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PLANEJAMENTO INTEGRADO DE RECURSOS ENERGÉTICOS NAELETRIFICAÇÃO RURAL

Fernando Selles Ribeiro Marcelo Aparecido Pelegrini

Miguel Edgar Morales Udaeta

GEPEA-USP - Grupo de Energia do Departamento de Engenharia de Energia e Automação ElétricasEscola Politécnica da Universidade de São Paulo

Avenida Prof. Luciano Gualberto, travessa 3, 158; CEP: 05508-900; São Paulo - SP - BrasilTel: (55)(011)818-5279 - Fax: (55)(011)210-3595 - eMail: [email protected]

RESUMO

Este trabalho pretende fazer uma asserçãosobre o processo de participação pública noPlanejamento Integrado de Recursos Energéticos(PIR) através da apresentação de aspectosparticipativos em um modelo de eletrificação ruraldesenvolvido pela USP/BNDES e em implantaçãono estado de São Paulo, que contém algunselementos do PIR. Para tanto, está dividido emquatro partes: na primeira, são apresentados algunsconceitos básicos e pontos relevantes sobre o PIR.Na segunda parte, é mostrado como uma demandasocial pode ser identificada, e a sua relevância para oprocesso de planejamento. Na terceira parte, é feita aanálise da participação da sociedade na resolução dademanda, tal como vista pelo modelo. Finalmente, éanalisado brevemente o processo de planejamento,implantação e as perspectivas do programa "Luz daTerra", que tem como premissa a participação devários órgãos, públicos e privados, e da sociedadelocal para o atendimento de uma demanda social.

ABSTRACT

This work aims to do an introduction ofintegrated resources planning (IRP) on the publicparticipation process through the presentation ofshare aspects in a rural electrification modeldeveloped by USP/BNDES and in introduction inthe São Paulo state, that contains some elements ofIRP. Where, it is divided in four parts: first, somebasic concepts and important points are presented onIRP; second, it is shown how a social demand will beidentified, and its relevance for the planning process;third, is made the society participation analysis in thedefinition of the demand, as the model point of view

and; finally, it is analyzed the "luz da terra" programplanning process, introduction and perspectives, thathas as premise the participation of several organs,publics and private ones, including the local societyfor the social demand meet.

CONCEITOS DO PIR

O Planejamento Integrado de Recursospode ser entendido como uma ferramenta noprocesso de planejamento que leva em consideraçãoopções de utilização de recursos do lado da oferta eda demanda, em termos qualitativos e quantitativos,visando o desenvolvimento sustentável e contandocom a participação dos órgãos, ou elementos dasociedade, envolvidos, se não em todo o processo,pelo menos na parte de identificação das metas e osobjetivos do PIR (Udaeta 1997).

O processo de planejamento segundo o PIR(ver Fig. 1) compreende várias etapas, quais sejam:• identificação dos objetivos: onde fica claro o

que se pretende com o processo deplanejamento;

• estabelecimento da previsão da demanda: ondese identifica, ou se prevê, a demanda existente(por energia, eletricidade, ensino-aprendizado,atendimento de saúde, moradia)1;

• identificação dos recursos de oferta e demanda:onde se levanta quais os recursos2, externos einternos, de oferta e de demanda, estão

1 O PIR originariamente deriva do setor elétrico, é tambémaplicado em outros setores energéticos, como o gás. Aqui,propõe-se o PIR como ferramenta para atender uma demandasocial. Neste caso, as iniciativas em geral vêm do Estado ou daprópria sociedade.2 Recurso, no caso, pode ser entendido como todo elemento quepermite responder um dado serviço atrelado à problemática dasnecessidades.

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disponíveis para o atendimento da demandasegundo a meta estabelecida;

• valoração dos recursos de oferta e demanda:nesta etapa se atribui, qualitativa equantitativamente, atributos aos recursos de talforma que se permita uma comparação entreeles. Nem sempre é necessário, possível oudesejável que esta valoração se dê apenas emtermos de custo. Os objetivos podem levar aatribuição de outros critérios, até mesmosubjetivos;

• desenvolvimento de carteiras de recursosintegrados: onde, de acordo com as metas, seagrupam os recursos, de oferta e demanda, emcarteiras, de modo que haja diversas opçõesintegradas, segundo o mesmo período deprevisão;

• avaliação e seleção de carteiras de recursosintegrados: onde se escolhe, dentre as opções decarteiras, os recursos que atendem, segundo oscritérios objetivos definidos (menor custo, maiorsatisfação, etc.), à demanda prevista, de acordocom as metas estabelecidas;

• plano de ação: é onde se define, a partir dosrecursos já escolhidos, quais os passos quedevem ser dados no curto prazo para que a metadefinida no PIR seja atingida.

