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360 edIçÃO 04 • deZeMBRO de 2016 Capital estrangeiro traz desafios para a gestão da saúde Gil Giardelli fala sobre o papel dos gestores e a era digital Modelos de remuneração: um debate necessário

Transcript of 360...Gil Giardelli fala sobre o papel dos gestores e a era digital Modelos de remuneração: um...

  • 360edIçÃO 04 • deZeMBRO de 2016

    Capital estrangeiro traz desafios para a gestão da saúde

    Gil Giardelli fala sobre o papel dos gestores e a era digital

    Modelos de remuneração: um debate necessário

  • edITORIAL

    O prefeito eleito da cidade de São Paulo, João Dória, desde o início da sua campanha sinalizou que pretende buscar par-cerias com a iniciativa privada para melhorar o atendimento à saúde da população. Será uma ótima oportunidade para a maior cidade do país dar o exemplo para outros municípios. Saúde é uma área que exige planejamento e, acima de tudo, uma excelente gestão. Neste ponto, a iniciativa privada pode e deve cooperar com a saúde pública. Mas a ideia não pode se limitar à utilização dos serviços somente para a prestação de atendimento e consequente diminuição de filas. Precisa-mos criar redes assistenciais que se responsabilizem, efeti-vamente, por todos os cuidados, dos primários aos terciá-rios. Redes autônomas, de preferência, e que tenham mais facilidade na contratação de profissionais.

    Além disso, um bom sistema de informação, que integre toda esta rede, é quesito fundamental. Seja por meio de um cartão ou pelo armazenamento do histórico clínico dos pacientes em nuvem, o importante é que a iniciativa agilize consultas, tratamentos e ajude no combate ao desperdício, evitando a duplicidade de exames, por exemplo. Ao contrá-rio da tecnologia médica, que, em geral, encarece os custos, esse tipo de incorporação ajudará a baratear a assistência.

    A saúde como

    prioridadeÉ um investimento que precisa ser feito, e encarado pelos gestores públicos como um ganho para a qualidade e para a eficiência da saúde.

    O ministro da Saúde, Ricardo Barros, tem anunciado que a prioridade de sua pasta é, justamente, a integração dos sistemas. Tem falado ainda que os repasses de recursos aos municípios ficarão vinculados ao feedback de informações. A ideia do ministério é que o país se integre num prazo de dez anos. São Paulo – cidade e Estado – têm tudo para saí-rem na frente, já que contam agora com governos alinhados em propostas e ideais.

    Há outras necessidades, como o desenvolvimento de campanhas permanentes de educação em saúde nas esco-las, de prevenção de doenças, de combate ao Aedes aegypti, de treinamento multiprofissional. Nenhuma delas propõe a “reinvenção da roda”. Para realmente melhorar os indicado-res e tirar de uma vez por todas a saúde da lista de preo-cupação dos brasileiros, será preciso antes de tudo quebrar paradigmas, sejam eles ideológicos ou corporativistas.

    Yussif Ali Mere JrPresidente

  • ÍNDICELíderes da saúde e autoridades opinam sobre a revista

    Veja os principais acontecimentos do setor na seção de notas

    Manual do IEPAS auxilia na negociação com operadoras

    Modelos de remuneração: um debate necessário para a sustentabilidade do setor

    Entrevista exclusiva com o especia-lista em cultura digital Gil Giardelli

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    Capital estrangeiro traz desafios para a gestão da saúde no Brasil

    CAPA 16

    A importância dos indicadores para a qualidade dos prestadores de serviços

    Preocupação financeira pode afetar o desempenho do funcionário

    Daniela Camarinha fala sobre o marketing e a saúde das organizações

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  • PAINeL dO LeITOR ONLINe

    Confira na edição digital os conteúdos exclusivos da

    Revista FEHOESP 360 em seu smartphone,

    tablet ou computador.

    Trabalho interessanteA Revista FEHOESP 360 é interessante, com conteúdo atra-tivo. Parabenizo pelo trabalho e desejo sucesso à publica-ção e à equipe.

    Transparência com qualidade A segurança do paciente tem sido uma preocupação dos hospitais no mundo todo. Não é uma tendência apenas bra-sileira. Daí a importância da reportagem de capa da Revista FEHOESP 360 nº 2, que abordou o tema de maneira trans-parente e elucidativa. Parabéns à diretoria, que aposta em comunicação de qualidade para transformar o setor.

    AdRIANA GALvÃO de MOuRA ABíLIO, presidenTe da Comissão de diversidade sexual da oaB-sp

    FeRNANdO ANTONIO BOIGues, presidenTe do sindiCaTo dos HospiTais, ClíniCas e Casas de saúde

    do muniCípio do rio de Janeiro (sindHrio)

    360

    CAPA

    Veja os vídeos dos melhores momentos das palestras do 1º Fórum Conecta Saúde e a galeria de fotos do evento.

    REMUNERAçÃO

    Conheça mais sobre os projetos de modelos de

    assistência e remuneração propostos pela ANS e leia o artigo do presidente da

    FEHOESP publicado na revista Harvard Business

    Review sobre o tema.

    IniciativaParabenizo a Federação dos Hospitais, Clínicas e Laborató-rios do Estado de São Paulo pela Revista FEHOESP 360. Gostei da iniciativa de ter uma seção de entrevistas.

    JANuARIO MONTONe, ex-seCreTário muniCipal de saúde de são paulo

  • Francisco Balestrin esteve no 40º Congresso da IHF, na África do Sul

    NOTAs

    Plataforma vai apoiar Judiciário nas ações de saúde

    O ministro da Saúde, Ricardo Barros, participou de um en-contro com empresários da cadeia produtiva do setor, dia 4 de novembro, na sede da Federação das Indústrias do Esta-do de São Paulo (Fiesp).

    Na reunião, ele fez um balanço das ações dos seus cem dias de gestão e traçou perspectivas para 2017. Afirmou que serão investidos no próximo ano R$ 6 bilhões no complexo industrial da saúde, a partir de uma nova política de plata-formas inteligentes e tecnologia.

    Há a previsão também de investimentos em três novas fábricas para a área de biológicos, que consome atualmente 51% da verba destinada à compra de medicamentos da pas-ta. “Precisamos reorganizar e tornar os laboratórios públicos mais competitivos e sustentáveis. Isso tem que ser equilibra-do e equacionado”, declarou Barros.

    Ministro reúne-se com empresários do setor

    O Brasil terá uma representatividade importante na saúde mundial no ano que vem. O presidente do Conselho de Ad-ministração da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), Francisco Balestrin, inicia seu mandato como pre-sidente designado da International Hospital Federation (IHF) em novembro de 2017. A IHF congrega mais de 50 mil hos-pitais e estabelecimentos de saúde de mais de cem países.

    De acordo com Balestrin, que esteve no 40º Congresso Internacional dos Hospitais da IHF, realizado em Durban, na África do Sul, de 31 de outubro a 3 de novembro, o modelo de gestão adotado pela entidade internacional equaliza in-teresses e, como prioridade absoluta, privilegia os objetivos e valores institucionais. "As instituições de referência no Bra-sil são fortemente respeitadas no exterior. Essa aproximação com a comunidade internacional coloca o país, definitiva-mente, no circuito mundial de hospitais."

    Presidente do Conselho da Anahp assume IHF em 2017

    Ricardo Barros prometeu R$ 6 bi para a indústria da saúde

    O Hospital Sírio-Libanês (HSL), em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o governo federal, vai criar uma plataforma online com pareceres técnicos sobre os produ-tos de saúde. De qualquer lugar do país, os magistrados poderão consultá-la antes de tomar decisões. “É um pas-so importante. Essa base de dados pode ajudar a reduzir o número de decisões judiciais em total dissonância com as evidências científicas da medicina. Todos perdem quando isso acontece”, afirmou a ministra Cármen Lúcia, presidente

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    ção

    do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, no evento que firmou o acordo entre as instituições, em 7 de novembro, em São Paulo.

    Pelo Termo de Cooperação Técnica firmado, os tribunais ou Núcleos de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NAT-JUS) vão ter à disposição o suporte técnico-científico dos Núcleos de Avaliação de Tecnologia em Saúde (Nats) para a produ-ção de notas técnicas que possam aperfeiçoar o julgamento das demandas judiciais.

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  • José Carlos Barbério, presidente do IEPAS

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    LeGIsLAçÃO

    Fornecer informações detalhadas e orientações para que os prestadores de serviços possam negociar melhor seus contratos com as operadoras de planos de saúde. Esse é o objetivo do manual para ajustamento de acordos que aca-ba de ser lançado pelo Instituto de Ensino e Pesquisa na Área da Saúde (IEPAS).

