar um significativo aumento da percepção dos diretores em relação à violência juvenil.

O artigo está estruturado da seguinte forma: na seção 2 buscam-se evidên-cias na literatura sobre programas de abertura das escolas nos finais de semanas.

1. A violência pode ser definida como uma situação de interação, em que um ou vários atores agem de maneira direta ou indireta causando danos a uma ou mais pessoas, seja em sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses ou em suas participações simbólicas e culturais (MICHAUD, 1989). Minayo (1994) propõe a classificação da violência em três formas: violência estrutural, de resistência e da delinquência. A estrutural se refere tanto às estru-turas organizadas e institucionalizadas da família como às do sistema econômico e político que conduzem a opressão de grupos, negando-os o direito de conquistas sociais, deixando-os mais vulneráveis ao sofrimento e até à morte. Por sua vez, a contrapartida da violência estrutural é a de resistência, em que os grupos oprimidos respondem de diferentes formas a opressão estrutural profundamente enraizada na economia, política e cultura. Em relação à violência clássica socialmente conhecida como delinquência, faz-se necessário entender a violência estrutural, pois são as estruturas, econômica e social, que corrompem e levam os indivíduos a cometerem atos de delinquência.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201180

Adicionalmente explica-se o que é o PCE. Na seção 3 apresentar-se-á a metodolo-gia adotada e na seção 4 as fontes de dados e as estatísticas descritivas das variáveis utilizadas. Na seção 5 serão delineados os resultados do trabalho e, finalmente na seção 6, as considerações finais.

2 EVIDÊNCIAS (RELATOS) SOBRE PROGRAMAS DE ABERTURA DE ESCOLAS NOS FINAIS DE SEMANA E A REDUÇÃO DA VIOLÊNCIA

A concepção de programas de abertura de escolas nos finais de semana para a redução da violência foi estruturada em estudos teóricos e empíricos, inter-nacionais e nacionais, destacando: i) os debates promovidos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (Unesco) sobre temas sociais envolvendo a educação2 e cultura de paz; ii) preocupação com o direito da juventude no Brasil; e iii) o acúmulo de conhecimento sobre o jovem e am-biência escolar no Brasil.

Em sua essência o programa foca prioritariamente os jovens em situação de vulnerabilidade,3 e propõe uma redefinição da relação deles com a escola e a comunidade em que vivem. A preocupação centrada nos jovens é justificada por serem, na maioria das vezes, as vítimas de atos violentos, sobretudo nos finais de semana. Nos últimos 20 anos a violência e a vitimização juvenil nos finais de semana aumentaram em média 80% (NOLETO, 2004).

No primeiro momento o programa foi implementado, fruto de parcerias estaduais com a Unesco, em três estados brasileiros: Rio de Janeiro e Pernambuco, em 2000, e na Bahia, em 2001, sob diferentes denominações.4

As avaliações feitas sobre os programas são, no geral, de natureza qualitati-va e apontaram resultados positivos nos três estados. As estimações do impacto do projeto nas escolas pernambucanas5 que participam do programa atestam a sua validade. Na ótica dos diretores das escolas participantes, houve melhora nas unidades de ensino com relação aos interesses da comunidade pela escola, na relação entre alunos e professores e na relação entre os próprios alunos. Ademais, diminuição do vandalismo e da depredação, e nas ofensas pessoais e em outros

2. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Art. 26, estabelece que toda pessoa tem direito à educação, que tem como objetivo o pleno desenvolvimento da personalidade. Tal direito colabora para o respeito ao conjunto de diversos direitos humanos e das liberdades fundamentais. A educação voltada para cultura da paz inclui a promoção da compreensão, da tolerância, da solidariedade e do respeito às identidades nacionais, raciais, religiosas, por gênero e geração, entre outras, enfatizando a importância da diversidade cultural. 3. Vulnerabilidade entendida como as dificuldades econômicas, educacionais e o difícil acesso aos programas culturais e de lazer, bem como sua suscetibilidade a situações violentas. 4. Escola da Paz, Escola Aberta Cultura de Paz e Lazer nas Escolas nos Finais de Semana, e Educação e Cultura para Paz, respectivamente.5. Em 2004, o projeto contava com a participação de 450 escolas no estado de Pernambuco, beneficiando aproxima-damente 360 mil pessoas por mês.

81Abrir as Escolas à Comunidade nos Finais de Semana Reduz que Tipo de Violência...

tipos de violência. Da mesma forma, análises feitas após dois anos e cinco meses do programa nas escolas da Bahia6 apresentaram balanço positivo, como a aber-tura ininterrupta das escolas sem registro de pichações, depredações, roubos ou conflitos entre as pessoas nos finais de semana. Adicionalmente, os diretores e professores fornecem depoimentos e relatórios de aumento de frequência e mo-tivação dos alunos nas salas de aula, demonstrando outro resultado positivo do programa (NOLETO, 2004). Portanto, na percepção dos diretores das escolas participantes de dois dos três estados pioneiros na adoção do programa, a aber-tura das escolas públicas nos finais de semana contribuiu, de forma geral, para a melhoria da relação da comunidade com a escola e também na melhoria das relações interpessoais.

No estado do Rio Grande do Sul, o programa foi lançado em 2003 e batizado com o nome de Escola Aberta para a Cidadania. A avaliação feita indica melhora nos níveis de violência. Os professores e diretores relatam a melhoria do comportamento dos alunos participantes, demonstrando maior zelo pelos equipamentos escolares e maior respeito entre os colegas e com os professores.

Na cidade de Curitiba, as experiências de outras capitais, e em particular da Unesco, foram tomadas como ponto de partida para a construção do pro-grama chamado de “Comunidade Escola” sob a responsabilidade da Secretaria Municipal7 de Educação (SME). O objetivo geral do programa é o de valori-zar as escolas municipais como espaços abertos de conhecimento, contribuir para a melhoria da qualidade da educação e promover o desenvolvimento da comunidade local com atividades socioeducativas nos finais de semana. A po-lítica pública desenvolvida pela prefeitura municipal guarda uma diferença importante com relação às políticas implementadas pelos estados. Enquanto nestes as escolas abertas são, em geral, de nível médio, a prefeitura tem sob sua responsabilidade apenas escolas do nível fundamental, sendo que, em sua maioria, são escolas da primeira fase deste nível, cujo alunado tem faixa etária entre os 7 e 10 anos. Todavia, o programa não fica restrito à população da escola, atendendo às mais diversas faixas de idade, o que pode trazer novos problemas de violência à percepção pelos diretores.

Na seção seguinte será apresentada a estratégia empírica.

6. O estado contava com 57 escolas abertas e atendia aproximadamente 50 mil pessoas. 7. Há uma diferença na administração do programa de Curitiba em relação aos demais que foram citados no tra-balho. Nestes a administração é feita pelos governos estaduais, ou seja, envolvem escolas estaduais que, em geral, são responsáveis pelo ensino médio; naquele é feita pelo governo municipal e envolve escolas municipais de ensino fundamental.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201182

3 MÍNIMOS QUADRADOS PONDERADOS PELO PROPENSITY SCORE

Caliendo e Kopening (2005) destacam que quando se trata de estudos microeco-nométricos de avaliação de políticas públicas, é preciso superar o problema relacio-nado ao viés de seleção. Isso decorre da impossibilidade de se observar, ao mesmo tempo, sobre a unidade de ensino, dois resultados de uma determinada política. Para isso elabora-se nesses estudos um grupo denominado de contrafactual, isto é, constrói-se um grupo de controle cuja principal diferença está relacionada a não participação do tratamento controlado por todas as características observáveis.

O método constitui em encontrar um grupo que não seja participante do trata-mento, isto é, escolas que não participam do PCE, porém com características similares às unidades de ensino participantes. Nesse sentido, ao comparar os dois grupos escola-res com base em características observáveis, as diferenças nos níveis de violência entre eles poderão ser atribuídas somente ao tratamento. É preciso ressaltar que a entrada de uma escola no PCE está condicionada a alguns critérios. Primeiramente, é preciso que a comunidade escolar (pais, professores ou o diretor) tenha o interesse em fazer parte dele. Posteriormente, é necessário que a localidade onde se encontra a escola tenha altos índices de déficits sociais e econômicos. Além disso, é preciso ter uma infraestrutura mínima para o recebimento do programa e, para isso, o indicador utilizado é a existên-cia de quadra coberta. Por fim, existe restrição à inclusão de novas escolas ao programa, uma vez que não pode haver outras escolas participantes em um raio de até 1 km.

Assim, para a estratégia de identificação, serão utilizadas como grupo de trata-mento as 55 escolas participantes da Comunidade Escola. O contrafactual será dividi-do em dois diferentes grupos. O primeiro será denominado FPCE, é composto por 28 escolas e consiste nas que estavam na “fila”8 para entrar no programa. O segundo grupo, denominado NPCE, é formado por 85 escolas e será composto pelas restantes, isto é, que não mostraram interesse em ingressar-se no programa. É importante des-tacar que o contrafactual FPCE é melhor em comparação ao NPCE, pois são escolas que em algum momento farão parte do programa e, por algum motivo, isso ainda não ocorreu. Logo, exclui o viés na seleção das escolas que não têm interesse.

Os efeitos do PCE sobre a percepção de violência dos diretores das escolas par-ticipantes segundo características observáveis9 serão estimados por intermédio de mí-nimos quadrados ponderados pelo propensity score.10 Estes métodos são denominados

8. As escolas começaram a fazer parte do programa após 2007.9. Pressupõe que as variáveis que afetam a escola e os potenciais resultados são simultaneamente observados pelo pesquisador e as não observáveis afetam igualmente os grupos de tratamento e controle. Para a estratégia de avalia-ção, quando a seleção está baseada em características não observáveis, ver Blundell e Costa Dias (2002) ou Caliendo e Hujer (2006).10. Para usar o propensity score é preciso assumir uma forma funcional que retrate como as características observáveis afetam a probabilidade de tratamento, assim como os resultados do PCE. Uma das principais críticas relativas ao PS diz respeito à inflação na variância do estimador de matching decorrente do não conhecimento do verdadeiro propensity score. A consequência é que os erros-padrão dos estimadores possam não ser confiáveis.

83Abrir as Escolas à Comunidade nos Finais de Semana Reduz que Tipo de Violência...

como duplamente robustos e foram propostos por Robins e Rotnitzky (1995) no contexto de dados faltantes. A combinação da ponderação com a regressão, de acor-do com Imbens e Wooldridge (2008), contornaria o problema de má especificação quando a equação de PS ou de regressão estiverem mal especificadas Todavia, a má especificação não pode ocorrer para ambos ao mesmo tempo. Dessa forma, o méto-do duplamente robusto removeria o efeito direto das variáveis omitidas (regressão) e reduzira a correlação entre as variáveis omitidas e incluídas (reponderação). É impor-tante destacar que a ponderação não afeta a consistência desses estimadores.

O procedimento de cálculo se divide em duas etapas, sendo que a primeira diz respeito à estimação do propensity score, p(X), que, segundo Becker e Ichino (2002), podem ser realizadas por meio de qualquer modelo de probabilidade padrão (logit/probit). Assim,

)|1()(^

ii XDprXp == , , (1)

em que o PS estimado, )(^

Xp , é a probabilidade de ser tratado (D) de acordo com as características observáveis (X). Na etapa seguinte, estima-se por MQP pelo propensity score, a percepção da violência escolar, com base na opinião do diretor, , em relação à dummy de participação no programa, Di, e o vetor de características observáveis, Xi, ponderado pelo inverso da probabilidade de trata-mento. Assim, encontramos o impacto do PCE sobre a percepção da violência no que tange às escolas participantes.

O estimador do efeito do tratamento ponderado pelo propensity score

sem empregar a normalização, segundo Hirano e Imbens (2001) é:

, (2)

sendo a proporção de tratados na amostra e N o número de escolas par-ticipantes do programa. O PS estimado será dividido em quatro estratos com o objetivo de fazer o teste de balanceamento. O procedimento visa verificar se há diferenças significantes entre os grupos de tratamento (PCE) e contrafactuais (FPCE e NPCE) no que tange às características observáveis que afetam a participação no programa e os resultados potenciais. Caso as covariadas não se mostrem balanceadas nos estratos, serão feitas interações e/ou será modificada a forma funcional a fim de que todas as variáveis mostrem-se balanceadas.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201184

As variáveis observáveis empregadas serão o nível socioeconômico médio da escola, as características relativas à infraestrutura física escolar, como o número de computadores para os alunos, a existência de internet, biblioteca e a presença de quadra ou ginásio coberto.

4 AS FONTES DOS DADOS

As informações referentes às características das escolas municipais participantes e não participantes do Programa Comunidade Escola serão extraídas do Censo Es-colar e da Prova Brasil de 2007. O Censo Escolar é o mais importante instrumen-to de coleta de informações da educação básica e consiste em um levantamento de dados realizado em âmbito nacional e, em todos os anos, por intermédio da colaboração das secretarias municipais e estaduais de educação.

A Prova Brasil se restringe às escolas urbanas e é aplicada nas escolas do siste-ma público de ensino. As séries de referência submetidas ao exame correspondem às séries iniciais e finais do ensino fundamental. Os resultados desta avaliação vêm acompanhados de informações a respeito das características familiares dos estudantes, professores, diretores e escolas. Todas as escolas com mais de 20 estu-dantes são submetidas ao exame.

Apesar do início do PCE ter ocorrido em meados de 2005, as informa-ções a respeito da violência na ótica dos diretores por parte da comunidade escolar e de seu entorno começou a ser coletada a partir da Prova Brasil de 2007. Para analisar a percepção da violência dos diretores serão empregadas as questões relativas a roubo e furtos de equipamentos e materiais pedagógi-cos, as depredações das dependências internas e externas da escola, tráfico e consumo de drogas e violências interpessoais, como agressão física e verbal. As ações podem ter sido cometidas por pessoas da própria escola ou estranha a ela, sendo que essas ocorrências podem ter acontecido em suas dependên-cias ou no entorno. Cabe destacar que de acordo com Grogger (1997), as in-formações da violência por parte do diretor apresentam algumas limitações. Os indicadores podem representar uma subestimação da violência ocorrida na escola, pois evidenciaria certa inabilidade do diretor ao lidar com o pro-blema da violência. Por outro lado, os indicadores podem ser superestima-dos como forma de justificar o maior recebimento de recursos materiais e financeiros. Assim, poderá haver erros de medida nas variáveis dependentes de forma a influenciar as estimativas.

As características observáveis que dizem respeito à infraestrutura escolar – como a presença de biblioteca, internet, quadra de esportes ou ginásio, labora-tório de ciências e o número de computadores para uso dos discentes – serão

85Abrir as Escolas à Comunidade nos Finais de Semana Reduz que Tipo de Violência...

extraídas do Censo Escolar. As variáveis relativas ao nível socioeconômico11 da comunidade escolar serão construídas por intermédio das informações oriundas dos estudantes submetidos à Prova Brasil. Para a sua elaboração utilizou-se análise fatorial12 com a extração de duas componentes principais. Além de constituir-se como proxy do nível socioeconômico médio da escola, também é uma forma de captar o peer effects.

4.1 Estatísticas descritivas

Esta subseção apresenta as estatísticas descritivas dos grupos de tratamento (PCE) e contrafactuais (NPCE e FPCE). As estatísticas são apresentadas antes da pon-deração pelo propensity score.

TABELA 1 Estatísticas descritivas das características observáveis

VariáveisPCE FPCE NPCE

N m s N m s t1 N m s t1

Biblioteca 55 0,84 0,37 28 0,79 0,42 -0,53 85 0,49 0,5 4,75

Quadra de esportes 55 0,09 0,29 28 0,07 0,26 -0,32 85 0,00 0,00 2,30

Laboratório de ciências 55 0,11 0,31 28 0,07 0,26 -0,62 85 0,02 0,15 2,01

Computadores para alunos 53 20,2 5,16 25 20,76 5,23 0,44 80 18,4 5,33 1,94

Internet 55 0,93 0,26 27 0,93 0,27 0,00 83 0,98 0,15 -1,29

Capital material médio 42 0,08 0,27 22 -0,06 0,26 -2,02 78 0,05 0,22 0,62

Capital humano médio 42 0,08 0,33 22 -0,01 0,28 -1,15 78 0,07 0,28 0,17

Fonte: Censo da Educação e Prova Brasil/Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) 2007.Elaboração dos autores.Nota: 1 O teste t refere-se à hipótese nula de igualdade entre as médias em relação às escolas do PCE.

De acordo com as médias apresentadas na tabela 1, percebe-se que as escolas que participam do PCE têm diferença significante apenas no capital material médio, se comparada com as escolas FPCE, uma vez que as famílias das escolas FPCE têm menos recursos materiais que as das escolas do PCE. Nesse mesmo sentido, as escolas do PCE possuem estrutura física média maiores, estatistica-mente significante, que escolas NPCE. Acesso à internet e capital humano médio não apresentam diferença significante entre os três tipos de escolas.

11. Bourdieu (1977) destaca que existem três capitais que estão sob influência da família. O capital humano cor-responde aos títulos escolares. O capital material diz respeito aos recursos financeiros para a compra de livros, equi-pamentos e para o pagamento das mensalidades escolares. Por último, o capital social corresponde ao conjunto de relações mantidas pelas famílias dos estudantes.12. As questões relativas à presença de carro, DVD, rádio, o número de pessoas que dividem residência com o estu-dante, o número de quartos e de banheiro, além da escolaridade do pai e da mãe foram utilizadas para a construção dos capitais material e humano familiares médios da escola por meio da técnica de análise fatorial com a extração das componentes principais.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201186

A tabela 2 apresenta as estatísticas descritivas das variáveis dependentes – representam à violência – que sofreram um impacto estatisticamente significante do programa. A pergunta é basicamente a seguinte: Nesse ano aconteceram os seguintes fatos na escola? São 61 perguntas que abrangem diversos tipos de vio-lência. Devido ao grande número de perguntas, os tipos de violência serão reuni-dos em três grupos: i) violência contra pessoa (atentado à vida, agressões físicas e verbais); ii) violência contra patrimônio pessoal (furtos e roubos); e iii) violência contra o patrimônio escolar (quebra intencional de equipamentos, roubo de equi-pamentos, pichações etc.).

As respostas são dadas de acordo com a percepção dos diretores e são bi-nárias, estando limitadas a sim, igual a 1, ou não, igual a 0. Em outras palavras, capta a ocorrência do evento no ano ou não. Vale ainda lembrar que os agentes que cometem violência podem ser internos – estudantes, professores ou funcio-nários – e/ou agentes externos – pessoas de fora da escola. Conforme exemplo no quadro 1.

QUADRO 1Violência na escola, de acordo com a percepção dos diretores, causada por agente externo ou interno

Agente caudador externo(estranho à escola)

Agente causador interno(da própria escola)

Sim | Não Sim | Não

Atentados à vida de professores ou funcionário dentro da escola (A) 99 (B) (C) 100 (D)

Atentado à vida de alunos dentro da escola (A) 101 (B) (C) 102 (D)

Furto a professores ou funcionários dentro da escola (A) 103 (B) (C) 104 (D)

Fonte: Dicionário de variáveis da Prova Brasil/INEP/Ministério da Educação (MEC) 2007.

Os resultados esperados são de que o PCE consiga reduzir a violência, re-presentada nos três grupos anteriores, praticada pelos agentes internos na medida em que os estudantes passam a considerar a escola como alternativa de lazer nos finais de semana. Por exemplo, espera-se que os alunos não furtem ou danifiquem os equipamentos escolares, pois estes serão utilizados por eles.

Por outro lado é possível que a violência, oriunda de agentes de fora da escola e percebida pelos diretores, aumente. Com a abertura das escolas nos fi-nais de semana o contato dos diretores com a comunidade externa é ampliado. Os diretores passam a conviver com um público de faixa etária maior do que a das crianças matriculadas na escola, 7 a 10 anos de idade, o que pode trazer novos tipos de violência para dentro da escola, como pichação de muros, porte de armas e tráfico de drogas. Ademais, a escola tornar-se-ia ponto de encontro dos mais diversos grupos e, em última instância, local de resolução de conflitos.

87Abrir as Escolas à Comunidade nos Finais de Semana Reduz que Tipo de Violência...

TABELA 2 Estatísticas descritivas das variáveis dependentes

PCE FPCE NPCE

  N m s N m s t1 N m s t1

Pichação nas dependências externas da escola – agente externo

46 0,65 0,48 23 0,65 0,49 0,00 68 0,45 0,5 2,15

Pichação nas dependências internas da escola – agente interno

21 0,14 0,36 11 0,18 0,4 0,28 37 0,03 0,16 1,33

Tráfico nas proximidades da escola – agente interno

23 0,09 0,29 9 0,11 0,33 0,16 36 0,03 0,17 0,90

Tráfico nas dependências da escola – agente externo

44 0,02 0,15 21 0,14 0,36 1,47 67 0,01 0,12 0,37

Consumo de drogas nas dependências da escola – agente interno

23 0,09 0,29 12 0,17 0,39 0,63 40 0,02 0,16 1,07

Consumo de drogas próximo a escola – agente interno

22 0,18 0,39 11 0,27 0,47 0,55 35 0,06 0,23 1,31

Ações de gangues nas dependências externas da escola

47 0,34 0,48 24 0,17 0,38 -1,63 79 0,15 0,36 2,35

Membros da comunidade portando arma branca

46 0,19 0,4 24 0,08 0,28 -1,34 79 0,09 0,28 1,50

Atentado à vida do aluno dentro da escola – agente interno

20 0,05 0,22 12 0,00 0,00 -1,02 38 0,00 0,00 1,02

Furto de equipamento e material didático – agente interno

21 0,14 0,36 12 0,25 0,45 0,72 42 0,17 0,38 -0,31

Furto a professores e funcionários dentro da escola – agente interno

24 0,29 0,46 14 0,36 0,5 0,43 49 0,35 0,48 -0,52

Agressão verbal aos professores – agressor aluno

47 0,68 0,47 24 0,54 0,51 -1,12 79 0,4 0,49 3,18

Agressão verbal aos professores – agressor professor

44 0,13 0,35 22 0,09 0,29 -0,49 76 0,05 0,22 1,37

Agressão verbal aos professores – agressor funcionário

44 0,14 0,35 21 0,05 0,22 -1,26 76 0,04 0,2 1,74

Fonte: Prova Brasil/INEP 2007. Elaboração dos autores.Nota: 1 O teste t refere-se à hipótese nula de igualdade entre as médias em relação às escolas do PCE.

As estatísticas são apresentadas antes da ponderação pelo propensity score e pode-se observar que não existem diferenças significantes nas variáveis de vio-lência na comparação entre as respostas dos diretores das escolas do PCE com o contrafactual FPCE. Isto é, seriam escolas com realidades semelhantes no que tan-ge à violência. Em relação ao segundo contrafactual, NPCE, observam-se diferen-ças significantes nas dimensões da violência no que concerne às pichações e ações de gangues nas dependências externas da escola e agressões verbais a professores cujo agressor foi o aluno. Em relação às demais dimensões não houve diferenças estatisticamente significantes.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201188

Na seção 5, analisaremos por intermédio de MQP pelo propensity score se o PCE logrou efeitos positivos na redução dos episódios de violência na ótica dos diretores.

5 RESULTADOS

O passo inicial foi a estimação de um modelo probit a fim de mensurar a proba-bilidade de a escola fazer parte do PCE. Os critérios para a entrada no Programa Comunidade Escola dizem respeito à presença de quadra de esportes ou ginásio, e ao nível socioeconômico médio do entorno da escola; a iniciativa de entrar no PCE deve partir da escola. Além desses critérios, inserimos outras características observáveis, como a presença de biblioteca, internet e o número de computadores para os alunos. Na tabela 3 a seguir, são mostradas as probabilidades marginais calculadas sobre a escola com características médias.

TABELA 3Efeitos marginais (DY/DX) calculados sobre a média (X) por meio de estimativas probit

Variáveis

Escolas “fila” (FPCE)

Escolas restantes (NPCE)

dy/dx X dy/dx X

Biblioteca -0,027 0,7857 0,2594*** 0,5663

Quadra de esportes -0,0087 0,0714 0,3429 0,0176

Laboratório de ciências 0,1889 0,0714 0,2862 0,0353

Computadores para alunos

-0,0099 5,2383 0,0003 18,9333

Internet -0,0473 0,9259 -0,0534 0,9636

Capital material médio 0,4112 -0,0602 0,4367* 0,2354

Capital humano médio -0,1080 -0,0097 -0,1375 0,0559

Fonte: Dados estimados a partir do Censo Escolar e da Prova Brasil 2007 por meio do software stata 9.Elaboração dos autores.Notas: * 10% estatisticamente significativo.

** 5% estatisticamente significativo.*** 1% estatisticamente significativo.

A insignificância estatística das variáveis revela que as escolas, em geral, são bastante semelhantes. Quando comparado ao NPCE, os resultados mostram que a existência de biblioteca aumenta em 26% a probabilidade de ter o programa e uma unidade a mais no índice de capital material médio das famílias aumenta em 44% as chances de a escola participar do PCE. Todavia, a presença de diver-sas variáveis não significativas não sinaliza que devemos excluí-las do modelo, pois, na opinião de Caliendo e Kopening (2005), a manutenção dessas variáveis não tornará as estimativas viesadas ou inconsistentes. Ademais, Rubin e Thomas (1996) destacam que a exclusão deva ocorrer apenas se as variáveis constantes no modelo não tiveram relação com o resultado.

89Abrir as Escolas à Comunidade nos Finais de Semana Reduz que Tipo de Violência...

Na subseção seguinte, mostramos o impacto do PCE sobre a percepção dos diretores no que concerne à violência na escola e no entorno.

5.1 Impactos sobre a percepção de violência

Nesse primeiro exercício, a estimação do efeito do PCE sobre a percepção de vio-lência dos diretores Average Treatment Effect on The Treated (ATT) será calcu-lada sobre o contrafactual FPCE. Um segundo exercício utilizará o contrafactual NPCE, formado pelas escolas restantes. A metodologia utilizada será a de mí-nimos quadrados ponderados pelo propensity score e os resultados são mostrados nas tabelas 4 e 5 a seguir.

TABELA 4Efeitos do PCE sobre a percepção da violência tendo o FPCE como contrafactual – MQP pelo propensity score

Variáveis ATT

Furto a professores ou funcionários dentro da escola – pessoas da própria escola-0,25*(0,14)

Pichação de muros ou paredes nas dependências da escola – pessoas de fora da escola0,32***

(0,13)

Tráfico de drogas nas dependências da escola – pessoas de fora da escola-0,15*(0,08)

Membros da comunidade portando arma branca – faca, canivete etc.0,16*(0,10)

Ação de gangues nas dependências externas da escola0,21**(0,11)

Fonte: Dados estimados a partir do Censo Escolar e da Prova Brasil 2007 por meio do software stata 9.Elaboração dos autores. Notas: * 10% de significância.

** 5% de significância.*** 1% de significância.

Obs.: Erro-padrão entre parênteses.

Observa-se que o efeito de abrir as escolas públicas nos finais de semana mostrou-se significativo na percepção do diretor na redução dos episódios de furto a professores e funcionários da escola cometidos por indivíduos da escola, além da redução das ocorrências de tráfico de drogas nas dependências da escola. Nesse caso, o crime seria cometido por pessoas estranhas à escola.

Nas demais dimensões, houve um aumento na percepção da violência no que tange à pichação de muros das dependências externas da escola, ação de gan-gues, assim como membros da comunidade portando arma branca nas escolas, quando comparados aos grupos compostos pelas escolas do PCE e FPCE. Como esperado, após a abertura das escolas para a comunidade nos finais de semana, tornar-se-ia mais recorrente a violência oriunda de indivíduos estranhos à escola contra o patrimônio escolar representado pelas pichações, assim como a ação de

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201190

gangues e pessoas portando armas brancas. São indícios de que a escola se tornou ponto de encontro e, em muitos casos, transformou-se em local para a resolução de conflitos por parte da comunidade local.

TABELA 5Efeitos do PCE sobre a percepção da violência tendo o NPCE como contrafactual – MQP pelo propensity score

Variáveis ATT

Atentado à vida de alunos dentro da escola – pessoa da própria escola-0,219***

(0,08)

Furtos de equipamentos e materiais didáticos ou pedagógicos da escola – pessoa da própria escola-0,154**

(0,08)

Pichação de muros ou paredes das dependências externas da escola – pessoa de fora da escola0,341**

(0,11)

Pichação de muros ou paredes das dependências internas da escola – pessoa da própria escola0,239**

(0,11)

Consumo de drogas nas proximidades da escola – pessoa da própria escola0,169**

(0,08)

Tráfico de drogas na proximidade da escola – pessoa da própria escola0,141*(0,08)

Ação de gangues nas dependências externas da escola0,222***

(0,09)

Agressão verbal a professores – o agressor foi um aluno0,208**

(0,11)

Agressão verbal a professores – o agressor foi um professor0,125*(0,07)

Agressão verbal a funcionários – o agressor foi um funcionário0,132*(0,08)

Elaboração dos autores.Notas: * 10% de significância.

** 5% de significância.*** 1% de significância.

Obs.: Erro-padrão entre parênteses.

As escolas que compõem o PCE registraram uma redução nos atentados contra a vida de alunos dentro da escola, além de diminuição no furto de equi-pamentos e materiais didáticos quando comparado ao contrafactual NPCE. Cabe destacar que ambas as ações eram, anteriormente, cometidas por pessoas da esco-la. Logo, é um indicativo de que o programa conseguiu reduzir a violência contra a pessoa e o patrimônio escolar cometidos por pessoas da escola. Todavia, não se esperava uma elevação nos casos de vandalismo, tráfico e consumo de drogas cometidos por pessoas da escola. Por outro lado, era esperado o aumento das ações de gangues e pichações de muros cometidas por pessoas estranhas à escola. Em todos esses casos, a percepção dos diretores sobre tráfico e ação de gangues mostra maior interação entre os ambientes externos e internos da escola. As es-colas municipais de ensino fundamental, apesar de desempenharem papel im-

91Abrir as Escolas à Comunidade nos Finais de Semana Reduz que Tipo de Violência...

portante em algumas dimensões da violência, não se deparam diretamente com a violência dos jovens. Interessante notar que houve uma elevação nos casos de agressão verbal ocorrida no staff, isto é, aumentou o clima de conflito entre pro-fessores e funcionários, embora o programa pareça melhorar o clima entre os alu-nos, professores e funcionários ainda não afetados positivamente pelo programa, sendo uma evidência de falha em sua concepção.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo do artigo foi avaliar o efeito do Programa Comunidade Escola da cidade de Curitiba sobre a redução da violência. Para isso, utilizamos a percep-ção da violência dos diretores das escolas públicas que participam do PCE em contraste com as escolas que ainda não ingressaram no programa, mas possuíam data marcada para ingressar a partir de 2007 (FPCE), e as que não ingressariam, ou pelo menos não tinham interesse no ingresso ao programa (NPCE). O em-prego de dois diferentes contrafactuais visou excluir o viés de seleção decorrente das escolas que não têm interesse no ingresso ao programa e, portanto, o FPCE é melhor que o NPCE.

Os critérios para a entrada no PCE consideram o desejo por parte da co-munidade escolar, a presença de infraestrutura escolar – quadra coberta – e se a escola encontra-se em área de vulnerabilidade social. Embora possam existir ca-racterísticas não observáveis que influenciam o desejo das escolas de participarem do programa e que podem não ter sido controlados, podendo afetar os resultados, a entrada neste também está condicionada a uma variável observável que é a não existência de escolas participantes em um raio de 1 km.

O uso do método de mínimos quadrados ponderados pelo propensity score visou reduzir o problema decorrente de variáveis omitidas e da correlação entre variáveis omitidas e incluídas. Assim, verificamos que o Programa Comunidade Escola contribuiu para redução de algumas violências específicas no que tange à esfera pessoal e escolar cometidas, em geral, por pessoas pertencentes à escola.

Por outro lado, a adoção do programa parece ter deixado a escola vulne-rável à violência cometida por pessoas estranhas à escola, como a ocorrência de pichações de muros e aumento de ações de gangues. Intuitivamente, acredita-se que o aumento de ações de gangues foi estimulado devido ao programa ter se tornado um ambiente de ponto de encontro dos adolescentes e jovens, atraindo a atenção das gangues.

Esses resultados podem dar indícios à Prefeitura Municipal de Curitiba no sentido de redesenhar, ou melhorar o PCE. A presença deste novo público traz oportunidades de atuação em áreas de esporte e cultura para melhor incorporar os jovens ao programa. Por exemplo, firmando parceiras com os atores sociais

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201192

locais, comércios, associação de moradores, para conter ou desestimular as ações das gangues, ou, melhor ainda, estimular as ações das gangues no sentido de fazer que seus integrantes participem do programa realizando atividades esportivas e educativas. Isso poderia ajudar a transformar a realidade desses jovens, que são muitas vezes marginalizados.

REFERÊNCIAS

BECKER, S. O.; ICHINO, A. Estimation of average treatment effects based on propensity score. Stata Journal, v. 2, n. 4, p. 358-377, 2002.

BLUNDELL, R.; COSTA DIAS, M. Alternative approaches to evaluation in empirical microeconomics. Portuguese Economic Journal, v. 1, p. 91-115, 2002.

BOURDIEU, P. Cultural Reproduction and Social Reproduction. In: KARABEL, J.; HALSEY, A. H. (Ed.). Power and ideology in education. New York: Oxford University Press, 1977.

CALIENDO, M.; HUJER, R. The microeconometric estimation of treatment effects. An overview. AStA Advances in Statistical Analysis, v. 90, n. 1, p. 199-215, Springer, Mar. 2006.

CALIENDO, M.; KOPENING, S. Some practical guidance for the implementation of propensity score matching. Bonn, Germany: IZA, 2005 (IZA Discussion Papers, n. 1588).

CURITIBA. Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal de Educação (SME). Programa Comunidade Escola. Disponível em: <http://www.cidadedoconhe-cimento.org.br/cidadedoconhecimento/index.php?portal=527&opTpl=fotos&portal=527&foto=125961&pagina=2>. Acesso em: 13 jan. 2010.

GROGGER, J. Local violence and educational attainment. Journal of Human Resources, v. 4, n. 32, p. 659-682, Autumn 1997.

HIRANO, K.; IMBENS, G. Estimation of causal effects using propensity score weighting: an application to data on right hear catheterization. Health Services and Outcomes Research Methodology, n. 2, p. 259-278, 2001.

IMBENS, G. M.; WOOLDRIDGE, J. M. Recent Development in the Econometrics Program Evaluation. Cambridge, MA, Aug. 2008 (NBER Tech-nical Working Paper, n. 14251). Disponível em: <http://www.nber.org/papers/w14251>.

ITANI, A. A violência no imaginário dos agentes educativos. Caderno Cedes, ano XIX, n. 47, dez. 1998.

93Abrir as Escolas à Comunidade nos Finais de Semana Reduz que Tipo de Violência...

MICHAUD, Y. A violência. São Paulo: Ática, 1989.

MINAYO, M. C. S. Social violence from a public health perspective. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 10, p. 7-18, 1994. Supplement 1.

NOLETO, M. J. Abrindo espaços: educação e cultura de paz. 3. ed. revisada. Brasília: Unesco, jun. 2004.

ROBINS, J. M.; ROTNITZKY, A. Semiparametric efficiency in multivariate regression models with missing data. Journal of the American Statistical Association, v. 90, n. 429, p. 122-129, 1995.

RUBIN, D. B.; THOMAS, N. Matching using estimated propensity scores: relating theory to practice. Biometrics, v. 52, p. 249-264, 1996.

WAISELFISZ, J. J. Mapa da violência IV: os jovens do Brasil. Brasília: Unesco, Instituto Airton Senna, SEDH, 2004.

______. Mapa da violência dos municípios brasileiros versão para web. Dis-ponível em: <http://www.ritla.net>. Acesso em: 12 mar. 2010.

Originais submetidos em junho de 2010. Última versão recebida em junho de 2011. Aprovado em julho de 2011.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201194

ANEXO

TABELA 1ACaracterísticas observáveis usadas na estimação dos efeitos do PCE sobre a percepção da violência tendo o FPCE como contrafactual MQP por PS – duplamente robusto

Variáveis BibliotecaQuadra de esportes

Laboratório de ciências

Computadores para alunos

InternetCapital material médio

Capital humano médio

Constante

Furto a profes-sores ou funcio-nários dentro da escola – pessoas da própria escola

-0,183 0,104 0,843 *** 0,001 -0,083 -0,193 -0,056 0,508

Pichação de muros ou paredes nas dependências da escola – pessoas fora da escola

-0,058 -0,187 -0,370 0,017 0,560 -0,411 -0,281 -0,267

Tráfico de drogas nas dependências da escola – pesso-as fora da escola

-0,047 -0,272 0,125 0,022** 0,181 0,042 0,026 -0,396

Membros da comu-nidade portando arma branca (faca, canivete etc.)

-0,212 -0,186 0,060 0,009 0,126 -0,373 0,456** -0,106

Ação de gangues nas dependências externas da escola

0,29** 0,18 0,24 -0,03 *** -0,52** -0,35 0,41 1,06 ***

Fonte: Dados estimados a partir do Censo Escolar e da Prova Brasil 2007 por meio do Software Stata 9.Elaboração dos autores.Notas: * 10% de significância.

** 5% de significância.*** 1% de significância.

95Abrir as Escolas à Comunidade nos Finais de Semana Reduz que Tipo de Violência...

TABELA 2ACaracterísticas observáveis usadas na estimação dos efeitos do PCE sobre a percepção da violência tendo o NPCE como contrafactual – MQP por PS, duplamente robusto

Variáveis BibliotecaQuadra de esportes

Laboratório de ciências

Computa-dores para alunos

InternetCapital material médio

Capital humano médio

Constante

Atentado à vida de alunos dentro da escola – pessoas da própria escola

-0,187 0,056 0,871*** -0,004 0,073 -0,084 -0,163 0,463**

Furtos de equipamen-tos e materiais didá-ticos ou pedagógicos da escola – pessoas da própria escola

-0,062 0,088 0,213 0,01 0,183** -0,181 0,062 -0,122

Pichação de muros ou paredes das depen-dências externas da escola – pessoas fora da escola

-0,007 -0,227 0,04 -0,004 0,275 -0,550* -0,061 0,304

Pichação de muros ou paredes das dependências internas da escola – pessoas da própria escola

-0,116 0,318 0,85 0,007 0,372 -0,088 -0,002 -0,437

Consumo de drogas nas proximidades da escola – pessoas da própria escola

-0,177** 0,29 0,589*** 0,024** -0,014 0,062 -0,139 -0,329

Tráfico de drogas na proximidade da escola – da própria escola

-0,097 0,334 0,191 0,015* 0,028 0,117 -0,092 -0,254

Ação de gangues nas dependências externas da escola

0,099 -0,023 0,192 -0,017** -0,56*** -0,285 0,335** 0,915***

Agressão verbal a pro-fessores – o agressor foi um aluno

-0,003 -0,098 0,604*** -0,011 0,184 -0,041 0,015 0,474**

Agressão verbal a pro-fessores – o agressor foi um professor

0,03 -0,214 0,157 0,002 0,182* 0,02 0,162 -0,208

Agressão verbal a fun-cionários – o agressor foi um funcionário

-0,023 0,226 0,076 -0,012 0,106 -0,116 0,151 0,168

Fonte: Dados estimados a partir do Censo Escolar e da Prova Brasil 2007 por meio do Software Stata 9.Elaboração dos autores.Notas: * 10% de significância.

** 5% de significância.*** 1% de significância.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201196

TABELA 3AEstatísticas descritivas – teste de balanceamento do p-score

VariáveisMédia PCE antes

do balanceamentoMédia FPCE antes do balanceamento

t antes do balanceamentot após o balancea-

mento

Capital material médio 0,23 0,13 0,92 0,78

Capital humano médio 0,26 -0,02 2,51 1,90

Internet 0,86 0,84 0,40 0,14

Laboratório de ciências 0,17 0,46 -1,55 -1,32

Quadra de esportes 0,08 0,32 -1,40 -1,32

Biblioteca 1,00 0,94 1,00 0,79

Computadores para alunos 20,11 24,79 -1,61 -1,41

Fontes: Microdados do Censo Escolar e Prova Brasil 2007. Elaboração dos autores.Obs.: O teste de balanceamento foi realizado por intermédio da divisão do p-score em quatro estratos. As estatísticas da tabela

1A correspondem ao quarto quartil. Os resultados para os quartis restantes seguem padrão semelhante.

TABELA 4AEstatísticas descritivas – teste de balanceamento do p-score

VariáveisMédia PCE antes do

balanceamentoMédia NPCE antes do balanceamento

t antes do balanceamento t após o balanceamento

Capital material médio 0,28 0,37 0,47 0,37

Capital humano médio 0,20 0,25 0,41 0,36

Internet 0,92 1,00 1,00 0,97

Laboratório de ciências 0,31 0,50 0,37 0,37

Quadra de esportes 0,15 0,00 -1,48 -1,33

Biblioteca 0,77 1,00 1,90 1,68

Computadores para alunos 20,69 25,00 0,81 0,79

Fontes: Microdados do Censo Escolar e Prova Brasil 2007. Elaboração dos autores.Obs.: O teste de balanceamento foi realizado por intermédio da divisão do p-score em quatro estratos. As estatísticas da tabela

1A correspondem ao quarto quartil. Os resultados para os quartis restantes seguem padrão semelhante.

DETERMINANTES SOCIOECONÔMICOS NA PROBABILIDADE DE APROVAÇÃO NO EXAME VESTIBULAR: UMA ANÁLISE ENTRE OS CAMPI DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO NG Haig Wing*

Luiz Honorato**

O objetivo deste trabalho é avaliar quais os principais fatores que influenciam no sucesso dos candidatos que almejam ingressar por meio de vestibular na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) entre os campi Recife e Agreste. Pretende-se verificar as similaridades e diferenças que caracterizam cada campus e curso escolhido. Para a concretização de tais objetivos, utilizam-se dos questionários socioeconômicos e da nota final do candidato para a realização de uma análise empírica da razão das chances de aprovação. Na análise são utilizados dados de 2009 compostos por 2.992 observações, fornecidos pela Comissão de Processos Seletivos e Treinamentos (COVEST), e o método utilizado para a análise é o logit binário. Verifica-se que os alunos que possuem maior probabilidade de êxito no vestibular fizeram cursinho pré-vestibular, residem na mesorregião onde se localiza o campus em que pretendem estudar e tentaram mais de uma vez o concurso vestibular. Além disso, os estudantes possuem pais com maior nível de educação formal e elevada renda familiar.

Palavras-chave: Vestibular; Interiorização; Ensino Superior; UFPE.

SOCIAL AND ECONOMIC DETERMINANTS IN APPROVAL PROBABILITY IN THE VESTIBULAR EXAMINATION: AN ANALYSIS BETWEEN UFPE CAMPUS

This paper has as objective to evaluate the main factors that influence the students’ success who are entering at vestibular of University Federal of Pernambuco in Recife comparatively to the new Agreste’s campus and Recife, as well the differences between each course chosen. Intends to examine the similarities and differences that characterize each campus and course chosen. To achieve these goals, we use the socioeconomic questionnaire and the final score of the candidate to carry out an empirical analysis of the odds ratio of approval. Are used in the analysis of 2009 data consists of 2992 observations, provided by COVEST and the method used for the analysis is the logit. It appears that students are more likely to have success in the vestibular entrance exam preparatory course, lie in the city which UFPE campus is located and who wishes to study and tried more than once the exam. In addition, students have parents with higher levels of formal education and high family income

Key-words: Vestibular; College Internalization; Higher Education; UFPE.

* Bacharel em Economia pelo Centro Acadêmico do Agreste (CAA) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). E-mail: [email protected]** Doutor em Economia e professor do Programa de Pós-Graduação em Economia do Centro Acadêmico do Agreste (PPGECON/CAA)/UFPE. E-mail: [email protected]

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 201198

DETERMINANTES SOCIOECONÓMICOS EN LA PROBABILIDAD DE APROBACIÓN EN EL EXAMEN DE ADMISIÓN EN LA UNIVERSIDAD: UN ANÁLISIS ENTRE LOS CAMPUS DE LA UFPE

El objetivo de este trabajo es evaluar los principales factores que influyen en el éxito de los estudiantes que aspiran a entrar a través de examen de ingreso en la Universidad Federal de Pernambuco, en Recife, entre los campus de Recife e de la Región Agreste de Pernambuco. Se propone examinar las similitudes y diferencias que caracterizan a cada escuela y el curso elegido. Para alcanzar estos objetivos, se utiliza el cuestionario socioeconómico y la puntuación final del candidato para llevar a cabo un análisis empírico de la razón de posibilidades de aprobación. Se utilizan en el análisis, los datos de 2009 que consta de 2.992 observaciones, proporcionado por COVEST y el método utilizado para el análisis es el logit binario. Parece que los estudiantes tienen más probabilidades de tener éxito en el examen se hicieran curso preparatorio para el vestibular, se encuentran en la misma región donde se queda el campus donde desean estudiar y hicieran más de una tentativa en el examen de admisión del concurso. Además, los estudiantes tienen padres con niveles más altos de educación formal y el ingreso familiar más alto.

Palabras-claves: Vestibular; Interiorización; La Educación Superior; La UFPE.

DETERMINANTS SOCIO-éCONOMIQUES DANS LA PROBABILITé DE RéUSSITE DE L’EXAMEN D’ENTRéE DANS L’UNIVERSITé: UNE COMPARAISON ENTRE LES CAMPUS DE L’UFPE

L’objectif principal est d’évaluer les principaux facteurs qui influencent le succès des candidats qui aspirent à entrer à l’Université Fédérale de Pernambouc parmi les campus de Recife et d’Agreste. L’intention d’examiner les similitudes et les différences qui caractérisent chaque campus et cours choisie. Pour atteindre ces objectifs, nous utilisons le questionnaire socio-économique et le score final du candidat à effectuer une analyse empirique de l’odds ratio d’approbation. Sont utilisés dans l’analyse des données de 2009 qui se compose de 2992 observations, fournies par COVEST et la méthode utilisée pour l’analyse est le logit. Il semble que les étudiants sont plus susceptibles d’avoir du succès on faite le cours préparatoire de vestibulaire, se trouvent dans la région ou ville qui se situe proche du campus qui souhaitent étudier et a essayé plus d’une fois l’examen d’entrée au concours. En outre, les étudiants ont des parents à des niveaux élevés d’éducation formelle et un revenu familial élevé.

Mots-clés: Vestibulaire; Internalisation; L’enseignement Supérieur; UFPE.

1 INTRODUÇÃO

Em anos recentes o Brasil passou pela maior expansão da oferta de vagas no en-sino superior público de sua história, e, no bojo dessa expansão, está a política de interiorização das universidades federais. Em 2006 foi inaugurado o primeiro campus avançado da UFPE. A interiorização do ensino da UFPE consistiu na criação do campus avançado no Agreste de Pernambuco. O novo campus tinha a proposta de levar os cursos de Administração, Economia, Design, Pedagogia e Engenharia Civil para os alunos daquela região.

Com a nova oferta se questiona quais os diferenciais entre os campi no que diz respeito ao acesso à universidade? Quais as influências das variáveis socio-econômicas relacionadas às características pessoais que ocorreriam da mesma

99Determinantes Socioeconômicos na Probabilidade de Aprovação no Exame Vestibular...

maneira para os novos campi em relação aos antigos? Existem diferenças nas características que influenciam os estudantes de acordo com os cursos escolhi-dos? O desempenho de um estudante é o reflexo do conhecimento acumulado ao longo de sua vida escolar, que pode ser potencializado por fatores externos.

Empiricamente, muitas variáveis podem ser estudadas para explicar o de-sempenho educacional de um indivíduo e as mais comumente usadas são: tipo de escola em que o indivíduo realizou o ensino fundamental e médio – se pública ou privada –, renda familiar, escolaridade dos pais, gênero, etnia, religião, influências regionais, habilidades inatas dos indivíduos, idade, cursos preparatórios e expe-riências em concursos passados. Estas características parecem importantes para o desempenho do estudante no vestibular da UFPE.

O objetivo principal deste trabalho é avaliar quais os principais fatores que in-fluenciam no sucesso dos alunos que estão ingressando no vestibular da Universidade Federal de Pernambuco nos campus Recife e Agreste, bem como as diferenças que caracterizam todos os campi e curso escolhido, por meio da análise das variáveis, que estariam relacionadas com uma maior possibilidade de êxito no exame do vestibular. O trabalho se utiliza de um modelo logit binário, que visa ao cálculo da probabili-dade de passar no vestibular comparando quatro cursos comuns dos campi UFPE.

Tal pesquisa pode auxiliar na tomada de decisão dos candidatos que buscam ingressar na UFPE, além de sinalizar à própria instituição e ao governo os fatores suscetíveis para as políticas públicas que visem democratizar o acesso e garantir aos indivíduos com menores chances de sucesso maior probabilidade de ingressar nas universidades públicas.

2 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO RECENTE PROCESSO DE EXPANSÃO E INTERIORIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL

O processo de interiorização do ensino superior no Brasil é relativamente recente. Historicamente, o ensino superior, assim como a atividade econômica dinâmica do país, esteve regionalmente concentrado nos centros dinâmicos do Brasil. Sabe--se que o processo de interiorização não é simples, nem barato para o país. Além do mais, questionam-se os custos em função dos benefícios: há quem acredite que as aglomerações trazem benefícios externos que superam os custos, assim sendo, a interiorização não seria socialmente viável.

