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ISSN 1677-0668 ARTIGOS ENTREVISTA ANO VII 31 julho/setembro de 2007 O futuro da Rodada de Doha As idas e vindas das reuniões deixaram muitos analistas pessimistas com o provável futuro da Rodada de Doha. De um lado, os Estados Unidos negam-se a reduzir os subsídos agrícolas entre os países, e de outro, o Brasil exige a redução desses subsídios. O protecionismo agrícola dos EUA pode não ser o principal motivo das seqüentes negociações mal sucedidas da Rodada de Doha. Revista de Conjuntura Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal Negociações comerciais e relações econômicas internacionais: o impasse da Rodada de Doha Luiz Carlos Delorme Prado O parlamento e a construção da cidadania Dr. Rosinha Renegociação das dívidas estaduais refinanciadas pela União José Fernando Cosentino Tavares Agroenergia – nova dinâmica do agronegócio brasileiro Elisio Contini Brasil 2007 – ciclo de crescimento ou bolha? Carlos Eduardo de Freitas Reforma tributária José Luiz Pagnussat O advogado e ex-secretário da Receita Federal, Osiris Lopes Filho, fala à Revista de Conjuntura do Corecon-DF sobre a prorrogação da CPMF

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Negociações comerciais e relações econômicas internacionais: o impasse da Rodada de Doha Agroenergia – nova dinâmica do agronegócio brasileiro Brasil 2007 – ciclo de crescimento ou bolha? Reforma tributária O advogado e ex-secretário da Receita Federal, Osiris Lopes Filho, fala à Revista de Conjuntura do Corecon-DF sobre a prorrogação da CPMF Luiz Carlos Delorme Prado ISSN 1677-0668 Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal Carlos Eduardo de Freitas

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ISSN

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ArtigoS

ENTREVISTA

ANO

VII

• Nº

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julho

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O futuro da Rodada de Doha

As idas e vindas das reuniões deixaram muitos analistas pessimistas com o provável futuro da Rodada de Doha. De um lado, os Estados

Unidos negam-se a reduzir os subsídos agrícolas entre os países, e de outro, o Brasil exige a redução desses subsídios. O protecionismo

agrícola dos EUA pode não ser o principal motivo das seqüentes negociações mal sucedidas da Rodada de Doha.

Revista deConjunturaPublicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

Negociações comerciais e relações econômicas

internacionais: o impasse da Rodada de Doha

Luiz Carlos Delorme Prado

O parlamento e a construção da cidadania

Dr. Rosinha

Renegociação das dívidas estaduais refinanciadas

pela UniãoJosé Fernando Cosentino Tavares

Agroenergia – nova dinâmica do agronegócio brasileiro

Elisio Contini

Brasil 2007 – ciclo de crescimento ou bolha?

Carlos Eduardo de Freitas

Reforma tributáriaJosé Luiz Pagnussat

O advogado e ex-secretário da Receita Federal, Osiris Lopes Filho,

fala à Revista de Conjuntura do Corecon-DF sobre a

prorrogação da CPMF

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A assinatura da Revista de Conjuntura pode ser efetuada contactando o Corecon/DF. O valor da assinatura é de

R$ 70,00 anuais, o que equivale a quatro edições da revista.

6 Negociações comerciais e

relações econômicas internacionais: o impasse da

Rodada de Doha

Luiz Carlos Delorme Prado

14 O parlamento e a construção

da cidadania

Dr. Rosinha

21 Renegociação das dívidas

estaduais refinanciadas pela União

José Fernando Cosentino Tavares

30 Agroenergia – nova dinâmica do

agronegócio brasileiro

Elisio Contini

37 Brasil 2007 – ciclo de

crescimento ou bolha?

Carlos Eduardo de Freitas

42Reforma tributária

José Luiz Pagnussat

ArtigoS

4 editorial5 entrevista

Osiris Lopes Filho

26 capaO futuro da Rodada de Doha

ÍndicePublicação do Conselho Regional de

Economia do Distrito Federal

ANO VII • Nº 31 • julho/setembro de 2007

ConjunturaRevista de

Nesta edição

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Editor ResponsávelMário Sérgio Fernandez Sallorenzo,

Conselho EditorialHumberto Vendelino Richter,José Aroudo Mota,José Fernando Cosentino Tavares,José Luiz Pagnussat,Júlio Miragaya,Maurício Barata de Paula Pinto eMônica Beraldo Fabrício da Silva.

Jornalista ResponsávelDaniela Lima – Reg. DRT/DF: 4926

RedaçãoDaniela Lima

Editoração Eletrônicawww.arsventura.com.br

Tiragem: 4.000Periodicidade: Trimestral

As matérias assinadas por colaboradores não refletem, necessariamente, a posição das entidades. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte.

CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO - DF

PresidenteMário Sérgio Fernandez Sallorenzo

Vice-PresidenteRoberto Bocaccio Piscitelli

Conselheiros EfetivosEvilásio da Silva Salvador,José Aroudo Mota,José Luiz Pagnussat, Júlio Flávio Gameiro Miragaya,Maria Cristina de Araújo,Mário Sérgio Fernandez Sallorenzo,Max Leno de Almeida,Mônica Beraldo Fabrício da Silva eRoberto Bocaccio Piscitelli.

Conselheiros SuplentesAndré Nunes,Gilson Duarte dos Santos,Homero Gustavo Reginaldo Lima,Junia Rodrigues de Alencar, Jusçanio Umbelino de Souza,Maurício Barata de Paula Pinto,Paulo Luiz Figueiredo de Oliveira eRonalde Silva Lins.

Equipe do CoreconAngeilton Francisco Lima Faleiro,Iraci da Costa Lopes,Ismar Marques Teixeira,Jamildo Cezário Gomes eMichele Cantuária Soares.

EstagiáriosGéssika de Freitas Souza (ensino médio) eRafael Amaral Dornelles (economia).

End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202CEP 70300-907 – Brasília/DF Tels: (61) 3225-9242 / 3223-14293964-8366 / 3964-8368Fax: (61) 3964-8364E-mail: [email protected]: www.corecondf.org.brHorário de Funcionamento:das 8 às 18 horas (sem intervalo)

Esta edição da Revista de Conjuntura traz alguns temas importantes

da agenda atual, com destaque para a Rodada de Doha, que se encaminha

para o desfecho com possibilidades de avanços importantes na redução

das restrições impostas pelos países desenvolvidos às exportações agrícolas

dos países em desenvolvimento. O excelente artigo do professor Luiz Carlos

Prado, ex-presidente do Conselho Federal de Economia, faz um panorama dos

principais avanços da Rodada de Doha e a matéria da jornalista Daniela Lima

faz um relato das controvérsias e dos riscos de fracasso e sintetiza os principais

mandatos da Rodada de Doha.

O tema da entrevista é a prorrogação da CPMF. O ex-secretário da Receita

Federal Osires Lopes Filho se mostrou contrário à prorrogação, considerando

a CPMF um mau tributo, tecnicamente, por ser invasora de todas as áreas de

incidência tributária e por ser cumulativa, onerando mais os produtos com

cadeia produtiva longa. Cabe destacar que o debate sobre a CPMF, tanto

no Congresso Nacional como nas entidades organizadas da sociedade, tem

apontado vantagens e desvantagens desse tributo. Em relação às vantagens,

destaca-se o baixo custo de arrecadação e a dificuldade de sonegação. A

CPMF alcançou a atividade informal e foi importante para a identificação dos

sonegadores. Todos, em algum momento, movimentam seus recursos no

sistema financeiro e pagam CPMF revelando, portanto, incompatibilidades de

algumas fortunas com o pagamento de tributos.

A questão tributária foi o tema do artigo do ex-presidente do Conselho

Federal de Economia, José Luiz Pagnussat, que analisa a proposta de reforma

tributária do governo e apresenta alguns pontos que indicam a urgência

da reforma e da modernização do sistema tributário, no sentido de reduzir

a excessiva burocracia tributária, ampliar a base de arrecadação, diminuir a

carga tributária dos setores estratégicos e desonerar a folha de pagamento e

os produtos essenciais.

O artigo “Agroenergia – nova dinâmica do agronegócio brasileiro”, do

Professor Elísio Contini, mostra a viabilidade e a competitividade brasileira

indicando a perspectiva positiva de desenvolvimento desse setor.

Recomenda-se, ainda, a leitura dos excelentes artigos do professor José

Fernando Cosentino Tavares, que faz um panorama atual das dívidas dos

Estados, renegociadas com a União; e do professor Carlos Eduardo de Freitas,

que analisa se o Brasil está num novo ciclo de crescimento ou bolha, apresen-

tando as diferentes visões dos economistas ortodoxos e heterodoxos.

Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

EditorialEditorialConjunturaRevista de

ErrataA Revista de Conjuntura do Corecon-DF retifica a sua última edição, de janeiro/junho de 2007, referente ao artigo de autoria dos economistas Bolívar Pêgo e Carlos Campos Neto, em que o símbolo de percentagem (%) foi inserido indevidamente aos valores de elasticidade-renda do consumo de energia elétrica, como pode ser visto na página 19, item 3.1. Ressalvamos que todos os números referentes a elasticidade que constam no texto, a unidade referente não cabe a percentagem. Retificamos também na tabela 2 da página 20, onde consta a taxa de crescimento da oferta e demanda de energia elétrica, o índice correto é 1000 mw.

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Revista de Conjuntura out/dez de 20063

CPMF: extinta ou prorrogada?

O advogado e ex-secretário da Receita Federal, Osiris Lopes Filho, fala sobre a prorrogação da CPMF

– Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira – aprovada em segundo turno, na Câmara dos Deputados, e que, agora, seguirá para o Senado

Federal. O prazo para definir se o tributo será prorrogado ou extinto é até o

dia 31 de dezembro de 2007.

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dos por parte da Receita Federal pode examinar a vera-

cidade de tributos que a elite deveria pagar, e possibilita

assim a identificação de alguns grandes sonegadores e

a descoberta de imensas fortunas inexplicadas?

Osiris Lopes Filho – Isso é muito alardeado, mas, ocorre

que o simples fato da identificação de uma movimenta-

ção financeira não significa uma prova incontestável da

evasão tributária. É um indício a movimentação finan-

ceira enorme e não declarada, mas existe a lei que esta-

belece uma presunção legal pelos depósitos bancários

em que não são comprovados os documentos hábeis

e idôneos de que aquele depósito corresponde a uma

renda. O Fisco tem que provar também que aquele de-

pósito corresponde ao conceito de renda existente no

quadro tributário nacional.

Conjuntura – É verdade que a CPMF onera as camadas

mais ricas da população, proporcionando maior distri-

buição de renda?

Osiris Lopes Filho – Onera toda a população. A virtude

que se alardeia desse tributo é que pega a economia

informal, criminosa. Mas, o fundamental é que a eco-

nomia real sofre os seus efeitos, elevando os custos

produtivos do país, tirando poder de concorrência, no

mercado internacional, às nossas exportações, e sacri-

fica o povo brasileiro, pois lhe retira poder aquisitivo, e

repercute sobre os preços dos bens e serviços, aumen-

tando-os.

Conjuntura – A CPMF é um bom tributo do ponto

de vista técnico? Quais as qualidades e problemas

atribuídos à CPMF?

Conjuntura – Qual é a história da CPMF, para que esse

tributo, desde 1997, venha sendo prorrogado?

Osiris Lopes Filho – Em 1996, o ministro Adib Jatene

resolveu fazer uma campanha nacional para obter re-

cursos para a saúde. Ele, então, concebeu a transfor-

mação do que tinha sido o Imposto Provisório sobre

Movimentação Financeira (IPMF), criado em 13 de ju-

lho de 1993 – em Contribuição Provisória sobre Mo-

vimentação Financeira (CPMF), com complacência do

Supremo Tribunal Federal (STF) que considerou a ação

absolutamente legal. O problema da nossa Constitui-

ção é que a competência em matéria de impostos é

muito rígida, mas, com relação às contribuições, ela é

bastante fluídica. A partir da CPMF, o STF considerou

que poderia haver contribuição com a mesma base

econômica de imposto, e, portanto, considerou super

taxadas algumas operações, surgindo a guerra fiscal

da união contra os Estados, tributando por meio de PIS

e Cofins também a área de incidência do ISS dos muni-

cípios e ICMS dos Estados.

Conjuntura – Qual é a importância da CPMF no finan-

ciamento da Saúde, tendo em vista que o tributo foi

criado para financiar a Saúde pública?

Osiris Lopes Filho – Na divisão da CPMF, 0,20% vai para

a Saúde, 0,08% vai para o Fundo de Combate e Erradi-

cação da Pobreza e 0,10% vai para a Previdência, mas

um de seus destinos é sustentar o superávit primário

do governo.

Conjuntura – Qual é a importância da CPMF na identifi-

cação de sonegadores? É fato que o cruzamento de da-

“O problema da nossa Constituição é que a competência em matéria de impostos é muito rígida, mas, com relação às contribuições, ela é bastante fluídica. ”

Osiris Lopes Filho

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Osiris Lopes Filho – É um mau tributo, pois, tecnicamen-

te, a CPMF é a mais invasora das formas de tributação

do país. Invade todas as áreas de incidência tributária.

E, ao fazê-lo, agride acentuadamente as bases tributá-

rias dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios. A

CPMF prejudica muito o nosso país e ao povo brasileiro,

porque tem o efeito gilete – onera tanto o processo pro-

dutivo, quanto o consumo. Prejudica a industrialização,

pois pressupõe várias aquisições de insumos, compras

de matérias primas, pagamento de mão-de-obra, e toda

vez que isso ocorre se tem incidência de CPMF. Então

quanto mais operações a empresa tiver na sua cadeia

produtiva, mais fica onerada cumulativamente. E tam-

bém dificulta a nossa concorrência internacional, e de

outro lado, favorece a importação de bens estrangeiros

que não tem incidência do tributo. A vantagem é que o

tributo é altamente rentável, e quem arrecada são as ins-

tituições financeiras. Mas a repercussão que ela tem na

economia é altamente negativa, porque ainda que pare-

ça pequena a alíquota de 0,38%, se for considerada a arre-

cadação prevista para este ano que supera R$ 35 bilhões,

se vê que é uma arrecadação expressiva, que supera o

somatório de impostos tradicionais como o IPI – Imposto

sobre Produtos Industrializados, imposto de importação,

o IOF – Imposto sobre Operação Financeira, o imposto de

exportação, o ITR – Imposto sobre Propriedade Territorial

Rural. A CPMF é um tributo adequado para um governo

que pretende arrecadar a qualquer custo.

Conjuntura - Quais as possíveis alternativas do gover-

no para manter a arrecadação federal, caso a prorroga-

ção da CPMF venha a ser rejeitada. Haveria, por exem-

plo, aumentos nas alíquotas do Imposto de Renda? Isto

não significaria tornar permanente uma receita que ora

é “provisória”?

Osiris Lopes Filho – Se no dia 31 de dezembro deste

ano a CPMF for extinta, como prevê a Constituição, o

tributo não poderia configurar como previsão de ar-

recadação no orçamento de 2008, suportando a série

de gastos públicos. Só pode ser cobrado imposto ou

contribuição vigente, cuja força e validade decorram

da lei. E contrariando toda a construção de constitucio-

nalidade, criou-se o terrorismo humanitário. Previu-se

uma receita tributária baseada num tributo morto, e se

atribuiu a essa fonte de recursos inexistentes, no plano

da realidade jurídica, suporte para despesas a serem re-

alizadas nas áreas de Saúde, Previdência e Assistência

Social, em torno de R$ 38 bilhões. Durante quatro anos, o

Executivo teve tempo de sobra para buscar fonte de re-

cursos alternativos à extinção da CPMF. E elas existem. Há

na previsão orçamentária um acréscimo de R$ 50 bilhões

na receita a ser arrecadada decorrente do crescimento

da economia brasileira. É elementar a classificação das

receitas entre ordinárias e extraordinárias. As ordinárias

são as permanentes, as extraordinárias, as de natureza

temporária. A CPMF, o próprio nome indica, é provisória.

Produz efeitos enquanto vigente; morta, já era.

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Negociações comerciais e relações econômicas internacionais:

o impasse da Rodada de DohaLuiz Carlos Delorme Prado

1. Introdução

A Rodada Uruguai foi um momento em que o po-

der de barganha dos países em desenvolvimento es-

tava particularmente reduzido. Em parte, isto pode ser

explicado pelo fato de que muitos desses países esta-

vam, ainda, enfrentando duros problemas com a ne-

gociação de uma saída para a crise da dívida externa

na década de 1980. Por outro lado, o avanço do libe-

ralismo ideológico foi reforçado pela vitória ocidental

na Guerra Fria, e pela vinculação que seus defensores

fizeram entre o fracasso do socialismo real no leste eu-

ropeu e uma suposta vitória do modelo norte-ameri-

cano de capitalismo.

Embora a agenda de negociações da Rodada Uru-

guai não tivesse necessariamente nenhuma vinculação

com a construção de uma ordem liberal, a posição ne-

gociadora norte-americana ficou reforçada1 e a polari-

zação das discussões entre os interesses dos EUA e da

Europa Ocidental, em processo de construção da União

Européia, reduziu expressivamente a capacidade nego-

ciadora dos países em desenvolvimento. Com a criação

da OMC postergou-se para cinco anos depois, quando

deveria ser iniciada uma nova rodada de negociação, o

tratamento de questões de interesse desses países, tais

como, a redução das tarifas e dos subsídios praticados

pelos países desenvolvidos na área agrícola.

Este artigo discute as negociações comerciais na

OMC, em especial o impasse nas negociações na Roda-

da de Doha, desde a Reunião Ministerial de Cancún. O

trabalho usa como fonte os copiosos registros dessas

negociações disponíveis no sítio da OMC, e fontes do

Ministério de Relações Exteriores, em especial a Carta

de Genebra, editada pela Missão do Brasil em Genebra.

2. Negociações comerciais da Rodada Uruguai

ao impasse de Cancún

Na Rodada Uruguai, a agenda negociadora pri-

vilegiou temas de interesse de países desenvolvidos,

tais como o TRIPS, TRIMS e o GATS. Foram mínimas as

concessões para os países em desenvolvimento. As ex-

ceções foram poucas, como a tarifação na agricultura

– ou seja, a substituição das cotas em quantidades por

cotas tarifárias – e a definitiva incorporação da agricul-

tura nas negociações comerciais. Por outro lado, muitos

dos parcos compromissos assumidos naquela ocasião

pelos países industriais avançados, particularmente em

industrias de baixa tecnologia, como têxteis e vestuá-

rios, não foram cumpridos.

Nas Reuniões Ministeriais que foram realizadas após

a criação da OMC, esperava-se que, em contrapartida à

aceitação de novos temas na agenda negociadora, fos-

sem efetivamente liberalizadas áreas como agricultura,

Artigo

1 As negociações comerciais no pós-guerra tinham por objetivo construir um sistema de comércio internacional administrado, e não liberal. As negociações na Rodada Uruguai seguiram nessa linha. Trata-se, principalmente, de garantir acesso a mercados domésticos, vistos como ativos estratégicos – e não simples liberalização comercial.

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têxteis, produtos de baixa tecnologia ou intensivos em

energia e recursos naturais.2 No entanto, isto não ocor-

reu, como, ainda, na Reunião Ministerial de Singapura

pretendeu-se aprofundar, ainda mais, os chamados no-

vos temas.

A Reunião Ministerial de Seattle marcou o processo

de resistência a essa agenda, que era percebida como

injusta, por muitos países em desenvolvimento, e como

perigosa, por setores mais frágeis dos países desen-

volvidos. Os chamados movimentos anti-globalização

abrangiam setores que pouco tinham em comum, a

não ser a rejeição de uma ordem econômica interna-

cional que vinha sendo implementada desde o final da

década de 1980.

O clima político criado com os ataques terroristas

aos EUA em setembro de 2001, teve grande influência

para a criação de uma nova Rodada Multilateral de Ne-

gociação em Doha. A Reunião Ministerial de Doha, em

dezembro de 2001, foi realizada em uma atmosfera

emocional que parecia levar a um clima de cooperação

das forças da racionalidade contra a barbárie – e, nesse

contexto, surgia uma maior preocupação com a cria-

ção de uma ordem internacional mais justa. Os países

desenvolvidos participaram da reunião de forma mais

construtiva. O lançamento da Rodada de Desenvolvi-

mento de Doha sinalizava com a retomada da discus-

são de temas de interesse dos países em desenvolvi-

mento, como contrapartida às concessões feitas por

eles na Rodada Uruguai. Na ocasião, os países indus-

triais avançados acenavam que poderiam vir a atender

as demandas de implementação das políticas de inte-

resse dos países em desenvolvimento, que tinham sido

acordadas na Rodada Uruguai e que vinham sendo

proteladas pelos países desenvolvidos, em especial no

setor agrícola.

Esse clima, no entanto, não foi mantido em Cancún.

Naquela ocasião ficou claro que os países desenvolvi-

dos, liderados por uma administração norte-americana

particularmente ideológica e pouco sensível à com-

plexidade dos problemas mundiais, não tinha interes-

se em fazer concessões significativas, e, ao contrário,

pressionava para a discussão dos chamados temas de

Singapura, que, em alguns casos, pareciam ser inaceitá-

veis para países que prezavam sua autonomia, como os

controversos acordos de proteção de investimento.

Esse impasse ficou claro quando, em Cancún, no

grupo dos Temas de Singapura, o facilitador Pierre

Pettigrew (Canadá), apresentou duas opções para o

texto ministerial: lançar negociações em Cancún ou

remeter os temas para Genebra para esclarecimentos

adicionais. Na ocasião, vários países em desenvolvi-

mento, entre eles Brasil e Índia, afirmaram que era evi-

dente que não havia consenso para iniciar negociações

nos termos da Declaração de Doha. Também não hou-

ve consenso no grupo de Desenvolvimento, sob a coor-

denação de Mukhisa Kituyi (Quênia): os temas de Trata-

mento Especial e Diferenciado e o de Implementação

foram considerados propostas de pouco ou nenhum

valor para os países em desenvolvimento. Finalmente,

no Grupo de Agricultura, sob a coordenação de George

Yeo Yong-Bom (Singapura), apesar de ter havido vários

O clima político criado com os

ataques terroristas aos EUA em setembro de

2001, teve grande influência para a

criação de uma nova Rodada Multilateral

de Negociação em Doha.