• o plano integrado de recursos preferencial deveprever instâncias avaliativas, que permitam omonitoramento do plano de ação ao longo dotempo e o seu ajuste à realidade constantementemutável.

Dentro dessas etapas, há a necessidade, deacordo com o entendimento do ente que lidera, oudirige, o processo do PIR, da interação com asociedade, com os órgãos reguladores do setor eoutras interelações publico-privadas. O quadroapresentado na figura 1 mostra o fluxo de umprocesso PIR.

Não é objetivo deste trabalho descrevertodos os aspectos do PIR. Porém, alguns pontosrelevantes devem ser destacados:• o PIR pode ser visto como um processo onde se

define um plano preferêncial, de forma tal que oganho para todos os participantes sejaconhecido e transparente. Quanto maior atransparência e a participação dos envolvidos,maior será a possibilidade de colocação detodos os conflitos e, por conseguinte, maioraceitação do que foi resolvido;

• a parte mais complicada desse processo deplanejamento é a assimilação de seus conceitose filosofia e a implementação do plano de ação,que freqüentemente envolve a mudança deparadigmas e novas atitudes dos profissionaisenvolvidos. A inserção de novas tecnologiaspodem também trazer incertezas grandes pelafalta de informação e mesmo resistência aonovo;

• o PIR não trata o processo de planejamento deforma puramente técnica. Questões subjetivasou que não possuem um consenso de valoração(como custos ambientais, sociais, etc.) são partedo processo;

• o acesso e a obtenção de informações confiáveisa respeito dos recursos de oferta e denanda e douso do serviço é um dos requisitos do PIR. Estaé uma dificuldade adicional em países como oBrasil, que não possui dados, mesmo oficiais,ainda confiáveis;

• é necessário que haja uma instituição central quecoordene, agregue os agentes e cobre osresultados do processo de planejamento. É esteente que irá liderar o PIR e dar o viés doprocesso.

NECESSIDADEDE

NOVOS RECURSOS

DEFINIÇÃODO MIX

ADEQUADODE

RECURSOS

ANÁLISE DE RISCOSE INCERTEZAS

OBTENÇÃODE

RECURSOSMONITORAMENTO

OFERTA DEMANDA TRANSPORTE TARIFAS

IDENTIFICARMETAS

PREVISÃO DEDEMANDA

RECURSOSEXISTENTES

FATORES EXTERNOS

SOCIAIS E AMBIENTAIS

APROVAÇÃO DO PODER PÚBLICO

PARTICIPAÇÃO PÚBLICA

Figura 1 - Fluxo do processo PIR

IDENTIFICAÇÃO DE UMA DEMANDASOCIAL

O desenvolvimento de políticas sociais éuma atribuição do Estado, como meio de atender odireito de cada cidadão de ter acesso aos serviçospúblicos. Ao conduzir esse processo, o Estado tentafazer crer que atua na concepção e naimplementação de propostas que têm como objetivoo desenvolvimento conjunto da nação e que oscritérios de decisão resultam de avaliações objetivasde como atingir as metas propostas (TENDRIH,1990).

As políticas sociais explicitam-se através daatuação concreta de organismos e agências estataisencarregados de implementá-las.

O serviço de energia elétrica é uma funçãosocial efetivado por concessionárias.

É uma matéria que diz respeito a umaestratégia de desenvolvimento do modelo

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econômico. O eixo do modelo desenvolvimentistabrasileiro é voltado para o crescimento e amodernização da produção de bens que tenhamretorno econômico. A eletrificação ruralaparentemente não induz crescimento, nem retornoeconômico nem alguma outra taxa que possa colocá-la na pauta do desenvolvimento.

Durante muito tempo não houve ondediscutir eletrificação rural no âmbito federal. Umaomissão de longa data. Nos anos entre 1980 e 1997 oBrasil atendeu a menos de 2 % das necessidades desua área rural, entrando em 1998 com dois terços desuas propriedades no escuro. Somente o estado deSão Paulo tem no seu território reservatórios que sãocapazes de gerar energia renovável capaz de acendertrês Chiles, dez Bolívias, mas tem também milharesde pessoas vivendo no escuro em mais de um quartode suas propriedades rurais, segundo a Eletrobrás.

Ausente o Estado, as coisas se passam comose a responsabilidade social, que é sua, fosseassumida pela empresa de energia juntamente comoutorga de poderes

Na prática, essa transferência não se realizae inclusive, pode se dizer que no novo modelo demercado a tendência e a mesma.