A recente intensificação do processo de interiorização do ensino superior no Brasil, segundo Barreyro (2008), intensifica-se a partir de 1988 com a nova Cons-tituição Federal (CF/88). Ocorre aumento do processo de interiorização das insti-tuições de ensino superior nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil – o processo ocorreu, principalmente, em função da elevação do número de instituições de ensino superior privadas. A maior autonomia do Conselho Federal de Educação,

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011100

a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e a nova Constituição Fede-ral propiciaram que muitas instituições privadas se tornassem universidades, possibi-litando maior flexibilidade por parte destas instituições na abertura de novos cursos.

Como consequência desta expansão, houve redução na relação entre nú-mero de inscritos versus número de vagas. O gráfico 1 apresenta a relação entre o total de candidatos ao ensino superior e o número de vagas disponíveis nas Ins-tituições de Ensino Superior (IES) no Brasil, de 1985 até 2007. Observa-se por meio do referido gráfico uma contínua diminuição desta razão a partir de 1995. A referida razão, que já foi de cinco candidatos por vaga, encerra 2007 com um valor inferior a dois candidatos por vaga.

GRÁFICO 1Razão entre o total de candidatos inscritos e o número de vagas para o ensino superior no Brasil

0,0

1,0

2,0

3,0

4,0

5,0

6,0

1985

19

86

1987

19

88    

  19

89    

  19

90    

  19

91    

  19

92    

  19

93    

  19

94    

  19

95    

  19

96    

    

1997

        

19

98    

    

1999

        

20

0020

0120

0220

0320

0420

0520

0620

07

Insc

rito

s/va

gas

Fontes: Secretaria de Estado da Educação e da Cultura (SEEC)/Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)/Ministério da Educação (MEC).

Elaboração dos autores.

Esse parece ser um resultado do aumento da oferta, afinal não se pode imaginar que um país com taxa de crescimento populacional relativamente alta e jovem tenha diminuído a demanda por estas vagas. Assim sendo, pode-se imaginar que a referida queda se deu em função da considerável elevação do número de vagas.

Observa-se em anos recentes, especialmente neste novo século, um significativo au-mento no número de IES no Brasil. O gráfico 2 apresenta a evolução da oferta pública e privada de instituições de ensino superior nos últimos oito anos no Brasil. Conforme se verifica, as instituições privadas totalizam mais de 2 mil unidades em todo o Brasil, enquanto as instituições públicas representam pouco mais de 10% deste total. Note-se que a evolução da oferta pública é praticamente estática nos últimos sete anos.

101Determinantes Socioeconômicos na Probabilidade de Aprovação no Exame Vestibular...

GRÁFICO 2Total de IES no Brasil segundo a natureza – pública ou privada

-

500

1.000

1.500

2.000

2.500

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Públicas Privadas

mer

o d

e IE

S

Fontes: SEEC/INEP/MEC. Elaboração dos autores.

A oferta educacional do ensino superior brasileiro apresentou uma grande expansão, como se pode verificar no gráfico 3, que apresenta a evolução do núme-ro de matrículas nas instituições de ensino superior no Brasil de 1962 até 2006. Verifica-se que até o fim dos anos 1960 o número de matriculados era ínfimo, em 1998 eram cerca de 2 milhões de matriculados e salta para quase 5 milhões em oito anos. Note-se que em dois momentos distintos, na década de 1970 e 1990, principalmente, a expansão foi maior. Evidentemente, estes números refletem, em parte, o significativo aumento de instituições de ensino superior.

GRÁFICO 3Evolução do número de matrículas nas IES no Brasil

0

1.000.000

2.000.000

3.000.000

4.000.000

5.000.000

6.000.000

Mat

rícu

las

1962

19

64

1966

19

68    

  19

70    

  19

72    

  19

74    

  19

76    

  19

78    

  19

80    

  19

82    

  19

84    

    

1986

1988

        

19

90    

  19

92    

  19

94    

  19

96    

    

1998

        

20

0020

0220

0420

06

Fontes: SEEC/INEP/MEC. Elaboração dos autores.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011102

A expansão da oferta educacional depende das políticas públicas e da regula-mentação das instituições privadas. Segundo Barreyro (2008), a possibilidade de abertura de cursos, como centros universitários, faculdades e escolas integradas, que passaram a ministrar cursos superiores, foi possível graças à LDB e às mu-danças na CF/88, as quais permitiram maior flexibilização na difusão da oferta universitária brasileira. A lógica era a seguinte: por um lado, os novos cursos enfrentariam na prática, um caminho menos penoso e burocrático para a sua abertura; por outro, teriam que ser constantemente avaliados pelo MEC.

Entre as mudanças ocorridas no cenário da educação superior na década de 1990, e no início do novo século, destaca-se a efervescência da quantidade de instituições que passam a surgir. A sociedade se depara agora com um novo problema: como garantir a qualidade do ensino superior? O problema é ainda maior quando se pensa que os novos alunos, supostamente, possuem formação acadêmica pré-universitária pior, afinal muitos deles somente tiveram acesso ao ensino superior graças a sua expansão.

Outra grande peculiaridade é a dimensão continental do país que gera uma dificuldade de ofertar equitativamente serviços de educação. Desta forma, as ins-tituições de ensino no Brasil não são distribuídas da mesma maneira nas diferen-tes regiões do país, como mostra o gráfico 4. Além das diferenças de concentra-ção, pode-se observar crescimento do número de IES em todas as cinco regiões e aumento ainda mais significativo na região Nordeste do Brasil.

GRÁFICO 4Números de IES por regiões do Brasil

-

200

400

600

800

1.000

1.200

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Sudeste Sul Nordeste Centro Oeste Norte

mer

o d

e IE

S

Fontes: SEEC/INEP/MEC. Elabração dos autores.

103Determinantes Socioeconômicos na Probabilidade de Aprovação no Exame Vestibular...

Existe um movimento natural de expansão e interiorização do ensino supe-rior, conforme a demanda por profissionais qualificados aumenta além dos grandes centros brasileiros. Segundo o Ministério da Educação, foram criadas 140 unidades entre 1909 e 2002 e passará para 354 unidades até o fim de 2010 (BRASIL, 2010).

O gráfico 5 apresenta o número de IES no interior e nas capitais brasileiras. O referido gráfico mostra de maneira clara um significativo movimento de inte-riorização entre 2001 e 2008.

GRÁFICO 5Número de IES no interior e nas capitais brasileiras

-

200

400

600

800

1.000

1.200

1.400

1.600

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Capital Interior

mer

o d

e IE

S

Fontes: SEEC/INEPMEC. Elaboração dos autores.

Ainda são poucas as cidades atendidas pela oferta pública de educação supe-rior no Brasil. Segundo o BRASIL (2010), ao fim de 2010, havia 229 municípios com pelo menos uma instituição federal de ensino superior. Os números confir-mam a tendência de crescimento e interiorização: em 2003 o país tinha apenas 114 municípios contemplados.

Nesse contexto são importantíssimos os campi avançados das tradicionais universidades públicas do Brasil, como ocorreu em Pernambuco, em 2006, quan-do foi criado o primeiro campus avançado da Universidade Federal de Pernambu-co. O CAA da UFPE foi instalado na cidade de Caruaru, provendo aos estudantes da região a possibilidade de integrarem os cursos de Economia, Administração, Design, Engenharia e Pedagogia.

A escolha desses cursos à época de sua implementação respeitou a dois prin-cípios a priori: a demanda dessa mão de obra na região que conta com o segundo maior polo de confecções do Brasil e possui taxas de crescimento superiores às do estado e complementaridade à oferta das instituições privadas já existentes na cidade.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011104

3 DETERMINANTES PARA O SUCESSO NO VESTIBULAR

O que determina o sucesso ou insucesso de um estudante em um momento tão importante como o exame vestibular? Muitos parecem ser os fatores contribuintes, como o estado psicológico dos candidatos na hora da prova e o domínio dos con-teúdos que serão avaliados. Para além desses fatores diretos e não observáveis que resultam no desempenho do candidato, existe uma enorme quantidade de caracte-rísticas que influenciam na probabilidade de um indivíduo obter êxito no exame.

Deve-se levar em consideração, conforme Emilio et al. (2004), que o que se tem como amostra para estudos que buscam entender as variáveis determinantes do acesso à universidade pública são sempre viesadas, na medida em que compõe somente indivíduos que se inscreveram para a seleção, e estes indivíduos são, ge-ralmente, mais motivados e preparados que o restante dos candidatos potenciais. Entretanto, não se pode negar a importância de tais estudos na elaboração de políticas públicas.

Entre os fatores mais comumente abordados pelos teóricos da economia da educação, alguns são marcantes. Entre eles estão a qualidade de educação que o indivíduo recebeu durante a sua vida, sua renda familiar, a escolaridade dos pais, gênero, etnia, religião, região de residência, habilidades dos indivíduos, idade, experiências em exames (vestibulares) anteriores, entre outras variáveis.

Emilio et al. (2004), ao analisarem os determinantes para o sucesso no ves-tibular, constatam um efeito positivo para os candidatos da qualidade da escola em seus níveis fundamental e médio. Em outro estudo sobre a probabilidade de sucesso no vestibular, Guimarães e Arraes (2010) analisam as chances de sucesso no vestibular da Universidade Federal do Ceará e encontram fortes evidências de que alunos que cursaram o ensino médio em escolas da rede particular de educa-ção teriam maiores chances de aprovação.

Guimarães e Sampaio (2007) em seu estudo sobre as influências do background e características individuais no vestibular, para 2005, ao separar sua amostra em quantis, percebem que os estudantes com baixo background familiar e que tiveram educação em escolas públicas tendem a ter resultados menos satisfatórios, poten-cializados com o maior tempo do estudante nas escolas públicas no Brasil, embora o melhor resultado tenha sido obtido de uma escola pública para a análise.1

Barros et al. (2001) verificaram em seu trabalho sobre os determinantes edu-cacionais no Brasil um efeito positivo e estatisticamente significante da renda domiciliar per capita. O referido trabalho afirma ainda que a escolaridade dos pais tem um efeito muito maior nos resultados educacionais.

1. Uma das explicações plausíveis é a existência de colégios públicos de referência em Pernambuco, como o colégio de aplicação da UFPE, o colégio militar, a escola do Recife e os cursos do Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET).

105Determinantes Socioeconômicos na Probabilidade de Aprovação no Exame Vestibular...

Ferreira e Veloso (2003) em seu artigo sobre a mobilidade intergeracional da educação no Brasil destacam que a mobilidade para o Brasil é muito menor em comparação aos países desenvolvidos e em desenvolvimento. O referido tra-balho destaca ainda os efeitos de região e etnia, em que a mobilidade mostrou-se menor na região Nordeste em comparação ao Sudeste e, ainda menor, para os indivíduos negros comparado aos que se declaravam brancos. Isso obriga a ana-lisar os resultados obtidos nos trabalhos que tratam de determinantes para o desempenho escolar com certa ressalva, analisando questões como escolaridade dos pais, raça e região.

Pais mais educados tendem a ter uma renda familiar maior, o que eleva as possibilidades de se obter melhores resultados educacionais. Além disso, a impor-tância dada à educação tende a ser diferente, como destacam Barros et al. (2001):

(...) devemos ter em mente que a escolaridade dos filhos não é percebida pelos pais apenas como um bem de investimento, isto é, como uma forma de elevar a produti-vidade e renda futura dos seus filhos, mas também vista como um bem de consumo, que tem um fim em si mesmo. Os pais dedicam recursos à educação de seus filhos em parte pelo simples prazer de vê-los mais escolarizados.

A análise dos impactos do gênero é de extrema importância para a análise de interações e, principalmente, para entender se existem diferenças específicas de habilidades inatas entre homens e mulheres. Menezes Filho (2006) destaca diferenças cognitivas entre meninos e meninas, em que os primeiros tendem a apresentar melhor desempenho em matemática, enquanto as meninas tendem a ter melhores resultados em língua portuguesa.

Não se pode dizer que existam diferenças étnicas, mas a conjuntura pela qual a etnia está inserida culturalmente e o ciclo de desigualdade associada à raça podem contribuir para alterar os resultados educacionais de grupos específicos. Fato que tem sido, recentemente, combatido com as políticas de afirmação, como as cotas para estudantes negros e índios. Emilio et al. (2004) descrevem maior chance de sucesso para indivíduos brancos em relação a negros, pardos e indíge-nas, porém, como não poderia deixar de ser, atribui estes resultados aos efeitos não captados pela renda.

A religião é mais uma variável que denota uma característica pessoal do es-tudante. Mas de fato, a religião pode contribuir com o resultado educacional de um indivíduo? Não seria absurdo encontrar evidências a este respeito. A profissão de fé de um indivíduo fiel aos seus princípios religiosos tende a ser o principal norteador de suas decisões. Suas concepções do que é certo ou errado, moral ou amoral, advêm, fundamentalmente, do código ético-religioso que este professa. Portanto, seguidores de determinados grupos religiosos podem encontrar maior ou menor motivação, que redundaria em resultados diferenciados em sua vida

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011106

acadêmica. Além do mais, maior comprometimento com um grupo religioso po-deria dividir o tempo e a atenção de um candidato.

A variável região geralmente capta efeitos do desenvolvimento local, em que se espera que regiões mais desenvolvidas possuam melhor infraestrutura educa-cional como, bibliotecas, museus, escolas, entre outros, que forneçam melhores subsídios que as regiões menos desenvolvidas. Por outro lado, indivíduos que mi-gram de suas regiões de domicílio para se aventurarem em um exame de vestibu-lar são, supostamente, indivíduos mais motivados, focados e, portanto, tendem a alcançar melhores resultados que aqueles que não precisam sair de seus domicílios para realizar um exame de vestibular.

A idade do aluno também parece importante para explicar tal fenômeno. Emilio et al. (2004) demonstram que há uma probabilidade decrescente de su-cesso para os indivíduos até 41 anos e, após isso, há um aumento até os 72 anos,2 demonstrando empiricamente que a variável não se comporta linearmente. A pro-babilidade de êxito demanda maturidade, mas também muita motivação e arrojo.

O insucesso em um exame nem sempre evidencia que o candidato não está apto para o sucesso futuro. A probabilidade de sucesso de um indivíduo com ex-periência em vestibulares anteriores tende a ser maior do que a dos candidatos que estão realizando o concurso pela primeira vez. Novamente, o trabalho de Emilio et al. (2004) destaca uma probabilidade 3,7% maior de sucesso de um candidato com experiência passada.

Observa-se, portanto, que muitos são os fatores que podem contribuir para o desempenho de um estudante no seu resultado educacional. Para o novo campus localizado no Agreste pernambucano em comparação ao campus Recife a pergunta que surge é: Quais são os fatores socioeconômicos que influenciam na probabilidade de aprovação no exame vestibular entre os campi UFPE? A seção 4 apresenta a metodologia e a base de dados utilizada para responder tal questão.

4 DESCRIÇÃO DOS DADOS E METODOLOGIA UTILIZADOS

Para a análise foram utilizados dados dos ingressantes no exame vestibular reali-zado em 2009, na Universidade Federal de Pernambuco realizada pela COVEST.

A base de dados é composta por 2.992 observações provenientes de questioná-rios individuais socioeconômicos, respondidos pelos candidatos no ato da inscrição, assim como a respectiva nota do candidato no concurso vestibular. Os dados repre-sentam todos os candidatos, que neste concurso fizeram o vestibular optando por um dos cursos comuns aos campi Recife e Agreste: Administração, Design, Economia.

2. O intervalo considerado no estudo foi de 15 a 72 anos.

107Determinantes Socioeconômicos na Probabilidade de Aprovação no Exame Vestibular...

É importante ressaltar que as informações de gênero dos candidatos não es-tão entre as variáveis explicativas. Embora estas sejam informadas no questionário socioeconômico, a informação não foi fornecida pela COVEST. Além do mais, o banco de dados inicialmente seria composto pelos cursos de Engenharia Civil, Pe-dagogia, Economia, Administração e Design, para ambos os campi (Recife e Agres-te). Mas pelo fato da mudança da forma de seleção do curso de Engenharia, que não possui mais distinção entre as diferentes engenharias, não havia sentido com-parar todas as engenharias com o curso de Engenharia Civil do campus Agreste.

Os dados em sua maioria são compostos por variáveis categóricas, o que limita o estudo e a quantidade de informações que podem ser obtidas dos dados. A base de dados é um corte em 2009, não sendo possível com isto a análise tem-poral dos resultados. Algumas variáveis incluídas nos modelos podem ter pouca significância estatística por conta do reduzido número das amostras, 2.992 ob-servações para o modelo geral; mas em cada modelo específico são analisados os subgrupos da população em estudo. Apesar das limitações da base de dados, foram construídos 15 modelos para a análise dos objetivos principais do trabalho como exposto na subseção a seguir.

4.1 Estratégia empírica: o modelo logit binário

Com o objetivo de se entender as peculiaridades dos subgrupos de candidatos ao vestibular dos campi e cursos da UFPE, outrora mencionados, este estudo foi dividido em 15 análises distintas, em que se buscou, ainda, investigar as variáveis determinantes do aumento da razão da chance de aprovação, dada cada variável dependente. As referidas divisões geraram 15 modelos, assim denominados:

1. Modelo geral

2. Campus Recife

3. Campus Agreste

4. Administração Geral

5. Administração campus Recife

6. Administração campus Agreste

7. Economia Geral

8. Economia campus Recife

9. Economia campus Agreste

10. Design Geral

11. Design campus Recife

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011108

12. Design campus Agreste

13. Pedagogia Geral

14. Pedagogia campus Recife

15. Pedagogia campus Agreste

Assim sendo, o primeiro modelo (modelo geral) consiste dos resultados ob-tidos de regressão logit para todas as observações contidas no banco de dados fornecido pela COVEST. O segundo modelo consiste de regressão logit para to-dos os indivíduos candidatos à vaga no campus Recife e assim sucessivamente. O objetivo principal de tal segmentação se dá no intuito de se obter uma análise mais detalhada dos efeitos das variáveis investigadas para os diferentes campi e cursos da instituição.

A variável dependente foi obtida por meio do cálculo das notas iguais ou superiores às dos candidatos aprovados neste concurso vestibular.3 O método uti-

lizado foi o logit, em que a variável dependente iY assume os valores:

em que iY representa o sucesso ou não no exame vestibular; n é a menor nota de aprovação do curso e no referido campus ao qual o estudante concorre; e y é a nota obtida no concurso vestibular pelo aluno.

Desse modo a regressão logística será a seguinte:

ii -z1

1+ e, (1)

em que Si representa a probabilidade de sucesso no exame vestibular condicionada às características observadas dos candidatos; e Zi será representado por Zi = β1 + β2Xi.

Xi é uma matriz com as informações sobre as características dos indivíduos, ou seja, as variáveis explicativas do modelo.

Assim, tem-se

3. É importante ressaltar que a base de dados não continha a informação de aprovação ou não do candidato, essencial para este estudo. Tal informação foi obtida fazendo a verificação da nota mínima dos aprovados em relação divulgada no site da COVEST; dessa forma, a variável Yi foi construída. Assim, esta variável apresenta valores binários em que: 1, se o indivíduo foi aprovado, e 0, em caso contrário.

S =

109Determinantes Socioeconômicos na Probabilidade de Aprovação no Exame Vestibular...

A equação (1) representa uma função distribuição logística e, por meio da resolução dela, podem-se obter as probabilidades do sucesso a partir de cada ca-racterística das variáveis explicativas. Supõe-se que o log da razão de probabilida-des se relaciona linearmente com Xi. As variáveis explicativas são:

• Idade: idade do candidato.4

• Idade²: quadrado da idade, variável obtida por meio do quadrado da idade do candidato. A variável foi utilizada buscando captar o efeito de ciclos de vida.

• Raça: é uma variável dummy, em que:

• Cursinho pré-vestibular: variável dummy referente a realização de cursi-nhos preparatórios de vestibular, em que:

As variáveis dummies de religião foram separadas em cinco categorias. A variável de referência foi Não possui religião.

• Afro: refere-se à religião afro, em que:

• Católica: refere-se à religião católica, em que:

4. A idade do candidato não foi inicialmente informada pela COVEST, mas sim a data de nascimento de cada candidato. Para obtê-la, foi feito o cálculo da idade do candidato no momento exato da prova do vestibular, deduzindo-se o dia da prova e a data de nascimento de cada indivíduo.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011110

• Evangélica: refere-se à religião evangélica, em que:

• Judaica: refere-se à religião judaica, em que:

• Outras: refere-se a outras religiões, em que:

• Leitura: variável dummy que procura captar os efeitos de hábitos de leitura, em que:

As variáveis Zona da Mata, Agreste e Sertão são dummies da mesorregião de residência do candidato, cuja referência é a Região Metropolitana do Recife (RMR).

• Zona da Mata: variável dummy de residência, caso o candidato resida na Zona da Mata, em que:

• Agreste: variável dummy de residência, caso o candidato resida na região Agreste, em que:

• Sertão: variável dummy de residência, caso o candidato resida no Sertão, em que:

111Determinantes Socioeconômicos na Probabilidade de Aprovação no Exame Vestibular...

• Ensmédio: variável dummy referente ao tipo de escola que o aluno fre-quentou, em que:

• Ensfundamental: variável dummy referente ao tipo de escola que o alu-no frequentou, em que:

• Quantosvestibulares: variável dummy referente a quantas vezes o candi-dato já prestou o concurso vestibular, em que:

As variáveis educação do pai e educação da mãe são variáveis categóricas que repre-sentam o background familiar do candidato. E estão compreendidos em sete categorias:

1. analfabeto;

2. ensino fundamental completo;

3. ensino fundamental incompleto;

4. ensino médio completo;

5. ensino médio incompleto;

6. curso superior completo; e

7. pós-graduação.

• Educaçãopai: escolaridade do pai.

• Educaçãomãe: escolaridade da mãe.

• Renda:5 renda familiar mensal em reais. A variável categórica renda foi divida em sete categorias diferentes, na qual o estudante informava no questionário as faixas de renda líquida familiar mensal em reais em 2009, podendo ser:

1. até 300,00;

5. A categoria de referência foi a faixa mais alta de renda.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011112

2. 301,00 a 1.000,00;

3. 1.001,00 a 1.500,00;

4. 1.501,00 a 2.000,00;

5. 2.001,00 a 3.000,00;

6. 3.001,00 a 5.000,00; e

7. maior que 5.000,00.

Para a análise foram realizados os testes Hosmer e Lameshow, os quais me-dem a correspondência entre os valores previstos e os efetivos da variável depen-dente e o “Nagelkerke R Square” (pseudo R²), que são testes que mensuram o ajustamento dos modelos em relação ao seu poder de predição. São apresentados, ainda, os níveis de significância de Wald, que informam o nível de significância dos coeficientes analisados.

A partir da função de distribuição logística6

z

i -z z=1+ +e

, S = 1 ee 1 , (2)

em que representa a probabilidade de não passar no vestibular. Reescre-vendo em (2), tem-se

, (3)

em que é a razão de chances, representada pela coluna Odds Ratio (OR) nas tabelas dos resultados.

A seguir são expostos os resultados obtidos pelos modelos, bem como a razão das chances de aprovação.

5 RESULTADOS OBTIDOS

São apresentadas inicialmente algumas relações entre as principais variáveis de-terminantes do êxito no exame vestibular. Inicialmente, apresenta-se a relação existente entre a nota final no vestibular e a idade do candidato, conforme se ve-rifica o gráfico 6. Pode-se notar que há maior concentração de pessoas com idade entre 18 e 21 anos. Tal resultado já era esperado em virtude da idade em que as

6. Ver Gujarati (2006).

113Determinantes Socioeconômicos na Probabilidade de Aprovação no Exame Vestibular...

pessoas costumam terminar o ensino médio e tentam ingressar no ensino supe-rior. Observe que parece haver alguma regularidade entre a idade dos indivíduos e as notas obtidas no exame, sem, contudo, demonstrar fortes relações entre elas. A maior nota do vestibular nesta amostra foi obtida por um indivíduo de 17,3 anos de idade, enquanto a idade da pessoa que obteve a menor nota possuía era 28,7 anos, conforme se verifica no gráfico 6.

GRÁFICO 6Relação entre nota final no vestibular e a idade do candidato

2

3

4

5

6

7

8

9

10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60

No

ta fi

nal

no

ves

tib

ula

r

Idade

Fonte: COVEST. Elaboração dos autores.

O gráfico 7 plota a relação entre as notas finais no vestibular – notas maio-res que zero – e a escolaridade máxima dos pais dos candidatos. Neste caso, é assumida a escolaridade máxima do pai e da mãe de cada candidato e, então, após retirar os que se abstiveram de fazer alguma prova, foi criada a variável. O referido gráfico mostra uma suave relação positiva entre a escolaridade máxi-ma dos pais e a nota final do candidato, confirmando o que reza a teoria: pais mais educados tendem a possuir filhos mais educados. Pode-se notar ainda que o indivíduo que alcançou maior nota tem na escolaridade mínima de seus pais o ensino médio completo.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011114

GRÁFICO 7Relação entre a nota final no vestibular e a escolaridade máxima dos pais do candidato

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

0 1 2 3 4 5 6 7

No

ta fi

nal

Escolarização dos pais

Fonte: COVEST. Elaboração dos autores.

A análise do comportamento das notas médias em função da raça e do credo demonstrou que entre indivíduos que se declararam brancos e não brancos não houve diferenças significativas entre suas médias da nota obtida no vestibular. Porém, os indivíduos que se declararam brancos neste concurso obtiveram média levemente mais acentuada.

Com relação ao credo do indivíduo, percebe-se que a média das notas ob-tidas pelas religiões abordadas demonstra que a nota média dos indivíduos que professam a religião judaica foi superior às demais, seguido pela média dos indiví-duos que dizem não ter religião alguma e outras religiões. Destaca-se ainda que os indivíduos que no questionário diziam ser da religião evangélica possuíam a me-nor média entre as analisadas. O gráfico 8 apresenta de maneira clara tais médias.

115Determinantes Socioeconômicos na Probabilidade de Aprovação no Exame Vestibular...

GRÁFICO 8Nota final no vestibular versus etnia e credo do candidato

5,0 4,8 4,9 4,9 4,4

5,6 5,0 5,19

0,0

1,0

2,0

3,0

4,0

5,0

6,0 B

ran

cos

Não

bra

nco

s

Rel

igiõ

es a

fro

Cat

ólic

os

Evan

gél

ico

s

Rel

igiã

o ju

dai

ca

Ou

tras

rel

igiõ

es

Nen

hu

ma

relig

ião

No

tas

méd

ias

no

ves

tib

ula

r

Fonte: COVEST. Elaboração dos autores.

O gráfico 8 apresenta as notas médias dos candidatos para todos os cursos e campi propostos. Em quase todos os casos, os grupos de estudantes que fizeram um curso pré-vestibular obtiveram uma nota média superior ao grupo em que os estudantes não o fizeram. A importância dos cursinhos pré-vestibulares cresce à medida que a escolha se dá para os cursos de maior competitividade na seleção e que, em sua maioria, estão no campus Recife.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011116

GRÁFICO 9Nota média dos cursos e campi

4,290 4,476

5,099 5,324

4,299 4,509

5,069 5,323

4,153 4,387

5,078

5,491

5,031 5,046 4,988 5,134

0,0

1,0

2,0

3,0

4,0

5,0

6,0

Caruar

u – s/

cursi

nho

Caruar

u – cu

rsinho

Recife

– s/

cursi

nho

Recife

– cu

rsinho

Caruar

u – s/

cursi

nho

Caruar

u – cu

rsinho

Recife

– s/

cursi

nho

Recife

– cu

rsinho

Caruar

u – s/

cursi

nho

Caruar

u – cu

rsinho

Recife

– s/

cursi

nho

Recife

– cu

rsinho

Caruar

u – s/

cursi

nho

Caruar

u – cu

rsinho

Recife

– s/

cursi

nho

Recife

– cu

rsinho

Administração Economia Design Pedagogia

Fonte COVEST. Elaboração dos autores.

Tendo apresentado, de maneira gráfica, algumas informações significativas entre as variáveis determinantes mais importantes, em seguida, são apresentados os resultados obtidos das regressões logit propostas para esse modelo. No anexo, deste trabalho, encontra-se a tabela 1A, que apresenta um mapa da significância dos modelos econométricos. Foram considerados, na construção deste mapa, os parâmetros com significância estatística de 10% no mínimo, conforme se verifica os resultados apresentados nas de tabelas 1 a 5.

5.1 Resultados das regressões

Os resultados obtidos das regressões para os modelos que abrangem todos os cur-sos estudados e desagregados por campus – geral, campus Recife e campus Agreste – são apresentados na tabela 1. A referida tabela apresenta as variáveis cursinho pré--vestibular, dummy Administração e quantas vezes prestou vestibular, significativas para todos. O modelo campus Recife teve maior significância da renda, educação da mãe e das dummies referentes à moradia e aos cursos de Administração, Design e Pedagogia. O modelo do campus Agreste indicou que as variáveis referentes à residência do candidato e à dummy referente ao curso de Administração foram determinantes para as chances de aprovação. Observa-se que a primeira grande diferença entre os campi é a influência da educação da mãe, renda, residência do candidato e o tipo de curso escolhido, conforme detalhado a seguir.

117Determinantes Socioeconômicos na Probabilidade de Aprovação no Exame Vestibular...

TABELA 1 Variáveis determinantes da probabilidade de êxito no vestibular para os cursos estu-dados e para os campi Recife, Agreste e em ambos

Variáveis explicativas

Modelo 1(geral)

Modelo 2(Recife)

Modelo 3(Agreste)

Coeficiente OR Coeficiente OR Coeficiente OR

Cursinho pré-vestibular 0,540*** 1,73 0,480*** 1,62 0,340*** 1,41

Zona da Mata – – -0,830*** 0,44 1,930*** 6,93

Agreste – – -4,540*** 0,01 3,430*** 30,97

Sertão – – – – 2,620*** 13,86

Prestou vestibular mais de uma vez -0,490*** 0,61 -0,650*** 0,52 -0,270** 0,76

Educação do pai 0,100*** 1,11 – – – –

Educação da mãe – – 0,110*** 1,12 – –

Renda – – – – – –

Renda 1 -0,522 0,59 -0,880 0,42 – –

Renda 2 -0,900*** 0,40 -1,200*** 0,30 – –

Renda 3 -0,990*** 0,37 -1,100*** 0,33 – –

Renda 4 -0,900*** 0,40 -1,200*** 0,30 – –

Renda 5 -0,700*** 0,50 -0,740*** 0,48 – –

Renda 6 -0,480*** 0,62 -0,540*** 0,58 – –

Renda 7 -0,300* 0,74 -0,390** 0,67 – –

Dummy campus 2,050*** 7,78 – – – –

Dummy Design -0,850*** 0,42 -0,890*** 0,41 – –

Dummy Pedagogia 1,750*** 5,81 1,880*** 6,59 – –

Dummy Administração -0,910*** 0,40 -0,730*** 0,48 -0,820*** 0,44

Constante -0,580 0,56 -0,600 0,55 -2,875 0,06

Hosmer e Lemeshow 6,57 (0,58) 12,91 (0,11) 12,57 (0,12)

Nagelkerke R Square 0,30 0,37 0,43

Corretos (%) 72,70 83,20 86,60

Elaboração dos autores.Notas: * Estatisticamente significantes a 10%.

** Estatisticamente significantes a 5%. *** Estatisticamente significantes a 1%.

Obs.: Dados entre parênteses é o grau de significância do teste de Hosmer e Lemeshow.

Nota-se que variáveis importantes como idade, idade², religiões (afro, cató-lica, evangélica e outras), raça, ensino fundamental, ensino médio e leitura não são estatisticamente significantes para nenhum dos modelos, com isso foram excluí-das por meio do método forward stepwise.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011118

A variável cursinho pré-vestibular apresentou significância estatística, com evidências empíricas de uma relação positiva entre o aluno cursar um pré--vestibular e passar no concurso. Segundo o modelo, as chances dele são au-mentadas em 1,73 vez em relação aos alunos que não fizeram algum tipo de cursinho pré-vestibular.

A educação do pai do aluno demonstrou ser importante para a explicação da nota, em que, segundo o modelo, indivíduos que possuem o pai com uma escola-ridade maior teriam 1,11 vez mais chance de aprovação, a cada nível de instrução que ele tenha a mais. Além disso, foi verificada uma desvantagem para alunos que fazem o concurso pela primeira vez: eles apresentaram 39% de chances a menos de obter o sucesso em relação aos que já tiveram uma ou mais tentativas no concurso. A variável renda apresentou o resultado esperado: à medida que se aumenta a faixa de renda familiar mensal, maiores são as chances de aprovação no vestibular.

Para o modelo 1 (geral) foram inseridas variáveis dummies de controle para os campi e cursos (Administração, Pedagogia e Design): para os campi, a variável de comparação foi o de Recife; para os cursos, a análise foi feita em comparação ao curso de Economia. Os resultados indicam que os alunos que optaram realizar o vestibular no do Agreste teriam 7,78 vezes mais chances de aprovação em rela-ção aos mesmos cursos no campus Recife. Este resultado já era esperado devido à menor concorrência existente neste campus. Para os alunos que optaram pelos cursos de Design e Administração, as chances de aprovação são 58% e 60% res-pectivamente menores em relação a ser aprovado em economia. Para o curso de Pedagogia, os alunos apresentaram 5,81 vezes mais chances de aprovação.

No modelo 2, a variável cursinho apresentou significância em uma relação positiva no aumento da probabilidade do indivíduo ter sucesso no vestibular. O fato de o indivíduo ter feito um cursinho preparatório aumenta as suas chances em 1,62 vez em relação a outro que não o tenha feito, conforme se verifica na coluna OR do referido modelo.

Com relação à quantidade de tentativas de vestibulares feitos anteriormente, verificou-se que os estudantes que estão fazendo o concurso pela primeira vez têm 48% de chances a menos que aqueles que já o fizeram em outras ocasiões.

A mesorregião de residência se mostrou importante para os candidatos do campus Recife, onde os resultados indicam que os indivíduos que residem fora da RMR obtiveram menores probabilidades de sucesso no exame. As pessoas que residiam na Zona da Mata têm 56% menos chance de sucesso. A diferença é ain-da maior para os candidatos que residem no Sertão, onde estes apresentam 99% menos chances de sucesso do que os que residem na RMR.

119Determinantes Socioeconômicos na Probabilidade de Aprovação no Exame Vestibular...

As variáveis dummy de controle para os cursos no campus Recife se asse-melham com os resultados do modelo geral, em que os estudantes dos cursos de Design e Administração teriam respectivamente 59% e 52% menos chances de sucesso em relação aos alunos do curso de Economia, enquanto os candidatos que fizeram este concurso vestibular para Pedagogia teriam 6,59 vezes mais chances de aprovação.

Ainda com relação ao campus Recife a educação da mãe mostra-se signifi-cante, em que cada nível a mais de educação da genitora do candidato aumenta as chances de sua aprovação em 1,12 vez e as faixas de renda “2”, “3”, “4”, “5”, “6” e “7” são significativas e demonstraram que quanto maior a renda para este modelo, maior a chance de o estudante obter sucesso no concurso.

No modelo 3 (Agreste), verifica-se que as variáveis cursinho pré-vestibular, as dummies de mesorregião e a variável quantas vezes prestou vestibular apresentam significância estatística. Observa-se a partir da tabela 1 que os indivíduos que fizeram preparatórios pré-vestibulares obtiveram uma razão de chances 1,41 vez a mais que os demais.

A mesorregião de residência do indivíduo indica que a probabilidade de sucesso para os indivíduos que residem fora da RMR são maiores, fato que pode ser atribuído ao acréscimo de nota dado para os alunos que completaram seus es-tudos fora da RMR.7 Na Zona da Mata, as chances de aprovação foram 6,93 vezes maiores do que os estudantes da RMR. De maneira semelhante, os estudantes do Sertão obtiveram 13,86 vezes mais chances, porém o resultado mais acentuado mostrou-se para os indivíduos que residem no Agreste, região em que se localiza este campus: as chances de aprovação deles foi 30,97 vezes maior que os candida-tos que residiam na RMR.

Destaca-se, ainda, à variável relativa a quantidade de concursos vestibulares feitos para o campus Agreste, onde os estudantes que estão fazendo o concurso pela primeira vez têm 24% de chances a menos que aqueles que já o fizeram mais de uma vez, demonstrando que as chances relativas de sucesso são maiores que os concursos realizados em Recife.

5.1.1 Cursos de Administração

De uma maneira geral os modelos que analisam o curso de Administração apre-sentam bom poder preditivo. Em geral as variáveis que mais se mostram im-portantes são: cursinho pré-vestibular, Leitura, quantas vezes prestou vestibular e as dummies de renda. Os resultados são apresentados na tabela 2, que mostra

7. O Conselho Coordenador de Ensino, Pesquisa e Extensão (CCEPE) da UFPE aprovou uma forma de bônus aos can-didatos que cursaram o ensino médio integralmente em escola pública pernambucana e fora da RMR, e tal benefício entrou em vigor no exercício deste exame de vestibular.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011120

resultados para o conjunto dos candidatos aos cursos de Administração para os dois campi e, também, resultados para os candidatos desse curso para os campi Recife e Agreste. Destaca-se que algumas variáveis significativas para os modelos 4 e 5 não o foram para o campus Agreste. Com relação à quantidade de vezes que prestou vestibular, pode-se entender que tais diferenças se dão pela menor con-corrência neste campus. A renda e o cursinho pré-vestibular não se mostraram tão importantes na determinação da razão de chances no campus Agreste.

TABELA 2 Variáveis determinantes da probabilidade de êxito no vestibular para o curso de Administração nos campi Recife, Agreste e em ambos

Variáveis explicativas

Modelo 4(geral)

Modelo 5(Recife)

Modelo 6(Agreste)

Coeficiente OR Coeficiente OR Coeficiente OR

Cursinho pré-vestibular 0,450*** 1,58 0,660*** 1,94 – –

Religião evangélica – – -0,670*** 0,51 – –

Leitura -0,450** 0,64 – – -0,730*** 0,48

Zona da Mata 0,680** 1,98 -1,330* 0,26 2,260*** 9,59

Agreste 2,440** 11,49 -3,610*** 0,03 3,300*** 27,28

Sertão 2,120*** 8,41 – – 3,190*** 24,42

Prestou vestibular mais de uma vez -0,380*** 0,68 -0,380*** 0,68 – –

Educação do pai – – 0,160*** 1,18 – –

Renda – – – – – –

Renda 1 -0,910 0,40 -0,300 0,75 – –

Renda 2 -1,060*** 0,35 -18,28 0,00 – –

Renda 3 -0,990*** 0,37 -1,150*** 0,32 – –

Renda 4 -0,620*** 0,54 -0,830*** 0,44 – –

Renda 5 -0,660*** 0,52 -0,370 0,69 – –

Renda 6 -0,580*** 0,56 -0,400 0,67 – –

Renda 7 -0,370* 0,69 -0,420* 0,66 – –

Constante -2,614 0,07 -2,540 0,08 -3,99 0,02

Dummy Administração Recife 1,920*** 6,83 – – – –

Hosmer e Lemeshow 12,8 (0,11) 4,35 (0,82) 1,2 (0,54)

Nagelkerke R Square 0,16 0,18 0,28

Corretos (%) 87,20 93,40 94,10

Elaboração dos autores.Notas: * Estatisticamente significantes a 10%.

** Estatisticamente significantes a 5%. *** Estatisticamente significantes a 1%.

Obs.: Dados entre parênteses é o grau de significância do teste de Hosmer e Lemeshow.

121Determinantes Socioeconômicos na Probabilidade de Aprovação no Exame Vestibular...

Nos modelos que analisam o curso de Administração, nota-se que variáveis importantes, tais como idade, raça e as variáveis referentes à qualidade do ensino fundamental e médio, não mostram significância, apesar de importantes.

No modelo 4 (geral), o candidato que neste concurso prestou algum tipo de cursinho pré-vestibular possui chance é 1,58 vez maior em relação ao que não o fez. Tal resultado mostra a grande importância de se fazer pré-vestibulares nas chances de aprovação para o curso de Administração.

Para os candidatos que estavam tentando pela primeira vez, estes apresenta-vam 68% menos de chances de aprovação, as dummies de renda são significantes nas faixas “2”, “3”, “4”, “5”, “6” e “7” e todas demonstram menores chances de aprovação em relação a maior faixa de renda. Observe ainda que as dummies de mesorregião e as variáveis leitura e quantas vezes prestou vestibular possuem signi-ficância no modelo.

No modelo 5, a escolha religiosa apresenta significância nas variável evan-gélica, mostrando uma relação negativa com a razão da chance de aprovação em relação a um candidato que se considera sem religião apenas para o campus Recife, onde o aluno que declarou seguir a religião evangélica tem 49% de chances a menos de aprovação.

Os candidatos que neste concurso prestaram pela primeira vez o vestibular para o curso de Administração para o campus Recife apresentam 32% menos chances de aprovação do que os que fazem o concurso mais de uma vez.

Para este modelo, as faixas “3”, “4” e “7” foram as únicas significativas, em que os candidatos que apresentam este rendimento familiar mensal apresentaram menores chances de aprovação do que os com a maior faixa de renda.

Para o campus Recife a educação do pai foi significante, demonstrando que a cada nível educacional que o pai do candidato teria a mais daria 1,18 vez mais chances de obter aprovação.

O modelo 6 mostra que a variável referente ao hábito de ler revistas, ao con-trário do esperado, demonstra um efeito negativo na razão da chance de aprovação. Os resultados mostram a redução de 52% nas chances de aprovação, o que suscita a dúvida de que tipo de leitura de revistas os alunos mais faziam neste período, e se estas poderiam contribuir positiva ou negativamente com o desempenho.8

As dummies de residência são significantes para as regiões: Zona da Mata, Agreste e Sertão, onde os candidatos que residem nestas têm respectivamente 9,59,

8. A variável leitura refere-se ao tipo de revista que o indivíduo mais comumente faz uso. A escolha desta variável em detrimento do tipo de leitura se deu devido à presença da opção para os indivíduos que não liam, que possibilitava transformá-la em variável binária, conforme anexo 1 do questionário socioeconômico do vestibular.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011122

27,28 e 24,42 vezes mais chances de obter aprovação em relação a uma pessoa que reside na RMR. Tal fato pode ser explicado pela maior quantidade de vagas no campus Agreste, somada à pontuação extra dada aos candidatos que residem fora da RMR neste concurso vestibular. Nota-se ainda a não significância da renda na aprovação do candidato no campus Agreste, segundo o modelo.

5.1.2 Cursos de Economia

Os resultados obtidos das regressões feitas para os cursos de Economia são apre-sentados na tabela 3. De maneira geral, as variáveis mais importantes são Educação da mãe e dummies de mesorregião. Apesar das poucas variáveis significantes destes modelos, pode-se notar que para o campus Recife há uma característica peculiar: a significância estatística da variável Agreste, que demonstra uma desvantagem residir nesta região em relação aos candidatos que informaram residir na RMR. Contudo, para o campus Agreste, as variáveis Zona da Mata, Agreste e Sertão demonstram ter outro impacto, onde os candidatos que informaram residir nestas regiões apresen-tariam maiores chances de aprovação, salientando o resultado da variável Agreste, onde os alunos desta região teriam 24,46 vezes mais chances de aprovação que os candidatos que residiriam na RMR. Quanto às variáveis mais importantes, como educação do pai, ensino fundamental, ensino médio, idade, raça, religião e dummies de renda, nenhuma apresentou significância estatística para os modelos de economia.

TABELA 3 Variáveis determinantes da probabilidade de êxito no vestibular para o curso de Economia nos campi Recife, Agreste e em ambos

Variáveis explicativas

Modelo 7(geral)

Modelo 8(Recife)

Modelo 9(Agreste)

Coeficiente OR Coeficiente OR Coeficiente OR

Zona da Mata – – – – 2,570*** 13,14

Agreste 2,630*** 13,96 -17,830 0,00 3,190*** 24,46

Sertão – – – – 2,250*** 9,53

Prestou vestibular mais de uma vez -0,480*** 0,62 – – – –

Educação da mãe 0,200*** 1,23 0,380*** 1,47 – –

Constante -5,110 0,01 -4,650 0,01 -5,250 0,01

Dummy Economia Recife 3,750*** 42,82 – – – –

Hosmer e Lemeshow 8,55 (0,38) 2,63 (0,85) 0,00 (1,00)

Nagelkerke R Square 0,30 0,10 0,22

Corretos (%) 93,30 96,60 96,70

Elaboração dos autores.Notas: * Estatisticamente significantes a 10%.

** Estatisticamente significantes a 5%. *** Estatisticamente significantes a 1%.

Obs.: Dados entre parênteses é o grau de significância do teste de Hosmer e Lemeshow.

123Determinantes Socioeconômicos na Probabilidade de Aprovação no Exame Vestibular...

No modelo 7 (geral), a variável Agreste indica uma chance 13,96 vezes maior para os candidatos que residem nesta região em relação aos que dizem morar na RMR. Este é um fato curioso e importante. Infelizmente, não está disponível a informação correspondente ao acréscimo da nota aos indivíduos, que seria uma importante variável de controle. Contudo, tal efeito parece estar carregando tal benefício e, tal informação é relevante, principalmente, para os futuros candida-tos que possuem o perfil dos beneficiados com os 10% de acréscimo no argumen-to final do exame.

A educação da mãe mostra-se importante para os modelos geral de Econo-mia e do campus Recife, onde cada nível a mais de educação da mãe representa maiores chances de aprovação. No campus Agreste a variável não pareceu signifi-cativa.

A quantidade de concursos vestibulares prestados indica que os candidatos que realizavam o concurso para a vaga de economia pela primeira vez, no geral, tiveram 38% de chances a menos de aprovação em relação aos que já prestaram o concurso mais vezes.

Para os alunos que fizeram vestibular para o campus Recife, as chances de serem aprovados é 42,82 vezes maiores do que os demais, verificadas por meio da dummy entre os cursos. Vale ressaltar que a renda, apesar de objeto de estudo dos economistas, para os modelos do curso de Economia não é significativa.

No modelo 8, diferente dos demais modelos vistos anteriormente, somente a variável educação da mãe mostrou-se significante, na qual o aluno que concorreu a uma vaga no campus Recife estava 1,47 mais susceptível ao sucesso a cada nível a mais de educação de sua mãe.

No modelo 9, semelhante aos modelos gerais e de Administração do campus Agreste, houve o impacto maior da mesorregião de residência. Este resultado, semelhante ao que se observou no curso de Administração, pode ser decorrente da menor concorrência associada ao acréscimo da nota denotado aos alunos não residentes na RMR.

5.1.3 Cursos de Design

Os resultados obtidos das regressões feitas para os cursos de Design são apresentados na tabela 4. De maneira geral, os modelos que analisam o curso tiveram as variáveis cursinho pré-vestibular, outras religiões, Agreste e as dummies de renda como as mais significativas, salientando a diferença dos impactos da renda e da mesorregião de residência nos modelos dos campi Agreste e Recife.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011124

TABELA 4 Variáveis determinantes da probabilidade de êxito no vestibular para o curso de Design nos campi Recife, Agreste e em ambos

Variáveis explicativas

Modelo 10(geral)

Modelo 11(Recife)

Modelo 12(Agreste)

Coeficiente OR Coeficiente OR Coeficiente OR

Cursinho pré-vestibular 0,720*** 2,07 0,590** 1,81 0,710*** 2,04

Outras religiões 0,820*** 2,27 0,720*** 2,07 0,860*** 2,37

Zona da Mata – – – – 0,860** 2,39

Agreste 1,890*** 6,63 -2,230** 0,11 2,010*** 7,51

Sertão 1,500** 4,51 – – 1,560** 4,79

Ensino Fundamental 1,030*** 2,80 – – 0,850*** 2,34

Prestou vestibular mais de uma vez -0,440*** 0,64 -0,740*** 0,47 – –

Educação da mãe – – – – 0,160 1,18

Renda – – – – – –

Renda 1 – – -18,400 0,00 3,200*** 24,71

Renda 2 – – -18,010 0,00 1,730** 5,69

Renda 3 – – -2,130*** 0,12 1,950*** 7,09

Renda 4 – – -1,820*** 0,16 1,800*** 6,09

Renda 5 – – -1,990*** 0,14 2,140*** 8,53

Renda 6 – – -0,290 0,75 1,810*** 6,16

Renda 7 – – -0,580* 0,56 1,520** 4,62

Constante -4,730 0,01 -2,730 0,07 -7,330 0,00

Dummy Design Recife 1,96*** 7,16 – – – –

Hosmer e Lemeshow 9,10 (0,24) 6,10 (0,63) 12,72 (0,12)

Nagelkerke R Square 0,17 0,16 0,17

Corretos (%) 92,60 97,60 95,00

Elaboração dos autores.Notas: * Estatisticamente significantes a 10%.

** Estatisticamente significantes a 5%. *** Estatisticamente significantes a 1%.

Obs.: Dados entre parênteses é o grau de significância do teste de Hosmer e Lemeshow.

Em algumas das principais variáveis que explicam o sucesso educacional, como educação do pai, idade, ensino médio, raça, e as dummies de religião e resi-dência, não se verificou significância estatística.

Na estimação do modelo 10 se verificou que os alunos que cursaram neste período algum tipo de curso preparatório obtiveram uma razão de chances 2,07 vezes maior do que os que não o fizeram. Verificou-se, ainda, uma desvantagem para os alunos que estavam realizando o seu primeiro concurso, com 36% a me-nos de chances de aprovação em relação aos que têm mais de uma experiência.

125Determinantes Socioeconômicos na Probabilidade de Aprovação no Exame Vestibular...

As dummies de moradia (mesorregiões) do candidato mostram que os candi-datos que residem na mesorregião do Agreste e Sertão apresentam maiores chan-ces de aprovação em relação aos que residem na RMR.