‘‘

‘‘2 As conferências ministeriais da OMC foram as seguintes: Singapura, 9-13 de dezembro de 1996; Genebra, 18-20 de maio de 1998; Seattle, 30 novembro a 3 de dezembro de 1999; Doha, 9-13 dezembro de 2001; Cancun, 10-14 setembro de 2003; Hong-Kong, 13-18 de dezembro de 2005.

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encontros entre o Grupo dos 21 e os EUA, entre o Gru-

po dos 21 e a União Européia, e dos EUA e da União

Européia, não foi possível chegar a qualquer consenso.

O impasse em Cancún não foi surpresa. Ele vinha

sendo anunciado desde de Seattle. A reunião em Doha

foi apenas um interregno, em função de circunstâncias

políticas, do impasse que se anunciava nas negociações

comerciais. Para os países em desenvolvimento não era

politicamente possível fazer concessões adicionais,

sem uma clara disposição dos países desenvolvidos de

re-equilibrar os ganhos do comércio internacional. Por

outro lado, há precedentes históricos em que a pressão

dos países em desenvolvimento foi bem sucedida em

reestabelecer o equilíbrio das negociações – os chefes

da delegação de alguns países em desenvolvimento,

como Brasil e Índia, avaliaram que, nessa ocasião, talvez

fosse possível obter uma vitória, mesmo que parcial. Ao

ficar claro que os países desenvolvidos não estavam

dispostos a fazer concessões substantivas em questões

de interesse dos países em desenvolvimento, o impas-

se foi inevitável.

3. Além de Cancun: do pacote de julho às suspen-

sões das negociações

Depois do impasse de Cancun, as delegações con-

tinuaram as negociações em Genebra. Um resultado

importante da diplomacia brasileira, a partir das di-

ficuldades de negociação na Rodada de Doha, foi a

criação do G20, uma coalizão de países em desenvol-

vimento que tinha por objetivo: (i) eliminação de prá-

ticas que distorcem o comércio e a produção agrícola;

(ii) busca de aumento substancial de acesso a merca-

do; (iii) desenvolvimento rural, segurança alimentar

e/ou necessidades de subsistência dos agricultores

desses países.3

A partir dessa coalizão, esses países pressionavam

para que as negociações agrícolas resultassem em

reduções substanciais no apoio interno, incremento

substancial no acesso a mercados, eliminação gradual

de todas as formas de subsídio à exportação e trata-

mento especial e diferenciado que levasse em conta as

preocupações de desenvolvimento rural e segurança

alimentar dos países em desenvolvimento.

Entre junho e julho de 2004, as intensas negocia-

ções que se seguiram ao fracasso de Cancún pareciam

ter chegado a algum resultado. Uma proposta foi apre-

sentada, em 16 de julho, pelo diretor-geral, Supanchai

Panitchpakdi, e pelo presidente do Conselho Geral,

Shortaro Oshima, aos países membros. Vários encon-

tros envolvendo as delegações passaram a discutir a

proposta, sendo que as posições cristalizaram-se em

duas direções contraditórias no tema que parecia a es-

sência do impasse, as questões agrícolas. Por um lado,

um grupo de países reclamava que a proposta era ex-

cessivamente específica, e, por outro, que não era o su-

ficiente específica.

Países importadores tinham objeções contra os te-

tos propostos para as tarifas, contra o corte em todas as

tarifas e das cotas tarifárias. Dessa forma, consideravam

que tinham pouca flexibilidade para defender seus

mercados domésticos. Os países em desenvolvimento,

ao contrário, reclamavam que o conforto garantido aos

3 Comunicado da Reunião Ministerial do G20 em Brasília, 12/12/2003.

Um resultado importante a partir das dificuldades de negociação na Rodada de Doha foi a criação do G20, que tinha por objetivos: a eliminação de práticas que distorcem o comércio e a

produção agrícola; busca de aumento substancial de acesso a mercado; desenvolvimento

rural, segurança alimentar.

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produtos sensíveis dos países desenvolvidos não eram

compatíveis com a pequena flexibilidade permitida aos

países do Sul que, supostamente, deveriam ser os bene-

ficiários de tratamento desigual e privilegiado.

Uma outra questão que surgiu nos debates foi a pre-

ocupação das representações latino-americanas e asiáti-

cas de que fosse dado tratamento diferenciado apenas

aos países menos desenvolvidos, opondo-se firmemen-

te a concessões que se aplicavam apenas a uma lista de

países pré-estabelecidos. Em contrapartida, os países de-

senvolvidos afirmavam que se eles fizessem concessões

importantes em agricultura, esperavam dos países em

desenvolvimento concessões igualmente importantes

na redução de tarifa de produtos não agrícolas e na libe-

ração do comércio de serviços.

Apesar das dificuldades, esse debate acabou por um

acordo expresso no texto que ficou conhecido como

“Pacote de Julho”, assinado em 1º de agosto de 2004,

que estabelecia as bases para a continuidade e aprofun-

damento das negociações da Rodada de Doha.

Em dezembro de 2005 deu-se a sexta Conferência

Ministerial da OMC, em Hong Kong. O núcleo da nego-

ciação seria a disputa entre os países industrializados,

com destaque para os EUA e a União Européia – e os

países em desenvolvimento, em especial o G20, lide-

rado pelo Brasil, na questão agrícola. Mas, também,

seriam questões importantes o “Acesso a Mercado de

Produtos Não-Agrícolas”, “Serviços” e os “Temas de Sin-

gapura”.4 Um papel-chave foi exercido por Pascal Lamy,

que como novo diretor-geral da OMC, assumiu uma

posição conciliadora, depois de ter sido um duro ne-

gociador dos interesses comerciais da União Européia,

principalmente da Política Agrícola Comum.

A questão agrícola tinha três pilares: (i) acesso a mer-

cado – isto é, redução de tarifas, cotas tarifárias e sua

flexibilização; (ii) subsídios às exportações – que tratava

da eliminação desses subsídios e do disciplinamento

do crédito às exportações, ajuda alimentar e comércio

estatal, para eliminar subsídios ocultos; e (iii) apoio do-

méstico – que discutia os cortes nos apoios que distor-

ciam o comércio (pelo estímulo à superprodução e pelo

aumento ou redução artificial dos preços). Mas, as nego-

ciações agrícolas discutiam também questões como o

tratamento especial para países em desenvolvimento e

preocupações multifuncionais, tais como: segurança ali-

mentar, desenvolvimento rural, proteção ambiental etc.

O objetivo não-oficial das negociações agrícolas em

Hong-Kong era chegar a estabelecer “modalidades”, que

é uma expressão usada no jargão das negociações co-

merciais para o estabelecimento de diretrizes gerais,

tais como fórmulas ou mecanismos de redução de tari-

fas, para a formatação dos acordos finais.

A situação das negociações agrícolas era delicada.

Por ocasião da Rodada Uruguai, a conclusão das nego-

ciações agrícolas foi insatisfatória para os países em de-

senvolvimento. O artigo 20 daquele acordo refletia essa

situação quando afirmava que as reformas acordadas

eram “um processo em andamento” e recomendava a

continuação das negociações a partir de 2000. O artigo

citado apontava a direção das negociações, mas de for-

ma genérica “substancial e progressiva redução em apoio

e proteção resultando em uma ampla reforma”.

Em Dezembro de 2005 deu-se a sexta Conferência

Ministerial da OMC, em Hong Kong. O núcleo da negociação

seria a disputa entre os países industrializados, em especial os EUA e a União Européia e os países em

desenvolvimento, em especial o G20, liderado pelo Brasil, na

questão agrícola.

‘‘

‘‘4 Temas de Singapura são proteção de investimentos, política de concorrência, compras governamentais e a chamada trade facilitation, ou seja, medidas para reduzir burocracia, aumentar a transparência das regras e redução de outras dificuldades impostas ao comercio internacional.

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Antes da Rodada de Doha ser lançada, negociações

foram realizadas a partir do início de 2000 nas “Sessões

Especiais” do Comitê de Agricultura. Apesar da ampla

participação – mais de 45 propostas e três documentos

técnicos foram submetidos por 126 países membros

– as posições apresentadas eram muito divergentes e

pouco se avançou para convergir as posições.

Depois de Doha, as negociações se intensificaram,

mas até março de 2003 não havia sido obtido qualquer

acordo sobre as “modalidades”. Nessa última data, Stu-

art Harbinson, que presidia as negociações, apresentou

uma proposta. No entanto, o que se conseguiu foi em-

preender negociações em torno de um conjunto mais

limitados de pontos, chamado de “frameworks”, como

um primeiro passo para um acordo que deveria ser al-

cançado em Cancún.

Em julho de 2003 foi produzido um rascunho de

“frameworks”, que serviu de base para as negociações

em Cancún, mas, com o fracasso na Reunião Ministerial,

elas foram suspensas até o fim de 2003. A partir de 2004,

as negociações foram retomadas através de várias ini-

ciativas políticas. Ainda em dezembro de 2003, o G20

reuniu-se em Brasília, convidando o diretor-geral da

OMC, no que era entendido como uma demonstração

do interesse desse grupo em continuar negociando.

Em janeiro de 2004, os EUA encaminharam uma

proposta de retomada das negociações. Em maio, a

União Européia anunciou algumas concessões, inclusi-

ve aceitando uma data para o fim de todos os subsídios

às exportações. Foram realizadas, no período, várias

reuniões, e, em uma delas, aconteceu uma tentativa de

acordo entre os negociadores do Brasil, Austrália, União

Européia, Índia e Estados Unidos.5

O resultado foi um “framework”, com os princípios

para a negociação das modalidades, que foi acordado

em Genebra em 1º de agosto de 2004, conhecido como

“Pacote de Julho”. As negociações comerciais prossegui-

ram em 2005, então sob um novo presidente, Tim Groser,

da Nova Zelândia, que tentou concentrar-se em aspectos

que poderiam levar a algum acordo sobre “modalidades”

em dezembro, na Reunião Ministerial de Hong Kong.

Na Reunião Ministerial, como esperado, as negocia-

ções foram difíceis. Em agricultura não foi possível ob-

ter um acordo para as “modalidades”, mas definiram-se

alguns compromissos importantes, como o fim de todos

os subsídios às exportações em 2013.6 Chegou-se, no

entanto, a um acordo em um tema de interesse dos pa-

íses africanos: o comércio de algodão. Os 32 países me-

nos desenvolvidos foram beneficiados com acesso livre

sem cotas ou tarifas para suas exportações. No conjunto,

embora com muitas dificuldades, a declaração de Hong

Kong abria espaço para a retomada das negociações da

Agenda de Doha, e estabelecia um novo prazo para os

acordos em agricultura e em acesso a mercado para pro-

dutos não-agrícolas: 30 de abril de 2006.

Em 28 de junho de 2006 iniciou-se um novo encon-

tro do Comitê de Negociação Comercial, que foi orga-

nizado em forma similar à Reunião Ministerial de Hong

Kong. Esse encontro deveria enfrentar os itens que esta-

vam paralisando as negociações, tanto no tema de agri-

cultura como no de acesso a mercados de produtos não

5 Esse grupo passou a ser conhecido como FIPs, sigla em inglês de “Cinco Partes Interessadas” (Five Interested Parties).

6 Observe-se que, no entanto, os países em desenvolvimento consideravam que a data acordada, 2013, mantinha por um tempo muito longo os subsídios agrícolas e, ainda, lamentavam o fato dessa meta não ser um compromisso incondicional.

Na Reunião Ministerial, como esperado, as negociações foram

difíceis. Em agricultura não foi possível se obter um acordo

para as “modalidades”, mas foram obtidos

alguns compromissos importantes, como o fim de todos os subsídios às

exportações em 2013.

‘‘

‘‘

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julho / setembro / 2007

No tema agricultura, as principais questões eram o acesso a mercados, as fórmulas para cortes de

tarifas e o tratamento de produtos sensíveis

e especiais, para os quais seriam concedido

tratamento diferente das fórmulas.

‘‘

‘‘agrícolas (chamado de NAMA – Non-Agricultural Market

Access). Os dois principais temas seriam discutidos, cada

um, em duas rodadas. No tema agricultura, as principais

questões eram o acesso a mercados, as fórmulas para

cortes de tarifas e o tratamento de produtos sensíveis

e especiais, para os quais seriam concedido tratamento

diferente das fórmulas. Nas negociações do NAMA, as

principais questões eram a fórmula e os coeficientes de

redução de tarifas, ou seja, a forma como os cortes ta-

rifários seriam feitos, a velocidade desses cortes e a ta-

rifa final máxima. Uma outra questão importante era o

tratamento dos produtos que não estavam submetidos

aos limites de tarifa na OMC e a flexibilidade permitida

aos países em desenvolvimento.

Mas as negociações não conseguiram avançar. Em

1º de julho de 2006, um encontro formal do Comitê de

Negociações Comerciais, que envolvia todos os mem-

bros da OMC, encerrou os três dias de discussões dos

ministros dos Estados membros. Não houve progresso

nas discussões, e não havia acordo sobre as fórmulas

para reduzir tarifas e subsídios. Em uma declaração, os

membros anunciaram que permaneciam comprometi-

dos a terminar as negociações até o final de 2006.

Com o fracasso, o diretor geral da OMC, Lamy, foi in-

cumbido de conduzir consultas “intensivas e abrangen-

tes” em que exerceria o papel de facilitar negociações.

No centro das discussões estava o chamado G6, que in-

cluía os componentes do FIPs e o Japão. Embora as ne-

gociações tenham sido formalmente interrompidas e o

próprio ministro de Relações Exteriores brasileiro, Celso

Amorin, em entrevista coletiva em Genebra, depois do

impasse da reunião ministerial do G6, tivesse afirmado

que as negociações demorariam meses para serem reto-

madas, as consultas informais continuaram intensas.

Em 16 de novembro de 2006, Pascal Lamy, em reu-

nião do TNC, informou que tinha recebido apoio amplo

para a retomada dos contatos multilaterais em todas as

áreas de negociação da Rodada. Em sua proposta, os

presidentes dos grupos negociadores e as delegações

ditariam a velocidade do processo de retomada. Na

reunião ficou claro que os países defendiam uma re-

tomada suave (soft resumption) da Rodada, como uma

forma de tentar alcançar novos acordos para as nego-

ciações de “modalidades”. Em janeiro de 2007, Lamy afir-

mou que a OMC já estava em “full negotiating mode”.7

As negociações em agricultura foram retomadas

depois dos encontros informais durante o Fórum Eco-

nômico Mundial de Davos, em janeiro de 2007. Havia

consenso sobre o papel fundamental desse tema para

a Rodada de Doha. Nessa ocasião, a posição negociado-

ra do G20 tinha se reforçado. Esse grupo, coordenado

pelo Brasil, recebera a adesão de outros 22 países, que

representavam cerca de 60% da população mundial,

70% da população rural e 26% das exportações agrí-

colas mundiais.8

O impasse nas negociações foi marcado por dois

momentos distintos: (i) a impossibilidade de cumprir o

prazo fixado na Conferência Ministerial de Hong Kong

para o acordo de “modalidades”, que era o dia 30/4/2006;

(ii) o fracasso da Reunião Ministerial informal, convocada

7 Missão do Brasil em Genebra, Carta de Genebra, Ano VI, março de 2007.

8 Da África adeririam ao G20: África do Sul, Egito, Nigéria, Tanzânia e Zimbábue; da Ásia: China, Filipinas, Índia, Indonésia, Paquistão e Tailândia; e da América Latina: Argentina, Bolívia, Chile, Cuba, Equador, Guatemala, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. Ver Carta de Genebra, março de 2007.

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por Pascal Lamy para junho de 2006, buscando concluir

a negociação das “modalidades” e da própria rodada de

Doha, a tempo de evitar o término da Lei de Fast Track

dos EUA em que o Congresso dava autoridade negocia-

dora ao executivo (Trade Promotion Authority – TPA).

Apesar do impasse, desde setembro de 2006, o G20

procurou atuar no sentido de buscar aproximar as po-

sições e dar continuidade às negociações. Nesse mês, o

Brasil convocou reunião de alto nível dos países do G20,

em conjunto com outros grupos de países em desenvol-

vimento, que foi realizada no Rio de Janeiro.

O quadro abaixo mostra o avanço das negociações

agrícolas entre 2003 (Cancún) e 2007.

Em final de março de 2007, o presidente da Sessão

Especial de Agricultura, embaixador Crawfor Falconer, re-

alizou reunião informal onde comunicou que passaria a

elaborar uma nova geração de papéis de referência, por

ele chamada de Hardtalk Papers. Esses papéis deveriam

ser curtos, com perguntas específicas aos membros, com

prazo para respostas e discussões multilaterais.

Em 19 de junho de 2007, Susan Schwab, do USTR, Pe-

ter Mandelson, da Comissão Comercial da União Européia,

Fonte: Missão do Brasil em Genebra, Carta de Genebra, janeiro de 2007.

Temas Quadro Cancún (2003) Quadro Atual (2007)

Acesso a mercados

Fórmula e cortes

Blended Formula (escolha das linhas tarifárias entre duty-free, fórmula suíça e fórmula da Rodada Uruguai). Oferta de compensações para produtos sensíveis

(expansão de TRQs).

Tiered Formula, com cortes lineares. Foram definidos os patamares de cortes: proposta

do G20 como ponto de equilíbrio.

Possibilidade de tariff caps.

Flexibilidades Não especificado.Produtos sensíveis: desvio da fórmula com compensação

em quotas tarifárias.

Tratamento especial e

diferenciado (S&D) para

os PEDs

Blended Formula levaria à desarmonização das tarifas dos PEDs.

Menção a produtos especiais.

PEDs: 2/3 do corte da fórmula, com overall proportionality.

Designação de produtos especiais, segundo critérios de segurança alimentar, desenvolvimento rural e

segurança dos meios de subsistência.

Liberalização plena dos produtos tropicais.

Salvaguardas Manutenção da SSG.Eliminação da SSG.

Criação da SSM para PEDs.

Apoio interno

Corte global Não havia corte global.Corte global especificado, com cortes efetivos para

CE (80%) e EUA (75%). Maiores cortes para os PDs que mais subsidiam.

Caixa amarela (AMS)

Cortes e disciplinas não especificados.

Cortes significativos, por meio de Tiered Formula: EU (80%) EUA (70%).

Cap para o AMS por produto específico.

Caixa azulTeto de 5% do VOP sem disciplinas

adicionaisTeto de 2,5% e disciplinas adicionais anti-concentracão.

De minimis Cortes não especificados. Corte mínimo de 50%.

Caixa verde Não tratava.Revisão e esclarecimento, levando em conta programas

de interesse dos PEDs.

Monitoramento e supervisão

Não tratava. Mecanismos efetivos.

S&DPEDs com cortes menores, período de

implementação mais longo e isentos de cortes no de minimis.

PEDs coeficientes de redução, níveis mais altos de de minimis e maior período de Implementação.

Competição à exportação

Subsídios à exportação

Lista de produtos a serem eliminados em data não especificada

Todos 5 produtos: eliminados até 2013 com parcela substancial até 2010.

Crédito à exportação,

ajuda alimentar e empresas estatais

exportadoras.

Não previa eliminação: disciplinas pouco desenvolvidas.

Paralelismo completo na eliminação e disciplinas efetivas.

Quadro comparativo do avanço das negociações agrícolas

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julho / setembro / 2007

Kamal Nath, ministro de Comércio da Índia, e Celso Amo-

rim, ministro de Relações Exteriores do Brasil, reuniram-se

em Postdam, Alemanha, para tentar chegar a um acordo

sobre as negociações da Rodada de Doha. Em 21 de junho,

as negociações foram suspensas pela impossibilidade de

obter dos EUA concessões substanciais sobre subsídios

agrícolas. Por outro lado, a União Européia exigia mais con-

cessões em acesso a mercado de produtos industriais.

Celso Amorim declarou, na ocasião, que a taxa de

câmbio exigida era muito elevada. Os EUA e a União Eu-

ropéia exigiam dos países em desenvolvimento 58% de

corte nos limites tarifários, porém, segundo Kamal Nath,

os EUA ofereciam um corte em seus subsídios domésti-

cos para 17 bilhões de dólares, enquanto seu dispêndio

atual era de 12 bilhões de dólares. Segundo o ministro

brasileiro, a oferta norte-americana não correspondia a

um corte real nos subsídios.9

As negociações, no entanto, continuavam na OMC,

apesar do fracasso das negociações em Postdam, mas

já então havia grande ceticismo quanto seu sucesso. Em

26 de julho de 2007, Pascal Lamy anunciava que as ne-

gociações continuavam avançando e que estavam circu-

lando uma minuta das “modalidades” em agricultura e

em NAMA. Na ocasião, lembrava que essas negociações

eram um Single Undertaking, ou seja, todos os compro-

missos iriam iniciar-se conjuntamente, que englobava

vários temas relacionados com o desenvolvimento, que

precisavam também ser tratados. Em agosto de 2007, em

prefácio do Relatório Anual de 2007 da OMC, publicado

em agosto de 2007, Lamy declarava sua confiança no tér-

mino da rodada de Doha, ainda, esse ano.

4. Conclusão

Apesar da tentativa de Pascal Lamy de apresentar

otimismo, dificilmente a Rodada de Doha terminará este

ano. As dificuldades ficaram ainda maiores, porque em

setembro a Lei Agrícola (Farm Bill) dos EUA deverá ser re-

novada. Enquanto de meados de 1980 até a década de

1990, os EUA empreenderam uma política de reforma na

agricultura e de liberalização no comércio agrícola, essa

política foi alterada a partir da virada do século. A Farm

Bill de 2002 aumentou os gastos governamentais e os

subsídios agrícolas, dificultando um papel de liderança

dos EUA nas negociações comerciais. A lei atual expira

em 30 de setembro, e, dependendo da nova lei, as nego-

ciações comerciais dos EUA podem ficar definitivamente

emperradas.