    Produzida com o apoio da FEHOESP e de seus sindicatos filiados, a publicação aborda aspectos da lei 13.003/2014, que define como devem ser firmados os contratos em ca-sos específicos.

    A partir da lei, a Agência Nacional de Saúde Suplemen-tar (ANS) passou a ter a atribuição de estabelecer um índi-ce quando a forma de reajuste prevista no acordo entre as partes for a livre negociação e já não houver outro índice previamente acertado. Essa negociação deve ocorrer sem-pre nos três primeiros meses do ano - de janeiro a março.

    O presidente do IEPAS, José Carlos Barbério, explica a importância da iniciativa. “Já se fazia necessário reunir em um manual informações para a compreensão detalhada da lei 13.003, cuja finalidade foi a de resolver problemas de contratualização, estabelecendo compromissos entre pla-nos de saúde e prestadores de serviços.”

    “Cada vez mais, operadoras e prestadores de serviços arcam com os custos causados pela desconfiança estabe-lecida entre as partes. A maioria dos problemas detectados nesta relação comercial deve-se ao conflito de interesses, já que aquilo que gera receita para uns, representa custos para outros”, lembra Yussif Ali Mere Jr, presidente da FEHOESP.

    Além da legislação na íntegra e seus comentários, o ma-nual traz também resoluções e instruções normativas da ANS, que complementam o entendimento sobre o tema, como forma de municiar o prestador de serviços na hora da negociação. Também há uma seção com orientações gerais e passo a passo de como conduzir uma negociação, assim como um roteiro de cláusulas que devem ser aplicadas nos instrumentos jurídicos firmados com as operadoras.

    O trabalho está disponível de forma exclusiva para empresas sócias e contribuintes dos sindicatos filiados à FEHOESP em todo o Estado, e foi realizado em conjunto entre os departamentos de Assistência à Saúde, Jurídico e Comunicação da Federação.

    Um aliado na contratualização

    Fator de Qualidade

    O manual para ajustamento de contratos produzido pelo IEPAS destaca também em seu conteúdo as instruções nor-mativas que tratam do chamado Fator de Qualidade.

    Nos casos definidos pela lei 13.003, caso não haja acordo entre as partes por escrito sobre o reajuste contratual nos primeiros três meses do ano, os prestadores de serviços po-derão valer-se de um índice mínimo determinado pela ANS, que é definido por critérios de qualidade.

    Com isso, o Fator de Qualidade é aplicado em faixas que variam entre 105%, 100% e 85% do Índice de Preços ao Con-sumidor Amplo (IPCA). Quanto maior a qualificação do ser-viço de saúde, maior será o índice que pode ser utilizado nas negociações. (Por Ricardo Balego)

  • ReMuNeRAçÃO

    Debate necessário

    meta de atender bem seus pacientes e fe-char as contas no azul é uma unanimidade entre profissionais e empresas de saúde. Mas quando o assunto é a maneira como todo esse trabalho será remunerado, a situação é bem diferente. Definir os modelos de remuneração mais ade-quados para aprimorar a saúde suplementar no Brasil e torná-la sustentável têm sido alguns dos maiores desafios do setor.

    Como cada componente do sistema tem ca-racterísticas e necessidades específicas, líderes e especialistas ainda se debruçam sobre análises e estudos na tentativa de encontrar um modelo, ou vários, que possam ser introduzidos por aqui para promover a evolução do sistema.

    Algumas iniciativas, porém, têm chamado a atenção, como é o caso dos projetos-piloto On-

    Vitais para a sustentabilidade do setor, modelos de remuneração são discutidos em GT e em projetos-piloto

    APor ELENI TRINdAdE

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    coRede, Parto Adequado, Idoso Bem Cuidado e Sorrir, criados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A proposta desses programas é formatar modelos de assistência para o trata-mento do câncer, maternidade e parto, saúde do idoso e odontologia, respectivamente. Como essas áreas são consideradas prioritárias, os pro-jetos criam ações e propostas para a melhoria do atendimento ao paciente e para a remuneração desses segmentos específicos.

    “Os projetos-piloto apontam para a necessi-dade de mudanças no sistema de cuidado em saúde, que produzam melhores resultados as-sistenciais e econômico-financeiros e que sejam capazes de garantir a qualidade dos serviços e a sustentabilidade da saúde suplementar”, afirma Martha de Oliveira, diretora de Desenvolvimento Setorial da ANS. “Estão alinhados com a reorga-nização da prestação dos serviços de saúde e a adoção de novos modelos de pagamento dos prestadores, que tenham o usuário como centro das ações, ao invés de focar no pagamento por volume de procedimentos ou serviços”, completa.

    No projeto OncoRede (Reorganização da Rede de Atenção Oncológica na Saúde Suplementar), uma das questões primordiais, segundo a agên-cia, é conciliar qualidade e custos do tratamen-to do câncer, que envolve introdução de novas drogas, tecnologia e gastos pós-tratamento pro-venientes de eventuais incapacidades por causa da doença. Entre seus pilares estão o cuidado centrado no paciente, diagnóstico precoce, moni-toramento de resultados e proposta de modelos diferenciados de remuneração para dar suporte a essa nova lógica de cuidado.

    Já o Idoso Bem Cuidado, projeto criado para, de acordo com a ANS, induzir a melhora na qua-lidade na prestação de serviços, pretende imple-mentar um modelo de cuidado mais organizado e eficiente para o idoso e para o sistema de saúde, e também adotar modelos de remuneração alter-nativos ou complementares ao que é atualmen-te utilizado, fee for service (FFS), para que sejam capazes de romper com a sucessão de consultas fragmentadas e descontextualizadas da realidade da terceira idade.

    No caso do Parto Adequado, a proposta é me-lhorar a atenção obstétrica, com a adoção de um novo modelo de atenção ao parto e nascimento,

    e reduzir o número de cesáreas desnecessárias no país. O programa conta com participação de 35 hospitais, mas deve ampliar o número para 150 nos próximos dois anos para discutir melho-res modelos de atenção e de remuneração.

    Redução de custos, uso de protocolos clínicos e bonificação em indicadores de qualidade são alguns dos destaques do Projeto Sorrir, lançado pela agência para implementar um modelo de cuidado mais qualificado, focado na prevenção e na valorização das boas práticas para profis-sionais credenciados às operadoras de planos odontológicos, com a possibilidade de remune-ração vinculada à adoção dos protocolos clínicos definidos no projeto (Leia mais detalhes sobre os projetos-piloto na versão digital da Revista FEHOESP 360).

    Paralelamente a esses programas lançados para atender áreas prioritárias, a ANS criou um Grupo Técnico (GT) de Remuneração para debater novos modelos para o sistema de saúde como um todo, que conta com a participação da FEHOESP. Já houve uma tentativa de montar um grupo em 2013, mas não avançou por falta de participação. As discussões promovidas pelo GT atual até ago-ra indicam que é necessária, o quanto antes, uma transição do modelo FFS para outro tipo de re-muneração que compartilhe os riscos entre pres-tadores e operadoras, já que os gastos do setor estão aumentando para atender à demanda por melhoria da qualidade e também em função do envelhecimento da população.

    Embora no FFS tenha-se a impressão de que quanto mais se usam os serviços, mais se rece-

    Diretora de Desenvolvimento Setorial da ANS, Martha Oliveira

    Div

    ulga

    ção

  • be, Danilo Bernik, gerente do departamento de Assistência à Saúde da FEHOESP, ressalta que é preciso lembrar que a grande utilização significa mais despesas a serem pagas. “A discussão sobre modelos de remuneração é urgente, mas é preci-so pensar também no modelo assistencial, pois somente conhecendo o que será feito, com base em que resultados, é que poderemos saber a for-ma adequada de remuneração e quanto vai ser pago.” Para ele, embora se fale muito na adoção do modelo de remuneração DRG (grupo de diag-nósticos relacionados), que é bastante complexo por envolver dados, indicadores e gerenciamento de custos, ele pode vir a não ser o mais adequa-do. "Talvez, tenha que ser adaptado para a reali-dade brasileira."

    Na opinião da Associação Brasileira de Medi-cina de Grupo (Abramge), de fato o DRG tem se mostrado como uma das alternativas mais viá-veis. Em nota, a entidade afirma “ser importante a saúde suplementar investir na adoção de novos modelos de gestão e remuneração mais eficientes por meio de novos padrões, como, o DRG”. Para a instituição, essa metodologia, que é baseada em informações coletadas após a internação dos pa-cientes para a criação de pacotes ou produtos de saúde, traz ganhos como “a comparação entre a assistência realizada por diferentes prestadores, facilitando as medições de desempenho e a ges-tão, além da padronização do tratamento, o que aumentaria a qualidade assistencial e reduziria as intercorrências hospitalares”.