A qualidade da educação para o modelo geral e do campus Agreste demons-traram que os alunos de escola particular teriam maiores chances de aprovação, como o esperado na literatura.

Para o modelo geral e em ambos os campi, a influência da religião foi cap-tada pela variável outras religiões, em que um indivíduo que informou professar outras religiões, diferente das religiões afro, católica romana, evangélica e judaica, teria entre 2,07 e 2,37 vezes mais chances de obter sucesso no vestibular, em re-lação ao mesmo indivíduo que professasse não ter religião. Tal resultado parece mostrar que indivíduos que professam uma religiosidade pouco ortodoxa, talvez mais criativa e simbólica, possuem características relacionadas com este tipo de exame e de preferência por carreira.

Para os alunos que fizeram vestibular para o campus Recife, as chances de serem aprovados são 7,16 vezes maiores do que os demais, verificadas por meio da dummy entre os cursos.

No modelo 11, os candidatos que cursaram pré-vestibulares apresentam 1,81 chance a mais de aprovação ao se comparar com outros candidatos que não fizeram nenhum tipo de cursinho pré-vestibular para o concurso 2009.

A experiência em concursos anteriores mostra-se determinante para o au-mento da chance de aprovação, os candidatos que realizaram pela primeira vez o concurso apresentam 53% de chances a menos de obter o sucesso, em relação aos que têm mais de uma experiência. Com relação à renda do indivíduo, as faixas “3”, “4”, “5” e “7” apresentam-se significantes estatisticamente. Este resul-tado demonstra que quanto maior a renda familiar mensal, maiores as chances de aprovação no concurso.

A mesorregião de residência Agreste mostrou como nos demais modelos, que os candidatos que informaram residir nela teriam 89% menos chances de aprovação no campus Recife, em relação aos indivíduos deste mesmo concurso que informaram residir na RMR.

No modelo 12, a variável cursinho pré-vestibular mostra que pessoas que tenham frequentado este tipo de curso têm 2,04 vezes mais chances de aprovação em relação aos que não o fizeram.

Verifica-se ainda que, com relação à renda do indivíduo, todas as faixas de renda indicaram que os indivíduos que têm estas faixas de rendimento mensal familiar teriam mais chances de aprovação do que os indivíduos que declararam

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011126

ter a mais alta faixa de renda. Este resultado peculiar pode ser explicado pelo baixo número de concorrentes para o campus Agreste neste concurso em relação ao campus Recife.

A educação da mãe, para os alunos de Design, em geral, apresenta uma re-lação positiva com os níveis maiores de formação. Os resultados indicam um au-mento de 1,18 vezes a mais do que candidatos com pai com escolaridade em um nível de formação inferior e a renda foi uma variável importante para o aumento da razão das chances de aprovação.

De maneira semelhante aos demais modelos referentes ao campus Agreste, para o curso de Design, os candidatos que informaram morar fora da RMR obti-veram maiores chances de aprovação.

5.1.4 Cursos de Pedagogia

Os resultados obtidos das regressões feitas para os cursos de Pedagogia são apresentados na tabela 5. Tais modelos apresentam poucas variáveis signi-ficativas. Chama atenção as variáveis Agreste e ensino fundamental. Outras variáveis, como outras religiões e Zona da Mata, também apresentam alguma significância estatística.

TABELA 5 Variáveis determinantes da probabilidade de êxito no vestibular para o curso de Pedagogia nos campi Recife, Agreste e em ambos

Variáveis explicativas

Modelo 13(geral)

Modelo 14(Recife)

Modelo 15(Agreste)

Coeficiente OR Coeficiente OR Coeficiente OR

Outras religiões -0,550** 0,57 – – – –

Zona da Mata – – – – 1,990*** 7,38

Agreste 2,700*** 15,01 -19,440 0,0 3,300*** 27,295

Ensino fundamental -0,560*** 0,57 -1,620*** 0,20 -0,910*** 0,40

Constante -4,72 0,01 -0,990 0,37 -5,170 0,01

Dummy Pedagogia Recife 5,760*** 320,24 – – – –

Hosmer e Lemeshow 4,39 (0,35) 0,00 (1,00) 492,55 (0,24)

Nagelkerke R Square 0,58 0,18 0,24

Corretos (%) 93,50 92,10 97,70

Elaboração dos autores.Notas: * Estatisticamente significantes a 10%.

** Estatisticamente significantes a 5%. *** Estatisticamente significantes a 1%.

Obs.: Dados entre parênteses é o grau de significância do teste de Hosmer e Lemeshow.

127Determinantes Socioeconômicos na Probabilidade de Aprovação no Exame Vestibular...

O modelo 13 mostra significância para as variáveis outras religiões, Agreste e ensino fundamental. A primeira variável mostra que indivíduos que professavam religiões diferentes das religiões afro, católica romana, evangélica e judaica teriam 43% menos chances de aprovação no concurso vestibular, comparando-se com indivíduos sem religião. Este resultado é contraditório aquele verificado nos cur-sos de Design.

Resultado interessante é aquele correspondente aos residentes na mesorre-gião do Agreste que possuem 15 vezes mais chances que os candidatos da RMR na aprovação neste curso e 27 vezes, se a sua escolha for para o Agreste.

Apenas para o curso de Pedagogia e nos três modelos estudados, verificaram--se vantagens de o indivíduo ter completado o ensino fundamental em escolas públicas em comparação àqueles que o fizeram na rede particular de ensino. É evi-dente que tal resultado não representa a eficiência educacional da rede pública de ensino em Pernambuco. Tal resultado parece mostrar os benefícios do bônus aos candidatos que cursaram o ensino fundamental integralmente em escola pública pernambucana e fora da RMR, aprovado pelo CCEPE da UFPE. Assim, associado este benefício ao curso de menor concorrência entre candidatos,9 a variável parece, em um primeiro momento, revelar o milagre transformador da educação pública.

A tabela revela ainda que o candidato que optou por fazer a seleção para o Agreste tinha, na ocasião, 320 vezes mais chances de aprovação que aqueles que optaram pelo curso no campus Recife.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho busca encontrar os fatores que determinaram maiores chances de a provação no exame vestibular da UFPE, a partir de uma análise comparativa entre os novos campi, a saber: os campi Recife e Agreste. Para tal, utiliza-se de uma análise logística binária, para uma população de 2.992 candidatos, calculando a razão das chances de aprovação.

O principal resultado encontrado foi o de que existem diferenças significa-tivas entre as características que mais influenciam na razão de chances entre os candidatos dos campi Recife e Agreste. Estas diferenças ficam evidenciadas nos determinantes para cada curso e campus. Os resultados mostram que, em quase todos os modelos, as variáveis mais importantes são renda, cursinho pré-vestibu-lar, repetição de tentativas de acesso, o local de sua residência e educação dos pais. Além destas, mostrou-se também importante a religião, o hábito de leitura e o tipo de ensino fundamental e médio – se público ou privado. O comportamento das variáveis em sua maioria corrobora com a literatura sobre o tema.

9. Evidentemente que em relação aos quatro cursos analisados.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011128

A renda familiar parece ser a mais importante das variáveis verificadas na determinação do sucesso, em que as famílias com maior rendimento propor-cionaram aos candidatos maiores chances. Evidentemente que tal característica impulsiona o efeito de outras tantas em função de sua correlação com o tipo de escola em que o candidato estudou, a oportunidade de se fazer cursos pré-vesti-bular – cursinhos – e a educação dos pais, afinal, pais mais educados, geralmente, possuem maior renda.

Quanto à religião, não se pôde observar um comportamento muito padro-nizado. Tal fato se deu pelo aparente problema de micronumerosidade da base de dados disponível. Em geral, a religiosidade não pareceu ser um obstáculo à probabilidade de acesso. Uma sugestão para trabalhos futuros seria repetir a me-todologia proposta com uma amostra maior.

A experiência em um concurso parece dar maiores chances de sucesso no futuro. É o que parece revelar os resultados da variável prestou vestibular mais de uma vez, fato que deve ser um motivador para os que buscam o acesso à univer-sidade pública. Se por um lado, o insucesso de um processo seletivo desmotiva o candidato continuar em seus objetivos, por outro lado, ele deve compreender que a experiência adquirida serve como um importante insumo.

Um dos resultados mais importantes parece ser o fato de o candidato ter feito cursinho pré-vestibular. Tal característica elevou as chances de aprovação em mais da metade dos modelos propostos, especialmente os candidatos a uma das vagas nos cursos de Administração e Economia. Os cursinhos pré-vestibulares parecem importantes.

O comportamento do ensino fundamental e médio deve ser analisado de forma distinta em relação aos campi Recife e Agreste, em vista das cotas para os alunos da rede pública que concorrem para o campus Recife: candi-datos que realizaram ensino médio na rede pública teriam maiores chances de aprovação em relação aos alunos da rede privada pelo fato de eles terem um acréscimo de 10% ao argumento final de classificação. Outro fator que deve chamar atenção é para a qualidade de algumas instituições públicas, principalmente o colégio de aplicação da UFPE que para o exame nacional do ensino médio esteve entre as primeiras dez instituições do país. A ambiguida-de sucinta levantar questionamentos acerca da eficácia das políticas de cotas, que neste caso permitem aos alunos do ensino público maiores chances de aprovação. Uma recomendação para pesquisas futuras é a de se verificar o real impacto dessas características. Para tanto, faz-se necessário ter tal informação por unidade de observação; infelizmente a base de dados desta pesquisa não contava com tal informação.

129Determinantes Socioeconômicos na Probabilidade de Aprovação no Exame Vestibular...

Dada a importância da educação e mais especificamente do ensino superior na mobilidade intergeracional de oportunidades e renda, saber quais são as carac-terísticas que permitem a estes grupos maior possibilidade de acesso a este estágio da vida escolar pode subsidiar aos policy makers identificar os grupos que podem ser afetados por políticas diretas de acesso.

Não resta dúvida de que o principal determinante na elevação de chances na aprovação do vestibular é uma educação fundamental e média de boa qualidade, e que todos os determinantes aqui apresentados captam direta ou indiretamente essa relevância. Assim, as políticas públicas devem, fundamentalmente, privilegiar a qualidade do ensino a fim de mitigar os efeitos de renda e oportunidade sobre os quais os grupos sociais mais abastados se privilegiam.

REFERÊNCIAS

ABREU, I. R. Reflexões sobre o ensino superior na formação do estado brasileiro. In: SEMINÁRIO SOBRE A ECONOMIA MINEIRA, 13., 2008, Montes Claros.

BARREYRO, G. B. Mapa do ensino superior privado. Brasília: INEP, 2008. p. 77 (Série Documental Relatos de Pesquisa, n. 37). ISSN 0140-6551.

BARROS, R. P. et al. Determinantes do desempenho educacional no Brasil. Pes-quisa Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, v. 31, n. 1, p. 1-42, abr. 2001.

BESE, R. M. B. Expansão e interiorização da educação superior, 2007. Dis-ponível em: <http://www.gestaouniversitaria.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=508:expansao-e-interiorizacao-da-educacao--superior&catid=142:monografias-e-trabalhos&Itemid=29>.

BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=15405>. Acesso em: 9 jun. 2010.

EMILIO, D. R. et al. Uma análise econométrica dos determinantes do acesso à Uni-versidade de São Paulo. Pesquisa Planejamento Econômico, v. 34, n. 2, ago. 2004.

FERREIRA, G. F.; VELOSO, F. A. Mobilidade intergeracional de educação no Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 33, n. 3, dez. 2003.

GUIMARÃES, D. B.; ARRAES, R. A. Status Sócio-Econômico, Background Familiar, Formação Educacional e as Chances de Sucesso dos Candidatos ao Ves-tibular da UFC, Revista Contemporânea de Economia e Gestão, v. 8, n. 2, p. 81-94, jul./dez. 2010.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011130

GUIMARÃES, J.; SAMPAIO, B. The Influence of Family Background and Individual Characteristics on Entrance Tests Scores of Brazilian University Students. Disponível em: <http://www.anpec.org.brencontro2007artigosA07A092.pdf>. Acesso: em 1o jan. 2007.

GUJARATI, D. N. Econometria básica. 4. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.

INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Sinopse estatística da educação superior: 2000. Brasília: O Instituto, 2001. 400 p.: il., tab.

MARTINS, A. C. P. Ensino superior no Brasil: da descoberta aos dias atuais. Acta Cirúrgica Brasileira, v. 17, 2002. Suplemento 3.

MENEZES FILHO, N. Os determinantes do desempenho escolar do Brasil. São Paulo: Instituto Futuro Brasil, IBMEC, FEA/USP, [2006].

Originais submetidos em março de 2011. Última versão recebida em julho de 2011. Aprovado em julho de 2011.

131Determinantes Socioeconômicos na Probabilidade de Aprovação no Exame Vestibular...

ANEXO

TABELA 1A Mapa da significância dos modelos apresentados

VariávelModelos

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

Idade ao quadrado                            

Idade

Raça

Cursinho pré-vestibular + + + + + + + +

Religião afro

Religião católica

Religião evangélica -

Religião judaica

Outras religiões + + + -

Leitura - -

Zona da Mata - + + - + + + +

Agreste - + + - + + + + + + + +

Sertão + + + + + +

Ensino médio -

Ensino fundamental + + + - - -

Prestou vestibular mais de uma vez - - - - - - - -

Educação do pai + +

Educação da mãe + + +

Renda 1 - +

Renda 2 - - - - +

Renda 3 - - - - - - +

Renda 4 - - - - - - +

Renda 5 - - - - - +

Renda 6 - - - +

Renda 7 - - - - - +

Elaboração dos autores.

MUNICIPALIZAÇÃO E QUALIDADE DE ENSINO FUNDAMENTAL NO MUNICÍPIO DE PONTE NOVA, MINAS GERAISFrancisco Carlos Cunha Cassuce*

Fernanda Rosado Correa Coelho**

João Eustáquio de Lima***

O processo de municipalização vem sendo colocado como um ponto crucial para que se alcancem melhorias na qualidade do ensino fundamental no Brasil. Contudo, há divergências sobre a eficiência de tal política. Este estudo buscou analisar a influência que a prática dessa política teve sobre a qualidade do ensino dos alunos da 4a série no município de Ponte Nova. Para isso, utilizou-se a técnica de dados em painel que possibilitou verificar que o aumento do número de professores com nível superior e o incentivo a atividades de leitura elevaram o rendimento médio dos alunos e, dessa forma, a qualidade do ensino. Já a política de municipalização atuou de forma contrária, deteriorando a qualidade, no período analisado.

Palavras-chave: Municipalização; Qualidade do Ensino; Ensino Fundamental; Ponte Nova, Minas Gerais.

MUNICIPALIZATION AND QUALITY OF ELEMENTARY EDUCATION IN THE MUNICIPALITY OF PONTE NOVA, MINAS GERAIS

The process of municipalization has been dealt as a crucial point for reaching improvements in the quality of elementary education in Brazil. However, there is disagreement about the effectiveness of such policy. The present study sought to analyze the influence that the putting into practice of this policy has had on the quality of teaching of 4th grade students in the municipality of Ponte Nova. For that, it was used the technique of data in panel that enabled to verify that the increase in the number of teachers with higher education and the incentive of reading activities increased the average student’s productivity, and thus the quality of education. Yet, the policy of decentralization acted contrary, deteriorating quality in the period analyzed.

Key-words: Municipalization; Quality of Education; Elementary Education; Ponte Nova, Minas Gerais.

* Professor adjunto da Universidade Federal de Viçosa (UFV)/Departamento de Economia (DEE). E-mails: [email protected] e [email protected]** Mestranda em educação pela UFV/Departamento de Pedagogia (DPE). Graduada em Pedagogia pela UFV em 2003. E-mail: [email protected]*** PhD em Economia Rural pela Michigan State University (Estados Unidos) em 1977. Pós-Doctor em Métodos Quan-titativos pela University of Florida (Estados Unidos) em 1996. Professor titular (Econometria e Métodos Quantitativos Aplicados à Economia) do Departamento de Economia Rural (DER) da UFV. E-mail: [email protected]

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011134

MUNICIPALIZACIÓN Y CALIDAD DE LA EDUCACIÓN BÁSICA EN EL MUNICIPIO DE PONTE NOVA, MINAS GERAIS

El proceso de municipalización se ha colocado como un punto crucial, destinado a lograr mejoras en la calidad de la educación básica en Brasil. Sin embargo, hay desacuerdos acerca de la efectividad de dicha política. El presente estudio pretende analizar la influencia que la puesta en práctica de esta política ha tenido en la calidad de la educación para los estudiantes de 4º grado en el municipio de Ponte Nova. Para ello, se utilizó la técnica de datos de panel que nos permitió comprobar que el aumento en el número de maestros con la educación superior y el fomento de actividades de lectura plantearon el rendimiento medio de los estudiantes, y por lo tanto la calidad de la educación. Dado que la política de descentralización ha actuado en contra, deteriorando la calidad en el período analizado.

Palabras-clave: Municipalización; Calidad de la Educación; La Educación Básica; Ponte Nova, Minas Gerais.

MUNICIPALISATION ET QUALITé D’ENSEIGNEMENT FONDAMENTAL DANS LA MUNICIPALITé DE PONTE NOVA, MINAS GERAIS

Le processus de municipalisation a été placé en tant que point crucial pour l’obtention d’améliorations dans la qualité de l’enseignement fondamental au Brésil. Toutefois, il y a des désaccords quant à l’efficacité de cette politique. La présente étude visait à analyser l’influence que la mise en pratique de cette politique a eu sur la qualité de l’enseignement pour les élèves de 4e année (Cours Moyen 2) dans la ville de Ponte Nova. Pour cela, nous avons utilisé la technique des données de panel qui nous a permis de vérifier que l’augmentation du nombre d’enseignants ayant un niveau d’études supérieures et l’encouragement aux activités de lecture ont soulevé la moyenne des étudiants, et par conséquent la qualité de l’enseignement. Depuis la politique de décentralisation a agi contrairement, en dégradant la qualité dans la période analysée.

Mots-clés: Municipalisation; Qualité de l’enseignement; Enseignement Fondamental; Ponte Nova, Minas Gerais.

1 INTRODUÇÃO

Assim como na década de 1920, hoje se discute formas para melhorar o ensino público e fornecê-lo com qualidade no Brasil. A educação, vista por muitos como a principal forma de democratizar e distribuir renda no país, ainda carece de políticas públicas direcionadas para melhorar a qualidade do ensino brasileiro. A municipalização seria uma tentativa relacionada a essas políticas. Contudo, há opiniões contrárias, indicando que tal política não surtiria o efeito esperado. Ide-alizada por Anísio Teixeira desde a década de 1920, a descentralização do ensino era vista como um ganho, na medida em que os administradores estariam mais próximos e, portanto, sendo mais capazes de administrar com maior competência os poucos recursos destinados à educação, e que a realidade local não deveria ser deixada de lado no ato de ensinar. Porém, a política de municipalização só ganhou força 70 anos depois, mais especificamente a partir da segunda metade dos anos 1990, quando os governos federal e estadual iniciaram o processo, repassando a

135Municipalização e Qualidade de Ensino Fundamental no Município de Ponte Nova...

alguns municípios a responsabilidade pela administração do ensino fundamental. Nesse ponto, há de se ressaltar a importância do Fundo de Manutenção e Desen-volvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), o qual estabeleceu que a partir de janeiro de 1997, os estados, o Distrito Federal e os municípios deveriam destinar pelo menos 15% da receita de impostos ao financiamento e desenvolvimento do ensino fundamental (SANTOS, 2003).

O estímulo para a municipalização viria do fato de que o repasse do FUNDEF acompanharia os alunos, ou seja, as verbas seriam proporcionais ao número de matrículas no ensino fundamental. Com isso o FUNDEF, resumi-damente, visa equalizar o ensino público no país melhorando a qualidade por meio do aperfeiçoamento, do treinamento e da formação de professores, assim como na redução da evasão escolar. Desse modo, as obrigações assumidas pelos municípios seriam compensadas pelas transferências de recursos deste fundo, na medida em que estes assumissem uma parcela maior de responsabilidade sobre os alunos da rede pública.

De fato, este argumento parece ter convencido os administradores da esfe-ra municipal. Em 1998, segundo os dados do censo escolar, aproximadamente 42,2% dos estudantes do ensino fundamental – incluindo rede pública e particu-lar – pertenciam às redes municipais de ensino, número que se elevou para 53,6% em 2005. Em 2009, esse número permanece praticamente o mesmo com as es-colas municipais no Brasil que são responsáveis por 54,6% dos estudantes. Outro dado, que reflete a forte tendência de municipalização do ensino, diz respeito ao número de estabelecimentos por unidade da Federação. Em 1998, 51,4% dos estabelecimentos de ensino fundamental pertenciam aos municípios, chegando a 70% em 2005 e a 68,6% em 2009 (INEP, 2011).

No que se refere ao desempenho escolar, o Ministério de Educação (MEC) toma como medida de desempenho, por exemplo, dados referentes ao rendimen-to escolar, à evasão e ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Em 1998, o índice de aprovação na rede municipal de ensino era de 61,9%, passando para 74,7% em 2005 e alcançando 83,8% em 2009. Na média nacio-nal, em 1998, a taxa de aprovação era de 73,2%, passando para 78,6% em 2005 e 85,2% em 2009 (INEP, 2011). A melhora no rendimento escolar também é observada quando se avalia o desenvolvimento do IDEB que se inicia com 3,4 em 2005, para os anos iniciais do ensino fundamental, chegando a 4,4 em 2009.

A taxa de abandono apresentou queda de 10% para 9,1%, entre 1998 e 2005, e de 4% em 2009 na rede municipal, fato que também ocorreu na média nacional caindo de 8,9%, em 1998, para 7,9% em 2005 e chegando a 3,7% em 2009 (INEP, 2011). Observa-se que embora tenha caído, assim como na média nacional, a taxa de abandono nas escolas municipais é maior do que a média nacional.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011136

Outro dado importante, e que aponta para a melhoria na qualidade do en-sino, é referente ao número de professores que possuem curso superior no ensino fundamental de 1a a 4a série. Em 1998, 21,6% dos professores de 1a a 4a série possuíam curso superior, passando em 2005 para 47,7% e para 61,2% em 2009 (INEP, 2011).

Observa-se, a priori, que a melhora nos números acompanhou o processo de municipalização intensificado a partir de 1997. Neste ponto, existem vários tra-balhos que tentam relacionar a política de municipalização do ensino com a me-lhoria na qualidade da educação fundamental no país. Mendes (2001) observou que tal política teria elevado o desempenho escolar e reduzido as desigualdades entres os municípios em todo o Brasil. Essa relação positiva entre municipalização e desempenho escolar funcionou como catalisador para o destaque do FUNDEF.

Martins (2003) verificou que o processo de municipalização no estado de São Paulo teve início a partir da década de 1990, buscando romper com o modelo de gestão de Estado centralizado. Assim, o autor constatou que os municípios de maior porte foram os primeiros a aderirem ao processo de descentralização educacional em 1996. A partir de 1997, intensificou-se a adesão das cidades de médio e pequeno porte. O autor defende que esse processo deve ser administrado levando-se em consideração as características de cada local, pois embora a munici-palização permita uma proximidade da comunidade escolar nas decisões referen-tes ao processo educacional, o aumento brusco das redes municipais evidenciou problemas quanto à manutenção da qualidade do ensino. Santos (2003) indica que, no estado de São Paulo, o processo de municipalização incentivado pela criação do FUNDEF teria colaborado para a melhoria do desempenho escolar.

Fernandes e Freitas (2003) estudaram o processo de municipalização do ensino fundamental no município de Dourados, Mato Grosso do Sul. Houve paralela à municipalização, redução do analfabetismo e aumento das matrículas no ensino fundamental, entre 1980 e 2000. Isso poderia ser encarado como maior oferta do serviço prestado e determinada melhora da qualidade desse ser-viço. Entretanto, os autores explicitam que o processo de municipalização nesse município está apenas no início, existindo desafios a serem enfrentados nos pró-ximos anos como: financiamento suficiente para a educação, universalização do ensino fundamental, bem como a transferência de todo o ensino fundamental para o município.

Já Razo, Fernandes e Soares (2005), analisando as consequências da munici-palização sob a qualidade do ensino fundamental brasileiro, fazem uma trajetória dessa forma de descentralização, demonstrando que esta começou a ser difundida na década de 1950 por Anísio Teixeira. Assim, tornou-se objeto de política na Constituição Federal de 1988 e foi intensificada a partir de 1996 pela Lei de

137Municipalização e Qualidade de Ensino Fundamental no Município de Ponte Nova...

Diretrizes de Bases da Educação Nacional (LDB). Além disso, delineia o papel do FUNDEF que estimulou o processo de municipalização pela transferência de recursos aos municípios que passaram a arcar com o ensino fundamental. Logo, com base nos dados do Censo Escolar de 1996 a 2002, verificaram que nos esta-dos de Santa Catarina, do Ceará e da Bahia, o processo de municipalização não afetou significativamente os indicadores de desempenho escolar dos alunos. No estado de Minas Gerais, o processo contribuiu para deteriorar a qualidade do ensino de 1a a 4 a série.

O objetivo deste trabalho é verificar como os fatores relacionados à escola – o aumento de professores com curso superior, o fornecimento de atividades extra-curriculares e o número de alunos por sala – vêm influenciando no desempenho dos alunos, além de determinar como a municipalização afetou o rendimento desses alunos.

Para isso, foi escolhido o município de Ponte Nova, situado na Zona da Mata Mineira. Ponte Nova iniciou o processo de municipalização em 1998, quando contava com apenas uma escola de estrutura considerável, ofertando en-sino fundamental e médio, alcançando, no fim de 1998, o total de dez escolas municipais, que ofereciam ensino fundamental. Segundo a entrevista realizada com o responsável pela Secretaria Municipal de Educação, antes da municipaliza-ção do ensino, o município contava com cerca de 500 alunos, incluindo ensino fundamental e médio. Posteriormente, passou a contar com aproximadamente 4 mil alunos, sendo estes, da educação infantil e do ensino fundamental.1 Observa--se que o processo de municipalização gerou mudanças bruscas, em curto período de tempo, na administração da secretaria de educação, dada a multiplicação por oito do número de alunos e o crescimento administrativo necessário para aten-der a essa nova realidade. Além disso, o município é considerado um dos polos educacionais na região da Zona da Mata Mineira. Encontra-se em Ponte Nova a 33a Superintendência Regional de Ensino, de onde são transferidas as orientações para outros 29 municípios da região.

A transferência dessas escolas para a rede municipal contou com a ajuda do governo do estado de Minas Gerais no que se refere ao empréstimo de docentes por um período de dois anos. Isso não teria se verificado em relação à estrutura administrativa central, tendo o município que montar toda uma nova estrutura para atender um número maior de alunos, segundo os responsáveis da secretaria de educação da cidade.

1. De acordo com Secretaria Municipal de Educação, no período de 1997 a 2004, o aumento considerável de alunos se deu devido à exigência do MEC, com base na Lei no 9.424/1996, que dispõe sobre o FUNDEF e regulamenta a cota que os governos estaduais e municipais devem receber de acordo com o número de alunos, exigindo um mínimo de 4 mil alunos para que os municípios tivessem direito de receber os recursos do fundo.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011138

Foram selecionadas três, das nove escolas municipalizadas, devido à disponi-bilidade de dados, sendo que, as escolas 1 e 2 se encontram em bairros de periferia e a escola 3 no centro da cidade de Ponte Nova. Por meio de entrevistas com os diretores das três escolas, detectou-se que as escolas 1 e 2 atendem, em sua maio-ria, alunos da comunidade em que estão inseridos na média, e esses apresentariam renda familiar baixa. A escola 3, localizada em um bairro central da cidade, é ca-racterizada por atender alunos de diversas comunidades e com renda familiar mé-dia, na percepção dos entrevistados, provavelmente superior às das escolas 1 e 2.

2 MUNICIPALIZAÇÃO E QUALIDADE DE ENSINO

É sempre problemático quando se tenta analisar a qualidade do ensino, uma vez que não há um consenso do que representaria este fator. Alguns autores indicam o rendimento dos alunos como uma variável razoável para avaliar a qualidade do ensi-no. Outros apontam a evasão escolar, a frequência e outras formas de avaliação, que não envolvem provas ou análises de rendimentos, como a forma mais adequada.

Outro ponto importante é levantado quando se discute quais seriam as principais variáveis que afetariam a qualidade do ensino. Neste caso, pode-se di-zer que existe, de certa forma, um consenso. De modo geral, essa variável seria afetada pelas características dos alunos e insumos escolares.

Segundo Albernaz, Ferreira e Franco (2002), o desempenho educacional depende de determinados insumos educacionais e características pessoais dos alu-nos, sendo estas relações demonstradas por meio de uma função de produção educacional, expressa pela equação:

(1)

em que, y expressa o desempenho dos alunos, determinado pelas: características pessoais, c, como raça e cor; pelas características de suas famílias, m, como ren-da e escolaridade dos pais; depende, também, das características dos colegas de colégio, g; das características dos professores, p, tais como escolaridade, salário e experiência; e características da própria escola, s.

De acordo com Albernaz, Ferreira e Franco (2002), analisando dados do Sistema de Acompanhamento da Educação Básica (SAEB) para alunos da 8a série do ensino fundamental, no Brasil, as variáveis educacionais ou os insumos escola-res (relacionadas aos professores e à escola) foram significativos na determinação do desempenho dos alunos, resultado contrário aos encontrados para as escolas norte-americanas, em que variáveis referentes às características particulares dos alunos e das famílias destes são o que de fato interfere no rendimento dos estu-dantes. Albernaz, Ferreira e Franco (2002) também encontrou relações significa-tivas entre as características dos estudantes e o desempenho escolar destes.

139Municipalização e Qualidade de Ensino Fundamental no Município de Ponte Nova...

Bazzo (2005) ratificou a importância do aparato material e técnico da es-cola, mas deixa claro que a reciclagem, o treinamento e o aperfeiçoamento dos professores são de suma importância para que o rendimento escolar e a qualidade do ensino melhorem.

Araújo e Luzio (2004) analisaram a qualidade do ensino no Brasil. Entre as variáveis escolhidas para expressar esse fator estão o rendimento dos alunos nas diversas disciplinas ministradas no 3o ano do ensino médio, assim como a frequ-ência na escola. Os autores constatam uma queda na qualidade, personificada no rendimento dos alunos aquém dos padrões mínimos esperados. A exposição dos alunos às novas tecnologias e à boa formação do corpo de professores é funda-mental para a melhoria do ensino no país. Observou-se que as características par-ticulares dos alunos, assim como as diferenças regionais interferem diretamente na determinação da qualidade do ensino.

Sobreira e Campos (2004) utilizaram a média escolar das matérias de mate-mática e português (dados do SAEB) dos alunos da 4a série do ensino fundamen-tal, no Brasil, com proxi para qualidade do ensino, e a relacionaram com os recur-sos financeiros do FUNDEF e com a razão de professores com ensino superior, por número de matrícula. Os autores concluíram que quanto maior os recursos financeiros destinados à educação maior a média dos alunos da 4a série do ensino fundamental no Brasil. A razão de professores com ensino superior por matrícula também afetou positivamente a média dos alunos. Finalizando, um maior esforço para elevar os investimentos financeiros em educação e formação de professores é fundamental para a melhoria do ensino no país.

Já para Paro (2000) a qualidade do ensino fundamental vai além das me-dições por provas ou outro tipo de avaliação convencional. Ele argumenta que, preocupados com números, as escolas e os governos se esquecem de que a ativi-dade de aprendizado deve ser prazerosa e que o tempo de lazer e o ócio são neces-sários para se criar indivíduos saudáveis e criativos. O autor salienta que a escola fundamental deve trabalhar em duas dimensões: individual e social. A dimensão individual visaria o autodesenvolvimento (“viver bem”) do aluno, enquanto que a social prepararia o aluno para atuar de forma a buscar o “viver bem” para todos. Isto prepararia o indivíduo para o bom usufruto dos bens espirituais e materiais. Enfim, preparar o aluno para viver democraticamente. Infelizmente esses elemen-tos nem sempre são passíveis de medição.

Como existem fatores que não podem ser classificados como sendo da es-cola ou particularidades dos alunos, e que interferem na qualidade do ensino, parece ser consenso. O processo de municipalização do ensino fundamental, intensificado a partir da segunda metade da década de 1990, é um deles. Este é um fator político que, assim como as variáveis citadas anteriormente, afetaria

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011140

significativamente a qualidade e, diretamente, o rendimento dos alunos nas es-colas que, por ventura, viessem a ser municipalizadas.

Existem vários trabalhos que visam expor a forma como esse tipo de po-lítica poderia afetar a qualidade do ensino. Cavalcanti (1997) argumenta que quando se fala em municipalização deve-se levar em conta o fato de que os municípios não possuem recursos financeiros para manter o modelo de oito anos,2 proposto para o ensino fundamental. Este modelo deveria ser financiado pela União e pelos estados ou deveria haver uma reforma, de modo que uma parcela maior da carga tributária se tornasse de competência dos municípios, o que envolveria questões muito mais amplas que fogem do escopo deste trabalho. A autora alerta para possíveis ineficiências no sistema educacional, causadas por grande influência política nas esferas municipais e conclui contrapondo-se à tese de que a escola deve se adaptar à realidade local. Para Cavalcanti (1997) essas tentativas de adaptação acabaram resultando em programas pedagógicos bastan-te pobres e com conteúdos limitados.

De acordo com Teixeira (1957 apud SILVA, 1999), a municipalização seria um meio para a organização do ensino no Brasil e deveria ser encami-nhada por meio de um pacto entre União, estados e municípios. Os primeiros entrariam com os recursos e com a formação de educadores competentes nas mais diversas áreas do conhecimento, e os municípios entrariam com a ime-diata direção e administração, por estarem mais próximos dos problemas e acessíveis a cobranças.

Mendes (2001) comprovou a importância do FUNDEF no processo de municipalização do ensino no Brasil. O autor observa que à medida que se in-tensificava o processo de municipalização ocorreram aumentos na qualidade do ensino, qualidade esta representada pela elevação da taxa de aprovação, aumento do número de professores com curso superior e redução da taxa de abandono. Outra conclusão foi a redução das desigualdades das estatísticas de educação entre os municípios.

Martins (2003) alerta para a heterogeneidade dos municípios, no que tange à arrecadação, ao porte e ao perfil político-administrativo. Para o autor, a demo-cracia exercida em escalas menores facilitaria a solução de problemas existentes. A comprovada ineficiência de sistemas de ensino centralizados, segundo o autor, aumenta as perspectivas de que, diante da heterogeneidade dos municípios, uma administração municipal seria mais eficiente, uma vez que há proximidade do Poder Executivo e possibilidades de perturbação deste poder.

2. É importante salientar que a partir de 2004 o ensino fundamental, no estado de Minas Gerais (Resolução no 469/2003), passou a compreender nove anos de duração.

141Municipalização e Qualidade de Ensino Fundamental no Município de Ponte Nova...

Contudo, deve-se ressaltar que a transferência da responsabilidade do ensi-no fundamental da União e dos estados para os municípios gera um período con-turbado de transição que, se não forem consideradas as particularidades de cada município, pode afetar a futura competência destes na administração do ensino. Isso porque os municípios não possuem capacidade técnica para gerir maiores recursos financeiros, assim como recursos humanos insuficientes. Esse processo geraria perturbações nas redes de ensino que poderiam levar a criação de sistemas locais mais ou menos eficientes, dependendo de como a transição fosse feita e o rumo que ela tomasse (MARTINS, 2003). Essa observação é compartilhada por Sicca (2005), que aponta como uma das dificuldades para que a municipalização alcance resultados satisfatórios, o fato de determinados municípios não possuírem recursos humanos e não reunirem condições de gerirem um sistema de ensino.

Fernandes e Freitas (2003) deixam claro que uma das metas da municipali-zação do ensino é a busca do aumento da qualidade deste, o que só seria possível com a articulação entre os órgãos federais, estaduais e municipais, principalmente no tocante à formação de professores competentes.

Para Santos (2003) a proximidade dos administradores aumentaria a com-petência na gestão dos poucos recursos destinados à educação. Além disso, a mu-nicipalização seria benéfica uma vez que ficaria muito mais fácil inserir a realidade local nas cartilhas escolares.

Diante da falta de consenso acerca da eficácia da política de municipalização como forma de melhorar a qualidade do ensino, buscou-se, por meio da análise de estudo de caso, verificar como esta política afetaria o ensino. A construção de um modelo empírico que visa quantificar os efeitos da municipalização sobre o rendimento dos alunos da 4a série do ensino fundamental, assim como a influ-ência dos insumos educacionais, nas escolas de Ponte Nova, é apresentada na próxima seção.

3 METODOLOGIA

Para verificar a relação da qualidade de ensino para os alunos da 4a série3 do en-sino fundamental nas escolas de Ponte Nova foi utilizada a técnica de dados em painel. Segundo Gujarati (2006), esta técnica apresenta várias vantagens em rela-ção às que utilizam separadamente dados transversais e série temporal. Primeiro, leva em consideração a heterogeneidade entre as diversas unidades, no caso as escolas. Segundo, os dados em painel combinam dados de série temporal e secção

3. A partir de 2004, com a Resolução no 469, de 22 de dezembro de 2003, foi instituído, no estado de Minas Gerais, o ensino fundamental com duração de nove anos, estruturando-se em cinco anos iniciais e quatro finais. Nos anos iniciais, o ensino fundamental passa a ter dois ciclos de alfabetização. O ciclo inicial de alfabetização (compreendendo três fases) e o complementar (compreendendo duas fases). A 4a série, a que se refere este trabalho, passou a ser denominada de fase IV. Os quatro anos finais são, respectivamente, 5a, 6a, 7a e 8a série.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011142

cruzada, aumentando as informações, a variabilidade, reduzindo a colinearidade e elevando os graus de liberdade. Outro ponto vantajoso, e que vai de encontro ao objetivo principal deste estudo, é a avaliação da política de municipalização do ensino fundamental, ou seja, o fato de a técnica de dados em painel medir os efeitos de fenômenos ou mudanças estruturais melhor do que as técnicas de série temporal ou de secção cruzada aplicadas separadamente.

O modelo, em sua forma geral, pode ser descrito como na equação:

(2)

em que, é o intercepto comum a todas as escolas; medem a influência das variáveis relacionadas; corresponde à taxa de aprovação dos alunos da 4a série na escola i no período t. A taxa de aprovação foi escolhida para representar a qualidade do ensino. Esta taxa foi calculada por meio da razão entre o número de alunos aprovados e as matrículas efetivas, para que, dessa forma, possa-se captar os efeitos do número de abandonos, outro indicador de qualidade de ensino; é a média de alunos por sala de aula na escola i no período t. Espera-se que quanto maior o número de alunos por sala de aula menor será a taxa de aprovação; representa o percentual de professores de 1a a 4a série do ensino fundamental com curso superior na escola i no período t. Escolheu-se o número total de professores de 1a a 4a devido ao fato do censo não disponibi-lizar esses dados por série e, principalmente, porque o desempenho do aluno da 4a série depende do conhecimento adquirido nas séries anteriores, diretamente relacionado com a qualificação dos professores de 1a a 3a série. Espera-se que quanto maior o percentual de professores com formação em nível superior maior o desempenho dos alunos; é uma variável que corresponde ao fato de a escola i no tempo t apresentar determinados locais e horários onde os alunos possam e sejam incentivados a praticar a leitura, atitude que, supõe-se, contribua para seu aprendizado em todas as áreas do conhecimento, melhorando, dessa forma, seu rendimento; é uma variável dummy que representa a municipalização, assumindo valor zero no período em que a escola i ainda se encontra sobre admi-nistração estadual e um a partir do momento em que a escola é municipalizada. A municipalização pode afetar positiva ou negativamente o rendimento dos alu-nos; e finalmente, é o termo de erro.

Na metodologia de dados em painel existem os modelos de efeitos fixos e de efeitos aleatórios que são diferenciados, basicamente, pela forma como tratam o termo de erro. No modelo de efeitos fixos, cada escola terá seu termo de intercepto

143Municipalização e Qualidade de Ensino Fundamental no Município de Ponte Nova...

que captará os efeitos de variáveis que não estão contidas no modelo, e que são relevantes na determinação do desempenho escolar. Essas variáveis são conside-radas fixas, não variando aleatoriamente ao longo do tempo. Um exemplo seria a cor dos estudantes, a média de escolaridade dos pais dos alunos, a renda familiar média dos alunos etc. A equação, a seguir, apresenta o modelo de efeitos fixos:

(3)

note que agora o termo de intercepto é diferente para cada escola i. No caso da equação (3), seria estimado para cada escola valendo-se da utilização de va-riáveis dummies. Por exemplo, a variável assumiria valor 1 nos diferentes períodos para a escola 1 e zero caso contrário. O mesmo seria efeito para as demais escola de modo a estimar 3 interceptos diferentes. Isso geraria um intercepto diferente para cada escola. É fundamental ressaltar, que no caso do modelo de efeitos fixos, os diferentes interceptos estimados às escolas não apresentariam componentes aleatórios, o que acontece com o modelo de efeitos aleatórios descrito a seguir.

Uma segunda alternativa para a estimação por dados de painel seria o mo-delo de efeitos aleatórios. O modelo é apresentado pelas equações de (4) a (8):

(4)

(5)

(6)

(7)

(8)

é um termo de erro aleatório com média zero e variação constante, o que faz

que apresente as mesmas características.

O modelo de efeitos aleatórios considera um intercepto comum entre as escolas, que representaria a influência média das demais variáveis sobre a qua-lidade do ensino. A diferenciação entre cada escola seria dada por um termo de erro aleatório ( ), que determinaria como as variáveis ausentes afetariam sepa-radamente cada uma. Neste caso, as variáveis ausentes não seriam consideradas fixas, mas variariam aleatoriamente ao longo do tempo.4

A priori a escolha de qual modelo usar depende das características das variá-veis e do problema a ser investigado. Além disso, com o intuito de dar sustentação

4. As pressuposições do modelo de efeitos aleatórios são de que os erros não estão correlacionados entre si nem com as unidades de corte transversal nem com as de série temporal. Para mais detalhes, ver Gujarati (2006).

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011144

estatística à escolha, realizaram-se testes para auxiliar na determinação do modelo a ser utilizado.

Os dados utilizados neste trabalho foram extraídos do censo escolar –dispo-nibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) de cada escola e compreendem o período de 1990 a 2005 para duas das três escolas e o de 1991 a 2005 para a terceira.

4 RESULTADOS DE DISCUSSÃO

Inicialmente deve-se escolher o modelo a ser utilizado. Esta é uma escolha que depende, fundamentalmente, do problema de pesquisa e do contexto em que os dados foram coletados. Acredita-se que as variáveis não contidas no modelo, como escolaridade e renda dos pais dos alunos e cor, sejam, de fato, fixas, pois segundo Marques (2000), mesmo estudando um grupo de escolas pertencentes a uma população, as características analisadas são as mesmas ao longo do tempo, e toda a inferência deverá ser a respeito do grupo específico sob observação. Isto pesaria na escolha pelo modelo de efeitos fixos.

Judge et al. (1988) fazem algumas observações interessantes para deter-minar qual modelo utilizar. Segundo os autores, se o número de dados de série temporal for, consideravelmente, superior aos de secção cruzada, a escolha se baseia na conveniência computacional e, neste caso, o modelo de efeitos fixos é o mais indicado.

Na tentativa de dar suporte estatístico à escolha realizaram-se testes que indicam o modelo a ser utilizado. Inicialmente, há necessidade de se verificar se os interceptos das equações (3) e (4) são diferentes, ou seja, se existem diferenças significativas entre as escolas, as quais podem ser causadas por vari-áveis ausentes no modelo. O teste de Chow foi utilizado para analisar se pelo menos dois dos interceptos da equação (3) são diferentes. A hipótese nula é de que os interceptos das três escolas são iguais.5 Os resultados, apresentados na tabela 1, mostram que não foi aceita, no nível de 5%, a hipótese de que os interceptos do modelo de efeitos fixos são iguais, ou seja, representam dife-renças significativas entre as escolas. Isto indica que o modelo é preferível ao Pooled (modelo sem efeitos).

5. A estatística do teste é , em que SQRR e SQRI são as somas dos quadrados dos resíduos do

modelo restrito (modelo geral) e do modelo irrestrito (modelo de efeitos fixos ou de efeitos aleatórios); k é o número de parâmetros estimados; N é o número de secção cruzada; e T é o número de observações para cada secção, com (N - 1) e (NT - N - K) graus de liberdade.

145Municipalização e Qualidade de Ensino Fundamental no Município de Ponte Nova...

Na intenção de deixar mais clara a escolha do modelo a ser utilizado, foi re-alizado o teste de Hausman,6 apresentado na tabela 1. O resultado do teste indica que se deve optar pelo modelo de efeitos aleatórios. Porém, a matriz de diferença entre os estimadores dos modelos de efeitos fixos e de efeitos aleatórios não foi positivamente definida. O teste de Hausman poderia assumir valores negativos. Neste caso, Wooldridge (2002) recomenda utilizar o modelo de efeitos fixos. Esse resultado dispensou a realização do teste entre efeitos aleatórios e o pooled.

TABELA 1Testes estatísticos realizados para auxiliar na escolha do modelo a ser utilizado e detectar autocorrelação e heterocedasticidade

Estatísticas Valor calculado

Teste de Chow 3,5033**

Teste de Hausman* 5,9400****

Teste de Wooldridge 0,0000****

Teste de White 4,6681****

Teste de Bartlett 60,2943***

Fonte e elaboração dos autores.Notas: * Matriz não foi positivamente definida, o que elimina a confiabilidade do teste.

** Significativo a 5%. *** Significativo a 1%.**** Não significativo.

A tabela 1 apresenta, também, o teste de Wooldridge7 para verificar a presença de autocorrelação, assim como os testes de White e de Bartlett para determinar a presença de heterocedasticidade geral e em bloco (entre as uni-dades). Os resultados apontam para ausência de autocorrelação e de heteroce-dasticidade8 em uma mesma unidade, mas acusa heterocedasticidade entre as unidades ou escolas. Neste caso, é necessário corrigir o modelo para heteroce-dasticidade de secção cruzada.

O modelo estimado, corrigido para heterocedasticidade transversal, é apre-sentado na tabela 2. Embora a média de alunos por sala de aula apresente uma relação negativa com a qualidade do ensino para os alunos da 4a série do ensino fundamental, essa variável não foi significativa para determinar a qualidade no

6. O teste tem como hipótese nula o modelo de efeitos aleatórios e segue uma distribuição , em que k é o grau de liberdade; b e B são, respectivamente, os vetores dos estimadores

de efeitos fixos e efeitos aleatórios; e suas respectivas matrizes de variância Vb e VB. Para mais detalhes, ver Greene (2002, p. 301).7. A hipótese nula do teste é de ausência de autocorrelação.8. O teste de White testa a heterocedasticidade temporal e pode ser encontrado em Wooldridge (2002). O teste de Bartlett tem como hipótese nula a homocedasticidade contra a hipótese alternativa de heterocedasticidade em bloco, ou seja, homocedasticidade em cada unidade ou escola e heterocedasticidade entre as unidades. Mais detalhes sobre o teste podem ser encontrados em Marques (2000).

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011146

período analisado. Uma possível explicação seria a pouca variabilidade, ao longo dos anos, dos dados referentes à média de alunos por sala.

TABELA 2Modelo de efeitos fixos para os determinantes da qualidade do ensino na cidade de Ponte Nova

Variável dependente: taxa de aprovação (A)Método de estimação: Pooled EGLS (Cross-section weights)

Variáveis independentes Parâmetros estimados

Constante0,816037

(6,630637)**

Média de alunos por sala de aula (AS)-0,001115

(-0,285526)***

Percentual de professores com ensino superior (PPES)0,049798

(2,586874)*

Presença de sala de leitura (SL)0,124542

(6,273252)**

Municipalização (M)-0,176083

(-9,075146)**

Efeitos fixos (transversais)

Escola 1 -0,015312

Escola 2 -0,064343

Escola 3 0,075634

R2 0,778910

Estatística F 23,48695**

Fonte e elaboração dos autores.Notas: * Significativo a 5%.

** Significativo a 1%. *** Não significativo.

Obs.: Os valores entre parênteses são referentes às estatísticas t.

A variável PPES foi significativa no nível de 1%. Os resultados mostram que quanto maior o nível educacional dos professores de 1a a 4a série, maior a taxa de aprovação dos alunos. Albernaz, Ferreira e Franco (2002), Araújo e Luzio (2004), Bazzo (2005) e Sobreira e Campos (2004) obtiveram resultados semelhantes, que corroboram os encontrados neste trabalho.

Isso justificaria e fundamentaria as exigências, por parte do governo, de que os professores de 1a a 4a série do ensino fundamental devem ter cursado ensino superior. É importante, também, que o governo atue na complementação da formação dos professores que já fazem parte do seu quadro docente, visto que essas medidas contribuiriam para a melhoria da qualidade do ensino.

Alguns programas, nesse sentido, já vêm sendo realizados. Um exemplo se-

147Municipalização e Qualidade de Ensino Fundamental no Município de Ponte Nova...

ria o Projeto Veredas, que corresponde ao curso de magistério superior à distân-cia, implantado e coordenado pela Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais, composto por várias instituições de ensino superior como a UFV e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Esse curso foi direcionado para professores de 1a a 4a série do ensino fundamental, em exercício nas redes públicas de Minas Gerais (UFMG, 2006).

