2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... ·...

52
2 a edição | Nead - UPE 2010

Transcript of 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... ·...

Page 1: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

2a edição | Nead - UPE 2010

Page 2: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)Núcleo de Educação à Distância - Universidade de Pernambuco - Recife

Silva, Angela Valéria Alves da Letras: Prática de Ensino III/Angela Valéria Alves da Silva. - Recife: UPE/NEAD, 2009.

52 p.

ISBN 978-85-7856-052-3

1. Prática de Ensino 2. Ensino da Gramática 3. Didática - Ensino da Gra mática 4. Educação à Distância I. Universidade de Pernambuco, Núcleo de Educação à Distância II. Título

S586l

CDD 372.61

Page 3: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

Impresso no Brasil - Tiragem 150 exemplaresAv. Agamenon Magalhães, s/n - Santo AmaroRecife - Pernambuco - CEP: 50103-010Fone: (81) 3183.3691 - Fax: (81) 3183.3664

Reitor

Vice-Reitor

Pró-Reitor Administrativo

Pró-Reitor de Planejamento

Pró-Reitor de Graduação

Pró-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa

Pró-Reitor de Extensão e Cultura

Prof. Carlos Fernando de Araújo Calado

Prof. Reginaldo Inojosa Carneiro Campello

Prof. José Thomaz Medeiros Correia

Prof. Béda Barkokébas Jr.

Prof.ª Izabel Cristina de Avelar Silva

Prof.ª Viviane Colares S. de Andrade Amorim

Prof. Álvaro Antônio Cabral Vieira de Melo

UNIVERsIDADE DE PERNAmbUCo - UPE

NEAD - NÚCLEo DE EDUCAÇÃo A DIsTÂNCIA

Coordenador Geral

Coordenador Adjunto

Assessora da Coordenação Geral

Coordenação de Curso

Coordenação Pedagógica

Coordenação de Revisão Gramatical

Administração do Ambiente

Coordenação de Design e Produção

Equipe de design

Coordenação de suporte

EDIÇÃo 2010

Prof. Renato Medeiros de Moraes

Prof. Walmir Soares da Silva Júnior

Prof.ª Waldete Arantes

Prof.ª Silvania Núbia Chagas

Prof.ª Maria Vitória Ribas de Oliveira LimaProf.ª Patrícia Lídia do Couto Soares LopesProf.ª Anahy Zamblano

Prof.ª Angela Maria Borges CavalcantiProf.ª Eveline Mendes Costa Lopes.

José Alexandro Viana Fonseca

Prof. Marcos Leite Anita SousaGabriela CastroRodrigo SoteroRomeu Santos

Adonis DutraAfonso BioneProf. Jáuvaro Carneiro Leão

Page 4: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando
Page 5: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

5

Prática de ensino iiiProf.a Angela Valéria Alves da silva

Carga Horária | 60 horas

temática

Caminhos iniciais da linguística como a ciência da linguagem

ementa

O lugar das gramáticas no ensino da língua portuguesa. Diferentes concepções de gramática. Gramática e textualidade. Elaboração de Proposta de Ensino das gramáticas em seus diferentes níveis.

objetivo Geral

Construir concepções de língua e de gramática que orientem o desenvolvimento das atividades no ensino de Língua Portuguesa.

aPresentação

No contexto atual, ao se questionar um professor sobre o que ele considera im-portante ensinar em suas aulas de Língua Portuguesa, provavelmente, ele dirá que o fundamental é o ensino de gramática. Em casos como esses, pode-se perce-ber claramente qual a concepção de Língua que esse professor adota.

Isso porque toda decisão sobre o ensino de Língua, em qualquer nível da educa-ção, é orientada pela forma como o professor compreende o que é língua e o que é gramática. Por essa razão, o objetivo geral desta disciplina é o de proporcionar uma reflexão que estimule o estudante a amadurecer e ampliar a sua concepção de língua e gramática, buscando orientá-lo para as suas atividades práticas como professor de língua materna.

