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ISSN
167
7-06
68
ArtigoS
ENTREVISTA
ANO
VII
• Nº
31 •
julho
/setem
bro d
e 20
07
O futuro da Rodada de Doha
As idas e vindas das reuniões deixaram muitos analistas pessimistas com o provável futuro da Rodada de Doha. De um lado, os Estados
Unidos negam-se a reduzir os subsídos agrícolas entre os países, e de outro, o Brasil exige a redução desses subsídios. O protecionismo
agrícola dos EUA pode não ser o principal motivo das seqüentes negociações mal sucedidas da Rodada de Doha.
Revista deConjunturaPublicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal
Negociações comerciais e relações econômicas
internacionais: o impasse da Rodada de Doha
Luiz Carlos Delorme Prado
O parlamento e a construção da cidadania
Dr. Rosinha
Renegociação das dívidas estaduais refinanciadas
pela UniãoJosé Fernando Cosentino Tavares
Agroenergia – nova dinâmica do agronegócio brasileiro
Elisio Contini
Brasil 2007 – ciclo de crescimento ou bolha?
Carlos Eduardo de Freitas
Reforma tributáriaJosé Luiz Pagnussat
O advogado e ex-secretário da Receita Federal, Osiris Lopes Filho,
fala à Revista de Conjuntura do Corecon-DF sobre a
prorrogação da CPMF
A assinatura da Revista de Conjuntura pode ser efetuada contactando o Corecon/DF. O valor da assinatura é de
R$ 70,00 anuais, o que equivale a quatro edições da revista.
6 Negociações comerciais e
relações econômicas internacionais: o impasse da
Rodada de Doha
Luiz Carlos Delorme Prado
14 O parlamento e a construção
da cidadania
Dr. Rosinha
21 Renegociação das dívidas
estaduais refinanciadas pela União
José Fernando Cosentino Tavares
30 Agroenergia – nova dinâmica do
agronegócio brasileiro
Elisio Contini
37 Brasil 2007 – ciclo de
crescimento ou bolha?
Carlos Eduardo de Freitas
42Reforma tributária
José Luiz Pagnussat
ArtigoS
4 editorial5 entrevista
Osiris Lopes Filho
26 capaO futuro da Rodada de Doha
ÍndicePublicação do Conselho Regional de
Economia do Distrito Federal
ANO VII • Nº 31 • julho/setembro de 2007
ConjunturaRevista de
Nesta edição
Editor ResponsávelMário Sérgio Fernandez Sallorenzo,
Conselho EditorialHumberto Vendelino Richter,José Aroudo Mota,José Fernando Cosentino Tavares,José Luiz Pagnussat,Júlio Miragaya,Maurício Barata de Paula Pinto eMônica Beraldo Fabrício da Silva.
Jornalista ResponsávelDaniela Lima – Reg. DRT/DF: 4926
RedaçãoDaniela Lima
Editoração Eletrônicawww.arsventura.com.br
Tiragem: 4.000Periodicidade: Trimestral
As matérias assinadas por colaboradores não refletem, necessariamente, a posição das entidades. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte.
CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO - DF
PresidenteMário Sérgio Fernandez Sallorenzo
Vice-PresidenteRoberto Bocaccio Piscitelli
Conselheiros EfetivosEvilásio da Silva Salvador,José Aroudo Mota,José Luiz Pagnussat, Júlio Flávio Gameiro Miragaya,Maria Cristina de Araújo,Mário Sérgio Fernandez Sallorenzo,Max Leno de Almeida,Mônica Beraldo Fabrício da Silva eRoberto Bocaccio Piscitelli.
Conselheiros SuplentesAndré Nunes,Gilson Duarte dos Santos,Homero Gustavo Reginaldo Lima,Junia Rodrigues de Alencar, Jusçanio Umbelino de Souza,Maurício Barata de Paula Pinto,Paulo Luiz Figueiredo de Oliveira eRonalde Silva Lins.
Equipe do CoreconAngeilton Francisco Lima Faleiro,Iraci da Costa Lopes,Ismar Marques Teixeira,Jamildo Cezário Gomes eMichele Cantuária Soares.
EstagiáriosGéssika de Freitas Souza (ensino médio) eRafael Amaral Dornelles (economia).
End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202CEP 70300-907 – Brasília/DF Tels: (61) 3225-9242 / 3223-14293964-8366 / 3964-8368Fax: (61) 3964-8364E-mail: [email protected]: www.corecondf.org.brHorário de Funcionamento:das 8 às 18 horas (sem intervalo)
Esta edição da Revista de Conjuntura traz alguns temas importantes
da agenda atual, com destaque para a Rodada de Doha, que se encaminha
para o desfecho com possibilidades de avanços importantes na redução
das restrições impostas pelos países desenvolvidos às exportações agrícolas
dos países em desenvolvimento. O excelente artigo do professor Luiz Carlos
Prado, ex-presidente do Conselho Federal de Economia, faz um panorama dos
principais avanços da Rodada de Doha e a matéria da jornalista Daniela Lima
faz um relato das controvérsias e dos riscos de fracasso e sintetiza os principais
mandatos da Rodada de Doha.
O tema da entrevista é a prorrogação da CPMF. O ex-secretário da Receita
Federal Osires Lopes Filho se mostrou contrário à prorrogação, considerando
a CPMF um mau tributo, tecnicamente, por ser invasora de todas as áreas de
incidência tributária e por ser cumulativa, onerando mais os produtos com
cadeia produtiva longa. Cabe destacar que o debate sobre a CPMF, tanto
no Congresso Nacional como nas entidades organizadas da sociedade, tem
apontado vantagens e desvantagens desse tributo. Em relação às vantagens,
destaca-se o baixo custo de arrecadação e a dificuldade de sonegação. A
CPMF alcançou a atividade informal e foi importante para a identificação dos
sonegadores. Todos, em algum momento, movimentam seus recursos no
sistema financeiro e pagam CPMF revelando, portanto, incompatibilidades de
algumas fortunas com o pagamento de tributos.
A questão tributária foi o tema do artigo do ex-presidente do Conselho
Federal de Economia, José Luiz Pagnussat, que analisa a proposta de reforma
tributária do governo e apresenta alguns pontos que indicam a urgência
da reforma e da modernização do sistema tributário, no sentido de reduzir
a excessiva burocracia tributária, ampliar a base de arrecadação, diminuir a
carga tributária dos setores estratégicos e desonerar a folha de pagamento e
os produtos essenciais.
O artigo “Agroenergia – nova dinâmica do agronegócio brasileiro”, do
Professor Elísio Contini, mostra a viabilidade e a competitividade brasileira
indicando a perspectiva positiva de desenvolvimento desse setor.
Recomenda-se, ainda, a leitura dos excelentes artigos do professor José
Fernando Cosentino Tavares, que faz um panorama atual das dívidas dos
Estados, renegociadas com a União; e do professor Carlos Eduardo de Freitas,
que analisa se o Brasil está num novo ciclo de crescimento ou bolha, apresen-
tando as diferentes visões dos economistas ortodoxos e heterodoxos.
Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal
EditorialEditorialConjunturaRevista de
ErrataA Revista de Conjuntura do Corecon-DF retifica a sua última edição, de janeiro/junho de 2007, referente ao artigo de autoria dos economistas Bolívar Pêgo e Carlos Campos Neto, em que o símbolo de percentagem (%) foi inserido indevidamente aos valores de elasticidade-renda do consumo de energia elétrica, como pode ser visto na página 19, item 3.1. Ressalvamos que todos os números referentes a elasticidade que constam no texto, a unidade referente não cabe a percentagem. Retificamos também na tabela 2 da página 20, onde consta a taxa de crescimento da oferta e demanda de energia elétrica, o índice correto é 1000 mw.
Revista de Conjuntura out/dez de 20063
CPMF: extinta ou prorrogada?
O advogado e ex-secretário da Receita Federal, Osiris Lopes Filho, fala sobre a prorrogação da CPMF
– Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira – aprovada em segundo turno, na Câmara dos Deputados, e que, agora, seguirá para o Senado
Federal. O prazo para definir se o tributo será prorrogado ou extinto é até o
dia 31 de dezembro de 2007.
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dos por parte da Receita Federal pode examinar a vera-
cidade de tributos que a elite deveria pagar, e possibilita
assim a identificação de alguns grandes sonegadores e
a descoberta de imensas fortunas inexplicadas?
Osiris Lopes Filho – Isso é muito alardeado, mas, ocorre
que o simples fato da identificação de uma movimenta-
ção financeira não significa uma prova incontestável da
evasão tributária. É um indício a movimentação finan-
ceira enorme e não declarada, mas existe a lei que esta-
belece uma presunção legal pelos depósitos bancários
em que não são comprovados os documentos hábeis
e idôneos de que aquele depósito corresponde a uma
renda. O Fisco tem que provar também que aquele de-
pósito corresponde ao conceito de renda existente no
quadro tributário nacional.
Conjuntura – É verdade que a CPMF onera as camadas
mais ricas da população, proporcionando maior distri-
buição de renda?
Osiris Lopes Filho – Onera toda a população. A virtude
que se alardeia desse tributo é que pega a economia
informal, criminosa. Mas, o fundamental é que a eco-
nomia real sofre os seus efeitos, elevando os custos
produtivos do país, tirando poder de concorrência, no
mercado internacional, às nossas exportações, e sacri-
fica o povo brasileiro, pois lhe retira poder aquisitivo, e
repercute sobre os preços dos bens e serviços, aumen-
tando-os.
Conjuntura – A CPMF é um bom tributo do ponto
de vista técnico? Quais as qualidades e problemas
atribuídos à CPMF?
Conjuntura – Qual é a história da CPMF, para que esse
tributo, desde 1997, venha sendo prorrogado?
Osiris Lopes Filho – Em 1996, o ministro Adib Jatene
resolveu fazer uma campanha nacional para obter re-
cursos para a saúde. Ele, então, concebeu a transfor-
mação do que tinha sido o Imposto Provisório sobre
Movimentação Financeira (IPMF), criado em 13 de ju-
lho de 1993 – em Contribuição Provisória sobre Mo-
vimentação Financeira (CPMF), com complacência do
Supremo Tribunal Federal (STF) que considerou a ação
absolutamente legal. O problema da nossa Constitui-
ção é que a competência em matéria de impostos é
muito rígida, mas, com relação às contribuições, ela é
bastante fluídica. A partir da CPMF, o STF considerou
que poderia haver contribuição com a mesma base
econômica de imposto, e, portanto, considerou super
taxadas algumas operações, surgindo a guerra fiscal
da união contra os Estados, tributando por meio de PIS
e Cofins também a área de incidência do ISS dos muni-
cípios e ICMS dos Estados.
Conjuntura – Qual é a importância da CPMF no finan-
ciamento da Saúde, tendo em vista que o tributo foi
criado para financiar a Saúde pública?
Osiris Lopes Filho – Na divisão da CPMF, 0,20% vai para
a Saúde, 0,08% vai para o Fundo de Combate e Erradi-
cação da Pobreza e 0,10% vai para a Previdência, mas
um de seus destinos é sustentar o superávit primário
do governo.
Conjuntura – Qual é a importância da CPMF na identifi-
cação de sonegadores? É fato que o cruzamento de da-
“O problema da nossa Constituição é que a competência em matéria de impostos é muito rígida, mas, com relação às contribuições, ela é bastante fluídica. ”
Osiris Lopes Filho
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Osiris Lopes Filho – É um mau tributo, pois, tecnicamen-
te, a CPMF é a mais invasora das formas de tributação
do país. Invade todas as áreas de incidência tributária.
E, ao fazê-lo, agride acentuadamente as bases tributá-
rias dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios. A
CPMF prejudica muito o nosso país e ao povo brasileiro,
porque tem o efeito gilete – onera tanto o processo pro-
dutivo, quanto o consumo. Prejudica a industrialização,
pois pressupõe várias aquisições de insumos, compras
de matérias primas, pagamento de mão-de-obra, e toda
vez que isso ocorre se tem incidência de CPMF. Então
quanto mais operações a empresa tiver na sua cadeia
produtiva, mais fica onerada cumulativamente. E tam-
bém dificulta a nossa concorrência internacional, e de
outro lado, favorece a importação de bens estrangeiros
que não tem incidência do tributo. A vantagem é que o
tributo é altamente rentável, e quem arrecada são as ins-
tituições financeiras. Mas a repercussão que ela tem na
economia é altamente negativa, porque ainda que pare-
ça pequena a alíquota de 0,38%, se for considerada a arre-
cadação prevista para este ano que supera R$ 35 bilhões,
se vê que é uma arrecadação expressiva, que supera o
somatório de impostos tradicionais como o IPI – Imposto
sobre Produtos Industrializados, imposto de importação,
o IOF – Imposto sobre Operação Financeira, o imposto de
exportação, o ITR – Imposto sobre Propriedade Territorial
Rural. A CPMF é um tributo adequado para um governo
que pretende arrecadar a qualquer custo.
Conjuntura - Quais as possíveis alternativas do gover-
no para manter a arrecadação federal, caso a prorroga-
ção da CPMF venha a ser rejeitada. Haveria, por exem-
plo, aumentos nas alíquotas do Imposto de Renda? Isto
não significaria tornar permanente uma receita que ora
é “provisória”?
Osiris Lopes Filho – Se no dia 31 de dezembro deste
ano a CPMF for extinta, como prevê a Constituição, o
tributo não poderia configurar como previsão de ar-
recadação no orçamento de 2008, suportando a série
de gastos públicos. Só pode ser cobrado imposto ou
contribuição vigente, cuja força e validade decorram
da lei. E contrariando toda a construção de constitucio-
nalidade, criou-se o terrorismo humanitário. Previu-se
uma receita tributária baseada num tributo morto, e se
atribuiu a essa fonte de recursos inexistentes, no plano
da realidade jurídica, suporte para despesas a serem re-
alizadas nas áreas de Saúde, Previdência e Assistência
Social, em torno de R$ 38 bilhões. Durante quatro anos, o
Executivo teve tempo de sobra para buscar fonte de re-
cursos alternativos à extinção da CPMF. E elas existem. Há
na previsão orçamentária um acréscimo de R$ 50 bilhões
na receita a ser arrecadada decorrente do crescimento
da economia brasileira. É elementar a classificação das
receitas entre ordinárias e extraordinárias. As ordinárias
são as permanentes, as extraordinárias, as de natureza
temporária. A CPMF, o próprio nome indica, é provisória.
Produz efeitos enquanto vigente; morta, já era.
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Negociações comerciais e relações econômicas internacionais:
o impasse da Rodada de DohaLuiz Carlos Delorme Prado
1. Introdução
A Rodada Uruguai foi um momento em que o po-
der de barganha dos países em desenvolvimento es-
tava particularmente reduzido. Em parte, isto pode ser
explicado pelo fato de que muitos desses países esta-
vam, ainda, enfrentando duros problemas com a ne-
gociação de uma saída para a crise da dívida externa
na década de 1980. Por outro lado, o avanço do libe-
ralismo ideológico foi reforçado pela vitória ocidental
na Guerra Fria, e pela vinculação que seus defensores
fizeram entre o fracasso do socialismo real no leste eu-
ropeu e uma suposta vitória do modelo norte-ameri-
cano de capitalismo.
Embora a agenda de negociações da Rodada Uru-
guai não tivesse necessariamente nenhuma vinculação
com a construção de uma ordem liberal, a posição ne-
gociadora norte-americana ficou reforçada1 e a polari-
zação das discussões entre os interesses dos EUA e da
Europa Ocidental, em processo de construção da União
Européia, reduziu expressivamente a capacidade nego-
ciadora dos países em desenvolvimento. Com a criação
da OMC postergou-se para cinco anos depois, quando
deveria ser iniciada uma nova rodada de negociação, o
tratamento de questões de interesse desses países, tais
como, a redução das tarifas e dos subsídios praticados
pelos países desenvolvidos na área agrícola.
Este artigo discute as negociações comerciais na
OMC, em especial o impasse nas negociações na Roda-
da de Doha, desde a Reunião Ministerial de Cancún. O
trabalho usa como fonte os copiosos registros dessas
negociações disponíveis no sítio da OMC, e fontes do
Ministério de Relações Exteriores, em especial a Carta
de Genebra, editada pela Missão do Brasil em Genebra.
2. Negociações comerciais da Rodada Uruguai
ao impasse de Cancún
Na Rodada Uruguai, a agenda negociadora pri-
vilegiou temas de interesse de países desenvolvidos,
tais como o TRIPS, TRIMS e o GATS. Foram mínimas as
concessões para os países em desenvolvimento. As ex-
ceções foram poucas, como a tarifação na agricultura
– ou seja, a substituição das cotas em quantidades por
cotas tarifárias – e a definitiva incorporação da agricul-
tura nas negociações comerciais. Por outro lado, muitos
dos parcos compromissos assumidos naquela ocasião
pelos países industriais avançados, particularmente em
industrias de baixa tecnologia, como têxteis e vestuá-
rios, não foram cumpridos.
Nas Reuniões Ministeriais que foram realizadas após
a criação da OMC, esperava-se que, em contrapartida à
aceitação de novos temas na agenda negociadora, fos-
sem efetivamente liberalizadas áreas como agricultura,
Artigo
1 As negociações comerciais no pós-guerra tinham por objetivo construir um sistema de comércio internacional administrado, e não liberal. As negociações na Rodada Uruguai seguiram nessa linha. Trata-se, principalmente, de garantir acesso a mercados domésticos, vistos como ativos estratégicos – e não simples liberalização comercial.
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têxteis, produtos de baixa tecnologia ou intensivos em
energia e recursos naturais.2 No entanto, isto não ocor-
reu, como, ainda, na Reunião Ministerial de Singapura
pretendeu-se aprofundar, ainda mais, os chamados no-
vos temas.
A Reunião Ministerial de Seattle marcou o processo
de resistência a essa agenda, que era percebida como
injusta, por muitos países em desenvolvimento, e como
perigosa, por setores mais frágeis dos países desen-
volvidos. Os chamados movimentos anti-globalização
abrangiam setores que pouco tinham em comum, a
não ser a rejeição de uma ordem econômica interna-
cional que vinha sendo implementada desde o final da
década de 1980.
O clima político criado com os ataques terroristas
aos EUA em setembro de 2001, teve grande influência
para a criação de uma nova Rodada Multilateral de Ne-
gociação em Doha. A Reunião Ministerial de Doha, em
dezembro de 2001, foi realizada em uma atmosfera
emocional que parecia levar a um clima de cooperação
das forças da racionalidade contra a barbárie – e, nesse
contexto, surgia uma maior preocupação com a cria-
ção de uma ordem internacional mais justa. Os países
desenvolvidos participaram da reunião de forma mais
construtiva. O lançamento da Rodada de Desenvolvi-
mento de Doha sinalizava com a retomada da discus-
são de temas de interesse dos países em desenvolvi-
mento, como contrapartida às concessões feitas por
eles na Rodada Uruguai. Na ocasião, os países indus-
triais avançados acenavam que poderiam vir a atender
as demandas de implementação das políticas de inte-
resse dos países em desenvolvimento, que tinham sido
acordadas na Rodada Uruguai e que vinham sendo
proteladas pelos países desenvolvidos, em especial no
setor agrícola.
Esse clima, no entanto, não foi mantido em Cancún.
Naquela ocasião ficou claro que os países desenvolvi-
dos, liderados por uma administração norte-americana
particularmente ideológica e pouco sensível à com-
plexidade dos problemas mundiais, não tinha interes-
se em fazer concessões significativas, e, ao contrário,
pressionava para a discussão dos chamados temas de
Singapura, que, em alguns casos, pareciam ser inaceitá-
veis para países que prezavam sua autonomia, como os
controversos acordos de proteção de investimento.
Esse impasse ficou claro quando, em Cancún, no
grupo dos Temas de Singapura, o facilitador Pierre
Pettigrew (Canadá), apresentou duas opções para o
texto ministerial: lançar negociações em Cancún ou
remeter os temas para Genebra para esclarecimentos
adicionais. Na ocasião, vários países em desenvolvi-
mento, entre eles Brasil e Índia, afirmaram que era evi-
dente que não havia consenso para iniciar negociações
nos termos da Declaração de Doha. Também não hou-
ve consenso no grupo de Desenvolvimento, sob a coor-
denação de Mukhisa Kituyi (Quênia): os temas de Trata-
mento Especial e Diferenciado e o de Implementação
foram considerados propostas de pouco ou nenhum
valor para os países em desenvolvimento. Finalmente,
no Grupo de Agricultura, sob a coordenação de George
Yeo Yong-Bom (Singapura), apesar de ter havido vários
O clima político criado com os
ataques terroristas aos EUA em setembro de
2001, teve grande influência para a
criação de uma nova Rodada Multilateral
de Negociação em Doha.
‘‘
‘‘2 As conferências ministeriais da OMC foram as seguintes: Singapura, 9-13 de dezembro de 1996; Genebra, 18-20 de maio de 1998; Seattle, 30 novembro a 3 de dezembro de 1999; Doha, 9-13 dezembro de 2001; Cancun, 10-14 setembro de 2003; Hong-Kong, 13-18 de dezembro de 2005.
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encontros entre o Grupo dos 21 e os EUA, entre o Gru-
po dos 21 e a União Européia, e dos EUA e da União
Européia, não foi possível chegar a qualquer consenso.
O impasse em Cancún não foi surpresa. Ele vinha
sendo anunciado desde de Seattle. A reunião em Doha
foi apenas um interregno, em função de circunstâncias
políticas, do impasse que se anunciava nas negociações
comerciais. Para os países em desenvolvimento não era
politicamente possível fazer concessões adicionais,
sem uma clara disposição dos países desenvolvidos de
re-equilibrar os ganhos do comércio internacional. Por
outro lado, há precedentes históricos em que a pressão
dos países em desenvolvimento foi bem sucedida em
reestabelecer o equilíbrio das negociações – os chefes
da delegação de alguns países em desenvolvimento,
como Brasil e Índia, avaliaram que, nessa ocasião, talvez
fosse possível obter uma vitória, mesmo que parcial. Ao
ficar claro que os países desenvolvidos não estavam
dispostos a fazer concessões substantivas em questões
de interesse dos países em desenvolvimento, o impas-
se foi inevitável.