A variável presença de SL mostrou-se positiva e significativamente associada às taxas de aprovação. A sala de leitura é um espaço reservado aos estudantes, em deter-minados horários, para a prática da leitura. Os resultados comprovam que este tipo de serviço, quando prestado pelas escolas, tende a melhorar o rendimento médio dos alu-nos e, desse modo, contribuir para a qualidade do ensino. Segundo Gil Neto (1992), a prática da leitura não só aprimora a escrita do aluno como contribui para a ampliação de sua visão de mundo, melhorando seu desempenho escolar de modo geral.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) salientam, também, a importância da prática da leitura na escola para a formação de leitores competen-tes, capazes de compreender e interpretar os textos lidos. O ganho de eficiência tra-zido pela prática da leitura refletiria em melhoria no rendimento geral dos alunos.

Antes de analisar os efeitos da municipalização, cabe uma observação acerca dos efeitos fixos. Tais efeitos captam as influências de variáveis importantes na determinação da qualidade do ensino e que não estão presentes no modelo, ser-vindo, também, para diferenciar as escolas. Observando os efeitos fixos percebe-se que a escola 3 apresenta resultados, em termos de qualidade, acima da média, ficando a escola 2 com o pior desempenho. Cabe ressaltar que este desempenho é relativo às três escolas analisadas. Além disso, uma das características dos alunos da escola 3 é apresentarem, na média, renda familiar superior às das escolas 1 e 2. Albernaz, Ferreira e Franco (2002), observam que os alunos que tinham ren-da familiar mais elevada apresentavam rendimento mais alto, quando diante do contato com professores com nível de escolaridade superior. Este evento pode ser uma das explicações para o fato da escola 3 está acima da média.

Analisando a variável municipalização, verifica-se que, para as três escolas ana-lisadas no município de Ponte Nova, esse processo mostrou-se negativo às taxas de aprovação dos alunos da 4a série. Os resultados corroboram os encontrados por Razo, Fernandes e Soares (2005), quando estes concluem que, principalmente no estado de Minas Gerais, a municipalização veio acompanhada de indicadores educacionais piores no ensino de 1a a 4a série. Porém deve-se ressaltar que Martins (2003), Santos (2003) e Fernandes e Freitas (2003) obtiveram conclusões contrárias, apontando benefícios à qualidade do ensino trazidos pelo processo de municipalização.

Entretanto, não se pode generalizar a partir dos resultados encontrados

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011148

neste trabalho, afirmando, como Cavalcanti (1997), que a municipalização seria prejudicial no que tange à melhoria da qualidade do ensino. Posições como as de Santos (2003) e Silva (1999), que se mostraram favoráveis à municipalização, também devem ser vistas com ressalvas.

Como destaca Martins (2003) e Sicca (2005), a decisão de municipalizar o ensino fundamental deve levar em conta a heterogeneidade entre os mu-nicípios. Determinados municípios reúnem condições econômicas, adminis-trativas e de pessoal, que os capacitam para assumir, de forma responsável, o ensino fundamental. Outros precisariam realizar um trabalho, nesse sentido, antes dos governos federal e estadual os repassarem a responsabilidade de ad-ministrar tal ensino.

Deve-se lembrar que a maioria dos municípios não tinha a cultura e a expe-riência necessária para assumir o ensino fundamental. Sendo natural que haja um período de adaptação da máquina pública municipal. Durante esse período, os municípios ganhariam experiência suficiente para fornecer os insumos necessários para melhorar a qualidade do ensino.

O município de Ponte Nova não passou por um processo de transição adequado para que pudesse assumir a nova demanda de ensino já contando com os profissionais treinados. Nessa fase de transição, compreendendo os anos de 1997 e 1998, o município não teria realizado concursos públicos para cobrir o pessoal disponibilizado pelo estado. Isto só veio a acontecer a partir de 1999. Durante 1999, 2000 e até a metade de 2001, a prefeitura se preparou para com-por seu quadro de funcionários no sistema de ensino. Nesse período houve a contratação do pessoal técnico-administrativo. Contudo, deve-se ressaltar que o município não contou com a ajuda do Estado neste sentido, tendo que iniciar suas atividades, no que se refere à organização estrutural dos estabelecimentos de ensino, sem contar com quadro de funcionários suficientes para desenvolver as atividades administrativas.

É importante ressaltar que, para receber os recursos do FUNDEF, o municí-pio teve que contar com um número mínimo de alunos, passando de 500 ao todo para 4 mil, o que segundo o responsável pela Secretaria de Educação, que ocupou o cargo entre os anos de 1997 a 2004, deixou o sistema operando praticamente no máximo. De acordo com o relato deste, no período de municipalização foi difícil suportar o aumento de alunos, devido, principalmente, à falta de funcio-nários, mas a cota mínima tinha que ser coberta.

149Municipalização e Qualidade de Ensino Fundamental no Município de Ponte Nova...

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve como objetivo avaliar os efeitos da política de municipalização do ensino fundamental na cidade de Ponte Nova, a respeito da qualidade do ensino. Para isso, foram coletados dados do censo escolar, referentes à 4a série do ensino fundamental, de três escolas do município, compreendendo o período de 1990 a 2005.

Por meio da aplicação da técnica de dados em painel com efeitos fixos, rela-cionou-se a qualidade do ensino à média de alunos por sala de aula, ao percentual de professores com ensino superior, ao fornecimento pelas escolas de salas de leitura e à municipalização.

Os resultados mostram que o nível de escolaridade dos professores afetou positivamente a qualidade do ensino. Nesse sentido, é interessante que o governo venha a exigir do seu quadro docente a formação superior. O Programa Veredas atuou nesse sentido, à medida que forneceu o curso de magistério superior à distância para professores da rede pública que não possuíam formação superior. Esclarece-se que o trabalho não avaliou os resultados do programa, mas apenas compartilha da ideia central de qualificação do educador.

Uma observação importante diz respeito ao incentivo à leitura. Os resulta-dos mostraram que o acesso a locais e horários para que os alunos possam praticar a leitura eleva significativamente a qualidade média do ensino.

O processo de municipalização mostrou-se, no município de Ponte Nova, negativamente associado às taxas de aprovação dos alunos da 4a série do ensino fundamental. Embora, o modelo por ora apresentado não permita inferências causais, é possível que tal resultado decorra, em parte, da falta de aparato adminis-trativo, econômico e humano do município perante o aumento significativo de alunos. Isto indicaria que o processo de municipalização no município de Ponte Nova tenha ocorrido de forma precipitada. Contudo, observa-se que é necessário um período de adaptação para que a máquina pública municipal possa cuidar da educação fundamental, de forma a otimizar os recursos humanos, financeiros e materiais, obtendo, assim, melhores resultados.

Finalizando, os resultados aqui encontrados, dizem respeito a alunos da 4a série de uma amostra de três escolas do município de Ponte Nova. Qualquer ten-tativa de generalizar tais resultados poderia ser precipitada e equivocada. Como colocado anteriormente, não se deve assumir que o processo de municipalização seja prejudicial ou benéfico à qualidade do ensino fundamental. Deve-se lembrar que os municípios são heterogêneos e essas diferenças devem ser consideradas na hora de adotar a política de municipalização.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011150

REFERÊNCIAS

ALBERNAZ, A.; FERREIRA, F. H. G.; FRANCO, C. Qualidade e Eqüida-de na educação fundamental brasileira. Rio de Janeiro, 2002. Disponível em: <www.econ.puc-rio.br/PDF/td455.pdf>. Acesso em: 14 set. 2006.

ARAÚJO, C. H.; LUZIO, N. Qualidade da educação: uma nova leitura do de-sempenho dos estudantes da 3a série do ensino médio. Brasília, 2004. Disponível em: <www.sbm.org.br/inepestudo.htm-3k>. Acesso em: 12 ago. 2006.

BAZZO, W. A. Qualidade de ensino e sistemas de avaliação, 2005. Disponível em: <www.engenheiro2001.org.br/artigos/Bazzo.doc>. Acesso em: 18 ago. 2006.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental (SEF). Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa. Brasília, 1997.

CAVALCANTI, Z. M. C. Municipalização do Ensino de 1o Grau: uma questão que vai e volta. Cadernos de Estudos Sociais, v. 3. n. 3, p. 217-224, 1997.

FERNANDES, M. D. E.; FREITAS, D. N. T. Percursos e desafios da muni-cipalização do ensino fundamental em dourados. Mato Grosso do Sul, 2003. Disponível em: <www.anped.org.br/26/trabalhos/mariadilneiaespindolafernan-des.rtf>. Acesso em: 12 ago. 2006.

GIL NETO, A. A produção de textos na escola: uma trajetória da palavra. São Paulo: Loyola, 1992. 172 p.

GREENE, W. H. Econometric Analysis. 5 ed. New Jersey: Prentice Hall, 2002. 1026 p.

GUJARATI, D. N. Econometria básica. 4 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. 819 p.

INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Disponível em: <www.inep.gov.br/basica-censo>. Acesso em: 2011.

JUDGE, G. G. et al. The Theory and Practice of Econometrics. 2. ed. New York: Wiley, 1988. 1064 p.

MARQUES, L. D. Modelos dinâmicos com dados em painel: revisão de lite-ratura. Centro de Estudos Macroeconômicos e Previsão, Faculdade de Economia do Porto, 2000. 84p. (Texto para Discussão, n. 100).

MARTINS, A. M. Uma análise da municipalização do ensino do estado de São Paulo, 2003. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/cp/n120/a12n120.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2006.

151Municipalização e Qualidade de Ensino Fundamental no Município de Ponte Nova...

MENDES, M. Descentralização do ensino fundamental: avaliação de resul-tados do FUNDEF. 2001. Disponível em: <www.ipea.gov.br/pub/ppp/ppp24/parte2.pdf >. Acesso em: 15 ago. 2006.

PARO, V. H. Educação para Democracia: o elemento que faltava na discussão da qualidade do ensino. São Paulo, 2000. Disponível em: <novaescola.abril.com.br/ed/138_dez00/html/paro_educ.doc>. Acesso em: 20 set. 2006.

RAZO, R; FERNANDES, C.; SOARES, S. O impacto da municipalização no ensino fundamental brasileiro: uma estimativa por escores de propensão utili-zando os dados do Censo Escolar, 2005. Disponível em: <www.econ.puc-rio.br/PDF/seminario/2005/artigo_versao2_cris.pdf>. Acesso em: 5 out. 2006.

SANTOS, H. O. O FUNDEF, a municipalização do ensino em São Paulo, e o ideário pedagógico municipalista de Anísio Teixeira, 2003. Disponível em: <abe1924.org.br/trabalhos/O%20fundef%20a%20municipalizacao%20do%20ensino%20em%20sao%20paulo.doc >. Acesso em: 13 ago. 2006.

SICCA, C. I. A Municipalização do ensino e suas implicações nos municípios de rio das pedras/SP, 2005. Disponível em: <www1.capes.gov.br/estudos/dados/2004/33007012/038/2004_038_33007012001P8_ProjPesq.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2006.

SILVA, A. A. Municipalização do Ensino Fundamental: de Anísio Teixeira ao embates contemporâneos. 1999. Disponível em: <www.inep.gov.br/pesquisa/bbe-online/det.asp?cod=51852&type=P-9k>. Acesso em: 20 set. 2006.

SOBREIRA, R.; CAMPOS, B. C. Investimento público em educação funda-mental e a qualidade do ensino: uma avaliação dos resultados do FUNDEF, 2004. Disponível em: <www.economia.ufpr.br/publica/textos/2005/sobrei-ra%20e%20campos.doc>. Acesso em: 20 set. 2006.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS (UFMG). Disponível em: <www.fae.ufmg.br/veredas/>. Acesso em: 8 out. 2006.

WOOLDRIDGE, J. M. Econometric Analysis of Cross Section and Panel Data. Cambridge: MIT Press, 2002. 740 p.

Originais submetidos em setembro de 2009. Última versão recebida em junho 2011. Aprovado em julho de 2011.

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA SUSTENTÁVEL: ALGUNS DESAFIOS*

Regina Bienenstein**

Roberto Bousquet Paschoalino***

Daniela Vieira do Amaral Correia****

Marcus César Martins Cruz****

Fábio Roberto de Oliveira Santos*****

Este trabalho discute a contribuição de diferentes atores políticos e sociais para o avanço e/ou retrocesso da democratização do acesso à terra regular e servida pela população de baixa renda. Para tanto, toma como casos-referência os assentamentos populares Vila Esperança e Engenho Velho, localizados, respectivamente, nos municípios de São Gonçalo e Itaboraí (estado do Rio de Janeiro), sendo um situado em terreno acrescido de marinha, portanto terra da União, e o outro, em terreno municipal. Os processos de regularização aí desenvolvidos encontram-se em curso e em diferentes estágios. Os trâmites burocráticos, os descompassos entre discurso e ação, as características da equipe técnica municipal, o papel do movimento popular e da universidade para a efetividade da ação são alguns dos aspectos abordados. Tomando por base essa reflexão, são apontadas lições e desafios a partir de uma abordagem interdisciplinar.

Palavras-chave: Regularização Fundiária; Cidade Informal; Moradia Popular; Urbanização; Democracia Participativa.

SUSTAINABLE LAND TENURE REGULAIZATION: SOME CHALLENGES

The paper discusses the contributions of different political and social actors regarding advances and/or setbacks to the democratization of legal access to land for low income communities. In order to do so, it takes as study cases two settlements: Vila Esperança in São Goncalo County, and Engenho Velho in Itaborai County, both in the State of Rio de Janeiro. Both settlements occupy public land, and their land regularization processes remain unfinished and evolve in different pace. Bureaucracy in local decision processes, gaps between theoretical ideals and actual practices, the specific features of local teams of experts and technical staff involved, and the role played by grassroots movements and the university itself are some of the issues discussed. Upon reflections

* Este artigo representa um aprofundamento do trabalho apresentado no XIII ENAnpur (Encontro Nacional da As-sociação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional – Anpur), 2009, sob o títu-lo Regularização fundiária em terras públicas: desafios e perspectivas, de autoria de Regina Bienenstein; Daniela Vieira do Amaral Correia; Epitácio Pandiá Dias Reis; Bruna da Cunha Guterman; Marcus César Martins Cruz; e Roberto Bousquet Paschoalino.** Professora do curso de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail: [email protected]*** Pós-graduando em Planejamento Urbano e Regional pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Re-gional (IPPUR) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: [email protected] **** Mestre em Gestão e Planejamento Urbano pela UFF. E-mails: [email protected] e [email protected]***** Professor do curso de Direito da UFF, defensor público do estado de Rondônia, professor das Faculdades Associa-das de Ariquemes (FAAr), ex-professor da Faculdade de Direito da UFF. E-mail: [email protected]

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011154

on these key questions, the paper aims at bringing light on what has been learned and what are the challenges faced by an interdisciplinary approach.

Key-words: Legal Regularization of Urban Land; Informal City; Social Housing; Urbanization; Participatory Democracy.

REGULARIZACIÓN SOSTENIBLE DE LA TIERRA: ALGUNOS RETOS

El documento analiza la contribución de diferentes actores políticos y sociales para avanzar y/o revertir la democratización del acceso a la tierra regular servida por la población de bajos sueldos. Para eso, toma como referencia el caso de los asentamientos populares Vila Esperança y Engenho Velho, situados respectivamente en los municipios de São Gonçalo y Itaboraí (Estado de Rio de Janeiro), siendo uno situado en un terreno de Marina, por tanto tierra del govierno federal y el otro en terreno municipal. Los procedimientos de ajuste allí desarrollados están en curso y en diferentes etapas. Los procedimientos burocráticos, los desajustes entre el discurso y la acción, las características de los técnicos municipales, el papel del movimiento popular y la Universidad para la eficacia de la acción son algunos de los puntos planteados. Basándose en esta consideración, se señalan las lecciones y desafíos de un enfoque interdisciplinario.

Palabras-clave: Regularización de Tierras; Ciudad Informal; Vivienda Popular; Urbanización; Democracia Participativa.

RéGULARISATION DURABLE DES TERRES: QUELQUES DéFIS

L’article discute la contribution de différents acteurs politiques et sociaux envers l’avance et/ou recul de la démocratisation de l’accès à la terre regulière, avec des services et de biens essentiels, par la population plus pauvre. Pour autant, le texte envisage les “assentamentos” populaires de Vila Esperança et Engenho Velho, situés, respectivement, à São Gonçalo et Itaboraí (État de Rio de Janeiro), le premier terrain appartenant à l’État et le deuxième à la municipalité. Les procès de régularisation y développés sont en cours dans de différents niveaux. Les procédures bureaucratiques, les décalages entre le discours et l’action, les caractéristiques de l’équipe technique municipale, le rôle du mouvement populaire et celui de l’Université envers une action effective sont quelques uns des aspects envisagés. À partir de cette reflexion, le texte nous offre des leçons et des défis sous un regard interdisciplinaire.

Mots-clés: Régularisation de la Terre; Ville Informelle; Habitation Populaire; Urbanisation; Démocratie Participative.

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho discute as dificuldades e os desafios enfrentados no acesso à terra urbana pelas camadas populares, se detendo no papel de diferentes atores sociais, inclusive o da universidade pública, nos processos de regularização fundiária de assentamentos informais.

Essa reflexão é feita a partir da experiência de extensão universitária desen-volvida pelo Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos (NEPHU)

155Regularização Fundiária Sustentável: alguns desafios

da Universidade Federal Fluminense (UFF),1 e contempla uma visão transdisci-plinar, envolvendo as áreas de Arquitetura e Urbanismo, Direito, Engenharia, Ci-ências Sociais e Serviço Social. Toma os assentamentos populares Vila Esperança e Engenho Velho, situados, respectivamente, nos municípios de São Gonçalo e Itaboraí, como casos exemplares.

O termo regularização fundiária sustentável, conforme aqui colocado, se refere ao processo que, além de resolver o problema da insegurança da terra ocupada, deve agregar qualidade à moradia e, assim, representar uma contri-buição à inclusão de contingentes populacionais que historicamente têm es-tado excluídos dos benefícios da cidade. Isto significa que inclui o tratamento do aspecto jurídico da propriedade da terra, aliado à busca por soluções para situações de risco e à preparação do assentamento para receber infraestrutura, saneamento básico e espaços públicos e privados planejados – ruas, praças, lotes, edificações etc. –, e ainda, à um processo social voltado para informar a população sobre as implicações da passagem da condição de posseiro para a de proprietário ou equivalente, e para identificar caminhos possíveis para a geração de trabalho e renda. Além disso, enfatiza a necessidade de associar o tratamento da questão da moradia a um conjunto de políticas públicas garan-tidoras da dignidade da pessoa humana, em especial, a educação, a saúde, o transporte, o lazer e a geração de trabalho e renda.

A experiência parte do pressuposto de que as disparidades sociais têm ori-gem nas relações capitalistas de produção e, portanto, tem claro que não será ape-nas pela via de ações de regularização fundiária que se eliminará as desigualdades no acesso aos espaços urbanos.

No entanto, reconhece-se que, no cenário atual, em que a informali-dade pode atingir mais de 50% da cidade (ABRAMO, 2003), configura-se uma situação em que é reconhecidamente impossível desconsiderar esse es-paço já construído. Portanto, ações voltadas para urbanização, recuperação e, também, regularização jurídica da propriedade da terra em assentamen-tos populares são assumidas como alternativas que se apresentam viáveis para melhorar as condições de vida dos trabalhadores de baixa renda e dos setores excluídos da sociedade.

1. O trabalho do NEPHU teve origem no fim de 1982, a partir da solicitação de assessoria técnica encaminhada por uma favela ameaçada de remoção total, e sua institucionalização, em 1986, se deu em face dos resultados obtidos nesse primeiro projeto. Nesse núcleo se integram atividades de ensino, pesquisa e extensão, e participam professores, técnicos e estudantes de várias áreas do conhecimento – Arquitetura e Urbanismo, Engenharia Civil, Geotecnia, Ciên-cias Sociais, Economia, Serviço Social, Comunicação, Direito etc. No que se refere às atividades de extensão, este núcleo está primordialmente voltado para a assessoria técnica do movimento popular pela moradia, atuando sempre a partir da solicitação dele. Além das atividades de suporte técnico, a comunidade organizada do NEPHU assessora também órgãos do poder público, sempre em uma perspectiva de disponibilizar conhecimento e capacitar gestores públicos.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011156

É notório que parte significativa da população brasileira não ocupa um am-biente minimamente sadio e, consequentemente, não habita unidades dignas. A periferia do capitalismo apresenta hoje uma grande mancha urbana de pobreza, isto é, grandes áreas de irregularidade e informalidade combinadas, produtos do agravamento das desigualdades sociais (DAVIS, 2006).

No Brasil, os problemas relacionados à ocupação do espaço urbano, em es-pecial pelas famílias de baixa renda, não são recentes. Loteamentos clandestinos e favelas se tornaram a solução de moradia para considerável parcela da população que não tem possibilidade de acesso à terra via mercado formal ou via produção pública. Na verdade, a urbanização continua a expressar e materializar a natureza desigual do capitalismo. Aos trabalhadores, detentores apenas de sua força de trabalho, restam áreas não valorizadas pelo capital imobiliário e, por isso, quase sempre desprovidas das benfeitorias inerentes à vida urbana.

Tais áreas de pobreza se espraiam pela cidade oficial, pulverizando-se lado a lado com as áreas de média e alta renda, dotadas de serviços e equipa-mentos, trazendo a desvalorização da terra aos olhos do mercado imobiliário. Não bastasse a exclusão geográfica, o preconceito social contra essas famílias recrudesce, como se a degradação do espaço de moradia constituísse também uma mancha moral, e elas passam a ser identificadas como classes perigosas (AZEVEDO; RIBEIRO, 1996).

Claro está que, conforme apontam Acselrad e Leroy (2003), essa carência estrutural se rebate também na dificuldade relativa à participação política e à reivindicação dos direitos de cidadania e de informação, despotencializando a capacidade de ação coletiva em favor da qualidade do ambiente comum.

Frente a essa realidade, é importante destacar que não se assume a regulari-zação fundiária de terras ocupadas como solução única e suficiente para responder ao problema da habitação, da ilegalidade na ocupação do solo e da exclusão so-cioespacial. Na realidade, reconhece-se que, se implantada isoladamente, pode vir a estimular e alimentar a indústria da irregularidade (CENECORTA; SMOLKA, 2000). No entanto, a redistribuição fundiária é fundamental para que o país crie instâncias de empoderamento, permitindo que grandes parcelas da população saiam da condição de miséria e pobreza (ACSELRAD; LEROY, 2003).

Nesse sentido, devem ser adotadas soluções diversificadas que contemplem tanto a recuperação e adequação do estoque de moradias representado pelas fa-velas, como a provisão de novas unidades. Além disso, são necessárias ações que viabilizem a aplicação dos instrumentos de regulação urbana oferecidos pela Constituição Federal de 1988 (CF/88), pelo Estatuto da Cidade e pela Medida Provisória (MP) no 2.220/2001 de modo a garantir e facilitar o acesso da classe trabalhadora à terra vazia regular e servida (CENECORTA; SMOLKA, 2000).

157Regularização Fundiária Sustentável: alguns desafios

Cumpre destacar que a CF/88 mudou a visão sobre a propriedade privada, a qual perdeu seu caráter eminentemente individual e absoluto, adquirindo uma feição mais pública e coletiva. Essa alteração realizou-se porque o princí-pio da função social da propriedade veio a fazer parte do rol dos direitos e das garantias fundamentais. Isso significa dizer que a partir desse momento, ao se pensar em direito de propriedade, deve-se associar tal conceito ao exercício de sua função social. E a propriedade, para cumpri-la, deve respeitar a dignidade da pessoa humana e contribuir para o desenvolvimento nacional a partir da diminuição das desigualdades sociais.

A Carta Magna definiu também instrumentos nesse sentido, dando “po-deres ao município para intervir no território local, de maneira a adequá-lo aos fins do bem estar devido à sua população” (ALFONSIN, 1997, p. 46). Nela, a propriedade urbana é reconhecida como tendo, em sua estrutura, o condiciona-mento à observância das normas de direito urbanístico e ambiental, de modo a cumprir sua função social2 e, também, urbanística (SILVA, 2007), propiciando condições adequadas de moradia, trabalho, circulação e lazer. Ou seja, estabeleceu que toda utilização do solo urbano deve, necessariamente, cumprir sua função social, pois esta é elemento integrante do direito de propriedade.

Em termos de política habitacional, o período entre 1986 (extinção do Banco Nacional da Habitação – BNH)3 e 2003 (criação do Ministério das Cidades – MCidades) marca a quase completa omissão do governo federal na busca de respostas para a questão habitacional das classes populares, sendo essa responsabilidade transferida para o governo local. Verifica-se que tal omissão perdurou mesmo após a CF/88 e o Estatuto da Cidade. Ainda que modestas e pontuais, algumas das experiências municipais desenvolvidas buscaram supe-rar erros cometidos no passado, em especial, no período do Sistema Financeiro da Habitação/BNH.4

Em épocas mais recentes, a proposta de democratização da gestão e, a partir de 2003, quando foi criado o MCidades, o esforço de construir uma política urbana, fundiária e habitacional articulada e abrangente criou expectativas sobre ações mais efetivas que respondam à precariedade e informalidade presentes nas cidades brasileiras. No entanto, ainda são tímidos os resultados dos esforços para fazer cumprir a função social da propriedade.

2. Art. 5o, inciso XXIII; Art. 153, § 4o; Art. 156, § 1o; Art. 170, inciso III; Art. 182, § 2o; e Arts. 184, 185 e 186.3. O BNH bancou, entre 1964 e 1986, a construção de 6 milhões de moradias, sendo que no mesmo período a popu-lação cresceu em 78 milhões de pessoas (ACSELRAD; LEROY, 2003). 4. Gestão Luiza Erundina em São Paulo (1989-1993) e Orçamento Participativo em Porto Alegre – a partir de 1989, entre outros – são alguns exemplos relevantes.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011158

2 METODOLOGIA

É amplamente reconhecido que os assentamentos populares informais, em maior ou menor grau, apresentam problemas urbanísticos derivados, entre outros fatores, do próprio processo de ocupação espontâneo e da falta de assessoria técnica aos seus moradores. Entre as condições inadequadas que se consolidam e acabam por se refletir na cidade oficial, pode ser destacado o seguinte: dificuldades de acesso e circulação; lotes de dimensões muito reduzidas; alta densidade nas moradias – por vezes com mais de uma família; alta densidade na ocupação do solo – edificações construídas muito próximas umas das outras e com aberturas muito reduzidas, dificultando índices mínimos de ventilação e insolação; obstruções de drenagem; e ocupação de encostas propícias a escorregamento ou de áreas sujeitas à inundação.

O enfoque de regularização defendido nos dois casos estudados associa o aspecto jurídico ao redesenho urbanístico e permite corrigir muitas dessas situ-ações. No entanto, a adoção desta perspectiva significa enfrentar e ultrapassar inúmeras dificuldades inerentes a esse tipo de trabalho (BIENENSTEIN, 1996) e presentes em situação extremamente diferenciadas do ponto de vista socioes-pacial5 (BIENENSTEIN, 2001).

Para enfrentar tais desafios, o método de trabalho adotado incorpora a popula-ção em todas as etapas dos projetos. A metodologia participativa desenvolvida pelo NEPHU permite a definição coletiva e negociada entre os moradores do assentamen-to, das normas urbanísticas de parcelamento, e de uso e ocupação do solo a serem apli-cadas nos respectivos projetos de redesenho urbanístico e da regularização fundiária.

Em cada caso, a partir da análise técnica das características específicas de cada assentamento, respeitando a tipicidade do ambiente construído e simultaneamen-te corrigindo os problemas encontrados, são propostos parâmetros urbanísticos de parcelamento, uso e ocupação do solo e intervenções que chegam até a unidade do lote (ROLNIK, 1989; FERREIRA, 1985; WAISMAN, 1984; GONDIM, 1989).

Além de envolver os aspectos intrínsecos ligados ao tema, tal metodologia consubstancia-se no entendimento das diversas condições impostas pela realida-de, isto é, decorre das condições, das demandas e das possibilidades físico-sociais apresentadas pelo assentamento onde será realizado o projeto. Considera ainda o conhecimento popular acumulado no que diz respeito à conformação do ambien-te construído e reconhece a legitimidade dos assentamentos populares espontâne-os, o direito de sua população ter acesso aos benefícios da cidade formal e a neces-

5. Coraggio (1992, p. 9), discorrendo sobre a proposta de reforma urbana apresentada no Fórum Internacional de Reforma Urbana no Rio de Janeiro de 1992, alerta para o fato de que “a rede de interesses que afeta é ampla e diver-sa, existindo contradições não só entre as classes dominantes e subalternas como também dentro do mesmo campo popular (como no caso evidente de inquilinos e proprietários de casas modestas, ou entre habitantes de distintos bairros, ou entre habitantes e comércio ambulante etc.). Singer (1995) aponta para a diversidade das necessidades básicas das organizações populares.

159Regularização Fundiária Sustentável: alguns desafios

sidade de serem criadas condições técnicas e jurídicas para que essa legitimidade seja legalizada. A intervenção deve obedecer a critérios e parâmetros, definidos em conjunto com a população, a partir da análise técnica das características espe-cíficas do assentamento. A população beneficiária, como cliente, deve indicar ne-cessidades, discutir problemas e alternativas de solução, decidindo com técnicos os encaminhamentos dados ao processo.6 As propostas devem significar o ajuste técnico do ambiente construído, para eliminar problemas e agregar qualidade, respeitando, ao máximo, o espaço já produzido pelos moradores, evitando assim, desnecessários remanejamentos. A informação e formação dos moradores ocorre-ram por meio do processo de participação ativa que permeou todas as etapas dos projetos, desde o diagnóstico e definição de prioridades de ação até o redesenho do traçado urbanístico, equipamentos e a tipologia habitacional.

Esta metodologia foi desenvolvida no NEPHU, a partir da experiência acumulada em projetos de pesquisa e extensão sobre a temática da regulariza-ção fundiária e em diversos estudos realizados ao longo de mais de 20 anos, nos municípios de Niterói, São Gonçalo, Rio de Janeiro, Itaboraí e Nova Friburgo. Contém propostas de agregação de estudantes de diversas áreas do conhecimento, colocando-os frente a frente com a problemática relacionada com a produção do ambiente construído de uma imensa parcela da população brasileira que, até o pre-sente momento, tem empreendido as mais variadas formas de atuação na luta pelo espaço. Igualmente, a referida agregação articula o ensino, a pesquisa e a extensão, atividades fundamentais de uma universidade que se propõe pública e gratuita (BIENENSTEIN, 1994, 2001). A presença da universidade na elaboração dos projetos tem impacto bastante diverso do papel de consultorias privadas em proje-tos similares, principalmente em termos de reprodutibilidade: durante o processo de elaboração, alunos, técnicos municipais e moradores são capacitados, quer de maneira indireta, devido ao engajamento no projeto, quer diretamente, mediante capacitações de equipes. Em se tratando de uma universidade pública e gratuita, não há necessidade de monopolizar ou colocar obstáculos ao conhecimento, de maneira que durante todo o projeto há a preocupação em realizar essa troca de conhecimentos, que é muito importante para divulgar e engajar a população e os técnicos em um processo participativo, e também para fornecer amparo técnico para os funcionários das prefeituras alocados no projeto, visto que a desatualização do quadro é um aspecto recorrente. Assim, comparada a uma consultoria privada, os objetivos da participação da universidade são bastante diversos.

Os projetos em Vila Esperança e Engenho Velho incluíram o redesenho do sistema viário e dos lotes, novas moradias para as famílias em situação de risco, equipamentos coletivos, espaços para desenvolvimento de atividades relativas à

6. Ver Rolnik (1989), Ferreira (1985), Waisman (1984) e Gondim (1989).

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011160

geração de trabalho e renda, áreas de recreação e lazer, soluções de drenagem, es-gotamento sanitário e abastecimento de água, além dos processos para titulação individual. Compreenderam também o reconhecimento social que alimentou o processo jurídico, pois trazia, entre outras, informações sobre a condição da posse em relação ao terreno e à benfeitoria, tempo e forma de obtenção da moradia. Adicionalmente, permitiram a construção e o encaminhamento de possíveis ações de geração de trabalho e renda baseados na identificação das necessidades e poten-cialidades locais. Todas as propostas tomaram por base o perfil socioeconômico da população, construído por meio dos cadastros realizados em campo e a análise das condições urbanísticas e ambientais e da situação dominial e jurídica da ocupação.

Para que todas essas etapas fossem cumpridas satisfatoriamente, foi montada uma equipe multidisciplinar composta por estudantes graduandos de Arquitetura e Urbanismo, Ciências Sociais, Serviço Social e Direito, havendo também a pre-sença de arquitetos formados nas equipes. Todos, sem restrição, participavam do trabalho em campo com vista à coleta de dados – medição de área ou aplicação de cadastros – das audiências públicas aos sábados e, naturalmente, das reuniões técnicas semanais para a discussão do andamento do projeto, das dificuldades surgidas e para programar as tarefas da semana seguinte.

3 OS ASSENTAMENTOS, CARACTERÍSTICAS E PROPOSTAS APRESENTADAS

Os assentamentos Vila Esperança e Engenho Velho estão localizados em São Gonçalo e Itaboraí, respectivamente. Esses municípios apresentam preo-cupantes indicadores sociais e situam-se na região diretamente impactada pelo Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro (COMPERJ), que se en-contra em fase de implantação no município de Itaboraí. Aí, a expectativa é, entre outras, o aumento da demanda por terra para diferentes usos, inclusive a habi-tação, principalmente para as famílias de baixa renda. Atualmente, os índices de domicílios urbanos com acesso à rede oficial de abastecimento de água, tanto em Itaboraí (24%) como em São Gonçalo (80%), são inferiores aos do estado do Rio de Janeiro (88%). Uma situação ainda mais precária ocorre em relação ao acesso à rede oficial de esgoto: enquanto o atendimento no estado alcançava 57% dos do-micílios permanentes urbanos, Itaboraí contava com apenas 29% e São Gonçalo com 40% de seus domicílios com acesso ao serviço (IBGE, 2000). Em nenhum desses dois assentamentos urbanos precários estão presentes tais serviços básicos.

3.1 Vila Esperança

O assentamento Vila Esperança, em São Gonçalo, situado em terreno acrescido de marinha, teve sua ocupação iniciada na década de 1970. Na década de 1980, a ocupação foi impulsionada em função, entre outros fatores, da construção do novo traçado da Rodovia BR 101 (trecho Niterói – Manilha), da facilidade de acesso aos

161Regularização Fundiária Sustentável: alguns desafios

centros urbanos de São Gonçalo, Niterói e Rio de Janeiro, além das oportunidades de empregos geradas nesses municípios. Atualmente, residem na área 335 famílias (aproximadamente mil pessoas). Sua vizinhança é marcada por moradias de popu-lação de renda média e média baixa, e por estabelecimentos de comércio varejista, não havendo, portanto, grandes contrastes socioespaciais em relação ao entorno.

Anteriormente à sua delimitação como Zona Especial de Interesse Social (Zeis) em 2004, o cenário era de completa incerteza para os moradores. A área havia sido destinada à implantação do terminal hidroviário em 1991 e, poste-riormente, foi definida como de utilidade pública, sendo estabelecidas restrições quanto ao seu uso em 1997. Nesse mesmo ano foi realizado o cadastramento dos moradores, a fim de transferi-los para um bairro distante.

Ações efetivas do município com relação à regularização fundiária do assen-tamento só ocorreram em 2005, em decorrência da luta da população pela posse da terra e por melhorias das condições de moradia, exemplificando o que Acselrad e Leroy (2003) apontam existir no território brasileiro, isto é, a presença significa-tiva de movimentos sociais com caráter marcadamente territorial que lutam pela reorganização da propriedade do solo, bem como, pelo direito a ela.

Em virtude da luta da população pela posse da terra e por condições de habitação dignas, em 2006 foi iniciado projeto voltado para a regularização fun-diária e urbanização do assentamento, possibilitado por acordo de cooperação técnica entre a UFF e a Prefeitura Municipal de São Gonçalo (PMSG). Por se tratar de terras públicas da União, o processo de regularização envolveu também a Secretaria de Patrimônio da União (SPU). Concluídos em 2007 os estudos, projetos técnicos e alvarás de licenças, atualmente busca-se resolver a titulação em favor dos posseiros junto à SPU e viabilizar recursos financeiros que garantam a execução das obras previstas. Nesse sentido, os moradores fizeram duas tentativas para se habilitar aos recursos do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), mas não obtiveram retorno até o presente momento.

O diagnóstico urbanístico-ambiental de Vila Esperança permitiu identificar diferentes situações de risco a serem eliminadas e problemas de acessibilidade e circulação, além de casas extremamente precárias em termos construtivos e es-paciais e da inexistência de equipamentos públicos. Esse panorama determinou o padrão de intervenção necessário à requalificação da área ocupada. Além de casos de insalubridade resultantes da densidade excessiva em parte do assenta-mento – principalmente nos miolos das quadras – foi verificada a necessidade de remanejar famílias em decorrência da presença de três elementos físicos no território ocupado: a rodovia BR 101 (61 casas nas faixas de domínio e proteção); as torres e a rede de alta tensão (23 casas na faixa de proteção); e o canal que corta a área ocupada e que também a limita (três casas na faixa marginal de proteção).

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011162

Tais situações exigiram a busca por área livre no seu entorno para viabilizar os remanejamentos. Em termos da acessibilidade, foram identificados trechos de descontinuidade do alinhamento e avanço de edificações sobre as vias, havendo casos em que estas eram completamente interrompidas, o que ocasionou o apare-cimento de lotes encravados (figura 1 e fotos 1 e 2).

FIGURA 1Vila Esperança, situação atual – 2009

Fonte: NEPHU/UFF.

163Regularização Fundiária Sustentável: alguns desafios

FOTO 1Ocupação sob a torre de alta tensão – Vila Esperança

FOTO 2Área sujeita a inundação – Vila Esperança

Fonte: NEPHU/UFF.

O plano de intervenção buscou garantir condições ambientais e habitacio-nais adequadas e compreendeu os seguintes projetos: i) reconfiguração do sistema viário com alargamento dos trechos estreitados, articulação/abertura de novos trechos de ruas, sempre que possível carroçáveis, de modo a tornar a área permeá-vel e permitir o acesso de veículos de serviços – bombeiro, ambulância, caminhão de lixo etc.; ii) espaços comunitários de lazer, recreação e sociabilidade voltados para as diferentes faixas etárias; iii) espaços voltados para abrigar atividades de produção e geração de renda – cooperativas e horta comunitária; iv) centro comu-nitário composto por creche, associação de moradores e salas para cursos diversos e capacitação de mão de obra, cuja proposta arquitetônica objetivou, além do bom funcionamento do complexo, sua transformação em marco físico da luta daquela população por acesso à cidade e à moradia digna; e v) sistemas de sane-amento ambiental – abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem e mobiliário urbano voltado para a coleta de resíduos sólidos (figura 2). De modo a viabilizar os remanejamentos, foram oferecidas duas tipologias de moradia: uni-familiar com cerca de 50 m2 de área e o sobrado com aproximadamente 72 m2 de área cada unidade. Coube a cada família a ser remanejada a escolha do lote a ser por ela ocupado e do tipo de casa para onde seria transferida (foto 3).

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011164

FIGURA 2Plano de intervenção – Vila Esperança

Fonte: NEPHU/UFF.

Em termos jurídicos, o projeto apontou para a titulação individual por meio de Concessão Especial de Uso para Fins de Moradia, a ser liberado pela municipa-lidade, após a transferência da terra da SPU para o município. Aspecto inovador foi o tratamento dos casos de aluguel e cessão de moradias visando viabilizar a titulação do inquilino. Com a intermediação da universidade e da associação dos moradores, promoveu-se a negociação entre o posseiro locatário e o posseiro pro-prietário da benfeitoria, sempre que este tivesse mais de uma posse e a partir da previsão de compensação. Com isso, foram evitados os despejos frequentemente

165Regularização Fundiária Sustentável: alguns desafios

observados quando o locador considera que pode ser prejudicado pelo projeto, isto é, perder suas benfeitorias adicionais.

FOTO 3Escolha de lotes e tipo de casa – Vila Esperança

Fonte: NEPHU/UFF.

3.2 Engenho Velho

O assentamento Engenho Velho, localizado no 1o Distrito do município de Ita-boraí, surgiu a partir de ocupação de 20 famílias, na década de 1980, com o ob-jetivo de implantar um assentamento rural. Eram trabalhadores rurais que, com a decadência do ciclo da laranja na região, buscavam desenvolver outras culturas. Até 1982, a área pertencia a particulares, quando foi adquirida pelo BNH. Com a extinção deste banco, em 1986, esta foi incorporada ao patrimônio da Caixa Econômica Federal (doravante, apenas Caixa) e em 1996 a Prefeitura Municipal de Itaboraí (PMI) realizou sua compra, a fim de promover a regularização jurídica da posse da terra em favor dos ocupantes.

O projeto de Regularização Fundiária e Urbanização, ainda em desenvol-vimento, tem o suporte do MCidades. Diferente de Vila Esperança, no caso de Engenho Velho, a escolha do assentamento para elaboração do projeto não foi resultado do movimento social local. Essa decisão coube à PMI, que o avaliou como prioridade a partir de levantamento sobre os assentamentos precários7 e por já ter sido assinalado como Zeis no Plano Diretor Participativo.

Ao contrário de Vila Esperança, os moradores de Engenho Velho não conheciam o trabalho de assessoria técnica desenvolvido pela UFF. Assim, as primeiras assembleias realizadas no assentamento foram exclusivamente para

7. NEPHU (2007).

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011166

informar os moradores sobre o projeto e o papel das entidades nele envolvi-das – UFF, MCidades e PMI.

O assentamento Engenho Velho contém uma clara divisão em duas partes: o entorno da rua Chico Mendes, reduto dos moradores mais antigos, com lotes maiores e onde parte significativa dos lotes comercializados mais recentemente foram ocupados por familiares;8 e a rua dos Fandangos, de ocupação mais recente, onde o acesso à terra se deu por meio da compra, seus lotes são acentuadamente menores e a densidade é mais elevada. Essa divisão espacial corresponde também à percepção dos moradores sobre seu espaço de moradia. As diferenças entre essas duas áreas apareceram ainda no nível de escolaridade: os moradores da rua dos Fandangos têm, em geral, mais anos de estudo do que os da rua Chico Mendes.

Atualmente ocupado por 345 famílias – aproximadamente 1.120 pessoas –, Engenho Velho está inserido no perímetro urbano e apresenta alguns lotes com dimensões originais –1.000 m2 a 5.000 m2 –, lado a lado com parcelas que não chegam a 60 m2. Essa é mais uma diferença com relação à Vila Esperança, onde os lotes variam entre 50 m2 e 300 m2. O cenário resultante, ainda vestígio do assentamento rural originário, é a desarticulação do sistema viário que acarreta também problemas de drenagem (fotos 4 e 5 e figura 3).

FOTO 4Inexistência de saneamento – Engenho Velho

FOTO 5Vias estreitas – Engenho Velho

Fonte: NEPHU/UFF Fonte: NEPHU/UFF

8. A rua Chico Mendes é também a principal zona de influência da Associação dos Trabalhadores Rurais do Engenho Velho (ATREV), como veremos adiante.

167Regularização Fundiária Sustentável: alguns desafios

FIGURA 3 Situação atual – Engenho Velho, 2009

Fonte: NEPHU/UFF

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011168

O desafio nesse caso foi encontrar caminhos para cumprir a função social da propriedade e lidar com a oposição dos posseiros que não desejavam ter sua terra fracionada, sob o argumento de que esta ainda estaria sendo usada e taxada como área rural.9 Esta questão ganha ainda maior relevância quando se considera que: i) a área foi adquirida pelo município à Caixa; trata-se de uma Zeis; sofrerá impacto direto com a instalação do COMPERJ; tem no seu entor-no um número significativo de famílias em situação de extrema precariedade e risco que precisam ser remanejadas; e, finalmente, o município não dispõe de estoque de terras para resolver tais problemas. Além disto, a ocupação da área tem se intensificado, observando-se o crescente processo de desmembramento e venda de lotes pelos posseiros mais antigos – processo de especulação que promete ser acelerado com a chegada do COMPERJ –, indicando sua efetiva e completa transformação em área urbana.

O projeto buscou incorporar qualidade ao ambiente construído encontra-do, viabilizar sua urbanização promovendo adensamento e melhor aproveitamen-to da área, assegurar a provisão de equipamentos públicos e espaços de convívio que facilitassem a integração e sociabilidade, além de eliminar os problemas de drenagem e riscos de inundação a que está submetida a área. Considerando a si-tuação do saneamento no município,10 foi necessário prever solução de captação por meio de poços artesianos, complementada pelo aproveitamento de água da chuva com tratamento no próprio local, assim como de tratamento dos esgotos coletados pela rede projetada. O plano de intervenção possibilita o enfrentamen-to de parte das inúmeras situações de risco existentes em seu território e a criação de cerca de 370 lotes, gerando um estoque de lotes para a municipalidade, que poderá dobrar o número de famílias residentes (figura 4).

Em Engenho Velho também foi assegurada a liberdade de escolha de cada família em situação de risco a ser remanejada, substituindo assim o recorrente processo de sorteio, que acaba por inviabilizar a manutenção de redes de sociabi-lidade preexistentes. Todos os projetos foram submetidos a cada uma das famílias e somente após sua aprovação foram considerados finalizados.

9. Apesar de o assentamento estar inserido no perímetro urbano, parte dos moradores ainda paga o Imposto sobre Propriedade Territorial Rural (ITR).10. Não existem redes de abastecimento de água e de esgotamento sanitário na região.

169Regularização Fundiária Sustentável: alguns desafios

FIGURA 4Plano de intervenção – Engenho Velho

Fonte: NEPHU/UFF.

Tanto no caso de Vila Esperança quanto no de Engenho Velho, todos os projetos foram realizados com a participação efetiva da população. O processo

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011170

participativo desenvolvido envolveu rotinas, procedimentos e material gráfico--explicativo para conduzir as discussões com a população, ocorrendo durante todo o trabalho e nos seguintes níveis:

1. Lideranças locais, responsáveis pela mobilização e organização da po-pulação, planejamento e operacionalização das atividades de campo e os encontros coletivos.

2. Equipe da comunidade, composta por moradores representantes de cada setor do assentamento, que desempenharam papel de intérpretes e multiplicadores das informações relativas ao projeto, auxiliando li-deranças em suas atividades e a equipe técnica no cadastramento das famílias, coleta de documentação e nas visitas de campo.

3. População em geral, que participou de eventos específicos e de assem-bleias gerais com poder de decisão, quando foram apresentados os prin-cipais resultados dos estudos e escolhidas as alternativas de propostas a serem adotadas no projeto (fotos 6 e 7).

FOTO 6Audiência pública – Vila Esperança

FOTO 7Audiência pública – Engenho Velho

Fonte: NEPHU/UFF. Fonte: NEPHU/UFF.

Nenhum dos dois processos está concluído, mas desde já emergem algumas questões que orientarão esta reflexão.

• Quais os atores, as relações e os papéis, em suas diferentes escalas de ação?

• Como tais atores interferem nos resultados dos processos de regulariza-ção fundiária de assentamentos populares precários em terras públicas?

• Qual o papel e os desafios específicos colocados para a universidade, os movimentos populares e o poder público?

4 PRINCIPAIS ATORES E SUAS FUNÇÕES NO PROCESSO DE REGULARIZAÇÃO

O processo de regularização fundiária de Vila Esperança envolveu a população e suas lideranças, o Executivo municipal, O MCidades, a SPU e a Secretaria Estadual de Habitação do Rio de Janeiro (SEHAB/RJ). Coube às lideranças da

171Regularização Fundiária Sustentável: alguns desafios

área o protagonismo de todas as ações, negociando e acompanhando o processo; o Executivo viabilizou o desenvolvimento do projeto pela UFF; e a SPU, como órgão do governo federal responsável pela guarda da terra da União e, portanto, pela regularização fundiária.

Já no caso de Engenho Velho, participaram o MCidades, o Executivo mu-nicipal e a população e suas lideranças. O MCidades possibilitou iniciar a ação/projeto com suporte financeiro; o Executivo municipal escolheu o assentamento a ser beneficiado, disponibilizou equipe técnica para ser capacitada e deverá buscar alternativas para viabilizar a implantação das propostas e promover a titulação dos moradores. Por fim, das lideranças locais e da população era esperada participação ativa no desenvolvimento do projeto.

Nos dois projetos, a universidade elaborou os estudos e projetos técnicos e encaminhou o processo jurídico.

4.1 População e lideranças

O projeto técnico e jurídico em Vila Esperança foi resultado direto da ação da Associação de Moradores de Vila Esperança (Amovile), cujas lideranças foram ca-pazes de organizar, mobilizar, pressionar e assim alavancar junto à administração municipal os recursos necessários para seu desenvolvimento.

Também resultado da reivindicação dos moradores foi a escolha da UFF como órgão executor do projeto. Esse fato em muito facilitou a parceria e o di-álogo entre moradores e equipe da UFF, bem como o processo participativo de diálogo e transmissão de conhecimentos que daí se originou.

Importante ressaltar que não houve uma decisão da prefeitura de iniciar processo contínuo de tratamento da informalidade e precariedade habitacional presentes no município. Na verdade, São Gonçalo não conhecia a totalidade dos assentamentos populares existentes em seu território e não dispunha de uma política habitacional, de forma que a moradia de interesse social sequer fazia parte da pauta de ação.

Diante deste quadro, a Amovile assumiu a condução também da etapa de implantação das melhorias propostas, negociando com a Secretaria Municipal de Urbanismo a aprovação dos projetos de arquitetura, urbanismo e engenharia, desempenhando, portanto, papel que seria da Subsecretaria de Habitação – que apenas apoiava precariamente, quando deveria protagonizar.