A política de apoio doméstico norte-americana tem

distorções profundas. Cerca de 90% dos subsídios vão

para cinco produtos: trigo, algodão, milho, soja e arroz.

Não são as fazendas familiares que recebem os subsídios,

mas grandes negócios agro-industriais. Cerca de 2/3 dos

subsídios estão destinados a entre os fazendeiros que es-

tão entre os 10% mais ricos. Até mesmo pessoas famosas,

como Ted Turner and David Rockefeller, foram beneficia-

dos por subsídios.10 Portanto, a posição norte-americana

é frágil, e tem sofrido a influência do unilateralismo que

caracterizou as políticas externas do governo Bush.11

Desta forma, a Rodada Doha provavelmente continu-

ará encontrando grandes dificuldades para avançar nos

próximos meses. Não é claro se, na situação atual, alcan-

çariam uma vitória os países em desenvolvimento como

no passado – isto é, como a do mais eloqüente exemplo

de negociação bem-sucedida, quando o tema de Co-

mércio e Desenvolvimento foi incorporado ao GATT na

década de 1960. Mas, de qualquer forma, havia uma per-

cepção de que não era mais possível acumular derrotas

sucessivas, aceitando passivamente um falso discurso de

que a liberalização do comércio internacional tem bene-

ficiado de forma eqüitativa todos os países.

Luiz Carlos Delorme Prado Professor do Instituto de Economia da UFRJ e Conselheiro do CADE-MJ.

9 REUTERS, Farm , Manufacturing Clash Causes G4 Trade Collapse, 21/jun, 2007.

10 Ver o artigo de Daniela Markheim e Brian Rield, “Farm Subsidies, Free Trade and the Doha Round”, em The Heritage Fundation, 5 de fevereiro de 2007. Disponível em: <http://www.heritage.org/Research/Budget/wm1337.cfm>.

11 No momento em que estou terminando este artigo, foi anunciada a disposição dos EUA em aumentar sua oferta nas negociações em Doha, re-duzindo seus subsídios para níveis próximos dos desejados pelos países em desenvolvimento, em troca de reduções substanciais na área industrial por países como o Brasil e Índia. No entanto, ainda, é prematura qualquer análise dos efeitos dessa proposta, que ainda não está disponível para os pesquisadores da área, para o avanço das negociações em Doha.

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Artigo

1 Presidentes da época: Argentina, Carlos Saul Menem; Brasil, Fernando Collor de Mello; Paraguai, Andres Rodrigues; e, Uruguai, Luiz Alberto Lacalle Hererra.

2 Assinado por José Sarney e Raúl Alfonsín.

Conjuntura

Os Blocos são formados por razões conjunturais

e com o Mercosul não foi diferente. No final dos anos

1970 e início dos 1980, a economia brasileira sinaliza-

va o esgotamento de dois modelos: o de desenvolvi-

mento construído a partir dos anos 30 (era Vargas) e

o executado pela ditadura militar (levado por Geisel).

Esse período também marcava o início do modelo neo-

liberal. Nessa conjuntura econômica, iniciava-se o pro-

cesso de redemocratização dos países do Cone Sul. Isto

levou os governos desses países, na época, a buscarem

alternativas para a integração regional, surgindo assim

a proposta do Mercosul.

O Mercosul é constituído pelo Tratado de Assunção,

assinado em 26 de março de 1991 na capital paraguaia

pelos presidentes e ministros das Relações Exteriores

da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai1.

O Mercosul, como o próprio nome diz, surgiu com o

objetivo de construir um mercado comum e também o

de superar uma grave crise econômica vivida naquele

momento na América do Sul, tanto que a década de 80

do século passado foi considerada perdida (baixo cres-

cimento e alto desemprego).

Também vivia-se naquele momento o fim das di-

taduras militares do Cone Sul (Argentina, Brasil, Chile,

Paraguai e Uruguai) e era importante uma reaproxima-

ção desses países, sendo significativa a aproximação do

Brasil e Argentina, devido às rivalidades históricas que

precisavem superar, por isso a importância do Tratado

de Integração, Cooperação e Desenvolvimento assina-

do em 19882 entre Brasil e Argentina, que antecede ao

Tratado de Assunção.

No final dos anos 80 e início dos 90, estava em ascen-

são um novo modelo econômico, cujo receituário era pre-

conizado pelo Consenso de Washington (neoliberalismo).

Foi sob a égide deste modelo que os quatro países vieram

a formar o Mercosul. Assim, decidiram priorizar uma área

de livre comércio e uma união aduaneira em um prazo de

cinco anos, objetivando a abertura dos mercados a todo

e qualquer custo e não tendo o Mercosul como um bloco

estratégico de inserção na economia mundial.

Essa política deu resposta de imediato: o comércio in-

trabloco aumentou de forma contínua até 1998, chegan-

do a 20 bilhões de dólares, quando em 1990 havia sido de

2 bilhões. Porém, logo mostrou-se prejudicial na constru-

ção do Mercosul, pois não limitava as especulações finan-

ceiras e econômicas e não reconhecia as desigualdades

dentro do Bloco. Com a quebra da Argentina em 2001 e

as crises de 1998 e 2002 do Brasil, o Mercosul passou por

grandes dificuldades tendo quem rezasse seu fim.

Início do século XXI

“Nunca na sua história a América Latina esteve tão

povoada por regimes políticos democráticos – confor-

O parlamento e a construção da cidadania

Dr. Rosinha

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julho / setembro / 2007

me os conceitos liberais – como neste momento (entra-

da do século XXI)”3. Nas últimas duas décadas a América

Latina viveu as maiores transformações de sua história:

fim das ditaduras militares; sua pior crise econômica e

social desde a década de 30; aumento da dependência

econômica dos grandes centros financeiros; maior sub-

missão política às grandes potências.4

Todos esses anos de programas de estabilização

monetária, de hegemonia neoliberal, de predomínio da

acumulação financeira, não levaram os países a retomar

o desenvolvimento, a recuperar seu atraso tecnológico,

a avançar no processo democrático, a diminuir os pro-

blemas sociais, a projetar o futuro cientificamente, tec-

nologicamente e culturalmente.5 Ao contrário, levaram

o continente a uma profunda crise, pois os Estados – in-

capazes de colocarem em prática uma política econô-

mica diferente das ditadas pelas instituições financeiras

internacionais – não conseguiram iniciar um processo

de crescimento e distribuição de renda.

Essa profunda crise econômica, social e política levou

a população a duas posições: descrédito para com os po-

líticos e a política, e contraposição ao modelo neoliberal,

manifestando-se nas ruas e no voto (os resultados eleito-

rais da América Latina e Central mostram isso).

As necessidades eram tantas e a incapacidade do Es-

tado era tamanha que levaram parte da opinião pública

a não acreditar nos processos “democráticos” e isso pode

ser constatado na pesquisa realizada pelo Programa das

Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) intitu-

lada “Democracia na América Latina: em Direção a uma

Democracia do Cidadão”.6 De acordo com essa pesquisa,

que entrevistou 20 mil pessoas em 18 países da Amé-

rica Latina, 43% dos entrevistados apoiavam o sistema

democrático; 55% disseram preferir regimes autoritários,

caso resolvessem os problemas econômicos.

Essa mesma pesquisa mostrou o nível de miséria

da região: em 15 dos 18 países estudados mais de 25%

da população vivem abaixo da linha de pobreza, sendo

que em sete deles esse percentual sobe para 50%.

Nesse contexto, a importância do Mercosul, mais

que inexorável, é primordial. É, hoje, o principal instru-

mento de resistência à satelitização da América do Sul,

particularmente a partir da proposta dos Estados Uni-

dos da conformação de uma Área de Livre Comércio

das Américas (ALCA) e das posteriores propostas de

acordos bilaterais de livre comércio

História

Em 1960 foi criada a Associação Latino-Americana de

Livre Comércio (ALALC), sendo substituída em 1980 pela

Associação Latino-Americana de Integração (ALADI).

Acredita-se que alguns fatores obstacularizaram a

construçào da ALALC, tais como: “a rigidez dos meca-

nismos estabelecidos para a liberalização comercial; a

instabilidade política vivida pela região sul-americana

(...) e, ao fato que todos os associados queriam abrir o

mercado dos demais países para seus produtos, mas

nenhum queria abrir o seu próprio mercado”.7

A importância do Mercosul, mais

que inexorável, é primordial. É hoje o

principal instrumento de resistência à satelitização da América do Sul.

‘‘ ‘‘3 Sader, E. A vingança da História Ed. Boitempo, São Paulo, 2003.

4 Idem.

5 Idem.

6 Unews Brasil n. 21, maio/jun. 2004, p.12.

7 Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/comissoes/cpcms/oqueeomercosul.html>. Acessado em 27 dez. 2006.

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A ALADI, criada em 1980 pelos ventos neoliberais

que começavam a soprar, tinha um objetivo ainda mais

ambicioso: “a total liberalização do comércio entre os

onze países membros”8 (Argentina, Bolívia, Brasil, Co-

lômbia, Chile, Equador, México, Paraguai, Peru, Uruguai

e Venezuela). Apesar de pouco operante, a ALADI per-

manece em vigor.

É importante ressaltar que a base jurídica do Mer-

cosul tem como patamar a ALADI, e sua base política

sustenta-se na cláusula democrática do Tratado de As-

sunção e do Protocolo de Ushuaia.

Também está na raiz de formação do Mercosul o

Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento,

assinado em 29 de novembro de 1988 em Buenos Aires

(itálico meu). A importância deste Tratado está em que

a idéia de integração estava atrelada à Cooperação e

ao Desenvolvimento. Nessa ocasião foram firmados 24

(vinte e quatro) acordos setoriais, entre os quais um de

cooperação nuclear, de grande simbologia, pois naque-

le momento Argentina e Brasil tinham atritos e dispu-

tas políticas de caráter estratégico, como, por exemplo,

a Argentina era contra a construção da hidroelétrica de

Itaipu e se contrapôs propondo a construção da hidro-

elétrica de Corpus.

O Tratado de Integração, Cooperação e Desenvol-

vimento era algo maior que uma mera integração en-

tre Argentina e Brasil, “previa a integração por setores,

como fora o da União Européia”.9 Pensava-se “não so-

mente em uma união aduaneira, mas em um verdadei-

ro mercado comum, que corrigiria as assimetrias entre

os países e dentro deles; e muito mais do que isso, servi-

ria de mecanismo para impulsionar o desenvolvimento

da região”.10

Outro fato importante que contribuiu para a for-

mação do Mercosul foi a assinatura da Ata de Buenos

Aires, em 6 de julho de 199011, antecipando para o final

de 1994 o prazo para a formação do mercado comum

entre os dois países, que era de 10 anos12.

Mercosul

A constatação da importância estratégica da união

dos países do Cone Sul vem, como dizemos, de muitos

anos e, uma das propostas aconteceu em 1950, quan-

do Perón propôs ao presidente Getúlio Vargas que Ar-

gentina, Brasil e Chile se constituíssem em uma união

aduaneira, à qual os demais países da América Latina

viriam aderir. Em outros períodos outras propostas, às

vezes muito distintas, também foram feitas, principal-

mente de união entre o Brasil e a Argentina.13

Mesmo que politicamente necessária e importan-

te a integração não é fácil, pois os vínculos que nos

uniram (Brasil e demais países da América do Sul) no

8 Idem.

9 Drummonde, M. C. “Mercosul: uma visão de esquerda” (documento).

10 Idem.

11 Assinada por Fernando Collor e Carlos Menem.

12 O Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento assinado em 1988 por Sarney e Alfonsín previa 10 anos.

13 Moniz Bandeira, L. A. in “História do Cone Sul”, Eds. UnB e Revan, Brasília

Mesmo que politicamente necessária e importante, a integração não é fácil, pois os vínculos que nos

unem (Brasil e demais países da América do Sul) no passado são poucos e fomos colonizados como povos em atritos ou em

permanente competição.

‘‘

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julho / setembro / 2007

passado são poucos e fomos colonizados como povos

em atritos (Guerra Cisplatina e a da Tríplice Aliança) ou

em permanente competição. Sequer temos afinidades

culturais na área de literatura, cinema, teatro, etc. Po-

rém, a conjuntura mundial inexoravelmente nos con-

duz à formação de blocos.

Essa “inexorabilidade” mundial fez com que fossem

incorporados ao processo de integração o Paraguai e o

Uruguai, levando, em 1991, à criação do Mercosul com

a assinatura do Tratado de Assunção.

No seu Artigo 1°, o Tratado definiu alguns objetivos

a serem atingidos até 31 de dezembro de 1994: “livre cir-

culação de bens, serviços e fatores produtivos entre os

países, através, entre outros, da eliminação dos direitos

alfandegários, restrições não tarifárias à circulação de

mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equi-

valente”; “O estabelecimento de uma tarifa externa co-

mum e a adoção de uma política comercial comum em

relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados

e a coordenação de posições em foros econômico-co-

merciais regionais e internacionais”; “O compromisso

dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas

áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do pro-

cesso de integração”.

O Artigo 2 explicita um único princípio: o da recipro-

cidade, que “estabelece igualdade de condições entre

os países do Mercosul em relação aos compromissos

assumidos, independente de seu grau de desenvolvi-

mento relativo”. 14

Parlamento do Mercosul

Há muitos anos os membros das respectivas Comis-

sões Parlamentares Conjuntas do Mercosul (CPC) pro-

punham e debatiam a constituição de um Parlamento

do Mercosul. Faziam o debate e aprovavam Resoluções

que eram enviadas ao Conselho do Mercado Comum

(CMC), mas sem nenhuma conseqüência maior, pois

a CPC não insistia e o CMC não encaminhava por não

ser prioridade dos governantes dos quatro países que

compõem o Mercosul.

A mudança de governos e da nova estratégia para o

bloco levou à definição de outras prioridades, como o re-

conhecimento das assimetrias e a necessidade de nova

institucionalidade. Essa mudança de postura obrigou a

CMC a tomar decisões de alteração de rumo. A primei-

ra foi em 2003 com a Decisão nº 26/03, que aprovava o

“Programa de Trabalho do Mercosul 2004-2006”, tinha

como um dos objetivos a constituição de um Parlamen-

to do Mercosul. A segunda foi a Decisão nº 49/04, de

16/12/2004, para “Dar continuidade15 à criação do Par-

lamento do Mercosul, como órgão representativo dos

povos dos Estados Partes do Mercosul”.16 Nesta mesma

decisão define que o “Parlamento do Mercosul reger-se-

á pela normativa vigente do Mercosul e as disposições

de seu Protocolo Constitutivo e integrará a estrutura ins-

titucional do Mercosul”.17

A mudança de governos e a nova estratégia

para o bloco levou à definição de outras prioridades, como o reconhecimento das assimetrias e a

necessidade de nova institucionalidade.

‘‘ ‘‘

14 “Encontro com o Mercosul”, coordenação da Secretaria-Geral da Presidência da República do Brasil, 2. ed., maio 2005.

15 Quando da Decisão 26/03 a CPC começou a trabalhar, a partir da iniciativa brasileira, um projeto de Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul. A Decisão n.º 49/04 decide dar continuidade e a responsabilidade ao que a CPC vinha fazendo.

16 Artigo 1º da Decisão n.º 49/04 do CMC.

17 Idem.

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A Decisão nº 49/04, no artigo 2, investe a “Comis-

são Parlamentar Conjunta na qualidade de comissão

preparatória, para realizar todas as ações que sejam

necessárias para a instalação do Parlamento do Mer-

cosul”. Decide, ainda, que a sua instalação deverá efeti-

var-se antes de 31 de dezembro de 2006 e dá à CPC a

responsabilidade de elaborar o Protocolo Constitutivo

do Parlamento do Mercosul que deverá ser submetido

à consideração do Conselho do Mercado Comum. Tam-

bém estabelece que, após a instalação do Parlamento

do Mercosul, a CPC deixará de existir.18

Do segundo semestre de 2003 até o mesmo período

de 2005, a CPC trabalhou numa proposta de Protocolo

Constitutivo do Parlamento do Mercosul que foi entre-

gue ao CMC em 8 de novembro de 2005, na cidade de

Montevidéu,19 após debates na CMC, foi assinado20 no

dia 8 de dezembro de 2005, na cidade de Montevidéu.

O Parlamento foi instalado em 14 dezembro de 2006

em um ato no Congresso Nacional do Brasil, com a pre-

sença do Presidente Lula. E, efetivamente, os Parlamenta-

res tomaram posse em 7 de maio de 2007, na cidade de

Montevidéu, por ocasião da primeira sessão.

Importante ressaltar que o Protocolo Constitutivo

do Parlamento do Mercosul é o primeiro acordo in-

ternacional na história do Brasil que foi elaborado por

membros do Congresso Nacional.

Importância do Parlamento

A globalização vem acarretando a conformação de

blocos econômicos, alguns deles com institucionalida-

de própria, como é o caso do Mercosul. Nesses casos os

processos decisórios sobre os temas integracionistas

do Bloco são transferidos da esfera do Estado Nacional

para o âmbito das instituições da integração, que, no

caso do Mercosul, é o Conselho do Mercado Comum,

onde estão representados, exclusivamente, os gover-

nos dos Estados Partes, e não o conjunto das forças po-

líticas presentes e atuantes na sub-região.

Por esse mecanismo, o cidadão comum vê-se distan-

te dos processos decisórios, impotente para neles inter-

vir e se fazer representar. Dessa forma, as normas produ-

zidas pelos órgãos da integração carecem de legitimida-

de, uma vez que não são suficientemente debatidas pela

sociedade e, tampouco, pelos Parlamentos Nacionais.

Aos Parlamentos Nacionais cabe a aprovação dos

tratados, porém isto não sana a deficiência do processo.

Não corrige a deficiência, porque, de um lado, nem to-

dos os tratados internacionais devem ser submetidos

ao crivo parlamentar; por outro, porque mesmo quan-

do o são, não é doutrina pacífica a possibilidade de sua

alteração pelo parlamento.

Cria-se, assim, a necessidade de uma esfera regional,

de um espaço destinado ao debate, pelos cidadãos, das

18 Artigo 3 da Decisão n.º 49/04 do CMC.

19 A proposta de Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul foi entregue ao Ministro das Relações Exteriores da República Oriental do Uruguai, Reinaldo Gargano.

20 Decisão nº 23/05.

O cidadão comum vê-se distante dos processos

decisórios, impotente para neles intervir e se fazer representar.

Dessa forma, as normas produzidas pelos órgãos

da integração carecem de legitimidade, uma vez que não são suficientemente debatidas

pela sociedade e, tampouco, pelos Parlamentos Nacionais.

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julho / setembro / 2007

normas em negociação nos órgãos do Mercosul. Cria-

se, também, a necessidade de sanar o déficit democrá-

tico. Essa necessidade foi constatada pelos governos

atuais dos Estados Partes do Mercosul, tanto assim que,

no Programa de Trabalho do Mercosul 2004-2006, foi

aprovada a constituição do Parlamento do Mercosul.

O Parlamento do Mercosul será, assim, o “espaço da

cidadania” no processo de integração, onde estarão re-

presentados os interesses dos cidadãos da sub-região.

É preciso ressaltar que não se tratará de um parlamen-

to com competência para sobrepor as suas decisões

àquelas dos parlamentos nacionais. Tampouco será um

órgão desprovido de significado na construção do Mer-

cosul. Por meio de sua competência consultiva (Artigo

4, inciso 12), ele emitirá parecer sobre as normas apro-

vadas pelo Conselho do Mercado Comum. Para tanto,

debaterá os temas em questão por meio da realização

de seminários e audiências públicas com as entidades

da sociedade civil, permitindo-lhes, em primeiro lugar,

tomar conhecimento das normas em negociação, e as-

sim, expressar as suas opiniões e inquietudes. Dessa ma-

neira contribuirá, decisivamente, para a transparência e

para a legitimidade social do processo de integração,

fomentando ainda a construção de uma consciência de

cidadania no Mercosul. Aquelas normas adotadas pelo

Conselho, em conformidade com o parecer do Parla-

mento, receberão tratamento específico e mais ágil dos

Parlamentos Nacionais, contribuindo para a segurança

jurídica do bloco.

O Parlamento permitirá às forças políticas da região

a discussão e incorporação, como diretrizes para o pro-

cesso de integração, dos grandes valores da cidadania,

como a justiça social, o respeito aos direitos humanos, a

priorização da educação e do avanço tecnológico para

o benefício dos povos do Mercosul.

O Parlamento do Mercosul estimulará, ainda, a con-

formação de grupos políticos – propiciando aos parla-

mentares uma visão de conjunto da região, mais além

do enfoque meramente nacional. O Parlamento será,

assim, o órgão da estrutura institucional do Mercosul

dotado de visão comunitária, servindo de contrapeso à

abordagem intergovernamental adotada pelos demais

órgãos do bloco.

O mecanismo de eleição dos parlamentares do

Mercosul, por meio do sufrágio universal direto dos ci-

dadãos dos Estados Partes (Artigo 6), consagra o prin-

cípio da legitimidade democrática e contribui para a

criação de uma identidade regional. Nas palavras do

Presidente do Uruguai, Tabaré Vasquez: “Solo se con-

formará una identidad regional, coexistente con las

identidades nacionales que hay que preservar y forta-

lecer, por cierto, si nuestros pueblos comienzan a reco-

nocerse como partes diversas de una única y dinámica

unidad. Si empiezan a asumir que no solo comparten

el pasado y los vincula el presente, sino también que

los convoca un futuro que será más venturoso cuanto

sepan compartirlo.”

O critério da “representação cidadã”, contemplado

no Artigo 5, garante a efetiva representação dos cida-

dãos da região, no Parlamento. Distingue-se, portanto,

da representação paritária dos Estados Partes, confor-

me esta se apresenta nos demais órgãos do Mercosul.

Esse regime de representação será objeto de proposta

do Parlamento ao Conselho do Mercado Comum, a ser

aprovada no decorrer da Primeira Etapa de Transição

O Parlamento do Mercosul será, assim, o “espaço da cidadania” no processo

de integração, onde estarão representados os interesses dos cidadãos da sub-região. É preciso

ressaltar que não se tratará de um parlamento com

competência para sobrepor as suas decisões àquelas

dos parlamentos nacionais.