3. Além de Cancun: do pacote de julho às suspen-
sões das negociações
Depois do impasse de Cancun, as delegações con-
tinuaram as negociações em Genebra. Um resultado
importante da diplomacia brasileira, a partir das di-
ficuldades de negociação na Rodada de Doha, foi a
criação do G20, uma coalizão de países em desenvol-
vimento que tinha por objetivo: (i) eliminação de prá-
ticas que distorcem o comércio e a produção agrícola;
(ii) busca de aumento substancial de acesso a merca-
do; (iii) desenvolvimento rural, segurança alimentar
e/ou necessidades de subsistência dos agricultores
desses países.3
A partir dessa coalizão, esses países pressionavam
para que as negociações agrícolas resultassem em
reduções substanciais no apoio interno, incremento
substancial no acesso a mercados, eliminação gradual
de todas as formas de subsídio à exportação e trata-
mento especial e diferenciado que levasse em conta as
preocupações de desenvolvimento rural e segurança
alimentar dos países em desenvolvimento.
Entre junho e julho de 2004, as intensas negocia-
ções que se seguiram ao fracasso de Cancún pareciam
ter chegado a algum resultado. Uma proposta foi apre-
sentada, em 16 de julho, pelo diretor-geral, Supanchai
Panitchpakdi, e pelo presidente do Conselho Geral,
Shortaro Oshima, aos países membros. Vários encon-
tros envolvendo as delegações passaram a discutir a
proposta, sendo que as posições cristalizaram-se em
duas direções contraditórias no tema que parecia a es-
sência do impasse, as questões agrícolas. Por um lado,
um grupo de países reclamava que a proposta era ex-
cessivamente específica, e, por outro, que não era o su-
ficiente específica.
Países importadores tinham objeções contra os te-
tos propostos para as tarifas, contra o corte em todas as
tarifas e das cotas tarifárias. Dessa forma, consideravam
que tinham pouca flexibilidade para defender seus
mercados domésticos. Os países em desenvolvimento,
ao contrário, reclamavam que o conforto garantido aos
3 Comunicado da Reunião Ministerial do G20 em Brasília, 12/12/2003.
Um resultado importante a partir das dificuldades de negociação na Rodada de Doha foi a criação do G20, que tinha por objetivos: a eliminação de práticas que distorcem o comércio e a
produção agrícola; busca de aumento substancial de acesso a mercado; desenvolvimento
rural, segurança alimentar.
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‘‘
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produtos sensíveis dos países desenvolvidos não eram
compatíveis com a pequena flexibilidade permitida aos
países do Sul que, supostamente, deveriam ser os bene-
ficiários de tratamento desigual e privilegiado.
Uma outra questão que surgiu nos debates foi a pre-
ocupação das representações latino-americanas e asiáti-
cas de que fosse dado tratamento diferenciado apenas
aos países menos desenvolvidos, opondo-se firmemen-
te a concessões que se aplicavam apenas a uma lista de
países pré-estabelecidos. Em contrapartida, os países de-
senvolvidos afirmavam que se eles fizessem concessões
importantes em agricultura, esperavam dos países em
desenvolvimento concessões igualmente importantes
na redução de tarifa de produtos não agrícolas e na libe-
ração do comércio de serviços.
Apesar das dificuldades, esse debate acabou por um
acordo expresso no texto que ficou conhecido como
“Pacote de Julho”, assinado em 1º de agosto de 2004,
que estabelecia as bases para a continuidade e aprofun-
damento das negociações da Rodada de Doha.
Em dezembro de 2005 deu-se a sexta Conferência
Ministerial da OMC, em Hong Kong. O núcleo da nego-
ciação seria a disputa entre os países industrializados,
com destaque para os EUA e a União Européia – e os
países em desenvolvimento, em especial o G20, lide-
rado pelo Brasil, na questão agrícola. Mas, também,
seriam questões importantes o “Acesso a Mercado de
Produtos Não-Agrícolas”, “Serviços” e os “Temas de Sin-
gapura”.4 Um papel-chave foi exercido por Pascal Lamy,
que como novo diretor-geral da OMC, assumiu uma
posição conciliadora, depois de ter sido um duro ne-
gociador dos interesses comerciais da União Européia,
principalmente da Política Agrícola Comum.
A questão agrícola tinha três pilares: (i) acesso a mer-
cado – isto é, redução de tarifas, cotas tarifárias e sua
flexibilização; (ii) subsídios às exportações – que tratava
da eliminação desses subsídios e do disciplinamento
do crédito às exportações, ajuda alimentar e comércio
estatal, para eliminar subsídios ocultos; e (iii) apoio do-
méstico – que discutia os cortes nos apoios que distor-
ciam o comércio (pelo estímulo à superprodução e pelo
aumento ou redução artificial dos preços). Mas, as nego-
ciações agrícolas discutiam também questões como o
tratamento especial para países em desenvolvimento e
preocupações multifuncionais, tais como: segurança ali-
mentar, desenvolvimento rural, proteção ambiental etc.
O objetivo não-oficial das negociações agrícolas em
Hong-Kong era chegar a estabelecer “modalidades”, que
é uma expressão usada no jargão das negociações co-
merciais para o estabelecimento de diretrizes gerais,
tais como fórmulas ou mecanismos de redução de tari-
fas, para a formatação dos acordos finais.
A situação das negociações agrícolas era delicada.
Por ocasião da Rodada Uruguai, a conclusão das nego-
ciações agrícolas foi insatisfatória para os países em de-
senvolvimento. O artigo 20 daquele acordo refletia essa
situação quando afirmava que as reformas acordadas
eram “um processo em andamento” e recomendava a
continuação das negociações a partir de 2000. O artigo
citado apontava a direção das negociações, mas de for-
ma genérica “substancial e progressiva redução em apoio
e proteção resultando em uma ampla reforma”.
Em Dezembro de 2005 deu-se a sexta Conferência
Ministerial da OMC, em Hong Kong. O núcleo da negociação
seria a disputa entre os países industrializados, em especial os EUA e a União Européia e os países em
desenvolvimento, em especial o G20, liderado pelo Brasil, na
questão agrícola.
‘‘
‘‘4 Temas de Singapura são proteção de investimentos, política de concorrência, compras governamentais e a chamada trade facilitation, ou seja, medidas para reduzir burocracia, aumentar a transparência das regras e redução de outras dificuldades impostas ao comercio internacional.
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Antes da Rodada de Doha ser lançada, negociações
foram realizadas a partir do início de 2000 nas “Sessões
Especiais” do Comitê de Agricultura. Apesar da ampla
participação – mais de 45 propostas e três documentos
técnicos foram submetidos por 126 países membros
– as posições apresentadas eram muito divergentes e
pouco se avançou para convergir as posições.
Depois de Doha, as negociações se intensificaram,
mas até março de 2003 não havia sido obtido qualquer
acordo sobre as “modalidades”. Nessa última data, Stu-
art Harbinson, que presidia as negociações, apresentou
uma proposta. No entanto, o que se conseguiu foi em-
preender negociações em torno de um conjunto mais
limitados de pontos, chamado de “frameworks”, como
um primeiro passo para um acordo que deveria ser al-
cançado em Cancún.
Em julho de 2003 foi produzido um rascunho de
“frameworks”, que serviu de base para as negociações
em Cancún, mas, com o fracasso na Reunião Ministerial,
elas foram suspensas até o fim de 2003. A partir de 2004,
as negociações foram retomadas através de várias ini-
ciativas políticas. Ainda em dezembro de 2003, o G20
reuniu-se em Brasília, convidando o diretor-geral da
OMC, no que era entendido como uma demonstração
do interesse desse grupo em continuar negociando.
Em janeiro de 2004, os EUA encaminharam uma
proposta de retomada das negociações. Em maio, a
União Européia anunciou algumas concessões, inclusi-
ve aceitando uma data para o fim de todos os subsídios
às exportações. Foram realizadas, no período, várias
reuniões, e, em uma delas, aconteceu uma tentativa de
acordo entre os negociadores do Brasil, Austrália, União
Européia, Índia e Estados Unidos.5
O resultado foi um “framework”, com os princípios
para a negociação das modalidades, que foi acordado
em Genebra em 1º de agosto de 2004, conhecido como
“Pacote de Julho”. As negociações comerciais prossegui-
ram em 2005, então sob um novo presidente, Tim Groser,
da Nova Zelândia, que tentou concentrar-se em aspectos
que poderiam levar a algum acordo sobre “modalidades”
em dezembro, na Reunião Ministerial de Hong Kong.
Na Reunião Ministerial, como esperado, as negocia-
ções foram difíceis. Em agricultura não foi possível ob-
ter um acordo para as “modalidades”, mas definiram-se
alguns compromissos importantes, como o fim de todos
os subsídios às exportações em 2013.6 Chegou-se, no
entanto, a um acordo em um tema de interesse dos pa-
íses africanos: o comércio de algodão. Os 32 países me-
nos desenvolvidos foram beneficiados com acesso livre
sem cotas ou tarifas para suas exportações. No conjunto,
embora com muitas dificuldades, a declaração de Hong
Kong abria espaço para a retomada das negociações da
Agenda de Doha, e estabelecia um novo prazo para os
acordos em agricultura e em acesso a mercado para pro-
dutos não-agrícolas: 30 de abril de 2006.
Em 28 de junho de 2006 iniciou-se um novo encon-
tro do Comitê de Negociação Comercial, que foi orga-
nizado em forma similar à Reunião Ministerial de Hong
Kong. Esse encontro deveria enfrentar os itens que esta-
vam paralisando as negociações, tanto no tema de agri-
cultura como no de acesso a mercados de produtos não
5 Esse grupo passou a ser conhecido como FIPs, sigla em inglês de “Cinco Partes Interessadas” (Five Interested Parties).
6 Observe-se que, no entanto, os países em desenvolvimento consideravam que a data acordada, 2013, mantinha por um tempo muito longo os subsídios agrícolas e, ainda, lamentavam o fato dessa meta não ser um compromisso incondicional.
Na Reunião Ministerial, como esperado, as negociações foram
difíceis. Em agricultura não foi possível se obter um acordo
para as “modalidades”, mas foram obtidos
alguns compromissos importantes, como o fim de todos os subsídios às
exportações em 2013.
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julho / setembro / 2007
No tema agricultura, as principais questões eram o acesso a mercados, as fórmulas para cortes de
tarifas e o tratamento de produtos sensíveis
e especiais, para os quais seriam concedido
tratamento diferente das fórmulas.
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‘‘agrícolas (chamado de NAMA – Non-Agricultural Market
Access). Os dois principais temas seriam discutidos, cada
um, em duas rodadas. No tema agricultura, as principais
questões eram o acesso a mercados, as fórmulas para
cortes de tarifas e o tratamento de produtos sensíveis
e especiais, para os quais seriam concedido tratamento
diferente das fórmulas. Nas negociações do NAMA, as
principais questões eram a fórmula e os coeficientes de
redução de tarifas, ou seja, a forma como os cortes ta-
rifários seriam feitos, a velocidade desses cortes e a ta-
rifa final máxima. Uma outra questão importante era o
tratamento dos produtos que não estavam submetidos
aos limites de tarifa na OMC e a flexibilidade permitida
aos países em desenvolvimento.
Mas as negociações não conseguiram avançar. Em
1º de julho de 2006, um encontro formal do Comitê de
Negociações Comerciais, que envolvia todos os mem-
bros da OMC, encerrou os três dias de discussões dos
ministros dos Estados membros. Não houve progresso
nas discussões, e não havia acordo sobre as fórmulas
para reduzir tarifas e subsídios. Em uma declaração, os
membros anunciaram que permaneciam comprometi-
dos a terminar as negociações até o final de 2006.
Com o fracasso, o diretor geral da OMC, Lamy, foi in-
cumbido de conduzir consultas “intensivas e abrangen-
tes” em que exerceria o papel de facilitar negociações.
No centro das discussões estava o chamado G6, que in-
cluía os componentes do FIPs e o Japão. Embora as ne-
gociações tenham sido formalmente interrompidas e o
próprio ministro de Relações Exteriores brasileiro, Celso
Amorin, em entrevista coletiva em Genebra, depois do
impasse da reunião ministerial do G6, tivesse afirmado
que as negociações demorariam meses para serem reto-
madas, as consultas informais continuaram intensas.
Em 16 de novembro de 2006, Pascal Lamy, em reu-
nião do TNC, informou que tinha recebido apoio amplo
para a retomada dos contatos multilaterais em todas as
áreas de negociação da Rodada. Em sua proposta, os
presidentes dos grupos negociadores e as delegações
ditariam a velocidade do processo de retomada. Na
reunião ficou claro que os países defendiam uma re-
tomada suave (soft resumption) da Rodada, como uma
forma de tentar alcançar novos acordos para as nego-
ciações de “modalidades”. Em janeiro de 2007, Lamy afir-
mou que a OMC já estava em “full negotiating mode”.7
As negociações em agricultura foram retomadas
depois dos encontros informais durante o Fórum Eco-
nômico Mundial de Davos, em janeiro de 2007. Havia
consenso sobre o papel fundamental desse tema para
a Rodada de Doha. Nessa ocasião, a posição negociado-
ra do G20 tinha se reforçado. Esse grupo, coordenado
pelo Brasil, recebera a adesão de outros 22 países, que
representavam cerca de 60% da população mundial,
70% da população rural e 26% das exportações agrí-
colas mundiais.8
O impasse nas negociações foi marcado por dois
momentos distintos: (i) a impossibilidade de cumprir o
prazo fixado na Conferência Ministerial de Hong Kong
para o acordo de “modalidades”, que era o dia 30/4/2006;
(ii) o fracasso da Reunião Ministerial informal, convocada
7 Missão do Brasil em Genebra, Carta de Genebra, Ano VI, março de 2007.
8 Da África adeririam ao G20: África do Sul, Egito, Nigéria, Tanzânia e Zimbábue; da Ásia: China, Filipinas, Índia, Indonésia, Paquistão e Tailândia; e da América Latina: Argentina, Bolívia, Chile, Cuba, Equador, Guatemala, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. Ver Carta de Genebra, março de 2007.
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por Pascal Lamy para junho de 2006, buscando concluir
a negociação das “modalidades” e da própria rodada de
Doha, a tempo de evitar o término da Lei de Fast Track
dos EUA em que o Congresso dava autoridade negocia-
dora ao executivo (Trade Promotion Authority – TPA).
Apesar do impasse, desde setembro de 2006, o G20
procurou atuar no sentido de buscar aproximar as po-
sições e dar continuidade às negociações. Nesse mês, o
Brasil convocou reunião de alto nível dos países do G20,
em conjunto com outros grupos de países em desenvol-
vimento, que foi realizada no Rio de Janeiro.
O quadro abaixo mostra o avanço das negociações
agrícolas entre 2003 (Cancún) e 2007.
Em final de março de 2007, o presidente da Sessão
Especial de Agricultura, embaixador Crawfor Falconer, re-
alizou reunião informal onde comunicou que passaria a
elaborar uma nova geração de papéis de referência, por
ele chamada de Hardtalk Papers. Esses papéis deveriam
ser curtos, com perguntas específicas aos membros, com
prazo para respostas e discussões multilaterais.
Em 19 de junho de 2007, Susan Schwab, do USTR, Pe-
ter Mandelson, da Comissão Comercial da União Européia,
Fonte: Missão do Brasil em Genebra, Carta de Genebra, janeiro de 2007.
Temas Quadro Cancún (2003) Quadro Atual (2007)
Acesso a mercados
Fórmula e cortes
Blended Formula (escolha das linhas tarifárias entre duty-free, fórmula suíça e fórmula da Rodada Uruguai). Oferta de compensações para produtos sensíveis
(expansão de TRQs).
Tiered Formula, com cortes lineares. Foram definidos os patamares de cortes: proposta
do G20 como ponto de equilíbrio.
Possibilidade de tariff caps.
Flexibilidades Não especificado.Produtos sensíveis: desvio da fórmula com compensação
em quotas tarifárias.
Tratamento especial e
diferenciado (S&D) para
os PEDs
Blended Formula levaria à desarmonização das tarifas dos PEDs.
Menção a produtos especiais.
PEDs: 2/3 do corte da fórmula, com overall proportionality.
Designação de produtos especiais, segundo critérios de segurança alimentar, desenvolvimento rural e
segurança dos meios de subsistência.
Liberalização plena dos produtos tropicais.
Salvaguardas Manutenção da SSG.Eliminação da SSG.
Criação da SSM para PEDs.
Apoio interno
Corte global Não havia corte global.Corte global especificado, com cortes efetivos para
CE (80%) e EUA (75%). Maiores cortes para os PDs que mais subsidiam.
Caixa amarela (AMS)
Cortes e disciplinas não especificados.
Cortes significativos, por meio de Tiered Formula: EU (80%) EUA (70%).
Cap para o AMS por produto específico.
Caixa azulTeto de 5% do VOP sem disciplinas
adicionaisTeto de 2,5% e disciplinas adicionais anti-concentracão.
De minimis Cortes não especificados. Corte mínimo de 50%.
Caixa verde Não tratava.Revisão e esclarecimento, levando em conta programas
de interesse dos PEDs.
Monitoramento e supervisão
Não tratava. Mecanismos efetivos.
S&DPEDs com cortes menores, período de
implementação mais longo e isentos de cortes no de minimis.
PEDs coeficientes de redução, níveis mais altos de de minimis e maior período de Implementação.
Competição à exportação
Subsídios à exportação
Lista de produtos a serem eliminados em data não especificada
Todos 5 produtos: eliminados até 2013 com parcela substancial até 2010.
Crédito à exportação,
ajuda alimentar e empresas estatais
exportadoras.
Não previa eliminação: disciplinas pouco desenvolvidas.
Paralelismo completo na eliminação e disciplinas efetivas.
Quadro comparativo do avanço das negociações agrícolas
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julho / setembro / 2007
Kamal Nath, ministro de Comércio da Índia, e Celso Amo-
rim, ministro de Relações Exteriores do Brasil, reuniram-se
em Postdam, Alemanha, para tentar chegar a um acordo
sobre as negociações da Rodada de Doha. Em 21 de junho,
as negociações foram suspensas pela impossibilidade de
obter dos EUA concessões substanciais sobre subsídios
agrícolas. Por outro lado, a União Européia exigia mais con-
cessões em acesso a mercado de produtos industriais.
Celso Amorim declarou, na ocasião, que a taxa de
câmbio exigida era muito elevada. Os EUA e a União Eu-
ropéia exigiam dos países em desenvolvimento 58% de
corte nos limites tarifários, porém, segundo Kamal Nath,
os EUA ofereciam um corte em seus subsídios domésti-
cos para 17 bilhões de dólares, enquanto seu dispêndio
atual era de 12 bilhões de dólares. Segundo o ministro
brasileiro, a oferta norte-americana não correspondia a
um corte real nos subsídios.9
As negociações, no entanto, continuavam na OMC,
apesar do fracasso das negociações em Postdam, mas
já então havia grande ceticismo quanto seu sucesso. Em
26 de julho de 2007, Pascal Lamy anunciava que as ne-
gociações continuavam avançando e que estavam circu-
lando uma minuta das “modalidades” em agricultura e
em NAMA. Na ocasião, lembrava que essas negociações
eram um Single Undertaking, ou seja, todos os compro-
missos iriam iniciar-se conjuntamente, que englobava
vários temas relacionados com o desenvolvimento, que
precisavam também ser tratados. Em agosto de 2007, em
prefácio do Relatório Anual de 2007 da OMC, publicado
em agosto de 2007, Lamy declarava sua confiança no tér-
mino da rodada de Doha, ainda, esse ano.
4. Conclusão
Apesar da tentativa de Pascal Lamy de apresentar
otimismo, dificilmente a Rodada de Doha terminará este
ano. As dificuldades ficaram ainda maiores, porque em
setembro a Lei Agrícola (Farm Bill) dos EUA deverá ser re-
novada. Enquanto de meados de 1980 até a década de
1990, os EUA empreenderam uma política de reforma na
agricultura e de liberalização no comércio agrícola, essa
política foi alterada a partir da virada do século. A Farm
Bill de 2002 aumentou os gastos governamentais e os
subsídios agrícolas, dificultando um papel de liderança
dos EUA nas negociações comerciais. A lei atual expira
em 30 de setembro, e, dependendo da nova lei, as nego-
ciações comerciais dos EUA podem ficar definitivamente
emperradas.
A política de apoio doméstico norte-americana tem
distorções profundas. Cerca de 90% dos subsídios vão
para cinco produtos: trigo, algodão, milho, soja e arroz.
Não são as fazendas familiares que recebem os subsídios,
mas grandes negócios agro-industriais. Cerca de 2/3 dos
subsídios estão destinados a entre os fazendeiros que es-
tão entre os 10% mais ricos. Até mesmo pessoas famosas,
como Ted Turner and David Rockefeller, foram beneficia-
dos por subsídios.10 Portanto, a posição norte-americana
é frágil, e tem sofrido a influência do unilateralismo que
caracterizou as políticas externas do governo Bush.11
Desta forma, a Rodada Doha provavelmente continu-
ará encontrando grandes dificuldades para avançar nos
próximos meses. Não é claro se, na situação atual, alcan-
çariam uma vitória os países em desenvolvimento como
no passado – isto é, como a do mais eloqüente exemplo
de negociação bem-sucedida, quando o tema de Co-
mércio e Desenvolvimento foi incorporado ao GATT na
década de 1960. Mas, de qualquer forma, havia uma per-
cepção de que não era mais possível acumular derrotas
sucessivas, aceitando passivamente um falso discurso de
que a liberalização do comércio internacional tem bene-
ficiado de forma eqüitativa todos os países.