O projeto demandou a negociação direta com a SPU. Também nesse caso, os moradores foram os coordenadores da ação, buscando o aceite junto aos dife-rentes órgãos que deveriam se manifestar sobre as intervenções propostas, rom-pendo assim, parte das barreiras para o acesso à terra regular.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011172

Em paralelo a esse protagonismo, havia certa descrença entre os moradores quanto às possibilidades de ver implantadas as melhorias desenhadas pelo projeto, o que precisou ser trabalhado de modo a conter o processo de ocupação no local e evitar a rápida transformação do ambiente construído, o que poderia inviabilizar a implantação das propostas apresentadas.

A inserção dos moradores no projeto desenvolvido no assentamento em Itaboraí foi totalmente diversa do ocorrido em Vila Esperança. Ao contrário do protagonismo e da liderança observada naquele assentamento, em Engenho Velho a participação e o diálogo com a população foram dificultados por uma sé-rie de fatores, entre eles, o cadastramento das famílias pelo Executivo municipal, em quatro momentos diferentes, sempre com a promessa de titulação da terra ocupada, que gerou maior desconfiança e novos desafios a serem superados.

Característica intrínseca ao movimento popular da área é que boa parte dos moradores não se via representada pela ATREV. No início do projeto, essa era a instituição local de representação da população. Fundada no início da ocupa-ção, segundo relato de seus moradores mais antigos,11 a ATREV desempenhou papel fundamental na luta, resistência e defesa da ocupação naqueles primeiros anos. Todavia, perdeu progressivamente credibilidade e força em decorrência da ausência de renovação de seus diretores, os quais estão no poder há mais de vinte anos. Dessa maneira, quando o projeto foi iniciado, muitos dos moradores sequer sabiam de sua existência ou julgavam que ela já se extinguira.

Os dirigentes da ATREV gradualmente se distanciaram da equipe técnica e a representação dos moradores do assentamento passou para a Associação dos Moradores e Amigos de Engenho Velho (AMAEV), criada pouco antes da eleição municipal de 2008 por um pequeno grupo de moradores, com ambições de uma vaga na Câmara. Essas novas lideranças reproduzem os esquemas de especulação da terra recorrentes na cidade formal, compondo o que Machado da Silva (1967) denomina burguesia favelada, isto é, a camada social dentro do assentamento que, por meio de algum vínculo com instâncias locais de poder (público ou privado), busca se beneficiar em detrimento dos interesses da população.

Assim, a questão da terra adquire caráter particular. A existência de lotes com área muito além dos limites permitidos facilita a formação de um mercado de terras bastante dinâmico e, também, concentrado, controlado por alguns poucos moradores.

Nesse contexto, os posseiros se tornam massa de manobra (MACHADO DA SILVA, 1967), suscetíveis à pressão, devido à insegurança da posse da terra e o consequente medo de perdê-la. Em um cenário de ausência de serviços públicos e

11. Durante o projeto, o NEPHU elaborou um breve histórico das origens do assentamento, utilizando métodos de história oral. Foram colhidos dados dos moradores que fundaram o assentamento e que ainda moravam no local.

173Regularização Fundiária Sustentável: alguns desafios

infraestrutura e de fragilidade das redes de solidariedade locais, aqueles que con-trolam a terra, detém o bem mais importante disponível e, portanto, controlam também o acesso à moradia naquele local.

Para eles, o projeto representa um obstáculo para a concretização de seus interesses individuais que se reproduzem na retaliação e comercialização da terra. Isso ocorre devido à proposta de utilizar, como instrumento para a regularização, a concessão especial de uso para fins de moradia prevista na MP no 2.220/2001, o que implica limitar a extensão dos lotes.

Com discurso de que a ação da universidade e da prefeitura visava “expulsá-los”, e não garantir seus direitos, alguns desses líderes locais (a burguesia favelada), na defesa de seus interesses particulares, conseguiram desmobilizar a população e dificultar o entendimento e a aceitação do projeto. Foi com esse tipo de poder local que a equipe do NEPHU teve que dialogar desde o início do projeto.

4.2 Poder público

Em Vila Esperança, apesar de o Executivo municipal garantir suporte financeiro para a execução do projeto, o órgão local responsável pelo tratamento da habi-tação tinha posição instável na estrutura administrativa, ora ocupando status de secretaria, ora de subsecretaria, dependendo das negociações e dos apoios políti-cos desejados a cada momento. A essa condição correspondia também um quadro técnico extremamente frágil – insuficiente e temporário – e desarticulado das de-mais secretarias. Nesse contexto, não foi possível destacar membros para partici-par do projeto e serem capacitados para replicar a experiência e dar continuidade ao processo depois de terminada a parceria com a universidade.

Uma vez concluído o plano de intervenção ainda em 2007, a meta era im-plantar as obras nele propostas. No entanto, o Executivo municipal não havia pre-visto dotação orçamentária no exercício de 2008 e argumentava não ter recursos, passando a buscar apoio, sem resultados, junto ao MCidades e à SEHAB/RJ. Esse cenário evidencia a desarticulação entre as ações desenvolvidas em nível local que, por um lado, investe na elaboração de projetos de regularização fundiária e urba-nização, mas por outro não prevê no orçamento do ano subsequente recursos para sua implantação e tampouco o faz para o orçamento em 2009. Frente à dinâmica socioespacial dos assentamentos populares, cujas características de parcelamento, uso e ocupação do solo são cotidianamente alteradas, o risco dos estudos e projetos técnicos elaborados serem perdidos é alto, o que certamente significará desperdício de recursos públicos, descritos frequentemente como extremamente escassos.

No caso de Engenho Velho, os principais protagonistas foram a universidade e a prefeitura municipal. A universidade aceitou o desafio lançado pelo MCidades de desenvolver ações para a implantação de Zeis previstas em Planos Diretores

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011174

Participativos, em função de sua atuação prévia no município de Itaboraí. A esco-lha do assentamento a ser beneficiado, como já mencionado, coube à prefeitura.

À SPU caberia encaminhar a regularização jurídica da posse da terra em Vila Esperança. Apesar da ênfase do governo federal em facilitar a regularização fundi-ária de propriedades da União ocupadas por população de baixa renda, inclusive com diploma legal específico, essa secretaria ainda não dispõe de equipe técnica suficiente e banco de dados georreferenciado sobre seus imóveis, o que acaba por dificultar e alongar processos que deveriam ser simplificados e ágeis.

A inexistência de cadastro completo e atualizado exigiu esforço adicional voltado para a obtenção de certidões de ônus reais do interior do assentamento e terrenos vizinhos, com vista a demonstrar que não existiam registros em cartório da propriedade privada da terra.

No caso em tela, em decorrência das inúmeras situações de risco, foi necessá-rio buscar área no entorno para viabilizar os remanejamentos. Sem terra suficiente em seu interior, foi utilizado terreno de uma fábrica vizinha ao assentamento, também situada em terreno acrescido de marinha e cujas certidões de ônus reais apontavam para o fato de ter se apropriado de área com dimensão superior ao lote efetivamente regularizado junto à SPU.12

Por outro lado, alterações ocorridas no comando da SPU demandaram tem-po para que os novos técnicos tomassem conhecimento do processo, sendo neces-sário prestar esclarecimentos adicionais e até duplicar informações, o que acabou também por retardar o processo de titulação.

O MCidades exigia que o projeto fosse desenvolvido por meio de parceria entre a prefeitura e o agente executor, no caso o NEPHU. As ações deveriam con-templar, além da elaboração de plano de intervenção e processo de regularização jurídica da terra, a capacitação do corpo técnico local. Deveria ainda ser realizado com a participação ativa da população.

Diferente do que ocorreu em São Gonçalo, a prefeitura de Itaboraí, por meio de sua Secretaria de Planejamento, indicou técnicos para compor uma equipe com a universidade. No entanto, não raro esses técnicos eram absorvidos por outras atividades e não conseguiam cumprir o cronograma estabelecido e acompanhar a dinâmica de trabalho da equipe NEPHU. Deve-se considerar também que parte dessa equipe não apresentava a qualificação técnica necessária ao desenvolvimento do processo, a maioria era contratada para prestação de serviços temporários, além de ser em número insuficiente para a realização das tarefas rotineiras.

12. Esta fábrica estava em processo de falência e, segundo informações dos moradores, o muro que lá existe foi construído com o objetivo de resguardar toda a área livre atrás do seu galpão, evitando assim que assentamento se estendesse até muito próximo dela.

175Regularização Fundiária Sustentável: alguns desafios

Aspecto também importante do processo foi seu desenvolvimento em ano de eleição municipal. A mudança no comando da prefeitura certamente interferiu no andamento do projeto, uma vez que ocorreu a desmobilização da equipe téc-nica. Tendo em vista que, conforme mencionado, todo o corpo técnico alocado no projeto era comissionado, o investimento feito em capacitação para viabilizar a aplicação da experiência em outros assentamentos não será aproveitado pelo mu-nicípio. A mudança no comando da gestão local significou também alterações nas prioridades de ação e no próprio compromisso com o projeto, visto como uma iniciativa do governo anterior. O projeto somente não foi interrompido devido ao envolvimento da universidade e por ser resultado da parceria com o MCidades, conseguindo ultrapassar um cenário frequente na gestão pública brasileira que é o abandono de ações iniciadas em governos anteriores.

Essa coincidência com o calendário eleitoral também contribuiu para au-mentar a resistência e a descrença dos moradores. A expectativa da população era de que o projeto estaria orientado para ganhos eleitorais e seria paralisado logo após as eleições, o que dificultou o processo participativo. Acrescente-se a isto a desarticulação dos diferentes setores do Executivo municipal, com secretários municipais favoráveis ao projeto e outros, apoiando a burguesia favelada e se ma-nifestando contra este, sem sequer conhecê-lo.13

Na etapa de elaboração dos projetos técnicos de Vila Esperança, o MCida-des não esteve envolvido diretamente. Mesmo assim, é importante examinar o papel por ele desempenhado na fase de implantação das obras previstas.

O discurso e mesmo as ações do MCidades sinalizavam a importância de projetos que significassem a implantação das Zeis previstas nos Planos Diretores Participativos. Nesse sentido, em 2007, o ministério realizou chamada pública dirigida às universidades e às Organizações não Governamentais (ONGs), o que possibilitou o desenvolvimento do projeto em Engenho Velho. No entanto, no caso de Vila Esperança, o suporte necessário para a execução das obras que, de fato, concretizariam tal implantação ainda não foi privilegiado, apesar das três tentativas realizadas. A primeira delas, feita diretamente pela prefeitura, foi ne-gada. A esse respeito algumas suposições podem ser arriscadas: o fato de o Pla-no Diretor Participativo, naquele momento, ainda não ter sido aprovado pelo Legislativo municipal, ou a solicitação de recursos não estar bem estruturada e embasada, refletindo a fragilidade da equipe técnica local. A segunda e a terceira tentativas ocorreram em resposta às chamadas para utilização do FNHIS, uma delas voltada para entidades da sociedade civil, quando o pedido foi parcialmente aprovado, mas não chegou a se concretizar, e a outra para os estados e municípios, aprovada em caráter preliminar, aguardando-se a resposta final.

13. Um dos secretários municipais foi ao assentamento para discursar contra o projeto, o que teve, é claro, um forte impacto, considerando que tal manifestação vinha de um representante municipal.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011176

Em Engenho Velho, o mesmo desafio se coloca e interfere nos resultados a serem obtidos já que o financiamento atual se refere apenas à fase de elaboração do projeto, sem previsão dos recursos necessários para implantação das obras pelo MCidades. Uma tentativa de obtenção de recursos do FNHIS foi feita pelo mu-nicípio, mas sem sucesso.

Assim, apesar dos municípios estarem na região do Consórcio Intermunici-pal do Leste Fluminense (Conleste), declarada como prioritária para investimen-tos pelo MCidades, as obras em Vila Esperança e Engenho Velho ainda não foram viabilizadas. Fica então a indagação referente à aparente contradição entre a in-tenção e a ação do MCidades, que prioriza a implantação de Zeis em uma região para investimentos e ações e, simultaneamente, nega suporte aos municípios que, independente de seu apoio, já realizou os respectivos projetos. Isso aponta para a necessidade de atenção especial e ação efetiva de modo a não se colocar em risco o alcance dos objetivos desenhados no programa, pois tais projetos não resistem a um intervalo de tempo excessivo entre intenção e ação, sendo rapidamente ultra-passados pela dinâmica de ocupação do solo.

5 A UNIVERSIDADE E SEU PROCESSO DE ATUAÇÃO

Na universidade, os projetos foram formalizados enquanto atividades de extensão e, como tal, representaram uma oportunidade de estabelecer um diálogo direto e simultâneo com as prefeituras e com as lideranças e os moradores dos assentamen-tos. Esse contato permitiu exercitar caminhos para a construção de uma política de assessoria técnica e jurídica gratuita que deve ser disponibilizada pelos municípios para famílias de baixa renda (Estatuto da Cidade, capítulo II, seção I, Art. 4o).

A equipe multidisciplinar do NEPHU, composta por professores e bolsis-tas de graduação e pós-graduação das áreas de Arquitetura e Urbanismo, Direi-to, Serviço Social, Ciências Sociais e Engenharia trabalhou de forma integrada. Adicionalmente, o projeto se articulou com disciplinas do curso de Arquitetura e Urbanismo, especificamente as disciplinas obrigatórias “projeto de habitação popular” e “projeto urbano II”. Isso permitiu refletir sobre a moradia como parte da questão urbana, envolvendo estudantes com a realidade e no exercício de uma arquitetura e um urbanismo que pudessem responder aos desafios do mundo real e propiciar o diálogo entre diferentes saberes e linguagens.

Uma preocupação presente durante todo o processo foi cumprir as funções da universidade, possibilitando:

1. Desenvolver ações inter e transdisciplinares em projeto de regularização fundiária e urbanização.

177Regularização Fundiária Sustentável: alguns desafios

2. Integrar atividades de ensino, pesquisa e extensão.

3. Capacitar profissionais e estudantes de graduação e pós-graduação de diferentes áreas do conhecimento para enfrentar os desafios relativos à provisão de moradia digna para a população, em especial a mais pobre.

4. Transmitir conhecimentos para a população, no sentido de subsidiá-la para o enfrentamento da luta pelo acesso à terra e à moradia regular e servida e para viabilizar sua participação cidadã na gestão democrática da cidade.

5. Contribuir para experimentar o diálogo entre atores sociais envolvidos no processo fundiário e de ocupação do solo, gestores públicos de dife-rentes níveis e lideranças comunitárias.

6. Informar aos moradores as diferenças, em termos de direitos e deveres, entre a condição de posseiro e a de proprietário.

7. Aprofundar o conhecimento sobre as condições de moradia da popu-lação de baixa renda e dos desafios para alcançar condições adequadas.

8. Experimentar caminhos inovadores para resolver problemas crônicos dos assentamentos populares, tais como: casos de aluguel, cessão de mo-radias, titulares com mais de uma posse e/ou propriedade, considerando os conflitos de interesses também presentes mesmo entre os moradores de assentamentos populares informais.

A aplicação do método participativo em Vila Esperança permitiu, por meio de negociação coletiva, definir soluções para todos os problemas do assentamen-to, inclusive com a redução dos lotes cuja área ultrapassava 250 m2, isso sem qualquer interferência da prefeitura municipal enquanto estância de poder, pre-valecendo o diálogo entre a UFF e os moradores.

Em Engenho Velho, dada a desmobilização dos moradores, essa rotina exi-giu adaptação e o diálogo com os moradores ocorreu, até as eleições, exclusiva-mente nas visitas de campo e assembleias gerais mensais. Somente após a realiza-ção das eleições foi possível dar início a reuniões quinzenais com representantes de diferentes quadras, quando se discutia e refletia sobre interesses e demandas da população e traçavam-se estratégias de mobilização.

Por outro lado, considerando a tipologia do parcelamento com grandes con-trastes, o desafio foi maior e as questões colocadas se referiam a:

1. O que significa, neste caso, assegurar a função social da propriedade: garantir lotes rurais em plena área urbana cuja tendência é ser transfor-mada em loteamentos urbanos ou garantir a obediência aos 250 m2 de área definido na legislação?

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011178

2. Será possível por meio do método de trabalho romper a defesa intransi-gente dos interesses individuais ou será necessário contar com o suporte dos demais atores, em especial o Executivo municipal?

3. Estará o Executivo municipal disposto a enfrentar tal oposição de modo a viabilizar a solução da situação de risco de famílias residentes em outros assentamentos?

As dificuldades para dar continuidade ao processo participativo foram parcialmente superadas e o projeto de redesenho foi finalizado obedecendo aos 250 m2 de lote e está sendo submetido e aprovado pelos moradores. No entan-to, para que a intenção, representada pelo projeto, se transforme em realidade será necessária a ação efetiva e imediata do poder municipal. E essa é a dúvida que ainda está presente.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS: DESAFIOS E LIÇÕES

A revisão das experiências desenvolvidas em São Gonçalo e Itaboraí, aqui breve-mente apresentadas, permite destacar algumas questões e desafios presentes em processos de regularização fundiária que não são exclusivos destes dois municípios.

No âmbito das administrações municipais, destacam-se os seguintes aspectos:

• Apesar de o país dispor hoje de um Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, a exemplo do observado nos dois municípios, parte significativa dos municípios brasileiros não têm política habitacional clara, com diretrizes, metas e fontes de recursos definidas para assegurar o direito à moradia aos trabalhadores mais pobres. Esta realidade poderá ser alterada com a obrigatoriedade dos municípios elaborarem seus pla-nos de habitação para terem acesso aos recursos do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS). No entanto, esta ainda é uma incógnita, tendo em vista o programa Minha Casa Minha Vida, recen-temente lançado e que não faz referência a tais relações e pré-requisitos.

• Nos dois municípios, verificou-se que a maioria dos técnicos não per-tence ao quadro permanente da administração local, predominando os cargos em comissão que, por sua natureza, têm alta rotatividade, obs-taculizando a implementação de políticas consequentes da capacitação dos gestores locais.

• Ficou clara também a fragilidade da infraestrutura física de trabalho, necessária ao desenvolvimento do processo de planejamento urbano e, em específico, fundiário e habitacional – faltam equipamentos básicos como computadores, internet, telefone etc.

179Regularização Fundiária Sustentável: alguns desafios

• Os municípios não dispõem de informações atualizadas e georreferen-ciadas sobre os assentamentos, o que, sem dúvida, representa mais um gargalo que pode chegar a inviabilizar processos de regularização fun-diária. Na verdade, uma parcela deles não conhece a cidade informal existente em seu território, o que se reflete na capacidade de planejar e elaborar políticas públicas.

• Apesar de o MCidades ter disponibilizado manuais de orientação so-bre trâmites e exigências administrativas para regularização fundiária de terras públicas ocupadas, técnicos locais ainda os desconhecem, o que conduz à necessidade de duplicar estudos já concluídos, retardando mais ainda o já lento processo de titulação.

• É claro e frequente o descompasso entre a regularização jurídica da terra e a implantação das obras que completam o processo pleno da regula-rização. O risco neste caso é da perda dos estudos e projetos técnicos elaborados devido à dinâmica socioespacial intensa dos assentamentos populares cujas características de parcelamento, uso e ocupação do solo são cotidianamente alteradas. No caso de Vila Esperança, os parâme-tros urbanísticos e projetos de parcelamento do solo e de alinhamento aprovados pela Prefeitura Municipal de São Gonçalo deveriam ser ime-diatamente marcados em campo, para assim assegurar que as reformas e ampliações das moradias obedeceriam às regras aprovadas.14 No entan-to, a prefeitura sequer disponibilizou material para a realização da mar-cação em mutirão pelos próprios moradores. Em Engenho Velho, pela dinâmica de comercialização fundiária constatada, com certeza, todo o investimento na elaboração dos projetos será perdido, caso a prefeitura de Itaboraí também permaneça sem ação.

Em relação à esfera federal, foram identificadas as seguintes dificuldades:

• Apesar de a política nacional enfatizar a regularização de assentamentos situados em terras da União, a SPU ainda não dispõe de seus cadastros completos e atualizados. Isto exige, a cada processo, esforço para com-provar que tais terras, de fato, pertencem à União.

• A rotatividade de técnicos responsáveis por cada área, menos intensa, é verdade, na estrutura administrativa federal, também se refletiu no andamento dos processos, exigindo revisão da documentação na SPU, no caso de Vila Esperança e retardando o acompanhamento pelo MCi-dades, em Engenho Velho.

14. A etapa inicial de implantação seria a construção de muros com 1 metro de altura nas divisas dos lotes alteradas pelo projeto.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011180

• A dificuldade de articulação entre os diferentes atores, em diferentes es-calas do planejamento, resulta em ações aparentemente contraditórias: por um lado, o MCidades envidava esforços para a implantação das Zeis previstas nos Planos Diretores Participativos (Engenho Velho) e, por outro, o município de São Gonçalo, que havia se adiantado neste pro-cesso, não era capaz de conseguir suporte financeiro para a implantação das ações (Vila Esperança).

A universidade pública defrontou-se com os seguintes desafios, para exercer sua função social:

• O frequente descompasso entre os prazos da universidade, subme-tidos ao calendário acadêmico e, principalmente, a critérios de qua-lidade e dos prazos políticos, que exigem respostas rápidas, mesmo com qualidade discutível.

• A alta rotatividade de estudantes bolsistas, especialmente de gra-duação, decorrente da diferença no valor das bolsas oferecidas na universidade, em comparação com o mercado, demandando desen-volver repetidamente processos de treinamento e nivelamento para os novos integrantes.

• A resistência ainda presente no meio acadêmico com relação à atuação em projetos, como os apresentados neste trabalho, está relacionada à exigência de reflexão e crítica mais apuradas sobre os determinantes da produção desigual do espaço. Além disto, requer procedimentos con-cernentes à postura profissional que tendem a contrariar a lógica vigente de exercício profissional voltado, prioritamente, para o desenho.

• Apesar da luta por moradia e pela terra ser antiga, uma parcela signifi-cativa da população não está informada sobre as exigências legais para a regularização de sua posse. Ainda é relevante o número de famílias que não tem comprovação documental do tempo da posse e não são raros os casos de pessoas sem documentos de identificação, em es-pecial mulheres, aspectos que retardaram a construção do processo administrativo de titulação.

As experiências desenvolvidas em Vila Esperança e Engenho Velho apresen-taram também aspectos positivos que merecem ser destacados:

• A participação de movimentos sociais com evidente caráter territorial a partir do momento em que passam a reivindicar a redivisão ou reor-ganização da propriedade do solo, como o exemplo de Vila Esperança, é fundamental para o avanço na construção de cidades mais inclusivas. Mais ainda, na medida em que lutam por direitos, inclusive o da qua-

181Regularização Fundiária Sustentável: alguns desafios

lidade de vida, os movimentos sociais têm definido o tipo de qualidade que esperam para a vida em sociedade (ACSELRAD; LEROY, 2003).

• A participação da universidade pode contribuir para romper o tradicio-nal ciclo de dependência clientelista, ainda frequente na relação entre moradores de assentamentos populares precários e atores políticos que, com seus aliados na administração pública, traduzem investimentos re-alizados como favores, convertendo seus moradores em reféns, eterna-mente devedores de quem os protegeu.

• Os projetos permitiram colocar como pauta na academia a questão da habitação e regularização, em prol de fortalecer a função social do ar-quiteto, criando oportunidade para o exercício de uma arquitetura e um urbanismo socialmente includentes e democráticos (MARICATO, 2000, p. 179), que trabalhem a cidade para torná-la menos fragmenta-da e desigual.

• Apesar da legislação urbanística municipal geralmente não ser aplicável à realidade, a assessoria técnica da universidade permitiu elaborar um projeto de lei que adaptasse a legislação local à tipologia da ocupação e, simultaneamente, garantisse habitabilidade às moradias.

• O envolvimento da universidade possibilita que o processo de assessoria técnica aos moradores não seja interrompido, mesmo após o término do acordo de cooperação técnica, viabilizando o acompanhamento do processo com todas suas demandas, como o que ocorreu em Vila Espe-rança. A continuidade da assessoria técnica foi viabilizada por meio de projeto de extensão universitária, desenvolvido com bolsas para estu-dantes de graduação orientados por docentes dos cursos de Engenharia e de Arquitetura e Urbanismo, ligados ao NEPHU. A equipe assim constituída dá continuidade ao processo e ainda elabora projetos de reforma e ampliação de moradias insalubres a serem submetidos à Caixa (Programa Crédito Solidário).

• A inserção da universidade possibilitou ainda buscar caminhos inova-dores para tratar de casos específicos de aluguel e cessão de moradias, geralmente ignorados, promovendo a negociação entre as partes envol-vidas, assegurando ao inquilino o direito de ficar com a titularidade da posse e contribuindo para reduzir o processo de especulação da terra.

Essa experiência sugere que o avanço para a reforma urbana e para o exer-cício da função social da propriedade ainda está por vir, dependendo menos de arcabouço jurídico e do desenho de políticas nacionais do que da vontade política dos gestores locais. Neste sentido, é necessário, de um lado,

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011182

(…) um poderoso movimento da sociedade civil que redefin[a] o papel do Estado, suas competências, seu tamanho [...] [ou seja,] um processo de reforma do Estado a partir da iniciativa da sociedade civil, o que depende do processo de construção da cidadania que é um processo contínuo no sentido da aquisição de novos direitos. (CACCIA BAVA, 1995, p. 184).

Esta participação envolve mais do que a demanda por um bem específico, pon-tual e de curto prazo, devendo contemplar objetivos mais abrangentes e de longo prazo e envolver a criação de canais e a definição de sua qualidade (GOHN, 2001).

As transformações são lentas e gradativas, mas se destaca neste caso o en-volvimento da universidade, especialmente a pública, e sua integração com a so-ciedade, contribuindo para a construção coletiva do exercício da cidadania e de cidades mais justas e inclusivas.

REFERÊNCIAS

ABRAMO, P. A Cidade da informalidade: o desafio das cidades latino-america-nas. Rio de Janeiro: Livraria Sette Letras: FAPERJ, 2003.

ACSELRAD, H.; LEROY, J-P. Tudo ao mesmo tempo agora: desenvolvimento, sustentabilidade, democracia: o que isso tem a ver com você? Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2003.

ALFONSIN, B. M. Direito à moradia: instrumentos e experiências de regu-larização fundiária nas cidades brasileiras. Rio de Janeiro: FASE-GTZ-IPPUR/UFRJ, Observatório de Políticas Urbanas e Gestão Municipal, 1997.

AZEVEDO, S.; RIBEIRO, L. C. Q. A crise da moradia nas grandes cidades: da questão da habitação à reforma urbana. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996.

BIENENSTEIN, R. Metodologia para projetos de regularização urbanística. Boletim n. 7, NEPHU, Niterói, Rio de Janeiro, set. 1994. Revisado em dezembro de 1996.

––––––. Redesenho urbanístico e participação social em processos de regula-rização fundiária. 2001. Tese (Doutorado) – Faculdade de Arquitetura e Urba-nismo da USP, São Paulo, 2001.

CACCIA BAVA, S. Dilemas da gestão municipal democrática. In: COELHO, M. P.; VALLADARES, L. (Org.). Governabilidade e pobreza no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p. 161-190, 1995.

CENECORTA, A. I.; SMOLKA, M. O paradoxo da regularização fundiária: acesso à terra servida e pobreza urbana no México. Cadernos do IPPUR, v. 14, n. 1, p. 87-117, jan./jul. 2000.

183Regularização Fundiária Sustentável: alguns desafios

CORAGGIO, J. L. ¿Reforma Urbana en los 90? Quito: Instituto Fronesis, 1992 (Ponencias, n. 2).

DAVIS, M. Planeta favela. São Paulo: Boitempo, 2006.

FERREIRA, F. W. Planejamento participativo: possível ou necessário? Revista de Educação AEC, 1985.

FORUM BRASILEIRO DE ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambien-te e o Desenvolvimento (FBOMS). Brasil Século XXI: os caminhos da sustenta-bilidade cinco anos depois da Rio-92. Rio de Janeiro: Fase, 1997.

GOHN, M. G. História dos movimentos e lutas sociais. 2 ed. São Paulo: Loyola, 2001.

GONDIM, L. Modelos alternativos de planejamento e gestão urbana: tendên-cias, possibilidades, limitações. Revista de Administração Municipal, Rio de Janeiro, v. 36, n. 191, p. 6-15, abr./jun. 1989.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Anu-ário Estatístico Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo, 2000.

MACHADO DA SILVA, L. A. A política na favela, Cadernos Brasileiros, Ano IX, n. 41, p. 35-47, maio/jun.1967.

MARICATO, E. Habitação e cidade. 7. ed. São Paulo: Atual, 1996.

––––––. As idéias fora do lugar e o lugar fora das idéias: o planejamento urbano no Brasil. In: VAINER, C. B.; ARANTES, O.; MARICATO, E. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000.

NÚCLEO DE ESTUDOS E PROJETOS HABITACIONAIS E URBANOS (NEPHU). Levantamento das subnormalidades municipais de Itaboraí. Progra-ma Habitar Brasil BID, parceria entre CEF e PMI, Itaboraí, 2007. Relatório técnico.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Relatório sobre o Desenvolvimento Humano. Brasília: PNUD, 1994.

ROLNIK, R. O plano diretor e participação popular: desafios para uma gestão democrática. In: SEMINÁRIO SOBRE REFORMA URBANA. Lei Orgânica e Plano diretor, ANSUR-RJ, 1989.

SILVA, J. A. Curso de direito constitucional positivo, 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011184

SINGER, P. Poder público e organizações populares no combate à pobreza: a experiência do governo Luiza Erundina em São Paulo – 1989/92. In: COELHO, M.; VALLADARES, L. P. (Org.). Governabilidade e pobreza no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995, p. 267-312.

WAISMAN, M. Los Arquitectos y la Apropiación del Entorno, SUMMARIOS. APROPIACIÓN Y DESARRAIGO, n. 82/83, p. 41-48, 1984.

Originais submetidos em setembro de 2009. Última versão recebida em junho de 2011. Aprovado em julho de 2011.

ALGUNS DESAFIOS AO PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DO MARANHÃO, BRASIL: CONTEXTO HISTÓRICO, OBSTÁCULOS E ESTRATÉGIAS DE SUPERAÇÃO*Jhonatan Uelson Pereira Sousa**

Buscamos com o presente artigo rever a discussão nacional sobre planejamento e desenvolvimen-to, encetada pelo Ipea, destacando um breve histórico, o contexto neoliberal e ascenso progressis-ta, os desafios a serem superados, o conceito de desenvolvimento proposto e a possibilidade de um projeto nacional. A partir deste referencial analisamos a experiência do estado do Maranhão, principiada pelo Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos (IMESC), in-ferindo uma sucinta retrospectiva, o contexto estadual, os obstáculos a serem enfrentados e as estratégias de superação. Por fim, entendemos que o projeto de desenvolvimento defendido para o Brasil é uma nova tentativa de inserção no capitalismo global e que a experiência do Maranhão não logrou êxito por força da estrutura política oligárquica local, possuidora de significativo poder na esfera federal. A nosso ver, uma mudança no quadro estadual só se efetivará pela construção de nova hegemonia política.

Palavras-chave: Planejamento; Desenvolvimento; Desafios Históricos; Estratégias de Superação.

THE SOME CHALLENGES PLANNING AND DEVELOPMENT OF THE MARANHÃO, BRAzIL: HISTORICAL CONTEXT, OBSTACLES AND STRATEGIES

This article reviews thenational discussionon planningand development, conceived by the IPEA, highlighting abrief history, the progressiveriseandthe neoliberal context, the challenges to be overcome,the concept ofthe proposed developmentand the possibility ofa projectnational. From this point of view we analyze the experience of the State of Maranhão, gestated by the Institute of Socioeconomic Studies and Cartography (IMESC), inferring abrief history, the state context, the obstacles to be faced and the strategies to overcome them. Finally, we believe that the develop-ment project advocated for Brazil is a new attempt at integration into global capitalism and the experience of Maranhão was not successful under local oligarchic political structure, possessing significant powerat the federal level. In our view, a change withinthe state, only become effectiveby the construction ofanewpolitical hegemony.

Key-words: Planning; Development; Historical Challenges; Strategies for Overcoming.

* Agradecemos a revisão de Triciane Rabelo dos Santos, nossa companheira de navegação venturosa e dedicamos este trabalho a Raimundo Palhano, nossa principal referência intelectual.** Historiador, mestrando em Educação pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), especialista em Formação Política e Políticas Públicas pela Universidade Estadual do Maranhão (Uema) e licenciado em História pela Uema. É membro da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE) e secretário executivo da Seção Estadual do Ma-ranhão. Foi chefe de gabinete do Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos (IMESC), vinculado à Secretaria de Planejamento e Orçamento do Estado do Maranhão (Seplan). E-mail: [email protected]

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011186

ALGUNOS DESAFíOS A LA PLANIFICACIÓN Y AL DESARROLLO DEL MARANHÃO, BRASIL: CONTEXTO HISTÓRICO, OBSTÁCULOS Y ESTRATEGIAS

En este artículo revisamos la discusión nacional sobre la planificación del desarrollo, concebido por el Ipea, destacando un breve histórico, el contexto neoliberal y la ascensión progresista, los retos a superar, el concepto de desarrollo propuesto y la posibilidad de un proyecto nacional. Desde este punto de vista, analizamos la experiencia del Estado del Maranhão, gestada por el Instituto de Estudios Socioeconómicos y Cartografía (IMESC), infiriendo un breve histórico, el contexto local, los obstáculos que enfrentan y las estrategias para superarlos. Por último, creemos que el proyecto de desarrollo defendido por Brasil es un nuevo intento de integración en el capitalismo global y la experiencia de Maranhão no tuvo éxito frente a la fuerza de la estructura política oligárquica local, que posee un poder significativo en el nivel federal. En nuestro exámen, un cambio en el estado, sólo se hará efectivo por la construcción de una nueva hegemonía política.

Palabras-clave: Planeamiento; Desarrollo; Retos Históricos; Estrategias para la Superación.

LE PEU DE PLANIFICATION DÉFIS ET LE DÉVELOPPEMENT DU MARANHÃO, AU BRÉSIL: CONTEXTE HISTORIQUE, LES OBSTACLES ET LES STRATÉGIES

Cet article examinele débat nationalsur laplanification et le développement, conçu par l’Ipea, soulignant un bref historique, le contextedu néolibéralisme et dela montée progressive, les défisà surmonter,le concept del’aménagement proposé et la possibilité d’unprojet national.De ce pointde vue, nous analysons l’expériencede l’Etatdu Maranhão,formulée parl’Institut d’étudessocio-économiqueset de la cartographie(IMESC), la déduction un bref historique, le contexte local, les obstacles qu’ils rencontrentet les stratégiespour les surmonter.Enfin, nous croyons que le projet de développementdéfendupar le Brésil estune nouvelle tentatived’intégrationdans le capitalisme mondialet l’expériencedu Maranhãon’avait aucunsuccès contrela force dela structure politique localeoligarchique,qui aun pouvoir importantau niveau fédéral.À notre avis,un changementdans l’état,ne sera efficace quepour la construction d’une nouvelle hégémonie politique.

Mots-clés: Planification; Développement; Défis historiques; Stratégies pour Surmonter.

1 INTRODUÇÃO

Em recente entrevista, Bauman (2010), ao propor que não estamos vivendo na pós-modernidade, mas na modernidade líquida, tese que tem defendido de forma recorrente, chamou a atenção para o fim da perspectiva do planejamento de longo prazo. Esse é só mais um dos lances fetichistas da “pós-modernidade” e de seus “teóricos”. Algo que emerge do debate recente é justamente o oposto da afirmação de Bauman (2010), pois a importância do planejamento e desenvolvimento para o crescimento econômico e aumento do bem-estar social de inúmeros países do mundo, mesmo nos quadros limitantes do sistema do capital, é inquestionável.

É certo que a introdução do planejamento nos países ocidentais se deu sob a influência do paradigma keynesiano, confundindo planejamento com intervenção do Estado. A versão “depurada” do planejamento, um planejamento como “ins-trumento do capital”, foi transferida para os países da América Latina e do Caribe.

187Alguns Desafios ao Planejamento e Desenvolvimento do Maranhão...

A crise econômica de meados dos anos 1970 representa um refluxo para esse paradigma. A crítica e proposta neoliberal que o seguiu foram fatais para a ideia de planejamento. A classe dirigente brasileira ignorou os avanços ainda que limitados da modernização conservadora e adotou o credo neoliberal, atacando estes com sanha erínica1 (BEHRING, 2003; ARRIGHI, 2007).

Essa crítica avassaladora, que encontrou forte recepção no âmbito governa-mental brasileiro e nos países da América Latina e do Caribe, não teve a mesma acolhida nos países asiáticos. Tais países perseveraram e aperfeiçoaram-se no plane-jamento com vista ao desenvolvimento nacional, exemplo da China (OLIVEIRA, 2008b) e da Índia. É importante lembrar que isso não livrou estes dois países das contradições inerentes ao modelo adotado (PATNAIK, 2010).

Foi necessária uma nova crise econômica em 2008 para pôr uma pá de cal nas ambições neoliberais, pelo menos nessa parte do mundo. Lamentavelmente isso significou muito mais um revigorar do paradigma keynesiano. Mas não só. A construção de alternativas viáveis e práticas que levam a mudanças radi-calmente2 estruturais têm prosperado com a revisão das experiências históricas concretas já realizadas (SADER, 2009a, 2009b) e a propositura da transição anticapitalista (HARVEY, 2009).

O neoliberalismo chegou com força ao estado do Maranhão nos anos 1990. Passamos de um planejamento vigoroso ainda que pouco efetivo, vivenciado até meados da década aludida, a um forte retrocesso que praticamente liquidou ou atrofiou a capacidade do planejamento público estadual. A luta pela reconstrução dessa capacidade foi favorecida pela ruptura na estrutura política oligárquica pre-dominante, liderada pelo senador José Sarney desde 1965. A vitória da oposição nas eleições de 2006 deu início a este processo. Ele estava a caminho da consolida-ção quando teve seu percurso interrompido pela decisão judicial que defenestrou o governo Jackson Lago em abril de 2009.

Tendo em vista a riqueza do projeto iniciado, consideramos fundamental registrar essa experiência e expor nossas inquietações com sua descontinuidade. Nossa associação às forças progressistas daquele governo objetivou potencializar esse movimento rumo a uma estratégia de mudança estrutural possível, distan-ciando-nos das posições equívocas ou fatalistas que se seguiram à vitória da opo-sição e ao governo.

Entendemos ter sido o governo Jackson Lago um espaço de disputa he-gemônica. Frente à especificidade da correlação de forças que o sustentava, não houve o ímpeto necessário para configurar uma ruptura, caminhando muito mais

1. De Erínias, deidades gregas da perseguição.2. Radical é empregado neste trabalho como ir à raiz dos problemas.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011188

para uma transição tensionada. O que não nos permite olvidar os elementos po-tenciais de ruptura que em si encerrou. Não obstante, mesmo essa transição foi lenta e consistentemente desconstruída pelas forças oligárquicas na utilização dos seus poderes político, econômico e midiático, acumulados ao longo de quatro décadas quase ininterruptas de exercício da hegemonia.

Após trazer à baila essas questões, estruturamos este trabalho em uma seção que versa sobre o debate brasileiro e outra que aborda a experiência maranhense.

A seção 2 trata do debate nacional sobre planejamento e desenvolvimento no Brasil, encetado pelo Ipea, e se desdobra em cinco subseções, nas quais expli-citamos um breve histórico do planejamento público (2.1), o contexto neoliberal e ascenso progressista (2.2), os desafios a serem superados (2.3), o conceito de desenvolvimento proposto (2.4) e a possibilidade de um projeto nacional (2.5).

A seção 3 aborda a experiência em termos de planejamento e desenvolvimen-to do Maranhão, gestada pelo Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos (IMESC), e se desdobra em quatro subseções, nas quais fazemos um breve histórico sobre o planejamento público estadual (3.1), tratamos do con-texto estadual (3.2), apontamos os principais obstáculos ao desenvolvimento (3.3) e identificamos possíveis estratégias de superação de tais obstáculos, as quais confi-guram a perspectiva de um projeto de desenvolvimento estadual (3.4). Após estas subseções, traçamos nossas considerações finais na seção 4.

2 O BRASIL OU OS GRILHÕES QUE NOS FORJARAM3

O Ipea reabriu a discussão sobre o desenvolvimento no Brasil e sua importância para a construção de um projeto nacional. O texto-base produzido para subsidiar as discussões e debates foi o de Garcia (2009, p. 7), que teve como objetivo “me-lhor apreender a natureza dos problemas a serem enfrentados e dos obstáculos a serem ultrapassados”.

O autor é técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea e fala a partir do go-verno federal para a audiência de técnicos do próprio instituto e um público mais afeto aos temas do planejamento e do desenvolvimento. O trabalho engendra uma leitura crítica do passado recente – governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) – e um elogio ao presente próximo – governo Luiz Inácio Lula da Silva, doravante governo Lula –, instituindo uma visão retrospectiva negativa e esbo-çando elementos que possibilitarão a construção de uma visão prospectiva.

A concepção adotada é a de um desenvolvimento no sistema capitalista, res-gatando a tradição do planejamento estatal brasileiro e trazendo o elemento novo

3. Alusão à estrofe do Hino da Independência: “Os grilhões que nos forjava; Da perfídia astuto ardil; Houve mão mais poderosa: Zombou deles o Brasil (...)”.

189Alguns Desafios ao Planejamento e Desenvolvimento do Maranhão...

da explicitação de pacto nacional que possibilite a elaboração e implementação de um projeto nacional de desenvolvimento.

Em face disso, permanecem atuais as conclusões de Ianni (1991, p. 288), quando afirma que todos os projetos de desenvolvimento propostos até hoje na história brasileira recente oscilam entre a gestação de um capitalismo nacional e a manutenção de um capitalismo dependente ou associado. Entretanto, nenhum deles impediu que ocorresse um desenvolvimento desigual (CHEIN; LEMOS, ASSUNÇÃO, 2007), como sói acontecer nesse modo de produção.

Não é nosso objetivo discutir sobre as possibilidades ou a validade da ideia de desenvolvimento ou de projeto nacional no bojo do sistema capitalista, em que o Brasil se insere de forma periférica e o estado do Maranhão, na periferia da periferia. Porém, comungamos das posições que destacam a importância do planejamento público neste processo, seja em uma direção anticapitalista ou não.

O cerne da argumentação de Garcia (2009, p. 7) é que essa tarefa não é de natureza teórica ou acadêmica, mas um “projeto político nacional co-ordenado pelo Estado e conduzido, na prática, sob a liderança do governo federal”. Ora, apesar dessa advertência, a natureza teórica e acadêmica não é dispensável, dado que o próprio autor adota referenciais para tecer sua análi-se. Aparentemente a questão posta é a da imprescindível articulação teoria – prática, pensamento e ação transformadora, e soluções concretas para pro-blemas concretos. Porém, a nosso ver, o autor elide a luta de classes da sua análise, reavivando as soluções conciliadoras que sempre caracterizaram nossa história política. Ao mesmo tempo, ignora a natureza contraditória do modo de produção capitalista, o qual não questiona.

2.1 Um breve histórico do planejamento público

Mindlin (2001) afirma que o planejamento enquanto instrumento de política econômica é relativamente recente. No Brasil, o planejamento é fruto de um acúmulo de experiências iniciado nos anos 1930 sob o governo Getúlio Vargas (1930-1945). Naquele momento o país transitava do Estado patrimonialista, sob a prevalência das oligarquias regionais, e do modelo primário-exportador para o Estado burocrático, com a ascensão de novos sujeitos políticos e sociais. Assim como ascendia à concepção de um modelo de desenvolvimento baseado na industrialização e na substituição de importações.

A primeira experiência foi o Plano Especial de Obras Públicas e Apare-lhamento da Defesa Nacional, para o período de 1939 a 1945, e teve como resultados positivos a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a Fábrica Na-cional de Motores, a prospecção de petróleo, a expansão das ferrovias, entre outras realizações.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011190

Com o fim do Estado Novo e o advento da primeira redemocratização, o Plano “Saúde, Alimentação, Transportes e Energia” (Salte), no governo Dutra (1946-1950), foi a experiência de planejamento mais global, mas foi abandonado e substituído pelo Plano Nacional de Reaparelhamento Econômico, no segun-do governo Vargas (1951-1954). Esse plano foi elaborado pela Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU), demarcando o interesse e a inserção do capita-lismo internacional, sobretudo estadunidense. Este plano durou dois anos e meio, sendo desativado em seguida (IANNI, 1991, p. 126).

O Programa de Metas sob o governo Juscelino Kubitschek (1956-1960) é con-siderado um marco, pois avança na coordenação nacional da ação estatal, no estabele-cimento de metas e setores prioritários e na articulação entre Estado, iniciativa privada e capital internacional. O programa atingiu cerca de 70% das metas estabelecidas. Entre os resultados positivos, podemos citar a construção de Brasília – deslocando o eixo de desenvolvimento do litoral para o centro – e a indústria automobilística na região Sudeste; do lado negativo, o endividamento externo.

O planejamento, até então, estava fortemente referido à ideia de desen-volvimento econômico como industrialização e emancipação econômica na-cional, passando agora para uma perspectiva de industrialização associada ao capital internacional, ou seja, de um capitalismo nacional para um capitalismo associado dependente (IANNI, 1991, p. 189-192), conforme havíamos aludi-do no início da seção.

O Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social emerge no go-verno João Goulart (1961-1963), em um tumultuado contexto político e eco-nômico. Goulart, vice-presidente, assume após a renúncia de Jânio Quadros, em um cenário tensionado pela ampla mobilização social em prol de reformas e pela ameaça explícita de reação conservadora. Ao lado disso, observa-se o agravamento da inflação e dos desequilíbrios econômicos setoriais e regionais (IANNI, 1991, p. 202).

Tal ambiente resultou no violento Golpe Militar de 1964, autodenomina-do Revolução de 1964, findando o período de democratização experimentado no Brasil desde 1946 e iniciando um período profundamente repressor e autoritário; o que levou ao abandono do plano trienal.

O Plano de Ação Econômica do Governo (1964-1966), primeiro da dita-dura, elaborado sob a gestão do marechal Castello Branco (1964-1967), concen-trou-se no combate progressivo ou gradual da inflação. Os planos passaram a ter uma perspectiva de longo prazo. É o caso do Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social (1967-1976), que estabeleceu diretrizes da política de desen-volvimento conduzida pelo governo federal (ALMEIDA, 2006, p. 17).

191Alguns Desafios ao Planejamento e Desenvolvimento do Maranhão...

O Programa Estratégico de Desenvolvimento (1968-1970) foi formulado na gestão do marechal Costa e Silva (1967-1969), em que se pretendeu um pro-jeto nacional de desenvolvimento, cujos objetivos básicos eram a aceleração do crescimento econômico e a contenção da inflação, claramente contraditórios.

O programa Metas e Bases para a Ação do Governo foi lançado sob a gestão do general Emílio Médici (1970-1974). Nele demarca-se a ascensão do que Ianni (1991, p. 288-297) chama de “neonacionalismo da potência emergente”: a ideia do Brasil como grande potência. Prevê como objetivo-síntese o ingresso do país no mundo desenvolvido. Trabalha-se no longo prazo um “projeto nacional” executa-do nos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNDs) subsequentes. Logo após, foi elaborado o I PND (1971-1974), período no qual ocorreu forte crescimento econômico, puxado por uma conjuntura internacional favorável.

Desde então, no restante do período da Ditadura Militar, gestões dos gene-rais Geisel (1975-1979) e Figueiredo (1980-1984), o II e III PND deram o tom do planejamento público, “verdadeiro ‘ponto alto’ do planejamento governamen-tal no Brasil” (ALMEIDA, 2006, p. 21).

Com a redemocratização, segunda na história do país, sob o governo José Sarney (1985-1990) apresentou-se o I PND da Nova República. Este plano foi seguido de inúmeros outros, caracterizando superposição e incompatibilidade en-tre planejamento e orçamento, contribuindo para a escala crescente de desprestí-gio do planejamento público.

É importante lembrar que a partir da década de 1970 o capitalismo enfrenta profunda crise. A ideia do Estado interventor-planejador dá lugar ao Estado mí-nimo e o modelo desenvolvimentista é substituído pelo modelo neoliberal, como se detalhará na subseção 2.2.

No Brasil a ideia de desenvolvimento perde força e presença no âmbito do planejamento público. Este passa a estar circunscrito aos Planos Plurianuais, mais conhecidos pela sigla PPAs, por determinação da Constituição Federal de 1988 (CF/88). Segundo Cardoso Jr. (2010), passamos da primazia do planejamento sobre a gestão, característica do período de 1930 a 1980, para a primazia da gestão sobre o planejamento. Até então o planejamento foi um processo condi-cionado à economia, produzido por uma tecnocracia estatal, nem se cogitando a participação da sociedade neste processo. A partir daí as exigências por democra-tização são crescentes, o que não pode ser confundido com exigências atendidas ou satisfeitas.

O planejamento passou a se fixar no curto prazo, na conjuntura, na busca pela estabilização monetária e no controle da inflação. Seguiram-se os pla-nos de estabilização: Cruzado (1986), Bresser (1987), Verão (1988), Mailson

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011192

(1989), Collor (1990) e Real (1994), fazendo uma sequência não exaustiva (CARDOSO JR., 2010, p. 14).