    Qualidade e transparência

    De acordo com Martha Oliveira, que também co-ordena o GT de Remuneração, outro fator a ser analisado nessa discussão é a qualidade na pres-tação dos serviços de saúde. “O modelo vigente no Brasil (o FFS) remunera quantidade de serviços produzidos e estimula a competição por clientes e por realização de procedimentos. Esse pagamen-to por volume não prioriza medidas de qualidade na saúde suplementar. Para mudar o atual cená-rio, diferentes modelos de remuneração precisam ser implementados, o que contribuirá para a mu-dança do modelo assistencial”, acredita a diretora.

    Em meio às análises do GT da ANS, o case da Unimed-BH - operadora que criou uma espécie de certificação própria para os prestadores com os quais trabalha -, foi discutido. A ação tem como foco, segundo a empresa, estimular e envolver os prestadores na discussão sobre qualidade. “Não restam dúvidas sobre a melhoria dos processos gerenciais com impacto direto nos resultados as-sistenciais em nossa rede certificada”, afirma Ser-gio Adriano Loureiro Bersan, superintendente de Provimento de Saúde da Unimed-BH.

    Embora a discussão sobre qualidade seja um dos tópicos mais importantes do GT, esse traba-lho já está sendo feito há algum tempo por meio de outros mecanismos da própria ANS. Essa é a opinião de César Abicalaffe, médico e consultor em saúde. Para ele, a agência reguladora já vem induzindo de forma indireta há alguns anos a introdução de novos modelos, mesmo antes da criação do atual grupo técnico. “Com o Fator de Qualidade (RN 364/2014), haverá um estímu-lo para os prestadores adotarem práticas que melhorem seus processos e resultados na assis-tência, como buscar acreditação ou melhor for-mação de sua equipe. Outro estímulo claro é o Qualiss (RN 405/2016), em que os prestadores, de forma voluntária, poderão participar do progra-ma divulgando indicadores de qualidade de seus serviços e o hospital participante terá vantagens quanto ao Fator de Qualidade”, exemplifica.

    Segundo o consultor, o contexto atual de bus-ca por um modelo mais efetivo também fomenta um estímulo para que o mercado opte por paga-mentos por performance (P4P), em que há incen-tivos para oferecer serviços de melhor qualidade aos beneficiários. “Várias formas de remuneração utilizando P4P podem ser adaptadas ao Brasil. A forma mais simples seria associar o tradicional modelo FFS ao P4P, onde se paga aos prestadores os valores das tabelas tradicionais acrescentando um percentual em função do desempenho ou per-formance”, explica. Abicalaffe ressalta, porém, que não é recomendado que o valor adicional seja vin-culado ao procedimento, mas, sim, que seja pago ao fim de um período de monitoramento.

    Ao mesmo tempo em que reconhece a ne-cessidade de se pensar em novos modelos de remuneração, uma vez que a Associação Paulista de Medicina (APM) acompanha os trabalhos em

    ReMuNeRAçÃO

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  • Cesar Abicalaffe, consultor da área da saúde

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    andamento sobre o tema, o presidente da enti-dade, Florisval Meinão, destaca que o processo de discussão, e de decisão, precisa ser claro para que todos os lados sejam contemplados, inclu-sive o dos médicos. “Compreendemos a necessi-dade de buscar um mecanismo que não estimule o gasto excessivo e a realização de procedimen-tos desnecessários, mas em tentativas anteriores houve redução dos pagamentos médicos e não podemos concordar com isso, pois médico é o elo mais frágil nessa cadeia.” Para ele, mesmo com a entrada em vigor da lei 13.003, que trou-xe regras mais claras de reajustes para contratos, os honorários continuam aviltados, pois o máxi-mo de reajuste praticado hoje é de 20% do IPCA. “Por isso, defendemos que é preciso continuar pagando pelo serviço. A transparência é neces-sária para que todos tenham mais confiabilidade nos seus interlocutores, uma vez que, se de um lado as empresas acham que ‘os médicos solici-

    tam procedimentos em excesso’, do outro lado os profissionais ficam com receio de que as em-presas queiram lucrar em cima dos honorários”, defende Meinão.

    A discussão ainda promete ser longa, mas os envolvidos concordam em um ponto: ela não pode ser adiada. “O mercado não se sustentará nos próximos anos se o modelo de remuneração se mantiver como o atual. A mudança é uma ques-tão de sobrevivência”, acredita César Abicalaffe.

    “O papel da ANS é fomentar e participar dos debates reunindo profissionais de saúde, pres-tadores, operadoras e entidades do setor para, juntos, definirmos qual deve ser o foco desse novo modelo de remuneração: faturamento, cus-tos, desfechos, paciente ou qualidade. Esse é o desafio”, conclui Martha Oliveira. Veja, na edição digital, um artigo sobre o tema do presidente da FEHOESP, Yussif Ali Mere Jr, publicado na revista Havard Business Review.

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    ção

    Danilo Bernik, gerente do departamento de Assistência à Saúde da FEHOESP

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    O especialista Gil Giardelli fala sobre

    a nova era digital e o papel dos gestores

    Por RICARdO BALEGO

    ma transformação enorme está acontecendo no mundo digital, e isso afeta a todos. Tratada com status de “Quarta Revolução Industrial” no úl-timo Fórum Econômico Mundial, esta revolução já não é algo privativo das nações mais avançadas, mas passa

    por todos os países, incluindo os em desenvolvimento.

    Nas empresas, fazer parte deste pro-cesso não se resume mais em marcar presença nas redes sociais, é preciso ir além. A inovação é constante e as ferramentas que surgem dão conta de

    um novo cenário, baseado na cultura digital e no preparo dos líderes e gesto-res, responsáveis diretos por definir se suas organizações estarão ou não nes-te novo mercado, que se baseia muito mais em plataformas digitais do que na presença física.

    U

    Por dentro da nova

    eNTRevIsTA

    revolução industrial

  • 13

    Para falar sobre esta nova ordem, a Revista FEHOESP 360 conversou com Gil Giardelli, especialista em cultura di-gital e professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e do Instituto de Ensino e Pesquisa em Ad-ministração (Inepad) da USP.

    Giardelli atua no mercado digital brasileiro desde as primeiras experi-ências com e-mail marketing, ainda na época do chamado marketing direto. “A partir dali, comecei a perceber que tinha algo diferente acontecendo, e que viria a ser essa digitalização”, re-corda-se. Hoje, além de estudioso do tema, o professor ministra palestras e presta consultoria para empresas na área digital. Confira:

    Revista FEHOESP 360: Você cita em suas palestras que vivemos uma nova revolução industrial com o mundo digi-tal. Como funciona isso?Gil Giardelli: Na verdade, isso ficou mais transparente hoje, desde que o Fórum Econômico Mundial discutiu como tema central a “Quarta Revolu-

    ção Industrial”, que é toda baseada no que é físico indo para o digital, em to-das as cadeias. Começou a “Indústria 4.0”, e estamos vivendo o que chama-mos de revolução dos makers, dos fa-zedores. Dos dados que temos acesso atualmente, estima-se que 70% dos empregos de 2020 em diante serão da chamada geração freelance, que não vai ter mais a carteira assinada, não vai ter mais o trabalho cronometra-do, o espaço concreto, e vai trabalhar em projetos. E muito disso vem das próprias formas digitais. Dentro dessa ideia, a gente tem um outro conceito que é a revolução das plataformas digitais. Exemplo disso é o Uber, que entrou e mudou completa-mente o mercado, o Airbnb - ser-viço online comunitário para as pessoas anunciarem, descobrirem e reservarem acomodações. Todo mundo está tentando replicar esse processo, pois os negócios agora são plataformas digitais.

    360: Como está o Brasil em termos de inovação digital e tecnológica? GG: Tem muita inovação acontecendo, mas ainda são ilhas. Não está sendo impulsionada a transformação digital de uma nação, que é quando se conse-gue unir a academia, a iniciativa priva-da e políticas governamentais. Como ainda estamos resolvendo questões como as PECs (Propostas de Emenda Constitucional), a corrupção, a judi-cialização de quase tudo, a gente ain-

    da não tem um projeto como nação inovadora. A consequência disso está em uma recente pesquisa global da empresa PwC, que também incluiu os países emergentes, onde o Brasil ficou na lanterna quando o assunto é estar pronto ou em um estágio avançado para a transformação digital. Apenas 9% dos CEOs questionados aqui no país disseram que sim. A média chine-sa foi 40%, do México, 33%, África do Sul, 37%. Então temos que ter uma po-lítica de nação inovadora. Além disso, os nossos gestores ainda lotam even-tos de negócios quando vêm aqueles palestrantes que já não cabem em es-tratégias do século atual. Philip Kotler já foi citado em livros muitas vezes, Michael Porter também. O problema é que as “cinco forças de Porter”, por exemplo, não cabem mais no mun-do atual, não tem como aplicar. Hoje a gente já tem mathematic thinking, design thinking, temos outras forças. Falta ousadia dos nossos gestores em mergulharem no século XXI.