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a

(31 de dezembro de 2006 a 31 de dezembro de 2010) e

entrará em vigor no início da Segunda Etapa de Transi-

ção (1º de janeiro de 2011 a 31 de dezembro de 2014).

Por razões distintas, a França e a Holanda disseram

“não” à proposta de um Tratado Constitucional (Consti-

tuição da União Européia). Essas negativas foram a gota

d’água (há outras razões) para levar a União Européia a

uma grave e profunda crise política. Uma das razões do

“não” é o fato de jamais ter sido construída uma cidada-

nia dentro do bloco europeu. E os eventos da França do

final de 2005, não pelo todo, mas em parte, também são

resultado desse processo.

Apesar de altos investimentos econômicos, finan-

ceiros e sociais, além da criação de símbolos (por exem-

plo, a sua bandeira está presente em todos os edifícios

públicos da Europa), a União Européia (UE) não conse-

guiu criar uma cidadania de bloco e uma identidade

comum, ao contrário a identidade nacional de cada

país se fortaleceu em nacionalismos de direita.

No Mercosul também inexiste a identidade de ci-

dadão do bloco. Mas este fato ainda não é preocupante

para o Bloco, uma vez que ele é incipiente se compara-

do com a União Européia e é diferente no processo de

construção. O tempo de formação, por exemplo, é uma

das razões de ser, ainda incipiente. Enquanto a União

Européia tem mais de meio século de criação21, o Mer-

cosul, oficialmente criado em 1991, acaba de entrar na

adolescência.

“Portanto, a criação do Parlamento do Mercosul,

necessária caixa de ressonância das demandas das

populações da região, ensejará discussões e debates

parlamentares que construirão a transparência e a legi-

timidade democrática destinadas a sedimentar as rela-

ções de confiança fundamentais no processo de conso-

lidação do Mercado Comum do Sul, não apenas entre

governos, mas com a própria sociedade em geral”22. O

Parlamento do Mercosul não é a única instituição e em

si não será suficiente, mas depende de seu desempe-

nho o papel que terá na construção da cidadania e na

correção do déficit democrático.

Dr. RosinhaDeputado Federal pelo PT-PR, médico pediatra e sanitarista,

vice-presidente do Parlamento do Mercosul

21 A integração européia teve inicio com o Tratado de Paris em 1951 e os Tratados de Roma em 1957.

22 Dr. Rosinha, Introdução, in “Hacia el Parlamento Del Mercosur”. Ed. CPCM e Konrad Adenaur, p.16.

O Parlamento do Mercosul ensejará discussões e

debates parlamentares que construirão a transparência e a legitimidade democrática

destinadas a sedimentar as relações de confiança

fundamentais no processo de consolidação do Mercado Comum do Sul, não apenas entre governos, mas com a própria sociedade em geral.

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julho / setembro / 2007

ArtigoIntrodução

A dívida dos Estados, refinanciada pela União dez

anos atrás, vem à baila a cada troca de governo e foi

tema de reunião recente de conjuntura do Corecon-

DF. Mais do que discutir números, queremos chamar a

atenção nestes comentários para a falta de transparên-

cia com que o assunto vem sendo tratado. A participa-

ção de órgãos de representação nas decisões tomadas

é praticamente nula.

Desde o refinanciamento, foram variadas as reivin-

dicações de governadores, com o propósito de ampliar

o espaço fiscal dos Estados para investimentos. Todas,

até então, pareciam implicar a revisão dos contratos,

seja pela substituição do indexador do saldo devedor,

pelo repasse a bancos da dívida junto à União, ou pela

diminuição da relação dívida/receita, que tem que ser

perseguida no processo de ajuste fiscal. Outro caso foi

a postergação, conseguida junto ao Senado em 2005,

do prazo para enquadramento da dívida ao limite.

Nesse contexto de queixas, destaca-se o fato de

que, apesar de serviços da dívida pesados, os Estados

não têm conseguido amortizá-la. Resíduos decorrentes

de correção e juros somam-se à dívida, que vem cres-

cendo. Dados do Banco Central mostram que, para um

montante de R$ 105 bilhões, em valores correntes, refi-

nanciado em 1997 e 1998, os Estados deviam em fim de

agosto deste ano ao Tesouro, por conta da Lei 9.496/97

e PROES, R$ 315 bilhões. No período 1997 a 2006, o PIB

cresceu 2 vezes e meia; a dívida, 3.

A solução anunciada em junho deste ano para au-

mentar o endividamento estadual, que até agora fa-

voreceu São Paulo e Minas, suscita algumas questões

pouco exploradas, com implicações para as finanças

públicas e para o modelo brasileiro de gestão fiscal.

Supostamente para evitar mudanças que corrom-

pam a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a opção foi

por equacionar administrativa e burocraticamente a

questão no campo restrito de especialistas do Tesouro

Nacional e do Ministério da Fazenda. Para preservar o

sigilo dos contratos, não se deu publicidade aos fato-

res que propiciaram a reavaliação da capacidade de

endividamento desses Estados. A notícia é de que, pela

primeira vez, a margem foi ampliada para Estados com

relação entre dívida e receita superior a um.

Além disso, o Congresso esteve e continuará ausen-

te desses entendimentos, porque delegou o controle

e administração dos contratos: cada um deles foi ori-

ginalmente apreciado pelo Senado, e Resoluções pos-

teriores ao refinanciamento e à LRF contêm expressa

referência à Lei 9.496/97, recepcionando seus termos

nas condições para o endividamento.

Contudo, se antes era impedimento, pois os gover-

nadores pleiteavam a alteração dos contratos, e passou

a ser em parte possível, o aumento da margem de en-

dividamento é, na prática, mudança importante, ainda

que decorrente de nova interpretação dos contratos ou

da lei, reavaliação dos números e de novas projeções

econômico-fiscais.

Ao largo da intermediação parlamentar, abre-se a

possibilidade de troca de favores entre governos fe-

deral e estaduais, e aumenta o risco moral e a possibi-

lidade de descumprimento de metas, já que se pode

supor que exigências podem ser abrandadas sempre

Renegociação das dívidas estaduais refinanciadas pela União

José Fernando Cosentino Tavares

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a

que estiverem em jogo matérias de importância, como

a prorrogação de tributos ou a participação dos gover-

nos regionais em investimentos prioritários. O custo da

formação de superávit adicional para reduzir a dívida

pública consolidada a patamares previamente estabe-

lecidos transfere-se à União.

Para que eventualmente prevaleçam regras do mer-

cado nesse campo, analistas privados terão que dispor de

ampla informação sobre o endividamento público e so-

bre a capacidade de pagamento dos Estados devedores.

Renegociação da dívida e federalismo

Nos anos 90, reavivou-se o debate em torno do tema

do federalismo. No mundo, os destaques foram a cria-

ção das federações pós-soviéticas, que optaram por

esse tipo de arranjo político e fiscal, e a concretização da

União Européia. No Brasil, sucediam-se as tentativas de

reforma tributária, e a partir de 1995 (Plano Real) ficou

clara a urgência na regulamentação do endividamento

estadual, possibilitando a coordenação e gestão macro-

econômica e transparência fiscal, para o que os Estados

estavam menos aptos. Só mais tarde viria a LRF.

As normas subnacionais eram relativamente frou-

xas, seus orçamentos idem, minando a capacidade do

governo central de executar políticas de estabilização.

Em particular, o governo central não conseguia impor

seus limites ao endividamento, antes da Lei 9.496/97.

Os Estados possuíam bancos, que financiavam seus go-

vernos-controladores, que não honravam os juros devi-

dos a esses bancos e ao Banco Central.

A transparência fiscal tornou-se imperativa, com a

crescente movimentação de capitais globais guiados

pelo grau de risco. O principal problema de uma fede-

ração, nesse quesito, é a dificuldade de, sendo as juris-

dições independentes, se produzirem informações que

permitam avaliar a condução da política fiscal. A LRF

abordou em parte essa preocupação, obrigando uma

quantidade de demonstrativos referentes ao passado,

incluindo a agregação desses dados nacionalmente.

Sugere mais o Código do Fundo Monetário Inter-

nacional1: pretende-se, com transparência, dar pronto

acesso a informação confiável, abrangente e passível

de ser comparada internacionalmente, a respeito da

atividade pública, de forma a que não só os mercados,

mas também o eleitorado, possa avaliar a posição fi-

nanceira do governo e os custos e benefícios de sua

atuação. Ambicioso, não?

A renegociação

Houve iniciativas em socorro de Estados que ante-

cederam a última renegociação. As negociações ante-

riores foram em condições mais favoráveis, como, por

exemplo, taxa de juros fixa ou a de longo prazo e inde-

xador, em certos casos, a TR. Na Lei 9.496/97, a taxa de

juros mínima foi de 6% a.a. e o indexador, IGP-DI.

O aumento das taxas reais de juros que se seguiu ao

Plano Real agravou a crise do endividamento estadual

e engendrou esse último refinanciamento. A ameaça

1 Ver sua versão revista de maio de 2007, disponível em: <http://www.imf.org/external/np/pp/2007/eng/051507c.pdf>.

A transparência fiscal tornou-se imperativa, com a crescente movimentação de capitais globais guiados

pelo grau de risco. O principal problema de uma federação, nesse quesito, é a dificuldade de, sendo as

jurisdições independentes, se produzirem informações que permitam avaliar a condução

da política fiscal.

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23

julho / setembro / 2007

de insolvência de alguma unidade da Federação estava

impondo ao setor público como um todo maiores cus-

tos financeiros.

Em 1997, a União assumiu e refinanciou a dívida de

26 Estados, com prestações mensais limitadas a per-

centagem da receita líquida real (RLR)2 entre 11,5% e

15% (maior parte, 13%) das unidades credoras.

O programa de ajuste fiscal (PAF) subjacente, mo-

nitorado pelo Tesouro, inspirado na forma de atuar do

FMI, contemplava como meta a relação dívida financei-

ra (DFin)/RLR menor que 1 e buscava promover esse

ajuste mediante controle das despesas com os servido-

res públicos e aumento do investimento, a melhoria da

arrecadação de receitas próprias, a privatização, permis-

são ou concessão de direitos estaduais e as reformas

administrativa e patrimonial. Antes de atingida a meta

para DFin, o Estado não poderia emitir novos títulos, e

só poderia contratar novas dívidas, inclusive emprésti-

mos junto a organismos financeiros internacionais, se

estivesse cumprindo as metas relativas à DFin na traje-

tória (decrescente) estabelecida no programa.

A Constituição atribui tarefas variadas ao Senado, no

controle do endividamento público, inclusive a de “dis-

por sobre limites globais e condições para as operações

de crédito externo e interno da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e

demais entidades controladas pelo Poder Público fede-

ral”, confirmou, na Resolução 43, de 2001, que “É vedado

aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios” ... “re-

alizar operação de crédito que represente violação dos

acordos de refinanciamento firmados com a União”.

Resultados do refinanciamento e da aprovação

da LRF

Em comparação com os volumosos resultados fis-

cais deficitários dos Estados até 1997, a melhoria pos-

terior foi impressionante. Ao se destinarem 13% da ar-

recadação estadual para o pagamento dos serviços da

dívida, ficou garantido que os governos subnacionais

passariam a gerar superávits primários crescentes (já

praticamente nulo em 1999), que, na média 2003-2006,

foram equivalentes a 0,94% do PIB.

O governo federal controla a dívida estadual não só

assegurando superávit primário elevado, como limitando

o crédito bancário oficial aos Estados. Propostas de redu-

zir o percentual de vinculação de receitas dos Estados ao

pagamento da dívida, por exemplo, comprometeriam

o superávit primário do setor público consolidado, ou

obrigariam a União a compensar a diferença. Propostas

para aumentar a capacidade de endividamento afetam

diretamente a dívida pública, principal indicador fiscal, ou

obrigam a União a poupar mais, para assegurar mesma

trajetória de queda em relação ao PIB.

2 “...a receita realizada nos doze meses anteriores no mês imediatamente anterior àquele em que se estiver apurando, excluídas as receitas provenientes de operações de crédito, de alienação de bens, de transferências voluntárias ou de doações recebidas com o fim específico de atender despesas de capital e, no caso dos Estados, as transferências aos municípios por participações constitucionais e legais”. A RLR é maior que a Receita Corrente Líquida.

O governo federal controla a dívida estadual não só

assegurando superávit primário elevado, como limitando o crédito bancário oficial aos

Estados. Propostas de reduzir o percentual de vinculação de receitas dos Estados ao pagamento da dívida, por

exemplo, comprometeriam o superávit primário do

setor público consolidado, ou obrigariam a União a compensar a diferença.

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24

O aumento da autorização para endividamento

A postura do governo federal em relação a quais-

quer pleitos dos Estados tem sido no sentido de preser-

var a LRF, relativamente a seu art. 35, talvez o mais im-

portante. Ele diz ser vedada “a realização de operação

de crédito entre um ente da Federação, diretamente ou

por intermédio de fundo, autarquia, fundação ou em-

presa estatal dependente, e outro, inclusive suas enti-

dades da administração indireta, ainda que sob a forma

de novação, refinanciamento ou postergação de dívida

contraída anteriormente”. A referência é, portanto, aos

contratos assinados pela União com os Estados, ao am-

paro da Lei 9.496/97.

Por essa lei, os Estados estão sujeitos à regra pela

qual a dívida não pode ser maior do que um ano de

arrecadação. Esse limite tem como origem os contratos

efetivamente firmados no âmbito do PAF do fim dos

anos 90. Já pela LRF (2000) e pela Resolução do Senado

(2001) que regulou esse limite da LRF, a dívida pode ser

de até dois anos de arrecadação.

O pleito dos governadores ao governo federal era

aumentar essa relação para o previsto na LRF e em Re-

solução do Senado. O atendimento do pedido implica-

ria aumento, mas não exatamente dobrar o limite, pois

os contratos de refinanciamento e a LRF lidam com

conceitos diferentes de receita.

Paralelamente seriam mantidos outros controles. O

montante das operações de crédito realizadas em um

exercício pelo Estado não pode exceder 16% da RCL, e

os pagamentos à União continuariam equivalentes aos

mesmos percentuais da RLR: pela Resolução 43/01, o

serviço da dívida, para cada Estado, tem que ser igual

ou menor que 11,5% da receita.

No PAF, os Estados se comprometem a cumprir seis

metas fiscais a cada três anos. As metas, negociadas

com os governadores, dizem respeito à relação DFin/

RLR, despesas com pessoal/receita corrente líquida e

investimento/receita líquida real, e ao desempenho das

receitas próprias e resultado primário.

Cumpridas as metas que foram negociadas, o Te-

souro autoriza a contratação de novos empréstimos.

Embora São Paulo ainda tenha uma relação dívida/re-

ceita muito grande – superior à média nacional, que é

1,43 –, a informação oficial é que o governo vem me-

lhorando sua situação fiscal e poderia convergir para a

meta unitária no mesmo prazo antes previsto, mesmo

com a ampliação do seu saldo devedor.

O governo de São Paulo pretendeu aumento do seu

limite de endividamento em R$ 6,7 bilhões, baseando-

se no limite previsto na LRF, usando a dívida consoli-

dada e a receita corrente líquida como referências. O

governo do Estado argumentou, por sua vez, para obter

eventualmente a diferença, que sua dívida se situa hoje

abaixo da relação 2 para 1 com a receita, e que caminha

para ser menor que 1/1 em 2020.

Segundo a Imprensa, o Ministério da Fazenda au-

torizou contratação de novas operações de crédito em

até R$ 4 bilhões, a partir da constatação da melhora

das contas do Estado. São Paulo seria o primeiro Estado

com dívida corrente líquida hoje superior à receita cor-

rente líquida (atualmente é quase o dobro), que teve

autorização para tomar novos empréstimos. O ministro

teria reiterado que todos os Estados terão benefício

No PAF, os Estados se

comprometem a cumprir seis

metas fiscais a cada três anos.

As metas, negociadas com os

governadores, dizem respeito

à relação DFin/RLR, despesas

com pessoal/receita corrente

líquida e investimento/

receita líquida real, e ao

desempenho das receitas

próprias e resultado primário.

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junt

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equivalente, depois da avaliação de cada orçamento

por uma comissão do Tesouro.

O Ministério da Fazenda fechou também acordo

com o governo de Minas Gerais, tendo em conta seu

bom desempenho fiscal, autorizando o Estado a obter

mais R$ 2,45 bilhões de empréstimos internacionais

nos próximos quatro anos. Os termos dos novos acor-

dos não são públicos.

O fato de o aumento concedido a Minas Gerais re-

presentar, em proporção das respectivas receitas, qua-

se o dobro do de São Paulo, estimulou especulações

sobre outras motivações políticas para tratamentos

diferentes.

José Fernando Cosentino TavaresEconomista do Corecon-DF e consultor de

orçamento da Câmara dos Deputados

25

julho / setembro / 2007

Page 28: 31-revista

26

As idas e vindas das reuniões deixaram muitos ana-

listas pessimistas com o provável futuro da Rodada de

Doha. Em pauta, coloca-se que o fracasso da Rodada

deve-se ao fato de que os interesses dos principais

atores não foram realizados. De um lado, os Estados

Unidos negam-se a reduzir os subsídos agrícolas en-

tre os países, e de outro, o Brasil exige a redução desses

subsídios. O individualismo dos países, principalmente

dos desenvolvidos – mais preocupados com sua própria

expansão do que com negociações multilaterais – marca

o fracasso da Rodada. Lançada na capital do Catar em

dezembro de 2001, a Rodada de Doha foi inicialmente

programada para terminar em janeiro de 2005. Em 2003

quase entrou em colapso e a partir daí vem-se arrastan-

do de crise em crise.

O protecionismo agrícola dos EUA pode não ser

o principal motivo das seqüentes negociações mal

sucedidas nas reuniões da Rodada de Doha, é o que

diz o economista e professor da Universidade de Bra-

sília (UnB), Mauricio Barata. “Ao longo de décadas de

substituição de importações, o sistema protecionista

brasileiro onerou a produção agrícola, tributando os

insumos industriais usados por ela, importados ou

não, e induzindo a supervalorização cambial da moe-

da nacional, diminuindo assim o preço em reais que

os agricultores recebem por suas vendas em dólares.

Isso significa que o protecionismo industrial brasileiro

diminuiu os estímulos dados à agricultura. Por isso não

cabe acreditar que é apenas a proteção que os países

desenvolvidos dedicam à sua agricultura que impede

que nossos produtos entrem nos mercados da Euro-

pa e da América do Norte; os efeitos negativos sobre

a rentabilidade da agricultura brasileira, advindos de

nosso próprio protecionismo, talvez sejam até piores.

Concluindo, se organizarmos uma agenda para a racio-

nalização do sistema de incentivos à eficiência econô-

mica no Brasil, a Rodada de Doha e outras negociações

por Daniela Lima

internacionais ficarão em uma posição bem secundá-

ria”, explica o economista.

Entretanto as crises podem não ser motivo de des-

crença para alguns, mas as dificuldades baseadas na

prevalência de interesses de uns em detrimento de

outros pode ser o motivo do conflito. Mauricio Barata

é um dos que não acreditam no fracasso da Rodada

de Doha, mas explica que, por outro lado, é possível

que não se alcance tudo que se esperava dela. Para

ele, as dificuldades encontradas não são surpreenden-

tes, pois desde o início das negociações no âmbito do

Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Gatt), há mui-

tas décadas, elas se mostraram extremamente difíceis,

porque abrangem mais de cem países e milhares de

mercadorias diferentes. “Além dos interesses conflitan-

tes entre os países participando das negociações, há

interesses opostos dentro de cada país, pois a proteção

alfandegária sempre favorece os produtores de alguns

bens em detrimento dos consumidores dos mesmos

bens. Esses conflitos internos são a verdadeira razão

das dificuldades das negociações para a liberalização

do comércio. E não podemos esquecer que há formas

alternativas de abrir o comércio, e estas formas devem

ser exploradas.

Mas qual direção seguir? Análises das mais dife-

renciadas são realizadas dentro do que diz respeito à

política econômica. Como se pode constatar, o coor-

denador-geral de Assuntos Multilaterais (CGAM/DAC),

Luiz Cláudio Carmona, considerando o momento atual,

disse que o fracasso de Doha é uma possibilidade real

e provável. Porém, ressalta a sua importância principal-

mente para que temas sistêmicos sejam tratados. “A

redução substancial das medidas de apoio doméstico

distorcivas, o fim dos subsídios à exportação e a me-

lhoria do acesso aos mercados são elementos essen-

ciais para a contínua dinamização do comércio mun-

dial e a redução das suas distorções. Não só o Brasil

O futuro da Rodada de DohaR

evist

a de

Con

junt

ura

Page 29: 31-revista

O futuro da Rodada de Doha– por ser um grande exportador agrícola –, mas todos

demais membros da Organização Mundial do Comer-

cio (OMC) seriam beneficiários de um eventual acordo”,

afirma. Carmona alerta ainda que o impasse atual não

deve ser analisado de maneira simplista como uma

guerra entre ricos e pobres ou entre o Brasil e os EUA.

“Se tomarmos apenas a questão das medidas de apoio

doméstico distorcivas, que são os subsídios mais da-

nosos e combatidos em relação ao comércio agrícola,

podemos dizer, sim, que se trata de um embate prin-

cipalmente entre ricos e pobres, sendo o Brasil talvez

o maior demandante da redução destes subsídios. En-

tretanto, o acordo na OMC envolve outros temas onde

muitos outros membros se mostram sensíveis, inclusi-

ve o Brasil, no caso específico das reduções das tarifas

de bens industriais”, explica.

Para alguns, o impasse das negociações comerciais

da Rodada de Doha reflete o desinteresse dos países

desenvolvidos com relação ao acesso dos países emer-

gentes ao mercado mundial, o que contradiz a prin-

cipal missão da OMC: favorecer a expansão comercial,

e promover alguns objetivos como a redução da po-

breza, o crescimento econômico e o desenvolvimento.