Os PPAs, ao contrário dos PNDs da ditadura militar, não têm força estraté-gica para direcionar o país a um projeto de desenvolvimento, pois estão submeti-dos aos imperativos da política econômica voltada fortemente para a estabilização.

O primeiro PPA (1991-1995), elaborado sob o governo Fernando Collor de Melo (1991-1992), doravante governo Collor, apenas cumpriu a determinação constitucional. Os PPAs seguintes, elaborados sob os dois mandatos do governo FHC (1995-2002), ensaiaram a retomada da ideia de desenvolvimento, porém ficaram esmaecidos diante do frenético processo de privatização e desmantela-mento do Estado brasileiro neste período.

Tenta-se passar do Estado burocrático-patrimonialista para o Estado geren-cial4 por intermédio da Reforma do Estado. Do ponto de vista econômico, perde fôlego a estratégia de desenvolvimento nacionalista para a estratégia de desenvol-vimento associado, nos termos de Ianni (1991). Ainda que de forma restrita, na concepção desses PPAs, ocorreu certa participação, sobretudo de técnicos con-vidados e de consultas às unidades federativas por intermédio das secretarias de planejamento (ALMEIDA, 2006).

Os PPAs 2004-2007 e 2008-2011, sob o governo Lula,5 foram os que mais avançaram em termos de participação da sociedade, comparativamente aos ante-riores, ainda que essa tenha sido consultiva e não implicado um canal permanente de diálogo. O planejamento nos últimos anos aponta para o revigoramento da estratégia de desenvolvimento nacionalista apontada por Ianni (1991), com a tendência de um Estado mais interventor, conforme Cardoso Jr. (2009).

2.2 Do totalitarismo neoliberal ao ascenso progressista

Após esse resgate histórico necessário, voltemos ao nosso percurso original. Garcia (2009) identifica duas linhas de pensamento sobre o desenvolvimento: a liberal--conservadora, que percebia o desenvolvimento exclusivamente pela dimensão econômica; e a reformista ou revolucionária,6 cuja convicção estava no desenvolvi-mento das forças produtivas para a solução de quase todos os problemas – à luz dos últimos 60 anos as duas se revelaram insuficientes.

4. A administração pública gerencialista ou gerencial, tradução peculiar e pleonástica feita por Bresser-Pereira da new public management é um movimento político e teórico que cruza as referências do neoinstitucionalismo, da public choice e da teoria agente versus principal. O comportamento dos cidadãos é equivalente aos dos consumidores; as ins-tituições públicas funcionam como empresas competindo por recursos e clientes; e o mercado é considerado mais efi-ciente na alocação de bens, serviços e recursos (LUSTOSA DA COSTA, 2010, p. 153). Sob a influência deste movimento, o planejamento perde espaço para a gestão, uma versão apolítica e piorada da administração, revivendo Taylor e Fayol.5. Para uma análise bastante fecunda sobre o governo Lula, ver Anderson (2011) e Sader (2009a).6. Discordamos da assertiva reformista ou revolucionária, pois leva a pensar que reforma é a mesma coisa de revolu-ção. Uma linha revolucionária de fato existiu, mas nunca chegou ao poder na história do Brasil, preterida por elimina-ção sumária – como na Ditadura Militar –, cooptação – como no governo FHC e Lula – ou isolamento.

193Alguns Desafios ao Planejamento e Desenvolvimento do Maranhão...

O autor destaca que paralelo a isso, os países do capitalismo central, com o apoio de organismos multilaterais, academias e thinks tanks, produziram o que ficou consagrado como “Consenso” de Washington (WILLIAMSON, 1990), di-fundido e imposto aos países da América Latina e do Caribe, constituindo-se em verdadeiro grilhão para a periferia do sistema capitalista.

O relatório de Balassa et al. (1986) precede cronologicamente o de Willia-mson (1990) e contou com a participação da Fundação Getulio Vargas (FGV). Este relatório estabelece as mesmas recomendações do “Consenso” de Washing-ton, assim como este foi elaborado sob o resguardo do Institute for International Economics (IIE). Não é a toa que boa parte da “comunidade epistêmica” (Bresser--Pereira, Fernando Luiz Abrucio, Peter Spink e Lustosa da Costa, por exemplo), que atua em prol da Reforma do Estado no Brasil, não só tenha sido formada, como tem vínculos orgânicos com a FGV.

Dissemos “Consenso” entre aspas, tendo em vista a contribuição de Gentili (1998, p. 28). Ele afirma não ser um consenso, pois não resultou do “acordo unânime entre nações ou grupos que negociam questões de interesse comum”, mas sim de uma imposição do capitalismo central mediada pelas elites nacionais. Isso implicou tanto uma política de consentimento quanto de coerção, expressa, por exemplo, na imposição desse conjunto de medi-das como condicionalidades para que esses países acessem aos créditos e ao auxílio técnico e financeiro do sistema Banco Mundial (BM) e do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Batista (1994), com clareza meridiana, denuncia a visão economicista dos problemas latino-americanos contida no documento. Tudo se passou como se as classes dirigentes entendessem que a crise econômica não tivesse raízes ex-ternas – alta dos preços do petróleo, das taxas internacionais de juros, dete-riorização dos termos de intercâmbio –, mas apenas fatores internos, isto é, as equivocadas políticas nacionalistas que adotavam e as formas autoritárias de governo que praticavam.

Ainda Batista (1994) assinala que o recomendado pelos países do capitalis-mo central nunca foi seguido por estes. Os Estados Unidos e a Inglaterra nunca praticaram a economia de mercado que propõem. Estes países contaram com a forte presença do Estado na indução do seu crescimento econômico, como vere-mos na subseção 2.4.3.

Com um atraso de dez anos, Chang (2009) afirma que as políticas suge-ridas pelo consenso foram um ato de esperteza dos países desenvolvidos que, após atingirem seus patamares de “prosperidade”, chutaram a escada para os países em desenvolvimento, maus samaritanos, e passaram a pregar o que nunca fizerem na prática.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011194

O problema da análise de Chang (2009) é, além da sua enorme ingenui-dade, tomar o modo de produção capitalista como único horizonte possível. Ele acredita que os países do capitalismo central – especialmente Estados Uni-dos, Inglaterra, Alemanha, França e Japão – e os organismos internacionais ou “trindade profana” (FMI, BM e Organização Mundial do Comércio – OMC) recomendam essas políticas por força de uma “boa-fé” mal informada. Segun-do ele, existe esperança para que esses países mudem essas políticas e deem um “tratamento especial” aos países em desenvolvimento, como se estes sofressem de alguma deficiência física. Esta esperança está fundada na sua certeza de que a maioria dos países desenvolvidos não é nem “gananciosa” nem “fanática” e, a partir do acesso a uma visão mais equilibrada – contida nos seus livros –, poderá mudar essas convicções.

As consequências para o Brasil foram sentidas na degradação do aparato estatal e brutal redução da capacidade de governo, na abertura comercial abrupta, na privatização das empresas estatais e na demissão do governo federal de inúme-ras atribuições essenciais (GARCIA, 2009, p. 10).

O neoliberalismo implicado pelo aludido consenso já veio em resposta à outra crise do capitalismo, em meados de 1970 (DUMENIL; LEVY, 2007; CARCANHOLO, 2008, p. 250), como dito na subseção anterior. A crença na industrialização como geradora de um desenvolvimento ilimitado esbarrou em uma realidade em que as desigualdades cresciam cada vez mais, a degradação ambiental se dramatizava e o desemprego batia às portas.

A reestruturação produtiva surge como parte da resposta a essa crise do ca-pitalismo, ou seja, à crise do modelo de regulação social fordista – tendendo-se à perda dos direitos sociais e ao agravamento da exclusão social. Propõem-se a desregulamentação, a descentralização e a privatização nas relações entre Estado e mercado, sob o selo comum das reformas do Estado.

O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) é o docu-mento-síntese desses processos no Brasil. Ele foi publicado em 1995 e elaborado pela Câmara da Reforma do Estado (atual Câmara de Políticas de Gestão, De-sempenho e Competitividade, do governo Dilma Rousseff), no governo FHC. Este documento não é uma lei, um decreto ou portaria, porém nunca foi for-malmente substituído, negado ou revogado pelos governos que sucederam FHC. O PDRAE continua sendo a pedra angular no processo de reforma do Estado, apesar das consequências mencionadas por Garcia (2009).

Behring (2003) coloca o termo “reforma” entre aspas, pois a palavra expres-sou em um determinado momento do capitalismo – pós-1945 até os anos 1970 – conquistas em termos de direitos sociais por parte da classe trabalhadora, direi-tos que em seu conjunto configuraram o chamado Estado de Bem-Estar Social.

195Alguns Desafios ao Planejamento e Desenvolvimento do Maranhão...

O termo foi apropriado por parte dos apologistas do neoliberalismo e passou a significar justamente o ataque a essas conquistas, a subtração desses direitos. Portanto, não se tratou de uma “Reforma” do Estado, mas de uma contrarrefor-ma do Estado, pelo seu caráter conservador e regressivo.

Paralelamente ao avanço desse processo nefasto, tivemos a derrocada do so-cialismo real representado pela União Soviética e pelos países da Europa Oriental, o que significou encurtamento no horizonte de alternativas, desmobilização so-cial, desorganização do debate e das formulações emancipatórias sobre as possibi-lidades da periferia do sistema capitalista (SADER, 2009b).

A realidade que emergiu após essa onda na década de 1990 foi tão acacha-pante que os movimentos políticos que se lhe opuseram avançaram em conquistas políticas importantes, como a eleição de governos progressistas no Brasil (2002), na Bolívia (2005), no Equador (2007) e na Venezuela (1998). Paralelamente ocorreu a construção de espaços de diálogo e contestação como o Fórum Social Mundial, projetos autóctones de integração e solidariedade como a Alternativa Bolivariana das Américas (Alba), e a União Sul-americana de Nações (Unasul) (SADER, 2009a; PRECIADO, 2008). Existe ainda a nascente Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, criada em 2010, em seção da Cúpula da Unidade da América Latina e Caribe, no México.

Nesse contexto, apesar da mobilidade excepcional de capitais que exige li-berdade de movimento e redução de barreiras e controles nacionais, consequen-temente diminuindo a margem de poder dos países da periferia, como apontado por Garcia (2009), surgem alternativas possíveis, especialmente na América La-tina e no Caribe. Alternativas que, a partir dessa região, contestam essa visão e pensamento únicos dominantes. A ideologia totalitária do neoliberalismo está em franco declínio, mas ainda tem fôlego para resistir e dificuldade para desencarnar.

Alguns intelectuais, como Anuatti-Neto et al. (2005), Soares e Pinto (2008) e Hermann (2010), mantêm um silêncio angerônico7 quanto ao conjunto do dis-posto nos parágrafos anteriores, pois separam a economia da política, atendo-se a visões monocausais e unilaterais de uma economia afrásica. Sem cair nessa pers-pectiva, devemos reconhecer que um dos poucos méritos da década de 1990 no Brasil foi a estabilização inflacionária gerada pelo Plano Real (1994), os ganhos reais do salário mínimo e certa “competitividade” para as firmas brasileiras, o que não nos autoriza a ignorar as consequências supradestacadas.

Acresce-se que para manter essa estabilização, combina-se câmbio flexível, taxas de juros elevadas e superávit primário, reduzindo os investimentos disponí-veis para o desenvolvimento nacional e preservando vultosos recursos para o pa-

7. De Angerona, deusa romana do silêncio.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011196

gamento da dívida. A estabilização monetária sobrepõe o crescimento econômico e a geração de empregos; da mesma forma, a eficiência do gasto público prevalece sobre a progressividade na arrecadação tributária e a redistributividade alocativa (CARDOSO JR., 2010, p. 25). Com isso, dificulta-se a implementação das polí-ticas sociais até hoje (MARQUES; MENDES, 2009).

2.3 Um conceito em busca de concretização

É no bojo desse declínio neoliberal e ascenso progressista que Garcia (2009, p. 11) resgata o pensamento de Celso Furtado para pensar um conceito de de-senvolvimento. Assim, em perspectiva histórico-estrutural, reconhece a natureza multidimensional do processo de desenvolvimento, tarefa de toda a sociedade, do conjunto de suas estruturas, exigindo coesão social e liderança política.

O desenvolvimento defendido por ele não comportará qualificativos, como desenvolvimento econômico, desenvolvimento social, desenvolvimento político--cultural etc., assim como não poderá se confundir com mero crescimento econô-mico. Envolverá crescimento promotor de equidade social e de sustentabilidade ambiental, manifestar-se-á em todas as dimensões relevantes da vida nacional, deve se espraiar por todo o território, articular e envolver virtuosa e integrada-mente todos os poderes públicos e instâncias federativas em sua direção.

Segundo Garcia (2009, p. 12), mais do que simultaneidade convergente das mudanças, a experiência de processos exitosos de desenvolvimento nacional apon-ta para a sinergia intertemporal entre as transformações mais importantes, ou seja, as coisas devem ser feitas à medida que vão sendo criadas as viabilidades e amplia-dos os espaços de liberdade de iniciativa. Ao lado disso, há uma visão de futuro do país, construída pelo Estado, ator capaz de produzir essa formulação global que empolgará a nacionalidade no projeto de desenvolvimento e integrará as múlti-plas dimensões, contemplando o interesse geral e os interesses particulares em um jogo de soma positiva e no longo prazo.

Isso implicará a construção de instrumentos, conceitos, teorias, métodos, técnicas e concepções organizacionais que “permitam elaborar propostas de ação exeqüíveis, abrangentes o suficiente para dar expressão prática à noção mais am-biciosa de desenvolvimento” (GARCIA, 2009, p. 13).

Nogueira (2008, p. 10) junta a esta ideia de desenvolvimento a necessidade de um pacto social de tipo desenvolvimentista, que possua consistência, mas tam-bém “muita flexibilidade na sua agenda e muita generosidade ética e política”.8

8. Nota-se aqui uma das justificativas para a aliança entre o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido do Movi-mento Democrático Brasileiro (PMDB), sob o governo Lula (2003-2010), aprofundada no governo Dilma Rousseff (2011-2014).

197Alguns Desafios ao Planejamento e Desenvolvimento do Maranhão...

2.4 Desafios a serem enfrentados

Após explicitar esse conceito de desenvolvimento, Garcia (2009, p. 13) en-tende que para concretizá-lo é necessário superar “o medo de pensar grande, de criar, de experimentar, de ousar”, considerando que aquele pensamento único da década de 1990 submeteu a sociedade brasileira a um “paralisante regime de contenção mental, de inibição e empobrecimento intelectual, de rebaixamento de expectativas, de redução de ambições” (op. cit.).

Em parte, isso é verdadeiro quando atentamos para a força da onda neoliberal na mídia, na academia e no Estado; mas nestes mesmos espaços ou a partir deles, já foram apontados caminhos alternativos para superação desse pensamento único.

Rangel (1992) já apontava que nossa integração na economia mundial deve-ria resultar de uma operação planificada e nunca no desmantelamento dos instru-mentos fundamentais de planejamento. Mas, em determinado momento daquela década, falar em projeto nacional tendo o Estado como protagonista e uma cida-dania ativa e partícipe na direção deste projeto era ser irresponsável.

O capitalismo vivencia mais uma crise, os movimentos sociais alcançam uma projeção global e as alternativas propostas têm grande repercussão e são experimentadas em alguns países, como observamos ao fim da subseção 2.2. As análises e críticas ao neoliberalismo ganharam destaque com o claro fracasso das medidas por ele preconizadas, governos progressistas chegaram ao poder na América Latina e no Caribe – existe ambiente e ambiência para a construção do novo ou, como afirma Garcia (2009, p. 15), para “romper com as amarras men-tais e ideológicas” e “recuperar a visão profunda, alargar os horizontes intelectuais, dar vazão à inventividade, resgatar valores culturais básicos da nacionalidade e retomar ambições históricas” (op. cit.).

Garcia (2009) aponta três desafios a serem enfrentados: i) reconhecer o pon-to de partida (subsubseção 2.4.1); ii) não desprezar o passado (2.4.2) e iii) apren-der com a experiência alheia (2.4.3).

2.4.1 Reconhecer o ponto de partida

No primeiro desafio parte-se da constatação de que o Brasil é um país desigual e diversificado. Ao mesmo tempo, detemos grandes potencialidades e consideráveis capacidades, e almejamos o “aprofundamento da democracia, o crescimento ace-lerado, a inclusão social, a redução de todas as desigualdades, a sustentabilidade ambiental e a inserção internacional soberana” (GARCIA, 2009, p. 16).

No que tange à desigualdade e diversidade, Bacelar (2009) analisa sob o ponto de vista das nossas heranças:

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011198

1. a herança da concentração litorânea vinculada ao modelo primário--exportador, com infraestrutura, bases produtivas e universidades con-centradas no litoral;

2. a herança da diversidade brasileira – é positiva;

3. a herança da concentração no Sudeste e dos dois Brasis – o urbano-in-dustrial (concentrado dois terços em São Paulo) e o Norte/Nordeste; e

4. a herança da desigualdade – Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), escolaridade etc.

A aludida pesquisadora não perde de vista as tendências: i) a mudança de-mográfica – com a mortalidade declinante e o envelhecimento da população, ao lado da emergência das cidades médias e pequenas; e ii) o avanço da ocupação não litorânea. Existe ainda iii) a desconcentração espacial da indústria e da agricultura – a produção industrial e a produção agropecuária têm diminuído no Sudeste e aumentado relativamente no Nordeste nos últimos 30 anos.

Por fim, tem-se a descoberta da iv) a importância da base da pirâmide social – crescimento da classe média brasileira e do poder de compra das classes de menor renda; v) a redução da pobreza por meio de políticas assistenciais, apoio a agricul-tura familiar e aumento real e contínuo do salário mínimo, com maior impacto no Norte e Nordeste; e vi) a busca de mudança no padrão de crescimento.

Quanto a heranças e tendências, Bacelar (2009) deixa claro que não faz sen-tido pensar políticas para o enfrentamento das desigualdades e a potencialização das diversidades sem um projeto nacional, no que se coaduna com Garcia (2009). Não podemos vivenciar ou visionar a simples exaltação das nossas potencialidades e a maldição de nossas desigualdades, mas partir desse ponto para o enfrentamen-to dos problemas e o encontro de soluções possíveis.

2.4.2 Não desprezar o passado

Reconhecer o ponto de partida implica não desprezar o passado. No segundo de-safio, Garcia (2009, p. 16) destaca que “nosso passado não quer passar. Tem força para se manter, se projetar no presente, ambicionando ser o futuro”. Analisando a história brasileira o autor demarca que o país passou por inúmeras imposições, não registrando “exemplos de construção de amplos consensos sociopolíticos que suportassem projetos emancipatórios duradouros” (op. cit.).

A colônia representou uma imposição às populações autóctones pelos con-quistadores portugueses. A independência nacional foi uma articulação das eli-tes locais que impuseram um imperador português e preservaram o status quo. A unidade nacional sob o Império foi alcançada com latifúndio escravocrata e

199Alguns Desafios ao Planejamento e Desenvolvimento do Maranhão...

repressão aos movimentos sociais nas províncias. A República foi proclamada e governada sem povo tendo como signo inúmeros golpes e contragolpes de Esta-do, regimes de exceção e ditaduras militares, com curtos períodos democráticos.

Por outro lado, ressalva Garcia (2009, p. 18), no período republicano até o início da Ditadura Militar alguns avanços importantes foram alcançados, con-flitando dois projetos de nação ou duas visões de Brasil: uma mais democrático--popular, com soberania e reformas de base, e outra elitista-conservadora, moder-nizante e submissa aos interesses externos – as duas linhas de pensamento e ação por ele referidas inicialmente.

A solução foi autoritária em favor da segunda visão. Existia um projeto de nação (o Brasil Potência) e um aparato institucional para promovê-lo – trata-se do neonacionalismo da potência emergente, referido por Ianni (1991) na subseção 2.1. Esse fato elogiável não olvida as vidas ceifadas e a violência institucionalizada pela Ditadura Militar que suprimiu a democracia, a participação popular e com-prometeu a formação de pelo menos três gerações de brasileiros e brasileiras, sob o signo do conformismo, do autoritarismo e da descrença na política.

Ele cita as fundações e autarquias que foram criadas: como o Banco Central do Brasil (BCB), o Ipea, o Instituo Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o Instituto Nacional de Metrologia (INMETRO); as empresas públicas, como a Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), Empresa Brasileira de Pes-quisa Agropecuária (Embrapa), a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), o sistema Telecomunicações Brasileiras S/A (Telebras), a Centrais Elétricas Brasilei-ras (Eletrobras), a BR Distribuidora, a Vale do Rio Doce. Segundo ele “todo um aparato de intervenção, construção de articulações e sinergias foi sendo implanta-do com vistas a fazer um novo país” (GARCIA, 2009, p. 18).

Concomitantemente, haverá o enfrentamento dos problemas ou das defi-ciências nacionais, como: o desenvolvimento regional (com a criação da Supe-rintendência do Desenvolvimento da Amazônia – Sudam, Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste – Sudeco etc.), meio ambiente, desenvolvi-mento urbano e metropolitano, transporte, redivisão territorial, meteorologia e sistema de informações estatísticas, cartográficas e gerenciais. Acrescem-se à política externa independente, um vigoroso programa de desenvolvimento cien-tífico e tecnológico, indústria aeroespacial e de armamentos, programa nuclear, busca da autossuficiência energética, inovações em telecomunicações, indústria de informática etc.

Oliveira (2008a) aponta com clareza que aquele enorme esforço institu-cional e histórico que custou vidas e gerações foi desfeito de um momento para o outro. A destruição da capacidade do Estado brasileiro se deu entre o governo Collor (1991-1992) e o governo FHC (1995-2002), com uma breve pausa no

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011200

governo de Itamar Franco (1993-1994), que assumiu com o impedimento de Fernando Collor de Melo.

Garcia (2009) aponta que essa ambição produziu a crise,9 pois os movimen-tos do mundo real, tais como a crise petrolífera, o esgotamento da capacidade financeira do Estado e o excessivo endividamento, foram ignorados pelos dos militares. A exacerbação das lutas sociais e políticas mantidas sob a rígida repres-são voltam à tona e pressionam pelo fim da Ditadura Militar, que inicia a “lenta e agônica transição”. Nova imposição.

Apesar disso ou “apesar de você”,10 aos trancos e barrancos, o país se indus-trializou, urbanizou-se, modernizou sua agropecuária, construiu razoável infra-estrutura, sistemas públicos de educação, saúde e previdência social, adquirindo certa competência científica e tecnológica (GARCIA, 2009, p. 21).

2.4.3 Aprender com a experiência alheia

Atentos às especificidades de nossa formação social, não podemos ignorar que estamos inseridos em determinado contexto, em determinada configuração his-tórica que é mundial, na periferia do sistema capitalista, como dissemos na intro-dução deste trabalho.

O terceiro desafio é aprender com a experiência alheia, não nos termos da pedagogia do exemplo, dos organismos internacionais (como no “Consenso” de Washington), mas na perspectiva de uma pedagogia da incorporação crítica. A experiência internacional fornece pistas e demonstra que países superam situa-ções graves e ameaçadoras; o desafio é incorporar criticamente o que nos parecer relevante. Garcia (2009, p. 22-25) cita o caso dos Estados Unidos, do Japão, da Alemanha, da Itália, da França e da Espanha, aos quais acrescentamos o caso da Coreia do Sul.

Os Estados Unidos enfrentaram a Grande Depressão, fruto da crise de 1929, por meio de um pacto denominado New Deal liderado pelo presidente Franklin Delano Roosevelt (eleito em 1932, reeleito em 1936, 1940 e 1944, e falecido em 12 de abril de 1945). Este presidente enfrentou a crise econômica e deu nova face à sociedade americana, não sem sofrer resistências (ISRAEL, 1987).

O Japão saiu derrotado da Segunda Guerra Mundial e com milhares de mortos. No pós-guerra, por meio de um poderoso planejamento estatal,

9. Aqui cabe uma observação crucial. Para os apologistas do neoliberalismo e de uma economia afrásica, as crises do sistema capitalista não lhes são inerentes, mas sim anomalias a serem corrigidas. Daí sua relação problemática com o passado, suas análises a-históricas, explicações monocausais e unilaterais. Uma mirada nos últimos dois séculos mos-tra claramente que o capitalismo sempre está em crise, o que varia é a intensidade de cada uma delas. Recomendamos enfaticamente a leitura de Mészáros (2002). 10. Alusão à música “Apesar de você”, de Chico Buarque.

201Alguns Desafios ao Planejamento e Desenvolvimento do Maranhão...

articulação fina de todos os interesses – governo, partidos políticos, empresariado, trabalhadores e academia – e a negociação permanente, promoveu: uma reforma agrária; a universalização da educação de qualidade; vigoroso desenvolvimento científico e tecnológico; emprego vitalício; renda crescente do trabalho; e elevação da qualidade de vida da população.

A Alemanha, igualmente derrotada, foi destruída e dividida. Após a reuni-ficação, estabeleceu um Pacto Corporativo para a Economia Social de Mercado. Este pacto criou uma nova sociedade, com economia dinâmica e integrada aos demais países da Europa Ocidental. Após ter abdicado do militarismo e do ex-pansionismo, e a despeito da direção política ter se alternado entre os diversos partidos políticos, o aludido pacto foi respeitado e seguido.

A França, colaboracionista dos regimes nazifascistas, saiu cindida da guerra. A liderança forte de Charles De Gaulle e um planejamento estatal democrático--participativo promoveram o equilíbrio regional, incentivando setores promisso-res e instituindo o Estado de Bem-Estar Social. Representou, ao lado da Alema-nha, um papel fundamental na criação da União Europeia, para Garcia (2009, p. 24) “um dos poucos casos de efetivo aprendizado com a história (Tratado de Versalhes), associado à visão longa de futuro”.

A Espanha, via Pacto de Moncloa, realizou a transição entre o regime fran-quista e a democracia. Construiu um consenso envolvendo da direita à esquerda, em torno do “mínimo denominador comum”, isto é, uma Espanha democráti-ca, o respeito às autonomias regionais e uma economia integrada à da Europa. Apesar das inúmeras dificuldades posteriores, o pacto foi mantido e a Espanha se manteve democrática e integrada à União Europeia.

A Coreia do Sul (GUIMARÃES, 2010), após a chamada Guerra da Coreia, nos idos de 1953, estava com a economia arrasada. A partir de um planejamento público centralizado que estabeleceu a educação como cerne do desenvolvimento nacional – adaptou-se o sistema educacional a cada necessidade do estágio de desenvolvimento alcançado –, recuperou-se de forma espantosa.

Diante dos casos em tela, Oliveira (2008a) nos auxilia a compreender que esses processos não teriam ocorrido sem a atuação do Estado. Ele deixa claro que na história do sistema capitalista inexistem casos exitosos sem forte ação estatal. Cita o exemplo dos Estados Unidos com o patrocínio do Estado à expansão para o oeste, o caso da Inglaterra com a atuação da Marinha Real no combate ao trá-fico de escravos e os casos mais clássicos da Alemanha, Itália e do Japão. Por fim, defende que “não precisamos de ausência do Estado, precisamos de controle sobre as forças do Estado. E usá-la de forma discriminada e discriminatória contra as forças que se opõem a isso” (OLIVEIRA, 2008a, p. 25).

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011202

Para Garcia (2009, p. 25) esses casos demonstram que, apesar de situações adversas, é possível “contra-arrestar tendências indesejáveis ou até mesmo des-trutoras”, por intermédio de um projeto que vise ao bem comum, e revelam que “o impossível é transitório, (...) possibilidades bem aproveitadas podem fazer a diferença, (...) o aparentemente inconciliável pode ser harmonizado em horizon-tes temporais diferenciados” (op. cit.).

O desenvolvimento no Brasil até agora não correspondeu a uma democra-tização do poder, das tomadas de decisão, sempre ocorrendo processos que ins-tituem sujeitos passivos, objetos de vontade dos planejadores (RIBEIRO, 2008). Assim, esse desenvolvimento só fará sentido se representar uma significativa mu-dança nas estruturas de poder, no sentido de seu maior compartilhamento e distribuição equânime.

A exclusão da centralidade unilateral do Estado apontada por Nogueira (2008) não implica sua desnecessidade . Segundo ele, precisamos recuperar o Estado, reestatizá-lo, impregná-lo da perspectiva de comunidade política que su-pere a destruição induzida e vivenciada sob o neoliberalismo; isso está sintonizado com Natal (2004), Garcia (2009), Pochmann (2009) e Sader (2009a, 2009b).

2.5 A possibilidade de um projeto nacional

A partir da superação dos desafios apontados na subseção 2.3, pode-se refletir sobre a possibilidade da construção de um projeto nacional. Segundo Garcia (2009), um projeto nacional de desenvolvimento será sempre resultado de um grande acordo ou pacto que expresse o máximo consenso social possível. Entendemos que essa ideia atualiza as análises de Rangel (1992) quanto aos pactos de poder.

O projeto nacional de desenvolvimento:

É um acordo que sanciona ganhos e perdas ao longo do tempo, com vistas a que todos se beneficiem, diferentemente e alterando as relações de poder, em um prazo mais dilatado. Estabelece sobre o que e como devem ser aplicados os esforços e recursos detidos por todos os pactuantes, objetivando a realização dos interesses comuns, à construção daquelas características de país que foram objeto de consenso (GARCIA, 2009, p. 26).

É uma tarefa de fôlego, como o autor afirma, exigirá a construção de con-ceitos e formulações, compreensão e organização de um roteiro básico que re-verta “as tendências negativas e inaugure espiral virtuosa de democracia apro-fundada, inclusão social, redução de todas as desigualdades, desenvolvimento equitativo e sustentável, uma vida pacífica e uma inserção internacional soberana” (GARCIA, 2009, p. 26).

Segundo ele, não é uma panaceia, pode ser considerado uma utopia, se a entendemos como algo que orienta o caminhar. Para ele o mais indicado a fazê-lo

203Alguns Desafios ao Planejamento e Desenvolvimento do Maranhão...

é o governo, que possui a legitimidade e a liderança. Cremos que essa é a principal fragilidade da análise de Garcia (2009): acreditar em uma solução exclusivamente institucional para a complexidade de problemas apontados, ignorando as contra-dições do sistema do capital.

3 O MARANHÃO OU ENTRE O RUMOR DAS SELVAS SECULARES11

O debate sobre planejamento e desenvolvimento no estado do Maranhão foi in-terditado a partir dos anos 1990, processo que culminou com a extinção do Ins-tituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (Ipes), em 1998, sob o governo Roseana Sarney, como se verá na subseção 3.3.1. O Ipes era o congênere estadual do Ipea.

A criação do IMESC pelo governo Jackson Lago em 2006 objetivou a reto-mada desse debate. Porém, com a volta de Roseana Sarney em 2009, o IMESC tem tido um papel restrito à produção de estatísticas e análises conjunturais, abandonando as discussões mais amplas sobre desenvolvimento.

Atualmente, temos dois motivos auspiciosos para acreditar no fortalecimen-to desse debate – a criação do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Socioeconômico na UFMA e do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimen-to Socioespacial e Regional na Uema, ambos em 2010.

Feitas essas considerações preliminares, entendemos que a análise de Garcia (2009) nos estimula a refletir também sobre os desafios ao desenvolvi-mento maranhense.

3.1 Um breve histórico do planejamento público

A experiência maranhense de planejamento começa na sociedade civil organiza-da. A Associação Comercial do Maranhão (ACM) elabora o Plano de Fomento e Defesa da Produção, em 1945, primeiro plano de crescimento econômico até então, e o Plano Seta de 1948, este último encampado pelo governo estadual. A única medida cumprida pelo governo foi criar o Departamento de Terras, Geografia e Colonização.

Segundo Filho (1998), é a partir da década de 1950 que o ideário desenvol-vimentista, tendo o planejamento como tarefa principal dos governos, é incorpo-rado pelas administrações estaduais. Ideia embalada por um ambiente de “con-senso” mundial fortemente estimulado por organismos como o BM e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). É a introdução da versão empobrecida do planejamento, o planejamento como instrumento do capital.

11. Estrofe inicial do Hino do Estado do Maranhão: “Entre o rumor das selvas seculares; Ouviste um dia no espaço azul vibrando; O troar das bombardas nos combates; Após um hino festival soando (...)”.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011204

Essa incorporação implicou a criação do aparato burocrático-institucional correspondente, iniciado com a criação da Comissão de Planejamento Econômi-co do Maranhão (Copema) em 1958, sucedida por inúmeros grupos e comissões de estudos; e a instituição da Superintendência do Desenvolvimento do Mara-nhão (Sudema) em 1966, culminando com a criação da Secretaria de Estado do Planejamento (Seplan) e o Sistema Estadual de Planejamento em 1972. Polary (1980, p. 25) afirma que a criação da Copema foi uma imposição da Superinten-dência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e no fundo esse órgão se ocu-pou de elaborar projetos para financiamento. A criação da Sudema não redundou no planejamento global da economia.

O Plano de Recuperação Econômica do Estado (Plano de Desenvolvimento Econômico do Estado) (1959), sob o governo Mattos de Carvalho (1957-1961), foi o primeiro plano estadual de desenvolvimento, centrando seu foco nos setores de energia elétrica, transportes e agropecuária, criando as condições estruturais para a industrialização.

O 2o Plano Estadual de Desenvolvimento foi elaborado sob o governo Newton Bello (1961-1966), com apoio de consultoria da FGV. Recorde-se que esta insti-tuição foi uma das divulgadoras do planejamento como instrumento do capital. A maior parte dos recursos vinha do orçamento federal (50%) e de empréstimos e doações do exterior (20%), distribuídos majoritariamente no setor de transportes e energia (72%). A educação aparece com 9% dos investimentos previstos.

O 3o Plano Estadual de Desenvolvimento foi elaborado sob o governo José Sarney (1966-1971). Este plano incorporou a ideia de polos de crescimento, apontando como uma das causas do subdesenvolvimento maranhense a falta de integração setorial e espacial que impede São Luís, a capital, de se “tornar centro polarizador da vida estadual” (BELLO FILHO, 1998, p. 81). Os investimentos deste plano continuaram concentrados no setor infraestrutural (56%), com um pequeno volume para a educação.

Em apreciação geral, Palhano et al. (1983, p. 171) analisa que o Maranhão seguiu o percurso do planejamento no Brasil: “primeiro, os planos de desenvol-vimento, depois, a institucionalização dos órgãos de planejamento”. Portanto, são equivocadas algumas análises, como a de Guilhon (2007, p. 137), que con-sideram ter sido no governo José Sarney o início de “um esforço sistemático de planejamento das ações estatais no Maranhão, tendo sido ele o primeiro a montar um programa de governo no sentido mais técnico”.

O 4o Plano Estadual de Desenvolvimento (1971-1974), sob o governo Pedro Neiva de Santana (1971-1975), foi o que apresentou maior concentração de in-vestimentos no setor primário em relação aos anteriores, 29% do montante total.

205Alguns Desafios ao Planejamento e Desenvolvimento do Maranhão...

O 5o Plano Estadual de Desenvolvimento (1975-1978), sob o governo Nunes Freire (1975-1979), denominado Plano de Governo e Plano de Desenvolvimento do Maranhão, incorporou a dicotomização entre o desenvolvimento social e o desenvolvimento econômico.

Ressalte-se que o setor primário continuou sendo prioridade no montante total de investimentos e que a ideia de desenvolvimento social foi incorporada enquanto opção política de seguir a escolha dos governantes federais, não repre-sentando nada de novo. É certo que “os planos elaborados na esfera federal de poder sempre foram objeto de atenção”, não constituindo qualquer inovação na formulação do planejamento estadual (BELLO FILHO, 1998, p. 86).

Bello Filho (1998) afirma que a ideia de um “planejamento integrado” pre-sente nos planos de 1975, 1979 e posteriores foi uma imposição do Banco Mun-dial com vista ao acesso e à captação de recursos por parte dos governos estaduais, algo que “nunca foi motivo de constrangimento para os planejadores estaduais” (BELLO FILHO, 1988, p. 87). A subsunção do planejamento público aos orga-nismos internacionais levou à crescente identificação “entre as prioridades locais e as desses organismos, principalmente por força do apoio financeiro que conce-diam ao Estado” (PALHANO et al., 1983, p. 179).

O 6o Plano Estadual de Desenvolvimento, sob o governo João Castelo (1979-1982), manteve a opção política de sintonizar o planejamento estadual com o planejamento federal, a prevalência do setor primário nos investimentos e as tentativas de incorporar as reivindicações sociais, objetivando torná-la sistemá-tica e oficial (BELLO FILHO, 1998, p. 89).

Polary (1980, p. 26) entende que o planejamento no Maranhão até meados dos anos 1970 era compreendido como “elaboração de projetos para captação de recursos”, e no período posterior como “elaboração de planos de trabalho gover-namental ou plano de preocupações do Governo”. Assim, o planejamento tem sido uma atividade estanque, realizada de modo verticalizado, sem participação, com ações dispersas e sem uma efetiva coordenação das atividades setoriais.

A partir da década de 1990 estamos sob a égide dos PPAs. Porém, longe de simplesmente formalizar ou institucionalizar a elaboração dos planos, esse perí-odo demarca o desprestígio do planejamento público, ficando reduzido a instru-mento de alocação de recursos públicos, isto é, a produção do orçamento público.

Os governos Luiz Rocha (1983-1986), Epitácio Cafeteira (1987-1990) e Edson Lobão (1991-1994) mantiveram a prática de apresentar planos de gover-no. Os dois últimos não elaboraram PPAs como determinava a CF/88 e a Consti-tuição Estadual de 1989. Ambos apresentaram como principais realizações obras na capital: o projeto Reviver (governo Cafeteira) e a Avenida Litorânea (governo

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011206

Lobão). O planejamento deu lugar à gestão, como destacado por Cardoso Jr. (2010). A agenda casuística dos governadores substituiu o planejamento público.

Os dois primeiros PPAs registrados nos arquivos da Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão são os correspondentes aos dois mandatos de Roseana Sarney (1995-2002). O primeiro previu como macro-objetivos: a dinamização e modernização do aparelho produtivo; a conservação da natureza e proteção do meio ambiente; a redução das desigualdades espaciais e sociais de renda e riqueza; e a modernização e eficientização do Estado em favor do cidadão. O segundo praticamente não alterou o conteúdo destes. Concretamente, os resultados desse planejamento foram no sentido diametralmente oposto ao dos enunciados, como se observará na subseção 3.2.

O PPA seguinte foi o do governo José Reinaldo Carneiro Tavares (2003-2006); sua única inovação foi a meta de elevar o IDH de 0,657 para 0,7 no pe-ríodo de vigência do plano. Aguarde a desagregação dos dados decenais do IDH para saber se tal intento foi alcançado. Este governador rompeu com a oligarquia Sarney em 2004 e auxiliou a oposição nas eleições de 2006, o que contribuiu para a eleição de Jackson Lago.

No governo Jackson Lago (2007-2009) foi elaborado um PPA que buscou fazer ampla recuperação e análise das experiências anteriores de planejamento e desenvolvimento, bem como reabrir o debate sobre esta temática. Estabeleceram--se 12 objetivos estratégicos para o período de sua vigência, tais como: a descen-tralização da gestão pública, a redução do analfabetismo, o aumento da capacita-ção e qualificação profissional, entre outros.

Tal PPA foi um contraponto tanto aos PPAs do governo Roseana Sarney quanto ao de José Reinaldo. Porém, com a retomada da oligarquia em 2009, o novo governo de Roseana Sarney promoveu uma profunda revisão que desfigu-rou completamente o originalmente planejado, retomando o pacote neoliberal e gerencialista que implementou durante seus dois primeiros mandatos.

Enquanto o planejamento público brasileiro possui considerável literatura analítica, o planejamento público maranhense possui poucos estudos relevantes. Eis aqui um manancial fecundo para as futuras pesquisas desenvolvidas nos re-cém-criados programas de pós-graduação na área do desenvolvimento.

3.2 O contexto presente: marchas e contramarchas

Em face da subseção anterior, fica claro que o Maranhão não está entre o rumor de selvas seculares, como se à margem da história brasileira. Todavia, guarda uma especificidade política que o diferencia das demais unidades federativas.

207Alguns Desafios ao Planejamento e Desenvolvimento do Maranhão...

Não é o fato de termos uma das oligarquias mais longevas do país, alguns diriam “dinossáurica” (A BRAZILIAN..., 2009), mas o fato de o líder oligarca ter se tornado presidente da República nos anos 1980. Enquanto outros estados, como Bahia e Ceará, livravam-se de suas respectivas oligarquias, no Maranhão, tal fato permitiu tanto seu revigoramento como domínio familiar, quanto a adoção de mecanismos de sucessão “dinásticos” (GONÇALVES, 2001, 2008).

Aqui três grandes linhas sobre o planejamento e o desenvolvimento se anta-gonizam e se identificam com as linhas de pensamento liberal-conservadora, refor-mista e revolucionária apontadas por Garcia (2009).

A primeira está referida à oligarquia Sarney que hegemoniza o poder políti-co estadual desde meados dos anos 1960. Para tanto, contou com a desmobiliza-ção da oposição histórica por intermédio do apoio irrestrito da Ditadura Militar, associando-se estreitamente ao grande capital transnacional e nacional. A partir da Presidência da República (1985-1989) consolidou seu poder local. Findo seu mandato, criou um nicho de poder no Senado Federal e expandiu seu poder po-lítico ao estado do Amapá, onde foi eleito como senador.

A segunda, que alcança o poder após militância de mais de 20 anos na opo-sição, buscou construir projeto alternativo de poder por intermédio da agregação da oposição histórica em torno de uma frente ampla, não contando para isso com o apoio do poder central, menos ainda do capital, apesar do grande inte-resse deste em relação a uma nova rodada de transnacionalização do capitalismo (BARBOSA, 2006). O Maranhão é novamente espaço estratégico para os novos investimentos, tal qual o foi, na década de 1980, com os grandes projetos, como o Programa Grande Carajás e o Projeto Alumínio do Maranhão; hoje, despontam a Refinaria Premium da Petrobras, estaleiros e siderúrgicas.

A terceira está expressa nos movimentos sociais: dos camponeses, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra; dos quilombolas; dos indígenas; dos trabalhadores urbanos; e partidos políticos de esquerda e extrema esquerda. Apesar do potencial contestatório em relação à primeira linha, estes movimentos nunca conseguiram articular a conquista do poder. Durante o governo Jackson Lago parte destes movimentos se integraram, ainda que em posição minoritária, mas não conseguiram ter a força necessária para disputar a hegemonia no seio da frente ampla. Os partidos de esquerda e extrema esquerda adotaram a estratégia de oposição frontal, renunciando a qualquer aliança com os setores progressistas, como defendido por Sader (2009a, p. 91).

A conformação política predominante no Maranhão, quando da forma-lização do Consenso de Washington até a vitória da oposição em 2006, era o mando do grupo oligárquico local, retomado por decisão judicial do Tribunal Superior Eleitoral que cassou o mandato do oposicionista eleito para governador

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011208

(Jackson Lago, falecido em 2011) e empossou no cargo a candidata derrotada (Roseana Sarney), como mencionamos na introdução deste estudo.

Fica claro que a alternância de poder, funcionando no plano nacional des-de a CF/88, não chegou ao Maranhão. Resulta daí uma estagnação política que já se encaminha para meio século, escassa em projetos e propostas alternativas para o enfrentamento dos problemas estaduais. Temos sempre a reiteração do mesmo, isto é, as propostas de inserção na economia nacional são baseadas em grandes projetos enclavistas, os quais são apresentados como a redenção e o passaporte para o futuro.

Não é à toa que a economia ingressa na década 1990 sob o impacto da implantação dos grandes projetos da década de 1980 e embalada nas promes-sas de que estes transformariam o Estado em um polo siderúrgico-exportador “com início de uma nova etapa da industrialização no Maranhão” (BARBOSA, 2006, p. 97-99). Na realidade ocorreu uma “ocupação caracterizada pela expul-são dos posseiros, pelo desmatamento e implantação de pastagens, agravando ainda mais o quadro do latifúndio improdutivo” (op. cit.), contribuindo para o agravamento dos conflitos no campo, crescimento desordenado da capital (São Luís), crescimento do desemprego, do subemprego, êxodo rural e agrava-mento da questão fundiária.

Esse processo, somado à acelerada abertura comercial e ao desmonte das ati-vidades estatais, implementados no plano nacional e imitados no plano estadual, tornou a década de 1990 “a verdadeira década perdida” (HOLANDA, 2008), em que a taxa de crescimento encolheu e a participação no produto interno bruto (PIB) brasileiro caiu. Soma-se a isso a “déblâce na produção agropecuária”, a es-tagnação da produção industrial e dos gastos públicos, estes últimos, agravados pela pesada amortização da dívida pública estadual.

As consequências sociais disso foram o aumento do desemprego e da preca-rização do trabalho. O desemprego de 2,6% da população economicamente ativa (PEA) em 1992 atingiu 16,6% em 2006 e a população ocupada em atividades agropecuárias caiu de 69,9% em 1985 para 44,6% em 2006 (HOLANDA, 2008).

Apesar desse cenário funesto notamos, nos últimos anos, avanços importan-tes nas dimensões política (subsubseção 3.2.1), econômica (3.2.2) e social (3.3.3), bem como persistentes problemas. É possível especificar as marchas e contramar-chas a partir dessas dimensões, as quais são abordadas a seguir.

3.2.1 Dimensão política

Nessa dimensão, citamos: a derrota histórica da oligarquia regional em 2006, a retomada do planejamento público, o ingresso das reivindicações das lutas sociais como objeto de políticas públicas e a introdução de novos temas.

209Alguns Desafios ao Planejamento e Desenvolvimento do Maranhão...

Ainda que tenha ocorrido a derrubada do projeto alternativo de poder pelo grupo dominante em 2009, a ideia de invencibilidade deste, assim com sua cre-dibilidade perante a opinião pública nacional, foram e estão profundamente aba-ladas. Observem-se as inúmeras manifestações na mídia impressa e eletrônica. Lamentavelmente a campanha Delenda Sarney liderada pela imprensa nacional não logrou êxito, tendo em vista a blindagem lulista (A BRAZILIAN..., 2009).

Houve uma retomada do planejamento público do desenvolvimento esta-dual nos últimos anos, institucionalizada em 2007 e 2008, durante o governo Jackson Lago. Observem-se os instrumentos construídos, tais como: as consultas populares na elaboração do Plano Plurianual – encontros da sociedade civil com o governo e aspirações da sociedade nas regiões do Estado –, estudos técnicos de regionalização do desenvolvimento, planejamento estratégico governamental, orientação estratégica de governo, agenda estratégica, visão de futuro, entre ou-tros. Reavivou-se algo natimorto desde 1988 com o fim dos planos estaduais de desenvolvimento e a obrigatoriedade constitucional dos Planos Plurianuais.

O ingresso das lutas históricas dos movimentos sociais no âmbito das políti-cas públicas ocorreu com a reativação dos conselhos estaduais existentes e a criação de novos; a criação das secretarias de Estado da mulher, dos direitos humanos, da igualdade racial e da juventude; a realização de conferências estaduais e a elabora-ção de planos setoriais dessas políticas; a proposta de um Sistema Estadual Integra-do de Educação Pública no Estado (Siepe), antes mesmo das discussões nacionais.

A entrada de temas novos na esfera pública estadual, como a cooperação internacional, a economia da cultura e a segurança pública cidadã, significou a adoção de perspectivas mais democratizantes e inclusivas para essas políticas, an-teriormente inexistentes.

Apesar dessas inovações, o fato é que essas experiências foram interrompi-das. O planejamento público estadual ainda não conseguiu incorporar de forma efetiva a sociedade, isto é, institucionalizar e tornar irreversível a participação popular no processo de elaboração do orçamento público. Mais ainda: não con-seguiu democratizar a tomada de decisões em relação à aplicação dos recursos públicos e ao acompanhamento dos gastos governamentais.

As políticas públicas inovadoras fruto de lutas sociais históricas dispuseram de recursos escassos para sua implementação, o que possibilitou apenas a de-mocratização do processo de construção dos planos estaduais correspondentes e o desenvolvimento de iniciativas espasmódicas. Elas não ganharam densidade suficiente junto à opinião pública, até pela deficiência na comunicação governa-mental e pelo monopólio midiático do grupo oligárquico (COUTO, 2009) e dispuseram de curto tempo para desenvolver as ações planejadas, muitas ficando no meio do caminho.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011210

3.2.2 Dimensão econômica

A dimensão econômica toma como indicador o PIB, a partir do qual se observa uma tendência de crescimento que coincide com a ruptura na dominação política oligárquica, conforme tabela 1. É importante lembrar que crescimento econômi-co não significa distribuição de renda ou prosperidade coletiva. A tendência geral do modo de produção capitalista é o crescimento desigual e concentrado.

Conforme se poderá constatar na tabela 1, o PIB do Maranhão se manteve praticamente estagnado, inclusive com decrescimento, especialmente no período que sucedeu ao Plano Collor e ao Plano Real. Durante o governo Roseana Sarney (1995-2002) experimenta um lento crescimento (1995-1997), seguido de queda (1998), recuperação e retomada (1999-2002). Em linhas gerais, as oscilações acom-panham a economia nacional e os ciclos expansivos e recessivos do capitalismo.