Para isso, no desenvolvimento desta disciplina, são apresentados três objetivos específicos que possam auxiliar você, estudante de graduação em Letras, a refletir sobre a sua prática, que deverá, por meio do ensino de língua, proporcionar a ampliação dos conhecimentos linguísticos de seus alunos. Tais objetivos são:

• Refletirsobreosdiversosconceitosdegramática;

• Desenvolverumensinodelínguanumaperspectivadiscursiva;

• Articularasteoriasgramaticaiscomaspráticassocioeducativas, priorizando as práticas de sala de aula.

Page 6: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

Diante desses objetivos, você deve estar se perguntando: “Existem diversos conceitos de gramática?”, ou, ainda, “O ensino de Língua Portuguesa consiste no ensino de gramática?”.

Todos esses questionamentos são perfeitamente naturais, tendo em vista o fato de, há décadas, o ensino de língua no Brasil estar centrado no conjunto de regras que determina como devemos falar ou escrever corretamente. E essa tradição de ensino de língua que todos nós vivenciamos ao longo de nossa escolariza-ção nos remete a um ensino de língua padrão. Mas será que essa forma de pensar a língua e ensiná-la não se modificou? Numa época de tanto avanço tecnológico, com novidades, como a Internet, com seus chats, blogs etc., as teorias sobre gramática e ensino de língua continuam as mesmas?

São esses alguns dos questionamentos levantados no desenvolvimento desta disciplina que buscam apri-morar o seu conhecimento teórico para o bomplanejamento de suas atividades práticas.Assim, estadisciplina está dividida em quatro temas centrais que buscam apresentar conceitos básicos sobre língua e gramática e levam à reflexão sobre a prática de ensino de gramática. São eles:

a) AgramáticaeoensinodeLínguaPortuguesa; b) Concepçõesdegramática; c) Gramáticaetextualidade; d) Proposta de ensino das gramáticas em seus diferentes níveis.

Espera-se que, após a discussão desses quatro temas centrais, você tenha construído sua própria concepção de língua e gramática e esteja apto a atuar em qualquer nível da educação básica.

Page 7: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

7Capítulo 1 77Capítulo 1

Prof.a Angela Valéria Alves da silvaCarga Horária | 15 horas

1. a Gramática e o ensino de línGua PortuGuesa

NodesenvolvimentodotópicoAgramáticaeoensinodeLínguaPortuguesa,osobjetivos são de fazer uma reflexão sobre a distinção entre Língua e Gramática além de uma discussão sobre qual tem sido o objeto do ensino de Língua desde oseusurgimentocomodisciplinaatéosdiasdehoje.Assim,éimportantequevocê resgate em, sua memória, todas as experiências vivenciadas em sua trajetória como estudante.

Antesdeseiniciaradiscussãosobreadistinçãoourelaçãoentrelínguaegramá-tica, realize uma pequena pesquisa com seus familiares, seus amigos, seus colegas de trabalho e leve a eles os seguintes questionamentos:

a) O que é a língua de um país?

b) Quando se estuda uma língua, o que se estuda?

Agora,pensevocênessasquestõesetenterespondê-las.Façasuasprópriasanota-ções num caderno. Em seguida, compare as suas respostas com as respostas das pessoas que você entrevistou. Elabore um breve comentário sobre os aspectos que coincidem e se diferenciam entre as suas respostas e as de seus entrevistados. Guarde essas anotações. Você precisará delas no final da discussão desta temáti-ca.

1.1 línGua e Gramática

Comecemos a discussão sobre Língua e Gramática, a partir da reflexão sobre a tela“OsOperários”pintadaporTarsiladoAmaral,em1933:

a Gramática e o ensino de línGua

PortuGuesa

Os Operários - 1933

Font

e: h

ttp:

//w

ww

.tars

ilado

amar

al.c

om.b

r/in

-de

x_fr

ame.

htm

.