Luiz Carlos Delorme Prado Professor do Instituto de Economia da UFRJ e Conselheiro do CADE-MJ.
9 REUTERS, Farm , Manufacturing Clash Causes G4 Trade Collapse, 21/jun, 2007.
10 Ver o artigo de Daniela Markheim e Brian Rield, “Farm Subsidies, Free Trade and the Doha Round”, em The Heritage Fundation, 5 de fevereiro de 2007. Disponível em: <http://www.heritage.org/Research/Budget/wm1337.cfm>.
11 No momento em que estou terminando este artigo, foi anunciada a disposição dos EUA em aumentar sua oferta nas negociações em Doha, re-duzindo seus subsídios para níveis próximos dos desejados pelos países em desenvolvimento, em troca de reduções substanciais na área industrial por países como o Brasil e Índia. No entanto, ainda, é prematura qualquer análise dos efeitos dessa proposta, que ainda não está disponível para os pesquisadores da área, para o avanço das negociações em Doha.
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Artigo
1 Presidentes da época: Argentina, Carlos Saul Menem; Brasil, Fernando Collor de Mello; Paraguai, Andres Rodrigues; e, Uruguai, Luiz Alberto Lacalle Hererra.
2 Assinado por José Sarney e Raúl Alfonsín.
Conjuntura
Os Blocos são formados por razões conjunturais
e com o Mercosul não foi diferente. No final dos anos
1970 e início dos 1980, a economia brasileira sinaliza-
va o esgotamento de dois modelos: o de desenvolvi-
mento construído a partir dos anos 30 (era Vargas) e
o executado pela ditadura militar (levado por Geisel).
Esse período também marcava o início do modelo neo-
liberal. Nessa conjuntura econômica, iniciava-se o pro-
cesso de redemocratização dos países do Cone Sul. Isto
levou os governos desses países, na época, a buscarem
alternativas para a integração regional, surgindo assim
a proposta do Mercosul.
O Mercosul é constituído pelo Tratado de Assunção,
assinado em 26 de março de 1991 na capital paraguaia
pelos presidentes e ministros das Relações Exteriores
da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai1.
O Mercosul, como o próprio nome diz, surgiu com o
objetivo de construir um mercado comum e também o
de superar uma grave crise econômica vivida naquele
momento na América do Sul, tanto que a década de 80
do século passado foi considerada perdida (baixo cres-
cimento e alto desemprego).
Também vivia-se naquele momento o fim das di-
taduras militares do Cone Sul (Argentina, Brasil, Chile,
Paraguai e Uruguai) e era importante uma reaproxima-
ção desses países, sendo significativa a aproximação do
Brasil e Argentina, devido às rivalidades históricas que
precisavem superar, por isso a importância do Tratado
de Integração, Cooperação e Desenvolvimento assina-
do em 19882 entre Brasil e Argentina, que antecede ao
Tratado de Assunção.
No final dos anos 80 e início dos 90, estava em ascen-
são um novo modelo econômico, cujo receituário era pre-
conizado pelo Consenso de Washington (neoliberalismo).
Foi sob a égide deste modelo que os quatro países vieram
a formar o Mercosul. Assim, decidiram priorizar uma área
de livre comércio e uma união aduaneira em um prazo de
cinco anos, objetivando a abertura dos mercados a todo
e qualquer custo e não tendo o Mercosul como um bloco
estratégico de inserção na economia mundial.
Essa política deu resposta de imediato: o comércio in-
trabloco aumentou de forma contínua até 1998, chegan-
do a 20 bilhões de dólares, quando em 1990 havia sido de
2 bilhões. Porém, logo mostrou-se prejudicial na constru-
ção do Mercosul, pois não limitava as especulações finan-
ceiras e econômicas e não reconhecia as desigualdades
dentro do Bloco. Com a quebra da Argentina em 2001 e
as crises de 1998 e 2002 do Brasil, o Mercosul passou por
grandes dificuldades tendo quem rezasse seu fim.
Início do século XXI
“Nunca na sua história a América Latina esteve tão
povoada por regimes políticos democráticos – confor-
O parlamento e a construção da cidadania
Dr. Rosinha
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julho / setembro / 2007
me os conceitos liberais – como neste momento (entra-
da do século XXI)”3. Nas últimas duas décadas a América
Latina viveu as maiores transformações de sua história:
fim das ditaduras militares; sua pior crise econômica e
social desde a década de 30; aumento da dependência
econômica dos grandes centros financeiros; maior sub-
missão política às grandes potências.4
Todos esses anos de programas de estabilização
monetária, de hegemonia neoliberal, de predomínio da
acumulação financeira, não levaram os países a retomar
o desenvolvimento, a recuperar seu atraso tecnológico,
a avançar no processo democrático, a diminuir os pro-
blemas sociais, a projetar o futuro cientificamente, tec-
nologicamente e culturalmente.5 Ao contrário, levaram
o continente a uma profunda crise, pois os Estados – in-
capazes de colocarem em prática uma política econô-
mica diferente das ditadas pelas instituições financeiras
internacionais – não conseguiram iniciar um processo
de crescimento e distribuição de renda.
Essa profunda crise econômica, social e política levou
a população a duas posições: descrédito para com os po-
líticos e a política, e contraposição ao modelo neoliberal,
manifestando-se nas ruas e no voto (os resultados eleito-
rais da América Latina e Central mostram isso).
As necessidades eram tantas e a incapacidade do Es-
tado era tamanha que levaram parte da opinião pública
a não acreditar nos processos “democráticos” e isso pode
ser constatado na pesquisa realizada pelo Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) intitu-
lada “Democracia na América Latina: em Direção a uma
Democracia do Cidadão”.6 De acordo com essa pesquisa,
que entrevistou 20 mil pessoas em 18 países da Amé-
rica Latina, 43% dos entrevistados apoiavam o sistema
democrático; 55% disseram preferir regimes autoritários,
caso resolvessem os problemas econômicos.
Essa mesma pesquisa mostrou o nível de miséria
da região: em 15 dos 18 países estudados mais de 25%
da população vivem abaixo da linha de pobreza, sendo
que em sete deles esse percentual sobe para 50%.
Nesse contexto, a importância do Mercosul, mais
que inexorável, é primordial. É, hoje, o principal instru-
mento de resistência à satelitização da América do Sul,
particularmente a partir da proposta dos Estados Uni-
dos da conformação de uma Área de Livre Comércio
das Américas (ALCA) e das posteriores propostas de
acordos bilaterais de livre comércio
História
Em 1960 foi criada a Associação Latino-Americana de
Livre Comércio (ALALC), sendo substituída em 1980 pela
Associação Latino-Americana de Integração (ALADI).
Acredita-se que alguns fatores obstacularizaram a
construçào da ALALC, tais como: “a rigidez dos meca-
nismos estabelecidos para a liberalização comercial; a
instabilidade política vivida pela região sul-americana
(...) e, ao fato que todos os associados queriam abrir o
mercado dos demais países para seus produtos, mas
nenhum queria abrir o seu próprio mercado”.7
A importância do Mercosul, mais
que inexorável, é primordial. É hoje o
principal instrumento de resistência à satelitização da América do Sul.
‘‘ ‘‘3 Sader, E. A vingança da História Ed. Boitempo, São Paulo, 2003.
4 Idem.
5 Idem.
6 Unews Brasil n. 21, maio/jun. 2004, p.12.
7 Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/comissoes/cpcms/oqueeomercosul.html>. Acessado em 27 dez. 2006.
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A ALADI, criada em 1980 pelos ventos neoliberais
que começavam a soprar, tinha um objetivo ainda mais
ambicioso: “a total liberalização do comércio entre os
onze países membros”8 (Argentina, Bolívia, Brasil, Co-
lômbia, Chile, Equador, México, Paraguai, Peru, Uruguai
e Venezuela). Apesar de pouco operante, a ALADI per-
manece em vigor.
É importante ressaltar que a base jurídica do Mer-
cosul tem como patamar a ALADI, e sua base política
sustenta-se na cláusula democrática do Tratado de As-
sunção e do Protocolo de Ushuaia.
Também está na raiz de formação do Mercosul o
Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento,
assinado em 29 de novembro de 1988 em Buenos Aires
(itálico meu). A importância deste Tratado está em que
a idéia de integração estava atrelada à Cooperação e
ao Desenvolvimento. Nessa ocasião foram firmados 24
(vinte e quatro) acordos setoriais, entre os quais um de
cooperação nuclear, de grande simbologia, pois naque-
le momento Argentina e Brasil tinham atritos e dispu-
tas políticas de caráter estratégico, como, por exemplo,
a Argentina era contra a construção da hidroelétrica de
Itaipu e se contrapôs propondo a construção da hidro-
elétrica de Corpus.
O Tratado de Integração, Cooperação e Desenvol-
vimento era algo maior que uma mera integração en-
tre Argentina e Brasil, “previa a integração por setores,
como fora o da União Européia”.9 Pensava-se “não so-
mente em uma união aduaneira, mas em um verdadei-
ro mercado comum, que corrigiria as assimetrias entre
os países e dentro deles; e muito mais do que isso, servi-
ria de mecanismo para impulsionar o desenvolvimento
da região”.10
Outro fato importante que contribuiu para a for-
mação do Mercosul foi a assinatura da Ata de Buenos
Aires, em 6 de julho de 199011, antecipando para o final
de 1994 o prazo para a formação do mercado comum
entre os dois países, que era de 10 anos12.
Mercosul
A constatação da importância estratégica da união
dos países do Cone Sul vem, como dizemos, de muitos
anos e, uma das propostas aconteceu em 1950, quan-
do Perón propôs ao presidente Getúlio Vargas que Ar-
gentina, Brasil e Chile se constituíssem em uma união
aduaneira, à qual os demais países da América Latina
viriam aderir. Em outros períodos outras propostas, às
vezes muito distintas, também foram feitas, principal-
mente de união entre o Brasil e a Argentina.13
Mesmo que politicamente necessária e importan-
te a integração não é fácil, pois os vínculos que nos
uniram (Brasil e demais países da América do Sul) no
8 Idem.
9 Drummonde, M. C. “Mercosul: uma visão de esquerda” (documento).
10 Idem.
11 Assinada por Fernando Collor e Carlos Menem.
12 O Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento assinado em 1988 por Sarney e Alfonsín previa 10 anos.
13 Moniz Bandeira, L. A. in “História do Cone Sul”, Eds. UnB e Revan, Brasília
Mesmo que politicamente necessária e importante, a integração não é fácil, pois os vínculos que nos
unem (Brasil e demais países da América do Sul) no passado são poucos e fomos colonizados como povos em atritos ou em
permanente competição.
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passado são poucos e fomos colonizados como povos
em atritos (Guerra Cisplatina e a da Tríplice Aliança) ou
em permanente competição. Sequer temos afinidades
culturais na área de literatura, cinema, teatro, etc. Po-
rém, a conjuntura mundial inexoravelmente nos con-
duz à formação de blocos.
Essa “inexorabilidade” mundial fez com que fossem
incorporados ao processo de integração o Paraguai e o
Uruguai, levando, em 1991, à criação do Mercosul com
a assinatura do Tratado de Assunção.
No seu Artigo 1°, o Tratado definiu alguns objetivos
a serem atingidos até 31 de dezembro de 1994: “livre cir-
culação de bens, serviços e fatores produtivos entre os
países, através, entre outros, da eliminação dos direitos
alfandegários, restrições não tarifárias à circulação de
mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equi-
valente”; “O estabelecimento de uma tarifa externa co-
mum e a adoção de uma política comercial comum em
relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados
e a coordenação de posições em foros econômico-co-
merciais regionais e internacionais”; “O compromisso
dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas
áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do pro-
cesso de integração”.
O Artigo 2 explicita um único princípio: o da recipro-
cidade, que “estabelece igualdade de condições entre
os países do Mercosul em relação aos compromissos
assumidos, independente de seu grau de desenvolvi-
mento relativo”. 14
Parlamento do Mercosul
Há muitos anos os membros das respectivas Comis-
sões Parlamentares Conjuntas do Mercosul (CPC) pro-
punham e debatiam a constituição de um Parlamento
do Mercosul. Faziam o debate e aprovavam Resoluções
que eram enviadas ao Conselho do Mercado Comum
(CMC), mas sem nenhuma conseqüência maior, pois
a CPC não insistia e o CMC não encaminhava por não
ser prioridade dos governantes dos quatro países que
compõem o Mercosul.
A mudança de governos e da nova estratégia para o
bloco levou à definição de outras prioridades, como o re-
conhecimento das assimetrias e a necessidade de nova
institucionalidade. Essa mudança de postura obrigou a
CMC a tomar decisões de alteração de rumo. A primei-
ra foi em 2003 com a Decisão nº 26/03, que aprovava o
“Programa de Trabalho do Mercosul 2004-2006”, tinha
como um dos objetivos a constituição de um Parlamen-
to do Mercosul. A segunda foi a Decisão nº 49/04, de
16/12/2004, para “Dar continuidade15 à criação do Par-
lamento do Mercosul, como órgão representativo dos
povos dos Estados Partes do Mercosul”.16 Nesta mesma
decisão define que o “Parlamento do Mercosul reger-se-
á pela normativa vigente do Mercosul e as disposições
de seu Protocolo Constitutivo e integrará a estrutura ins-
titucional do Mercosul”.17
A mudança de governos e a nova estratégia
para o bloco levou à definição de outras prioridades, como o reconhecimento das assimetrias e a
necessidade de nova institucionalidade.
‘‘ ‘‘
14 “Encontro com o Mercosul”, coordenação da Secretaria-Geral da Presidência da República do Brasil, 2. ed., maio 2005.
15 Quando da Decisão 26/03 a CPC começou a trabalhar, a partir da iniciativa brasileira, um projeto de Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul. A Decisão n.º 49/04 decide dar continuidade e a responsabilidade ao que a CPC vinha fazendo.
16 Artigo 1º da Decisão n.º 49/04 do CMC.
17 Idem.
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A Decisão nº 49/04, no artigo 2, investe a “Comis-
são Parlamentar Conjunta na qualidade de comissão
preparatória, para realizar todas as ações que sejam
necessárias para a instalação do Parlamento do Mer-
cosul”. Decide, ainda, que a sua instalação deverá efeti-
var-se antes de 31 de dezembro de 2006 e dá à CPC a
responsabilidade de elaborar o Protocolo Constitutivo
do Parlamento do Mercosul que deverá ser submetido
à consideração do Conselho do Mercado Comum. Tam-
bém estabelece que, após a instalação do Parlamento
do Mercosul, a CPC deixará de existir.18
Do segundo semestre de 2003 até o mesmo período
de 2005, a CPC trabalhou numa proposta de Protocolo
Constitutivo do Parlamento do Mercosul que foi entre-
gue ao CMC em 8 de novembro de 2005, na cidade de
Montevidéu,19 após debates na CMC, foi assinado20 no
dia 8 de dezembro de 2005, na cidade de Montevidéu.
O Parlamento foi instalado em 14 dezembro de 2006
em um ato no Congresso Nacional do Brasil, com a pre-
sença do Presidente Lula. E, efetivamente, os Parlamenta-
res tomaram posse em 7 de maio de 2007, na cidade de
Montevidéu, por ocasião da primeira sessão.
Importante ressaltar que o Protocolo Constitutivo
do Parlamento do Mercosul é o primeiro acordo in-
ternacional na história do Brasil que foi elaborado por
membros do Congresso Nacional.
Importância do Parlamento
A globalização vem acarretando a conformação de
blocos econômicos, alguns deles com institucionalida-
de própria, como é o caso do Mercosul. Nesses casos os
processos decisórios sobre os temas integracionistas
do Bloco são transferidos da esfera do Estado Nacional
para o âmbito das instituições da integração, que, no
caso do Mercosul, é o Conselho do Mercado Comum,
onde estão representados, exclusivamente, os gover-
nos dos Estados Partes, e não o conjunto das forças po-
líticas presentes e atuantes na sub-região.
Por esse mecanismo, o cidadão comum vê-se distan-
te dos processos decisórios, impotente para neles inter-
vir e se fazer representar. Dessa forma, as normas produ-
zidas pelos órgãos da integração carecem de legitimida-
de, uma vez que não são suficientemente debatidas pela
sociedade e, tampouco, pelos Parlamentos Nacionais.
Aos Parlamentos Nacionais cabe a aprovação dos
tratados, porém isto não sana a deficiência do processo.
Não corrige a deficiência, porque, de um lado, nem to-
dos os tratados internacionais devem ser submetidos
ao crivo parlamentar; por outro, porque mesmo quan-
do o são, não é doutrina pacífica a possibilidade de sua
alteração pelo parlamento.
Cria-se, assim, a necessidade de uma esfera regional,
de um espaço destinado ao debate, pelos cidadãos, das
18 Artigo 3 da Decisão n.º 49/04 do CMC.
19 A proposta de Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul foi entregue ao Ministro das Relações Exteriores da República Oriental do Uruguai, Reinaldo Gargano.
20 Decisão nº 23/05.
O cidadão comum vê-se distante dos processos
decisórios, impotente para neles intervir e se fazer representar.
Dessa forma, as normas produzidas pelos órgãos
da integração carecem de legitimidade, uma vez que não são suficientemente debatidas
pela sociedade e, tampouco, pelos Parlamentos Nacionais.
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normas em negociação nos órgãos do Mercosul. Cria-
se, também, a necessidade de sanar o déficit democrá-
tico. Essa necessidade foi constatada pelos governos
atuais dos Estados Partes do Mercosul, tanto assim que,
no Programa de Trabalho do Mercosul 2004-2006, foi
aprovada a constituição do Parlamento do Mercosul.
O Parlamento do Mercosul será, assim, o “espaço da
cidadania” no processo de integração, onde estarão re-
presentados os interesses dos cidadãos da sub-região.
É preciso ressaltar que não se tratará de um parlamen-
to com competência para sobrepor as suas decisões
àquelas dos parlamentos nacionais. Tampouco será um
órgão desprovido de significado na construção do Mer-
cosul. Por meio de sua competência consultiva (Artigo
4, inciso 12), ele emitirá parecer sobre as normas apro-
vadas pelo Conselho do Mercado Comum. Para tanto,
debaterá os temas em questão por meio da realização
de seminários e audiências públicas com as entidades
da sociedade civil, permitindo-lhes, em primeiro lugar,
tomar conhecimento das normas em negociação, e as-
sim, expressar as suas opiniões e inquietudes. Dessa ma-
neira contribuirá, decisivamente, para a transparência e
para a legitimidade social do processo de integração,
fomentando ainda a construção de uma consciência de
cidadania no Mercosul. Aquelas normas adotadas pelo
Conselho, em conformidade com o parecer do Parla-
mento, receberão tratamento específico e mais ágil dos
Parlamentos Nacionais, contribuindo para a segurança
jurídica do bloco.
O Parlamento permitirá às forças políticas da região
a discussão e incorporação, como diretrizes para o pro-
cesso de integração, dos grandes valores da cidadania,
como a justiça social, o respeito aos direitos humanos, a
priorização da educação e do avanço tecnológico para
o benefício dos povos do Mercosul.
O Parlamento do Mercosul estimulará, ainda, a con-
formação de grupos políticos – propiciando aos parla-
mentares uma visão de conjunto da região, mais além
do enfoque meramente nacional. O Parlamento será,
assim, o órgão da estrutura institucional do Mercosul
dotado de visão comunitária, servindo de contrapeso à
abordagem intergovernamental adotada pelos demais
órgãos do bloco.
O mecanismo de eleição dos parlamentares do
Mercosul, por meio do sufrágio universal direto dos ci-
dadãos dos Estados Partes (Artigo 6), consagra o prin-
cípio da legitimidade democrática e contribui para a
criação de uma identidade regional. Nas palavras do
Presidente do Uruguai, Tabaré Vasquez: “Solo se con-
formará una identidad regional, coexistente con las
identidades nacionales que hay que preservar y forta-
lecer, por cierto, si nuestros pueblos comienzan a reco-
nocerse como partes diversas de una única y dinámica
unidad. Si empiezan a asumir que no solo comparten
el pasado y los vincula el presente, sino también que
los convoca un futuro que será más venturoso cuanto
sepan compartirlo.”
O critério da “representação cidadã”, contemplado
no Artigo 5, garante a efetiva representação dos cida-
dãos da região, no Parlamento. Distingue-se, portanto,
da representação paritária dos Estados Partes, confor-
me esta se apresenta nos demais órgãos do Mercosul.
Esse regime de representação será objeto de proposta
do Parlamento ao Conselho do Mercado Comum, a ser
aprovada no decorrer da Primeira Etapa de Transição
O Parlamento do Mercosul será, assim, o “espaço da cidadania” no processo
de integração, onde estarão representados os interesses dos cidadãos da sub-região. É preciso
ressaltar que não se tratará de um parlamento com
competência para sobrepor as suas decisões àquelas
dos parlamentos nacionais.
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(31 de dezembro de 2006 a 31 de dezembro de 2010) e
entrará em vigor no início da Segunda Etapa de Transi-
ção (1º de janeiro de 2011 a 31 de dezembro de 2014).
Por razões distintas, a França e a Holanda disseram
“não” à proposta de um Tratado Constitucional (Consti-
tuição da União Européia). Essas negativas foram a gota
d’água (há outras razões) para levar a União Européia a
uma grave e profunda crise política. Uma das razões do
“não” é o fato de jamais ter sido construída uma cidada-
nia dentro do bloco europeu. E os eventos da França do
final de 2005, não pelo todo, mas em parte, também são
resultado desse processo.