Todavia, no setor elétrico e na Agricultura,as áreas que mais se aproximam do assunto, bemcomo em quase todos os setores dos governosfederal e estaduais, é consensual que o tema pertençaà concessionária.

A eletrificação rural, pela sua natureza, éum problema de distribuição de energia elétrica. Écomum o entendimento que não seja mais do que aextensão das atividades normais da empresa paramercados distantes, dispersos e nada lucrativos e quenão requeira qualquer consideração institucionalespecial. Não motiva engenheiros, técnicos eagentes, muito pelo contrário. Em algumas empresasa eletrificação rural fica na área de engenharia dedistribuição, em outras na área de comercialização,em quase todas elas é depositária do pessoal menosprestigiado dessas áreas, salvo quando surgemverbas externas para gastar.

A concessionária tem obrigações muito bemdefinidas com relação a seus clientes. Vive sob apressão da busca constante ao lucro e aos índices dequalidade satisfatórios. O cliente que reclama, queconsome, que dá lucro é o urbano.

A população rural que permanece sem luz épobre, não vai consumir, vai dar prejuízo e nãoreclama. Não tem voz e não tem representatividade.Nesse esquema nunca vai se constituir em prioridadepara a concessionária. Vai permanecer no escuro eno esquecimento.

A concessionária é posta perante um dilema(FOLEY, 1992).

Por um lado, não pode dizer que vai deixarde atender mercados dentro de sua área deconcessão. Por outro lado, não vai conseguir

conciliar o atendimento de populações rurais pobrescom os objetivos da empresa.

A maneira que ela encontra para sair dodilema é negar a existência do problema.

De fato, o agente que diz que não atendeporque pobre não deve ter luz – pobre rural, porqueo urbano tem luz, reforçando pressões migratóriaspara as periferias social e urbana das cidades grandes– ou, no terceiro mundo, nega ver pobre no interior,está discriminando em nome do Estado. Sua empresadiscrimina em nome do Estado. O Estado discriminaem nome de uma distribuição da riqueza nacionalperversa que se faz acompanhar por uma tambémperversa distribuição de energia nacional.

O Banco Nacional do DesenvolvimentoEconômico e Social – BNDES e a EscolaPolitécnica da Universidade de São Paulo seassociaram para entender os motivos que impedemque pequenos produtores rurais tenham acesso aosserviços públicos de energia elétrica.

As mais importantes agências internacionaisde financiamento e fomento de projetos de infra-estrutura nos países em desenvolvimento, tais comoo “World Bank”, o “Asian Development Bank”, a“USAID”, a “Comission of the EuropeanCommunities”, entre outras, ao analisar os resultadosde políticas extensivas de eletrificação rural empaíses em desenvolvimento manifestam opiniõesconvergentes. Em primeiro lugar, entendem queeletrificação rural é uma questão social que deve serresolvida por uma agência de desenvolvimento, depreferência nacional, externa e independente àconcessionária, cujos objetivos não se coadunamcom o atendimento de populações rurais pobres. Emsegundo lugar, as agências internacionais afirmamque os relatos de sucesso em tais políticas estãosempre associados a uma atividade comunitária deparceria com os executores dos programas, comforte envolvimento das lideranças comunitárias nosprocessos.

Levando em consideração esses dois pontosimportantes, que, de fato, são consistentes com aexperiência do BNDES em programas deeletrificação rural para produtores de baixa renda,esse banco e a Escola Politécnica desenvolveram ummodelo de eletrificação rural. Esse modelo, quepossui alguns elementos do Planejamento Integradode Recursos mas que não foi originariamentepensado como tal, foi implantado no estado do RioGrande do Sul no começo da década de 90 e noestado de São Paulo, desde 1995. É este programade São Paulo, chamado "Luz da Terra", que éanalisado nesse trabalho.

PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NOATENDIMENTO À DEMANDA

SOCIAL

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O modelo BNDES/USP de eletrificaçãorural prevê que haja a participação efetiva dasociedade no atendimento à demanda existente. Istoé conseguido através de um processo adequado demarketing e informação mas, principalmente, atravésda demonstração de vontade política que busqueromper com os paradigmas existentes nasconcessionárias sobre o tema. É extremamente difícilsair de um modelo onde a concessionária, estatal ouprivada, é o ator principal para um modelo onde seenvolve outros atores, inclusive a comunidade. Éuma dificuldade também encontrada no ambiente doPIR.