TABELA 1PIB a preços constantes – Brasil, Nordeste e Maranhão, 1990-2008 (Em R$ 1 milhão)

Abrangência 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996

Brasil 922.362 931.876 927.525 970.795 1.022.582 977.790 1.006.603

Nordeste 118.645 124.602 119.830 124.444 131.624 124.968 132.592

Maranhão 7.359 7.581 7.476 7.564 8.379 7.661 8.881

Abrangência 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Brasil 1.045.399 1.052.953 1.034.003 1.101.254 1.100.080 1.226.733 1.240.799

Nordeste 136.796 137.430 135.559 144.134 144.355 159.039 158.416

Maranhão 8.896 8.320 8.407 9.206 9.445 12.823 13.491

Abrangência 2004 2005 2006 2007 2008

Brasil 1.311.677 1.353.122 1.406.665 1.492.351 1.569.394

Nordeste 166.902 176.790 184.689 195.027 205.760

Maranhão 14.596 15.965 16.990 17.723 19.922

Fontes: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Ipea.

O estado do Maranhão apresentou crescimento acima da média brasileira e nordestina. Porém, sua participação no PIB do Brasil não ultrapassa 1,3, ou seja, pesa quase nada no conjunto da economia nacional (MARANHÃO, 2010a, p. 7).

Não podemos esquecer os grandes investimentos previstos12 para o Mara-nhão, entre eles a Refinaria Premium da Petrobras, que implicam desafio gigan-tesco para o estado: primeiro, estabelecer um relacionamento virtuoso com esses

12. Todos os investimentos foram articulados pelo governo Jackson Lago (MARANHÃO, 2009). Assim que reassumiu o poder, Roseana Sarney, por intermédio de ampla campanha midiática, divulgou-os como seus, incluindo os investi-mentos federais (MARANHÃO, 2011a).

211Alguns Desafios ao Planejamento e Desenvolvimento do Maranhão...

empreendimentos, para que se adaptem às estratégias estaduais de desenvolvi-mento e, segundo, não cair nos erros e nas omissões cometidos quando da im-plantação dos grandes projetos na década de 1980, cujas consequências sociais e ambientais superaram ao largo as vantagens pregadas.

As experiências anteriores desrespeitaram o meio ambiente, não agregaram nada significativo à economia local, aos pequenos e médios empreendimentos locais, não apresentaram contrapartidas em investimentos sociais relevantes, não ouviram democraticamente todos os sujeitos interessados e envolvidos, mas, prin-cipalmente, ignoraram as suas justas exigências e problemáticas.

Outros aspectos positivos podem ser identificados: i) o crescimento da cons-trução civil por força dos investimentos públicos – programas habitacionais – e privados em infraestrutura e expansão do crédito imobiliário – bancos públicos; ii) o fortalecimento da agricultura familiar por intermédio dos financiamentos aos produtores e extrativistas – especialmente Programa Nacional de Fortaleci-mento da Agricultura Familiar – PRONAF; iii) a elevação continuada dos in-dicadores sanitários para a erradicação da febre aftosa; e iv) a forte aceleração na criação de empregos formais (MARANHÃO, 2008).

Em linhas gerais, a economia maranhense ainda não superou sua inserção periférica e o modelo de desenvolvimento concentrador e primário-exportador. Além disso, enfrentará/enfrenta os efeitos da crise econômica mundial, cujos ca-nais de transmissão estão na redução das transferências federais e da arrecadação estadual (MARANHÃO, 2008).

3.2.3 Dimensão social

A dimensão social pode ser observada em seus pontos positivos e negativos, a partir de alguns indicadores sociais, selecionados entre os mais relevantes.

TABELA 2Taxa de pobreza, extrema pobreza e Coeficiente de Gini – Maranhão, 1990-2008 (Em %)

Indicador 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Pobreza 71,33 – 70,30 75,68 – 68,88 67,29

Extrema pobreza

45,77 – 39,93 50,67 – 41,13 37,93

Coeficiente de Gini

0,563 – 0,525 0,607 – 0,579 0,601

Indicador 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Pobreza 72,51 68,82 68,17 – 64,49 64,19 65,87

Extrema pobreza

44,98 38,94 34,66 – 35,27 31,31 35,73

(Continua)

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011212

Indicador 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Coeficiente de Gini

0,619 0,605 0,575 – 0,574 0,567 0,576

Indicador 2004 2005 2006 2007 2008

Pobreza 63,63 59,97 55,07 50,11 46,22

Extrema pobreza

37,22 28,32 27,43 23,83 18,03

Coeficiente de Gini

0,609 0,521 0,595 0,555 0,521

Fontes: IBGE e Ipea.

As taxas de pobreza e extrema pobreza apresentam significativa redução, con-forme a tabela 2. O percentual de pessoas pobres no Maranhão de 71,33% em 1990 caiu para 46,22% em 2008, da mesma forma, o percentual de pessoas na ex-trema pobreza caiu de 45,77% para 18,03% no mesmo período. Entendemos que essa mudança está relacionada principalmente às políticas sociais – aposentadorias rurais e programas de transferência de renda –, encetadas pelo governo federal.

Por outro lado, o grau de desigualdade na distribuição da renda domiciliar per capita entre os indivíduos (Coeficiente de Gini) permanece praticamente inal-terado. Observe-se que o indicador de 2008 (0,521%) está no mesmo patamar de 1992 (0,525%).

TABELA 3Analfabetos e defasagem escolar – Maranhão, 1990-2007 (Em %)

Indicador 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996

Analfabetos com 15 anos ou mais

39,19 – 34,54 36,98 – 31,95 33,40

Defasagem escolar

79,95 – 80,52 79,79 – 70,2 70,38

Indicador 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Analfabetos com 15 anos e mais

35,97 29,69 28,95 – 23,46 22,97 23,86

Defasagem escolar

71,23 70,45 71,73 – 69,63 69,82 69,58

Indicador 2004 2005 2006 2007

Analfabetos com 15 anos e mais

23,16 23,09 22,88 21,5

Defasagem escolar

68,42 69,38 67,81 –

Fontes: IBGE e Ipea.

(Continuação)

213Alguns Desafios ao Planejamento e Desenvolvimento do Maranhão...

Conforme a tabela 3, o percentual de analfabetos com 15 anos ou mais caiu len-tamente ao longo da última década, entretanto, persiste um número elevado, acima da média brasileira e nordestina, a despeito dos inúmeros programas nacionais e estaduais de alfabetização. Some-se a isso a significativa defasagem escolar que nenhum governo até agora conseguiu minorar. É importante aprofundar essas reflexões no que tange à educação estadual, mas entendemos que existe abandono da educação do campo (GONÇALVES, 2009) e preferência por formas precarizadas de oferta do ensino.

Podemos notar que se a economia vai bem, o social nem tanto. Uma aná-lise econômica afrásica poderia facilmente concluir que o Maranhão tem tido um bom desempenho econômico. Nesta perspectiva, portanto, constitui uma das unidades federativas mais prósperas e pujantes. A partir da crítica da economia política é possível apontar as contradições inerentes a esse desempenho econô-mico, o qual se dá, justamente, por sobre a desigualdade e pobreza da maioria, sustentada pelo domínio político e pela riqueza de uma minoria.

3.3 Obstáculos a serem ultrapassados13

A realidade que emerge dos anos 1990 não é das mais venturosas para o Ma-ranhão. Indicadores sociais brutais, as últimas posições nos diversos rankings, levam-nos a perceber que os “defeitos” superam as “qualidades”14 no horizonte das próximas décadas do século XXI, o que só mudará quando rompermos com o domínio político e econômico da referida minoria.

Emerge da realidade concreta, a partir dos debates encetados no âmbito do IMESC, por intermédio dos estudos técnicos de regionalização e do ciclo de estudos e ideias sobre o Maranhão, quatro grandes desafios ou obstáculos a serem ultrapassados, são eles: o desmonte da capacidade estatal (subsubseção 3.3.1), a concentração econômica (3.3.2), a concentração/centralização do Estado (3.3.3) e a inexistência de alternância no poder político (3.3.4).

3.3.1 Desmonte da capacidade estatal

Como vimos na seção 2, a desresponsabilização e redução do Estado foi a pedra angular das políticas neoliberais que se espraiaram no mundo durante a década de 1990. Essas práticas foram implementadas no Maranhão a partir da segunda metade da última década do século passado, com a implantação da reforma ad-ministrativa e a adoção da administração pública gerencial no governo Roseana Sarney (1995-2002), seguindo de perto o modelo adotado por FHC. Tal reforma foi assessorada por consultores da FGV, o que não surpreende, em face do seu papel como uma das principais divulgadoras dessas reformas.

13. As ideias apresentadas nesta subseção aparecem de forma preliminar em Sousa (2010).14. Alusão à música “Minhas qualidades, meus defeitos”, de Paulo Sérgio.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011214

Apontamos na subseção 2.2 que essas propostas foram para uso apenas dos países da periferia do capitalismo. O estado do Maranhão viu sua capacidade de implementação das políticas públicas reduzida ou desmontada. Os principais ór-gãos de pesquisa científica, agropecuária e infraestrutura foram extintos, a exem-plo da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), da Empresa Maranhense de Pesquisa Agropecuária (Emapa), do Departamento de Estradas e Rodagens (DER) e do Ipes. O Banco do Estado do Maranhão (BEM) e a Com-panhia Energética do Maranhão (Cemar) foram privatizados.

Essa reforma modificou as estruturas governamentais, capilarizou a pre-sença do Poder Executivo por intermédio das gerências regionais em cada uma das 18 regiões, privatizou, extinguiu ou transferiu finalidades de autarquias e fundações para outros organismos, com o objetivo de prestar serviços de exce-lência ao cidadão.

A análise de Guilhon (2001, p. 128) aponta de forma clara que a reforma implementada pelo governo Roseana Sarney não ultrapassou a mudança institu-cional-legal. Na “arrumação estrutural matricial” o conjunto de gerentes regionais e gerentes estaduais (equivalente a secretários de Estado) tinham “mais importân-cia política do que administrativa”, tocando ao largo no essencial, isto é, o forte patrimonialismo e personalismo do Estado.

Apesar do discurso e do simbolismo que a reforma criou, no sentido de fazer crer que se pautava na modernização e na descentralização, na verdade não passou de estratégias sutis e inteligentes de conservadorismo e recentralização. Distante estava a probabilidade de romper o poder centralizador das estruturas adminis-trativas acomodadas na capital, assim como de catalisar a participação e o empo-deramento das sociedades locais (PALHANO, 2008a). Em nenhum momento ocorreu transferência efetiva de poder dos órgãos centrais para os regionais, nem autonomia administrativa e financeira; ocorreu de fato uma recentralização do poder nas mãos da governadora, articulada aos gerentes regionais.

Silva (2006, p. 55) destaca que nenhum dos compromissos norteadores da aludida reforma foram cumpridos, principalmente “a redução das desigualdades regionais e sociais e a participação popular”. Na verdade, o discurso modernizante se chocou com os indicadores sociais, fornecidos pelo IBGE, tais como: 22,97% de analfabetos em 2002, 66,1% da população sobrevivendo abaixo da linha de pobreza no mesmo ano e a renda dos 20% mais ricos superando em 26,39 vezes a renda dos 20% mais pobres, também em 2002.

A autora destaca ainda os conflitos agrários no Maranhão, a partir de dados da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Violência no Campo (da Câmara dos Deputados), da Comissão Pastoral da Terra e da Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado do Maranhão (Fetaema): de 1995

215Alguns Desafios ao Planejamento e Desenvolvimento do Maranhão...

a 1996 ocorreram 66 conflitos, envolvendo 8.107 famílias e oito assassinatos; e em 1999 houve 58 ameaças de morte, 356 despejos – forçado/judicial –, 43 prisões e oito assassinatos, envolvendo 3.947 famílias em 39 municípios.

Barbosa (2006, p. 75) pontua outras consequências da reforma, como a demissão de 1.700 bancários, 1.238 urbanitários, 2.508 servidores públicos estaduais e 600 trabalhadores das indústrias. Destaca ainda que o “desmonte” do serviço público estadual reduziu o números de sociedades de economia mista de 12 para 7, demitindo 9 mil trabalhadores e colocando 1.500 em disponibilidade. Isso representou o abandono pelo Estado de setores como de-senvolvimento industrial, turismo, desenvolvimento agropecuário, habitação popular e tecnologia da informação.

Além das consequências sociais da reforma não podemos ignorar: i) as reper-cussões no setor agrícola, por força do desmonte do aparelho estatal que o apoiava desde meados dos anos 1970, bem como ii) os impactos financeiros no Estado.

No setor agrícola, os dados oficiais do IBGE são expressivos: a área plantada total que era de 1,97 milhão de hectares em 1994 caiu para 1,3 milhão em 2002, uma queda de mais de 30%. A produção de arroz caiu pela metade, a de banana em mais de 30% e a de mandioca 23% no mesmo período. Agravando esse ce-nário, Mesquita (2008, p. 33) aponta para a “petrificação da concentração fundi-ária e do abandono dos microproprietários/minifúndios e dos não-proprietários (arrendatários/parceiros e posseiros) pela política dos diferentes governos”.

TABELA 4Finanças públicas – Maranhão, 1995-2008 (Em R$ 1milhão)

Indicador 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001

Receita 1.509 1.425 1.509 1.630 2.167 2.645 2.871

Despesa 1.239 1.419 1.239 1.387 2.121 2.173 2.962

Juros e encargos 65 119 119 81 111 102 118

Resultado nominal 28 6 269 242 46 472 -90

Dívida pública interna – – – – – 4.051 4.554

Dívida consolidada – – – – – 4.256 4.792

Indicador 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Receita 3.397 3.452 3.546 4.383 5.066 5.849 7.064

Despesa 3.464 3.692 3.321 3.780 4.906 5.207 6.884

Juros e encargos 129 141 198 220 275 321 407

Resultado nominal -66 -240 224 603 160 642 180

Dívida pública interna 5.339 5.211 5.546 5.413 5.369 5.252 5.321

Dívida consolidada 5.997 5.587 5.840 5.855 5.803 5.594 5.659

Fontes: Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e BCB.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011216

Contrariamente à lógica de racionalização, à redução das despesas e ao en-xugamento da máquina estatal, os dados sobre as finanças públicas na tabela 4 são emblemáticos: ao fim dos dois mandatos, Roseana Sarney legou ao sucessor três déficits sucessivos, o que o obrigou a fazer inúmeros cortes nas despesas públicas (COUTO, 2009, p. 176-178). A dívida pública interna, por força da privatização do BEM e dos empréstimos tomados junto ao governo federal para “sanear” o banco estadual, aumentou em mais de R$ 1 bilhão. Esta dívida, a partir de então, tem assumido uma tendência decrescente visível. O mesmo não se pode dizer da dívida consolidada – que inclui as operações externas.

O desmonte da capacidade estatal de implementar políticas públicas como dado de realidade, resultante da reforma administrativa do governo Roseana Sar-ney, ganha concretude quando vislumbramos que a mera mudança institucional--legal resultou no desmonte do serviço público estadual, no desemprego em mas-sa, na exacerbação da violência no campo, no analfabetismo e na concentração de renda, na queda da produção agrícola, e como coroamento, no aumento do endividamento público.

3.3.2 Concentração econômica

Como demonstrou Bacelar (2009) e outros estudiosos, a concentração da ocu-pação e da economia no litoral não é algo exclusivo do Maranhão, podendo ser observado em praticamente todo o Brasil, enquanto herança de nossa colonização que privilegiou a exploração litorânea.

No Maranhão isto ganha contornos mais específicos, pois a concentração econômica na Região Metropolitana de São Luís foi também uma decisão toma-da no âmbito do planejamento estadual desde meados dos anos 1960 e mantida pelos governos sucedâneos enquanto estratégia de atração do investimento pri-vado e de alocação do investimento público (BELLO FILHO, 1998). Estratégia articulada nacionalmente à modernização conservadora da Ditadura Militar – via grandes projetos de integração – e localmente ao verniz modernizante da oligar-quia regional (GONÇALVES, 2001; BARBOSA, 2006; COSTA, 2006), que está associada ao capital nacional e internacional.

TABELA 5PIB dos cinco maiores municípios do Maranhão – 2008

Município PIB (R$ mil) PIB do Maranhão (%) PopulaçãoPopulação do Maranhão (%)

São Luís 14.724.350 38,26 986.826 15,65

Açailândia 1.767.453 4,59 100.017 1,58

Imperatriz 1.740.931 4,52 236.311 3,74

(Continua)

217Alguns Desafios ao Planejamento e Desenvolvimento do Maranhão...

Município PIB (R$ mil) PIB do Maranhão (%) PopulaçãoPopulação do Maranhão (%)

Balsas 897.281 2,33 81.497 1,29

Caxias 738.456 1,92 147.416 2,33

Total 19.868.471 51,62 1.552.067 24,59

Fontes: IBGE e IMESC.

A tabela 5 ilustra bem essa concentração. Quase 40% da economia e 15% da população maranhense estão em São Luís (a capital) e mais de 50% em apenas cinco municípios do estado. Em Açailândia e Imperatriz predomi-na o setor minero-metalúrgico, em Balsas, o agronegócio da soja e em Caxias, o setor de serviços.

Os dados do último PIB dos municípios (MARANHÃO, 2010b, p. 56-58) demonstram uma grande concentração dos setores da indústria e de serviços no estado, principalmente na capital, que representa 50,5% do valor agregado (VA) da indústria e 42,9% do VA de serviços.

O setor da agropecuária demonstra melhor distribuição no Maranhão: 59,4% do VA está espraiado por mais de 30 municípios. No entanto, é necessário recordar que a participação do estado na prestação de assistência técnica e finan-ciamento da produção se retraiu significativamente na última década do século XX. Esta tendência foi revertida nos últimos seis anos com a recriação do Sistema Estadual de Agricultura e os ingressos financeiros do PRONAF.

Refinando esse dado sobre a cidade de São Luís, identifica-se como prin-cipal atividade industrial a “produção de alumínio e suas ligas em forma pri-mária”, fruto do projeto Grande Carajás e Alumínio do Maranhão, que privi-legiou a concentração de indústrias na capital e nas cidades próximas à estrada de ferro (Açailândia e Imperatriz). Este projeto contribuiu para a dependência da economia estadual em relação a este setor de atividades que, ao lado da soja no sul do estado, responde por 99,57% das exportações locais em 2010 (MARANHÃO, 2011b).

Essa concentração na cidade de São Luís, por conseguinte, ocorre também quanto à arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS). Em 2010 a cota-parte de São Luís foi de R$ 443 milhões, do total de R$ 1,94 bilhão arrecadado no município. Isso representa aproxima-damente 66% do total de R$ 2,94 bilhões arrecadados pelo estado, conforme os dados registrados junto à STN. A Secretaria da Fazenda do Estado do Ma-ranhão não disponibiliza dados totalizados por ano, apenas mês a mês, o que dificulta as consultas.

(Continuação)

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011218

Os dados até aqui compilados poderiam levar a supor que a capital é mais próspera que o próprio estado e demais municípios. No entanto, se tomarmos como indicadores o número de beneficiados do Programa Bolsa Família (PBF) (MARANHÃO, 2011b) e o Índice de Exclusão Social (IES) (LEMOS, 2008), a realidade será outra.

O Maranhão possui mais de 871 mil famílias beneficiadas e cadastradas no PBF, e 79 mil desse total estão na capital. Não é à toa que o IES de São Luís cor-responde a 34% da população total, ou seja, população privada de serviços públi-cos essenciais, como abastecimento de água, saneamento básico e coleta de lixo.

O BM, no Relatório sobre Desenvolvimento Mundial 2009 (BM, 2008), propõe que, para as regiões menos desenvolvidas alcançarem o progresso observa-do nas mais desenvolvidas, é fundamental existir maiores densidades, distâncias mais curtas e menos divisões, e que, para tanto, as forças do mercado devem ser liberadas para promoverem a concentração econômica e a convergência social por intermédio da aglomeração, migração e especialização.

Essa é mais uma das investidas da pedagogia do exemplo do BM. Se algo pode ser aprendido do caso maranhense é que essa fórmula há muito “descober-ta”, já é utilizada aqui desde meados dos anos 1960 e gerou o diametralmente oposto: concentração de renda, aumento das desigualdades regionais e da ex-clusão social, crescimento desordenado, agravamento da violência urbana e do campo, entre outros.

3.3.3 Concentração/centralização do estado

A concentração/centralização do estado pode ser observada sobre o ângulo do ponto de vista orçamentário-financeiro (BARROS, 2008), dos servidores públi-cos (PASSOS, 2008) e da infraestrutura (BORROMEU, 2008).

O PPA no período 2008-2011 é formado por quatro grandes programas: i) finalístico – produção de bens e serviços diretamente ao cidadão; ii) gestão de políticas públicas – pagamento de pessoal ativo, manutenção das unidades gesto-ras e formulação de políticas; iii) serviço ao estado – cobertura de bens e serviços técnicos consumidos pelo governo; e iv) apoio administrativo – pagamento de pessoal inativo, de encargos de pessoal, de serviços da dívida, de transferências de sentenças judiciais, entre outros.

Apesar de ter incorporado as demandas da sociedade (TSUJI, 2008) no seu processo de elaboração, do total de recursos alocados nos programas finalísticos, isto é, o que deve ser gasto efetivamente em benefício da população, 49,8% está na região da Grande São Luís – região da Ilha do Maranhão, conforme nova re-gionalização do estado aprovada na Lei Complementar no 108/2007.

219Alguns Desafios ao Planejamento e Desenvolvimento do Maranhão...

Implícito está que esses programas correspondem aos gastos com o Porto do Itaqui e às estruturas de saúde pública, de educação superior, de ciência e tecnologia, e segurança pública, cujas sedes estão baseadas em São Luís, assim como a maior parte dos meios – pessoas, equipamentos, prédios – e dos serviços oferecidos – atendimento hospitalar, ensino, pesquisa, polícias. Em face desses números, é possível vislumbrar que ficam precariamente atendidos os demais 216 municípios do Maranhão, que abrigam 80% da população estadual.

Em um universo de 88.577 servidores públicos efetivos e comissionados do Governo do Estado do Maranhão, 66% estão na região da Ilha do Maranhão. Ao refinarmos este número, observamos que 93% do contingente de comissio-nados (4.905 servidores) e 65% dos efetivos (83.672) estão na capital. O último concurso público de grande porte foi realizado no governo Lobão (1991-1994); de lá para cá, ocorrem concursos exclusivamente para professores e policiais. Iro-nicamente, oferece-se uma educação de baixa qualidade e repressão legítima. Em vez de Panis et circenses, há Ignorantia et coercio.

No que tange à infraestrutura física do estado – prédios administrativos, es-colas, hospitais, delegacias etc. – os números são semelhantes. No conjunto, 32% da infraestrutura do setor público está na capital, 53% dela pertencente à admi-nistração direta, 26% à administração indireta e 6% à administração regional. São números expressivos do verdadeiro insulamento do aparelho estatal na Ilha do Maranhão, especialmente na capital, configurando tanto o abandono quanto a fraca presença nos demais municípios do estado.

Até agora diagnosticamos a questão do ponto de vista da concentração, res-tando abordar a centralização. Entendemos que para superar a centralização de-vemos adotar a descentralização, não no sentido corrente neoliberal, mas na con-cepção aqui adotada: compartilhamento do poder de decisão sobre as políticas públicas, no que tange ao seu planejamento e a sua execução, o que não implica a desresponsabilização do Estado, mas a transferência do poder de decisão sobre partes significativas do orçamento público.

Formalmente a população participou do planejamento das ações governa-mentais em momentos bem identificáveis (OLIVEIRA FILHO, 2008a; TSUJI, 2008): os encontros da sociedade civil com o governo do estado; as oficinas de levantamento das aspirações sociais em cada região do estado e as de elabora-ção dos Planos Populares de Desenvolvimento Regional. Todas essas experiências ocorreram ao longo do governo Jackson Lago e foram interrompidas quando assumiu a nova mandatária.

Das inúmeras demandas apresentadas nesses vários espaços de participa-ção pública, temos condições de dizer que, apesar dos esforços empreendidos pelo planejamento público no sentido de incorporar a sociedade no plane-

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011220

jamento do desenvolvimento do Maranhão, apenas um terço das aspirações sociais identificadas nas inúmeras oficinas realizadas tiveram recursos alocados no âmbito do PPA, os outros dois terços ficaram subsumidos sob o peso dos programas e projetos elaborados pelas secretarias, centrados na capital e para ela, como já demonstrado anteriormente.

No sentido de aprofundar essa primeira experiência de planejamento par-ticipativo e para deslocar poder de decisão da capital para cada região do estado, elaborou-se a proposta de criação de duas institucionalidades: o Conselho Re-gional de Desenvolvimento (LOPES, 2008) e a Agência Estadual de Desenvol-vimento Regional (OLIVEIRA FILHO, 2008b). O primeiro, como espaço de diálogo e debate público, planejamento participativo, controle social e cogestão das políticas públicas estaduais em cada região do estado, cuja lei está vigente. A segunda, como espaço de coordenação e articulação, execução e integração, e de incentivo ao desenvolvimento endógeno de cada região do estado, cujo projeto de lei foi “engavetado”.

3.3.4 Inexistência de alternância do poder político

A política estadual sempre foi marcada por singularidades e anacronismos (REIS, 2007), das quais destacamos: i) o poder oligárquico; ii) as mudanças no quadro político local só ocorrem com a intervenção do governo federal; e iii) a incapa-cidade dos movimentos sociais de reunirem as condições objetivas e subjetivas necessárias e suficientes à conquista da hegemonia.

O primeiro aspecto diz respeito à existência, ao lado dos poderes instituídos e legítimos, de um quarto poder, paralelo ao dos governadores, do Legislativo e do Judiciário. A concretude deste poder se manifesta nos chefes oligarcas, assim o foi desde a metade do século XIX ao início do século XXI, com Gomes de Castro, Benedito Leite, Urbano Santos, Magalhães de Almeida, Paulo Ramos, Victorino Freire e José Sarney, último e mais longevo de todos os que se sucederam na his-tória política do Maranhão.

Quanto ao segundo aspecto, observamos que as mudanças nesse quadro político só ocorriam com a interveniência do governo federal nos processos in-ternos: fizeram-no Getúlio Vargas com os interventores e o Regime Militar de 1964 com José Sarney. Muitas vezes essa intervenção ocorria com o incentivo de um dos grupos em disputa que, incapazes de solucioná-la pelas vias democráticas, buscavam o arbítrio do poder central.

No que tange ao terceiro aspecto, as tentativas de mudanças perpetradas pe-las forças sociais locais sempre encontraram tenaz resistência do poder dominante, sendo fragorosamente derrotadas – ver a Revolta de Beckman de 1684, a Balaiada de 1838-1841 e a greve de 1951. A população, a despeito das muitas e constantes

221Alguns Desafios ao Planejamento e Desenvolvimento do Maranhão...

lutas em prol da democratização do poder, foi mantida à margem das decisões e da política, predominando as soluções de cúpula. Assim o foi a manutenção de Eugênio Barros no governo em 1951; a cassação e o exílio de Neiva Moreira em 1964 pelos militares, abrindo caminho para José Sarney; e a cassação de Jackson Lago em 2009, abrindo caminho para a volta da oligarquia com Roseana Sarney.

Na esteira do domínio oligárquico vinham as visões equivocadas sobre a história maranhense, ora como decadência permanente, ora como singularidade excepcional – fundação francesa –, cuja produção objetivava o reforço no pre-sente da imagem modernizadora e restauradora dos oligarcas que as utilizava. O Maranhão não vive uma decadência reiterada, mas as consequências do modo de produção no qual estamos inseridos, articulando-se permanentemente a ma-nutenção das oligarquias estaduais. A cidade de São Luís não foi fundada por franceses, isso é uma invenção da intelectualidade local subserviente aos referidos oligarcas, interessados em obter recursos financeiros franceses e subsumidos em uma mentalidade colonizada.

Em síntese, a política local foi e é fortemente oligárquico-familiar, manti-da por interferência do governo federal, atuando acima e dentro das instituições formais, autocrática e antipopular, ao mesmo tempo, centralizadora e exclu-dente. O que nos revela a atual conjuntura política que surge das eleições de 2006, é que, pela primeira vez na história maranhense recente, uma oligarquia instituída, cujo maior trunfo foi o apoio do plano federal à sua candidata, foi derrotada pela oposição.

Isso foi uma quebra paradigmática. Essa mesma conjuntura demonstra como a oligarquia derrotada voltou ao poder por meio dos tribunais, o que não é nada de novo, um ator externo novamente interveio na política maranhense para manter tudo como dantes. Algo que fica é que o projeto de desenvolvimento refe-rido ao grupamento praticamente hegemônico nas últimas décadas em momento algum vai ao encontro dos desafios até agora expostos, pelo contrário, tem atuado no sentido de reforçar os obstáculos destacados.

Não é crível que os desafios ao desenvolvimento maranhense, elencados ao longo desta subseção, sejam superados por quem os construiu como estratégia deliberada de manutenção do status quo e de perpetuação no poder.

3.4 Estratégias de superação

A partir do exposto por Garcia (2009), Oliveira (2008a) e Nogueira (2008), a su-peração do quadro necessariamente passará por um projeto de desenvolvimento estadual, capitaneado pelo estado, com densidade e competência para atuar de forma efetiva; fortemente apoiado e fiscalizado pela sociedade; e articulado a am-plo pacto social entre as forças de oposição, reunidas sob esse programa coletivo.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011222

Algumas estratégias nesse sentido foram tomadas no governo Jackson Lago, tais como: a recuperação do aparelho estatal (subsubseção 3.4.1), a desconcen-tração econômica (3.4.2), a descentralização da administração pública (3.4.3) e a cooperação internacional (3.4.4), vistas aqui de forma tópica e sintética.

3.4.1 Recuperação do aparelho estatal

A recuperação do aparelho estatal estava centrada na Reforma Democrática do Estado, cuja estratégia se desdobra em três eixos: o fortalecimento e a ampliação dos mecanismos de democracia direta e participativa; o fortalecimento da interse-torialidade das políticas públicas; e a reestruturação dos órgãos e das instituições do estado para o desenvolvimento sustentável e em escala humana.

Isso se caracterizou essencialmente pela recriação e pelo fortalecimento insti-tucional do aparelho estatal, desmontado na década de 1990, sobretudo de órgãos ligados à pesquisa e às novas políticas públicas.

Ilustram essa linha, como mencionado no início da seção 3 e subseção 3.2.1: o IMESC; a Agência Estadual de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural (AGERP); o fortalecimento da área social com as políticas de inclusão implemen-tadas pela Secretaria de Estado do Desenvolvimento Social (Sedes) e as secreta-rias da mulher, da igualdade racial, da juventude e dos direitos humanos; o revi-goramento dos conselhos de políticas públicas; a reformulação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), majoritariamente formado pela sociedade civil; e a criação da Câmara Intersetorial de Políticas Públicas (CIPP).

É claro que essa recuperação não foi um processo pacífico; muitas contra-dições afloraram. Por exemplo, as greves dos professores e policiais civis contra a reestruturação salarial e as perdas reais na remuneração daí resultantes, cuja condução das negociações pelo governo foi politicamente danosa. Além disso, as secretarias de Estado, como da mulher, igualdade racial e dos direitos humanos, não obtiveram no conjunto do orçamento público recursos suficientes para o desenvolvimento de suas atividades, por conseguinte, focaram-se na realização de mobilizações e conferências.

3.4.2 Desconcentração econômica

A lógica adotada pelo planejamento público estadual envolveu o redirecionamen-to dos investimentos e incentivos públicos, juntamente ao estímulo e à articula-ção dos investimentos privados para os outros municípios e regiões do Maranhão, subvertendo a histórica concentração na capital e estimulando novos polos de crescimento e novas atividades econômicas locais.

Além disso, houve o desenvolvimento de uma política de incentivo aos ar-ranjos produtivos locais nas diversas regiões do estado com o auxílio do Banco do

223Alguns Desafios ao Planejamento e Desenvolvimento do Maranhão...

Brasil e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), com os recursos do Fundo Maranhense de Combate à Pobreza (FUMACOP), os quais também estavam voltados para a inclusão produtiva e social.

3.4.3 Descentralização da administração pública

Como afirmado na subsubseção 3.3.3 foi criada uma nova regionalização que re-espacializou o estado em 32 regiões de planejamento – antes eram 19 regiões –, adotando critérios econômicos, geográficos, sociais e culturais para tal. O objetivo era fazer convergir ações e estruturas governamentais em todo o território estadual.

No entanto, observamos que a descentralização foi muito mais uma des-concentração, isto é, transferência de atividades e recursos para as regiões e os municípios do que compartilhamento de poder de decisão. A velocidade técnica na implementação do projeto estava em defasagem quanto à velocidade política a tal ponto que as forças mais à direita no seio do governo reduziram a quase zero os recursos e apoios necessários ao projeto.

A desconcentração ocorreu em relação a alguns órgãos públicos antes presentes somente na capital e na maior capilarização de outros que já estavam parcialmente desconcentrados, tais como: Agência Estadual de Defesa Agropecuária (AGED), a AGERP, os Centros de Referência Especializada de Assistência Social (Creas), os Hospitais Regionais de Referência, a Fundação de Amparo a Pesquisa e ao Desen-volvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (Fapema), entre outros.

A estratégia que implicaria realmente descentralização passava pelas já aludi-das institucionalidades dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento e da Agên-cia Estadual de Desenvolvimento; contudo, ambas não foram concretizadas.

3.4.4 Cooperação internacional

Pela primeira vez na história administrativa e política do Maranhão foi instituída uma política estadual de cooperação internacional, para a qual contamos com o forte apoio da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), vinculada ao Ministério das Relações Exteriores (MRE).

Um marco importante foi a cooperação com a República Bolivariana da Venezuela, o que foi formalizado com uma visita do presidente Hugo Chávez ao Maranhão. Foram realizadas missões de cooperação técnica nas áreas de alfabeti-zação, educação superior, habitação popular e infraestrutura portuária.

Foram realizadas visitas e articulações com Cuba, Uruguai, Argentina, Equa-dor, França e China. O governador Jackson Lago chegou a ser escolhido como vice-presidente da Organização Latino-Americana de Governos Intermediários (Olagi) e participou do Fórum Social Mundial (FSM) em Belém em 2009. A despeito desse rico e fecundo processo, esse tema foi excluído da agenda estadual.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011224

4 EM BUSCA DE UMA CONCLUSÃO

É no cerne de uma nova crise capitalista que voltamos a discutir planejamento e desenvolvimento, principalmente por iniciativa do Ipea, que tem implementado amplo programa de estudos, pesquisas e publicações sobre o assunto. A nosso ver, um dos resultados principais desse processo foi repor a possibilidade de um ca-pitalismo nacional, não dependente-associado, mas independente. Fica claro que não é a ruptura com o sistema, mas uma nova tentativa de “inserção soberana” no capitalismo global. O tempo julgará sua viabilidade.

O Maranhão emerge de forma contraditória da década neoliberal, a tenta-tiva de imprimir uma ruptura política na condução dos rumos estaduais sofreu uma dura derrota. A perspectiva de construir um projeto autóctone de desenvol-vimento aberta pelo governo da oposição foi interrompida com a volta ao poder da oligarquia Sarney.

Diante da complexa realidade da formação social maranhense, compreen-demos que não existem soluções fáceis pela via institucional e formal, porém reconhecemos a atualidade e pertinência das estratégias adotadas pelo governo da oposição para superar os obstáculos identificados em um quadro tensionado po-liticamente e fragilizado administrativamente. Assim pensando, fazemos alguns apontamentos de síntese deste artigo.

Em primeiro lugar, apesar de avanços do ponto de vista econômico, políti-co e administrativo, o estado do Maranhão, enquanto governo e administração pública, está aislado na capital e de costas para os demais municípios, sendo que tentativas de ruptura política e de construção de um projeto alternativo ainda não lograram êxito.

Em segundo lugar, não podemos esquecer nossa formação política oligár-quica e conservadora, assentada em um modelo de desenvolvimento concentra-dor e desigual. No entanto, outras formações sociais enfrentaram problemas mais graves e construíram estratégias autóctones de superação caracterizadas pela forte ação do Estado, pelo planejamento público, pela ampla participação social e pac-tuação política.

Por fim, não podemos apenas viver da lamúria de nossos péssimos indica-dores sociais, mas enfrentar nossos problemas concretos com soluções concretas, cuja centralidade passa pela alternância do poder político e ruptura das práti-cas oligárquicas. Isso só será possível com a força mobilizadora e inovadora dos movimentos sociais, da sociedade civil organizada, dos partidos de oposição na construção de uma nova hegemonia política. A questão é não só chegar ao go-verno, mas também chegar ao poder e erigir outro Maranhão, por intermédio de vigoroso planejamento público.

225Alguns Desafios ao Planejamento e Desenvolvimento do Maranhão...

Até o presente momento, esse outro Maranhão, cuja sociedade está decep-cionada com a democracia formal, parece-nos um personagem em busca de um autor, como disse Luigi Pirandello. Melhor dizendo, uma transformação radical por ser articulada coletivamente. Talvez, no horizonte dos próximos anos, possa-mos vislumbrar finalmente uma primavera em terras maranhotas.

REFERÊNCIAS

A BRAZILIAN political boss: where dinosaurs still roam. The Economist [on-line], 7 Feb. 2009. Disponível em: <http://www.economist.com>.

ALMEIDA, P. R. A experiência brasileira em planejamento econômico: uma sín-tese histórica. In: GIACOMONI, J.; PAGNUSSAT, J. L. (Org.). Planejamento e orçamento governamental: coletânea. Brasília: ENAP, 2006.

ANDERSON, P. Lula’s Brazil. London Review of Books [on-line], v. 33, n. 7, p. 3-12, 31 Mar. 2011. Disponível em: <http://www.lrb.co.uk/v33/n07/perry--anderson/lulas-brazil>.

ANUATTI-NETO, F. et al. Os efeitos da privatização sobre o desempenho eco-nômico e financeiro das empresas privatizadas. Revista Brasileira de Econo-mia, Rio de Janeiro, v. 59, n. 2, p. 151-175, abr./jun. 2005.

ARRIGHI, G. Globalização e desenvolvimento desigual. Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas, Brasília, v. 1, n. 1, ago./dez. 2007.

BACELAR, T. Política regional no Brasil: contexto histórico e perspectivas. In: MOSTRA NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL, 1., Sal-vador. Anais... Salvador, BA: MI, 2009.

BALASSA, B. et al. Uma nova fase de crescimento para a América Latina. Washington: IIE, 1986.

BANCO MUNDIAL (BM). Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2009 – a geografia econômica em transformação: visão geral. Washington, DC: Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento, 2008.

BARBOSA, Z. M. Maranhão, Brasil: luta de classes e reestruturação pro-dutiva em uma nova rodada de transnacionalização do capitalismo. São Luís: Editora Uema, 2006.

BARROS, C. A. P. O PPA/LOA e a nova regionalização. In: SOUSA, J. U. P.; TSUJI, T. Oficina de Implantação das Regiões de Planejamento. São Luís: Seplan/IMESC, 2008 (Série Estudos de Regionalização, n. 1).

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011226

BATISTA, P. N. O Consenso de Washington: a visão neoliberal dos problemas latino-americanos. São Paulo: Programa Educativo Dívida Externa, 1994 (Cader-no Dívida Externa, n. 6).

BAUMAN, Z. Entrevista com Zygmunt Bauman: a utopia possível na sociedade líquida. Cult, São Paulo, ano 12, n. 138, p. 14-18, mar. 2010. Entrevista conce-dida a Dennis de Oliveira.

BEHRING, E. R. Brasil em contra-reforma: desestruturação do Estado e perda de direitos. São Paulo: Cortez, 2003.

BELLO FILHO, W. B. História do planejamento econômico no Maranhão: uma arqueologia dos planos estaduais de desenvolvimento. 1998. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Centro de Ciências Sociais, Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas, São Luís, 1998.

BORROMEU, C. (Coord.). Levantamento da infra-estrutura do Governo do Estado nas 32 regiões de planejamento. São Luís: Seplan/IMESC, 2008 (Estu-dos de Regionalização, n. 6).

CARCANHOLO, M. D. Dialética do desenvolvimento periférico: dependência, superexploração da força de trabalho e política econômica. Revista de Economia Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 12, n. 2, p. 247-272, maio/ago. 2008.

CARDOSO JR., J. C. P. Desafios ao desenvolvimento brasileiro: contribuições do Conselho de Orientação do Ipea. Brasília: Ipea, 2009.

______. Planejamento governamental e gestão pública no Brasil: elementos para ressignificar o debate e capacitar o Estado. Brasília: Ipea, 2010 (Texto para Discussão, n. 1584).

CHANG, H. Maus samaritanos: o mito do livre-comércio e a história secreta do capitalismo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

CHEIN, F.; LEMOS, M. B.; ASSUNÇÃO, J. J. Desenvolvimento desigual: evi-dências para o Brasil. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v. 61, n. 3,  p. 301-330, jul./set. 2007.

COSTA, W. C. Sob o signo da morte: o poder oligárquico de Victorino a Sar-ney. São Luís: Edufma, 2006.

COUTO, C. A. A. M. Estado, mídia e oligarquia: poder público e meios de comunicação como suporte de um projeto político para o Maranhão. São Luís: Edufma, 2009.

DUMENIL, G.; LEVY, D. Neoliberalismo: neo-imperialismo. Economia e So-ciedade, Campinas,  v. 16,  n. 1, p. 1-19, jan./abr. 2007.

227Alguns Desafios ao Planejamento e Desenvolvimento do Maranhão...

GARCIA, R. C. Alguns desafios ao desenvolvimento do Brasil. Brasília: Ipea, 2009 (Texto para Discussão, n. 1373).

GENTILI, P. A falsificação do consenso: simulacro e imposição na reforma edu-cacional do neoliberalismo. Petropólis: Vozes, 1998.

GONÇALVES, M. F. C. A reinvenção do Maranhão dinástico. São Luís: UFMA, 2001.

______. A invenção de uma rainha de espada: reatualizações e embaraços da dinâmica política do Maranhão dinástico. São Luís: Edufma, 2008.

______. A Lei de Chico Brito e o cenário de exclusão educacional camponesa no Maranhão: primeiras aproximações. Praia Vermelha, Rio de Janeiro, v. 19, n. 2, p. 137-142, jul./dez. 2009.

GUILHON, D. A. R. Reforma administrativa e cultura organizacional do setor público: modelo de reforma administrativa implantado no estado do Maranhão (1995-1998) – um estudo de caso. In: SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIEN-TÍFICA, 13., São Luís, MA. Livro de Resumos do XIII Seminário de Iniciação Científica. São Luís: PPGE/CP, 2001.

GUILHON, M. V. M. Sarneismo no Maranhão: os primórdios de uma oligarquia. Revista de Políticas Públicas, São Luís, v. 11, n. 1, p. 125-148, jan./jun. 2007.

GUIMARÃES, A. Q. Estado e economia na Coreia do Sul: do Estado desenvol-vimentista à crise asiática e à recuperação posterior. Revista de Economia Políti-ca, São Paulo, v. 30, n. 1, p. 45-62, jan./mar. 2010.

HARVEY, D. Organizando para a transição anticapitalista. Margem Esquerda, São Paulo, n. 15, p. 57-80, nov. 2009.

HERMANN, J. Liberalização e desenvolvimento financeiro: lições da experiên-cia brasileira no período 1990-2006. Economia & Sociedade, Campinas, v. 19, n. 2, p. 257-290, maio/ago. 2010.

HOLANDA, F. Dinâmica da economia maranhense nos últimos 25 anos. São Luís: IMESC, 2008 (Cadernos IMESC, n. 4).

IANNI, O. Estado e planejamento econômico no Brasil: 1930-1970. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.

ISRAEL, F. L. Franklin Roosevelt. São Paulo: Nova Cultural, 1987.

LEMOS, J. J. S. Mapa da exclusão social no Brasil: radiografia de um país assi-metricamente pobre. Fortaleza: BNB, 2008.

LOPES, P. R. M. (Coord.). Implantação do Conselho Regional de Desenvolvi-mento. São Luís: Seplan/IMESC, 2008 (Estudos de Regionalização, n. 3).

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011228

LUSTOSA DA COSTA, F. Reforma do Estado e contexto brasileiro: crítica do paradigma gerencialista. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2010.

MARANHÃO (Estado). Secretaria de Estado do Planejamento e Orçamento. In-dicadores de Conjuntura Econômica do Maranhão, São Luís, Seplan/IMESC, v. 1, n. 2, jul./dez. 2008.

______. Planejamento estratégico governamental. São Luís: Seplan, 2009.

______. Produto interno bruto do estado do Maranhão, período 2004-2008. São Luís: Seplan/IMESC, 2010a.

______. Produto interno bruto dos municípios do estado do Maranhão, pe-ríodo 2004-2008. São Luís: Seplan/IMESC, 2010b.

______. O Maranhão e a nova década: oportunidades e desafios. São Luís: Seplan, 2011a.

______. Notas de conjuntura econômica do Maranhão: maio de 2011. São Luís: Seplan, 2011b.

MARQUES, R. M.; MENDES, A. O social sob o “tacão de ferro” da política econômica do período 2003-2006. Economia & Sociedade, Campinas, v. 18, n. 3, p. 567-582, set./dez. 2009.

MESQUITA, B. A. Desenvolvimento econômico recente do Maranhão: uma análise do crescimento do PIB e perspectivas. São Luís: IMESC, 2008 (Cadernos IMESC, n. 7).

MÉSZÁROS, I. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo Editorial; Campinas: Editora da UNICAMP, 2002.

MINDLIN, B. (Org.). Planejamento no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 2001.

NATAL, J. L. A. Revisitando o tema desenvolvimento econômico nacional: os economistas liberais e planejadores urbanos progressistas em questão. Revista de Políticas Públicas, São Luís, v. 8, n. 1, p. 83-110, jan./jun. 2004.

NOGUEIRA, M. A. Desenvolvimento, Estado e sociedade: as relações neces-sárias, as coalizões possíveis e a institucionalidade requerida I. In: CICLO DE SEMINÁRIOS PERSPECTIVAS DO DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO, 2., Brasília. Cadernos do Ciclo de Seminários Perspectivas do Desenvolvi-mento Brasileiro. Brasília: Ipea, 2008.

OLIVEIRA, F. Desenvolvimento, Estado e sociedade: as relações necessárias, as coalizões possíveis e a institucionalidade requerida II. In: SEMINÁRIO DO CICLO DE SEMINÁRIO PERSPECTIVAS DO DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO, 2., Brasília. Cadernos do Ciclo de Seminários Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro. Brasília: Ipea, 2008a.

229Alguns Desafios ao Planejamento e Desenvolvimento do Maranhão...

OLIVEIRA, G. C. Estado e a inserção ativa na economia: a estratégia de desen-volvimento econômico da China. Revista de Economia, Curitiba, v. 34, ano 32, n. 3, p. 61-88, set./dez. 2008b.

OLIVEIRA FILHO, J. (Coord.). Plano Popular de Desenvolvimento Regio-nal do Estado do Maranhão. São Luís: Seplan/IMESC, 2008a (Estudos de Regionalização, n. 7).

______. Unidade Administrativa Regional. São Luís: Seplan/IMESC, 2008b (Estudos de Regionalização, n. 10).

PALHANO, R. (Org.). Um planejamento que marca caminhos. São Luís: IMESC, 2008a.

______. O Maranhão, seus avessos e análise conjuntural. Indicadores de Con-juntura Econômica do Maranhão, São Luís, IMESC, v. 1, n. 1, jan./jun. 2008b.

PALHANO, R. et al. O poder público e a questão do desenvolvimento eco-nômico maranhense (1956-1963): o Maranhão na nova divisão internacional do trabalho e a interpretação das idéias e ideologias sobre o desenvolvimento do Maranhão. São Luís: Ipes, 1983.

PASSOS, J. M. S. (Coord.). Levantamento dos recursos humanos do governo do estado nas 32 regiões de planejamento. São Luís: Seplan/IMESC, 2008 (Estudos de Regionalização, n. 5).

POLARY, J. H. B. Planejamento no Maranhão: um estágio de indefinição de modelo. Revista da Fundação-Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais, São Luís, v. 1, n. 1, p. 23-28, jan./jun. 1980.

PATNAIK, P. Una perspectiva sobre el proceso de crecimiento en India y China. Critica y Emancipación, Buenos Aires, año II, n. 4, p. 217-233, jul./dic. 2010.

POCHMANN, M. O Estado e seus desafios na construção do desenvolvimento brasileiro. Margem Esquerda, São Paulo, n. 15, p. 34-43, nov. 2009.

PRECIADO, J. América Latina no sistema-mundo: questionamentos e alianças centro-periferia. Caderno de Recursos Humanos, Salvador, v. 21, n. 53, p. 251-265, maio/ago. 2008. 

RANGEL, I. As crises gerais. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 12, n. 2, p. 5-9, abr./jun. 1992.

REIS, F. Grupos oligárquicos e estrutura oligárquica no Maranhão. São Luís: UFMA, 2007.

RIBEIRO, G. L. Poder, redes e ideologia no campo do desenvolvimento. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 80, p. 109-125, jan./abr. 2008.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011230

SADER, E. A nova toupeira: os caminhos da esquerda latino-americana. São Paulo: Boitempo, 2009a.

______. Aventuras do tema do desenvolvimento no marxismo. Revista Tempo do Mundo, Brasília, v. 1, n. 1, p. 121-135, dez. 2009b.

SILVA, I. G. Poder político e Reforma do Estado no contexto do neoliberalismo: análise da reforma do aparelho do Estado no Maranhão nos anos 1990. Revista de Políticas Públicas, São Luís, v. 10, n. 2, p. 45-59, jul./dez. 2006.

SOARES, F. A. R.; PINTO, M. B. P. Desequilíbrios cambiais e os fundamentos econômicos: uma análise do Plano Real. Revista de Economia Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 12, n. 1, p. 5-40, 2008.

SOUSA, J. U. P. Desafios ao desenvolvimento do Maranhão no âmbito do pla-nejamento público recente (2007-2009). Cadernos de Pesquisa, São Luís, v. 17, n. 1, p. 65-76, jan./abr. 2010.