Page 8: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

8 Capítulo 1

No quadro Os Operários, há um belo exemplo da fusãodeetniasexistentenoBrasil.Aoseanalisa-rem os semblantes das pessoas reunidas neste qua-dro, percebe-se que elas vêm de origens totalmente distintas, o que representa uma característica sin-gular do povo brasileiro que, em seu processo his-tórico, se constitui a partir da junção de diversos povos que aqui vieram em busca de novas perspec-tivas de vida.

Como então reunir povos tão distintos e, mesmo assim, imprimir neles uma identidade brasileira? Essa é uma pergunta que pode ter diversos fatores como resposta. Um desses elementos é objeto de estudo desse capítulo: a língua.Alínguacomoele-mento de cultura de um país é capaz de dar à sua população uma identidade.

Para exemplificar essa questão de forma simplifi-cada, pense nos sotaques característicos de cada região do Brasil. Imagine a situação hipotética em que um gaúcho e um carioca, no mês de junho, vêm a Caruaru conhecer uma das maiores festas juninas do país. O caruaruense, ao falar com essas duas pessoas, é capaz de identificar, sem que elas digam, qual a sua origem. O simples ato de falar permite ao cidadão de Caruaru identificar de que parte do país essas pessoas vêm. Essa ilustração ser-ve para evidenciar que a língua é um elemento que compõe a identidade de um povo.

Vejamos, também, no depoimento do primeiro-ministro português Marquês de Pombal, o reco-nhecimento da força que a língua tem em unificar um povo, dando-lhe, portanto, uma identidade:

Sempre foi máxima inalteravelmente praticada em todas as nações que conquistaram novos domínios introduzir, logo, nos povos conquistados, o seu próprio idioma, por ser indispensável, que este é um meio dos mais eficazes para desterrar dos povos rústicos a barbaridade dos seus antigos costumes e ter mostrado a experiência que, ao mesmo pas-so que se introduz neles o uso da língua do Príncipe, que os conquistou, se lhes radica também o afeto, a veneração e a obediência ao mesmo Príncipe.

http://www.unicamp.br/iel/memoria/crono/acervo/tx7.html

Como se pode ver, o Marquês de Pombal conside-ra a língua uma forma de dominação de um povo por ser capaz de lhe imprimir “o afeto, a veneração e a obediência ao mesmo Príncipe”.

Toda essa reflexão inicial serve para levantar o questionamento sobre o que tradicionalmente se defende a respeito do ensino de língua portuguesa, a saber: estudar/ensinar a língua é estudar/ensinar gramática? Em outras palavras: os termos língua e gramática são sinônimos?

AprofessoraIrandéAntunes(2007,p39),emseulivro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando que

a concepção de que língua e gramática são uma coisa só deriva do fato de, ingenuamente, se acreditar que a língua é constituída de um único componente: a gramática. Por essa ótica, saber uma língua equivale a saber sua gramática. (...)Namesmalinhaderaciocínio,consolida-seacrençade

que o estudo de uma língua é o estudo de sua gramática.

Para a autora e muitos outros estudiosos da área, a língua é uma atividade de interação, com finalida-de comunicativa, que, por essa razão, exige outros elementos alémda gramática.Assim, para domi-nar uma língua, não basta saber a sua gramática. Veja, com base em Antunes (2007), os recursosque constituem a língua e são necessários para o seu perfeito funcionamento:

Marquês de Pombal

Font

e: h

ttp:

//br

.geo

citie

s.com

/ter

rabr

asile

ira/c

onta

tos/

pom

bal.

htm

l.

Inclui o conjunto de palavras, ou seja, o vocabulário de uma língua;Inclui as regras de organiza-ção das palavras e das frases de uma língua;Inclui os recursos de organi-zação dos textos (recursos de textualização);

Envolve as normas sociais de interação.