A participação social no modelo propostoinicia-se com a demonstração de vontade. A vontadeda sociedade, expressa através de um governo queconsiga perceber a importância do tema, é oprimeiro e mais importante passo na direção deromper as barreiras ao atendimento do pobre rural. Apriorização da eletrificação rural vai ser sempreobjeto de uma decisão política, que privilegiadeterminados temas em detrimento de outros.

Essa vontade política pode ser criada apartir da percepção da urgência do tema, pormotivos ideológicos ou por pressão dos gruposinteressados. É papel também da Universidadedespertar essa vontade política, influenciando eassessorando os governos em sua consecução.Vencido esse passo, passa-se para outro, igualmenteimportante, que é o de planejar e implementar umapolítica de eletrificação rural. Neste ponto, aviabilização de recursos, a identificação dasdemandas reprimidas e o envolvimento de todos osagentes, do Estado e da sociedade, são fundamentaispara o sucesso da política. Conforme RIBEIRO:

“o estado (...) tem a obrigação de incluirtodos os cidadãos, inclusive os pobres rurais, nasmetas de atendimento dos serviços públicos. Paratanto, é necessário um modelo de eletrificação comobjetivo específico de atender pequenos produtoresrurais. É fundamental utilizar uma engenharia deeletrificação rural de baixo custo, desenvolver umesquema de crédito adequado ao públicopretendido, e envolver outros atores além daconcessionária, em um arranjo institucional queprivilegie a participação comunitária”. (RIBEIRO,1997, p. 17)

Aliás, a participação comunitária é umponto fundamental na implantação de políticas quevisem o desenvolvimento rural sustentável. AAgenda 21 afirma, em seu capítulo 32, que

“a descentralização das tomadas dedecisões, entregando-as a organizações locais ecomunitárias, é a chave para mudar ocomportamento da população e implementarestratégias agrícolas sustentáveis”(CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBREMEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1992,p. 400).

Muitos autores apontam a participaçãocomunitária como um paradigma decisivo para osucesso de uma política de eletrificação rural.RAMANI (1992) aponta que deve ser fomentado oenvolvimento da comunidade atingida e dos váriosníveis locais de organização através de arranjos quepossibilitem a atividade participativa nas tomadas dedecisão, com iniciativas de baixo para cima. Devemser entendidos os valores do povo rural eaproveitadas a experiência intuitiva que acomunidade tem sobre as opções locais e seu desejoe capacidade de ajudar. MUNASINGHE (1987)ressalta a importância de se conseguir a participaçãodas lideranças e da representação da comunidadejunto às equipes que fazem planejamento, projeto econstrução das obras dos sistemas elétricos, o queimplica a necessidade de se estabelecer canais decomunicação eficientes com as comunidadesatingidas. ROSA, RIBEIRO e MELLO (1993)examinam diferentes arranjos institucionais locaispara um programa estadual de eletrificação rural, epercebem que quanto maior o envolvimento dacomunidade, mais baixo é o custo médio alcançado.Houve, também, redução de custo quando acomunidade foi chamada a opinar sobre rotasalternativas para a rede elétrica. CECELSKI (1992)indica que devem existir programas promocionais deuso de energia elétrica entre os produtores rurais eidentifica, entre as causas que desestimulam o uso daeletricidade na zona rural de um país emdesenvolvimento, a aproximação tradicionalmentepassiva em relação ao mercado por parte daconcessionária.

RIBEIRO E SANTOS (1994) demonstramque o modelo de eletrificação rural baseado naconcessionária não é adequado à solução da situaçãobrasileira e propõem um novo modelo baseado emum arranjo que envolve outros atores. SANTOS(1996) publica o detalhamento de uma política deeletrificação rural que aplica esse modelo, fazendo aavaliação de uma experiência nela baseada queproporcionou o atendimento de 6.500 novosconsumidores de baixa renda a um custo médio deUS$ 735. Demonstra que o sucesso dessa políticadepende da vontade do governo em promovê-la e daparticipação comunitária.

Este último autor chama a atenção para umponto delicado da política de eletrificação rural quepropõe: devem ser tomados cuidados especiais parase conseguir a adesão e o envolvimento dos agentesem diferentes níveis dentro dos órgãos participantes.

CAMINHOS PARA O PIR - O EXEMPLODO PROGRAMA “LUZ DA TERRA”

No início de 1995, o BNDES solicitou quea Universidade de São Paulo levasse ao governo quese instalava no estado de São Paulo uma proposta de

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projeto de eletrificação rural baseado em seu modelojá experimentado, com sucesso, em outro estado.