Apesar de altos investimentos econômicos, finan-
ceiros e sociais, além da criação de símbolos (por exem-
plo, a sua bandeira está presente em todos os edifícios
públicos da Europa), a União Européia (UE) não conse-
guiu criar uma cidadania de bloco e uma identidade
comum, ao contrário a identidade nacional de cada
país se fortaleceu em nacionalismos de direita.
No Mercosul também inexiste a identidade de ci-
dadão do bloco. Mas este fato ainda não é preocupante
para o Bloco, uma vez que ele é incipiente se compara-
do com a União Européia e é diferente no processo de
construção. O tempo de formação, por exemplo, é uma
das razões de ser, ainda incipiente. Enquanto a União
Européia tem mais de meio século de criação21, o Mer-
cosul, oficialmente criado em 1991, acaba de entrar na
adolescência.
“Portanto, a criação do Parlamento do Mercosul,
necessária caixa de ressonância das demandas das
populações da região, ensejará discussões e debates
parlamentares que construirão a transparência e a legi-
timidade democrática destinadas a sedimentar as rela-
ções de confiança fundamentais no processo de conso-
lidação do Mercado Comum do Sul, não apenas entre
governos, mas com a própria sociedade em geral”22. O
Parlamento do Mercosul não é a única instituição e em
si não será suficiente, mas depende de seu desempe-
nho o papel que terá na construção da cidadania e na
correção do déficit democrático.
Dr. RosinhaDeputado Federal pelo PT-PR, médico pediatra e sanitarista,
vice-presidente do Parlamento do Mercosul
21 A integração européia teve inicio com o Tratado de Paris em 1951 e os Tratados de Roma em 1957.
22 Dr. Rosinha, Introdução, in “Hacia el Parlamento Del Mercosur”. Ed. CPCM e Konrad Adenaur, p.16.
O Parlamento do Mercosul ensejará discussões e
debates parlamentares que construirão a transparência e a legitimidade democrática
destinadas a sedimentar as relações de confiança
fundamentais no processo de consolidação do Mercado Comum do Sul, não apenas entre governos, mas com a própria sociedade em geral.
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ArtigoIntrodução
A dívida dos Estados, refinanciada pela União dez
anos atrás, vem à baila a cada troca de governo e foi
tema de reunião recente de conjuntura do Corecon-
DF. Mais do que discutir números, queremos chamar a
atenção nestes comentários para a falta de transparên-
cia com que o assunto vem sendo tratado. A participa-
ção de órgãos de representação nas decisões tomadas
é praticamente nula.
Desde o refinanciamento, foram variadas as reivin-
dicações de governadores, com o propósito de ampliar
o espaço fiscal dos Estados para investimentos. Todas,
até então, pareciam implicar a revisão dos contratos,
seja pela substituição do indexador do saldo devedor,
pelo repasse a bancos da dívida junto à União, ou pela
diminuição da relação dívida/receita, que tem que ser
perseguida no processo de ajuste fiscal. Outro caso foi
a postergação, conseguida junto ao Senado em 2005,
do prazo para enquadramento da dívida ao limite.
Nesse contexto de queixas, destaca-se o fato de
que, apesar de serviços da dívida pesados, os Estados
não têm conseguido amortizá-la. Resíduos decorrentes
de correção e juros somam-se à dívida, que vem cres-
cendo. Dados do Banco Central mostram que, para um
montante de R$ 105 bilhões, em valores correntes, refi-
nanciado em 1997 e 1998, os Estados deviam em fim de
agosto deste ano ao Tesouro, por conta da Lei 9.496/97
e PROES, R$ 315 bilhões. No período 1997 a 2006, o PIB
cresceu 2 vezes e meia; a dívida, 3.
A solução anunciada em junho deste ano para au-
mentar o endividamento estadual, que até agora fa-
voreceu São Paulo e Minas, suscita algumas questões
pouco exploradas, com implicações para as finanças
públicas e para o modelo brasileiro de gestão fiscal.
Supostamente para evitar mudanças que corrom-
pam a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a opção foi
por equacionar administrativa e burocraticamente a
questão no campo restrito de especialistas do Tesouro
Nacional e do Ministério da Fazenda. Para preservar o
sigilo dos contratos, não se deu publicidade aos fato-
res que propiciaram a reavaliação da capacidade de
endividamento desses Estados. A notícia é de que, pela
primeira vez, a margem foi ampliada para Estados com
relação entre dívida e receita superior a um.
Além disso, o Congresso esteve e continuará ausen-
te desses entendimentos, porque delegou o controle
e administração dos contratos: cada um deles foi ori-
ginalmente apreciado pelo Senado, e Resoluções pos-
teriores ao refinanciamento e à LRF contêm expressa
referência à Lei 9.496/97, recepcionando seus termos
nas condições para o endividamento.
Contudo, se antes era impedimento, pois os gover-
nadores pleiteavam a alteração dos contratos, e passou
a ser em parte possível, o aumento da margem de en-
dividamento é, na prática, mudança importante, ainda
que decorrente de nova interpretação dos contratos ou
da lei, reavaliação dos números e de novas projeções
econômico-fiscais.
Ao largo da intermediação parlamentar, abre-se a
possibilidade de troca de favores entre governos fe-
deral e estaduais, e aumenta o risco moral e a possibi-
lidade de descumprimento de metas, já que se pode
supor que exigências podem ser abrandadas sempre
Renegociação das dívidas estaduais refinanciadas pela União
José Fernando Cosentino Tavares
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que estiverem em jogo matérias de importância, como
a prorrogação de tributos ou a participação dos gover-
nos regionais em investimentos prioritários. O custo da
formação de superávit adicional para reduzir a dívida
pública consolidada a patamares previamente estabe-
lecidos transfere-se à União.
Para que eventualmente prevaleçam regras do mer-
cado nesse campo, analistas privados terão que dispor de
ampla informação sobre o endividamento público e so-
bre a capacidade de pagamento dos Estados devedores.
Renegociação da dívida e federalismo
Nos anos 90, reavivou-se o debate em torno do tema
do federalismo. No mundo, os destaques foram a cria-
ção das federações pós-soviéticas, que optaram por
esse tipo de arranjo político e fiscal, e a concretização da
União Européia. No Brasil, sucediam-se as tentativas de
reforma tributária, e a partir de 1995 (Plano Real) ficou
clara a urgência na regulamentação do endividamento
estadual, possibilitando a coordenação e gestão macro-
econômica e transparência fiscal, para o que os Estados
estavam menos aptos. Só mais tarde viria a LRF.
As normas subnacionais eram relativamente frou-
xas, seus orçamentos idem, minando a capacidade do
governo central de executar políticas de estabilização.
Em particular, o governo central não conseguia impor
seus limites ao endividamento, antes da Lei 9.496/97.
Os Estados possuíam bancos, que financiavam seus go-
vernos-controladores, que não honravam os juros devi-
dos a esses bancos e ao Banco Central.
A transparência fiscal tornou-se imperativa, com a
crescente movimentação de capitais globais guiados
pelo grau de risco. O principal problema de uma fede-
ração, nesse quesito, é a dificuldade de, sendo as juris-
dições independentes, se produzirem informações que
permitam avaliar a condução da política fiscal. A LRF
abordou em parte essa preocupação, obrigando uma
quantidade de demonstrativos referentes ao passado,
incluindo a agregação desses dados nacionalmente.
Sugere mais o Código do Fundo Monetário Inter-
nacional1: pretende-se, com transparência, dar pronto
acesso a informação confiável, abrangente e passível
de ser comparada internacionalmente, a respeito da
atividade pública, de forma a que não só os mercados,
mas também o eleitorado, possa avaliar a posição fi-
nanceira do governo e os custos e benefícios de sua
atuação. Ambicioso, não?
A renegociação
Houve iniciativas em socorro de Estados que ante-
cederam a última renegociação. As negociações ante-
riores foram em condições mais favoráveis, como, por
exemplo, taxa de juros fixa ou a de longo prazo e inde-
xador, em certos casos, a TR. Na Lei 9.496/97, a taxa de
juros mínima foi de 6% a.a. e o indexador, IGP-DI.
O aumento das taxas reais de juros que se seguiu ao
Plano Real agravou a crise do endividamento estadual
e engendrou esse último refinanciamento. A ameaça
1 Ver sua versão revista de maio de 2007, disponível em: <http://www.imf.org/external/np/pp/2007/eng/051507c.pdf>.
A transparência fiscal tornou-se imperativa, com a crescente movimentação de capitais globais guiados
pelo grau de risco. O principal problema de uma federação, nesse quesito, é a dificuldade de, sendo as
jurisdições independentes, se produzirem informações que permitam avaliar a condução
da política fiscal.
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de insolvência de alguma unidade da Federação estava
impondo ao setor público como um todo maiores cus-
tos financeiros.
Em 1997, a União assumiu e refinanciou a dívida de
26 Estados, com prestações mensais limitadas a per-
centagem da receita líquida real (RLR)2 entre 11,5% e
15% (maior parte, 13%) das unidades credoras.
O programa de ajuste fiscal (PAF) subjacente, mo-
nitorado pelo Tesouro, inspirado na forma de atuar do
FMI, contemplava como meta a relação dívida financei-
ra (DFin)/RLR menor que 1 e buscava promover esse
ajuste mediante controle das despesas com os servido-
res públicos e aumento do investimento, a melhoria da
arrecadação de receitas próprias, a privatização, permis-
são ou concessão de direitos estaduais e as reformas
administrativa e patrimonial. Antes de atingida a meta
para DFin, o Estado não poderia emitir novos títulos, e
só poderia contratar novas dívidas, inclusive emprésti-
mos junto a organismos financeiros internacionais, se
estivesse cumprindo as metas relativas à DFin na traje-
tória (decrescente) estabelecida no programa.
A Constituição atribui tarefas variadas ao Senado, no
controle do endividamento público, inclusive a de “dis-
por sobre limites globais e condições para as operações
de crédito externo e interno da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e
demais entidades controladas pelo Poder Público fede-
ral”, confirmou, na Resolução 43, de 2001, que “É vedado
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios” ... “re-
alizar operação de crédito que represente violação dos
acordos de refinanciamento firmados com a União”.
Resultados do refinanciamento e da aprovação
da LRF
Em comparação com os volumosos resultados fis-
cais deficitários dos Estados até 1997, a melhoria pos-
terior foi impressionante. Ao se destinarem 13% da ar-
recadação estadual para o pagamento dos serviços da
dívida, ficou garantido que os governos subnacionais
passariam a gerar superávits primários crescentes (já
praticamente nulo em 1999), que, na média 2003-2006,
foram equivalentes a 0,94% do PIB.
O governo federal controla a dívida estadual não só
assegurando superávit primário elevado, como limitando
o crédito bancário oficial aos Estados. Propostas de redu-
zir o percentual de vinculação de receitas dos Estados ao
pagamento da dívida, por exemplo, comprometeriam
o superávit primário do setor público consolidado, ou
obrigariam a União a compensar a diferença. Propostas
para aumentar a capacidade de endividamento afetam
diretamente a dívida pública, principal indicador fiscal, ou
obrigam a União a poupar mais, para assegurar mesma
trajetória de queda em relação ao PIB.
2 “...a receita realizada nos doze meses anteriores no mês imediatamente anterior àquele em que se estiver apurando, excluídas as receitas provenientes de operações de crédito, de alienação de bens, de transferências voluntárias ou de doações recebidas com o fim específico de atender despesas de capital e, no caso dos Estados, as transferências aos municípios por participações constitucionais e legais”. A RLR é maior que a Receita Corrente Líquida.
O governo federal controla a dívida estadual não só
assegurando superávit primário elevado, como limitando o crédito bancário oficial aos
Estados. Propostas de reduzir o percentual de vinculação de receitas dos Estados ao pagamento da dívida, por
exemplo, comprometeriam o superávit primário do
setor público consolidado, ou obrigariam a União a compensar a diferença.
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O aumento da autorização para endividamento
A postura do governo federal em relação a quais-
quer pleitos dos Estados tem sido no sentido de preser-
var a LRF, relativamente a seu art. 35, talvez o mais im-
portante. Ele diz ser vedada “a realização de operação
de crédito entre um ente da Federação, diretamente ou
por intermédio de fundo, autarquia, fundação ou em-
presa estatal dependente, e outro, inclusive suas enti-
dades da administração indireta, ainda que sob a forma
de novação, refinanciamento ou postergação de dívida
contraída anteriormente”. A referência é, portanto, aos
contratos assinados pela União com os Estados, ao am-
paro da Lei 9.496/97.
Por essa lei, os Estados estão sujeitos à regra pela
qual a dívida não pode ser maior do que um ano de
arrecadação. Esse limite tem como origem os contratos
efetivamente firmados no âmbito do PAF do fim dos
anos 90. Já pela LRF (2000) e pela Resolução do Senado
(2001) que regulou esse limite da LRF, a dívida pode ser
de até dois anos de arrecadação.
O pleito dos governadores ao governo federal era
aumentar essa relação para o previsto na LRF e em Re-
solução do Senado. O atendimento do pedido implica-
ria aumento, mas não exatamente dobrar o limite, pois
os contratos de refinanciamento e a LRF lidam com
conceitos diferentes de receita.
Paralelamente seriam mantidos outros controles. O
montante das operações de crédito realizadas em um
exercício pelo Estado não pode exceder 16% da RCL, e
os pagamentos à União continuariam equivalentes aos
mesmos percentuais da RLR: pela Resolução 43/01, o
serviço da dívida, para cada Estado, tem que ser igual
ou menor que 11,5% da receita.
No PAF, os Estados se comprometem a cumprir seis
metas fiscais a cada três anos. As metas, negociadas
com os governadores, dizem respeito à relação DFin/
RLR, despesas com pessoal/receita corrente líquida e
investimento/receita líquida real, e ao desempenho das
receitas próprias e resultado primário.
Cumpridas as metas que foram negociadas, o Te-
souro autoriza a contratação de novos empréstimos.
Embora São Paulo ainda tenha uma relação dívida/re-
ceita muito grande – superior à média nacional, que é
1,43 –, a informação oficial é que o governo vem me-
lhorando sua situação fiscal e poderia convergir para a
meta unitária no mesmo prazo antes previsto, mesmo
com a ampliação do seu saldo devedor.
O governo de São Paulo pretendeu aumento do seu
limite de endividamento em R$ 6,7 bilhões, baseando-
se no limite previsto na LRF, usando a dívida consoli-
dada e a receita corrente líquida como referências. O
governo do Estado argumentou, por sua vez, para obter
eventualmente a diferença, que sua dívida se situa hoje
abaixo da relação 2 para 1 com a receita, e que caminha
para ser menor que 1/1 em 2020.
Segundo a Imprensa, o Ministério da Fazenda au-
torizou contratação de novas operações de crédito em
até R$ 4 bilhões, a partir da constatação da melhora
das contas do Estado. São Paulo seria o primeiro Estado
com dívida corrente líquida hoje superior à receita cor-
rente líquida (atualmente é quase o dobro), que teve
autorização para tomar novos empréstimos. O ministro
teria reiterado que todos os Estados terão benefício
No PAF, os Estados se
comprometem a cumprir seis
metas fiscais a cada três anos.
As metas, negociadas com os
governadores, dizem respeito
à relação DFin/RLR, despesas
com pessoal/receita corrente
líquida e investimento/
receita líquida real, e ao
desempenho das receitas
próprias e resultado primário.
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a de
Con
junt
ura
equivalente, depois da avaliação de cada orçamento
por uma comissão do Tesouro.
O Ministério da Fazenda fechou também acordo
com o governo de Minas Gerais, tendo em conta seu
bom desempenho fiscal, autorizando o Estado a obter
mais R$ 2,45 bilhões de empréstimos internacionais
nos próximos quatro anos. Os termos dos novos acor-
dos não são públicos.
O fato de o aumento concedido a Minas Gerais re-
presentar, em proporção das respectivas receitas, qua-
se o dobro do de São Paulo, estimulou especulações
sobre outras motivações políticas para tratamentos
diferentes.
José Fernando Cosentino TavaresEconomista do Corecon-DF e consultor de
orçamento da Câmara dos Deputados
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26
As idas e vindas das reuniões deixaram muitos ana-
listas pessimistas com o provável futuro da Rodada de
Doha. Em pauta, coloca-se que o fracasso da Rodada
deve-se ao fato de que os interesses dos principais
atores não foram realizados. De um lado, os Estados
Unidos negam-se a reduzir os subsídos agrícolas en-
tre os países, e de outro, o Brasil exige a redução desses
subsídios. O individualismo dos países, principalmente
dos desenvolvidos – mais preocupados com sua própria
expansão do que com negociações multilaterais – marca
o fracasso da Rodada. Lançada na capital do Catar em
dezembro de 2001, a Rodada de Doha foi inicialmente
programada para terminar em janeiro de 2005. Em 2003
quase entrou em colapso e a partir daí vem-se arrastan-
do de crise em crise.
O protecionismo agrícola dos EUA pode não ser
o principal motivo das seqüentes negociações mal
sucedidas nas reuniões da Rodada de Doha, é o que
diz o economista e professor da Universidade de Bra-
sília (UnB), Mauricio Barata. “Ao longo de décadas de
substituição de importações, o sistema protecionista
brasileiro onerou a produção agrícola, tributando os
insumos industriais usados por ela, importados ou
não, e induzindo a supervalorização cambial da moe-
da nacional, diminuindo assim o preço em reais que
os agricultores recebem por suas vendas em dólares.
Isso significa que o protecionismo industrial brasileiro
diminuiu os estímulos dados à agricultura. Por isso não
cabe acreditar que é apenas a proteção que os países
desenvolvidos dedicam à sua agricultura que impede
que nossos produtos entrem nos mercados da Euro-
pa e da América do Norte; os efeitos negativos sobre
a rentabilidade da agricultura brasileira, advindos de
nosso próprio protecionismo, talvez sejam até piores.
Concluindo, se organizarmos uma agenda para a racio-
nalização do sistema de incentivos à eficiência econô-
mica no Brasil, a Rodada de Doha e outras negociações
por Daniela Lima
internacionais ficarão em uma posição bem secundá-
ria”, explica o economista.
Entretanto as crises podem não ser motivo de des-
crença para alguns, mas as dificuldades baseadas na
prevalência de interesses de uns em detrimento de
outros pode ser o motivo do conflito. Mauricio Barata
é um dos que não acreditam no fracasso da Rodada
de Doha, mas explica que, por outro lado, é possível
que não se alcance tudo que se esperava dela. Para
ele, as dificuldades encontradas não são surpreenden-
tes, pois desde o início das negociações no âmbito do
Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Gatt), há mui-
tas décadas, elas se mostraram extremamente difíceis,
porque abrangem mais de cem países e milhares de
mercadorias diferentes. “Além dos interesses conflitan-
tes entre os países participando das negociações, há
interesses opostos dentro de cada país, pois a proteção
alfandegária sempre favorece os produtores de alguns
bens em detrimento dos consumidores dos mesmos
bens. Esses conflitos internos são a verdadeira razão
das dificuldades das negociações para a liberalização
do comércio. E não podemos esquecer que há formas
alternativas de abrir o comércio, e estas formas devem
ser exploradas.
Mas qual direção seguir? Análises das mais dife-
renciadas são realizadas dentro do que diz respeito à
política econômica. Como se pode constatar, o coor-
denador-geral de Assuntos Multilaterais (CGAM/DAC),
Luiz Cláudio Carmona, considerando o momento atual,
disse que o fracasso de Doha é uma possibilidade real
e provável. Porém, ressalta a sua importância principal-
mente para que temas sistêmicos sejam tratados. “A
redução substancial das medidas de apoio doméstico
distorcivas, o fim dos subsídios à exportação e a me-
lhoria do acesso aos mercados são elementos essen-
ciais para a contínua dinamização do comércio mun-
dial e a redução das suas distorções. Não só o Brasil
O futuro da Rodada de DohaR
evist
a de
Con
junt
ura
O futuro da Rodada de Doha– por ser um grande exportador agrícola –, mas todos
demais membros da Organização Mundial do Comer-
cio (OMC) seriam beneficiários de um eventual acordo”,
afirma. Carmona alerta ainda que o impasse atual não
deve ser analisado de maneira simplista como uma
guerra entre ricos e pobres ou entre o Brasil e os EUA.
“Se tomarmos apenas a questão das medidas de apoio
doméstico distorcivas, que são os subsídios mais da-
nosos e combatidos em relação ao comércio agrícola,
podemos dizer, sim, que se trata de um embate prin-
cipalmente entre ricos e pobres, sendo o Brasil talvez
o maior demandante da redução destes subsídios. En-
tretanto, o acordo na OMC envolve outros temas onde
muitos outros membros se mostram sensíveis, inclusi-
ve o Brasil, no caso específico das reduções das tarifas
de bens industriais”, explica.
Para alguns, o impasse das negociações comerciais
da Rodada de Doha reflete o desinteresse dos países
desenvolvidos com relação ao acesso dos países emer-
gentes ao mercado mundial, o que contradiz a prin-
cipal missão da OMC: favorecer a expansão comercial,
e promover alguns objetivos como a redução da po-
breza, o crescimento econômico e o desenvolvimento.
Diante deste cenário é conveniente questionar qual
o papel que a OMC terá no futuro? Para Mauricio Ba-
rata, o principal papel da OMC continuará sendo o de
implementar as regras do Gatt. Afirma ainda que as
rodadas de liberalização do comércio também con-
Resumo das Rodadas de Negociação na história do sistema multilateral de comércio
Fonte: http://www.desenvolvimento.gov.br
Rodada Período Países participantes Temas cobertos
Genebra 1947 23 Tarifas
Annecy 1949 13 Tarifas
Torquay 1950 - 1951 38 Tarifas
Genebra 1955 - 1956 26 Tarifas
Dillon 1960 -1961 26 Tarifas
Kennedy 1964 - 1967 62 Tarifas e antidumping.
Tóquio 1973 - 1979 102 Tarifas, Medidas não tarifárias, Cláusula de Habilitação.