    360: Em meio às muitas inovações que estão acontecendo no mundo, algo tem se destacado na área da saúde?GG: Na saúde estamos vivendo o cha-mado sequenciamento do DNA per-feito. Já existe um consórcio entre bri-tânicos e chineses que está fazendo a manipulação disso. Isso tem uma série de implicações jurídicas, éticas, mas a ação já começou. Temos uma empre-

    Falta ousadia

    dos nossos gestores

    em mergulharem

    no século XXI"

  • eNTRevIsTA

    ninguém vai acertar o número, porque vai ser muita gente conectada.

    360: Você afirma que o ambiente cor-porativo vive uma “grande infância” em relação ao mundo digital, com muitas empresas usando redes sociais apenas para divulgar suas marcas, por exem-plo. Por que isso acontece?GG: A gente ainda está discutindo coi-sas que já ficaram no passado. Face-book, Twitter, as mídias sociais já estão resolvidas no mundo. Chegou a hora de mudar o papel do líder, que sai de chefe para ser cocriador. Muda o papel do big data para o cognitivo, do design thinking para o mathematic thinking, que são novas ferramentas. E tanto o mundo corporativo como a alta aca-demia não estão conseguindo trazer esse pensamento estratégico para as nossas empresas. Esse é um fator essencial na nossa sobrevivência como nação, pois a Indústria 4.0 é algo que mexe com todas as estru-turas. Agora, as empresas têm de pensar como podem usar o mo-dern marketing, a automação da comunicação com os seus clien-tes, seus stakeholders. Estamos em uma nova fase de transforma-ção digital. Primeiro discutiram-se as mídias sociais, como entrar e fazer parte delas, mas isso já se alongou de-mais. Não existe mais estar ou não es-

    tar nas redes, agora é a transformação digital, que passa por uma mudança

    de mentalidade de toda a empre-sa. Não basta mudar a empresa agora, tem de ser um pensamento de mindset, e isso vem do exemplo dos CEOs. Mas aí voltamos à ques-tão de quantos deles estão prepa-rados para a transformação digital.

    360: Mobilizações políticas e sociais têm tido na internet e nas redes so-ciais um grande campo de discus-sões. Na sua visão, isso é benéfico?GG: Apesar desse contágio social que aconteceu nas mídias sociais nos últimos tempos, esse antago-

    nismo de nós contra eles, a socieda-de brasileira provou estar disposta a construir algo no coletivo. Conscienti-zamo-nos mais. A coisa mais bacana é que estamos falando de política, mes-mo que às vezes briguemos e não res-peitemos a opinião do outro. Mas que bom que despertamos e começamos a olhar isso de uma forma diferente. O maior acontecimento são as jorna-das de junho de 2013, que bateram em setembro de 2016. Isso é uma mu-dança que não importa o partido. O importante é que os homens públicos agora têm um chefe. Essa mobilização é benéfica, faz parte da ideia de que estamos realmente cuidando da nos-sa democracia.

    360: Com tanto progresso e inovação, como fica o papel das relações huma-nas nestes novos tempos? A tecnologia

    O patrimônio

    dessa nova era

    são as pessoas, e

    estamos cuidando

    mal delas"

    Temos que ter

    uma política de

    nação inovadora"

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    sa do Google que começou com US$ 1 mil, e que hoje por menos de US$ 90 você pode mandar sua saliva e sequenciar seu DNA. Enquanto o mundo está caminhando para uma medicina preventiva, onde é possível ceder material genético para analisar como uma criança vai estar aos 40 anos, aqui ainda está se vivendo uma política de tentar curar o que poderia ser prevenido. Isso é um ralo de dinheiro público, é temário de saúde das pessoas. É preciso primeiro pensar num ca-dastro único de cada pessoa aqui no Brasil, repensar a forma como estamos investindo dinheiro e como vamos poder levar uma nação desse tamanho, que também tem nú-meros negativos e reflexos dessa era digital. Está na hora de ir para uma saúde preditiva. Na era digital, as ferra-mentas são baratas. O patrimônio des-sa nova era são as pessoas, e estamos cuidando mal delas.

    360: Fale sobre o conceito de Internet das Coisas e como isso afeta a vida de todos.GG: Primeiro a gente conectou os ce-lulares, depois veio o Waze, que é uma plataforma baseada no seu GPS. Hoje é mobile, daqui a pouco já temos carros, abelhas digitais. A Internet das Coisas é considerada o centro da “Quarta Revo-lução Industrial”, conectiva. São máqui-nas conversando com máquinas, vai ter menos congestionamento, mais saúde, mais tempo em lugar que ele está fal-tando. O que nasceu para monitorar o transporte de cargas, agora vai ajudar a gente a viver de uma forma mais inteli-gente e preditiva. Internet das Coisas se conecta primeiro com coisas simples, mas daqui a pouco tudo vai estar co-nectado. Antes se estimavam em 50 bi-lhões os objetos conectados em 2020, mas já estão falando de 200 bilhões e, pelo que está nascendo na indústria,

  • tem o dever também de aproximar as pessoas?GG: Tivemos um primeiro espasmo disso que foi o jogo Pokemon Go, que muita gente criticou, mas quantos pais saíram com os filhos por causa disso. Para mim, a primeira tecnologia que nos afastou agora está nos aproximan-do. No início, nós nos conectamos para conversar um com o outro digitalmen-te, e agora estamos em um momento em que nos interligamos para encon-trar as pessoas na vida real. Eu moro perto do Parque do Ibirapuera (em SP), por exemplo, e estou bastante impres-sionado com o número de pessoas que aos domingos vão se encontrar lá. Nada diferente de antigamente, mas, agora, temos as mídias sociais. Estamos cami-nhando para este tipo de lugar onde as pessoas cada vez mais vão se conectar na vida real. E aí nasce um conceito que é: a melhor rede social que você tem é a sua cidade, o seu bairro, a sua rua, o seu trabalho. A questão é como você está cuidando dessas redes sociais.

    360: Mas para isso, às vezes, também é preciso se desconectar um pouco, não é? Você, como estudioso da área, conse-gue fazer isso?GG: Quando a gente vê historiadores e filósofos dizendo que está na hora de

    se desconectar, na verdade as pessoas já tiveram essa consciência e começa-ram a fazer exercícios para tentar isso. É que a indústria de tecnologia, com o número de ferramentas, tenta cada dia mais te transformar nessa pessoa hiperconectada. Mas o mais bacana é a sua vida real. Eu faço questão de me desconectar, porque é muito fácil passar seus dias hiperconectado, mas a vida passa muito rápido. Tem um do-

    cumentário que eu recomendo para os meus alunos, que se chama “Quanto tempo o tempo tem”, no qual se pro-va, pesquisando vários cientistas, que o dia já não tem mais 24 horas, que a coisa mais cara para uma pessoa hoje é o tempo. É legal estar nas mídias so-ciais, mas é legal também fazer um cur-so online. Quando aprendermos a usar essas mídias de uma forma bacana, vamos amadurecer como sociedade.

    15

  • 17

    Novo paradigma

    s prestadores de serviços na área da saúde mui-to esperaram e atuaram em prol da liberação da entrada do capital estrangeiro no setor. Finalmen-te, no início de 2015, veio a lei 13.097 e um mundo de oportunidades começou a se abrir. A legisla-ção, como afirmam muitos especialistas, trouxe mais igualdade de concorrência para um setor da economia tão regulado e com dificuldades de encontrar investidores. Antes, hospitais não po-diam receber investimentos de fora, mas planos de saúde podiam.

    Após mais de um ano da edição da lei, tanto as instituições brasileiras do setor quanto os poten-ciais investidores ainda estão compreendendo as oportunidades e desafios que decorrem dessa nova legislação. Afinal, quem é elegível para en-

    Capital estrangeiro traz desafios para a gestão da saúde no Brasil

    Por ALINE MOURA e FABIANE dE Sá

    O

  • 1º Conecta Saúde tratou da valorização das empresas e de investimentos

    18

    CAPA

    trar nesta onda de investimentos? O que é preciso para se tornar atrativo? E o que significa, na prá-tica, receber um fundo de investimento em sua organização?

    Estas e outras perguntas foram objeto de de-bate no 1º Conecta Saúde – Criando Valor, evento promovido pelo Instituto de Ensino e Pesquisa na Área da Saúde (IEPAS), apoiado pela FEHOESP, em 25 de outubro. A ideia dos organizadores, para esta primeira edição, foi criar um fórum que levasse aos participantes respostas práticas sobre a valorização das empresas. “O Conecta Saúde nasceu para se tornar um encontro anual. Quere-mos que ele esteja na agenda do setor, e que tra-ga sempre temáticas atuais, que sejam tendência no segmento”, afirma o presidente do IEPAS, José Carlos Barbério.