Diante deste cenário é conveniente questionar qual

o papel que a OMC terá no futuro? Para Mauricio Ba-

rata, o principal papel da OMC continuará sendo o de

implementar as regras do Gatt. Afirma ainda que as

rodadas de liberalização do comércio também con-

Resumo das Rodadas de Negociação na história do sistema multilateral de comércio

Fonte: http://www.desenvolvimento.gov.br

Rodada Período Países participantes Temas cobertos

Genebra 1947 23 Tarifas

Annecy 1949 13 Tarifas

Torquay 1950 - 1951 38 Tarifas

Genebra 1955 - 1956 26 Tarifas

Dillon 1960 -1961 26 Tarifas

Kennedy 1964 - 1967 62 Tarifas e antidumping.

Tóquio 1973 - 1979 102 Tarifas, Medidas não tarifárias, Cláusula de Habilitação.

Uruguai 1986 - 1993 123Tarifas, Agricultura, Serviços, Propriedade Intelectual, Medidas

de Investimento, novo marco jurídico, OMC.

Doha 2001 - ? 149Tarifas, Agricultura, Serviços, Facilitação de Comércio,

Solução de Controvérsias, “Regras”.

Rodada Período Países participantes Temas cobertos

Genebra 1947 23 Tarifas

Annecy 1949 13 Tarifas

Torquay 1950 - 1951 38 Tarifas

Genebra 1955 - 1956 26 Tarifas

Dillon 1960 -1961 26 Tarifas

Kennedy 1964 - 1967 62 Tarifas e antidumping.

Tóquio 1973 - 1979 102 Tarifas, Medidas não tarifárias, Cláusula de Habilitação.

Uruguai 1986 - 1993 123Tarifas, Agricultura, Serviços, Propriedade Intelectual, Medidas

de Investimento, novo marco jurídico, OMC.

Doha 2001 - ? 149Tarifas, Agricultura, Serviços, Facilitação de Comércio,

Solução de Controvérsias, “Regras”.

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a

tinuarão sendo realizadas e os resultados continuarão

fluindo lentamente. “Sejamos pacientes e continuemos

trabalhando; se tivermos pressa, recorramos a outros

caminhos, como de fato já fizemos no Brasil”. Da mesma

opinião compartilha Luiz Carmona ao afirmar que mes-

mo com um eventual fracasso, a OMC continuará tendo

a importância do seu papel preservado. “As regras para

o comércio internacional da OMC que hoje vigoram

podem não ser o ideal, mas impedem que estejamos

sujeitos à “lei da selva”. As regras atuais já trazem cer-

ta previsibilidade e estabilidade ao comércio mundial.

Isso não deve ser desprezado”.

Recorrer a outros caminhos pode ser uma saída para

a um provável fracasso da Rodada de Doha ou até mes-

mo para uma demora demasiada das negociações. O

professor Mauricio Barata conta que o Brasil tomou duas

grandes iniciativas no sentido de dar ao país maior parti-

cipação no comércio internacional: “A primeira delas foi a

liberalização unilateral, iniciada em 1988 e prosseguindo

com firmeza até 1993. Nesse período, a alíquota média

do imposto de importação caiu de 57,5% em 1997 para

11,2% em 1994, e apesar de ligeiro retrocesso havido na

gestão FHC, chegamos a 2002 com a alíquota média de

13,5%. Essa experiência mostra como se pode ir longe

com o processo de liberalização do comércio, sem de-

pender de negociações internacionais complicadas e

demoradas, desde que o país reconheça as vantagens do

comércio mais livre e se disponha a adotá-lo sem esperar

compensações provenientes de outros países. A outra

grande iniciativa de que o Brasil participou foi a criação

e implementação do Mercosul, a partir de negociações

relativamente simples entre Brasil, Argentina, Uruguai e

Paraguai. Essa é a chamada forma preferencial de libe-

ralização, na qual um grupo relativamente pequeno de

países recebe um tratamento especial”. Para o professor,

as experiências brasileiras de liberalização unilateral e

multilateral mostram que o potencial dessas alternativas

de liberalização é grande, e, de acordo com ele, estamos

perdendo tempo ao não impulsioná-las com mais força.

Do futuro não se sabe o que esperar. Mas teme-se

o que poderá acontecer. E previsões do cenário econô-

mico enchem as páginas dos grandes jornais do país.

O futuro do setor agrícola brasileiro é uma das gran-

des preocupações de muitos analistas no contexto de

negociações bilaterais, por exemplo. Mas para o coor-

denador geral de Assuntos Multilaterais, Luiz Carmona,

o setor agrícola brasileiro é muito competitivo e con-

segue acessar os principais mercados importadores

mundiais. Sendo assim, acordos bilaterais também são

desejáveis porque iriam aumentar a nossa vantagem

nesses mercados. Só que essa competitividade acentu-

ada também vem acompanhada do temor apresenta-

do pelos nossos parceiros em relação à nossa agricultu-

ra exportadora. Na área agrícola somos temidos tanto

quanto tememos a China na área industrial. A análise

colocada por Mauricio Barata diz que agricultura bra-

sileira depende de insumos intermediários modernos

e de bens de capital fornecidos pela indústria e agricul-

tura, e competem no mercado de fatores primários, isto

é, de capital e trabalho: “Isso significa que ao encarecer

os insumos agrícolas, o protecionismo penaliza a agri-

cultura. Portanto, qualquer forma de negociação visan-

do a aumentar o comércio internacional de produtos

industriais irá beneficiar também a agricultura”.

Um dos objetivos da OMC é o desenvolvimento

dos países pobres e emergentes focado na expansão

comercial, tanto em escala multilateral como bilateral.

Partindo deste principio e, diante do cenário atual, es-

pera-se que o êxito da Rodada de Doha além de pro-

mover o desenvolvimento e reduzir a pobreza, promo-

va também um crescimento econômico que integre

países de maneira mais igualitária.

Page 31: 31-revista

Mandatos de DohaAcesso a Mercado em Bens Não Agrícolas: o manda-

to estabelece que as negociações de acesso a mercados

se concentrarão no tratamento dos picos tarifários, altas

tarifas, escalada tarifária e barreiras não tarifárias. O man-

dato diz que a cobertura das negociações será ampla sem

exclusões, a priori, e que as necessidades e interesses espe-

ciais dos países em desenvolvimento e dos menos desen-

volvidos (LDCs) serão levados em consideração.

Agricultura: o mandato de Agricultura é fruto de um

árduo exercício de compromise solution, mesclando termos

amplos, genéricos e ambíguos para conciliar os diversos

interesses antagônicos. Todos os pontos de interesse do

Brasil, como subsídios agrícolas, apoio interno, redução de

tarifas e crédito à exportação, estão contidos no documen-

to, o que, se não garante que eles terão solução favorável,

ao menos garante que eles serão discutidos.

Serviços: preservou-se a filosofia que norteia as nego-

ciações em andamento no Acordo Geral sobre o Comércio

de Serviços (GATS), afirmando que as negociações deverão

ser conduzidas com base na liberalização progressiva, com

especial ênfase nos setores de interesse dos países em

desenvolvimento, aos quais será conferida a flexibilidade

para liberalizar menos setores e tipos de transações.

Comércio e Investimento: o mandato jogou para so-

mente após a V Conferência Ministerial da OMC o início das

negociações sobre este tema, caso haja consenso explícito

para isso. Por hora, o Grupo de Trabalho sobre o Relaciona-

mento entre Comércio e Investimento analisará os temas

de escopo e definição, transparência, não-discriminação,

modalidades de compromissos de pré-estabelecimento

GATS-like, disposições sobre desenvolvimento, exceções

e salvaguardas de balança de pagamentos , mecanismos

de consultas e solução de controvérsias entre os Membros.

Estas discussões embasarão um futuro marco normativo

sobre o tema de investimentos que deverá superar o Acor-

do de TRIMS, cujo alcance só abarca os investimentos rela-

cionados a bens.

Política da Concorrência: também só haverá negocia-

ções após a V Conferência Ministerial da OMC se os mem-

bros assim acordarem por consenso explícito. Enquanto

isso, o Grupo de Trabalho sobre a Interação entre Comér-

cio e Política de Concorrência deverá discutir: a clarifica-

ção dos princípios gerais de concorrência, incluindo os de

transparência, não-discriminação, devido processo e for-

mação de cartéis; modalidades de cooperação voluntária;

apoio ao maior e progressivo enforcement de instituições

de concorrência para os países em desenvolvimento.

Compras Governamentais: o mandato estabelece

negociações sobre Transparência em Compras Governa-

mentais, não tendo o mesmo escopo do Government Pro-

curement Agreement, que traz obrigações de acesso para

as partes.

Comércio Eletrônico: a Declaração referenda o

Programa de Trabalho sobre Comércio Eletrônico da

OMC, desenvolvido nos últimos dois anos, e pede que

seja discutido o melhor arranjo institucional para dar

prosseguimento às discussões do tema na OMC. Além

disso, a Declaração mantém a moratória de tarifas so-

bre transmissões eletrônicas até a próxima Conferência

Ministerial, o que já era esperado.

Facilitação de Comércio: acordou-se que, se houver

consenso explícito, após a V Conferência Ministerial, haverá

negociações para aumentar a transparência e eficiência no

movimento de bens nas fronteiras dos países.

Solução de Controvérsias: acordou-se melhorar e

clarificar as disposições do Acordo de Solução de Contro-

vérsias, levando-se em consideração os interesses e neces-

sidades especiais dos países em desenvolvimento.

“Regras”: os Ministros acordaram conduzir negocia-

ções com o objetivo de clarificar e melhorar as discipli-

nas dos Acordos sobre antidumping, subsídios e medidas

compensatórias, preservando os conceitos básicos destes

Acordos e levando em consideração os interesses dos paí-

ses em desenvolvimento.

Fonte: http://www.desenvolvimento.gov.br

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Artigo1. Introdução

A sociedade do bem-estar depende cada vez mais

de suprimento regular de energia, tanto para a comodi-

dade do lar, da produção de bens e serviços e para a lo-

comoção. O Instituto Internacional de Economia (MUS-

SA, 2003) estima que a demanda projetada mundial de

energia crescerá 1,7% ao ano, de 2000 a 2030. Mantido

o atual nível de consumo, as reservas comprovadas de

petróleo (1,137 trilhões de barris) permitiriam suprir a

demanda mundial por 40 anos. Cenário de crescimento

da demanda com reservas em queda elevam os preços

do petróleo (em 2007 acima dos US$ 70), com poucas

possibilidade de redução.

Governos e sociedades, preocupados com o supri-

mento futuro, buscam fontes alternativas e preferente-

mente renováveis. O Brasil partiu na frente, há mais de

30 anos, com a criação do Proálcool, produzindo etanol

a partir da cana-de-açúcar, utilizado como combustível

para carros. Com o desenvolvimento tecnológico, os

custos de produção do etanol baixaram significativa-

mente. Hoje, estima-se que o break even entre o preço

do álcool e da gasolina (tributação exclusa) oscila entre

US$30 e US$35,00. Por ser uma tecnologia ainda imatu-

ra, a mesma relação é estimada em torno de US$60,00

para biocombustíveis derivados de óleo vegetal.

O Brasil possui vantagens comparativas para liderar

a agricultura de energia. Há terras disponíveis para se-

rem incorporadas, sem competição com a agricultura de

alimentos, e com impactos ambientais circunscritos ao

socialmente aceito. Por situar-se, predominantemente,

na faixa tropical e subtropical do planeta, recebe intensa

radiação solar, ao longo do ano. A produção da bioener-

gia e a densidade desta, por unidade de área, depende,

diretamente, da quantidade de radiação solar incidente.

A produção de agroenergia, no caso brasileiro,

abrange quatro vertentes principais: (a) álcool; (b)

biodiesel;2 (c) florestas energéticas cultivadas; e, (d)

resíduos agroflorestais. É bom notar que existem inter-

relações entre esses segmentos, como o uso do etanol

para a produção de biodiesel, a co-geração de energia

elétrica com resíduos da produção de álcool, ou o apro-

veitamento de resíduos de biomassa florestal.

Neste trabalho, apresentam-se as diretrizes de política

para a agroenergia, desenvolvimento recente na produ-

ção de álcool e os principais desafios para o biodiesel.

2. Diretrizes de política para a agroenergia

As diretrizes gerais da política governamental para

a agroenergia no Brasil são:

Incentivo à produção – pela expansão do setor de

etanol, implantação da cadeia produtiva do biodiesel,

aproveitamento de resíduos e expansão de florestas

Agroenergia – nova dinâmica do agronegócio brasileiro1

Elisio Contini

1 Baseado nos documentos Diretrizes de Política de Agroenergia e Plano Nacional de Agroenergia, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

2 O Programa Brasileiro de Biodiesel conceitua Biodiesel como “combustível obtido da mistura, em diferentes proporções, de diesel e éster de óleos vegetais”.

Page 33: 31-revista

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julho / setembro / 2007

energéticas cultivadas, com abrangência nacional, ob-

jetivando a eficiência e produtividade e privilegiando

regiões menos desenvolvidas.

Agroenergia sem comprometer a produção de

alimentos – A expansão da agroenergia não afetará a

produção de alimentos para o consumo interno, princi-

palmente os da cesta básica. Pelo contrário, co-produ-

tos do biodiesel, por exemplo, torta de soja e de giras-

sol, tendem a complementar a oferta de produtos para

a alimentação humana e animal.

Desenvolvimento tecnológico – Pesquisa e desen-

volvimento de tecnologias agropecuárias e industriais

adequadas às cadeias produtivas da agroenergia, que

proporcionem maior competitividade, agregação de

valor aos produtos e redução de impactos ambientais.

Concomitantemente, deverá contribuir para a inserção

econômica e social, inclusive com o desenvolvimento de

tecnologias apropriadas ao aproveitamento da biomassa

energética em pequena escala.

Autonomia energética comunitária – Propiciar às co-

munidades isoladas, aos agricultores individualmente,

cooperativados ou associados, e aos assentamentos de

reforma agrária, meios para gerar sua própria energia, em

especial nas regiões remotas do território nacional.

Geração de emprego e renda – A política de agroe-

nergia deve constituir-se em um vetor da interiorização

do desenvolvimento, da inclusão social, da redução das

disparidades regionais e da fixação das populações ao

seu habitat, em especial pela agregação de valor na

cadeia produtiva e integração às diferentes dimensões

do agronegócio.

Aproveitamento de áreas já Ocupadas – As culturas

energéticas serão produzidas respeitando a sustenta-

bilidade dos sistemas produtivos e desestimulando a

expansão injustificada da fronteira agrícola ou o avanço

rumo a sistemas sensíveis ou protegidos, como a floresta

amazônica, a região do Pantanal, entre outras. Propõe a

recuperação de áreas degradadas, associando-as ao se-

qüestro de carbono.

Otimização das vocações regionais – Incentivo à

instalação de projetos de agroenergia em regiões com

oferta abundante de solo, radiação solar e mão-de-obra,

propiciando vantagens para o trabalho e para o capital,

do ponto de vista privado e social, a partir de culturas agrí-

colas com maior potencialidade.

Liderança no comércio internacional de biocombus-

tíveis – O Brasil reúne vantagens comparativas que lhe

permitem liderar o mercado internacional de biocom-

bustíveis e implementar ações de promoção dos pro-

dutos agroenergéticos. A ampliação das exportações,

além da geração de divisas, consolidarão o setor e im-

pulsionarão o desenvolvimento do país.

Aderência à política ambiental – Os programas de agro-

energia estarão em consonância com a política ambiental

brasileira e integrados com as disposições do Mecanismo

de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Quioto,

aumentando a utilização de fontes renováveis, com menor

emissão de gases de efeito estufa e contribuindo com a

mitigação deste efeito por meio do seqüestro de carbono.

3. Produção brasileira de etanol

A produção de etanol no Brasil tem como fonte a

cana-de-açúcar e é produzido nas regiões Centro-Sul,

Norte e Nordeste. O Brasil e os Estados Unidos são atu-

almente os maiores produtores de etanol; os Estados

Unidos extraem esse produto do milho.

O Brasil reúne vantagens comparativas que lhe

permitem liderar o mercado internacional de biocombustíveis e implementar ações de

promoção dos produtos agroenergéticos. A ampliação das

exportações, além da geração de divisas,

consolidarão o setor e impulsionarão o

desenvolvimento do País.

‘‘

‘‘

Page 34: 31-revista

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a

O Brasil já possui uma matriz energética com sig-

nificativa participação de energias renováveis, tendo

acumulado importante experiência na produção de ál-

cool como combustível, tanto anidro como hidratado.

A ampliação dessa participação na matriz, a partir do

desenvolvimento da agroenergia, propicia a oportuni-

dade de executar políticas, de cunho social, ambiental

e econômico, além de alinhar-se com ações de caráter

estratégico no âmbito internacional.

A expansão da agroenergia no Brasil, nos últimos

anos, é um dos pontos mais relevantes da dinâmica do

agronegócio no País. A produção de álcool total (ani-

dro e hidratado) passou de 14,43 milhões de metros

cúbicos na safra 1996/1997, para 17,89 milhões de me-

tros cúbicos em 2006/2007. A produção de açúcar teve,

nesse período, um aumento de 124,65% , passando de

13,63 milhões de toneladas para 30,62 milhões. A pro-

dução de cana-de-açúcar também se expandiu, entre

1997 e 2007, passando de 289,52 milhões de toneladas

para 427,22 milhões (Tabela 1).

Em 2003, o mercado de veículos leves no Brasil

apresentou uma novidade cujo sucesso comercial está

criando um horizonte de uso do etanol carburante que

deve alterar o modelo tradicional de mercado: o veícu-

lo do tipo ‘combustível flexível’. Este novo veículo (po-

pularizado como ‘flex-fuel’) tem a capacidade técnica

de utilizar 100% de álcool etílico hidratado como com-

bustível, 100% de gasolina convencional ou a mistura

de ambos em qualquer proporção. A participação dos

veículos “flex-fuel” já representa 70% das vendas de au-

tomóveis novos no País.

A flexibilidade oferecida pela tecnologia, que fun-

ciona como uma demanda cruzada, traz duas conse-

qüências imediatas: 1) incorpora um sistema automáti-

co de prevenção de crise de abastecimento (na suposi-

ção de que a oferta de gasolina será sempre regular); e

2) o volume do consumo de álcool estará diretamente

vinculado à capacidade dos industriais em oferecer o

produto demandado, a preços competitivos.

A expansão da agroenergia no Brasil, nos últimos anos,

é um dos pontos mais relevantes da dinâmica do

agronegócio no País. A produção de álcool

total (anidro e hidratado) passou de 14,43 milhões

de metros cúbicos na safra 1996/1997, para 17,89

milhões de metros cúbicos em 2006/2007.

‘‘

‘‘Tabela 1: Produção de Cana-de-açúcar, de Álcool e Açúcar – Brasil

ANOS

ÁLCOOL ANIDRO (m ³)

ÁLCOOL HIDRATADO (m ³)

ÁLCOOL TOTAL (m ³)

AÇÚCAR (ton.)

CANA-DE-AÇÚCAR (ton.)

96/97 4.629.340 9.801.109 14.430.449 13.631.888 289.520.522

97/98 5.699.719 9.722.534 15.422.253 14.847.044 302.198.516

98/99 5.679.998 8.246.821 13.926.819 17.960.587 315.640.797

99/00 6.140.769 6.936.996 13.077.765 19.380.197 310.122.784

00/01 5.584.730 4.932.805 10.517.535 16.020.340 254.921.721

01/02 6.479.187 4.988.608 11.467.795 18.994.363 292.329.141

02/03 7.009.063 5.476.363 12.485.426 22.381.336 316.121.750

03/04 8.767.898 5.872.025 14.639.923 24.944.434 357.110.883

04/05 8.172.488 7.035.421 15.207.909 26.632.074 381.447.102

05/06 7.662.622 8.144.308 15.806.930 26.214.391 382.482.002

06/07 8.081.661 9.805.255 17.886.916 30.624.898 427.225.737

Fonte: MAPA

Page 35: 31-revista

33

julho / setembro / 2007

Uma outra dimensão que permeia o futuro do álcool

etílico como combustível é a sua aplicação em células a

combustível, tanto diretamente em célula a etanol, como

através do processo de reforma deste para a produção de

hidrogênio. As tecnologias de célula a combustível estão,

atualmente, em desenvolvimento em diversos países e

particularmente o Brasil já definiu a rota da obtenção do

hidrogênio por meio do etanol como prioritária.

No mercado interno, o Governo dispõe de outros

dois instrumentos de intervenção no mercado de álco-

ol combustível. O primeiro é a fixação dos níveis de mis-

tura do álcool anidro à gasolina. A mistura pode variar

entre 20 e 25%, conforme a disponibilidade do produ-

to. O segundo, de natureza mais estrutural, diz respeito

à carga tributária sobre os veículos automotores, onde

são fixadas alíquotas menores do Imposto sobre Pro-

dutos Industrializados (IPI) para os veículos movidos a

álcool, exceto para aqueles de até 1000 cilindradas.

Outro aspecto institucional relevante para o setor

é o Programa Nacional de Incentivo às Fontes Alterna-

tivas de Energia Elétrica (Proinfa). O programa tem por

objetivo a diversificação da nossa matriz energética, a

partir do aumento da participação das fontes renová-

veis de energia. É conferido enfoque na co-geração a

partir de resíduos de biomassa, nas Pequenas Centrais

Hidrelétricas e na Energia Eólica.

Quanto ao futuro, as projeções do etanol referentes a

produção, consumo e exportação refletem grande dina-

mismo desse produto devido, especialmente, ao cresci-

mento do consumo interno e às exportações de etanol. A

produção de etanol projetada para 2017 é de 38,6 bilhões

de litros, mais que o dobro da produção de 2005. O con-

sumo interno para 2017 está projetado em 28,4 bilhões

de litros e as exportações, em 10,3 bilhões ( Fig. 1).

A Secretaria de Produção e Agroenergia do MAPA

projeta, para 2010, vendas de automóveis Flex de 1,0

milhão de veículos, quase o dobro a mais que os auto-

móveis a gasolina, cujas vendas projetadas são de 467

mil unidades. Essa expansão do setor automobilístico e

A produção de etanol

projetada para 2017 é de

38,6 bilhões de litros, mais

que o dobro da produção

de 2005. O consumo

interno para 2017 está

projetado em 28,4 bilhões

de litros e as exportações

em 10,3 bilhões.