Uruguai 1986 - 1993 123Tarifas, Agricultura, Serviços, Propriedade Intelectual, Medidas
de Investimento, novo marco jurídico, OMC.
Doha 2001 - ? 149Tarifas, Agricultura, Serviços, Facilitação de Comércio,
Solução de Controvérsias, “Regras”.
Rodada Período Países participantes Temas cobertos
Genebra 1947 23 Tarifas
Annecy 1949 13 Tarifas
Torquay 1950 - 1951 38 Tarifas
Genebra 1955 - 1956 26 Tarifas
Dillon 1960 -1961 26 Tarifas
Kennedy 1964 - 1967 62 Tarifas e antidumping.
Tóquio 1973 - 1979 102 Tarifas, Medidas não tarifárias, Cláusula de Habilitação.
Uruguai 1986 - 1993 123Tarifas, Agricultura, Serviços, Propriedade Intelectual, Medidas
de Investimento, novo marco jurídico, OMC.
Doha 2001 - ? 149Tarifas, Agricultura, Serviços, Facilitação de Comércio,
Solução de Controvérsias, “Regras”.
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tinuarão sendo realizadas e os resultados continuarão
fluindo lentamente. “Sejamos pacientes e continuemos
trabalhando; se tivermos pressa, recorramos a outros
caminhos, como de fato já fizemos no Brasil”. Da mesma
opinião compartilha Luiz Carmona ao afirmar que mes-
mo com um eventual fracasso, a OMC continuará tendo
a importância do seu papel preservado. “As regras para
o comércio internacional da OMC que hoje vigoram
podem não ser o ideal, mas impedem que estejamos
sujeitos à “lei da selva”. As regras atuais já trazem cer-
ta previsibilidade e estabilidade ao comércio mundial.
Isso não deve ser desprezado”.
Recorrer a outros caminhos pode ser uma saída para
a um provável fracasso da Rodada de Doha ou até mes-
mo para uma demora demasiada das negociações. O
professor Mauricio Barata conta que o Brasil tomou duas
grandes iniciativas no sentido de dar ao país maior parti-
cipação no comércio internacional: “A primeira delas foi a
liberalização unilateral, iniciada em 1988 e prosseguindo
com firmeza até 1993. Nesse período, a alíquota média
do imposto de importação caiu de 57,5% em 1997 para
11,2% em 1994, e apesar de ligeiro retrocesso havido na
gestão FHC, chegamos a 2002 com a alíquota média de
13,5%. Essa experiência mostra como se pode ir longe
com o processo de liberalização do comércio, sem de-
pender de negociações internacionais complicadas e
demoradas, desde que o país reconheça as vantagens do
comércio mais livre e se disponha a adotá-lo sem esperar
compensações provenientes de outros países. A outra
grande iniciativa de que o Brasil participou foi a criação
e implementação do Mercosul, a partir de negociações
relativamente simples entre Brasil, Argentina, Uruguai e
Paraguai. Essa é a chamada forma preferencial de libe-
ralização, na qual um grupo relativamente pequeno de
países recebe um tratamento especial”. Para o professor,
as experiências brasileiras de liberalização unilateral e
multilateral mostram que o potencial dessas alternativas
de liberalização é grande, e, de acordo com ele, estamos
perdendo tempo ao não impulsioná-las com mais força.
Do futuro não se sabe o que esperar. Mas teme-se
o que poderá acontecer. E previsões do cenário econô-
mico enchem as páginas dos grandes jornais do país.
O futuro do setor agrícola brasileiro é uma das gran-
des preocupações de muitos analistas no contexto de
negociações bilaterais, por exemplo. Mas para o coor-
denador geral de Assuntos Multilaterais, Luiz Carmona,
o setor agrícola brasileiro é muito competitivo e con-
segue acessar os principais mercados importadores
mundiais. Sendo assim, acordos bilaterais também são
desejáveis porque iriam aumentar a nossa vantagem
nesses mercados. Só que essa competitividade acentu-
ada também vem acompanhada do temor apresenta-
do pelos nossos parceiros em relação à nossa agricultu-
ra exportadora. Na área agrícola somos temidos tanto
quanto tememos a China na área industrial. A análise
colocada por Mauricio Barata diz que agricultura bra-
sileira depende de insumos intermediários modernos
e de bens de capital fornecidos pela indústria e agricul-
tura, e competem no mercado de fatores primários, isto
é, de capital e trabalho: “Isso significa que ao encarecer
os insumos agrícolas, o protecionismo penaliza a agri-
cultura. Portanto, qualquer forma de negociação visan-
do a aumentar o comércio internacional de produtos
industriais irá beneficiar também a agricultura”.
Um dos objetivos da OMC é o desenvolvimento
dos países pobres e emergentes focado na expansão
comercial, tanto em escala multilateral como bilateral.
Partindo deste principio e, diante do cenário atual, es-
pera-se que o êxito da Rodada de Doha além de pro-
mover o desenvolvimento e reduzir a pobreza, promo-
va também um crescimento econômico que integre
países de maneira mais igualitária.
Mandatos de DohaAcesso a Mercado em Bens Não Agrícolas: o manda-
to estabelece que as negociações de acesso a mercados
se concentrarão no tratamento dos picos tarifários, altas
tarifas, escalada tarifária e barreiras não tarifárias. O man-
dato diz que a cobertura das negociações será ampla sem
exclusões, a priori, e que as necessidades e interesses espe-
ciais dos países em desenvolvimento e dos menos desen-
volvidos (LDCs) serão levados em consideração.
Agricultura: o mandato de Agricultura é fruto de um
árduo exercício de compromise solution, mesclando termos
amplos, genéricos e ambíguos para conciliar os diversos
interesses antagônicos. Todos os pontos de interesse do
Brasil, como subsídios agrícolas, apoio interno, redução de
tarifas e crédito à exportação, estão contidos no documen-
to, o que, se não garante que eles terão solução favorável,
ao menos garante que eles serão discutidos.
Serviços: preservou-se a filosofia que norteia as nego-
ciações em andamento no Acordo Geral sobre o Comércio
de Serviços (GATS), afirmando que as negociações deverão
ser conduzidas com base na liberalização progressiva, com
especial ênfase nos setores de interesse dos países em
desenvolvimento, aos quais será conferida a flexibilidade
para liberalizar menos setores e tipos de transações.
Comércio e Investimento: o mandato jogou para so-
mente após a V Conferência Ministerial da OMC o início das
negociações sobre este tema, caso haja consenso explícito
para isso. Por hora, o Grupo de Trabalho sobre o Relaciona-
mento entre Comércio e Investimento analisará os temas
de escopo e definição, transparência, não-discriminação,
modalidades de compromissos de pré-estabelecimento
GATS-like, disposições sobre desenvolvimento, exceções
e salvaguardas de balança de pagamentos , mecanismos
de consultas e solução de controvérsias entre os Membros.
Estas discussões embasarão um futuro marco normativo
sobre o tema de investimentos que deverá superar o Acor-
do de TRIMS, cujo alcance só abarca os investimentos rela-
cionados a bens.
Política da Concorrência: também só haverá negocia-
ções após a V Conferência Ministerial da OMC se os mem-
bros assim acordarem por consenso explícito. Enquanto
isso, o Grupo de Trabalho sobre a Interação entre Comér-
cio e Política de Concorrência deverá discutir: a clarifica-
ção dos princípios gerais de concorrência, incluindo os de
transparência, não-discriminação, devido processo e for-
mação de cartéis; modalidades de cooperação voluntária;
apoio ao maior e progressivo enforcement de instituições
de concorrência para os países em desenvolvimento.
Compras Governamentais: o mandato estabelece
negociações sobre Transparência em Compras Governa-
mentais, não tendo o mesmo escopo do Government Pro-
curement Agreement, que traz obrigações de acesso para
as partes.
Comércio Eletrônico: a Declaração referenda o
Programa de Trabalho sobre Comércio Eletrônico da
OMC, desenvolvido nos últimos dois anos, e pede que
seja discutido o melhor arranjo institucional para dar
prosseguimento às discussões do tema na OMC. Além
disso, a Declaração mantém a moratória de tarifas so-
bre transmissões eletrônicas até a próxima Conferência
Ministerial, o que já era esperado.
Facilitação de Comércio: acordou-se que, se houver
consenso explícito, após a V Conferência Ministerial, haverá
negociações para aumentar a transparência e eficiência no
movimento de bens nas fronteiras dos países.
Solução de Controvérsias: acordou-se melhorar e
clarificar as disposições do Acordo de Solução de Contro-
vérsias, levando-se em consideração os interesses e neces-
sidades especiais dos países em desenvolvimento.
“Regras”: os Ministros acordaram conduzir negocia-
ções com o objetivo de clarificar e melhorar as discipli-
nas dos Acordos sobre antidumping, subsídios e medidas
compensatórias, preservando os conceitos básicos destes
Acordos e levando em consideração os interesses dos paí-
ses em desenvolvimento.
Fonte: http://www.desenvolvimento.gov.br
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Artigo1. Introdução
A sociedade do bem-estar depende cada vez mais
de suprimento regular de energia, tanto para a comodi-
dade do lar, da produção de bens e serviços e para a lo-
comoção. O Instituto Internacional de Economia (MUS-
SA, 2003) estima que a demanda projetada mundial de
energia crescerá 1,7% ao ano, de 2000 a 2030. Mantido
o atual nível de consumo, as reservas comprovadas de
petróleo (1,137 trilhões de barris) permitiriam suprir a
demanda mundial por 40 anos. Cenário de crescimento
da demanda com reservas em queda elevam os preços
do petróleo (em 2007 acima dos US$ 70), com poucas
possibilidade de redução.
Governos e sociedades, preocupados com o supri-
mento futuro, buscam fontes alternativas e preferente-
mente renováveis. O Brasil partiu na frente, há mais de
30 anos, com a criação do Proálcool, produzindo etanol
a partir da cana-de-açúcar, utilizado como combustível
para carros. Com o desenvolvimento tecnológico, os
custos de produção do etanol baixaram significativa-
mente. Hoje, estima-se que o break even entre o preço
do álcool e da gasolina (tributação exclusa) oscila entre
US$30 e US$35,00. Por ser uma tecnologia ainda imatu-
ra, a mesma relação é estimada em torno de US$60,00
para biocombustíveis derivados de óleo vegetal.
O Brasil possui vantagens comparativas para liderar
a agricultura de energia. Há terras disponíveis para se-
rem incorporadas, sem competição com a agricultura de
alimentos, e com impactos ambientais circunscritos ao
socialmente aceito. Por situar-se, predominantemente,
na faixa tropical e subtropical do planeta, recebe intensa
radiação solar, ao longo do ano. A produção da bioener-
gia e a densidade desta, por unidade de área, depende,
diretamente, da quantidade de radiação solar incidente.
A produção de agroenergia, no caso brasileiro,
abrange quatro vertentes principais: (a) álcool; (b)
biodiesel;2 (c) florestas energéticas cultivadas; e, (d)
resíduos agroflorestais. É bom notar que existem inter-
relações entre esses segmentos, como o uso do etanol
para a produção de biodiesel, a co-geração de energia
elétrica com resíduos da produção de álcool, ou o apro-
veitamento de resíduos de biomassa florestal.
Neste trabalho, apresentam-se as diretrizes de política
para a agroenergia, desenvolvimento recente na produ-
ção de álcool e os principais desafios para o biodiesel.
2. Diretrizes de política para a agroenergia
As diretrizes gerais da política governamental para
a agroenergia no Brasil são:
Incentivo à produção – pela expansão do setor de
etanol, implantação da cadeia produtiva do biodiesel,
aproveitamento de resíduos e expansão de florestas
Agroenergia – nova dinâmica do agronegócio brasileiro1
Elisio Contini
1 Baseado nos documentos Diretrizes de Política de Agroenergia e Plano Nacional de Agroenergia, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
2 O Programa Brasileiro de Biodiesel conceitua Biodiesel como “combustível obtido da mistura, em diferentes proporções, de diesel e éster de óleos vegetais”.
31
julho / setembro / 2007
energéticas cultivadas, com abrangência nacional, ob-
jetivando a eficiência e produtividade e privilegiando
regiões menos desenvolvidas.
Agroenergia sem comprometer a produção de
alimentos – A expansão da agroenergia não afetará a
produção de alimentos para o consumo interno, princi-
palmente os da cesta básica. Pelo contrário, co-produ-
tos do biodiesel, por exemplo, torta de soja e de giras-
sol, tendem a complementar a oferta de produtos para
a alimentação humana e animal.
Desenvolvimento tecnológico – Pesquisa e desen-
volvimento de tecnologias agropecuárias e industriais
adequadas às cadeias produtivas da agroenergia, que
proporcionem maior competitividade, agregação de
valor aos produtos e redução de impactos ambientais.
Concomitantemente, deverá contribuir para a inserção
econômica e social, inclusive com o desenvolvimento de
tecnologias apropriadas ao aproveitamento da biomassa
energética em pequena escala.
Autonomia energética comunitária – Propiciar às co-
munidades isoladas, aos agricultores individualmente,
cooperativados ou associados, e aos assentamentos de
reforma agrária, meios para gerar sua própria energia, em
especial nas regiões remotas do território nacional.
Geração de emprego e renda – A política de agroe-
nergia deve constituir-se em um vetor da interiorização
do desenvolvimento, da inclusão social, da redução das
disparidades regionais e da fixação das populações ao
seu habitat, em especial pela agregação de valor na
cadeia produtiva e integração às diferentes dimensões
do agronegócio.
Aproveitamento de áreas já Ocupadas – As culturas
energéticas serão produzidas respeitando a sustenta-
bilidade dos sistemas produtivos e desestimulando a
expansão injustificada da fronteira agrícola ou o avanço
rumo a sistemas sensíveis ou protegidos, como a floresta
amazônica, a região do Pantanal, entre outras. Propõe a
recuperação de áreas degradadas, associando-as ao se-
qüestro de carbono.
Otimização das vocações regionais – Incentivo à
instalação de projetos de agroenergia em regiões com
oferta abundante de solo, radiação solar e mão-de-obra,
propiciando vantagens para o trabalho e para o capital,
do ponto de vista privado e social, a partir de culturas agrí-
colas com maior potencialidade.
Liderança no comércio internacional de biocombus-
tíveis – O Brasil reúne vantagens comparativas que lhe
permitem liderar o mercado internacional de biocom-
bustíveis e implementar ações de promoção dos pro-
dutos agroenergéticos. A ampliação das exportações,
além da geração de divisas, consolidarão o setor e im-
pulsionarão o desenvolvimento do país.
Aderência à política ambiental – Os programas de agro-
energia estarão em consonância com a política ambiental
brasileira e integrados com as disposições do Mecanismo
de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Quioto,
aumentando a utilização de fontes renováveis, com menor
emissão de gases de efeito estufa e contribuindo com a
mitigação deste efeito por meio do seqüestro de carbono.
3. Produção brasileira de etanol
A produção de etanol no Brasil tem como fonte a
cana-de-açúcar e é produzido nas regiões Centro-Sul,
Norte e Nordeste. O Brasil e os Estados Unidos são atu-
almente os maiores produtores de etanol; os Estados
Unidos extraem esse produto do milho.
O Brasil reúne vantagens comparativas que lhe
permitem liderar o mercado internacional de biocombustíveis e implementar ações de
promoção dos produtos agroenergéticos. A ampliação das
exportações, além da geração de divisas,
consolidarão o setor e impulsionarão o
desenvolvimento do País.
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O Brasil já possui uma matriz energética com sig-
nificativa participação de energias renováveis, tendo
acumulado importante experiência na produção de ál-
cool como combustível, tanto anidro como hidratado.
A ampliação dessa participação na matriz, a partir do
desenvolvimento da agroenergia, propicia a oportuni-
dade de executar políticas, de cunho social, ambiental
e econômico, além de alinhar-se com ações de caráter
estratégico no âmbito internacional.
A expansão da agroenergia no Brasil, nos últimos
anos, é um dos pontos mais relevantes da dinâmica do
agronegócio no País. A produção de álcool total (ani-
dro e hidratado) passou de 14,43 milhões de metros
cúbicos na safra 1996/1997, para 17,89 milhões de me-
tros cúbicos em 2006/2007. A produção de açúcar teve,
nesse período, um aumento de 124,65% , passando de
13,63 milhões de toneladas para 30,62 milhões. A pro-
dução de cana-de-açúcar também se expandiu, entre
1997 e 2007, passando de 289,52 milhões de toneladas
para 427,22 milhões (Tabela 1).
Em 2003, o mercado de veículos leves no Brasil
apresentou uma novidade cujo sucesso comercial está
criando um horizonte de uso do etanol carburante que
deve alterar o modelo tradicional de mercado: o veícu-
lo do tipo ‘combustível flexível’. Este novo veículo (po-
pularizado como ‘flex-fuel’) tem a capacidade técnica
de utilizar 100% de álcool etílico hidratado como com-
bustível, 100% de gasolina convencional ou a mistura
de ambos em qualquer proporção. A participação dos
veículos “flex-fuel” já representa 70% das vendas de au-
tomóveis novos no País.
A flexibilidade oferecida pela tecnologia, que fun-
ciona como uma demanda cruzada, traz duas conse-
qüências imediatas: 1) incorpora um sistema automáti-
co de prevenção de crise de abastecimento (na suposi-
ção de que a oferta de gasolina será sempre regular); e
2) o volume do consumo de álcool estará diretamente
vinculado à capacidade dos industriais em oferecer o
produto demandado, a preços competitivos.
A expansão da agroenergia no Brasil, nos últimos anos,
é um dos pontos mais relevantes da dinâmica do
agronegócio no País. A produção de álcool
total (anidro e hidratado) passou de 14,43 milhões
de metros cúbicos na safra 1996/1997, para 17,89
milhões de metros cúbicos em 2006/2007.
‘‘
‘‘Tabela 1: Produção de Cana-de-açúcar, de Álcool e Açúcar – Brasil
ANOS
ÁLCOOL ANIDRO (m ³)
ÁLCOOL HIDRATADO (m ³)
ÁLCOOL TOTAL (m ³)
AÇÚCAR (ton.)
CANA-DE-AÇÚCAR (ton.)
96/97 4.629.340 9.801.109 14.430.449 13.631.888 289.520.522
97/98 5.699.719 9.722.534 15.422.253 14.847.044 302.198.516
98/99 5.679.998 8.246.821 13.926.819 17.960.587 315.640.797
99/00 6.140.769 6.936.996 13.077.765 19.380.197 310.122.784
00/01 5.584.730 4.932.805 10.517.535 16.020.340 254.921.721
01/02 6.479.187 4.988.608 11.467.795 18.994.363 292.329.141
02/03 7.009.063 5.476.363 12.485.426 22.381.336 316.121.750
03/04 8.767.898 5.872.025 14.639.923 24.944.434 357.110.883
04/05 8.172.488 7.035.421 15.207.909 26.632.074 381.447.102
05/06 7.662.622 8.144.308 15.806.930 26.214.391 382.482.002
06/07 8.081.661 9.805.255 17.886.916 30.624.898 427.225.737
Fonte: MAPA
33
julho / setembro / 2007
Uma outra dimensão que permeia o futuro do álcool
etílico como combustível é a sua aplicação em células a
combustível, tanto diretamente em célula a etanol, como
através do processo de reforma deste para a produção de
hidrogênio. As tecnologias de célula a combustível estão,
atualmente, em desenvolvimento em diversos países e
particularmente o Brasil já definiu a rota da obtenção do
hidrogênio por meio do etanol como prioritária.
No mercado interno, o Governo dispõe de outros
dois instrumentos de intervenção no mercado de álco-
ol combustível. O primeiro é a fixação dos níveis de mis-
tura do álcool anidro à gasolina. A mistura pode variar
entre 20 e 25%, conforme a disponibilidade do produ-
to. O segundo, de natureza mais estrutural, diz respeito
à carga tributária sobre os veículos automotores, onde
são fixadas alíquotas menores do Imposto sobre Pro-
dutos Industrializados (IPI) para os veículos movidos a
álcool, exceto para aqueles de até 1000 cilindradas.
Outro aspecto institucional relevante para o setor
é o Programa Nacional de Incentivo às Fontes Alterna-
tivas de Energia Elétrica (Proinfa). O programa tem por
objetivo a diversificação da nossa matriz energética, a
partir do aumento da participação das fontes renová-
veis de energia. É conferido enfoque na co-geração a
partir de resíduos de biomassa, nas Pequenas Centrais
Hidrelétricas e na Energia Eólica.
Quanto ao futuro, as projeções do etanol referentes a
produção, consumo e exportação refletem grande dina-
mismo desse produto devido, especialmente, ao cresci-
mento do consumo interno e às exportações de etanol. A
produção de etanol projetada para 2017 é de 38,6 bilhões
de litros, mais que o dobro da produção de 2005. O con-
sumo interno para 2017 está projetado em 28,4 bilhões
de litros e as exportações, em 10,3 bilhões ( Fig. 1).
A Secretaria de Produção e Agroenergia do MAPA
projeta, para 2010, vendas de automóveis Flex de 1,0
milhão de veículos, quase o dobro a mais que os auto-
móveis a gasolina, cujas vendas projetadas são de 467
mil unidades. Essa expansão do setor automobilístico e
A produção de etanol
projetada para 2017 é de
38,6 bilhões de litros, mais
que o dobro da produção
de 2005. O consumo
interno para 2017 está
projetado em 28,4 bilhões
de litros e as exportações
em 10,3 bilhões.
‘‘
‘‘Fig. 1 - Produção, Consumo e Exportação Brasileira de Etanol
Fonte: AGE/MAPA
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o uso crescente dos carros flex é atualmente o princi-
pal fator responsável pelo crescimento da produção de
etanol no Brasil.