    Fusões e aquisições

    O movimento de fusões e aquisições certamente se intensificou nos últimos três anos. É o que con-ta a advogada Maria Fernanda de Almeida Prado e Silva, sócia do escritório Mattos Filho. Segundo ela, as transações na área da saúde aumentaram: em 2014 foram 37; em 2015, 76; e em 2016, so-mente no primeiro semestre, já foram contabili-zadas 41 operações. Esta tendência fez com que o seu escritório criasse um grupo disciplinar cha-mado Life Science, a fim de entender as peculiari-dades do mercado de saúde.

    A gestão das companhias tem sido o maior desafio. Para Luiz Delgado, diretor da empresa de gestão de investimentos KKR do Brasil, há um ní-vel de informalidade ainda muito persistente na área da saúde, o que dificulta o interesse de fun-dos. “Muito porque o setor não tem tradição de receber o investidor.” Na área contábil, por exem-plo, a transparência é fundamental, assim como outros fatores, como uma boa diversidade de fontes pagadoras, vantagem competitiva e pers-pectiva de crescimento, mesmo que orgânico. “A falta de um plano de negócios e uma estrutura contábil faz com que os parâmetros para medir o valor do negócio não convençam o investidor. Muitos falam o preço, mas não explicam de onde tiraram o valor.”

    O primeiro passo a ser dado, segundo Delga-do, é a estruturação da área contábil da empresa e um estudo de demanda que traga informações realistas. "Temos visto com frequência empresas que não sabem se posicionar. Alguns até têm boa rentabilidade para um ou dois sócios, mas não para um fundo."

    Quando um investidor se interessa por uma companhia, uma diligência é iniciada, o que pode levar muitos meses. “E quanto mais inse-gurança o investidor tiver sobre as informações, menos a empresa vai valer”, afirma Delgado. Uma dica é contratar algum tipo de auditoria externa, e ter muito cuidado com os dados financeiros. “Ob-viamente a diligência do investidor vai esmiuçar

  • 19

    os dados auditados, mas ter a auditoria é algo de muito valor.”

    Na opinião do presidente da FEHOESP, Yussif Ali Mere Jr, a movimentação vista na área de hos-pitais não surpreende. "Os hospitais ainda não estão organizados para receber capital estrangei-ro. A crise fragilizou ainda mais a situação, e não adianta querer enganar os fundos, que você vai passar vergonha", diz. Segundo Yussif, poucas instituições têm as condições necessárias, mas na sua opinião, isso deve mudar. "Vai acontecer, mas deve levar tempo. Os fundos querem en-contrar empresas organizadas e com governança corporativa", conta. Outro detalhe observado é a concentração das redes hospitalares nas regiões metropolitanas. "No ano passado, São Paulo foi o lugar em que mais cresceram. Crescer no interior vai ser um desafio", comenta.

    Na saúde brasileira, os interesses prioritários dos investidores têm sido os planos de saúde, os hos-pitais gerais e os serviços de medicina diagnósti-ca. Há quem aposte que o foco possa ser direcio-nado para novos negócios, como os hospitais de longa permanência e os serviços de home care.

    André Staffa Filho, diretor da Logika Consulto-res, adverte: “Não dá para ficar parado num setor em transformação. O seu concorrente direto não é mais uma empresa familiar, mas sim uma empre-sa multinacional com muito mais recursos e maior disponibilidade financeira.” Segundo ele, há dois tipos de investidores: os estratégicos, que atuam na evolução estratégica do negócio, e os profissio-nais - os private equity founds -, “que compram por dez e querem vender por vinte, trinta, quarenta num prazo entre cinco a sete anos, porque que-rem garantias de que vão ter rentabilidade”.

    O problema é que muitos hospitais estão sub-jugados por oligopólios e monopólios regionais de planos de saúde. Segundo Staffa, os fundos internacionais querem produtos que tenham boa capacidade de crescimento e replicação, além de boa reputação empresarial. “Na realidade, os investidores estão à procura de boas oportunida-des de negócios. Se o hospital fica localizado em uma região regida por monopólio de um plano de saúde, por exemplo, ele fica inviabilizado como negócio, pois não tem como crescer à medida que se torna refém desse plano, aceitando baixos níveis de remuneração e sucateamento.”

    Aos olhos dos

    investidores

    Para Yussif, os hospitais não estão organizados para receber capital estrangeiro

  • 20

    A dificuldade de encontrar hospitais no perfil que os investidores precisam está levando os fun-dos de private equity a concentrar investimentos em laboratórios, porque sofrem menos nesse as-pecto. Além de o custo inicial ser muito menor e o ramp up (ganho de velocidade da operação) ser muito mais rápido.

    Staffa acredita que o dinheiro hoje não é pro-blema para qualquer grupo de investimento. A questão é o negócio ser atrativo. “Os investidores estrangeiros demonstraram estar em busca de hospitais brasileiros de ativos com mil leitos, mas as opções são limitadíssimas e, ainda assim, são instituições que já tem sócios investidores, como a Rede D’Or, ou já pertencem a operadoras de planos de saúde que usam seus estabelecimen-tos basicamente para atender seus clientes.” No Brasil, entre os quase sete mil hospitais – públicos e privados – a média é de 70 leitos, o que não é considerado rentável.

    Este problema, para André Staffa, está relacio-nado com a falta de escala e a predominância de alguns planos de saúde nas cidades do interior. "Hospitais que estão em locais onde um único plano predomina têm mais dificuldade de conse-guir escala pela concorrência", diz.

    Outros riscos

    Embora o interesse dos fundos tenha aumentado, o Brasil apresenta riscos que diminuem o valor das transações, como o fiscal e o trabalhista. De acordo com Raphael Gordilho, CMO da Live He-althcare Media, a corrupção também é algo que preocupa os investidores. “A saúde é um setor que tem bastante interação com o poder público, e os fundos olham com muito cuidado para isso.”

    Para ele, os empresários da saúde devem tra-tar seus negócios de forma estratégica, imple-mentando governança, programas que contam com indicadores de performance e gestão da qualidade para se tornarem atraentes para in-vestidores. Nos Estados Unidos, segundo Gordi-lho, os negócios em medicina estão voando alto quando o assunto são estratégias de negociação. “Estamos de 15 a 20 anos atrasados em termos de mentalidade se nos compararmos com o Vale do Silício, na Califórnia.”

    Mas há esperanças para as instituições e em-presas brasileiras da área da saúde. Gordilho acredita que a liberação de investimentos es-trangeiros promoverá uma consolidação no se-tor (formação de grandes empresas atuando nas diversas regiões) e também uma internaciona-lização do controle. “Ainda é cedo para prever a dimensão que essas ações vão alcançar. Se olhar-mos a indústria farmacêutica, constatamos que apesar de ter uma participação dominante de empresas estrangeiras, o setor ainda tem a pre-sença de grandes empresas nacionais.”

    CAPA

    André Staffa Filho, diretor da Logika Consultores

  • 21

    Enquanto os empresários da saúde preocupam-se em ar-rumar a casa para se tornarem atraentes ao mercado glo-bal, o país vive um momento de intensa transição política e econômica. Seria o Brasil um lugar atrativo e seguro para os investidores?

    Segundo Ermínio Lucci, diretor de Projetos de Investi-mentos da Investe São Paulo, a Proposta de Emenda Cons-titucional (PEC) 241 traz um novo paradigma para a gestão pública, porque força os gestores a terem responsabilidade fiscal. “Mas o gasto público ainda cresce acima da inflação, e as taxas de juros permanecem altíssimas. No contexto mun-dial, há outros fatores que geram incertezas, como a desa-celeração chinesa, a queda de commodities e o aumento nas taxas de juros nos Estados Unidos.” No entanto, dados recentes do relatório da gestora de ativos Pimco revelam que o Brasil tem boa chance de entrar de novo num ciclo de investimento mais sustentável. “Os estrangeiros veem uma reviravolta, com o Poder Executivo se comprometendo com reformas e um ciclo de corte de juros se iniciando no Banco Central. Mas a Previdência Social tem de ser revista, senão a máquina para. É a grande bomba relógio do país”, adverte. Hoje, os gastos com o benefício social equivalem a 11% do PIB, contra 6% nos Estados Unidos, sendo que a população idosa lá é o dobro da brasileira.

    Para 2017, Lucci prevê um câmbio médio de R$ 3,43, IPCA médio de 5%, crescimento do PIB em 1,23% e uma taxa Se-lic de 11%. “A liquidez mundial continua abundante. Mas a aprovação da PEC 241 - que limita as despesas e investimen-tos públicos aos valores gastos no ano anterior, corrigidos pela inflação medida pelo IPCA -, e a reforma da Previdência Social são essenciais para o crescimento sustentável.”