As Secretarias de Energia e de Agricultura eAbastecimento manifestaram interesse. O governoestadual instituíra uma equipe com nível de diretoriadentro da CESP que dispunha de capacidadeoperacional para dar consecução à intenção de elevarde 60% para 80% o índice de propriedades ruraisatendidas, conforme dispunha o Plano de Governo.Essa equipe deu suporte ao trabalho de duassucessivas comissões nomeadas para propor políticase elaborar um plano de eletrificação rural para oestado, voltado para o propósito do desenvolvimentoda população do campo.

A fonte de recursos oferecida pelo BNDESpara a realização das obras necessárias era o Fundode Amparo ao Trabalhador - FAT. A negociaçãoentre o governo de São Paulo e o BNDES foibalizada por alguns cuidados que precisam serobservados na utilização dos recursos do FAT e ematendimento a outras determinações que o Bancodeve obedecer. Entre outros pontos, algumasrecomendações do BNDES que foram aceitas pelogoverno de São Paulo ao planejar sua política deeletrificação rural foram as seguintes:• o projeto teria cunho social, sendo que a energia

deveria visar o conforto do lar em primeirolugar, como forma de promover a dignidade dafamília no campo;

• o projeto seria explicitamente voltado para ainclusão da família de baixa renda no público-alvo, sem permitir a exclusão de qualquercategoria social, possibilitando o atendimentode todo cidadão em todos os municípios;

• o crédito seria tomado pelo próprio interessado;• o governo de São Paulo deveria equacionar a

forma de dar cobertura ao risco bancário.O BNDES entendia que a principal

ferramenta para se conseguir a adesão do agricultorde baixa renda era o baixo custo unitário. Nãohaveria como financiar um programa com custosmuito superiores aos de outros programas idênticosque o próprio BNDES já tinha financiado. O valormédio verificado no último programa da Eletropauloera idêntico ao registrado em programa estadual quevinha sendo apoiado pelo BNDES em outro estado eficou estabelecido como média a ser alcançada (R$1.500,00) em todas as áreas do estado de São Paulo.Para tanto, em todas as concessionárias epermissionárias envolvidas, deveriam serrecomendados padrões elétricos simplificados,optando-se preferencialmente pelo SistemaMonofilar com Retorno por Terra, condutor de açozincado, poste de madeira, transformador depequeno porte, além da construção pelo sistema emmutirão.

O BNDES deixou claro que nãoconsiderava que as concessionárias fosseminstituições adequadas para conduzir um programa

com tais finalidades sociais, porque estascaracterísticas conflitam com os seus objetivosempresariais. Deixou claro, também, que asustentabilidade desse programa dependia demanifestações de forte vontade política do governoem promover um programa de cunho eminentementesocial, de forma a superar inevitáveis resistênciasdentro das próprias empresas.

O governo do Estado de São Pauloconcordou com todos esses pontos. De sua parteassumia alguns compromissos, entre os quais:• participação de várias instituições estaduais,

entre as quais, as três concessionárias públicasde então, as citadas Secretarias mais a deEconomia e Planejamento e da Ciência,Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, aNossa Caixa Nosso Banco - NCNB - comoagente financeiro, a Universidade de São Paulo;

• constituição de um sistema de equivalência emproduto no âmbito do Fundo de Expansão daAgropecuária e da Pesca - FEAP;

• garantias bancárias dadas pela NCNB e, no casode rendas inferiores a determinado valor, peloFEAP;

• pagar a ligação das famílias de baixa renda e aconstrução das linhas tronco necessárias;

• permitir “várias portas de entrada ao programa”,na suposição de que em muitas agências dasconcessionárias o programa poderia não ter aagilidade necessária;

• incentivar e orientar a participação dasprefeituras e outras instituições comunitárias dosmunicípios, de forma a organizar oenvolvimento dos interessados, o trabalho emmutirão e a compra de materiais em conjunto;

• coordenar diretamente todas as ações; a equipeda CESP, que era independente da Diretoria deDistribuição, teria a capacidade de levar apolítica estadual a todos os municípios, sendoque a gestão das operações não deveria ficar porconta das concessionárias e sim porresponsabilidade da Secretaria de Energia, comomeio de garantir o atendimento social e aimposição da obediência às linhas da política degoverno.

Sob tais compromissos, foi aprovado oPrograma “Luz da Terra” com metas de atender100% da população rural. Envolvia recursos iniciaisda ordem de R$ 225.000.000,00 para as primeiras150.000 ligações, das 200.000 que se imaginavaexistir como demanda reprimida. Os números nãoeram importantes pois havia recursos para atender atotalidade, e portanto, cada um teria que seratendido. Esta, sim, uma meta importante: atender100%. O BNDES se comprometia com 180 milhões,aos beneficiários caberia 15%, ao estado de SãoPaulo, 5%.