Situação de interação

Gramática

Léxico

Composição de tetos

Page 9: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

9Capítulo 1

Como se pode notar, a língua é composta por ele-mentos que envolvem, sim, regras que determinam a organização das frases e até mesmo das palavras, mas inclui as normas de organização dos textos, além das normas sociais de como esses elementos podem e devem ser utilizados.

Dessa forma, fica evidente que os termos língua e gramática não podem ser utilizados como sinôni-mos, visto que esta é apenas um dos componentes daquela. Por essa razão, para dominar uma língua, um falante necessita ir Muito além da Gramática. Essa visão sobre a língua determina que é, sim, importante estudar/ensinar gramática, mas não se pode realizar apenas reflexões sobre esse compo-nente.Antunes(2007)dizque,nessaperspectiva,

entrevista/Fred navarro Um linguajar discriminado Publicado em 03.06.2004

Jornalista, 47 anos, o pernambucano Fred Navarro lançou, em 1998, uma compilação de termos e ex-pressões empregadas pelos nordestinos, num di-cionário que intitulou Assim Falava Lampião. Mas não ficou por aí. Continuou pesquisando, por mais cinco anos, o linguajar dos Estados da região. O resultado está no Dicionário do Nordeste. Navar-ro, que atualmente, mora em São Paulo, concedeu entrevista ao Jornal do Commercio sobre seu livro e as peculiaridades do quase dialeto nordestino.

JORNAL DO COMMERCIO – Por que várias expres-sões contidas no seu dicionário não constam dos dicionários clássicos?

FRED NAVARRO – É puro desconhecimento, ou seja, ignorância mesmo. Se pensarmos nas outras regiões do Brasil, que obviamente também têm lá suas palavras e expressões próprias, dá para ima-ginar o tamanho do “rombo”.

JC – No prefácio, Marcos Bagno ressalta como a imprensa é conservadora, não aceitando palavras que não façam parte da chamada língua culta.

FN – O problema é que herdamos dos portugueses esse gosto meio rococó pelo “falar difícil”. Não é à toa que até hoje o nosso sistema judiciário utili-za uma linguagem tão esotérica, parece armênio. Nossa imprensa deveria ser mais coloquial, apro-ximando-se da linguagem do cidadão comum, que anda na rua e que lê jornal.

JC – A importância desse livro não é apenas ca-talogar como também registrar expressões que, por culpa sobretudo da TV, vão desaparecendo no

é natural que analisemos, estudemos questões re-lativas:• aoléxicodalíngua;• àrealizaçãodalínguaemtextos;• àscondiçõessociaisdeproduçãoecirculação

desses textos.

Vale destacar ainda que esses elementos não são os mesmos para todas as situações comunicativas. Assim,éingênuopensarqueexisteumaúnicalín-gua e, consequentemente, uma única gramática. Embora a sociedade de uma maneira geral e, até mesmo, a escola aja como se isso fosse verdadeiro.

Sobre essa questão, é interessante você ler um tre-chodaentrevistacomFredNavarro,aofalarsobreo linguajar da população brasileira:

Nordeste. Por exemplo, “bala perdida”, em lugar de “bala doida”, como se dizia até uns poucos anos atrás.

FN – É um trabalho de memória. Há palavras e ex-pressões que se não forem registradas tendem a desaparecer. Nossos meios de comunicação em ge-ral não dão importância a esse aspecto de nossa cultura, o que denota preconceito. É quase como se nossas elites tivessem vergonha de como o povo fala, quando deveria acontecer o contrário.

JC – No Sertão, principalmente, esta influência da mídia ainda é mais avassaladora. Expressão como “dar de corpo” (com o significado de “defecar”), que já foi usada no interior, não é mais falada nem está no dicionário.

FN – Vou incluí-la numa próxima edição, pode ter certeza... Mas discordo em parte de você, o Sertão talvez tenha sido menos influenciado do que o li-toral. Penso que a juventude das grandes cidades é mais permeável ao linguajar televisivo do que a do interior. Em geral, elas viajam mais, trocam mais informações do que nossos sertanejos. [...]