‘‘

‘‘Fig. 1 - Produção, Consumo e Exportação Brasileira de Etanol

Fonte: AGE/MAPA

Page 36: 31-revista

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a

o uso crescente dos carros flex é atualmente o princi-

pal fator responsável pelo crescimento da produção de

etanol no Brasil.

A dinâmica futura da agroenergia está associada

ao desenvolvimento de um mercado internacional

que venha a funcionar como regulador dos suprimen-

tos domésticos. Embora ainda não seja possível esti-

mar suas dimensões, os fluxos regulares de comércio

já começam a existir, inclusive baseados em contratos

de longo prazo. No caso brasileiro, cabe mencionar o

destacado papel da Petrobrás, como intermediária de

transações junto a importantes países produtores de

petróleo, como a Nigéria e a Venezuela, e de importa-

dores, como o Japão e os Estados Unidos.

Entretanto, há importantes questões a serem equa-

cionadas: 1) os países interessados na aquisição de eta-

nol carburante precisam definir sua utilização para per-

mitir que os países produtores possam se programar; 2)

o comércio regular deve basear-se em contratos de lon-

go prazo, o que reduz o risco comercial para ambos os

lados; e, 3) definir uma regra de formação de preços, ba-

seada em parâmetros previamente definidos. Esta regra

deve incorporar uma engenharia de cálculo que atenda

aos interesses do importador, interessado em vincular

o preço do biocombustível ao preço da gasolina, e do

exportador, para quem o preço do álcool tem um custo

de oportunidade dos usos alternativos para a matéria-

prima, em especial para a fabricação do açúcar.

No curto e médio prazo, a função da agroenergia será

a de propiciar uma transição mais tranqüila rumo a uma

matriz energética com maior participação da energia

renovável, inclusive ampliando o horizonte de uso das

atuais fontes de carbono fóssil. Subsidiariamente, o de-

senvolvimento da agroenergia, no Brasil, promoverá im-

portante aumento de investimentos, empregos, renda e

desenvolvimento tecnológico e será uma oportunidade

para atender parte da crescente demanda mundial por

combustíveis de reduzido impacto ambiental. Essa visão

de futuro é plenamente aplicável ao Brasil, que poderá

se constituir no maior provedor individual de energia re-

novável no mercado internacional de bioenergia.

4. O desafio do biodiesel

Biodiesel é um combustível líquido derivado de bio-

massa renovável, que substitui total ou parcialmente o

óleo diesel de petróleo em motores de ignição por com-

pressão, automotivos (caminhões, tratores, camionetas,

automóveis etc.), transportes (aquaviários e ferroviários)

e estacionários (geradores de eletricidade etc.). O biodie-

sel pode ainda substituir outros tipos de combustíveis

fósseis na geração de energia, a exemplo do uso em cal-

deiras ou em geração de calor em processos industriais.

O biodiesel é produzido a partir de diferentes maté-

rias-primas, tais como óleos vegetais diversos (mamo-

na, dendê, soja, girassol, amendoim, algodão etc.), gor-

duras animais, óleos e gorduras residuais, por meio de

diversos processos. A evolução tecnológica evidencia a

adoção da transesterificação como principal processo

de produção. Consiste numa reação química em meio

alcalino, onde reagem óleos vegetais (ou gorduras ani-

mais) e um álcool (etanol ou metanol), na proporção

aproximada de 10 para 1, respectivamente.

Essa reação tem como produto preponderante o

biodiesel (éster de ácidos graxos). Como subproduto,

tem-se a glicerina, com aplicações diversas na indús-

tria química. Além da glicerina, a cadeia produtiva do

biodiesel gera ainda uma série de outros co-produtos

(torta, farelo etc.), que podem agregar valor e se cons-

A dinâmica futura da agroenergia está associada ao desenvolvimento de um mercado internacional que

venha a funcionar como regulador dos suprimentos domésticos. Embora ainda não seja possível estimar suas dimensões, os fluxos regulares de comércio já

começam a existir.

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julho / setembro / 2007

tituir em outras fontes de renda importantes para os

produtores agrícolas e industriais. Entretanto, deve ser

observado que a magnitude do mercado de combus-

tíveis introduz o desafio de se buscar novos mercados

e aplicações para o uso da glicerina e da torta de ma-

mona, entre outros, haja vista que a produção desses

subprodutos aumentará significativamente com o de-

senvolvimento da produção do biodiesel.

O biodiesel pode ser usado puro ou misturado ao die-

sel em diversas proporções. A mistura de 2% de biodiesel

ao diesel de petróleo é chamada de B2, e assim sucessi-

vamente, até o biodiesel puro (B1000). A Lei n° 11.097/05

estabeleceu que, a partir de janeiro de 2008, a mistura

B2 passa a ser obrigatória no território nacional. Assim,

todo o óleo diesel comercializado no País deverá conter,

necessariamente, 2% de biodiesel. Em janeiro de 2013,

este percentual passará para 5%. Vale aqui ressaltar que,

a depender da evolução da capacidade produtiva e da

disponibilidade de matéria-prima, entre outros fatores,

esses prazos podem ser antecipados, mediante Resolu-

ção do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE),

conforme estabelecido pela Lei. Em sua Resolução nº 03,

de 23 de setembro de 2005, o CNPE antecipou para ja-

neiro de 2006 o B2, cuja obrigatoriedade se restringirá ao

volume do biodiesel produzido por detentores do selo

“Combustível Social”.

Como um substituto direto para o óleo diesel, o

mercado potencial para o biodiesel é determinado es-

sencialmente pelo mercado do derivado de petróleo.

Atualmente, a demanda total de óleo diesel no Brasil é

cerca de 40 bilhões de litros anuais, sendo 94% produ-

zido no próprio país e 6% importada, com dispêndio de

quase US$ 1 bilhão por ano com a importação. O uso

da mistura B2, representa um volume de, aproximada-

mente, 840 milhões de litros anuais de biodiesel, e con-

tribui para a redução das importações de diesel. Para

a mistura B5, obrigatória a partir de 2013, estima-se o

volume de 2,6 bilhões de litros de biodiesel por ano.

Com vistas à redução dos custos de produção, há de

se buscar no segmento industrial o desenvolvimento

e a adequação da produção desse combustível reno-

vável em regime contínuo, sem no entanto invalidar as

experiências de produção pelo regime de bateladas,

inicialmente desenvolvidas. Também se faz necessário

consolidar da tecnologia da transesterificação etílica,

tendo em vista a potencialidade brasileira na produção

do etanol, a partir da cana-de-açúcar.

No âmbito internacional, barreiras tecnológicas e

comercias podem dificultar a colocação do biodiesel

nos mercados externos, em especial dos Estados Uni-

dos e da União Européia, onde predomina a transesteri-

ficação metílica a partir de um seleto conjunto de oloe-

aginosas (soja e canola). Isso é relevante para o aprovei-

tamento do diferencial positivo do Brasil no segmento

agrícola, que dispõe de uma grande diversidade de

matérias-primas, com diferentes potencialidades regio-

nais. Engloba tanto culturas já tradicionais, como a soja,

o amendoim, o girassol, a mamona e o dendê, quanto

alternativas novas, como o pinhão manso, o nabo forra-

geiro e uma grande variedade de oleaginosas a serem

exploradas.

O cultivo de matérias-primas e a produção indus-

trial têm grande potencial de geração de empregos,

promovendo, dessa forma, a inclusão social. Para es-

timular ainda mais esse processo, o Governo Federal

institui um modelo tributário específico, com a criação

do selo “Combustível Social” e a instituição de níveis

diferenciados de desoneração tributária em função do

No âmbito internacional, barreiras tecnológicas

e comercias podem dificultar a colocação do biodiesel nos mercados

externos, em especial dos Estados Unidos e da União Européia, onde predomina a transesterificação

metílica a partir de um seleto conjunto de

oloeaginosas.

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aproveitamento combinado da agricultura familiar e

do agronegócio na cadeia produtiva.

O desenvolvimento do biodiesel continua um de-

safio. Nos aspectos tecnológicos da produção agrícola,

são prioridades a identificação e seleção de oleaginosas,

o aumento de sua produtividade em óleos, hoje muito

baixo, e o desenvolvimento de sistemas de produção

rentáveis com preservação dos recursos naturais. Na

área industrial, a transformação de óleos vegetais em

biodiesel ainda necessita de aprimoramentos, como o

aumento da eficiência extrativa, a desintoxicação de

tortas, como a da mamona, e uma melhor utilização de

subprodutos, como a glicerina.

5. Considerações finais

A longa tradição brasileira na produção e uso de

combustíveis derivados da biomassa, particularmente

do etanol, tornou nosso País uma referência mundial

nesta matéria. Esta posição está associada aos seguin-

tes fatores:

• imenso potencial de produção que inclui a dispo-

nibilidade de novas áreas ou aquelas com atividades

agropecuárias de baixo rendimento econômico, clima

adequado, disponibilidade mão-de-obra preparada e

grupos empresariais capazes de realizar os investimen-

tos necessários;

• uso corrente e continuado de biocombustíveis ao

longo de várias décadas: a participação da biomassa

na matriz energética brasileira está situada em 29%

enquanto que este percentual para o resto do mundo

está em 11%;

• domínio do processo de produção, armazenamen-

to e distribuição de vários biocombustíveis (como o

álcool etílico, a energia elétrica obtida através da quei-

ma de resíduos agrícolas e o carvão vegetal para uso

siderúrgico).

Particularmente quanto ao álcool, já é um produto

consolidado para uso combustível, quer seja na mistura

com a gasolina automotiva quer seja como combustí-

vel dedicado em motores de ignição por centelha. Por

isso, é apontado como uma das opções mais viáveis

como sucedâneo da gasolina.

O álcool possui um conjunto de características que

o habilitam a tornar-se um produto de amplo uso e de

aceitação geral. Os quatro aspectos mais relevantes são

os seguintes: a) seguro e não traz qualquer risco para a

integridade dos veículos que o utilizam ou para a saúde

dos consumidores e dos agentes que cuidam de sua ma-

nipulação; b) eficiente, quando usado em mistura com

a gasolina, praticamente mantém o mesmo rendimento

do combustível principal no uso em veículos automoto-

res; c) fácil de ser produzido em grandes volumes, a par-

tir da cana-de-açúcar ; e, d) preço competitivo, considera-

das as perspectivas em relação aos preços do petróleo.

O seu uso em mistura com a gasolina (especialmen-

te em proporções de até 10%) não requer alteração

importante no sistema de armazenamento, transporte

e uso do combustível principal, pois, com alguns cui-

dados simples, podem ser usados os mesmos equipa-

mentos. Da mesma forma, não requer qualquer tipo de

alteração na regulagem dos motores dos veículos que

passam a utilizar a mescla.

A adição de etanol na gasolina tem o efeito de oxige-

nar o combustível e melhorar sua combustão, levando à

redução dos gases emitidos. Além disso, por ser de ori-

gem natural e renovável, ao substituir um combustível

de origem fóssil evita a emissão do carbono adicional

que seria trazido para a atmosfera e que poderá conti-

nuar repousando no subsolo. No caso particular do uso

da cana-de-açúcar como matéria-prima, a energia pro-

duzida/energia utilizada é muito favorável ( 8,3/1), pois é

necessário somente um litro de combustível de origem

fóssil para a produção de oito litros de etanol.

Bibliografia

MAPA-EMBRAPA. Plano Nacional de Agroenergia – 2006-

2011. 2. ed. Brasilia: Embrapa, 2006. 110 p.

MAPA; MME; MDICT; MCT. Diretrizes de Política de Agroe-

nergia. 2006. 30 p.

MUSSA, M. A global growth rebound: how strong fro

how long? Washington, DC. Institute for International

Economics, 2003. Disponível em: <www.iie.com/public

ations/papers/mussa03.pdf>.

Elisio Contini Pesquisador da Embrapa e Chefe da Assessoria de

Relações Internacionais da Embrapa.

Page 39: 31-revista

37

julho / setembro / 2007

ArtigoDesde meados de 2006, o Brasil experimenta uma

fase de prosperidade com inflação baixa e sob contro-

le. Será durável, ou onda passageira? A economia bra-

sileira está em condições de crescer na faixa de 5%a.a.

sem inflação por um período mais longo? Ou a atual

expansão é apenas fruto de circunstâncias internacio-

nais favoráveis e se extinguirá assim que a conjuntura

externa piorar?

Esta não é uma questão trivial. Os economistas da

Escola Desenvolvimentista, heterodoxos, defendem a

tese de que se trata de um ciclo autêntico, que o PIB

(Produto Interno Bruto) do Brasil tem condições de se

expandir até a mais de 5%a.a. Pregam a redução da

taxa de juros básica da economia – a taxa Selic – e do

superávit primário.

É difícil estabelecer fronteiras claras, na práxis bra-

sileira, entre as idéias desenvolvimentistas e o seu con-

traponto – o pensamento neoliberal ou ortodoxo. As

Escolas não são blocos monolíticos; ao contrário, cada

uma delas ostenta uma gama própria de matizes com

ênfases distintas,1 de tal sorte que a divisão arbitrária

entre desenvolvimentistas heterodoxos e neoliberais

ortodoxos é uma simplificação taxionômica de finali-

dades didáticas apenas.

Por exemplo, a proposta de política econômica do

professor Yoshiaki Nakano com foco na sustentação

de uma taxa de câmbio desvalorizada2 e estável para

estimular as exportações de produtos industrializados

poderia ser classificada na Escola Desenvolvimentista

dado seu conteúdo intervencionista.

Contudo, a proposta é revestida de preocupações

com o equilíbrio fiscal, característica própria da Escola

Ortodoxa. O prof. Nakano deixa claro que seria necessá-

ria forte redução de despesas da União para abrir espa-

ço à acumulação de reservas internacionais pelo Banco

Central, conseqüência inevitável do subsídio às expor-

Brasil 2007 Ciclo de crescimento ou bolha?

Carlos Eduardo de Freitas

Taxas de crescimento do PIB

TrimestreTrimestre contra

Trimestre anteriorAnualizada

Doze meses encadeados

2006. I 5,76% 3,23%

2006. II -2,14% 2,91%

2006. III 11,66% 3,27%

2006. IV 4,30% 3,70%

2007. I 3,64% 3,78%

2007. II 3,30% 4,80%

Fonte: IBGE (Contas Nacionais Trimestrais).

Tabela 1: Crescimento do PIB

1 O ministro da Fazenda Guido Mantega, em seminário na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, realizado em setembro/2007, disse que o governo Lula adota o modelo do social-desenvolvimentismo, caracterizado pelo “crescimento econômico mais vigoroso e mais equilibrado e pela redução das desigualdades sociais e regionais”, cf. jornal Valor, 18 set. 07, p. A6.

2 O prof. Nakano sustenta a tese de que a combinação de juros altos e câmbio valorizado da receita neoliberal é a principal responsável pela armadilha de estagnação em que se encontraria o Brasil.

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tações, implícito na administração da taxa de câmbio

desvalorizada.

Feita a ressalva, e tendo presentes os riscos próprios

das generalizações, na visão da Escola Desenvolvimen-

tista, eventuais pressões inflacionárias decorrentes

da expansão da demanda agregada – consumo, in-

vestimentos e exportações – seriam absorvidas pelos

aumentos de produção. O investimento privado esti-

mulado pelo avanço da demanda criaria a capacidade

produtiva requerida para viabilizar crescimento do PIB

até acima de 5%a.a. com estabilidade de preços. O in-

vestimento governamental deveria subir ocupando o

espaço da poupança fiscal para pagamento de juros da

dívida pública, isto é, do famigerado superávit primário.

Insuficiência de poupança? Isto não é restrição. A

poupança seria uma função crescente das oportuni-

dades lucrativas de investimento. Em outras palavras, o

investimento criaria sua própria poupança.

Carga tributária excessiva? A carga tributária não

atrapalha. Ela resulta de decisão tomada pela socie-

dade brasileira e consagrada na Constituição de 1988,

de colocar em marcha um projeto de redistribuição de

renda de longo prazo, representado pelo Sistema de

Seguridade Social – previdência e assistência mistura-

das – e pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Os progra-

mas de assistência às pessoas mais pobres, tipo Bolsa

Família, chegaram mais tarde, mas sob o mesmo enfo-

que de resgate da dívida social. Tudo isso atende aos

valores morais de construção de uma sociedade mais

igualitária e, portanto, mais justa, não se admitindo re-

trocessos.

O que atrapalha é a despesa de juros sobre a dívi-

da pública. Os juros elevados, além de desnecessários,

seriam contraproducentes. O aumento da produção

daria conta do crescimento da demanda sem tensões

inflacionárias. Juros altos colocam a economia numa

armadilha de equilíbrio perverso. Desestimulam o in-

vestimento e a exportação. Com a economia em mar-

cha lenta, a arrecadação tributária não sobe e cortes de

despesa são requeridos para pagar a elevada conta de

juros. A renda se concentra nas mãos dos rentistas e a

estagnação se instala.

No Banco Central estaria o reduto da Escola Neolibe-

ral Ortodoxa dentro do Governo Federal. Estes não têm

tanta certeza de que se está num ciclo econômico ex-

pansionista. Talvez seja uma bolha e logo se tenha que

Gráfico 1: Taxas de inflação (IPCA) em 12 meses

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voltar à mediocridade das taxas de crescimento entre 3

e 4% a.a. E isso já será muito bom, considerando que a

economia internacional pode se deteriorar. Olham com

desconfiança a marcha ascendente dos índices de pre-

ços ao longo de 2007 e se preocupam com a inflação.

Um conceito interessante de examinar é o de Pro-

duto Potencial, ou, mais precisamente, o da taxa po-

tencial de crescimento do PIB. Trata-se daquela taxa de

crescimento suportável pela economia sem pressões

inflacionárias ou desequilíbrios externos.

Há diferentes maneiras de estimar essa taxa potencial

de crescimento. Algumas mais sofisticadas e outras mais

simples. Uma forma prática consiste em levantar uma sé-

rie temporal do valor ou índice do PIB a preços constan-

tes. Tomam-se os logaritmos dos valores ou dos núme-

ros-índice ajustando-se uma reta aos dados observados,

que é a linha de tendência do PIB.3 Os altos e baixos ao

redor da reta de tendência representam as variações cícli-

cas. O coeficiente da variável tempo dessa reta será a taxa

de crescimento de longo prazo da economia, ou seja, a

taxa potencial de crescimento do PIB. Sendo x o índice

do PIB e t o tempo, temos, conforme os Gráficos 1 e 2:

, mas como , vem:

Daí vem:

É isso que está refletido nos gráficos. Os dados pri-

mários são do IBGE.4

A reta de tendência do Gráfico 2 é de médio prazo

,incorporando 46 trimestres ou 11 anos e meio. A taxa

de crescimento de longo prazo do PIB encontrada foi

de 0,62% ao trimestre, equivalente a 2,5%a.a.

3 A metodologia de estimação da taxa potencial de crescimento do PIB aqui apresentada segue estudo da OF Consultoria Econômica, conduzido pelo economista E. Felipe Ohana, de setembro de 2007, não publicado.

4 Série encadeada – Índice do PIB trimestral com ajuste sazonal – Base: média de 1995=100 (Tabela 6), disponível em:<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/pib/pib_vol_val_200702_6.shtm>.

Gráfico 2: Taxa de crescimento potencial do PIB – 2,5%a.a. (série longa – 11 anos e 2 meses).

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Entretanto, a série dos números-índice apresenta

uma quebra de estrutura no Iº trimestre de 2003, visível

no Gráfico 2. Até esse trimestre a tendência era nitida-

mente inferior à que se observa daí em diante, quando

o PIB ganha mais dinamismo. Isto se explicita no Gráfico

3, onde se partem os dados em dois períodos: um que

vai do Iº trimestre de 1996 até o Iº trimestre de 2003, e

outro, do IIº trimestre de 2003 até o segundo de 2007.

A taxa de crescimento potencial do primeiro perí-

odo seria de 0,46% por trimestre ou 1,85%a.a. e cor-

responde ao governo Fernando Henrique Cardoso. O

segundo que, coincidentemente, corresponde ao Go-

verno Lula, apresenta taxa potencial de crescimento de

0,97% ao trimestre, ou 3,9%a.a..

Passemos em revista opiniões recentemente vei-

culadas na imprensa especializada sobre a questão do

potencial de expansão do PIB brasileiro. O prof. Afonso

Celso Pastore, em entrevista ao jornal Valor (31 ago. e 1º

e 2 set. 2007, fl. A2) estimava que a taxa de crescimen-

to potencial do PIB se situaria no máximo em 4%a.a. Na

opinião do economista José Júlio Senna a taxa potencial

estaria hoje entre 4 e 4,2%a.a. (Valor, 19 set. 2007, fl. A2).

Assim, a taxa de crescimento potencial sugerida pelos

dados dos últimos quatro anos, de 3,9% (Gráfico 3), pare-

ce mais em linha com a opinião atual da profissão. Apesar

de refletir período muito curto para definir tendência, é

indiscutível que houve quebra de estrutura na série longa,

muito embora este novo dinamismo esteja basicamente

ligado às circunstâncias da conjuntura econômica inter-

nacional que favoreceram particularmente o Brasil.5

A Escola Neoliberal se preocupa em obedecer aos

limites do possível. Tentar crescer acima do potencial

gera desequilíbrios de balanço de pagamentos e in-

flação. O uso não controlado de poupança externa e o

financiamento inflacionário possibilitam eventualmen-

te um crescimento acima do potencial. Mas isto não se

sustenta de acordo com o pensamento ortodoxo, re-

querendo políticas intermitentes de ajuste que depri-

mem o crescimento trazendo-o abaixo do potencial.

Essa volatilidade da atividade econômica é preju-

dicial ao desenvolvimento de longo prazo introduzin-

do custos e viscosidades que anulariam os ganhos de

curto prazo. No balanço final de lucros e perdas, o País

ganharia com um crescimento menor, mas com baixa

Gráfico 3 Taxa potencial de crescimento do PIB (quebrando a série longa) 3,9%a.a. na série 2 e 1,85%a.a. na série 1

5 Não se pode tirar o mérito das políticas fiscal e monetária austeras do primeiro mandato do presidente Lula, que têm muito a ver com o proveito que o Brasil tem podido tirar de uma situação internacional amigável.