Os 15% de cada interessado poderiam serpagos pelo trabalho não especializado em mutirão.

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Os 5% de contrapartida do estado não seriamdesembolsados: as concessionárias se obrigariam,por esse valor, a executar serviços técnicos deconfeccionar o projeto, fiscalizar e aceitar a obra emdoação.

Ressalte-se que foi por iniciativa do própriogoverno do Estado de São Paulo que este ficou comas responsabilidades de atender de graça osconsumidores de baixa renda e de construir as linhatronco que fossem necessárias. Para complementar oquadro de fontes de recursos, é importante registrarque, por lei federal, as concessionárias são obrigadasa fazer, em todas as obras de atendimento a novosconsumidores, um investimento mínimo, nesse caso,da ordem de 20% de cada obra. Era mais ou menosdessa ordem a despesa prevista com os dois itens:baixa renda e linhas troncos.

O programa "Luz da Terra", lançado emsetembro de 1996, só teve seu primeirofinanciamento contratado em julho de 1997, 11meses depois. Até março de 1998, data deencerramento da primeira etapa do contrato com oBNDES de uma proposta inicial que previa aassinatura de 30.000 contratos de financiamento,foram assinados exatos 2.074 contratos.

Em resumo, com relação aos compromissosque o governo do estado de São Paulo assumiu como BNDES, tem-se a concluir o seguinte:• a equipe que iria operacionalizar o programa em

todo o estado deixou de existir;consequentemente, a atividade da Secretaria deEnergia ficou muito restringida, limitando-se aações de gabinete.

• as concessionárias se tornaram instituições quecomandavam o programa de fato nas ações nointerior; em muitas cidades, não foi aberto oprograma “Luz da Terra”;

• os não-produtores rurais, moradores apenas daárea rural, ficaram excluídos;

• na maior parte dos municípios não se permitiu oatendimento do público de baixa renda;

• as concessionárias ficaram sendo a única portade entrada, sem conseguir apreender o carátersocial da política de governo para a eletrificaçãorural; os projetos ficaram caros, seguindopadrões convencionais antigos nãosimplificados;

• não foi compreendido o papel do banco, queficou com a imagem de atravancador doprocesso;

• as prefeituras não se envolveram;• o estado não conseguiu coordenar a ação dos

diversos atores no interior; muitas autoridades emuitos agentes abnegados se viram em situaçãoconstrangedora por se envolver emcompromissos infrutíferos com a populaçãorural.

Percebeu-se claramente que existiu umvácuo entre o que foi planejado e o que foiexecutado. O modelo proposto pelo BNDES e pelaUniversidade de São Paulo não foi implantado.Havia um espaço, situado dentro do município, quenão foi preenchido nem física nem politicamente.

O programa foi interrompido no início de1998. Houve, em seqüência, uma longa etapa denegociação com o BNDES, visando a prorrogação.

O BNDES entendia que os fatos mostravamque a vontade política que o governo manifestaranão era complementada por ações de apoio aoprograma “Luz da Terra”.

Para o modelo proposto dar certo, umingrediente é fundamental: a vontade política defazer. O governo tem que assumir a política propostae implementar ações que façam com que essapolítica seja realizada. Ações que implicam emcolocar recursos, humanos e materiais, à disposição,convencer e fazer seus agentes de governo levar parafrente sua política. Deve cobrar responsabilidadesquando são devidas. São ações que mostram ointeresse do governo pela eletrificação rural de baixocusto.

Essa vontade não foi suficientementedemonstrada pelo governo de São Paulo.

O fluxograma de ações sugere um programamais complexo e lento que o tradicional. Há,simultaneamente a um projeto técnico, uma operaçãobancária de empréstimo, regida por normas rígidas eem que os riscos tem que estar claramente definidos.Os objetivos do custo baixo e da não-exclusão só sãoalcançados com vários esforços, de todos osorganismos envolvidos.

O ponto central das ações é uma boaarticulação local e o resultado dela: apoio àcomunidade para que esta possa manejar o programae acessar o crédito. As ações também sãoconcatenadas. Uma tarefa não realizada ou realizadapela metade compromete o processo e implica emretrabalho e lentidão. A compreensão dosprocedimentos e da filosofia do programa tem queser grande.