Page 10: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

10 Capítulo 1

Na entrevista acima, pode-se perceber o quanto a língua, sendo analisada apenas do ponto de vista do léxico, ou seja, do vocabulário, apresenta mui-tas variações. E o ensino de língua feito pela escola, normalmente, desconsidera tal riqueza, centrando-se no trabalho com uma única forma de falar que corresponde ao falar das camadas mais favorecidas da sociedade.

1.2. Histórico sobre o ensino de línGua PortuGuesa no brasil

Para você que está participando de um curso de licenciatura em Letras, é interessante conhecer como se constituiu o ensino de Língua Portuguesa no Brasil e por que ele se concentrou no estudo de sua gramática. Inicialmente é importante destacar que nem sempre se estudou a Língua Portuguesa no país, mesmo sendo ela a língua oficial da Coroa Portuguesa.

Soares(2004)destacaque,apósodescobrimentodo Brasil, os jesuítas aqui se instalaram com o ob-jetivo de catequizar os índios e, para superar a di-ficuldade da língua existente entre eles, preferiram utilizar a chamada Língua Geral.

Essa língua era uma espécie de condensação de vá-rias outras línguas indígenas que tinham, em sua maioria, o mesmo tronco, o tupi.Assim,conviviamcomoportuguês,línguaoficial,a língua geral e o latim, o qual era utilizado para o ensino secundário e superior.

Soares(2004)afirmaque,porvoltademeadosdosé-culoXVII,oprópriopadreAntônioVieradiziaquealíngua utilizada entre as famílias indígena e portugue-sa era a dos índios e que em relação à língua portu-guesa, as crianças iam aprendê-la na escola.Mas, nessa época, o papel da Língua Portuguesa se resumia a uma espécie de instrumento para a alfabetização.SegundoSoares(2004,p.158):

Da alfabetização, praticada nas escolas menores, passava-se diretamente ao latim: no ensino secundário e no ensino superior, estudava-se a gramática da língua latina e a retóri-ca,aprendidaestaemautoreslatinos(sobretudoCícero)e,

naturalmente,emAristóteles.

No Brasil, a determinação de não se ter o portu-guês como disciplina curricular, segundo Soares (2004),parecetersidobemaceitadesdeofinaldoséculo XVI até meados do século XVIII, pelas se-guintes razões:

1. Ospoucoscidadãosescolarizadospertenciama classes privilegiadas que tinham como objeti-vo seguir o modelo de educação da época, que erabaseadonaaprendizagemdolatim;

2. Oportuguêsnãoeraa línguapredominante-

menteutilizadanointercâmbiosocial; 3. O português não tinha ainda se constituído

como uma área de conhecimento, capaz de possibilitar o a criação de uma disciplina curri-cular.

É somente comaReformaPombalina1 , instituí-da pelo primeiro-ministro português Marquês de Pombal, que o ensino de português passa a ser obrigatório no país, com sua inclusão e valorização nas instituições de ensino, o que consolida a Lín-gua Portuguesa no Brasil.

LEIA MAIS!

Para aprofundar a discussão feita acima

leia/acesse os seguintes textos/links:

ANTUNES, Irandé. Língua e Gramática não

são a mesma coisa. In: ANTUNES, Irandé.

Muito além da gramática. São Paulo: Pará-

bola, 2007. p. 39-52.