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julho / setembro / 2007

volatilidade, evitando os espasmos de expansão segui-

dos de períodos de contração.

Isto significa administração da taxa de juros com-

patível com estabilidade monetária. Superávit primário

nos níveis requeridos para que a dívida pública convirja

a patamares sustentáveis contribuindo para reduzir a

taxa natural de juros.6

Aumentar a taxa de investimento requer, na visão

ortodoxa, mais poupança. Embora reconheça que

maiores oportunidades lucrativas de inversão estimu-

lam a poupança, a Escola Neoliberal postula que esse

estímulo não é suficiente para gerar todo o fluxo adi-

cional de poupança exigido por aumentos significati-

vos da taxa de investimento.

Por isso o Governo deve reduzir os gastos com pa-

gamentos de transferência7 e com despesas correntes,

aumentando a poupança para bancar seus investimen-

tos em formação de capital fixo ou para apoiar os inves-

timentos privados.

Em resumo, os economistas ortodoxos, mais pre-

ocupados com o equilíbrio interno e externo da eco-

nomia, orientam suas proposições de políticas eco-

nômicas no sentido de desobstruir os gargalos ao

desenvolvimento econômico de modo a aumentar

a taxa potencial de crescimento do PIB. Ao contrário

dos heterodoxos, que procuram contornar os entraves

ao crescimento com intervenções diretas no domínio

econômico, regulação e controles.

Em resumo, um economista desenvolvimentista

heterodoxo diria que o Brasil se encontra num ciclo de

prosperidade, não se trata de bolha, e pode crescer a

5%a.a. e até mais, bastando basicamente soltar as amar-

ras dos juros e dos superávits fiscais primários, além de

corrigir o câmbio valorizado.

Um neoliberal ortodoxo seria mais reservado no

seu prognóstico. Respeitadas as limitações do poten-

cial de crescimento do PIB, ao redor de 4%a.a. dada a

atual conjuntura econômica internacional, o ciclo seria

sustentável. Se a economia internacional se deterioras-

se esse teto viria para baixo. Se se mantivesse por mais

tempo haveria inclusive espaço para endividamento

externo novo e, portanto, para déficits do balanço de

pagamentos em transações correntes. Isto permitiria

crescimento mais acentuado, inclusive acima de 4%a.

a., durante um período de 3 a 4 anos, ou até mais.

O raciocínio aqui exposto mostra certo grau, até

surpreendente, de concordância entre as duas Escolas,

pelo menos no que concerne ao futuro imediato. Apa-

rentemente ninguém acha que o crescimento atual

reflita simples bolha. As divergências se situariam em

torno da velocidade de expansão suportável e das po-

líticas econômicas recomendáveis para maximizar o

crescimento e prolongar o ciclo expansionista.

Os ortodoxos temem que os heterodoxos compro-

metam o processo tentando puxar o crescimento aci-

ma do potencial com intensificação das políticas dis-

tributivas. Isso poderia determinar tensões inflacioná-

rias e cambiais que requereriam um novo processo de

ajuste, anulando os avanços que marcaram o segundo

mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso e

primeiro do presidente Lula, e que foram obtidos não

sem sacrifícios.

Já os heterodoxos temem que o Brasil não tire todo

o proveito possível do bom momento da economia in-

ternacional em função dos temores infundados dos or-

todoxos, com suas taxas de juros elevadas e preocupa-

ções exageradas com o equilíbrio fiscal intertemporal,

exigindo nova rodada de reformas, por exemplo, com

foco na área de seguridade social.

Carlos Eduardo de FreitasEx-diretor do Banco Central

6 Taxa de juros compatível com o máximo crescimento econômico sem tensões inflacionárias.

7 Pagamentos de transferência: seguridade social, aposentadorias e pensões de servidores públicos e programas tipo Bolsa Família. Gastos correntes: despesas de funcionamento do SUS (Sistema Único de Saúde), da educação, justiça, polícia, administração geral, etc. Excluem-se evidentemente os gastos com prédios, instalações, máquinas e equipamentos, para quaisquer das funções governamentais, tratados como investimentos.

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ArtigoIntrodução

A reforma tributária está novamente na pauta de

discussão. A nova proposta do governo inclui a moder-

nização e a simplificação do sistema tributário brasilei-

ro, mas não pretende reduzir a carga tributária. A pro-

posta de simplificação prevê a redução do número de

impostos com a agregação de alguns e contribuições

num conjunto menor de tributos que passam a ser de-

vido no local onde o produto ou o serviço é consumido

(princípio do destino) e não onde é produzido (princí-

pio da origem), como ocorre hoje.

Há consenso sobre a necessidade de alterações

profundas no sistema tributário brasileiro, em especial

sobre os pontos destacados na proposta. O diagnósti-

co é que o sistema tributário é complexo, ineficiente e

injusto, além de a carga tributária ser alta. Portanto, a

reforma deve simplificá-lo, reduzir sua carga tributária

e torná-lo menos regressivo. A dificuldade para avan-

çar na reforma está em como os atores (governos, em-

presários e trabalhadores) vêem esses objetivos, além

das divergências sobre alguns pontos específicos. “Na

prática, quando o Congresso começa a discutir os in-

teresses em conflito, o que era originalmente simples

se transforma num verdadeiro Frankenstein tributário

– pleno de exceções para atender a todos os pleitos – e

até a simplificação pretendida pode ir para o espaço”,

conforme destaca o professor Amir Khair em artigo no

Estadão.1

A mais importante controvérsia se refere à carga

tributária: a sociedade quer pagar menos imposto e os

governos querem ampliar sua arrecadação. Essa con-

trovérsia se amplia se olharmos com mais detalhe cada

ator: os empresários querem pagar menos impostos e

querem que os sonegadores e informais passem a pa-

gar imposto; os banqueiros não querem pagar impos-

to; os trabalhadores querem pagar menos impostos e

defendem que a “elite” e os banqueiros paguem mais

imposto; o governo federal, guardião da responsabilida-

de fiscal e do equilíbrio macroeconômico do país, não

quer perder arrecadação e nem ampliar a carga tribu-

tária e, portanto, não pretende repartir com os Estados

e Municípios uma fatia maior do bolo; os governos es-

taduais querem aumentar a arrecadação e têm como

alvo principal a ampliação da fatia da arrecadação tri-

butária, pressionando o governo federal com o poder

das bancadas no Congresso; os Municípios querem uma

fatia maior dos impostos, tem pouco poder de pressão

direta, mas atraem muitos defensores. Em síntese, são

objetivos quase inconciliáveis e se somam a muitos ou-

tros, como a preocupação dos Estados em não perder

o poder de decisão sobre o ICMS, a guerra fiscal, a rei-

vindicação de alguns governadores que querem reduzir

despesas obrigatórias pela Constituição para a saúde e

educação, reduzir os pagamentos de suas dívidas refi-

nanciadas com a União, aumentar o limite de endivida-

mento e apoio para aprovar a PEC 12/06 que representa

o calote nos pagamentos de precatórios, etc.

O problema da revisão na distribuição dos recursos

entre os entes federados é que qualquer renúncia de

receita do governo federal para os Estados, obriga-o,

para manter o equilíbrio fiscal, a aumentar a receita de

tributos no mesmo montante renunciado. Isso significa

mais aumento da carga tributária. Esta foi uma das

razões do crescimento extraordinário da arrecadação

nos últimos anos. Em 1996, a carga tributária era de 24,5%

Reforma tributáriaJosé Luiz Pagnussat

1 Jornal O Estado de São Paulo de 7 de maio de 2007.

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julho / setembro / 2007

do PIB e em 2006 alcançou 34,23% do PIB, aumento de

39,7% acima do crescimento da economia. Esse aumento

deu-se, basicamente, com as contribuições (PIS, Cofins,

CSLL, CPMF, etc), que não eram repartidas com os Estados,

gerando mais distorções no sistema tributário brasileiro.

As várias tentativas anteriores de reforma tributária

(pós-Constituição de 1988) fracassaram. Só foi aprovado

parcialmente o que garantia aumento da carga tributária.

A causa principal foi o conflito federativo. União, Estados

e Municípios querendo aumentar sua participação no

bolo tributário e não aceitando assumir nenhum risco

de perda de arrecadação com as mudanças. Em síntese,

houve uma piora significativa do sistema tributário, a

despeito do aumento da sua capacidade arrecadadora.

Este artigo pretende apresentar os principais aspectos

da proposta do governo e indicar alguns pontos que

mostram a urgência da reforma tributária.

Carga tributária elevada

O primeiro ponto é que a carga tributária brasileira

é elevada, penaliza o setor produtivo nacional e reduz a

competitividade de setores estratégicos da economia;

compromete o desenvolvimento do mercado de capitais,

fundamental para a mobilização de recursos para financiar

o desenvolvimento econômico; e gera distorções no

setor produtivo, ampliando a informalidade.

A redução da carga e a desburocratização são fun-

damentais para destravar uma das amarras do cresci-

mento econômico. O governo chegou a estabelecer o

compromisso de não elevar a carga tributária acima do

nível de 2002, que foi de 31,86% do PIB. Em 2003, o go-

verno cumpriu o teto, com a carga tributária de 31,46%,

entretanto, nos anos seguintes foi superior e crescente:

em 2004 foi de 32,22% do PIB; em 2005 foi de 33,38%;

e em 2006 atingiu o pico de 34,23 % do PIB. Para 2007,

estimativas que vêm sendo apresentadas por diversos

autores e entidades que estudam o assunto projetam a

carga tributária acima de 35% do PIB.

O alargamento da base de contribuição, certamen-

te, é uma das melhores alternativas para a redução dos

impostos. Hoje, algumas atividades e uma parcela da

população não paga imposto ou paga pouco, enquanto

que outra parcela de trabalhadores e empresários paga

muito imposto. A estimativa do Banco Mundial é que a

economia informal representa 39,8% do PIB brasileiro,

ou seja, de cada 100 reais de produto ou renda gerada

no país 40 é informal e quase não paga imposto. A carga

tributária da parcela da população que paga os impostos

se aproxima de 50% do PIB, considerando, além da eleva-

da economia informal, as exportações e outras isenções

e a grande massa de sonegadores.

A voracidade arrecadadora do Estado é relativamen-

te recente no Brasil. Nos últimos 10 anos, a carga tributá-

ria cresceu 10 pontos percentuais, em relação ao PIB. Se

considerarmos todo o período pós-Constituição (1988 a

2006), a arrecadação cresceu em torno de 8% do PIB. Nos

anos 80, a carga tributária se situou em torno de 22% do

PIB; nos anos 90 subiu para 26%; e, nos primeiros sete anos

da nova década, pulou para 32% do PIB, em média.

O grande aumento da carga tributária ocorreu na

vigência da atual política econômica. O esforço fiscal

de superávit primário de 4,5% do PIB foi obtido com

aumento de impostos. Cabe, ainda, observar que a ele-

vação dos impostos acabou pressionando os gastos

governamentais em razão das vinculações orçamentá-

rias, exigindo mais aumento de impostos para garantir

a meta de superávit primário.

O perfil da carga tributária, considerando a média de

2005 e 2006, mostra que a tributação da mão-de-obra foi

A carga tributária brasileira é elevada, penaliza o setor

produtivo nacional e reduz a competitividade

de setores estratégicos da economia; compromete o desenvolvimento do mercado de capitais,

fundamental para a mobilização de

recursos para financiar o desenvolvimento

econômico.

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de 8,5% do PIB, superior à tributação sobre a renda de

7% do PIB e do patrimônio, de apenas 1,1% do PIB. A tri-

butação sobre bens e serviços é de 17% do PIB, com cres-

cimento acima de 60% em 10 anos, sendo que a grande

parte desse crescimento ocorreu via tributos cumulati-

vos, com multiincidência, sobre uma mesma operação, o

chamado “efeito cascata”, implicando a incidência de um

imposto sobre o outro. A tributação sobre bens e servi-

ços no Brasil ultrapassou a arrecadação dos países ricos,

revelando a sobrecarga tributária sobre a produção. A

tributação sobre a renda, entretanto, tem espaço para

aumentar, pois é bem inferior à dos países ricos.

Na União Européia, a arrecadação média do Impos-

to de Renda é de 13,2% do PIB, sendo 9,8% IRPF e 3,4%

IRPJ. As alíquotas máximas médias dos 19 países são de

40,9% no IRPF e 28,9% no IRPJ, indicando que os que

ganham mais pagam alíquotas muito maiores do que

as praticadas no Brasil.

O problema do sistema tributário brasileiro está,

ainda, na desigual distribuição dos tributos entre os di-

versos setores da sociedade, na elevada participação

das contribuições na arrecadação tributária e no alto

índice de evasão fiscal, confirmando a chamada “cur-

va de Laffer”, que previa que as receitas tributárias reais

inicialmente crescem à medida que a taxa marginal de

tributação cresce, alcançam um ponto máximo e, subse-

qüentemente, declinam com outros incrementos na taxa

marginal de tributação, além do suportável pela econo-

mia. A elevação da informalidade e o grande número de

trabalhadores sem carteira assinada, são, também, uma

conseqüência dessa carga tributária elevada.

A distribuição da carga tributária penaliza os trabalha-

dores com a grande participação dos impostos indiretos

e se concentra na atividade produtiva, tanto na tributação

da produção como na tributação do trabalho. A proprie-

dade, os bancos e os demais setores de serviços são privi-

legiados. Penaliza as famílias mais pobres. Em 2004, a carga

tributária direta e indireta sobre a renda total das famílias

representava 48,8% do orçamento das famílias com renda

de até 2 salários mínimos e apenas 26,3% do orçamento

das famílias com mais de 30 salários mínimos.

A Tabela 1 apresenta os principais tributos por compe-

tência de arrecadação, com destaque para o grande nú-

mero de tributos de competência da União, arrecadados

pela Receita Federal. O principal tributo Federal é o Impos-

to de Renda, que, em 2006, arrecadou R$ 136,8 bilhões, o

equivalente a 5,89% do PIB; seguido da Contribuição para

a Previdência Social, com R$ 123,5 bilhões (5,32% do PIB);

e da Cofins, com R$ 90,6 bilhões (3,90% do PIB). O impos-

to de maior arrecadação brasileira é o ICMS com R$ 171,7

bilhões (7,39% do PIB), de competência dos Estados. E o

principal Imposto dos Municípios é o ISS com R$ 15,3 bi-

lhões (0,66% do PIB).

A arrecadação total de 2006 foi de R$ 795 bilhões. O

aumento nominal da arrecadação em 2006 foi 10,88%,

que representou R$ 78 bilhões a mais nos cofres públicos,

em relação a 2005. O aumento verificado na carga tributá-

ria foi de 0,85 ponto percentual do PIB, ou 2,55% de cres-

cimento acima do crescimento do PIB.

A CT continua crescendo....

A previsão para este ano de 2007, mantidas as

tendências de arrecadação até agosto para a União e

até julho para Estados e Municípios, conforme simulação

do professor Amir Khair, terá crescimento de 1,2 pontos

percentuais, passaria de 34,2% do PIB em 2006, para

35,4% em 2007. A União é a principal responsável pelo

crescimento da arrecadação deste ano (93,8%). Os

destaques são para o Imposto de Renda e Previdência

A distribuição da carga

tributária penaliza os

trabalhadores, com a

grande participação

dos impostos indiretos

e se concentra na

atividade produtiva,

tanto na tributação

da produção como na

tributação do trabalho.

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julho / setembro / 2007

Tributo 2005 2006

R$ milhões % PIB % R$ milhões % PIB %

Total da Receita Tributária 716.972,73 33,38 100,00 795.011,09 34,23 100,00

Tributos do Governo Federal 499.401,21 23,25 69,65 551.619,68 23,75 69,39

Orçamento Fiscal 165.169,01 7,69 23,0 182.351,85 7,85 22,94

Imposto de Renda 124.473,62 5,80 17,4 136.839,81 5,89 17,21

Pessoas Físicas 6.920,76 0,32 0,97 7.994,38 0,34 1,01

Pessoas Jurídicas 48.512,43 2,26 6,77 53.818,42 2,32 6,77

Retido na Fonte 69.040,42 3,21 9,63 75.027,00 3,23 9,44

Imposto sobre Produtos Industrializados 25.199,50 1,17 3,51 28.223,97 1,22 3,55

Imposto sobre Operações Financeiras 5.948,64 0,28 0,83 6.734,25 0,29 0,85

Impostos sobre o Comércio Exterior 8.936,37 0,42 1,25 9.934,65 0,43 1,25

Imposto Territorial Rural 287,59 0,01 0,04 302,44 0,01 0,04

Impostos Prov. sobre Mov. Financeira 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00

Taxas Federais 323,30 0,02 0,05 316,74 0,01 0,04

Orçamento Seguridade Social 282.622,83 13,16 9,42 310.462,20 13,37 39,05

Contribuição para a Previdência Social 108.089,06 5,03 15,08 123.520,20 5,32 15,54

Cofins 86.840,84 4,04 12,11 90.585,04 3,90 11,39

Contribuição Prov. sobre Mov. Financeira 29.147,72 1,36 4,07 32.057,93 1,38 4,03

Contribuição Social sobre o Lucro Líquido 23.874,43 1,11 3,33 25.840,51 1,11 3,25

Contribuição para o PIS 18.587,41 0,87 2,59 20.015,98 0,86 2,52

Contribuição para o Pasep 2.862,56 0,13 0,40 3.578,52 0,15 0,45

Contribuição do Servidor Público 10.433,40 0,49 1,46 11.996,84 0,52 1,51

Outras Contribuições Sociais 2.787,40 0,13 0,39 2.867,17 0,12 0,36

Demais 51.609,36 2,40 7,20 58.805,62 2,53 7,40

Contribuição para o FGTS 32.247,88 1,50 4,50 36.505,40 1,57 4,59

Cide Combustíveis 7.682,72 0,36 1,07 7.821,54 0,34 0,98

Outras Contribuições Econômicas 1.375,85 0,06 0,19 1.906,98 0,08 0,24

Salário Educação 5.906,35 0,27 0,82 6.965,41 0,30 0,88

Contribuições para o Sistema S 4.396,57 0,20 0,61 5.606,29 0,24 0,71

Tributos do Governo Estadual 187.678,54 8,74 26,18 209.424,64 9,02 26,34

ICMS 154.818,41 7,21 21,59 171.668,62 7,39 21,59

IPVA 10.497,08 0,49 1,46 12.418,74 0,53 1,56

ITCD 794,55 0,04 0,11 940,74 0,04 0,12

Taxas Estaduais 3.458,45 0,16 0,48 3.855,90 0,17 0,49

Previdência Estadual 14.579,52 0,68 2,03 16.724,50 0,72 2,10

Outros 3.530,53 0,16 0,49 3.816,15 0,16 0,48

Tributos do Governo Municipal 29.892,99 1,39 4,17 33.966,77 1,46 4,27

ISS 12.891,93 0,60 1,80 15.327,17 0,66 1,93

IPTU 9.248,27 0,43 1,29 9.943,15 0,43 1,25

ITBI 1.852,53 ,09 0,26 2.134,20 0,09 0,27

Taxas Municipais 2.831,95 0,13 0,39 3.079,38 0,13 0,39

Previdência Municipal 2.970,28 0,14 0,41 3.407,28 0,15 0,43

Outros Tributos 98,02 0,00 0,01 75,59 0,00 0,01

Tabela 1: Receita Tributária por Tributo e Competência – 2005 e 2006

Fonte: Secretaria da Receita Federal.

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Social, que respondem por 56,1% do crescimento da

carga tributária. A tendência para 2008 é de continuidade

no crescimento da arrecadação, caso não se efetive a

intenção do governo de desonerar a folha de pagamento,

a implementação efetiva do Simples Nacional, correção

da tabela do IRPF, desoneração de setores estratégicos e

incentivos fiscais para os setores afetados pela defasagem

cambial. O governo sinaliza, ainda, com a possibilidade de

redução das alíquotas de tributos que sejam mais eficazes

para estimular o crescimento e a geração de emprego.

O “conflito federativo”...

A distribuição da carga tributária não favorece o

pacto federativo, a União detém a maior fatia do bolo.

Em 2006 ficou com 57,3% da arrecadação, os Estados

com 25,3% e os Municípios com 17,4%, pelo conceito

de receita disponível para cada nível de governo após

as transferências correntes entre os três entes federados.

O IBGE estima que a receita disponível para os Estados e

Municípios é maior, considerando todas as transferências.

A média dos cinco primeiros anos da década foi: União

(50,5%), Estados (29,1%) e Municípios (20,4%). Em relação

à competência de arrecadação, a concentração na União

é maior: os tributos da União foram responsáveis, em

2006, por 69,39% da arrecadação; os Estados, 26,34%; e

os Municípios, 4,27%.

Burocracia fiscal

O caos tributário, certamente, é o problema mais

urgente para ser atacado, pois não se constrói um am-

biente favorável para fazer negócios e desenvolver o

país com o atual sistema fiscal, que está entre os mais

complexos e onerosos do mundo. São dezenas de milha-

res de normas, algumas pouco claras, e grande número

de impostos, taxas e contribuições. Não é fácil entender

as regras e os impostos devidos.

Um dos pontos fundamentais da proposta do governo

se refere à simplificação da legislação tributária brasileira e

a redução do número de impostos, taxas e contribuições.

A forma complexa como os impostos são cobrados

constitui restrição importante para a formalização de

grande parte das atividades informais. Certamente, a

maioria dos pequenos e médios empresários e até alguns

grandes empresários enfrentam dificuldades para saber

quais impostos e como devem pagar.

O Brasil tem o mais elevado custo do mundo de ad-

ministração tributária das empresas. Estudos indicam

que o custo das empresas para gerenciar o pagamento

de tributos no Brasil pode chegar a até 5% do faturamen-

to. Os pequenos empresários são obrigados a contratar

profissionais, escritórios especializados em administra-

ção tributária, contadores etc., para pagar os impostos.