    O médico e professor Marcos Bosi Ferraz faz alerta seme-lhante. “Vejo a PEC 241 como um remédio amargo, como o início de uma quimioterapia. Já o déficit da Previdência cor-re numa conta paralela. Acontece que o benefício social e a saúde competem num momento em que o indivíduo não tem mais produção de renda.”

    Enquanto a demanda por saúde só cresce, e a inflação corroeu o poder de compra - inclusive do que é investido

    no setor -, a quantidade de pessoas que recorre a hospitais por eventos evitáveis é enorme. “Por exemplo, ferimentos por arma de fogo, acidentes de motocicleta, queda de laje. Estamos tirando oportunidade de quem tem doenças impor-tantes”, compara Bosi Ferraz, referindo-se ao modelo equivo-cado da assistência, que privilegia a doença, e não a saúde.

    “Vamos investir em prevenção para que as pessoas te-nham menos doenças ou vamos tratar as enfermidades de hoje? Em alguns países desenvolvidos já foi determinado que não dá para fazer as duas coisas, é preciso limitar esses dois extremos”, garante Bosi.

    A atual crise política e financeira brasileira foi apontada como a maior preocupação por 47% dos gestores de saúde entrevistados na pesquisa “Healthcare 2016”, realizada pela KPMG. Outros 28% demonstraram preocupação com a in-capacidade em fazer planos de médio prazo em razão das incertezas do país. O estudo foi realizado com 130 executivos da saúde, ao longo do primeiro semestre de 2016, e abordou temas como desafios, tendências, oportunidades, utilização de novas tecnologias, barreiras de crescimento, ingressos de capital estrangeiro, entre outros aspectos.

    De acordo com o levantamento, outras preocupações do segmento são: eventuais alterações regulatórias do governo (11%), perda de rentabilidade dos negócios (6%), falta de mão de obra qualificada (5%) e escassez de mão de obra (3%).

    Questionados sobre se a atual crise econômica tem afeta-do negativamente seus negócios, 40% disseram que sim, au-mentando os custos e retraindo a demanda e a receita; 35% afirmaram que aumentaram os custos; 11% relataram que houve retração da demanda e de receita; e 5% consideraram que houve impactos positivos com o aumento de receita e de rentabilidade. Veja a íntegra da pesquisa “Healthcare 2016” na versão digital da Revista FEHOESP 360.

    Crises política e

    econômica são preocupação

    Diretor de Projetos de Investimentos da Investe SP,

    Ermínio Lucci

  • QuALIdAde

    Gerenciar é preciso

    edir o que se faz não é novo. Tão pouco é fácil. Já dizia Aristóteles: a excelência é um há-bito. Em outras indústrias, em que o trabalho é mais mecanizado, os indicadores são inúmeros. Uma das pioneiras, e que transformou o proces-so de produção, foi a automobilística. No início do século XX, Henry Ford criou a linha de produ-ção e revolucionou os métodos e processos pro-dutivos até então existentes. Não por acaso, na indústria automotiva há uma cultura de gestão mais consolidada.

    Na saúde, um marco para o setor foi a publica-ção “To Err is Human”, de 1999. Nela, o Institute of Medicine abriu os olhos do mundo para o proble-ma dos erros na assistência. À época, foi divulga-do que ao menos 44 mil pessoas, e talvez mais de 98 mil, morriam nos hospitais norte-americanos todos os anos como resultado de erros médicos que poderiam ser prevenidos.

    As mortes certamente são o resultado mais trágico da falta de controle. Mas outros quocien-tes, como o desperdício, também alarmam: no

    “Somos o que repetidamente fazemos. A excelência, portanto, não é um feito, mas um hábito”

    Aristóteles

    M

    22

  • Renato Couto, professor da Universidade Federal de MG

    Brasil, estima-se que R$ 15,5 bilhões são gastos de maneira desnecessária todos os anos, somen-te na saúde suplementar. Com diárias hospita-lares, estima-se que o desperdício chegue em R$ 4 bilhões, considerando que 39,7% das permanências excedem o tempo es-timado. Numa área em que o dinheiro é escasso e os custos, crescentes, esta cifra é quase criminosa.

    O professor Renato Couto, da Universi-dade Federal de Minas Gerais, apresentou esses dados – e outros – em recente semi-nário sobre indicadores de qualidade e segu-rança do paciente, promovido pelo Instituto de Estudos da Saúde Suplementar (IESS), em São Paulo. Segundo ele, “conhecer a si mesmo parece que tem sido o grande desafio do setor da saúde. Primeiro para garantir mais segurança aos seus pacientes, e depois, a sua sustentabilidade”.

    O problema não é exclusividade do Brasil. O impacto econômico da insegurança assistencial – e do desconhecimento do setor em relação a si mesmo – acontece ao redor do mundo. Nos Esta-dos Unidos, 30% dos custos totais dos hospitais são determinados por eventos adversos assisten-ciais. Isso representa um desperdício de R$ 165 bilhões. Os 30% são repetidos na Nova Zelândia.

    A dificuldade por aqui, de acordo com João Lucena, coordenador do Programa Farol de Indi-cadores de Desempenho, está na própria capaci-dade das instituições em gerar dados sobre con-trole. “Temos um programa desde 2009, gratuito, com uma lista de indicadores básicos relaciona-dos às áreas assistencial e administrativa. São fór-mulas simples que medem número de quedas, infecções por cateter, rotatividade de pessoal. Mas vemos que muitas instituições encontram dificuldades em coletar esses dados”, adverte. Segundo ele, é comum que os hospitais entrem para o programa, mas não consigam manter um fluxo adequado de atualizações.

    O Programa Farol é a primeira ferramenta de benchmarking do país a ser criada e patrocina-da por um sindicato patronal. Quem a mantém, financeiramente, é o Sindicato dos Hospitais, Clí-nicas e Casas de Saúde do Município do Rio de Janeiro (SindhRio). Em funcionamento há sete anos, o programa possui uma plataforma online, que funciona mediante login e senha. Recente-

    mente ele assimilou quatro novos indicadores, específicos sobre segurança do paciente, a fim de fomentar os estabelecimentos de saúde a cumprirem as exigências do Programa Nacional de Segurança do Paciente, criado em 2013 pelo Ministério da Saúde (MS).

    Segundo o presidente do SindhRio, Fernando Boigues, o país possui apenas 20% dos hospitais e demais serviços cumprindo de alguma forma as regras de segurança do paciente propostas pelo MS, entre elas a criação de um núcleo de segu-rança. “Entre outras atribuições, estes núcleos precisam monitorar os dados e, sobretudo, os erros que acontecem dentro das instituições. Não é possível melhorar e implementar mudanças se não conhecermos nossas informações”, afirma.

    Uma das formas encontradas para mobilizar a participação dos adeptos e promover a cultura da medição de resultados foi promover encon-tros periódicos entre os participantes. João Lu-cena explica que os ciclos de debate são muito produtivos, porque promovem a troca de experiências entre os hospitais. Além disso, no próprio site (www.programafarol.com.br) os par-ticipantes podem acessar os gráficos comparativos de cada ficha técnica e estabe-lecer comparações sobre os seus resultados e os dos ou-

    23

    Coordenador do Programa Farol de Indicadores de

    Desempenho, João Lucena

    Div

    ulga

    ção

    Div

    ulga

    ção

  • QuALIdAde

    24

    tros. “Há também a possibilidade de visualizar os resultados separados por hospitais que são acre-ditados e os que não são”, detalha Lucena.

    Dados sigilosos

    Um aspecto que costuma ser uma barreira para programas de benchmarking é a confidenciali-dade. No Brasil, todos os programas destacam essa característica como um item de “segurança”. Utilizam o sigilo absoluto, inclusive, como uma forma de atrair adeptos. Para Fiona Wardell, líder de Indicadores e Padronização da Healthcare Im-provement Scotland, divisão do National Health Service (NHS), exigir a confidencialidade é um sinal de imaturidade. Ela, que comanda toda a experiência de coleta e troca de informações da saúde na Escócia, conta que na Grã-Bretanha os indicadores são obrigatórios e públicos. “No Rei-no Unido os indicadores são públicos, baseados em evidência e reportados ao próprio governo. O erro e o mau desempenho são vistos como algo a

    ser melhorado, e não como instrumento de puni-ção”, defende.

    Segundo a especialista, outro aspecto im-portante para que os indicadores tenham efeito didático é a capacidade de auditá-los e anali-sá-los. “Na Escócia fizemos um investimento em tecnologia da informação, qualificação de funcio-nários, serviços analíticos e na formação de ins-petores, que podem ser profissionais da saúde, público em geral e até mesmo pacientes.”