TSUJI, T. (Org.). Aspirações da sociedade nas regiões do Estado em 2007. São Luís: Seplan/IMESC, 2008.

WILLIAMSON, J. (Org.). Latin American adjustment: how much has happened? Washington, DC: IEE, 1990.

Originais submetidos em setembro de 2009. Última versão recebida em junho de 2011. Aprovado em julho de 2011.

ENSAIO JURÍDICO SOBRE O DANO NUCLEAR NO DIREITO BRASILEIROAdriano Celestino Ribeiro Barros*

Quando se fala em responsabilidade objetiva na seara nuclear, devem ser analisadas e compreendidas duas teorias: a do risco integral e a do risco administrativo, as quais discutem se admitem ou não excludentes de responsabilidade civil no Direito Nuclear brasileiro.

A Teoria do Risco Integral não admite qualquer excludente para afastar a responsabilidade do Estado. Entretanto, esta teoria é aceita no Brasil em caráter excepcional e apenas nos casos de danos ambientais.

Já a Teoria do Risco Administrativo admite excludentes de responsabilidade, como é o caso do dano nuclear. Assim, ao excluir pelo menos um dos três elementos, que configuram a responsabilidade objetiva do Estado, vale dizer: a conduta, o dano ou o nexo de causalidade, a responsabilidade objetiva é afastada. Dessa maneira, basta excluir um dos elementos antes mencionados para retirar a responsabilidade objetiva estatal no âmbito nuclear.

A doutrina majoritária apresenta, em rol aberto e a títulos de exemplos, algumas excludentes da responsabilidade objetiva na Teoria do Risco Administrativo, que são: a culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito e a força maior. No entanto, há outras excludentes mais específicas e em casos excepcionais para o tema aqui proposto, tanto no Direito brasileiro, por meio do Decreto no 911/1993, consoante a dicção do Art. 4o, número 3, em relação ao Direito Nuclear brasileiro quando reza que não acarretarão qualquer responsabilidade para o operador os danos nucleares causados por acidente nuclear devido diretamente a conflito armado, a hostilidades, a guerra civil ou a insurreição.

Assim como no Direito Comparado, consoante estabelece o Decreto-Lei no 147/2008 de Portugal conforme o comando inserto no Art. 2o, item 2, como será visto ao longo deste artigo.

Em suma, este breve estudo inova o pensamento jurídico e derruba a posição da doutrina majoritária brasileira de Direito Administrativo e de Direito Civil acerca do tema aqui proposto e colocado à discussão para a sociedade brasileira e internacional.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil Causada pelos Danos Nucleares; Risco Integral; Risco Administrativo; Mudança do Atual Paradigma; Novo Ponto de Vista.

JURIDICAL ARTICLE ABOUT THE NUCLEAR DAMAGE IN THE BRAZILIAN RIGHT

When it is spoken in responsibility aims at in the nuclear wheat field, they should be analyzed and understood two theories: the theory of the integral risk and the one of the administrative risk, which discuss if they admit or no excluding of civil responsibility in the Brazilian Nuclear Right.

The theory of the integral risk doesn’t admit any excluding one to move away the responsibility of the State. However, this theory is accepted in Brazil in exceptional character and just in the cases of environmental damages.

* Advogado, pós-graduado lato sensu em Direito Público e autor de artigos de jornal, revistas especializadas, informa-tivos, sites, entre outros.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011232

Already the theory of the administrative risk admits excluding of responsibility as it is the case of the nuclear damage. Like this, when excluding at least one of the three elements, that configure the responsibility aim at of the State, it is worth to say: the conduct, the damage or the causality connection, the responsibility aims at is moved away.

Of that it sorts things out, it is enough to exclude one of the elements mentioned above to remove the responsibility state lens in the nuclear extent.

The majority doctrine presents, in open list and to titles of examples, some excluding of the responsibility aim at in the theory of the administrative risk that they are: the victim’s exclusive fault, the fortuitous case and the larger force. However, there are other excluding ones more specific and in exceptional cases for the theme here proposed, so much in the Brazilian Right through the Ordinance number 911/93 consonant the diction of the article 4th, number 3, in relation to the Brazilian Nuclear Right when he prays that won’t cart any responsibility for the operator the nuclear damages caused by accident nuclear owed directly to I conflict armed, to hostilities, the civil war or the insurrection.

As well as in the Compared Right, consonant establishes the Law number 147/2008 of Portugal as the command inserted in the article 2nd, item 2, as it will be seen along this rehearsal.

In short, this brief rehearsal innovates the juridical thought and it drops the position of the doctrine majority Brazilian of Administrative Right and of Civil law concerning the theme here proposed and put the discussion for the Brazilian and international society.

Key-words: Civil Responsibility Caused by the Nuclear Damages; The Integral Risk; The Administrative Risk; Change of the Current Paradigm; New Point of View.

ARTÍCULO JURÍDICO SOBRE EL DAÑO NUCLEAR EN EL DERECHO BRASILEÑO

Cuando se habla en los objetivos de responsabilidad a en el campo del trigo nuclear, ellos deben analizarse y deben entenderse dos teorías: la teoría del riesgo íntegro y el uno del riesgo administrativo que discute si ellos admiten o ningún excluyendo de responsabilidad civil en el Derecho Nuclear brasileño.

La teoría del riesgo íntegro no admite excluyendo uno para marcharse la responsabilidad del Estado a cualquiera. Sin embargo, esta teoría se acepta en Brasil en el carácter excepcional y simplemente en los casos de daño y perjuicios medioambientales.

Ya la teoría del riesgo administrativo admite excluyendo de responsabilidad como él es el caso del daño nuclear. Así, al excluir uno de los por lo menos tres elementos que configuran el objetivo de responsabilidad a del Estado merece la pena decir: la conducta, el daño o la conexión de causalidad, la responsabilidad apunta a se marcha.

De eso ordena las cosas fuera, es bastante para excluir uno de los elementos arriba expresado quitar la responsabilidad la lente estatal en la magnitud nuclear.

La doctrina de la mayoría presenta, en la lista abierta y a los títulos de ejemplos, algunos que excluyen del objetivo de responsabilidad a en la teoría del riesgo administrativo que ellos son: la falta exclusiva de la víctima, el caso fortuito y la fuerza más grande. Hay otros excluyendo sin embargo, más específico y en los casos excepcionales para el tema aquí propuso, tanto en el Derecho brasileño a través del número de la Ordenanza 911/93 consonante la dicción del

233Ensaio Jurídico sobre o Dano Nuclear no Direito Brasileiro

artículo 4, numere 3, respecto al Derecho Nuclear brasileño cuando él ora que eso no carreteará responsabilidad por el operador que los daño y perjuicios nucleares causados por el accidente nuclear debidos directamente a mí chocan armado, a las hostilidades, la guerra civil o la insurrección.

Así como en el Derecho Comparado, la consonante establece la Ley número 147/2008 de Portugal como el orden insertado en el artículo 2, artículo 2, como él se verá a lo largo de este ensayo.

Para abreviar, este ensayo breve innova el pensamiento jurídico y deja caer la posición de la mayoría de la doctrina brasileña de Derecho Administrativo y de derecho civil acerca del tema aquí propuso y puso la discusión para la sociedad brasileña e internacional.

Palabras-clave: Responsabilidad Civil Causada por los Daño y Perjuicios Nucleares; The Nuclear el Riesgo Íntegro; El Riesgo Administrativo; El Cambio del Paradigma Actual; El Nuevo Punto de Vista.

ARTICLE JURIDIQUE AU SUJET DU DÉGÂT NUCLÉAIRE DANS LE DROIT BRÉSILIEN

Quand il est parlé dans les buts de la responsabilité à dans le champ du blé nucléaire, ils devraient être analysés et devraient être comprises deux théories: la théorie du risque intégrant et celui du risque administratif qui discute si ils admettent ou aucun exclure de responsabilité civile dans le Droit Nucléaire brésilien.

La théorie du risque intégrant n’admet pas exclure on pour éloigner la responsabilité de l’État à en. Cependant, cette théorie est acceptée au Brésil dans caractère exceptionnel et juste dans les cas de dégâts de l’environnement.

Déjà la théorie du risque administratif admet exclure de responsabilité comme c’est le cas du dégât nucléaire. Comme ceci, quand exclure au moins un des trois éléments qui configurent le but de la responsabilité à de l’État il vaut pour dire: la conduite, le dégât ou le rapport de la causalité, la responsabilité vise à s’est éloigné.

De cela il trie des choses, c’est assez pour exclure un des éléments mentionné au-dessus pour enlever la lentille de l’état de la responsabilité dans l’ampleur nucléaire.

La doctrine de la majorité présente, dans liste ouverte et à titres d’exemples, quelques-uns qui excluent du but de la responsabilité à dans la théorie du risque administratif qu’ils sont: la faute exclusive de la victime, le cas fortuit et la plus grande force. Cependant, il y a autres excluant plus spécifique et dans cas exceptionnels pour le thème ici a proposé, si beaucoup dans le Droit brésilien à travers le nombre de l’Ordonnance 911/93 consonne la diction de l’article 4e, comptez-en 3, par rapport au Droit Nucléaire brésilien quand il prie que cela ne camionnera pas toute responsabilité pour l’opérateur que les dégâts nucléaires causés par accident nucléaire dus directement à je sont en conflit armé, à hostilités, la guerre civile ou l’insurrection.

Aussi bien que dans le Droit Comparé, la consonne établit la Loi nombre 147/2008 de Portugal comme l’ordre inséré dans l’article 2e, article 2, comme il sera vu le long de cette répétition.

Dans court, cette brève répétition innove la pensée juridique et il tombe la place de la majorité de la doctrine brésilien de Droit Administratif et de droit civil à propos du thème ici a proposé et a mis la discussion pour la société brésilienne et internationale.

Mots-clés: Responsabilité Civile Causée par les Dégâts Nucléaires; The Nucléaire Risque Intégrant; Le Risque Administratif; Changement du Paradigme Courant; Nouveau Point de Vue.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011234

1 INTRODUÇÃO: RECEPÇÃO DA LEI No 6.453/1977 PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 (CF/88)

O presente estudo é fruto de uma lacuna na doutrina brasileira sobre a responsabilidade civil em relação ao dano nuclear. A doutrina majoritária afirma que foi adotada a Teoria do Risco Integral. Entretanto, neste artigo jurídico foi defendida uma posição quase isolada, porém com argumentos lógicos e coerentes, analisando situações tidas como juridicamente cristali-zadas pela doutrina majoritária. Modifica-se, portanto, o paradigma adota-do até então para se afirmar que, na realidade, a responsabilidade civil pelos danos nucleares adotada no Direito brasileiro foi a Teoria do Risco Admi-nistrativo. Pois, há uma lei anterior à CF/88 que tem causas de excludentes da responsabilidade civil por danos nucleares.

Essa é a Lei no 6.453/1977 que dispõe sobre “a responsabilidade civil por danos nucleares e a responsabilidade criminal por atos relacionados com ativi-dades nucleares e dá outras providências”. Em seu Art. 8o, in verbis: “Art. 8o - O operador não responde pela reparação do dano resultante de acidente nuclear cau-sado diretamente por conflito armado, hostilidades, guerra civil, insurreição ou excep-cional fato da natureza.” (grifo nosso).

2 DESENVOLVIMENTO: FALTA DE RIGOR CIENTÍFICO NA DOUTRINA SOBRE A TEORIA DO RISCO INTEGRAL E DO RISCO ADMINISTRATIVO

Nesse sentido, necessário se faz mencionar o magistério da renomada autora Ma-ria Sylvia Zanella Di Pietro que aduz, ad litteram:

No entanto, durante muito tempo, aqui no direito brasileiro, grande parte da doutrina não fazia distinção, considerando as duas expressões – risco integral e risco administrativo – como sinônimas ou falando em risco administrativo como correspondente ao acidente administrativo. Mesmo alguns autores que falavam em teoria do risco integral admitiam as causas excludentes da responsabilidade. (2008, p. 611).

3 A POSIÇÃO MAJORITÁRIA DA DOUTRINA ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS DANOS NUCLEARES DEFENDE QUE FOI ADOTADA A TEORIA DO RISCO INTEGRAL

No artigo jurídico do mestre Sérgio Cavalieri Filho, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ/RJ) e professor dos cursos de direito da Universidade Estácio de Sá (Unesa), sobre a responsabilidade civil constitucional diz o seu posicionamento em relação ao tema:

(...) responsabilidade por dano nuclear: No artigo 21, inc. XXIII, letra c da Cons-tituição vamos encontrar mais um caso de responsabilidade civil. Temos ali uma norma especial para o dano nuclear, que estabeleceu responsabilidade objetiva para

235Ensaio Jurídico sobre o Dano Nuclear no Direito Brasileiro

o seu causador, fundada no risco integral, dado a enormidade dos riscos decorrentes da exploração da atividade nuclear. Se essa responsabilidade fosse fundada no risco administrativo, como querem alguns, ela já estaria incluída no artigo 37, §6o da CF, não se fazendo necessária uma norma especial.

O artigo 8, da Lei no 6.453/77, exclui a responsabilidade do operador pelo dano resultante de acidente nuclear causado diretamente por conflito armado, hostili-dades, guerra civil, insurreição ou excepcional fato da natureza. A base jurídica da responsabilidade do explorador da atividade nuclear, entretanto, passou a ser a Constituição a partir de 1988, e esta, em seu art. 21, inc. XXIII, “c”, não abre ne-nhuma exceção, pelo que entendemos não mais estarem em vigor as causas exone-rativas previstas na lei infraconstitucional. Diga-se o mesmo em relação aos limites indenizatórios estabelecidos no art. 9o da citada Lei – no 6.453/77. Sendo ilimitada a responsabilidade do Estado, consoante art. 37, §6o da Constituição Federal, não pode a lei ordinária estabelecer limites indenizatórios para os danos decorrentes de acidente nuclear, de responsabilidade desse mesmo Estado ou de entes privados prestadores de serviços públicos (CAVALIERI FILHO, 2006).

O culto professor Celso Antonio Pacheco Fiorillo em sua obra, Curso de direito ambiental brasileiro, leciona da seguinte maneira sobre o tema:

Em relação à responsabilidade civil pelos danos causados por atividades nucleares, será aferida pelo sistema da responsabilidade objetiva, conforme preceitua o art. 21, XXIII, c, da Constituição Federal. Com isso, consagraram-se a inexistência de qualquer tipo de exclusão da responsabilidade (incluindo caso fortuito ou força maior), a ausência de limitação no tocante ao valor da indenização e a solidariedade da respon-sabilidade. (2006, p. 204, grifo nosso).

Quando a Magna Carta de 1988 no seu Art. 21, inciso XXIII, d, dispõe acerca da responsabilidade civil do dano nuclear, em nenhum momento afirma, de maneira clara, que em relação a este dano foi adotada a Teoria do Risco Inte-gral. Senão veja-se, ipsis literis:

Art. 21. Compete à União: (...) XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condi-ções: (...) d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa. (BRASIL, 2006, grifo nosso).

Além disso, imperioso se faz trazerem à colação os dizeres dos renomados autores Diego Marques Gonçalves e Victor Paulo Kloeckner Pires, que descrevem as seguintes explanações sobre o assunto no artigo Responsabilidade civil do Esta-do: síntese evolutiva do tema no direito positivo brasileiro, verbis:

(...) uma delas, e talvez a mais extrema, na opinião de Oliveira (2006), era a teoria do risco integral. Nela, a comprovação do dano e do nexo já eram, por si próprios,

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011236

suficientes para a configuração do dever de ressarcir, sem que houvesse espaço para quaisquer alegações quanto a excludentes de culpabilidade, perfeitamente cabíveis e alegáveis na teoria do risco. (GONÇALVES; PIRES, 2007).

Para Cavalieri Filho:

A teoria do risco integral é uma modalidade extremada da doutrina do risco desti-nada a justificar o dever de indenizar até nos casos de inexistência do nexo causal. Mesmo na responsabilidade objetiva, conforme já enfatizado, embora dispensável o elemento culpa, a relação de causalidade é indispensável, todavia, o dever de inde-nizar se faz presente tão só em face do dano, ainda nos casos de culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou de força maior. Dado o seu extremo, o nosso Direito só adotou essa teoria em casos excepcionais (...) (2006, p. 157-158, grifo nosso).

Realmente, tem inteira razão o aduzido jurista. A Teoria do Risco Integral, em nosso sistema jurídico, é somente utilizável em casos excepcionais, nos quais o perigo oferecido pela manutenção de dada atividade é de tal forma perigosa que, independentemente de qualquer outro fator, em havendo dano, este é imputável à entidade pública responsável pelo fomento ou realização desta.

É o caso, diz Ferraz (apud FREITAS, 2006, p. 214), do Art. 21, inciso XXIII, c, da CF/88, que trata dos danos nucleares. Este dispositivo, muito embo-ra isso ainda suscite dúvidas, é uma das poucas situações previstas em nosso orde-namento em que são aplicáveis os postulados da Teoria do Risco Integral. É claro que, dadas as consequências acarretadas pela adoção de tal doutrina, muitas são as vozes em sentido contrário, mas os motivos que fundamentam o posicionamento do supracitado estudioso são bastante convincentes. Vejamos:

Em particular, entende-se que o art. 21, XXIII, “c”, diferentemente do art. 37, §6o, contemplou a teoria da responsabilidade do Estado pelo risco integral. É que quando o constituinte se valeu da expressão “independentemente de culpa” para reconhecer aí a responsabilidade estatal, excluiu, de plano, a possibilidade de se co-gitar culpa, seja ela do Estado, da vítima ou mesmo derivada de evento alheio à ação ou omissão de ambos: desde que configurado o dano e o nexo causal, inexistente a possibilidade de excludente de responsabilidade de parte do Estado. Caso contrário, a prescrição do art. 21, XXIII, “c” seria completamente desnecessária.

Compete destacar, ainda a esse respeito, o divergente e até mesmo sus-citador de dúvidas entendimento de Gasparini, o qual não deixa suficien-temente claro se a norma específica contida no Art. 21 da CF/88, que se refere aos danos nucleares, constitui-se em uma das poucas hipóteses em que é cabível a responsabilização sem excludentes. O aduzido jurista, logo após traçar um paralelo entre este dispositivo e o Art. 37, § 6o, do mesmo diploma, somente é capaz de deixar as seguintes perguntas e concluir pela injustiça da Teoria do Risco Integral:

237Ensaio Jurídico sobre o Dano Nuclear no Direito Brasileiro

(...) cuida-se de responsabilidade integral? (...) Não se trata de submeter à União às conseqüências da teoria da responsabilidade integral, que determina o paga-mento do prejuízo pelo só envolvimento do Poder Público, a União, no caso, no evento danoso. A teoria, como se disse, é injusta e inaplicável por dita razão. (GASPARINI, 2006, p. 985).

É de se salientar que a teoria do risco comporta outras subdivisões, inúme-ras, as quais são muito bem descritas por Cavalieri Filho (2006, p. 156-158), mas como este trabalho não objetiva estabelecer em minúcias os subtipos daí decorren-tes, serão as demais deixadas de lado. Aliás, isto se justifica em face de que algumas delas têm por intuito regulamentar e disciplinar relações jurídicas que escapam ao âmbito de interesse do direito administrativo.

Nosso legislador constituinte, ao elaborar nossa Constituição Federal, adotou a doutrina do risco, em sua concepção original, ao consignar, no Art. 37, § 6o, que:

(...) as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão por danos que seus agentes, nessa qualida-de, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsá-vel nos casos de dolo ou culpa. (GONÇALVES; PIRES, 2007).

Nesse diapasão, vale destacar o entendimento da ilustre doutora Edna Car-dozo Dias (presidenta da Liga de Prevenção da Crueldade contra o Animal –LPCA), que aduz em seu artigo sobre a responsabilidade civil da administração por danos ambientais e assevera que, ad litteram:

Teorias da responsabilidade por dano ambiental:No Brasil, antes que qualquer diploma legal houvesse sobre o assunto o Professor Sérgio Ferraz publicou um artigo na RDP 49/50/38, onde sustentou que em caso de danos ecológicos a teoria que deveria ser aplicada era a do risco integral.

Dois anos depois foi promulgada a Lei no 6.453/1977, que estabele-ceu a responsabilidade civil por danos nucleares. Reza o Art. 4o da referida lei que esta é de exclusiva responsabilidade do operador nuclear, indepen-dentemente de culpa, em caso de danos provocados por acidente nuclear. O Brasil e signatário da Convenção de Viena e adequou a lei aos três prin-cípios nela contidos: do risco por dano nuclear, da responsabilidade por dano nuclear e do montante do seguro para a cobertura do dano nuclear (ATHIAS, 1993, p. 241).

As convenções de Paris e Bruxelas são adotadas pelos países da Europa Oci-dental, onde o princípio intergovernamental é seguido tendo em vista a proximi-dade geográfica e os interesses econômicos comuns. Falta regulamentar a repara-ção de danos aos países não signatários da convenção.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011238

A responsabilidade civil pelo dano nuclear é a do risco criado por expressa disposição legal. Em seu Art. 6o a referida lei diz que “Uma vez provado haver o dano resultado exclusivamente de culpa da vítima, o operador será exonerado, apenas em relação a ela da obrigação de indenizar”. E em seus Arts. 8o e 9o res-pectivamente que “o operador não responde pela reparação do dano resultante de acidente nuclear causado diretamente por conflito armado, hostilidades, guerra civil, insurreição ou excepcional fato da natureza” e “A responsabilidade do ope-rador pela reparação do dano nuclear é limitada, em cada acidente, a valor corres-pondente a um milhão e quinhentos mil ORTN’s”.

A questão só veio a ser tratada com maior relevância com a Lei no 6.938/1981, Lei de Política Nacional do Meio Ambiente. Os limites da responsabilidade não ficaram de-finidos com essa lei, uma vez que existem inúmeras correntes doutrinárias sobre o tema.

O professor Edis Milaré em RT/623/1977 propugnou a teoria do risco provei-to. Esta teoria se funda na noção de que todo aquele que no exercício de uma ativi-dade flua algum benefício deve arcar com a reparação dos danos que provocar. E para tal basta o nexo causal entre a ação ou omissão e a ocorrência do dano. Caio Mário contesta esta teoria sob a alegação de que ficaria adstrita aos comerciantes e industriais.

Por tais argumentos outros preferem a Teoria do Risco Criado, que sujeita o agente à responsabilidade pelo simples fato de exercer uma atividade que implique risco para a comunidade ou aos direitos de alguém. Entre os que abraçam esta teoria está Toshio Mukai, que admite excludentes da culpa da vítima, de força maior e do caso fortuito. Ensina Toshio Mukai que a responsabilidade por dano ambiental, na forma que dispõe o parágrafo 1o, do Art. 14, da Lei no 6.938/1981, decorrerá de danos causa-dos a terceiro pela atividade do agente. Daí sustenta-se que “segundo esse texto o polui-dor é obrigado a indenizar ou reparar os danos que causar ao meio ambiente e a tercei-ros, desde que sejam afetados por sua atividade. Isso sem a indagação ou não da culpa do poluidor” (MUKAI, 1992, p. 663-674). O enquadramento da responsabilidade objetiva em uma das teorias é importante, uma vez que dele derivarão as excludentes de responsabilidade da administração pública. A Teoria do Risco Administrativo ou do Risco Criado é, também, defendida pelo professor Celso Bandeira de Melo.

Mas, em termos ambientais, a maioria dos doutrinadores adota a Teoria do Risco Integral.

Cláusulas excludentes: a tendência da doutrina é no sentido de não aceitar as clássicas excludentes da responsabilidade. Assim ensina Camargo Mancuso:

Em tema de interesses difusos, o que conta é o dano produzido e a necessidade de uma integral reparação: se a cobertura vegetal das montanhas do Cubatão ficou danificada, as indústrias poluentes desse local devem arcar com a responsabilidade pela reposição do status quo ante, a partir da instalação de equipamentos que neu-tralizem a emissão dos resíduos tóxicos (SILVA, 1994, p. 215).

239Ensaio Jurídico sobre o Dano Nuclear no Direito Brasileiro

Não podemos deixar de mencionar que, havendo a ocorrência da pluralida-de de agentes poluidores, deve prevalecer entre eles o vínculo da solidariedade e da corresponsabilidade pelos danos ambientais.

3.1 A responsabilidade objetiva do Estado por dano ecológico

O princípio da responsabilidade objetiva, como vimos, está consagrado no § 3o, do Art. 225, da CF/88, e encontra apoio no Art. 37, § 6o, que atribui respon-sabilidade objetiva à administração ou às empresas prestadoras de serviços, que responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

3.2 Responsabilidade solidária da administração por danos ao meio ambiente

Como as atividades que possam causar danos estão todas sujeitas à fiscalização e ao controle do poder público, temos que refletir sobre a responsabilidade solidária da administração com o agente poluidor ou degradador ambiental.

A maioria dos atos degradadores do ambiente ou poluidores, além de pode-rem ser praticados pela administração e seus agentes, são ocasionados por parti-culares por meio de empreendimentos sujeitos à aprovação e ao licenciamento do poder público, ou por uso de produtos sujeitos a registro e controle deste, como agrotóxicos, ações voluntárias clandestinas dos particulares, acidentes ecológicos ou fatos da natureza. A jurisprudência tem se mantido com a tese de que somente a culpa grave, capaz de ser caracterizada como causa do ato danoso praticado por terceiro, empenha responsabilidade da administração. Esta é a opinião de Celso Bandeira de Mello, que leciona:

Só o exame concreto dos casos ocorrentes poderão indicar se o serviço funcionou abaixo do padrão a que estaria adstrito por lei. Donde, nos casos de omissão, o engajamento da responsabilidade estatal depende de que a falha seja dolosa ou cul-posa. Cumpre que o Estado, ante um caso de atendimento possível, por inerente ao serviço desidioso, imprudente ou imperito. (Disponível em: <http://www.geocities.com/sos_animal/legislacao/resposabilidadecivil.htm>).

Da mesma opinião é Dra. Helli Alves de Oliveira (OLIVEIRA, 1990, p. 48). Ela entende que ao exame do Art. 37, § 6o, podemos concluir que a Carta Magna não responsabilizou a administração por atos predatórios de terceiros, nem por fenômenos naturais que causem danos a particulares. Ela ensina que a responsabilidade da administração por danos ao meio ambiente pode ocorrer por ação, omissão ou em decorrência do poder de polícia. E que o Estado é responsável por suas ações predatórias como empreendedor. A omissão terá que ser examinada em cada caso, pois pode ser deflagradora primária por dano causado por terceiro ou a própria causa do dano.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011240

Entretanto, nos casos em que seja exigido o licenciamento da ativida-de, Toshio Mukai admite a responsabilidade solidária da administração pelo critério da Teoria Objetiva, desde que haja dano especial ao meio ambiente, afetando a comunidade. Mas, quando a degradação se dá por ato clandestino do degradador, não existe a responsabilidade da administração. No caso de acidente ecológico, a administração só deverá ser responsabilizada se ocorrer culpa grave. No caso de força maior, a administração não deve responder, mas, na hipótese de caso fortuito, este se coloca como risco do serviço.

A responsabilidade solidária da administração com terceiros é admitida, conforme já julgou o Supremo Tribunal Federal – ministro Moreira Alves, no recurso extraordinário (RE) no 85079, bem como no RE no 84328, pleno – que encampou a tese da responsabilidade solidária do dono da obra, mesmo sem cul-pa (MUKAI, 1992, p. 63).

Em tema de meio ambiente ficamos com um dos papas do direito ambien-tal, Paulo Leme Machado:

Para compelir, contudo, o Poder Público a ser prudente e cuidadoso no vigiar, orientar e ordenar a saúde ambiental nos casos que haja prejuízo para as pessoas, para a propriedade ou para os recursos naturais, mesmo com a observância dos padrões oficiais, o Poder Público deve responder solidariamente com o particular (...) (1991, p. 203).

Merece ser trazido à baila também o excelente magistério do ilustre doutor Clodoaldo Moreira dos Santos Junior em seu artigo sobre respon-sabilidade civil por danos causados ao meio ambiente, que aduz, com uma clareza meridiana, a posição da jurisprudência sobre o dano nuclear ter adotado o risco integral, verbo ad verbum:

5 - Responsabilidade pelo dano ambiental

A lei ambiental em seu artigo 4o, VII, prevê que a política nacional do meio am-biente visará:

VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou inde-nizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.

Mais uma vez fica demonstrado que a responsabilidade é daquele que prati-car ato contra o meio ambiente.

O Art. 14, § 1o, da Lei no 6.938/1981, preceitua que o poluidor é obrigado, independentemente de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros.

241Ensaio Jurídico sobre o Dano Nuclear no Direito Brasileiro

Podemos chegar à conclusão de que a responsabilidade da reparação é do poluidor, sendo esta objetiva, não dependendo de culpa e, quando atinge terceiros ou o meio ambiente, ele, também, será responsável objetivamente. A responsabilidade é solidária. Todo aquele que, direta ou indiretamente, causar dano ao meio ambiente responde solidariamente.

A Lei no 6.938/1981 adotou a Teoria do Risco Integral. Entrando, existe jurisprudência dizendo que não se admite em todos os casos esta teoria e sim somente nos danos nucleares.

Ainda no âmbito da responsabilidade solidária o Art. 3o, inciso IV, da lei supraci-tada, preceitua que o poluidor também será responsável pelos seus atos, senão vejamos:

Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: (...) IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.

Aquele que permite o dano também é considerado poluidor. Chegamos à conclusão de que o Estado pode ser poluidor – exemplo: agentes do Estado que permitem a poluição ambiental.

Mas o que é poluição?

Poluição é a degradação da atividade ambiental de que resulte direita ou indiretamente:

• prejuízo para a saúde, segurança e o bem estar do cidadão;

• condições adversas às atividades sociais e econômicas;

• afetação desfavorável a bio-regional (conjunto de seus animais e vegetais de uma região);

• afetação de condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

• lançamento de matéria ou energia em desacordo com os padrões am-bientais estabelecidos.1

3.3 Decreto no 911, de 3 de setembro de 1993 (mudança do paradigma)

E mesmo para os que possam questionar que o Art. 8o da Lei no 6.453/1977 não foi recepcionado pela CF/88, traz-se à colação o Decreto no 911, de 3 setembro de 1993. Portanto, posterior à Lei Maior, que: “promulga a Convenção de Viena sobre Responsabilidade Civil por Danos Nucleares, de 21/05/1963”, em que no Decreto no 911/1993, consoante a dicção do Art. 4o, item 3, de forma cristalina, corrobora com tudo com o que foi dito até agora, in verbis:

1. Disponível em: <http://www.praetorium.com.br/?section=artigos&id=139>.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011242

ARTIGO IV

1 - A responsabilidade do operador por danos nucleares, de conformidade com a presente Convenção, será objetiva.

(...)

3 - a) De conformidade com a presente Convenção, não acarretarão qualquer respon-sabilidade para o operador os danos nucleares causados por acidente nuclear devido diretamente a conflito armado, a hostilidades, a guerra civil ou a insurreição. b) Exceto na medida em que o Estado da Instalação dispuser em contrário, o operador será responsável pelos danos nucleares causados por acidente nuclear devido diretamen-te a uma catástrofe natural de caráter excepcional. (BRASIL, 1993, grifo nosso).

Vigência e eficácia do Decreto no 911/1993:2

BASE DA LEGISLAÇÃO FEDERAL DO BRASIL

DEC 911/1993 (DECRETO DO EXECUTIVO) 03/09/1993 00:00:00

Situação:

NÃO CONSTA REVOGAÇÃO EXPRESSA

Chefe de Governo: ITAMAR FRANCO

Origem: EXECUTIVO

Fonte:

D.O. 6/09/1993 P. 13238

Ementa:

PROMULGA A CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS NUCLEARES, DE 21/05/1963. - DECRETO LEGISLA-TIVO N. 93, DE 23/12/1992. - ITAMAR FRANCO.

Referenda: MRE. ATO INTERNACIONAL

4 A INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO DIREITO INTER-NO BRASILEIRO

Nesse passo, é de todo oportuno trazer o entendimento do ilustre Francisco Falconi que preleciona sobre a matéria, verbo ad verbum:

Incorporação dos tratados em geral

No atual regime jurídico brasileiro, os tratados em geral, para ingressarem na ordem jurídica interna, devem ser submetidos a um longo processo.

2. Disponível em: <http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/fraWeb?OpenFrameSet&Frame=frmWeb2&Src=%2Flegisla%2Flegislacao.nsf%2FViw_Identificacao%2FDEC%2520911-1993%3FOpenDocument%26AutoFramed>. Acesso em: 6 dez. 2007.

243Ensaio Jurídico sobre o Dano Nuclear no Direito Brasileiro

Desde o início de sua formação até a incorporação, são identificadas seis fases:

a) negociação;

b) assinatura;

c) mensagem ao Congresso;

d) aprovação parlamentar mediante decreto legislativo;

e) ratificação;

f ) promulgação do texto do tratado mediante decreto presidencial.

As duas primeiras fases (negociação e assinatura), por força do art. 84, inciso VIII, da CF, são de competência do Presidente da República. Contudo, em razão da possibilidade de delegação, quem as executa na prática são o Ministro das Relações Exteriores e os Chefes de Missões Diplomáticas.

Uma vez assinado, começa a fase interna de aprovação e execução do trata-do, por meio uma mensagem do Presidente ao Congresso Nacional. Essa mensagem é um ato político em que são remetidos a justificativa e o inteiro teor do trata-do. Recebida a mensagem,  formaliza-se a procedimento  legislativo de aprovação. Iniciando-se na Câmara dos Deputados (tal como os projetos de lei de iniciativa do Presidente da República) e terminando no Senado, esse procedimento parla-mentar visa à edição de um decreto legislativo, cuja promulgação é deflagrada pelo Presidente do Senado.

Conforme ensina Francisco Rezek, “o decreto legislativo exprime unicamente a aprovação”, razão pela qual ele não é promulgando na hipótese de rejeição legisla-tiva ao tratado. Nesse caso, como bem registra aquele jurista, “cabe apenas a comu-nicação, mediante mensagem, ao Presidente da República”. (REZEK, Francisco. Parlamento e tratados: o modelo constitucional do Brasil. Revista de Informação Legislativa, v. 41, n. 162, abr./jun. 2004).

Caso obtida a aprovação do Congresso, o decreto-legislativo será remetido ao Presi-dente da República para a ratificação. Contudo, uma vez ratificados, os tratados em geral ainda não surtem efeitos, quer na ordem interna, quer na ordem internacional.

(...)

Para produzir efeitos na ordem interna, deve ocorrer a promulgação de Decreto do Poder Executivo (ato com força de lei) pelo Presidente. Segundo o Ministro Celso de Mello do STF, a edição desse ato presidencial acarreta três efeitos: a) promulgação do tratado; b) publicação oficial de seu texto; c) executoriedade do ato internacional que passa então a “vincular e obrigar no plano no plano do direito positivo interno”, tal como uma lei ordinária (STF, ADI no 1.480-3/DF, DJ 18/05/2001).

Por fim, cabem aqui duas observações:

tratados em geral não podem versar sobre temas afetos à lei complementar, pois possuem força de leis ordinárias (STF, ADI no 1.480-3/DF, DJ 18/05/2001);

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011244

tratados revogam leis ordinárias anteriores; porém, esses diplomas internacionais não são revogados por leis posteriores. Estas últimas apenas afastam sua aplicação enquanto vigorarem. Caso revogada a lei posterior incompatível, o tratado volta a produzir efeitos. (FALCONI, 2008, grifos nossos).

5 DIREITO COMPARADO SOBRE A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL OBJETIVA

Em se tratando do direito comparado, vem ao encontro dos argumentos defendi-dos neste artigo o Decreto-Lei no 147/2008 de Portugal, segundo o comando in-serto no Art. 2o, item 2, que estabelece o regime jurídico da responsabilidade por danos ambientais e transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva no 2004/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro, ad litteram:

Artigo 2o

Âmbito de aplicação

1. O presente decreto-lei aplica-se aos danos ambientais, bem como às ameaças iminentes desses danos, causados em resultado do exercício de uma qualquer actividade desenvolvida no âmbito de uma actividade económica, independen-temente do seu carácter público ou privado, lucrativo ou não, abreviadamente designada por actividade ocupacional.

2. O capítulo iii não se aplica a danos ambientais, nem ameaças iminentes desses danos:

a) Causados por qualquer dos seguintes actos e actividades:

I. Actos de conflito armado, hostilidades, guerra civil ou insurreição;

II. Fenómenos naturais de carácter totalmente excepcional imprevisível ou que, ainda que previstos, sejam inevitáveis;

III. Actividades cujo principal objectivo resida na defesa nacional ou na se-gurança internacional;

IV. As actividades cujo único objectivo resida na protecção contra catástrofes naturais;

b) Que resultem de incidentes relativamente aos quais a responsabilidade seja abrangida pelo âmbito de aplicação de alguma das convenções internacionais, na sua actual redacção, enumeradas no anexo i ao presente decreto-lei e do qual faz parte integrante;

c) Decorrentes de riscos nucleares ou causados pelas actividades abrangidas pelo Tratado Que Institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica ou por in-cidentes ou actividades relativamente aos quais a responsabilidade ou compen-sação seja abrangida pelo âmbito de algum dos instrumentos internacionais enumerados no anexo ii ao presente decreto-lei e do qual faz parte integrante. (LISBOA, 2008, grifos nossos).

245Ensaio Jurídico sobre o Dano Nuclear no Direito Brasileiro

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, em relação à responsabilidade civil dos danos nucleares não foi adotada a Teoria do Risco Integral como até hoje se pensava na sociedade. Afirma-se, com certeza, que foi adotada a Teoria da Responsabilidade Obje-tiva e mais tecnicamente a Teoria do Risco Administrativo, que aceita exclu-dentes de responsabilidade.

Quem defende que o ordenamento jurídico brasileiro adotou a Teoria do Risco Administrativo deve aceitar excludente de responsabilidade, pois a Teoria do Risco Integral não admite excludente. Porém, há autores que defendem a teo-ria deste risco com excludente. Entretanto, isto não é possível, pois se for esta for admitida, será risco administrativo e não risco integral.

Este breve ensaio não tem o objetivo principal de dar a palavra final sobre o tema, apenas foi trazido um ângulo diferente de enxergar um assunto tão im-portante e atual, para ser mais estudado e discutido por todos os interessados em aprofundar a matéria aqui debatida.

REFERÊNCIAS

ATHIAS, J. A. N. Responsabilidade civil e meio ambiente: breve panorama do direito brasileiro. In: BENJAMIN, A. H. V. (Coord.). Dano ambiental, pre-venção, reparação e repressão. São Paulo, Revista Editora dos Tribunais, 1993. p. 237-249 (Biblioteca de Direito Ambiental, v. 2).

BRASIL. Presidência da República. Decreto no 911, de 3 de setembro de 1993. Promulga a Convenção de Viena sobre Responsabilidade Civil por Danos Nucle-ares, de 21/05/1963. Brasília, 3 set. 1993. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto/1990-1994/D0911.htm>.

______. Presidência da República. Emenda Constitucional no 49, de 8 de feve-reiro de 2006. Altera a redação da alínea b e acrescenta alínea c ao inciso XXIII do caput do art. 21 e altera a redação do inciso V do caput do art. 177 da Consti-tuição Federal para excluir do monopólio da União a produção, a comercialização e a utilização de radioisótopos de meia-vida curta, para usos médicos, agrícolas e industriais. Brasília, 8 fev. 2006.

CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. Disponível em: <http://www.estacio.br/graduacao/direito/revis-ta/revista2/artigo4.htm>. Acesso em: 4 abr. 2007.

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 37 | jul./dez. 2011246

DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

FALCONI, F. A incorporação dos tratados internacionais no direito inter-no brasileiro, 27 jul. 2008. Disponível em: <http://franciscofalconi.wordpress.com/2008/07/>. Acesso em: 19 ago. 2011.

FIORILLO, C. A. P. Curso de direito ambiental brasileiro. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2006.

FREITAS, J. Responsabilidade civil do Estado. São Paulo: Malheiros, 2006.

GASPARINI, D. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2006.

GONÇALVES, D. M.; PIRES, V. P. K. Responsabilidade civil do Estado: síntese evolutiva do tema no direito positivo brasileiro. Revista Jus Vigilantibus, sába-do, 31 mar. 2007. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/24149>.

LISBOA. Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa. Decreto-Lei no 147/2008, de 29 de Julho. Estabelece o regime jurídico da responsabilidade por danos ambientais e transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva no 2004/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Outubro, que aprovou, com base no princípio do poluidor-pagador, o regime relativo à responsabili-dade ambiental aplicável à prevenção e reparação dos danos ambientais, com a alteração que lhe foi introduzida pela Directiva no 2006/21/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à gestão de resíduos da indústria extractiva. Lisboa, 29 jul. 2008. Disponível em: <http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/leis/lei_mostra_articulado.php?artigo_id=1061A0005&nid=1061&tabela=leis&pagina=1&ficha=1&nversao=#artigo>.

MACHADO, P. A. L. Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.

MEDAUAR, O. Direito administrativo moderno. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

MEIRELLES, H. L. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2004.

MUKAI, T. Direito ambiental sistematizado. São Paulo: Forense Universitária, 1992.

OLIVEIRA, H. A. Da responsabilidade do Estado por danos ambientais. Rio de Janeiro: Forense, 1990.

247Ensaio Jurídico sobre o Dano Nuclear no Direito Brasileiro

OLIVEIRA, R. H. P. Entidades prestadoras de serviços públicos e responsabi-lidade extracontratual. São Paulo: Atlas, 2003.

SILVA, J. A. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 1994.

Originais submetidos em setembro de 2009. Última versão recebida em setembro 2010. Aprovado em setembro de 2010.

COLABORADORES

Para os dois números da PPP, em 2011, a editoria da revista contou com a colabo-ração de conjunto importante de pareceristas de diferentes instituições e regiões brasileiras. Agradecemos a cada um da listagem a seguir, pois desta colaboração generosa dependem a melhoria contínua da qualidade e a pontualidade da PPP.

Adelar Fochezatto (PUC/RS)

Albino Rodrigues Alvarez (Ipea)

Alexandre de Avila Gomide (Ipea)

Alexandre dos Santos Cunha (Ipea)

Ana Amélia Camarano (Ipea)

Anete Brito Leal Ivo (UFBA)

Angelo José Mont’Alverne Duarte (Ministério da Fazenda)

Antenor Lopes de Jesus Filho (Ipea)

Antonio Carlos Campino (USP)

Bruno de Oliveira Cruz (Ipea)

Bruno Milanez (UFJF)

Carlos Alvares da Silva Campos Neto (Ipea)

Carlos Wagner de Albuquerque Oliveira (Ipea)

Cesar Costa Alves de Mattos (Cade)

Constantino Cronemberger Mendes (Ipea)

Cristiane Benedetto (SPU)

Daniel Ricardo do Castro Cerqueira (Ipea)

Danilo Santa Cruz Coelho (Ipea)

Divonzir Arthur Gusso (Ipea)

Edison Benedito da Silva Filho (Ipea)

Elizabeth Farina (USP)

Élson Luciano Silva Pires (UNESP)

Fabiano Mezadre Pompermayer (Ipea)

Fabio Waltenberg (UFF)

Glayds Rocha (UFMG)

Gustavo Luedemamn (Ipea)

Helena Barreto Salva (Lincoln Institute)

Igor Ferraz da Fonseca (Ipea)

Isabel Mendes de Faria Marques (CNI)

Jó Bezerra de Sales (IDESP)

João Carlos Ramos Magalhães (Ipea)

João Damásio de Oliveira Filho (Ipea)

João Paulo Viana (Ipea)

Joao Rogério Sanson (UFSC)

Jorge Hargrave Gonçalves da Silva (Ipea)

José Aroudo Mota (Ipea)

Leila Posenato Garcia (Ipea)

Leonardo Monteiro Monasterio (Ipea)

Liana Maria da Frota Carleial (Ipea)

Lucia Helena Salgado e Silva (Ipea)

Luiz Fernando Tironi (Ipea)

Luiz Ricardo Mattos Teixeira Cavalcante (Ipea)

Magno Batista Silva (UFPB)

Manoel Alexandre Manoel Angelo da Silva (Ipea)

Mansueto de Almeida Júnior (Ipea)

Marcelo de Oliveira Passos (UFPel)

Marcos José Mendes (Senado Federal)

Maria Luisa Marques Dias (Ipardes)

Martim Smolka (Lincoln Institute)

Mauro Salvo (BCB)

Miguel Matteo (Ipea)

Olívio Armando Cordeiro Júnior (TCU)

Paulo Augusto Meyer Nascimento (Ipea)

Paulo de Martino Jannuzzi (CNPq)

Paulo Ricardo Opuszka (FAE)

Pedro Henrique Melo Albuquerque (Ipea)

Renato Nunes Balbim (Ipea)

Ricardo Kozak (Projepro)

Roberto Arico Zamboni (Ipea)

Roberto Merrill (UMinho)

Roberto Passos Nogueira (Ipea)

Rogério Boueri Miranda (Ipea)

Sergei Suarez Dillon Soares (Ipea)

Sergio Wulff Gobetti (Ipea)

Stefano Florissi (UFRGS)

Suzana Pasternak (USP)

Tatiane Almeida de Menezes (Pimes)

Waldery Rodrigues Junior (Ipea)

Walter Belik (UNICAMP)

Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

Editorial

CoordenaçãoCláudio Passos de Oliveira

Njobs Comunicação

SupervisãoCida Taboza Fábio Oki Inara VieiraThayse Lamera

RevisãoÂngela de OliveiraCristiana de Sousa da SilvaLizandra Deusdará FelipeRegina Marta de Aguiar

EditoraçãoAnderson ReisCélio SilvaDanilo Tavares

CapaFábio Oki

LivrariaSBS – Quadra 1 − Bloco J − Ed. BNDES, Térreo 70076-900 − Brasília – DFTel.: (61) 3315 5336Correio eletrônico: [email protected]

NORMAS AOS COLABORADORES DE PLANEJAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

1. Os artigos enviados para seleção devem ser inéditos. A remessa do artigo à revista implica autorização para a

sua publicação pelo autor.

2. Os trabalhos podem ser submetidos em português, inglês, francês ou espanhol. Aceitam-se, eventualmente,

artigos traduzidos já publicados em outro idioma que, pela sua relevância, mereçam divulgação em português.

3. A revista reserva-se o direito de recusar trabalhos submetidos para publicação conforme a avaliação de seus

pareceristas. Todos os trabalhos submetidos serão julgados por dois pareceristas ad hoc, no processo de

avaliação double-blind. Caso haja divergência entre os dois primeiros pareceristas, o artigo será encaminhado

para um terceiro parecerista.

4. No caso dos artigos selecionados para publicação, os autores deverão enviar uma versão deles editada em

Word – 2003 ou anterior. Os artigos podem ser enviados por e-mail <[email protected]> ou pelo site da revista

<www.ipea.gov.br>.

5. Cada artigo deverá conter um resumo de cerca de 150 (cento e cinquenta) palavras, o qual propicie uma visão

global e antecipada do assunto tratado. O resumo, bem como o título do artigo, deve ser enviado em 4 (quatro)

idiomas: português, inglês,espanhol e francês. Cada resumo deve conter até 5 (cinco) palavras-chave.

6. As fórmulas matemáticas devem ser claras e insertas no próprio texto: jamais podem dar margem à dupla

interpretação. Se as deduções de fórmulas forem abreviadas, o autor deverá apresentar a derivação completa

em um anexo, o qual não será publicado.

7. Diretrizes gerais para formatação dos artigos:

7.1 Antes do título, devem constar as informações sobre o autor: nome completo, instituição na qual está vinculado, endereço

eletrônico e endereço para correspondência. O autor deverá informar até 5 (cinco) códigos no sistema de classificação do

Journal of Economic Literature (JEL) – disponível no site <http://www.aeaweb.org/journal/jel_class_system.php>.

7.2 Os artigos não devem exceder 30 (trinta) páginas, em texto digitado em formato A4 (29,7 x 21 cm), espaço simples,

letras Times New Roman, corpo 12, margens superior e esquerda com 3 cm e inferior e direita com 2 cm, justificado.

7.3 Gráficos de dados devem ser editados em Microsoft Excel, versão 7.0 ou anterior. No caso de gráficos, pode-se fazer a

edição também em Corel Draw. Mapas e gravuras deverão vir em arquivo separado, com extensão CDR, BMP,

TIF, JPG e EPS, para possibilitar leitura magnética – obs.: não utilizar cores.

7.4 As notas devem aparecer no fim da página, numeradas sequencialmente.

7.5 O artigo deve seguir as normas estabelecidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), NBR-6023.

7.6 As indicações bibliográficas no texto devem obedecer, por exemplo, à forma (BARAT, 1978) e, se for o caso,

acrescidas de referência ao número da página citada: (BARAT, 1978, p. 15). A referência completa deverá ser

apresentada no fim do artigo, em ordem alfabética, com: no caso de livros – autor(es), título completo do livro,

nome e número da série ou coleção (se houver), edição, local, editora e ano de publicação; e no caso de artigos

de periódicos – autor(es), título completo do artigo, título completo do periódico, local, número e volume,

número de páginas, mês e ano de publicação.

Missão do IpeaProduzir, articular e disseminar conhecimento para aperfeiçoar as políticas públicas e contribuir para o planejamento do desenvolvimento brasileiro.

C

M

Y

CM

MY

CY

CMY

K

Planejamento e Políticas Públicas – n. 37_MIN.pdf 1 11/11/2011 14:16:05