A dinâmica futura da agroenergia está associada
ao desenvolvimento de um mercado internacional
que venha a funcionar como regulador dos suprimen-
tos domésticos. Embora ainda não seja possível esti-
mar suas dimensões, os fluxos regulares de comércio
já começam a existir, inclusive baseados em contratos
de longo prazo. No caso brasileiro, cabe mencionar o
destacado papel da Petrobrás, como intermediária de
transações junto a importantes países produtores de
petróleo, como a Nigéria e a Venezuela, e de importa-
dores, como o Japão e os Estados Unidos.
Entretanto, há importantes questões a serem equa-
cionadas: 1) os países interessados na aquisição de eta-
nol carburante precisam definir sua utilização para per-
mitir que os países produtores possam se programar; 2)
o comércio regular deve basear-se em contratos de lon-
go prazo, o que reduz o risco comercial para ambos os
lados; e, 3) definir uma regra de formação de preços, ba-
seada em parâmetros previamente definidos. Esta regra
deve incorporar uma engenharia de cálculo que atenda
aos interesses do importador, interessado em vincular
o preço do biocombustível ao preço da gasolina, e do
exportador, para quem o preço do álcool tem um custo
de oportunidade dos usos alternativos para a matéria-
prima, em especial para a fabricação do açúcar.
No curto e médio prazo, a função da agroenergia será
a de propiciar uma transição mais tranqüila rumo a uma
matriz energética com maior participação da energia
renovável, inclusive ampliando o horizonte de uso das
atuais fontes de carbono fóssil. Subsidiariamente, o de-
senvolvimento da agroenergia, no Brasil, promoverá im-
portante aumento de investimentos, empregos, renda e
desenvolvimento tecnológico e será uma oportunidade
para atender parte da crescente demanda mundial por
combustíveis de reduzido impacto ambiental. Essa visão
de futuro é plenamente aplicável ao Brasil, que poderá
se constituir no maior provedor individual de energia re-
novável no mercado internacional de bioenergia.
4. O desafio do biodiesel
Biodiesel é um combustível líquido derivado de bio-
massa renovável, que substitui total ou parcialmente o
óleo diesel de petróleo em motores de ignição por com-
pressão, automotivos (caminhões, tratores, camionetas,
automóveis etc.), transportes (aquaviários e ferroviários)
e estacionários (geradores de eletricidade etc.). O biodie-
sel pode ainda substituir outros tipos de combustíveis
fósseis na geração de energia, a exemplo do uso em cal-
deiras ou em geração de calor em processos industriais.
O biodiesel é produzido a partir de diferentes maté-
rias-primas, tais como óleos vegetais diversos (mamo-
na, dendê, soja, girassol, amendoim, algodão etc.), gor-
duras animais, óleos e gorduras residuais, por meio de
diversos processos. A evolução tecnológica evidencia a
adoção da transesterificação como principal processo
de produção. Consiste numa reação química em meio
alcalino, onde reagem óleos vegetais (ou gorduras ani-
mais) e um álcool (etanol ou metanol), na proporção
aproximada de 10 para 1, respectivamente.
Essa reação tem como produto preponderante o
biodiesel (éster de ácidos graxos). Como subproduto,
tem-se a glicerina, com aplicações diversas na indús-
tria química. Além da glicerina, a cadeia produtiva do
biodiesel gera ainda uma série de outros co-produtos
(torta, farelo etc.), que podem agregar valor e se cons-
A dinâmica futura da agroenergia está associada ao desenvolvimento de um mercado internacional que
venha a funcionar como regulador dos suprimentos domésticos. Embora ainda não seja possível estimar suas dimensões, os fluxos regulares de comércio já
começam a existir.
‘‘
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tituir em outras fontes de renda importantes para os
produtores agrícolas e industriais. Entretanto, deve ser
observado que a magnitude do mercado de combus-
tíveis introduz o desafio de se buscar novos mercados
e aplicações para o uso da glicerina e da torta de ma-
mona, entre outros, haja vista que a produção desses
subprodutos aumentará significativamente com o de-
senvolvimento da produção do biodiesel.
O biodiesel pode ser usado puro ou misturado ao die-
sel em diversas proporções. A mistura de 2% de biodiesel
ao diesel de petróleo é chamada de B2, e assim sucessi-
vamente, até o biodiesel puro (B1000). A Lei n° 11.097/05
estabeleceu que, a partir de janeiro de 2008, a mistura
B2 passa a ser obrigatória no território nacional. Assim,
todo o óleo diesel comercializado no País deverá conter,
necessariamente, 2% de biodiesel. Em janeiro de 2013,
este percentual passará para 5%. Vale aqui ressaltar que,
a depender da evolução da capacidade produtiva e da
disponibilidade de matéria-prima, entre outros fatores,
esses prazos podem ser antecipados, mediante Resolu-
ção do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE),
conforme estabelecido pela Lei. Em sua Resolução nº 03,
de 23 de setembro de 2005, o CNPE antecipou para ja-
neiro de 2006 o B2, cuja obrigatoriedade se restringirá ao
volume do biodiesel produzido por detentores do selo
“Combustível Social”.
Como um substituto direto para o óleo diesel, o
mercado potencial para o biodiesel é determinado es-
sencialmente pelo mercado do derivado de petróleo.
Atualmente, a demanda total de óleo diesel no Brasil é
cerca de 40 bilhões de litros anuais, sendo 94% produ-
zido no próprio país e 6% importada, com dispêndio de
quase US$ 1 bilhão por ano com a importação. O uso
da mistura B2, representa um volume de, aproximada-
mente, 840 milhões de litros anuais de biodiesel, e con-
tribui para a redução das importações de diesel. Para
a mistura B5, obrigatória a partir de 2013, estima-se o
volume de 2,6 bilhões de litros de biodiesel por ano.
Com vistas à redução dos custos de produção, há de
se buscar no segmento industrial o desenvolvimento
e a adequação da produção desse combustível reno-
vável em regime contínuo, sem no entanto invalidar as
experiências de produção pelo regime de bateladas,
inicialmente desenvolvidas. Também se faz necessário
consolidar da tecnologia da transesterificação etílica,
tendo em vista a potencialidade brasileira na produção
do etanol, a partir da cana-de-açúcar.
No âmbito internacional, barreiras tecnológicas e
comercias podem dificultar a colocação do biodiesel
nos mercados externos, em especial dos Estados Uni-
dos e da União Européia, onde predomina a transesteri-
ficação metílica a partir de um seleto conjunto de oloe-
aginosas (soja e canola). Isso é relevante para o aprovei-
tamento do diferencial positivo do Brasil no segmento
agrícola, que dispõe de uma grande diversidade de
matérias-primas, com diferentes potencialidades regio-
nais. Engloba tanto culturas já tradicionais, como a soja,
o amendoim, o girassol, a mamona e o dendê, quanto
alternativas novas, como o pinhão manso, o nabo forra-
geiro e uma grande variedade de oleaginosas a serem
exploradas.
O cultivo de matérias-primas e a produção indus-
trial têm grande potencial de geração de empregos,
promovendo, dessa forma, a inclusão social. Para es-
timular ainda mais esse processo, o Governo Federal
institui um modelo tributário específico, com a criação
do selo “Combustível Social” e a instituição de níveis
diferenciados de desoneração tributária em função do
No âmbito internacional, barreiras tecnológicas
e comercias podem dificultar a colocação do biodiesel nos mercados
externos, em especial dos Estados Unidos e da União Européia, onde predomina a transesterificação
metílica a partir de um seleto conjunto de
oloeaginosas.
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aproveitamento combinado da agricultura familiar e
do agronegócio na cadeia produtiva.
O desenvolvimento do biodiesel continua um de-
safio. Nos aspectos tecnológicos da produção agrícola,
são prioridades a identificação e seleção de oleaginosas,
o aumento de sua produtividade em óleos, hoje muito
baixo, e o desenvolvimento de sistemas de produção
rentáveis com preservação dos recursos naturais. Na
área industrial, a transformação de óleos vegetais em
biodiesel ainda necessita de aprimoramentos, como o
aumento da eficiência extrativa, a desintoxicação de
tortas, como a da mamona, e uma melhor utilização de
subprodutos, como a glicerina.
5. Considerações finais
A longa tradição brasileira na produção e uso de
combustíveis derivados da biomassa, particularmente
do etanol, tornou nosso País uma referência mundial
nesta matéria. Esta posição está associada aos seguin-
tes fatores:
• imenso potencial de produção que inclui a dispo-
nibilidade de novas áreas ou aquelas com atividades
agropecuárias de baixo rendimento econômico, clima
adequado, disponibilidade mão-de-obra preparada e
grupos empresariais capazes de realizar os investimen-
tos necessários;
• uso corrente e continuado de biocombustíveis ao
longo de várias décadas: a participação da biomassa
na matriz energética brasileira está situada em 29%
enquanto que este percentual para o resto do mundo
está em 11%;
• domínio do processo de produção, armazenamen-
to e distribuição de vários biocombustíveis (como o
álcool etílico, a energia elétrica obtida através da quei-
ma de resíduos agrícolas e o carvão vegetal para uso
siderúrgico).
Particularmente quanto ao álcool, já é um produto
consolidado para uso combustível, quer seja na mistura
com a gasolina automotiva quer seja como combustí-
vel dedicado em motores de ignição por centelha. Por
isso, é apontado como uma das opções mais viáveis
como sucedâneo da gasolina.
O álcool possui um conjunto de características que
o habilitam a tornar-se um produto de amplo uso e de
aceitação geral. Os quatro aspectos mais relevantes são
os seguintes: a) seguro e não traz qualquer risco para a
integridade dos veículos que o utilizam ou para a saúde
dos consumidores e dos agentes que cuidam de sua ma-
nipulação; b) eficiente, quando usado em mistura com
a gasolina, praticamente mantém o mesmo rendimento
do combustível principal no uso em veículos automoto-
res; c) fácil de ser produzido em grandes volumes, a par-
tir da cana-de-açúcar ; e, d) preço competitivo, considera-
das as perspectivas em relação aos preços do petróleo.
O seu uso em mistura com a gasolina (especialmen-
te em proporções de até 10%) não requer alteração
importante no sistema de armazenamento, transporte
e uso do combustível principal, pois, com alguns cui-
dados simples, podem ser usados os mesmos equipa-
mentos. Da mesma forma, não requer qualquer tipo de
alteração na regulagem dos motores dos veículos que
passam a utilizar a mescla.
A adição de etanol na gasolina tem o efeito de oxige-
nar o combustível e melhorar sua combustão, levando à
redução dos gases emitidos. Além disso, por ser de ori-
gem natural e renovável, ao substituir um combustível
de origem fóssil evita a emissão do carbono adicional
que seria trazido para a atmosfera e que poderá conti-
nuar repousando no subsolo. No caso particular do uso
da cana-de-açúcar como matéria-prima, a energia pro-
duzida/energia utilizada é muito favorável ( 8,3/1), pois é
necessário somente um litro de combustível de origem
fóssil para a produção de oito litros de etanol.
Bibliografia
MAPA-EMBRAPA. Plano Nacional de Agroenergia – 2006-
2011. 2. ed. Brasilia: Embrapa, 2006. 110 p.
MAPA; MME; MDICT; MCT. Diretrizes de Política de Agroe-
nergia. 2006. 30 p.
MUSSA, M. A global growth rebound: how strong fro
how long? Washington, DC. Institute for International
Economics, 2003. Disponível em: <www.iie.com/public
ations/papers/mussa03.pdf>.
Elisio Contini Pesquisador da Embrapa e Chefe da Assessoria de
Relações Internacionais da Embrapa.
37
julho / setembro / 2007
ArtigoDesde meados de 2006, o Brasil experimenta uma
fase de prosperidade com inflação baixa e sob contro-
le. Será durável, ou onda passageira? A economia bra-
sileira está em condições de crescer na faixa de 5%a.a.
sem inflação por um período mais longo? Ou a atual
expansão é apenas fruto de circunstâncias internacio-
nais favoráveis e se extinguirá assim que a conjuntura
externa piorar?
Esta não é uma questão trivial. Os economistas da
Escola Desenvolvimentista, heterodoxos, defendem a
tese de que se trata de um ciclo autêntico, que o PIB
(Produto Interno Bruto) do Brasil tem condições de se
expandir até a mais de 5%a.a. Pregam a redução da
taxa de juros básica da economia – a taxa Selic – e do
superávit primário.
É difícil estabelecer fronteiras claras, na práxis bra-
sileira, entre as idéias desenvolvimentistas e o seu con-
traponto – o pensamento neoliberal ou ortodoxo. As
Escolas não são blocos monolíticos; ao contrário, cada
uma delas ostenta uma gama própria de matizes com
ênfases distintas,1 de tal sorte que a divisão arbitrária
entre desenvolvimentistas heterodoxos e neoliberais
ortodoxos é uma simplificação taxionômica de finali-
dades didáticas apenas.
Por exemplo, a proposta de política econômica do
professor Yoshiaki Nakano com foco na sustentação
de uma taxa de câmbio desvalorizada2 e estável para
estimular as exportações de produtos industrializados
poderia ser classificada na Escola Desenvolvimentista
dado seu conteúdo intervencionista.
Contudo, a proposta é revestida de preocupações
com o equilíbrio fiscal, característica própria da Escola
Ortodoxa. O prof. Nakano deixa claro que seria necessá-
ria forte redução de despesas da União para abrir espa-
ço à acumulação de reservas internacionais pelo Banco
Central, conseqüência inevitável do subsídio às expor-
Brasil 2007 Ciclo de crescimento ou bolha?
Carlos Eduardo de Freitas
Taxas de crescimento do PIB
TrimestreTrimestre contra
Trimestre anteriorAnualizada
Doze meses encadeados
2006. I 5,76% 3,23%
2006. II -2,14% 2,91%
2006. III 11,66% 3,27%
2006. IV 4,30% 3,70%
2007. I 3,64% 3,78%
2007. II 3,30% 4,80%
Fonte: IBGE (Contas Nacionais Trimestrais).
Tabela 1: Crescimento do PIB
1 O ministro da Fazenda Guido Mantega, em seminário na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, realizado em setembro/2007, disse que o governo Lula adota o modelo do social-desenvolvimentismo, caracterizado pelo “crescimento econômico mais vigoroso e mais equilibrado e pela redução das desigualdades sociais e regionais”, cf. jornal Valor, 18 set. 07, p. A6.
2 O prof. Nakano sustenta a tese de que a combinação de juros altos e câmbio valorizado da receita neoliberal é a principal responsável pela armadilha de estagnação em que se encontraria o Brasil.
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tações, implícito na administração da taxa de câmbio
desvalorizada.
Feita a ressalva, e tendo presentes os riscos próprios
das generalizações, na visão da Escola Desenvolvimen-
tista, eventuais pressões inflacionárias decorrentes
da expansão da demanda agregada – consumo, in-
vestimentos e exportações – seriam absorvidas pelos
aumentos de produção. O investimento privado esti-
mulado pelo avanço da demanda criaria a capacidade
produtiva requerida para viabilizar crescimento do PIB
até acima de 5%a.a. com estabilidade de preços. O in-
vestimento governamental deveria subir ocupando o
espaço da poupança fiscal para pagamento de juros da
dívida pública, isto é, do famigerado superávit primário.
Insuficiência de poupança? Isto não é restrição. A
poupança seria uma função crescente das oportuni-
dades lucrativas de investimento. Em outras palavras, o
investimento criaria sua própria poupança.
Carga tributária excessiva? A carga tributária não
atrapalha. Ela resulta de decisão tomada pela socie-
dade brasileira e consagrada na Constituição de 1988,
de colocar em marcha um projeto de redistribuição de
renda de longo prazo, representado pelo Sistema de
Seguridade Social – previdência e assistência mistura-
das – e pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Os progra-
mas de assistência às pessoas mais pobres, tipo Bolsa
Família, chegaram mais tarde, mas sob o mesmo enfo-
que de resgate da dívida social. Tudo isso atende aos
valores morais de construção de uma sociedade mais
igualitária e, portanto, mais justa, não se admitindo re-
trocessos.
O que atrapalha é a despesa de juros sobre a dívi-
da pública. Os juros elevados, além de desnecessários,
seriam contraproducentes. O aumento da produção
daria conta do crescimento da demanda sem tensões
inflacionárias. Juros altos colocam a economia numa
armadilha de equilíbrio perverso. Desestimulam o in-
vestimento e a exportação. Com a economia em mar-
cha lenta, a arrecadação tributária não sobe e cortes de
despesa são requeridos para pagar a elevada conta de
juros. A renda se concentra nas mãos dos rentistas e a
estagnação se instala.
No Banco Central estaria o reduto da Escola Neolibe-
ral Ortodoxa dentro do Governo Federal. Estes não têm
tanta certeza de que se está num ciclo econômico ex-
pansionista. Talvez seja uma bolha e logo se tenha que
Gráfico 1: Taxas de inflação (IPCA) em 12 meses
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voltar à mediocridade das taxas de crescimento entre 3
e 4% a.a. E isso já será muito bom, considerando que a
economia internacional pode se deteriorar. Olham com
desconfiança a marcha ascendente dos índices de pre-
ços ao longo de 2007 e se preocupam com a inflação.
Um conceito interessante de examinar é o de Pro-
duto Potencial, ou, mais precisamente, o da taxa po-
tencial de crescimento do PIB. Trata-se daquela taxa de
crescimento suportável pela economia sem pressões
inflacionárias ou desequilíbrios externos.
Há diferentes maneiras de estimar essa taxa potencial
de crescimento. Algumas mais sofisticadas e outras mais
simples. Uma forma prática consiste em levantar uma sé-
rie temporal do valor ou índice do PIB a preços constan-
tes. Tomam-se os logaritmos dos valores ou dos núme-
ros-índice ajustando-se uma reta aos dados observados,
que é a linha de tendência do PIB.3 Os altos e baixos ao
redor da reta de tendência representam as variações cícli-
cas. O coeficiente da variável tempo dessa reta será a taxa
de crescimento de longo prazo da economia, ou seja, a
taxa potencial de crescimento do PIB. Sendo x o índice
do PIB e t o tempo, temos, conforme os Gráficos 1 e 2:
, mas como , vem:
Daí vem:
É isso que está refletido nos gráficos. Os dados pri-
mários são do IBGE.4
A reta de tendência do Gráfico 2 é de médio prazo
,incorporando 46 trimestres ou 11 anos e meio. A taxa
de crescimento de longo prazo do PIB encontrada foi
de 0,62% ao trimestre, equivalente a 2,5%a.a.
3 A metodologia de estimação da taxa potencial de crescimento do PIB aqui apresentada segue estudo da OF Consultoria Econômica, conduzido pelo economista E. Felipe Ohana, de setembro de 2007, não publicado.
4 Série encadeada – Índice do PIB trimestral com ajuste sazonal – Base: média de 1995=100 (Tabela 6), disponível em:<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/pib/pib_vol_val_200702_6.shtm>.
Gráfico 2: Taxa de crescimento potencial do PIB – 2,5%a.a. (série longa – 11 anos e 2 meses).
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Entretanto, a série dos números-índice apresenta
uma quebra de estrutura no Iº trimestre de 2003, visível
no Gráfico 2. Até esse trimestre a tendência era nitida-
mente inferior à que se observa daí em diante, quando
o PIB ganha mais dinamismo. Isto se explicita no Gráfico
3, onde se partem os dados em dois períodos: um que
vai do Iº trimestre de 1996 até o Iº trimestre de 2003, e
outro, do IIº trimestre de 2003 até o segundo de 2007.
A taxa de crescimento potencial do primeiro perí-
odo seria de 0,46% por trimestre ou 1,85%a.a. e cor-
responde ao governo Fernando Henrique Cardoso. O
segundo que, coincidentemente, corresponde ao Go-
verno Lula, apresenta taxa potencial de crescimento de
0,97% ao trimestre, ou 3,9%a.a..
Passemos em revista opiniões recentemente vei-
culadas na imprensa especializada sobre a questão do
potencial de expansão do PIB brasileiro. O prof. Afonso
Celso Pastore, em entrevista ao jornal Valor (31 ago. e 1º
e 2 set. 2007, fl. A2) estimava que a taxa de crescimen-
to potencial do PIB se situaria no máximo em 4%a.a. Na
opinião do economista José Júlio Senna a taxa potencial
estaria hoje entre 4 e 4,2%a.a. (Valor, 19 set. 2007, fl. A2).
Assim, a taxa de crescimento potencial sugerida pelos
dados dos últimos quatro anos, de 3,9% (Gráfico 3), pare-
ce mais em linha com a opinião atual da profissão. Apesar
de refletir período muito curto para definir tendência, é
indiscutível que houve quebra de estrutura na série longa,
muito embora este novo dinamismo esteja basicamente
ligado às circunstâncias da conjuntura econômica inter-
nacional que favoreceram particularmente o Brasil.5
A Escola Neoliberal se preocupa em obedecer aos
limites do possível. Tentar crescer acima do potencial
gera desequilíbrios de balanço de pagamentos e in-
flação. O uso não controlado de poupança externa e o
financiamento inflacionário possibilitam eventualmen-
te um crescimento acima do potencial. Mas isto não se
sustenta de acordo com o pensamento ortodoxo, re-
querendo políticas intermitentes de ajuste que depri-
mem o crescimento trazendo-o abaixo do potencial.
Essa volatilidade da atividade econômica é preju-
dicial ao desenvolvimento de longo prazo introduzin-
do custos e viscosidades que anulariam os ganhos de
curto prazo. No balanço final de lucros e perdas, o País
ganharia com um crescimento menor, mas com baixa
Gráfico 3 Taxa potencial de crescimento do PIB (quebrando a série longa) 3,9%a.a. na série 2 e 1,85%a.a. na série 1
5 Não se pode tirar o mérito das políticas fiscal e monetária austeras do primeiro mandato do presidente Lula, que têm muito a ver com o proveito que o Brasil tem podido tirar de uma situação internacional amigável.