    No país conhecido pelo maior orçamento de saúde no mundo, mas com resolutividade limita-da, uma iniciativa pioneira tem ajudado a trans-formar o setor. Trata-se do Leapfrog Group, uma congregação das maiores empresas dos EUA – grandes empregadoras e, portanto, compradoras de seguros de saúde – que monitora, ranqueia e avalia o desempenho dos hospitais. Criado em 2000, o programa foi uma resposta ao relatório “To Err is Human”. “Os compradores reuniram-se para usar sua influência coletiva para melhorar a qualidade e a segurança do atendimento em

  • 25

    hospitais. Afinal, para grandes empresas como General Motors, as estimativas de erros e mortes evitáveis na saúde são números ’reais’ para seus funcionários e entes queridos”, afirma Matt Aus-tin, professor assistente da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins (EUA), parceira na Pesquisa de Hospitais Leapfrog e no Score de Segurança Hospitalar.

    Assim como no Reino Unido, o Leapfrog apos-ta na transparência de dados. “Desta manei-ra podemos informar melhor os compradores dos serviços de saúde e os pacientes, além de estimular a melhoria dos fornecedores”, rela-ta Austin. A atuação é em duas frentes: há uma pesquisa respondida pelos próprios hospitais, anual, que leva em conta uma série de aspectos relacionados à qualidade, e uma checagem das informações, feita pelos líderes regionais. A em-presa Boieng, por exemplo, é líder regional em Seattle. É ela quem mobiliza os hospitais da re-gião a responderem à pesquisa, e depois quem checa as informações. Um Score de Segurança Hospitalar é montado a partir dos resultados, que classifica os hospitais em conceitos a, b, c, d, e ou f. A classificação fica disponível online, aber-ta ao público, pelo site www.leapfroggroup.org. A divulgação pública e irrestrita dos dados não é um empecilho para que os estabelecimentos de saúde participem do programa: em 2016, 1.800 hospitais responderam à pesquisa.

    Um estudo de caso demonstra a importância de se conhecer o que se faz. Entre os indicado-res, a Leapfrog tornou-se a primeira organiza-ção a reportar publicamente as taxas de partos eletivos antes da 39ª semana de gestação nos EUA. Constatou que, em 2010, a taxa nacional média era de 17%, variando de 10% até 54%. Após cinco anos, a taxa nacional é de surpreen-dentes 2,8%. “A transparência se espalha”, con-clui Matt Austin.

    O esforço por bons resultados não é em vão. No Leapfrog, os estabelecimentos melhor ran-queados recebem mais. Algo semelhante ao que tem buscado adotar a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) com o Fator de Quali-dade. Embora tenha gerado polêmica, o projeto visa estabelecer patamares maiores de reajustes de contratos caso os prestadores de serviços em saúde enquadrem-se em uma série de pro-

    gramas e exigências, como possuir acreditação, participar de algum programa de benchmarking, entre outros.

    O Hospital Mãe de Deus, no Rio Grande do Sul, é um dos que já conseguiu o benefício dos 105% de reajuste nos contratos, segundo o Fator de Qualidade da ANS. O estabelecimento vem tri-lhando o caminho da qualidade há pelos menos 20 anos, quando iniciou uma tímida coleta de da-dos baseada na metodologia NNISS/CDC, ainda sem ferramentas informatizadas. Quem conta é Laura Berquó, gerente do Serviço de Epidemiolo-gia e Gestão de Risco da instituição. “É uma deci-são estratégica que necessita de alocação de re-cursos estruturais, tecnológicos e da capacitação de pessoas, pessoas, pessoas”, repete Laura, de maneira proposital, a fim de realçar a importância de envolver as equipes neste processo.

    Outros desafios apontados pelo Mãe de Deus são melhorar os registros no prontuário eletrôni-co e aumentar a transparência no caso de falhas, principalmente as assistenciais. Por participar de vários programas de benchmarking simultanea-mente, há que se repensar a quantidade de indi-cadores medidos, já que a matriz é bem extensa, segundo Laura.

    No Brasil, o número de hospitais acreditados ainda é baixo. Dos 6.150 hospitais existentes no país, apenas 313 possuem certificados de quali-dade reconhecidos pelo mercado, como Joint Co-mission International (JCI), Organização Nacional da Acreditação (ONA), NIHO, entre outros. Isso re-presenta apenas 5% de toda a rede. Pior: a maio-ria dos hospitais possui menos de cem leitos, o que comprovadamente leva a menor segurança assistencial, e menor capacidade gerencial e de mobilizar recursos para mudanças.

    Daí a dificuldade de estabelecer uma política nacional de indicadores. Em segunda tentativa, a ANS relança o Qualiss, seu programa de qua-lidade. O que se percebeu, segundo Ana Paula Cavalcante, nova gerente-executiva de Estímulo à Inovação e Avaliação da Qualidade Setorial da agência, foi que “era preciso se adaptar à realida-de do mercado”. Em outras palavras, simplificar as exigências. “Convivemos ainda com a ausência de uma cultura da qualidade, com a falta de siste-mas e, sobretudo, com uma resistência conserva-dora.” (Por Aline Moura)

  • 26

    GesTÃO de PessOAs

    o último mês do ano é comum as pessoas fazerem um balanço do que foi bom ou ruim e, com base nessas experi-ências, iniciar um novo ciclo preparadas para novas oportu-nidades. Mas há determinados fatos, como gastos e dívidas, que podem continuar existindo na virada do ano. Em um momento em que a economia brasileira ainda está em recu-peração e que o número de desempregados bate recorde – são quase 12 milhões de pessoas nessa situação, de acordo com dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geogra-fia e Estatística (IBGE) –, muitos cidadãos empregados tam-bém sofrem abalos emocionais por estarem endividados ou com a renda comprometida.

    Além do desgaste pessoal, os problemas com dívidas podem levar a situações graves, como a queda do desem-

    penho profissional. Um estudo global da consultoria Willis Tower Watson, com 1.004 empregados de grandes empresas brasileiras, mostra que 62% dos trabalhadores estão preocu-pados com a sua saúde financeira e 22% estão, de fato, pas-sando por dificuldades. Entre as pessoas que disseram estar em dificuldade financeira, 56% têm alto nível de estresse pessoal e apenas 31% estão altamente engajadas em suas atividades. “Na pesquisa identificamos que os empregados endividados se ausentam mais do trabalho do que os ‘des-preocupados’. Além disso, o índice de presenteísmo (presen-ça física, mas ausência mental com preocupações externas) também é muito mais alto entre aqueles com dificuldades financeiras”, explica Felinto Sernache, líder da área de Con-sultoria e Soluções em Previdência para a América Latina

    Preocupação financeira pode afetar o desempenho. Orientação nas empresas ameniza o problema

    N

    Funcionário endividado,

    trabalho atrasado

  • 27

    da Willis Towers Watson. “Ausências e alto nível de presen-teísmo afetam, diretamente, a produtividade da empresa e, consequentemente, o resultado financeiro”, afirma.

    Realizadora de cursos periódicos sobre endividamento e mantenedora de um núcleo sobre o tema, a Fundação Pro-con-SP detectou um aumento na procura por orientações financeiras. “Desde agosto, cresceu 400% a procura por nos-sos serviços, principalmente por causa do desemprego e negócios desfeitos, mas, também, por famílias empregadas com gastos maiores e funcionários públicos comprometi-dos com empréstimos”, explica Diógenes Donizete, coor-denador do Núcleo de Tratamento ao Superendividado do órgão estadual.

    Atentas à gravidade da questão, as organizações que par-ticiparam do levantamento da consultoria Willis (66%) dis-seram que já possuem ou planejam implementar até 2018 ações específicas para que a sua força de trabalho tenha maior bem-estar financeiro. “Muitas empresas já estão reali-zando palestras sobre educação financeira, periodicamente, para seus empregados. Entendendo mais sobre o tema, o funcionário consegue lidar melhor com sua situação finan-ceira pessoal, tem seu nível de estresse minimizado e sua produtividade, sem dúvida, melhora”, afirma Sernache. O executivo destaca que a abordagem dos funcionários com problemas financeiros deve ser feita com cautela. “Em geral, as mensagens diretas sobre questões financeiras pessoais não são bem recebidas e podem ter impacto mais negativo do que positivo. Trabalhar a conscientização e a educação do grupo como um todo ainda é o melhor caminho”, destaca.