Texto do Marquês de Pombal:

http://www.unicamp.br/iel/memoria/crono/acervo/

tx7.html

Telas de Tarsila do Amaral:

http://www.tarsiladoamaral.com.br/index_frame.htm

Padre Antônio Vieira catequizando os índios

Font

e: h

ttp:

//w

ww

.col

egio

saof

ranc

isco

.com

.br/

alfa

/pad

re-a

nton

io-v

ieira

/ima-

gens

/pad

re-a

nton

io-v

ieira

-7.jp

g. A

cess

o em

30

de s

et. d

e 20

09

Page 11: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

11Capítulo 1

E você deve estar se questionando qual o papel da gramática nesse contexto.Após esse levantamen-to histórico, fica fácil explicar que, com a inclusão do português no ensino regular, os conteúdos que passaram a ser ministrados foram gramática e retó-rica.Agramáticadoportuguês seguiua tradiçãoda gramática latina que não deixou de ser ensina-da.Aliás,aquelapassouaseruminstrumentoparao estudo desta.

Assim,agramáticadaLínguaPortuguesacomeçaa conquistar seu espaço e, aos poucos, com o de-clínio do uso e do valor social do latim, ganhou autonomia.

Mas ela não era o único objeto do ensino de Lín-gua Portuguesa. Também a retórica, compreenden-do, dentre outros aspectos, a arte do bem falar e o estudo da poesia, manteve-se do século XVI ao século XIX.

Assim,quandooColégioPedro II foi criadoem1837,noRiodeJaneiro,assumindoopapeldere-ferência para o ensino no Brasil, o ensino de Lín-gua Portuguesa foi incluso no currículo, mas, no formato das disciplinas retórica e poética. Só no ano seguinte, o regimento do colégio passa a men-cionar a gramática como componente curricular.

SegundoSoares(2004),tambémoslivrosdidáticospublicados no final do século XIX passam a confirmar a presença da gramática e da retórica em suaconstituição.Assim,

Retórica,poética,gramática–estaseram,poisasdiscipli-nas nas quais se fazia o ensino da língua portuguesa até o fimdoImpério;sóentãoforamelasfundidasnumaúnicadisciplina que passou a se denominar Português. (SOARES,2004,p.164)

1Para mais informações sobre e Reforma Pombalina, acesse o link http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/periodo_pombalino_intro.html

Colégio Pedro II – o casarão onde funciona o colégio foi tombado em 1983

pelo Patrimônio Histórico.

Font

e: h

ttp:

//w

ww

.cp2

cent

ro.n

et/h

isto

ria/h

isto

-ria

/his

toria

.asp

?dat

a=9/

10/2

009%

2001

:17:

11.

Essa fusão das três disciplinas numa só, no entanto, em nada alterou o conteúdo e os objetivos do ensi-nodeLínguaPortuguesa.SegundoSoares(2004),atéosanos40doséculoXX,manteve-seotrabalhocom a gramática, a retórica e a poética. Não houve, nesse período, nenhum acontecimento externo ou interno que estimulasse uma mudança no ensino. Os alunos que frequentavam a escola continuavam a ser filhos das camadas mais favorecidas com os mesmos objetivos de aprendizagem anteriores, ou seja, seguir o modelo de educação da época basea-do no estudo do latim.

Dessa forma, continuou-se a estudar a gramática e a analisar textos de autores já consagrados, isto é:

(...) persistiu, na verdade, a disciplina gramática, para aaprendizagem sobre o sistema da língua, e persistiram a re-tórica e a poética, estas sim, sob nova roupagem: à medida que a oratória foi perdendo seu lugar de destaque tanto no contexto eclesiástico quanto no contexto social, a retórica e a poética foram assumindo o caráter de estudos estilísti-cos, tal como hoje o conhecemos, e foram-se afastando dos

preceitos sobre o falar bem, que já não era uma exigência social, para substituí-los por preceitos sobre escrever bem,

jáentãoexigênciasocial.(SOARES,2004,p.165)

Vejam que, embora tenha havido mudanças no que diz respeito ao trabalho com a retórica e a poé-tica, o ensino de gramática continuou sendo sobre o sistema da língua, ou seja, sobre o conjunto de regras que determina e orienta a organização da Língua Portuguesa.

Sóna década de 1950, começa a acontecer umaverdadeira mudança no ensino do português pro-vocada pelas transformações sociais e culturais e pelo amplo acesso à escola que as camadas menos favorecidas passam a ter.