41
julho / setembro / 2007
volatilidade, evitando os espasmos de expansão segui-
dos de períodos de contração.
Isto significa administração da taxa de juros com-
patível com estabilidade monetária. Superávit primário
nos níveis requeridos para que a dívida pública convirja
a patamares sustentáveis contribuindo para reduzir a
taxa natural de juros.6
Aumentar a taxa de investimento requer, na visão
ortodoxa, mais poupança. Embora reconheça que
maiores oportunidades lucrativas de inversão estimu-
lam a poupança, a Escola Neoliberal postula que esse
estímulo não é suficiente para gerar todo o fluxo adi-
cional de poupança exigido por aumentos significati-
vos da taxa de investimento.
Por isso o Governo deve reduzir os gastos com pa-
gamentos de transferência7 e com despesas correntes,
aumentando a poupança para bancar seus investimen-
tos em formação de capital fixo ou para apoiar os inves-
timentos privados.
Em resumo, os economistas ortodoxos, mais pre-
ocupados com o equilíbrio interno e externo da eco-
nomia, orientam suas proposições de políticas eco-
nômicas no sentido de desobstruir os gargalos ao
desenvolvimento econômico de modo a aumentar
a taxa potencial de crescimento do PIB. Ao contrário
dos heterodoxos, que procuram contornar os entraves
ao crescimento com intervenções diretas no domínio
econômico, regulação e controles.
Em resumo, um economista desenvolvimentista
heterodoxo diria que o Brasil se encontra num ciclo de
prosperidade, não se trata de bolha, e pode crescer a
5%a.a. e até mais, bastando basicamente soltar as amar-
ras dos juros e dos superávits fiscais primários, além de
corrigir o câmbio valorizado.
Um neoliberal ortodoxo seria mais reservado no
seu prognóstico. Respeitadas as limitações do poten-
cial de crescimento do PIB, ao redor de 4%a.a. dada a
atual conjuntura econômica internacional, o ciclo seria
sustentável. Se a economia internacional se deterioras-
se esse teto viria para baixo. Se se mantivesse por mais
tempo haveria inclusive espaço para endividamento
externo novo e, portanto, para déficits do balanço de
pagamentos em transações correntes. Isto permitiria
crescimento mais acentuado, inclusive acima de 4%a.
a., durante um período de 3 a 4 anos, ou até mais.
O raciocínio aqui exposto mostra certo grau, até
surpreendente, de concordância entre as duas Escolas,
pelo menos no que concerne ao futuro imediato. Apa-
rentemente ninguém acha que o crescimento atual
reflita simples bolha. As divergências se situariam em
torno da velocidade de expansão suportável e das po-
líticas econômicas recomendáveis para maximizar o
crescimento e prolongar o ciclo expansionista.
Os ortodoxos temem que os heterodoxos compro-
metam o processo tentando puxar o crescimento aci-
ma do potencial com intensificação das políticas dis-
tributivas. Isso poderia determinar tensões inflacioná-
rias e cambiais que requereriam um novo processo de
ajuste, anulando os avanços que marcaram o segundo
mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso e
primeiro do presidente Lula, e que foram obtidos não
sem sacrifícios.
Já os heterodoxos temem que o Brasil não tire todo
o proveito possível do bom momento da economia in-
ternacional em função dos temores infundados dos or-
todoxos, com suas taxas de juros elevadas e preocupa-
ções exageradas com o equilíbrio fiscal intertemporal,
exigindo nova rodada de reformas, por exemplo, com
foco na área de seguridade social.
Carlos Eduardo de FreitasEx-diretor do Banco Central
6 Taxa de juros compatível com o máximo crescimento econômico sem tensões inflacionárias.
7 Pagamentos de transferência: seguridade social, aposentadorias e pensões de servidores públicos e programas tipo Bolsa Família. Gastos correntes: despesas de funcionamento do SUS (Sistema Único de Saúde), da educação, justiça, polícia, administração geral, etc. Excluem-se evidentemente os gastos com prédios, instalações, máquinas e equipamentos, para quaisquer das funções governamentais, tratados como investimentos.
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ArtigoIntrodução
A reforma tributária está novamente na pauta de
discussão. A nova proposta do governo inclui a moder-
nização e a simplificação do sistema tributário brasilei-
ro, mas não pretende reduzir a carga tributária. A pro-
posta de simplificação prevê a redução do número de
impostos com a agregação de alguns e contribuições
num conjunto menor de tributos que passam a ser de-
vido no local onde o produto ou o serviço é consumido
(princípio do destino) e não onde é produzido (princí-
pio da origem), como ocorre hoje.
Há consenso sobre a necessidade de alterações
profundas no sistema tributário brasileiro, em especial
sobre os pontos destacados na proposta. O diagnósti-
co é que o sistema tributário é complexo, ineficiente e
injusto, além de a carga tributária ser alta. Portanto, a
reforma deve simplificá-lo, reduzir sua carga tributária
e torná-lo menos regressivo. A dificuldade para avan-
çar na reforma está em como os atores (governos, em-
presários e trabalhadores) vêem esses objetivos, além
das divergências sobre alguns pontos específicos. “Na
prática, quando o Congresso começa a discutir os in-
teresses em conflito, o que era originalmente simples
se transforma num verdadeiro Frankenstein tributário
– pleno de exceções para atender a todos os pleitos – e
até a simplificação pretendida pode ir para o espaço”,
conforme destaca o professor Amir Khair em artigo no
Estadão.1
A mais importante controvérsia se refere à carga
tributária: a sociedade quer pagar menos imposto e os
governos querem ampliar sua arrecadação. Essa con-
trovérsia se amplia se olharmos com mais detalhe cada
ator: os empresários querem pagar menos impostos e
querem que os sonegadores e informais passem a pa-
gar imposto; os banqueiros não querem pagar impos-
to; os trabalhadores querem pagar menos impostos e
defendem que a “elite” e os banqueiros paguem mais
imposto; o governo federal, guardião da responsabilida-
de fiscal e do equilíbrio macroeconômico do país, não
quer perder arrecadação e nem ampliar a carga tribu-
tária e, portanto, não pretende repartir com os Estados
e Municípios uma fatia maior do bolo; os governos es-
taduais querem aumentar a arrecadação e têm como
alvo principal a ampliação da fatia da arrecadação tri-
butária, pressionando o governo federal com o poder
das bancadas no Congresso; os Municípios querem uma
fatia maior dos impostos, tem pouco poder de pressão
direta, mas atraem muitos defensores. Em síntese, são
objetivos quase inconciliáveis e se somam a muitos ou-
tros, como a preocupação dos Estados em não perder
o poder de decisão sobre o ICMS, a guerra fiscal, a rei-
vindicação de alguns governadores que querem reduzir
despesas obrigatórias pela Constituição para a saúde e
educação, reduzir os pagamentos de suas dívidas refi-
nanciadas com a União, aumentar o limite de endivida-
mento e apoio para aprovar a PEC 12/06 que representa
o calote nos pagamentos de precatórios, etc.
O problema da revisão na distribuição dos recursos
entre os entes federados é que qualquer renúncia de
receita do governo federal para os Estados, obriga-o,
para manter o equilíbrio fiscal, a aumentar a receita de
tributos no mesmo montante renunciado. Isso significa
mais aumento da carga tributária. Esta foi uma das
razões do crescimento extraordinário da arrecadação
nos últimos anos. Em 1996, a carga tributária era de 24,5%
Reforma tributáriaJosé Luiz Pagnussat
1 Jornal O Estado de São Paulo de 7 de maio de 2007.
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julho / setembro / 2007
do PIB e em 2006 alcançou 34,23% do PIB, aumento de
39,7% acima do crescimento da economia. Esse aumento
deu-se, basicamente, com as contribuições (PIS, Cofins,
CSLL, CPMF, etc), que não eram repartidas com os Estados,
gerando mais distorções no sistema tributário brasileiro.
As várias tentativas anteriores de reforma tributária
(pós-Constituição de 1988) fracassaram. Só foi aprovado
parcialmente o que garantia aumento da carga tributária.
A causa principal foi o conflito federativo. União, Estados
e Municípios querendo aumentar sua participação no
bolo tributário e não aceitando assumir nenhum risco
de perda de arrecadação com as mudanças. Em síntese,
houve uma piora significativa do sistema tributário, a
despeito do aumento da sua capacidade arrecadadora.
Este artigo pretende apresentar os principais aspectos
da proposta do governo e indicar alguns pontos que
mostram a urgência da reforma tributária.
Carga tributária elevada
O primeiro ponto é que a carga tributária brasileira
é elevada, penaliza o setor produtivo nacional e reduz a
competitividade de setores estratégicos da economia;
compromete o desenvolvimento do mercado de capitais,
fundamental para a mobilização de recursos para financiar
o desenvolvimento econômico; e gera distorções no
setor produtivo, ampliando a informalidade.
A redução da carga e a desburocratização são fun-
damentais para destravar uma das amarras do cresci-
mento econômico. O governo chegou a estabelecer o
compromisso de não elevar a carga tributária acima do
nível de 2002, que foi de 31,86% do PIB. Em 2003, o go-
verno cumpriu o teto, com a carga tributária de 31,46%,
entretanto, nos anos seguintes foi superior e crescente:
em 2004 foi de 32,22% do PIB; em 2005 foi de 33,38%;
e em 2006 atingiu o pico de 34,23 % do PIB. Para 2007,
estimativas que vêm sendo apresentadas por diversos
autores e entidades que estudam o assunto projetam a
carga tributária acima de 35% do PIB.
O alargamento da base de contribuição, certamen-
te, é uma das melhores alternativas para a redução dos
impostos. Hoje, algumas atividades e uma parcela da
população não paga imposto ou paga pouco, enquanto
que outra parcela de trabalhadores e empresários paga
muito imposto. A estimativa do Banco Mundial é que a
economia informal representa 39,8% do PIB brasileiro,
ou seja, de cada 100 reais de produto ou renda gerada
no país 40 é informal e quase não paga imposto. A carga
tributária da parcela da população que paga os impostos
se aproxima de 50% do PIB, considerando, além da eleva-
da economia informal, as exportações e outras isenções
e a grande massa de sonegadores.
A voracidade arrecadadora do Estado é relativamen-
te recente no Brasil. Nos últimos 10 anos, a carga tributá-
ria cresceu 10 pontos percentuais, em relação ao PIB. Se
considerarmos todo o período pós-Constituição (1988 a
2006), a arrecadação cresceu em torno de 8% do PIB. Nos
anos 80, a carga tributária se situou em torno de 22% do
PIB; nos anos 90 subiu para 26%; e, nos primeiros sete anos
da nova década, pulou para 32% do PIB, em média.
O grande aumento da carga tributária ocorreu na
vigência da atual política econômica. O esforço fiscal
de superávit primário de 4,5% do PIB foi obtido com
aumento de impostos. Cabe, ainda, observar que a ele-
vação dos impostos acabou pressionando os gastos
governamentais em razão das vinculações orçamentá-
rias, exigindo mais aumento de impostos para garantir
a meta de superávit primário.
O perfil da carga tributária, considerando a média de
2005 e 2006, mostra que a tributação da mão-de-obra foi
A carga tributária brasileira é elevada, penaliza o setor
produtivo nacional e reduz a competitividade
de setores estratégicos da economia; compromete o desenvolvimento do mercado de capitais,
fundamental para a mobilização de
recursos para financiar o desenvolvimento
econômico.
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de 8,5% do PIB, superior à tributação sobre a renda de
7% do PIB e do patrimônio, de apenas 1,1% do PIB. A tri-
butação sobre bens e serviços é de 17% do PIB, com cres-
cimento acima de 60% em 10 anos, sendo que a grande
parte desse crescimento ocorreu via tributos cumulati-
vos, com multiincidência, sobre uma mesma operação, o
chamado “efeito cascata”, implicando a incidência de um
imposto sobre o outro. A tributação sobre bens e servi-
ços no Brasil ultrapassou a arrecadação dos países ricos,
revelando a sobrecarga tributária sobre a produção. A
tributação sobre a renda, entretanto, tem espaço para
aumentar, pois é bem inferior à dos países ricos.
Na União Européia, a arrecadação média do Impos-
to de Renda é de 13,2% do PIB, sendo 9,8% IRPF e 3,4%
IRPJ. As alíquotas máximas médias dos 19 países são de
40,9% no IRPF e 28,9% no IRPJ, indicando que os que
ganham mais pagam alíquotas muito maiores do que
as praticadas no Brasil.
O problema do sistema tributário brasileiro está,
ainda, na desigual distribuição dos tributos entre os di-
versos setores da sociedade, na elevada participação
das contribuições na arrecadação tributária e no alto
índice de evasão fiscal, confirmando a chamada “cur-
va de Laffer”, que previa que as receitas tributárias reais
inicialmente crescem à medida que a taxa marginal de
tributação cresce, alcançam um ponto máximo e, subse-
qüentemente, declinam com outros incrementos na taxa
marginal de tributação, além do suportável pela econo-
mia. A elevação da informalidade e o grande número de
trabalhadores sem carteira assinada, são, também, uma
conseqüência dessa carga tributária elevada.
A distribuição da carga tributária penaliza os trabalha-
dores com a grande participação dos impostos indiretos
e se concentra na atividade produtiva, tanto na tributação
da produção como na tributação do trabalho. A proprie-
dade, os bancos e os demais setores de serviços são privi-
legiados. Penaliza as famílias mais pobres. Em 2004, a carga
tributária direta e indireta sobre a renda total das famílias
representava 48,8% do orçamento das famílias com renda
de até 2 salários mínimos e apenas 26,3% do orçamento
das famílias com mais de 30 salários mínimos.
A Tabela 1 apresenta os principais tributos por compe-
tência de arrecadação, com destaque para o grande nú-
mero de tributos de competência da União, arrecadados
pela Receita Federal. O principal tributo Federal é o Impos-
to de Renda, que, em 2006, arrecadou R$ 136,8 bilhões, o
equivalente a 5,89% do PIB; seguido da Contribuição para
a Previdência Social, com R$ 123,5 bilhões (5,32% do PIB);
e da Cofins, com R$ 90,6 bilhões (3,90% do PIB). O impos-
to de maior arrecadação brasileira é o ICMS com R$ 171,7
bilhões (7,39% do PIB), de competência dos Estados. E o
principal Imposto dos Municípios é o ISS com R$ 15,3 bi-
lhões (0,66% do PIB).
A arrecadação total de 2006 foi de R$ 795 bilhões. O
aumento nominal da arrecadação em 2006 foi 10,88%,
que representou R$ 78 bilhões a mais nos cofres públicos,
em relação a 2005. O aumento verificado na carga tributá-
ria foi de 0,85 ponto percentual do PIB, ou 2,55% de cres-
cimento acima do crescimento do PIB.
A CT continua crescendo....
A previsão para este ano de 2007, mantidas as
tendências de arrecadação até agosto para a União e
até julho para Estados e Municípios, conforme simulação
do professor Amir Khair, terá crescimento de 1,2 pontos
percentuais, passaria de 34,2% do PIB em 2006, para
35,4% em 2007. A União é a principal responsável pelo
crescimento da arrecadação deste ano (93,8%). Os
destaques são para o Imposto de Renda e Previdência
A distribuição da carga
tributária penaliza os
trabalhadores, com a
grande participação
dos impostos indiretos
e se concentra na
atividade produtiva,
tanto na tributação
da produção como na
tributação do trabalho.
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Tributo 2005 2006
R$ milhões % PIB % R$ milhões % PIB %
Total da Receita Tributária 716.972,73 33,38 100,00 795.011,09 34,23 100,00
Tributos do Governo Federal 499.401,21 23,25 69,65 551.619,68 23,75 69,39
Orçamento Fiscal 165.169,01 7,69 23,0 182.351,85 7,85 22,94
Imposto de Renda 124.473,62 5,80 17,4 136.839,81 5,89 17,21
Pessoas Físicas 6.920,76 0,32 0,97 7.994,38 0,34 1,01
Pessoas Jurídicas 48.512,43 2,26 6,77 53.818,42 2,32 6,77
Retido na Fonte 69.040,42 3,21 9,63 75.027,00 3,23 9,44
Imposto sobre Produtos Industrializados 25.199,50 1,17 3,51 28.223,97 1,22 3,55
Imposto sobre Operações Financeiras 5.948,64 0,28 0,83 6.734,25 0,29 0,85
Impostos sobre o Comércio Exterior 8.936,37 0,42 1,25 9.934,65 0,43 1,25
Imposto Territorial Rural 287,59 0,01 0,04 302,44 0,01 0,04
Impostos Prov. sobre Mov. Financeira 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
Taxas Federais 323,30 0,02 0,05 316,74 0,01 0,04
Orçamento Seguridade Social 282.622,83 13,16 9,42 310.462,20 13,37 39,05
Contribuição para a Previdência Social 108.089,06 5,03 15,08 123.520,20 5,32 15,54
Cofins 86.840,84 4,04 12,11 90.585,04 3,90 11,39
Contribuição Prov. sobre Mov. Financeira 29.147,72 1,36 4,07 32.057,93 1,38 4,03
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido 23.874,43 1,11 3,33 25.840,51 1,11 3,25
Contribuição para o PIS 18.587,41 0,87 2,59 20.015,98 0,86 2,52
Contribuição para o Pasep 2.862,56 0,13 0,40 3.578,52 0,15 0,45
Contribuição do Servidor Público 10.433,40 0,49 1,46 11.996,84 0,52 1,51
Outras Contribuições Sociais 2.787,40 0,13 0,39 2.867,17 0,12 0,36
Demais 51.609,36 2,40 7,20 58.805,62 2,53 7,40
Contribuição para o FGTS 32.247,88 1,50 4,50 36.505,40 1,57 4,59
Cide Combustíveis 7.682,72 0,36 1,07 7.821,54 0,34 0,98
Outras Contribuições Econômicas 1.375,85 0,06 0,19 1.906,98 0,08 0,24
Salário Educação 5.906,35 0,27 0,82 6.965,41 0,30 0,88
Contribuições para o Sistema S 4.396,57 0,20 0,61 5.606,29 0,24 0,71
Tributos do Governo Estadual 187.678,54 8,74 26,18 209.424,64 9,02 26,34
ICMS 154.818,41 7,21 21,59 171.668,62 7,39 21,59
IPVA 10.497,08 0,49 1,46 12.418,74 0,53 1,56
ITCD 794,55 0,04 0,11 940,74 0,04 0,12
Taxas Estaduais 3.458,45 0,16 0,48 3.855,90 0,17 0,49
Previdência Estadual 14.579,52 0,68 2,03 16.724,50 0,72 2,10
Outros 3.530,53 0,16 0,49 3.816,15 0,16 0,48
Tributos do Governo Municipal 29.892,99 1,39 4,17 33.966,77 1,46 4,27
ISS 12.891,93 0,60 1,80 15.327,17 0,66 1,93
IPTU 9.248,27 0,43 1,29 9.943,15 0,43 1,25
ITBI 1.852,53 ,09 0,26 2.134,20 0,09 0,27
Taxas Municipais 2.831,95 0,13 0,39 3.079,38 0,13 0,39
Previdência Municipal 2.970,28 0,14 0,41 3.407,28 0,15 0,43
Outros Tributos 98,02 0,00 0,01 75,59 0,00 0,01
Tabela 1: Receita Tributária por Tributo e Competência – 2005 e 2006
Fonte: Secretaria da Receita Federal.
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Social, que respondem por 56,1% do crescimento da
carga tributária. A tendência para 2008 é de continuidade
no crescimento da arrecadação, caso não se efetive a
intenção do governo de desonerar a folha de pagamento,
a implementação efetiva do Simples Nacional, correção
da tabela do IRPF, desoneração de setores estratégicos e
incentivos fiscais para os setores afetados pela defasagem
cambial. O governo sinaliza, ainda, com a possibilidade de
redução das alíquotas de tributos que sejam mais eficazes
para estimular o crescimento e a geração de emprego.
O “conflito federativo”...
A distribuição da carga tributária não favorece o
pacto federativo, a União detém a maior fatia do bolo.
Em 2006 ficou com 57,3% da arrecadação, os Estados
com 25,3% e os Municípios com 17,4%, pelo conceito
de receita disponível para cada nível de governo após
as transferências correntes entre os três entes federados.
O IBGE estima que a receita disponível para os Estados e
Municípios é maior, considerando todas as transferências.
A média dos cinco primeiros anos da década foi: União
(50,5%), Estados (29,1%) e Municípios (20,4%). Em relação
à competência de arrecadação, a concentração na União
é maior: os tributos da União foram responsáveis, em
2006, por 69,39% da arrecadação; os Estados, 26,34%; e
os Municípios, 4,27%.
Burocracia fiscal
O caos tributário, certamente, é o problema mais
urgente para ser atacado, pois não se constrói um am-
biente favorável para fazer negócios e desenvolver o
país com o atual sistema fiscal, que está entre os mais
complexos e onerosos do mundo. São dezenas de milha-
res de normas, algumas pouco claras, e grande número
de impostos, taxas e contribuições. Não é fácil entender
as regras e os impostos devidos.
Um dos pontos fundamentais da proposta do governo
se refere à simplificação da legislação tributária brasileira e
a redução do número de impostos, taxas e contribuições.
A forma complexa como os impostos são cobrados
constitui restrição importante para a formalização de
grande parte das atividades informais. Certamente, a
maioria dos pequenos e médios empresários e até alguns
grandes empresários enfrentam dificuldades para saber
quais impostos e como devem pagar.
O Brasil tem o mais elevado custo do mundo de ad-
ministração tributária das empresas. Estudos indicam
que o custo das empresas para gerenciar o pagamento
de tributos no Brasil pode chegar a até 5% do faturamen-
to. Os pequenos empresários são obrigados a contratar
profissionais, escritórios especializados em administra-
ção tributária, contadores etc., para pagar os impostos.