    Um exemplo de ação com esse objetivo é promovi-do pela FEHOESP, em que os colaboradores podem pedir orientação. “Detectamos essa necessidade há aproximada-mente dois anos. Fizemos plantões semanais durante um período e agora oferecemos atendimento sob demanda. Os casos são recebidos em total sigilo, com horário marcado, e os funcionários recebem o aconselhamento financeiro”, ex-plica Marizilda Angioni, gerente do departamento de Gestão de Pessoas da Federação. “É feito um acompanhamento das mudanças e o impacto é muito positivo e notório na produtividade: as pessoas ficam mais tranquilas e felizes”, conclui.

    Preocupado em orientar seus colaboradores para que não se percam em dívidas, já que é uma empresa de cadastro de inadimplentes, o SPC Brasil também tem programas volta-dos à educação financeira, como palestras, workshops, atendimentos individualizados e grupos de discussão temáticos. Em nota, a em-presa informa que os temas dos eventos internos

    “propõem aplicar novos conceitos e disseminar conheci-mentos sobre economia doméstica, tipos de investimentos e construir uma mentalidade saudável e adequada em rela-ção ao dinheiro”. A empresa tem, ainda, o site www.meubol-sofeliz.com.br, voltado para o público em geral, com várias dicas para organizar as finanças.

    No Hospital Santa Paula, na capital paulista, foram detec-tados alguns progressos após atividades de conscientização sobre uso do dinheiro. Em nota, a instituição informou que foram percebidas algumas mudanças como: “redução no valor dos empréstimos bancários feitos pelos colaboradores via hospital (com condições especiais); redução nas solici-tações de adiantamento; e colaboradores endividados que, após a consultoria, começaram a guardar dinheiro e estão comprando suas casas”. Entre as atividades implementa-das estão palestra com o Banco Central uma vez ao ano, workshops e reuniões trimestrais para manter dados finan-ceiros atualizados. O Santa Paula também faz consultorias semanais para atender os empregados individualmente.

    Para quem pretende formatar ações de orientações para suas equipes no intuito de prevenir endividamento ou para educar quem já está passando pelo problema, o Procon-SP também realiza cursos de orientação financeira in company para orientar grupos de consumidores, com duração de três horas e meia. De acordo com a entidade, não existe um pra-zo exato para resolver essas pendências em razão das mui-tas variáveis envolvidas, mas, segundo Diógenes Donizete, muitos acordos são estabelecidos em âmbito administrati-vo num prazo de três a quatro meses, com índice de 62% de sucesso. (Por Eleni Trindade)

    Felinto Sernache, líder da Willis Towers Watson

    Diogenes Donizete, coordenador do Núcleo de Tratamento ao Superendividado do Procon-SP

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    mais ele estiver envolvido nesse processo, mais assertivos seremos. De forma genérica, o marke-ting não prevê o futuro das empresas, mas, sim, prepara a companhia e seus colaboradores para prosperar em um futuro incerto. Como o próprio nome diz (market = mercado, ing = movimento), o marketing representa o mercado em movimento. É ele que ajuda a empresa a satisfazer o cliente e tornar a venda supérflua, automática.

    Mas, como praticar o marketing sem ter um profissional especialista no assunto? Esse é jus-tamente outro paradigma a ser quebrado. A em-presa pode fazer parte desse esforço comum. Um grande exemplo mundial é o da Disney, onde to-dos os integrantes da corporação estão aliados em encantar o cliente.

    Mas por onde começar? Gosto muito de usar como analogia o plano de voo dos pilotos: eles não decolam antes de validá-lo. No marketing também funciona assim. Antes de colocar um produto ou serviço no ar, por exemplo, existe um passo a passo que representa os famosos "Ps" do marketing. São eles: produto/serviço, preço, pro-moção, ponto de venda e, para empresas presta-doras de serviços, processo, produtividade/quali-dade, pessoas e evidência física. Esse é o começo, que vem aliado ao entendimento do mercado, aos valiosos registros do nosso sistema de infor-mática e para onde queremos e podemos ir.

    Em conexão com tudo isso, é muito importan-te aliar o crescimento das organizações à essên-

    O marketing e a saúde das organizações

    Por dANIELA CAMARINHA

    ARTIGO

    á muitos anos atuando no setor da saú-de, mais especificamente na área de Marketing, fui questionada a respeito do real papel desse de-partamento e o quanto ele pode contribuir com a sustentabilidade das empresas. Na realidade, eu mesma via como um dos principais desafios para esta área se fazer importante dentro das discus-sões estratégicas das empresas. Por isso, precisei construir ao longo dos anos uma metodologia ca-paz de aliar os conceitos fundamentais do marke-ting e a sua prática com resultados mensuráveis na área da saúde, na tentativa assertiva de cha-mar atenção para assuntos relacionados ao clien-te e não aos produtos e serviços que a empresa quer disponibilizar a eles.

    Isso pode mudar completamente a dinâmi-ca de atuação das empresas. Principalmente, porque em muitos casos o cliente compra não necessariamente aquilo que vendemos. Quanto

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    cia que a levou àquela posição. Saber qual é a sua história. Esse processo mental associado à repeti-ção nos ajuda a sedimentar a cultura da empresa e engajar a equipe rumo ao esforço comum para se manter no mercado.

    Marcas ícones como Disney, Coca-Cola e Nike mantêm-se atraentes por vários anos pela cone-xão baseada em sólidos e lucrativos relaciona-mentos estabelecidos com os clientes. Inclusive, é dito que a Nike possui centenas de contadores da história da marca espalhados pelo mundo para repetir o quanto ela se diferencia das outras mar-cas. Com um dos símbolos mais conhecidos do planeta, a empresa começou há cerca de 40 anos, quando o jovem contador Phil Knigth e o treina-dor esportivo de uma universidade, Bill Bower-man, uniram-se para fundar a empresa. Na déca-da de 1970, um novo solado de tênis foi inventado colocando um pedaço de borracha na máquina de fazer waffles da esposa de um deles. O waffle trainer rapidamente tornou-se o tênis mais ven-dido dos Estados Unidos. Em 1972, o nome da empresa foi mudado para Nike, a deusa grega da vitória. Algo simples e agradável de se ouvir, que ajuda a cativar a audiência, fazendo-a ser advoga-da da marca por transmitir a mesma mensagem a outras pessoas por meio do marketing viral. Esse exemplo mostra como a equipe pode fazer parte da história da organização e ajudar a multiplicá-la.

    Para fazer isso com eficiência é importante lembrar que a história começa pela essência e não tem fim. Toda boa história reflete a mais pura verdade, e não apenas toca a nossa mente como também o nosso coração. Para isso, além de um tema central, é necessário conhecer muito bem a audiência e ter em mente o motivo pelo qual ela está sendo contada. Ou seja: se queremos va-lorizar algo, sensibilizar, elucidar, alertar, ensinar, influenciar etc.

    Entreter é fundamental e, sempre que possí-vel, esse processo deve ser iniciado por uma cau-sa que mereça devoção. É recomendado nunca contar a mesma história mais de uma vez e dedi-car muito tempo na preparação, estando sempre preparado para a improvisação. Seguir um roteiro ajuda muito para melhor retratar o objetivo da história. Além disso, gerar curiosidade, suspense e evitar, no nosso caso da saúde, o uso excessivo de linguagem técnica.

    As metáforas também podem ser usadas nes-se processo. Elas representam um método de percepção, um meio pelo qual indivíduos de dife-rentes contextos e experiências podem entender intuitivamente alguma coisa, valendo-se da ima-ginação e de símbolos. Por meio de metáforas, as pessoas reorganizam o que conhecem de novas maneiras e começam a expressar o que sabiam, mas não conseguiam dizer.

    Mesmo seguindo essas etapas, é fundamental lembrar que o fim de qualquer história é a parte mais importante. Outro cuidado para obter bons resultados é medir e avaliar o que está sendo fei-to. Conhecer as particularidades do marketing e as novas possibilidades de mensuração de ações específicas faz parte de um modelo a ser perse-guido. Os sistemas de informática, por exemplo, podem nos ajudar muito quando temos um obje-tivo tangível para ser alcançado. Por isso, é de ex-trema importância incluir esses profissionais nas discussões estratégicas relacionadas ao poten-cial de atendimento e de receita a ser perseguido.

    Em muitas ocasiões, trabalhamos com um nú-mero conservador demais por não contemplar justamente as oportunidades de crescimento e desenvolvimento de novos serviços e produtos para segmentos antes distantes do nosso alcan-ce. Algo que faz parte do dia a dia de um bom profissional de marketing e que colabora direta-mente com a saúde das organizações.

    * Daniela Camarinha é administradora e membro do Comitê de Clínicas da FEHOESP e da Comissão Científica de Laboratórios dos Congressos de Ges-tão do IEPAS

    Entreter é fundamental

    e, sempre que possível,

    esse processo deve ser

    iniciado por uma causa

    que mereça devoção"

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    A Revista FeHOesP 360 é uma publicação da FEHOESP, SINDHOSP,

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