Os sonegadores encontram campo fértil para “burlar” as

complexas normas e não pagar o imposto, enquanto, o

“bom” contribuinte, dada a incerteza, paga indevidamen-

te, além do necessário. E, mesmo assim, fica à mercê de

cometer alguma irregularidade e, em conseqüência, so-

frer multas, sem poder recorrer, pois tal iniciativa implica

em duplicação ou triplicação da multa. A lógica da bu-

rocracia tributária brasileira não é aplicar corretamente

a cobrança de impostos, mas sim arrecadar mais e mais,

pois isso implica aumento de salário dos fiscais.

Um dado sobre burocracia fiscal, apresentado pelo

Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT)

impressiona: a cada 26 minutos surge uma nova norma

tributária. O estudo contabilizou o total de normas criadas

desde a promulgação da atual Constituição, em 1988, até

outubro de 2004. Em média, a cada dia útil, surgem 56

novas regras de impostos no país. O estudo do IBPT ilustra

ainda que, no âmbito federal, entre 1988 e 2004, nasceram

127.338 novas regras, o que corresponde a uma nova

A forma complexa como os impostos são cobrados constitui

restrição importante para a formalização das atividades

informais. Certamente, a maioria dos pequenos e médios

empresários e até alguns grandes empresários enfrentam

dificuldades para saber quais impostos e como devem pagar.

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julho / setembro / 2007

norma tributária a cada 40 minutos. Esses dados mostram

a urgência da necessidade de simplificação da legislação

tributária brasileira.

Segundo o Relatório do Banco Mundial de 2006: Doing

Business, o Brasil é um dos piores países do mundo para

se fazer negócio. Entre os diversos itens analisados, a pior

classificação do Brasil está no pagamento de impostos

(151ª), dada a pesada carga tributária e as complexidades

administrativas envolvidas no pagamento dos impostos.

Em 2007 melhorou um pouco esse quesito, passando para

a posição 137. Isso de deve à queda do número de paga-

mentos de impostos por ano, que segundo o Banco caiu

de 23 para 11. Segundo o Relatório, uma empresa pode

chegar a pagar 72% de seus lucros em tributos e levar

2.600 horas por ano para atender às exigências burocráti-

cas dos governos federal, estadual e municipal no Brasil.

O Relatório de 2006 compara, para dez itens, o grau

de facilidade para se realizar negócios e atividades em-

presariais em 175 países e o Brasil está na 121ª posição.

Em 2007, com 178 países analisados o Brasil passou para a

122ª posição, ficando à frente de apenas 4 países da Amé-

rica Latina: Equador, Bolívia, Haiti e Venezuela. O estudo

analisa o prazo, custo e facilidade para dez itens: além do

pagamento de impostos, a abertura de empresas, o regis-

tro de propriedade, crédito, licenças, contratação de em-

pregados, proteção do investidor, cumprimento de con-

tratos e o fechamento do negócio. Para todos esses itens,

o Brasil está entre os piores lugares para fazer negócio,

muito distante dos países ricos e em desenvolvimento e

atrás da maioria dos países da América Latina. Leva-se no

Brasil 152 dias para abrir uma firma, enquanto na Argenti-

na bastam 32 dias e nos EUA apenas 5 dias. Esse número

só é melhor do que o de três países: Congo, Guiné-Bissau

e Suriname. Para uma empresa fazer cumprir um contrato

leva-se 1.473 dias. A conclusão do estudo é que os empre-

endedores passam mais tempo atendendo a burocracia

dos governos do que administrando os seus negócios.

No relatório de 2007, entre os aspectos negativos, o

Brasil aparece como um dos países com custos traba-

lhistas não relacionados a salários mais altos – o por-

centual é de 37%. Considerando cada critério, o Brasil

tem as seguintes colocações: é o 137º na questão dos

pagamentos de impostos; 131º para o encerramento

de negócios; 122º em facilidade para se iniciar um ne-

gócio; o 119º quando a questão é contratação de fun-

cionários; o 110º no registro de propriedades; o 107º na

negociação de licenças; 106º na execução de contratos;

93º em negociação entre fronteiras; 84º para obtenção

de crédito; e 64º na proteção ao investidor.

Em síntese, os empresários têm razão sobre a alta

carga tributária e a excessiva burocracia. O problema é

que os governos não querem abrir mão de arrecadação,

nem há uma avaliação precisa do custo/benefício (tri-

butário) da maioria dessas taxas e exigências burocráti-

cas que constituem barreira quase intransponível para

os pequenos empreendedores, que não têm condições

de pagar todas essas taxas e impostos, permanecendo

na informalidade. Este impasse teve um avanço impor-

tante com a aprovação, no final de 2006, da Lei Geral de

Micro e Pequenas Empresas, que simplificou os trâmites

burocráticos; unificou o registro (único local); reduziu

as alíquotas de impostos e unificou a arrecadação com

o “simples geral”, que engloba os impostos federais, es-

taduais e municipais; além de outras medidas que irão

facilitar a operação das micro e pequenas empresas e

atrair para a formalidade um grande número de peque-

nos empreendimentos. Este aumento da formalização

dos negócios no Brasil vai ampliar a base de arrecada-

ção e possibilitar a redução das alíquotas de impostos,

sem que o governo tenha perda na arrecadação.

O Brasil é o 137º na questão dos pagamentos de impostos; 131º para o

encerramento de negócios; 122º em facilidade iniciar um negócio; 119º quando a questão é contratação de funcionários; 110º no

registro de propriedades; 84º para obtenção de crédito; e

64º na proteção ao investidor.

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A intenção do governo

A proposta de reforma tributária preparada pelo

governo parte de um diagnóstico que, em síntese,

apontou que as principais distorções do sistema tribu-

tário brasileiro estão relacionadas aos tributos indiretos

sobre bens e serviços e se referem à complexidade e à

falta de neutralidade dos tributos, cuja principal conse-

qüência é o entrave ao desenvolvimento econômico.

Em relação à complexidade do sistema tributário

foram destacados dois aspectos: a multiplicidade de

legislações e competências tributárias, no caso da União

(PIS, Cofins, IPI, CIDE-combustíveis, etc.), Estados (ICMS) e

Municípios (ISS); e a multiplicidade de alíquotas e bases

de cálculo aplicáveis aos diversos tributos. Já em relação

à inexistência de neutralidade, o diagnóstico apontou os

problemas de incidências cumulativas, os defeitos das

incidências sobre o comércio exterior e a guerra fiscal.

Em relação aos tributos federais, as principais distor-

ções destacadas foram: a multiplicidade de tributos e

regimes de tributação sobre bens e serviços (PIS, Cofins,

IPI, CIDE-combustíveis, etc.); a sobreposição dos regimes:

cumulativo e não cumulativo (PIS/ Cofins), que prejudi-

ca a neutralidade e a alocação eficiente dos recursos; e o

ônus nas cadeias produtivas, no caso da CIDE-combustí-

veis que não confere crédito à produção.

As distorções na tributação do comércio exterior se re-

ferem ao favorecimento das importações em detrimento

da produção nacional, uma vez que os Estados têm con-

cedido uma série de benefícios fiscais para importações,

dado que, na importação, o ICMS pertence ao Estado

destinatário da importação. Um exemplo, é a dificulda-

de que o vinho de grande parte das pequenas vinícolas

do Rio Grande do Sul enfrenta para ingressar em alguns

mercados (Brasília, Belo Horizonte etc.), mesmo sendo de

melhor qualidade e mais baratos que os vinhos importa-

dos, que inundam esses mercados. Em Brasília, é mais fácil

importar um produto do que comprar produto equiva-

lente, e mais barato, no entorno do DF. O segundo ponto

se refere às dificuldades para desonerar as exportações

em função do acúmulo de créditos pelos exportadores.

Isto porque, via de regra, parte dos créditos do ICMS dos

insumos das exportações trata-se de imposto arrecada-

do a outros Estados e o Estado do exportador reluta em

dar aproveitamento aos créditos acumulados.

Outra distorção é a dificuldade de desoneração dos

investimentos, em especial no caso do ICMS e PIS/Cofins,

dado o longo prazo de apropriação dos créditos. No caso

do ICMS, o que dificulta, também, a desoneração dos in-

vestimentos em máquinas e equipamentos é a incidên-

cia do ônus do ICMS no Estado que recebe os investi-

mentos, sendo que, em geral, é pago a outro Estado.

Na avaliação do governo, estas distorções nos tribu-

tos sobre bens e serviços têm como principais conse-

qüências: desestímulo aos investimentos produtivos;

insegurança jurídica; inexistência de neutralidade no

comércio exterior, em prejuízo da produção nacional;

alto custo de cumprimento das obrigações tributárias;

impacto negativo sobre a competitividade; e elevado

nível de sonegação e elisão.

A partir desse diagnóstico o governo estabeleceu

como principais objetivos da reforma tributária: insti-

tuir um sistema de tributos indiretos neutro e simples,

racionalizando o sistema tributário e elevando a eficiên-

cia econômica; desonerar os investimentos produtivos;

eliminar as distorções do comércio exterior que preju-

dicam a produção nacional, desonerando as exporta-

ções e conferindo tratamento isonômico às importa-

ções; simplificar e desburocratizar, reduzindo os custos

de cumprimento das obrigações tributárias; eliminar as

distorções que prejudicam os investimentos; e ampliar

As principais distorções do sistema tributário

brasileiro estão relacionadas aos tributos indiretos

sobre bens e serviços e se referem à complexidade e à falta de neutralidade

dos tributos, cuja principal conseqüência é o entrave ao desenvolvimento econômico.

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julho / setembro / 2007

a base de contribuintes, reduzindo a informalidade.

Uma novidade da proposta de reforma tributária

que o governo propõe é a implantação da nota fiscal

eletrônica. A intenção é a integração dos fiscos com a

nota fiscal eletrônica, cadastros sincronizados e Siste-

ma Público de Escrituração Digital (SPED). Na avaliação

do governo, a base de dados resultante da nota fiscal

eletrônica cria condições para calibrar adequadamente

as novas alíquotas e para estimar com precisão o im-

pacto das mudanças para cada ente federado. Permite,

ainda, equacionar os acúmulos de créditos, mediante

a criação de uma “câmara de compensação” entre em-

presas. A expectativa é que com a nota fiscal eletrônica

haja redução da sonegação fiscal e ampliação da recei-

ta, dada a ampliação da base e o fim da guerra fiscal en-

tre os Estados, abrindo-se espaço para a racionalização

da estrutura tributária e para a redução de alíquotas.

A intenção do governo federal é transformar os atu-

ais tributos federais (PIS, Cofins, IPI e CIDE-combustível)

em apenas um Imposto sobre Valor Adicionado Federal

(IVA-F), e os atuais impostos estaduais (ICMS) e, eventu-

almente, municipais (ISS) em um único Imposto sobre

Valor Adicionado Estadual (IVA-E), que seria implanta-

do gradativamente observando o princípio do destino.

Esses impostos, em 2006, representaram 42,41% da

arrecadação total ou 14,52% do PIB, para uma carga tri-

butária total de 34,23% do PIB.

A principal característica dos novos IVA é a unifor-

midade nacional. Está prevista uma lei complementar

única e regulamentação nacional do IVA, a exemplo do

Simples Nacional. O IVA-E terá como princípio a cobran-

ça no Estado de destino. As alíquotas do IVA-F serão es-

tabelecidas por lei federal e as do IVA-E por lei estadual.

Os Estados teriam autonomia na fixação de alíquotas

dentro de parâmetros definidos nacionalmente.

Os avanços propostos são inquestionáveis e possíveis

de se construir um consenso, mas há, ainda, pontos para

avançar. As boas novidades incluem a modernização

do Sistema Tributário Brasileiro; a busca de eficiência

econômica, com a eliminação de distorções; redução do

número de tributos e a simplificação, fundamental para

mudar a caótica e dispendiosa estrutura tributária vigente;

e a cobrança do ICMS no destino, com o IVA-E.

Por outro lado, a proposta do governo não prevê

redução da carga tributária, amplamente reivindicada

pelos empresários e trabalhadores, entretanto, a CT

poderá ser menor para esses segmentos da sociedade,

dada a ampliação da base de arrecadação, redução da

sonegação e a modernização do sistema.

Distribuição das receitas ...

Não haverá alteração na distribuição das receitas

disponíveis entre a União, Estados e Municípios. Nesse

aspecto, da distribuição da receita entre os entes fede-

rados, a proposta inclui, também, o Imposto de Renda

(IR) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Portanto, a reforma impacta em 62,87% da receita tribu-

tária (21,52% do PIB), considerando-se a arrecadação de

2006. Estes dois tributos deverão ser fundidos num só

imposto. A Tabela 2 apresenta uma simulação da distri-

buição das receitas com base na previsão de arrecada-

ção de 2007, que aponta para uma carga tributária acima

de 35% do PIB. A simulação da distribuição pós-reforma

tributária inclui, também, o ISS no IVA-E. A estimativa de

distribuição desses tributos está em torno dos seguin-

tes percentuais: União (46,77%), Estados (32,56), Municí-

pios (19,61) e Fundos Constitucionais (1,06).

A intenção do governo federal é transformar os atuais tributos federais (PIS, Cofins, IPI e CIDE-

combustível) em apenas um Imposto sobre Valor

Adicionado Federal (IVA-F), e os atuais impostos estaduais

(ICMS) e, eventualmente, municipais (ISS) em um

único Imposto sobre Valor Adicionado Estadual (IVA-E).

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a

Essa distribuição dos impostos poderá sofrer altera-

ção significativa com base na consolidação dos dados

da nota fiscal eletrônica, que permitirá avaliar melhor o

potencial de arrecadação dos novos impostos e o im-

pacto da desoneração tributária.

Controvérsias

Um dos pontos controversos da proposta do IVA

são as novas alíquotas, pois, para manter a arrecadação,

deverão ser bem maiores que as atuais do ICMS, IPI, PIS,

Cofins e CIDE. Alguns autores alertam para a necessida-

de de alíquota de 38% a 40%, o que pode aumentar a

informalidade e a sonegação. Hoje, a alíquota mais co-

mum do ICMS é entre 17% e 18%.

O professor Amir Khair simulou as novas alíquotas,

considerando a média de arrecadação do ICMS nos últi-

mos três anos. O resultado indicou que a arrecadação do

ICMS correspondeu a 52,7% do novo IVA, o que implica-

ria um acréscimo nas alíquotas atuais de 89,7%. Assim,

a alíquota mais comum de 18% teria que passar para

34,2% e as alíquotas mais elevadas usadas nas contas

telefônicas e de energia elétrica de 25% ou 30%, teriam

que passar respectivamente para 47,4% e 56,9%.

Na verdade, o que vai ocorrer é dar transparência

para as reais alíquotas que estão sendo pagas na soma

dos tributos atuais. O risco é o efeito psicológico e com

ele a sonegação e inadimplência; entretanto, a moder-

nização do sistema de arrecadação – com a adoção da

nota fiscal eletrônica, cadastros sincronizados e Siste-

ma Público de Escrituração Digital (SPED) – tem gran-

de probabilidade de sucesso na simplificação pretendi-

da com a reforma. Tal medida será introduzida ainda no

atual sistema tributário e possibilitará maior nitidez nas

previsões de arrecadação.

Vantagens e desvantagens ...

Pode-se afirmar que todos os impostos possuem

vantagens e desvantagens e que nenhum tributo é

totalmente neutro, seja ele cumulativo ou sobre va-

lor agregado. Qualquer tributo introduz distorções na

economia. Entretanto, predominam os argumentos de

que o IVA tem vantagens em relação aos impostos atu-

almente existentes no Brasil. Certamente, ele introduz

menos alterações nos preços da economia, mas tam-

bém está claro que nos setores oligopolizados tais van-

tagens tendem a não ser tão evidentes.

Alguns pontos precisam ser melhor avaliados, consi-

derando que sendo o IVA um imposto indireto que inci-

dente sobre as etapas do processo produtivo, ele garan-

te a progressividade desejada? Desonera a produção?

Possibilita maior simplicidade? Reduz a evasão? etc.

Estados produtores perdem ...

No caso do ICMS, o tributo a sofrer a maior alteração

e que responde por mais de 83% da arrecadação dos

Estados, há uma preocupação sobre o impacto na arre-

cadação do IVA-E sobre os “Estados produtores”, dada a

Tabela 2: Simulação da Distribuição da Arrecadação entre os Entes Federados (%)

TributosSituação Atual Reforma Tributária

U E M F Novos U E M F

IR 52,00 21,50 23,50 3,00IR+CSLL 59,78 18,02 19,69 2,51

CSLL 100 - - -

IPI 42,00 29,00 26,00 3,00

IVA-F 87,65 6,47 5,30 0,58COFINS 100 - - -

PIS 100 - - -

CIDE- Combustíveis 75,00 18,75 6,25 -

ICMS - 75,00 25,00 -IVA-E - 68,66 31,34 -

ISS - - - 100

Total 46,77 32,56 19,61 1,06 46,77 32,56 19,61 1,06

Fonte: Secretaria da Receita Federal e Amir Khair (U=União; E=Estados; M=Municípios; F=Fundos).

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julho / setembro / 2007

mudança na cobrança do imposto que passa a ser no

destino, onde o produto é consumido, e não mais na

origem, ou seja, onde o produto é produzido.

Dados elaborados pelo Confaz mostram que os Es-

tados do Sudeste foram responsáveis por 55,4% da ar-

recadação em 2006, entretanto, houve uma queda na

participação da região nos últimos dez anos. Em 1997

a arrecadação da região era de 60,5% do total. A queda

foi mais acentuada no Estado de São Paulo, passou de

39,5% para 33,8%. Os Estados do Nordeste tiveram cres-

cimento na participação de 13,1 para 14,7%. A região Sul

teve a sua fatia ampliada no ICMS de 14,9% para 15,9%.

A região Norte passou de 0,8 para 1,1%. Portanto, hou-

ve uma mudança na distribuição regional do ICMS, com

destaque para a queda da participação de São Paulo,

histórico adversário da mudança na cobrança do ICMS.

Hoje, aparentemente o impacto da mudança não é sig-

nificativo. O problema é que as estatísticas sobre as ven-

das entre Estados não são confiáveis e a incerteza pro-

duz adversários da alteração onde não deveria ocorrer.

Certamente, será necessário criar um fundo de

compensação na União, como ocorre com a Lei Kandir,

Gráfico 1: Distribuição do ICMS por Estado - 2006

Fonte: STN.

Fonte: STN

Gráfico 2: Arrecadação do ICMS de Comunicações, Energia Elétrica e Combustíveis % médio de 2000 a 2005

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a

para garantir aos Estados a manutenção da receita real

do ICMS, durante o período de transição do sistema atual

para o novo.

A experiência da União Européia mostrou na prática a

dificuldade de implantação da idéia de mercado interno

comunitário com a abolição de todo tipo de fronteira

(física, técnica e fiscal). A discussão iniciou-se em 1982, para

início do regime transitório em 1992 com a cobrança do

IVA para, inicialmente, solucionar o problema da abolição

das fronteiras fiscais e caminhar para formas superiores

de integração. A dificuldade é encontrar mecanismos

adequados que substituam os controles fronteiriços.

Outro problema da União Européia é que persiste a

diferença de alíquotas entre os Estados membros. Aliás

esse é um ponto importante que precisa ser analisado

com cuidado, pois certamente será justa a existências de

tarifas diferenciadas, dadas as diferenças regionais e locais

no país e a instabilidade na oferta e no abastecimento de

determinados bens e serviços.

Apesar das dificuldades e da longa fase transitória, a

União Européia é hoje, do ponto de vista tributário, uma

região sem fronteiras quando comparada com o Brasil.

O comércio de bens entre os Estados brasileiros é mais

restritivo do que entre os Estados europeus.

Blue-chips tributários ...

A arrecadação de ICMS sobre energia, comunicações

e combustíveis teve participação média de 41% sobre o

total, no período 2000 a 2005. Para a maioria dos Esta-

dos, a participação destes produtos e serviços tem peso

importante na arrecadação. Aparentemente, a depen-

dência dessas bases de arrecadação não tem uma razão

clara que possa se aplicar para todos os estados. Tanto

os mais pobres como os mais ricos, em sua maioria, têm

participação na arrecadação do ICMS. Entretanto, para

quatro Estados essa participação é bem menor (AM, SE,

RN e AL), outros quatro estão numa posição intermedi-

ária (ES, PB, SP e MS) e dois tem nesse três itens mais de

50% da arrecadação de ICMS (MA e PR).

Considerações finais

Este artigo teve uma pretensão tímida de mostrar

as principais medidas do projeto de reforma tributária

em discussão e algum indicadores que são importantes

para o avanço do projeto. São muitas as dificuldades a

serem enfrentadas num processo de reforma tributária,

mesmo quando aparentemente há consenso sobre os

pontos propostos.

Neste sentido, é fundamental a mobilização da socie-

dade brasileira, em especial dos acadêmicos, das entida-

des organizadas representativas de segmentos da socie-

dade e a mídia, para influenciar na agenda e na definição

dos pontos que representam avanços importantes na

solução do caos tributário que vive o país. O Congresso

Nacional e os governos Federal, Estaduais e Municipais

precisam, com urgência, construir consensos que permi-

tam aprovar um novo sistema tributário e fiscal para o

País, menos complexo e mais justo.

O diagnóstico foi o primeiro passo dado que aponta

os principais problemas, e, em síntese, indica que o siste-

ma é injusto, complexo, há excessiva quantidade de tri-

butos e alíquotas, onera a produção, dificulta a vida das

empresas, etc. O passo difícil é construir o consenso para

a reforma necessária, dado o conflito federativo e dada

a dificuldade de aceitação dos governos para a redução

da carga tributária, em razão da necessidade do ajuste

fiscal e dos investimentos em infra-estrutura e em pro-

gramas sociais demandados pela população.

José Luiz PagnussatConselheiro do Corecon-DF e ex-presidente do

Conselho Federal de Economia e da ANGE

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Não quebre a corrente!

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Mas, para que esta luta seja bem-sucedida, é importante a participação de todos. Visite o seu Conselho. Critique. Dê sugestões.

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