Os sonegadores encontram campo fértil para “burlar” as
complexas normas e não pagar o imposto, enquanto, o
“bom” contribuinte, dada a incerteza, paga indevidamen-
te, além do necessário. E, mesmo assim, fica à mercê de
cometer alguma irregularidade e, em conseqüência, so-
frer multas, sem poder recorrer, pois tal iniciativa implica
em duplicação ou triplicação da multa. A lógica da bu-
rocracia tributária brasileira não é aplicar corretamente
a cobrança de impostos, mas sim arrecadar mais e mais,
pois isso implica aumento de salário dos fiscais.
Um dado sobre burocracia fiscal, apresentado pelo
Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT)
impressiona: a cada 26 minutos surge uma nova norma
tributária. O estudo contabilizou o total de normas criadas
desde a promulgação da atual Constituição, em 1988, até
outubro de 2004. Em média, a cada dia útil, surgem 56
novas regras de impostos no país. O estudo do IBPT ilustra
ainda que, no âmbito federal, entre 1988 e 2004, nasceram
127.338 novas regras, o que corresponde a uma nova
A forma complexa como os impostos são cobrados constitui
restrição importante para a formalização das atividades
informais. Certamente, a maioria dos pequenos e médios
empresários e até alguns grandes empresários enfrentam
dificuldades para saber quais impostos e como devem pagar.
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norma tributária a cada 40 minutos. Esses dados mostram
a urgência da necessidade de simplificação da legislação
tributária brasileira.
Segundo o Relatório do Banco Mundial de 2006: Doing
Business, o Brasil é um dos piores países do mundo para
se fazer negócio. Entre os diversos itens analisados, a pior
classificação do Brasil está no pagamento de impostos
(151ª), dada a pesada carga tributária e as complexidades
administrativas envolvidas no pagamento dos impostos.
Em 2007 melhorou um pouco esse quesito, passando para
a posição 137. Isso de deve à queda do número de paga-
mentos de impostos por ano, que segundo o Banco caiu
de 23 para 11. Segundo o Relatório, uma empresa pode
chegar a pagar 72% de seus lucros em tributos e levar
2.600 horas por ano para atender às exigências burocráti-
cas dos governos federal, estadual e municipal no Brasil.
O Relatório de 2006 compara, para dez itens, o grau
de facilidade para se realizar negócios e atividades em-
presariais em 175 países e o Brasil está na 121ª posição.
Em 2007, com 178 países analisados o Brasil passou para a
122ª posição, ficando à frente de apenas 4 países da Amé-
rica Latina: Equador, Bolívia, Haiti e Venezuela. O estudo
analisa o prazo, custo e facilidade para dez itens: além do
pagamento de impostos, a abertura de empresas, o regis-
tro de propriedade, crédito, licenças, contratação de em-
pregados, proteção do investidor, cumprimento de con-
tratos e o fechamento do negócio. Para todos esses itens,
o Brasil está entre os piores lugares para fazer negócio,
muito distante dos países ricos e em desenvolvimento e
atrás da maioria dos países da América Latina. Leva-se no
Brasil 152 dias para abrir uma firma, enquanto na Argenti-
na bastam 32 dias e nos EUA apenas 5 dias. Esse número
só é melhor do que o de três países: Congo, Guiné-Bissau
e Suriname. Para uma empresa fazer cumprir um contrato
leva-se 1.473 dias. A conclusão do estudo é que os empre-
endedores passam mais tempo atendendo a burocracia
dos governos do que administrando os seus negócios.
No relatório de 2007, entre os aspectos negativos, o
Brasil aparece como um dos países com custos traba-
lhistas não relacionados a salários mais altos – o por-
centual é de 37%. Considerando cada critério, o Brasil
tem as seguintes colocações: é o 137º na questão dos
pagamentos de impostos; 131º para o encerramento
de negócios; 122º em facilidade para se iniciar um ne-
gócio; o 119º quando a questão é contratação de fun-
cionários; o 110º no registro de propriedades; o 107º na
negociação de licenças; 106º na execução de contratos;
93º em negociação entre fronteiras; 84º para obtenção
de crédito; e 64º na proteção ao investidor.
Em síntese, os empresários têm razão sobre a alta
carga tributária e a excessiva burocracia. O problema é
que os governos não querem abrir mão de arrecadação,
nem há uma avaliação precisa do custo/benefício (tri-
butário) da maioria dessas taxas e exigências burocráti-
cas que constituem barreira quase intransponível para
os pequenos empreendedores, que não têm condições
de pagar todas essas taxas e impostos, permanecendo
na informalidade. Este impasse teve um avanço impor-
tante com a aprovação, no final de 2006, da Lei Geral de
Micro e Pequenas Empresas, que simplificou os trâmites
burocráticos; unificou o registro (único local); reduziu
as alíquotas de impostos e unificou a arrecadação com
o “simples geral”, que engloba os impostos federais, es-
taduais e municipais; além de outras medidas que irão
facilitar a operação das micro e pequenas empresas e
atrair para a formalidade um grande número de peque-
nos empreendimentos. Este aumento da formalização
dos negócios no Brasil vai ampliar a base de arrecada-
ção e possibilitar a redução das alíquotas de impostos,
sem que o governo tenha perda na arrecadação.
O Brasil é o 137º na questão dos pagamentos de impostos; 131º para o
encerramento de negócios; 122º em facilidade iniciar um negócio; 119º quando a questão é contratação de funcionários; 110º no
registro de propriedades; 84º para obtenção de crédito; e
64º na proteção ao investidor.
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A intenção do governo
A proposta de reforma tributária preparada pelo
governo parte de um diagnóstico que, em síntese,
apontou que as principais distorções do sistema tribu-
tário brasileiro estão relacionadas aos tributos indiretos
sobre bens e serviços e se referem à complexidade e à
falta de neutralidade dos tributos, cuja principal conse-
qüência é o entrave ao desenvolvimento econômico.
Em relação à complexidade do sistema tributário
foram destacados dois aspectos: a multiplicidade de
legislações e competências tributárias, no caso da União
(PIS, Cofins, IPI, CIDE-combustíveis, etc.), Estados (ICMS) e
Municípios (ISS); e a multiplicidade de alíquotas e bases
de cálculo aplicáveis aos diversos tributos. Já em relação
à inexistência de neutralidade, o diagnóstico apontou os
problemas de incidências cumulativas, os defeitos das
incidências sobre o comércio exterior e a guerra fiscal.
Em relação aos tributos federais, as principais distor-
ções destacadas foram: a multiplicidade de tributos e
regimes de tributação sobre bens e serviços (PIS, Cofins,
IPI, CIDE-combustíveis, etc.); a sobreposição dos regimes:
cumulativo e não cumulativo (PIS/ Cofins), que prejudi-
ca a neutralidade e a alocação eficiente dos recursos; e o
ônus nas cadeias produtivas, no caso da CIDE-combustí-
veis que não confere crédito à produção.
As distorções na tributação do comércio exterior se re-
ferem ao favorecimento das importações em detrimento
da produção nacional, uma vez que os Estados têm con-
cedido uma série de benefícios fiscais para importações,
dado que, na importação, o ICMS pertence ao Estado
destinatário da importação. Um exemplo, é a dificulda-
de que o vinho de grande parte das pequenas vinícolas
do Rio Grande do Sul enfrenta para ingressar em alguns
mercados (Brasília, Belo Horizonte etc.), mesmo sendo de
melhor qualidade e mais baratos que os vinhos importa-
dos, que inundam esses mercados. Em Brasília, é mais fácil
importar um produto do que comprar produto equiva-
lente, e mais barato, no entorno do DF. O segundo ponto
se refere às dificuldades para desonerar as exportações
em função do acúmulo de créditos pelos exportadores.
Isto porque, via de regra, parte dos créditos do ICMS dos
insumos das exportações trata-se de imposto arrecada-
do a outros Estados e o Estado do exportador reluta em
dar aproveitamento aos créditos acumulados.
Outra distorção é a dificuldade de desoneração dos
investimentos, em especial no caso do ICMS e PIS/Cofins,
dado o longo prazo de apropriação dos créditos. No caso
do ICMS, o que dificulta, também, a desoneração dos in-
vestimentos em máquinas e equipamentos é a incidên-
cia do ônus do ICMS no Estado que recebe os investi-
mentos, sendo que, em geral, é pago a outro Estado.
Na avaliação do governo, estas distorções nos tribu-
tos sobre bens e serviços têm como principais conse-
qüências: desestímulo aos investimentos produtivos;
insegurança jurídica; inexistência de neutralidade no
comércio exterior, em prejuízo da produção nacional;
alto custo de cumprimento das obrigações tributárias;
impacto negativo sobre a competitividade; e elevado
nível de sonegação e elisão.
A partir desse diagnóstico o governo estabeleceu
como principais objetivos da reforma tributária: insti-
tuir um sistema de tributos indiretos neutro e simples,
racionalizando o sistema tributário e elevando a eficiên-
cia econômica; desonerar os investimentos produtivos;
eliminar as distorções do comércio exterior que preju-
dicam a produção nacional, desonerando as exporta-
ções e conferindo tratamento isonômico às importa-
ções; simplificar e desburocratizar, reduzindo os custos
de cumprimento das obrigações tributárias; eliminar as
distorções que prejudicam os investimentos; e ampliar
As principais distorções do sistema tributário
brasileiro estão relacionadas aos tributos indiretos
sobre bens e serviços e se referem à complexidade e à falta de neutralidade
dos tributos, cuja principal conseqüência é o entrave ao desenvolvimento econômico.
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a base de contribuintes, reduzindo a informalidade.
Uma novidade da proposta de reforma tributária
que o governo propõe é a implantação da nota fiscal
eletrônica. A intenção é a integração dos fiscos com a
nota fiscal eletrônica, cadastros sincronizados e Siste-
ma Público de Escrituração Digital (SPED). Na avaliação
do governo, a base de dados resultante da nota fiscal
eletrônica cria condições para calibrar adequadamente
as novas alíquotas e para estimar com precisão o im-
pacto das mudanças para cada ente federado. Permite,
ainda, equacionar os acúmulos de créditos, mediante
a criação de uma “câmara de compensação” entre em-
presas. A expectativa é que com a nota fiscal eletrônica
haja redução da sonegação fiscal e ampliação da recei-
ta, dada a ampliação da base e o fim da guerra fiscal en-
tre os Estados, abrindo-se espaço para a racionalização
da estrutura tributária e para a redução de alíquotas.
A intenção do governo federal é transformar os atu-
ais tributos federais (PIS, Cofins, IPI e CIDE-combustível)
em apenas um Imposto sobre Valor Adicionado Federal
(IVA-F), e os atuais impostos estaduais (ICMS) e, eventu-
almente, municipais (ISS) em um único Imposto sobre
Valor Adicionado Estadual (IVA-E), que seria implanta-
do gradativamente observando o princípio do destino.
Esses impostos, em 2006, representaram 42,41% da
arrecadação total ou 14,52% do PIB, para uma carga tri-
butária total de 34,23% do PIB.
A principal característica dos novos IVA é a unifor-
midade nacional. Está prevista uma lei complementar
única e regulamentação nacional do IVA, a exemplo do
Simples Nacional. O IVA-E terá como princípio a cobran-
ça no Estado de destino. As alíquotas do IVA-F serão es-
tabelecidas por lei federal e as do IVA-E por lei estadual.
Os Estados teriam autonomia na fixação de alíquotas
dentro de parâmetros definidos nacionalmente.
Os avanços propostos são inquestionáveis e possíveis
de se construir um consenso, mas há, ainda, pontos para
avançar. As boas novidades incluem a modernização
do Sistema Tributário Brasileiro; a busca de eficiência
econômica, com a eliminação de distorções; redução do
número de tributos e a simplificação, fundamental para
mudar a caótica e dispendiosa estrutura tributária vigente;
e a cobrança do ICMS no destino, com o IVA-E.
Por outro lado, a proposta do governo não prevê
redução da carga tributária, amplamente reivindicada
pelos empresários e trabalhadores, entretanto, a CT
poderá ser menor para esses segmentos da sociedade,
dada a ampliação da base de arrecadação, redução da
sonegação e a modernização do sistema.
Distribuição das receitas ...
Não haverá alteração na distribuição das receitas
disponíveis entre a União, Estados e Municípios. Nesse
aspecto, da distribuição da receita entre os entes fede-
rados, a proposta inclui, também, o Imposto de Renda
(IR) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Portanto, a reforma impacta em 62,87% da receita tribu-
tária (21,52% do PIB), considerando-se a arrecadação de
2006. Estes dois tributos deverão ser fundidos num só
imposto. A Tabela 2 apresenta uma simulação da distri-
buição das receitas com base na previsão de arrecada-
ção de 2007, que aponta para uma carga tributária acima
de 35% do PIB. A simulação da distribuição pós-reforma
tributária inclui, também, o ISS no IVA-E. A estimativa de
distribuição desses tributos está em torno dos seguin-
tes percentuais: União (46,77%), Estados (32,56), Municí-
pios (19,61) e Fundos Constitucionais (1,06).
A intenção do governo federal é transformar os atuais tributos federais (PIS, Cofins, IPI e CIDE-
combustível) em apenas um Imposto sobre Valor
Adicionado Federal (IVA-F), e os atuais impostos estaduais
(ICMS) e, eventualmente, municipais (ISS) em um
único Imposto sobre Valor Adicionado Estadual (IVA-E).
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Essa distribuição dos impostos poderá sofrer altera-
ção significativa com base na consolidação dos dados
da nota fiscal eletrônica, que permitirá avaliar melhor o
potencial de arrecadação dos novos impostos e o im-
pacto da desoneração tributária.
Controvérsias
Um dos pontos controversos da proposta do IVA
são as novas alíquotas, pois, para manter a arrecadação,
deverão ser bem maiores que as atuais do ICMS, IPI, PIS,
Cofins e CIDE. Alguns autores alertam para a necessida-
de de alíquota de 38% a 40%, o que pode aumentar a
informalidade e a sonegação. Hoje, a alíquota mais co-
mum do ICMS é entre 17% e 18%.
O professor Amir Khair simulou as novas alíquotas,
considerando a média de arrecadação do ICMS nos últi-
mos três anos. O resultado indicou que a arrecadação do
ICMS correspondeu a 52,7% do novo IVA, o que implica-
ria um acréscimo nas alíquotas atuais de 89,7%. Assim,
a alíquota mais comum de 18% teria que passar para
34,2% e as alíquotas mais elevadas usadas nas contas
telefônicas e de energia elétrica de 25% ou 30%, teriam
que passar respectivamente para 47,4% e 56,9%.
Na verdade, o que vai ocorrer é dar transparência
para as reais alíquotas que estão sendo pagas na soma
dos tributos atuais. O risco é o efeito psicológico e com
ele a sonegação e inadimplência; entretanto, a moder-
nização do sistema de arrecadação – com a adoção da
nota fiscal eletrônica, cadastros sincronizados e Siste-
ma Público de Escrituração Digital (SPED) – tem gran-
de probabilidade de sucesso na simplificação pretendi-
da com a reforma. Tal medida será introduzida ainda no
atual sistema tributário e possibilitará maior nitidez nas
previsões de arrecadação.
Vantagens e desvantagens ...
Pode-se afirmar que todos os impostos possuem
vantagens e desvantagens e que nenhum tributo é
totalmente neutro, seja ele cumulativo ou sobre va-
lor agregado. Qualquer tributo introduz distorções na
economia. Entretanto, predominam os argumentos de
que o IVA tem vantagens em relação aos impostos atu-
almente existentes no Brasil. Certamente, ele introduz
menos alterações nos preços da economia, mas tam-
bém está claro que nos setores oligopolizados tais van-
tagens tendem a não ser tão evidentes.
Alguns pontos precisam ser melhor avaliados, consi-
derando que sendo o IVA um imposto indireto que inci-
dente sobre as etapas do processo produtivo, ele garan-
te a progressividade desejada? Desonera a produção?
Possibilita maior simplicidade? Reduz a evasão? etc.
Estados produtores perdem ...
No caso do ICMS, o tributo a sofrer a maior alteração
e que responde por mais de 83% da arrecadação dos
Estados, há uma preocupação sobre o impacto na arre-
cadação do IVA-E sobre os “Estados produtores”, dada a
Tabela 2: Simulação da Distribuição da Arrecadação entre os Entes Federados (%)
TributosSituação Atual Reforma Tributária
U E M F Novos U E M F
IR 52,00 21,50 23,50 3,00IR+CSLL 59,78 18,02 19,69 2,51
CSLL 100 - - -
IPI 42,00 29,00 26,00 3,00
IVA-F 87,65 6,47 5,30 0,58COFINS 100 - - -
PIS 100 - - -
CIDE- Combustíveis 75,00 18,75 6,25 -
ICMS - 75,00 25,00 -IVA-E - 68,66 31,34 -
ISS - - - 100
Total 46,77 32,56 19,61 1,06 46,77 32,56 19,61 1,06
Fonte: Secretaria da Receita Federal e Amir Khair (U=União; E=Estados; M=Municípios; F=Fundos).
51
julho / setembro / 2007
mudança na cobrança do imposto que passa a ser no
destino, onde o produto é consumido, e não mais na
origem, ou seja, onde o produto é produzido.
Dados elaborados pelo Confaz mostram que os Es-
tados do Sudeste foram responsáveis por 55,4% da ar-
recadação em 2006, entretanto, houve uma queda na
participação da região nos últimos dez anos. Em 1997
a arrecadação da região era de 60,5% do total. A queda
foi mais acentuada no Estado de São Paulo, passou de
39,5% para 33,8%. Os Estados do Nordeste tiveram cres-
cimento na participação de 13,1 para 14,7%. A região Sul
teve a sua fatia ampliada no ICMS de 14,9% para 15,9%.
A região Norte passou de 0,8 para 1,1%. Portanto, hou-
ve uma mudança na distribuição regional do ICMS, com
destaque para a queda da participação de São Paulo,
histórico adversário da mudança na cobrança do ICMS.
Hoje, aparentemente o impacto da mudança não é sig-
nificativo. O problema é que as estatísticas sobre as ven-
das entre Estados não são confiáveis e a incerteza pro-
duz adversários da alteração onde não deveria ocorrer.
Certamente, será necessário criar um fundo de
compensação na União, como ocorre com a Lei Kandir,
Gráfico 1: Distribuição do ICMS por Estado - 2006
Fonte: STN.
Fonte: STN
Gráfico 2: Arrecadação do ICMS de Comunicações, Energia Elétrica e Combustíveis % médio de 2000 a 2005
52
Rev
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a
para garantir aos Estados a manutenção da receita real
do ICMS, durante o período de transição do sistema atual
para o novo.
A experiência da União Européia mostrou na prática a
dificuldade de implantação da idéia de mercado interno
comunitário com a abolição de todo tipo de fronteira
(física, técnica e fiscal). A discussão iniciou-se em 1982, para
início do regime transitório em 1992 com a cobrança do
IVA para, inicialmente, solucionar o problema da abolição
das fronteiras fiscais e caminhar para formas superiores
de integração. A dificuldade é encontrar mecanismos
adequados que substituam os controles fronteiriços.
Outro problema da União Européia é que persiste a
diferença de alíquotas entre os Estados membros. Aliás
esse é um ponto importante que precisa ser analisado
com cuidado, pois certamente será justa a existências de
tarifas diferenciadas, dadas as diferenças regionais e locais
no país e a instabilidade na oferta e no abastecimento de
determinados bens e serviços.
Apesar das dificuldades e da longa fase transitória, a
União Européia é hoje, do ponto de vista tributário, uma
região sem fronteiras quando comparada com o Brasil.
O comércio de bens entre os Estados brasileiros é mais
restritivo do que entre os Estados europeus.
Blue-chips tributários ...
A arrecadação de ICMS sobre energia, comunicações
e combustíveis teve participação média de 41% sobre o
total, no período 2000 a 2005. Para a maioria dos Esta-
dos, a participação destes produtos e serviços tem peso
importante na arrecadação. Aparentemente, a depen-
dência dessas bases de arrecadação não tem uma razão
clara que possa se aplicar para todos os estados. Tanto
os mais pobres como os mais ricos, em sua maioria, têm
participação na arrecadação do ICMS. Entretanto, para
quatro Estados essa participação é bem menor (AM, SE,
RN e AL), outros quatro estão numa posição intermedi-
ária (ES, PB, SP e MS) e dois tem nesse três itens mais de
50% da arrecadação de ICMS (MA e PR).
Considerações finais
Este artigo teve uma pretensão tímida de mostrar
as principais medidas do projeto de reforma tributária
em discussão e algum indicadores que são importantes
para o avanço do projeto. São muitas as dificuldades a
serem enfrentadas num processo de reforma tributária,
mesmo quando aparentemente há consenso sobre os
pontos propostos.
Neste sentido, é fundamental a mobilização da socie-
dade brasileira, em especial dos acadêmicos, das entida-
des organizadas representativas de segmentos da socie-
dade e a mídia, para influenciar na agenda e na definição
dos pontos que representam avanços importantes na
solução do caos tributário que vive o país. O Congresso
Nacional e os governos Federal, Estaduais e Municipais
precisam, com urgência, construir consensos que permi-
tam aprovar um novo sistema tributário e fiscal para o
País, menos complexo e mais justo.
O diagnóstico foi o primeiro passo dado que aponta
os principais problemas, e, em síntese, indica que o siste-
ma é injusto, complexo, há excessiva quantidade de tri-
butos e alíquotas, onera a produção, dificulta a vida das
empresas, etc. O passo difícil é construir o consenso para
a reforma necessária, dado o conflito federativo e dada
a dificuldade de aceitação dos governos para a redução
da carga tributária, em razão da necessidade do ajuste
fiscal e dos investimentos em infra-estrutura e em pro-
gramas sociais demandados pela população.
José Luiz PagnussatConselheiro do Corecon-DF e ex-presidente do
Conselho Federal de Economia e da ANGE
Não quebre a corrente!
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