Em outubro de 1998, o programa foiretomado. Novos compromissos foram assumidos,principalmente com relação à gestão de programa e àdisponibilização de equipes capacitadas a agir nointerior. Foi criada uma nova metodologia detrabalho baseada no trabalho de ROSA; MELLO(1997) e descrita por RIBEIRO et al. (1998). Estametodologia prevê a criação de Serviços Municipaisde Eletrificação Rural (SMER) com o objetivo deretomar a proposta inicial de envolvimento dospoderes locais e passar a responsabilidade deimplantação do programa para as municipalidades eos órgãos de extensão rural. Seriam órgãos queteriam a tarefa de coordenar as ações do programalocalmente e identificar os recursos, existentesdentro do município, que poderiam vir a se juntar

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aos recursos disponibilizados pelo BNDES, numaespécie de implantação de pequenos PIR locaisdirecionados ao atendimento de demanda porenergia elétrica no meio rural. A implantação foifeita em mais de 100 municípios com resultadospositivos, porém ainda insuficientes. Há necessidadede acompanhamento contínuo dos trabalhos doSMER, e o programa ainda sofre com a falta de umaequipe para ampliar a proposta para o restante doestado (mais de 600 municípios) e acompanhar os jáimplantados.

Nesse ínterim, o contexto mudou. Asantigas concessionárias estatais foram privatizadas,fazendo com que todas as empresas de distribuiçãode energia elétrica no estado sejam particulares.Nesse processo, cabe ressaltar as ações que ogoverno do estado tomou em relação à garantia decontinuidade do programa:• na privatização da CPFL, não foi colocada

nenhuma cláusula que garantisse a participaçãoda empresa no programa. Há apenas umcompromisso informal, assumido com oSecretário de Energia, de realizar 2.000 ligaçõesem 1999. Como resultado, a CPFL praticamentese afastou do programa, apesar de já ter sidoidentificado um potencial de pelo menos 7.000ligações em sua área de concessão;

• baseado nesse exemplo, na privatização daElektro, Bandeirante e EletropauloMetropolitana, o governo do estado impôs aexigência de ligação de, respectivamente,22.970, 12.500 e 600 consumidores rurais noperíodo 98/99. Apesar de não haver sançõesexplícitas para o caso de não cumprimento dacláusula, há alguns sinais de que os novoscontroladores pretendem dar atenção ao tema.Das três, a Elektro é a que mais vem seempenhando, apoiando a constituição deSMERs em sua área e procurando alternativasde negociação. Há problemas de restriçãoorçamentária para a confecção de projetos econstrução de linhas tronco em algumas áreas. ABandeirante provocou um grande enxugamentode seus quadros logo após a privatização,causando uma certa perda de memória doprograma nos municípios e indefinição dosagentes locais sobre o seu papel no programa.Com isso, o programa vêm patinando em suaárea já há bastante tempo. Espera-se que, apartir de pressões do governo, a empresa tomeposição mais firme em relação ao cumprimentode suas metas. A Eletropaulo Metropolitanaalega que suas ligações estão em área deproteção ambiental e não vem tomando medidaspara resolver o problema;

• quanto às demais empresas, que já eramprivadas, o governo, em negociação com elas ea ANEEL, fez incluir nos novos contratos deconcessão que foram assinados em fins de 1998,

cláusula que obriga as empresas a apresentaremum plano de eletrificação rural assim quesolicitadas pelo governo. Algumas empresas semanifestaram, como a Caiuá, Santa Cruz e SulPaulista, que pretendem iniciaram suas ações noinício de 1999. Algumas cooperativas deeletrificação rural também estão seincorporando, como a CETRIL, CERIPA eCEDRI.

São ações positivas, porém aindainsuficientes. É necessária forte vontade política paraque as exigências postas sejam cumpridas, e não hágrandes garantias de que o processo seja retomadocomo inicialmente planejado. Os compromissosassumidos pelo governo do estado em relação aosinteressados de baixa renda e na construção de linhastroncos estão dependendo da boa vontade dasconcessionárias, hoje particulares. Não foi resolvidoainda o problema dos não produtores rurais de umamaneira geral, havendo apenas soluções paliativasnas áreas da CPFL e Bandeirante.

CONCLUSÕES

Mostrou-se, neste trabalho, a participaçãoda sociedade como parte de um modelo deeletrificação rural que visa o atendimento de toda ademanda existente, até dos mais pobres. Talparticipação, conseguida num projeto piloto no RioGrande do Sul, não se conseguiu ver estabelecida noestado de São Paulo, da maneira como foiinicialmente planejado. Houve falhas no processo deplanejamento e, principalmente, na etapa deimplantação de uma política pública que contavacom recursos do BNDES e queria aproveitar aomáximo os recursos disponíveis da comunidade. Oente que deveria liderar o processo, no caso ogoverno do estado de São Paulo, não conseguiudisponibilizar os recursos humanos necessários àimplementação de sua política nem obter um arranjoinstitucional adequado. A liderança de uma políticade governo ficou a cargo das concessionárias,negando o modelo proposto. Outra parcela dosmotivos do fracasso da política deve-se também aincertezas provocadas pelo processo de privatizaçãodas empresas e ao próprio processo de planejamentodo programa, que contou com a participação apenaspassiva das concessionárias.

Um ponto é claro: é necessário que ogoverno do estado de São Paulo se posicione demodo mais incisivo para que o programa retorne aoseu eixo original e permita que a eletricidade atinjaos mais distantes rincões do estado paulista. Umapolítica pública de forte impacto social na zona ruralpoderá ter conclusão melancólica por causa deindefinições institucionais. Para tanto, uma saidaconciente, a esta problemática, pode facilmente seachar na aplicação do PIR como processo a partir doEstado.

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PALAVRAS CHAVES

Planejamento Integrado de Recursos,Eletrificação Rural, Distribuição de Energia Elétrica.

REFERÊNCIAS

[1] CECELSKI, E. W. Enhancing socio-economic and environmental impacts of ruralelectrification. In: Rural Electrification Guidebookfor Asia and Pacific. Edited by G. Saunier,Bangkok, 1992.

[2] CONFERÊNCIA DAS NAÇÕESUNIDAS SOBRE MEIO-AMBIENTE EDESENVOLVIMENTO. Agenda 21. p. 471, Riode Janeiro, 1992.

[3] FOLEY, G. Alternative institucionalapproaches to rural electrification. In: Ruralelectrification guidebook for Asia and Pacific.Edited by G. Saunier, Bangkok, 1992 .

[4] MUNASINGHE, M. Ruralelectrification for development: policy analysisand applications. Bouder, Colorado, WestviewPress, 1987.

[5] RAMANI, K.V. Rural electrificationand rural development. In: Rural ElectrificationGuidebook for Asia and Pacific. Edited by G.Saunier. Bangkok, 1992.

[6] RIBEIRO, F.S · A eletrificação ruralao alcance de todos. In. XXVI CongressoBrasileiro de Engenharia Agrícola (XXVICONBEA). Campina Grande, julho de 1997.

[7] RIBEIRO, F.S.; SANTOS, J.F.M.Política de eletrificação rural: superando dilemasinstitucionais. Revista do BNDES, n. 2, Rio deJaneiro, dezembro de 1994.

[8] RIBEIRO, F.S.; PELEGRINI, M.A.;PAZZINI, L.H.A.; GALVÃO, L.C.R – A extensãorural no processo de eletrificação. In: CongressoLatinoamericano de Ingenieria Rural – CLIR’98. LaPlata, Argentina. Novembro/98.

[9] ROSA, F. L.O.; RIBEIRO, F.S.;MELLO; R.S. Programa de eletrificação ruralsimplificado para pequenas propriedadesagrícolas do Rio Grande do Sul/PROLUZ -Brasil: avaliação preliminar dos resultados. In:XIV Conferência Latino Americana deElectrificacion Rural (XIV CLER). Tomo VIII.Punta del Este, Uruguai, outubro de 1993.

[10]ROSA; F.LO.; MELLO, R.S.Eletrificação rural simplificada . Porto Alegre,1997. Relatório apresentado à CERESP sobre oServiço Municipal de Eletrificação Rural.

[11]ROSA, L.P.; TOLMASQUIM, M.T.;PIRES, J.C.L. A reforma do setor elétrico noBrasil e no mundo - uma visão crítica. EditoraRelume - Dumará. Rio de Janeiro, 1998. 211p.

[12]SANTOS, J.F.M. Política deeletrificação rural . Rio de Janeiro, março de 1996.162p. Dissertação (Mestrado) - UniversidadeFederal do Rio de Janeiro.

[13]TENDRIH, L. Experiências comsistemas de eletrificação rural de baixo custo:uma análise dos impactos sócio-econômicos.Dissertação (Mestrado) Universidade Federal Ruraldo Rio de Janeiro. Itaguaí, Rio de Janeiro, junho de1990.

[14]UDAETA, M.E.M PlanejamentoIntegrado de Recursos Energéticos - PIR - para osetor elétrico (pensando o desenvolvimentosustentável). São Paulo, 1997. 351p. Tese(Doutorado). Escola Politécnica da Universidade deSão Paulo.