Nesse período, o público-alvo do ensino de língua, em sua maioria, é proveniente de famílias que não dominavam o português padrão, ou seja, a chama-da norma culta, não sendo, portanto, interesse dos alunos e de suas famílias um modelo específico de educação, no qual, anteriormente, a aprendiza-gem do sistema da língua era natural e aceitável. Mesmo assim, o ensino da gramática, quase nos mesmosmoldesdadécadade50,persistiu(eaindahojepersisteemmuitasescolas!!).

Apartirdosanos1970,essafocalizaçãonagramá-

Page 12: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

12 Capítulo 1

tica começa a declinar devido à política do governo militar que reformulou o ensino primário e médio por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lein°.5692/71)ecolocouaeducaçãoaserviçododesenvolvimento.SegundoSoares(2004),alín-gua, nesse contexto, passa a ser vista como um ins-trumentoparaodesenvolvimentodopaís.Assimos objetivos do ensino de língua e o próprio nome da disciplina mudam, passando de português para comunicação e expressão nas séries iniciais do chamado1º.grau,ecomunicação em língua por-tuguesa,nasúltimassériesdessemesmograu; sóno2º.Grau,aexpressãocomunicaçãodesaparece,e a disciplina é chamada de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira.

Font

e: T

raça

Liv

raria

e S

ebo.

htt

p://

ww

w.tr

aca.

com

.br/

livro

/389

627/

port

ugue

s-pr

imei

ra-

serie

-cur

so-g

inas

ial-1

958.

Aqueleconceitodelínguacomosistemaédeixadode lado, e ela passa a ser vista como comunicação. Assim,osobjetivosdoensinotornam-semaispráti-coseutilitários,buscando“(...)desenvolvereaper-feiçoar os comportamentos do aluno como emis-sor e recebedor de mensagens, através de códigos diversos–verbaisenão-verbais”(SOARES,2004,p.169).Dessaforma,apreocupaçãodoensinodoportuguês não recaía mais sobre a língua, mas, so-bre como o falante poderia usaralíngua.Atémes-mo os livros didáticos sofreram modificações, para acompanhar as alterações na disciplina. Veja:

Coleção Didática F.T.D - Série Gina-sial Vol. 11

Português (Brasil)

Editora do Brasil S.A

1958

221

14x18

Objeto Direto. Objeto Indireto. Subs-tantivo. Adjunto. Adjetivos. Predi-cativo. Aposto. Vocativo. Pronomes. Adjunto Adverbial. Verbos. Concor-dância Nominal. Concordância Ver-bal. Átonos. Advérbio. Preposição. Conjunção. Conetivos. Interjeição. Orações Subordinadas. Análise Sin-tática. Português (Primeira Série - Curso Gi-nasial) 1958Irmãos Maristas

BomCapas e lombada um pouco gastas, principalmente nas bordas e com pe-quenos danos. Anotações a lápis no texto. Manchas do tempo no corte. Marcas de carimbo no índice. Mar-gens escurecidas pelo tempo Pági-nas amareladas e com manchas do tempo.

Sim

brochura

Inclui índice.

Ano:

Idioma:

Coleção:

Editora:

Assuntos abordadosna obra:

Medidas:

Nº de páginas:

Estado de conservação:

Encadernação:

Ilustrações:

Observações:

Page 13: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

13Capítulo 1

Português (Brasil)

Editora Formação

1974

192

14x21

Cláudio Levitan

brochura

Ano:

Idioma:

Editora:

Meios de comunicação.Crônicas. Comunicação FundamentalMaria José Rôa e Déa Portanova Bar-ros

Assuntos abordadosna obra:

Medidas:

Nº de páginas:

BomCapas e lombada um pouco gastas, principalmente nas bordas. Corte um pouco escurecido pelo tempo. Miolo em bom estado.

Estado de conservação:

Encadernação:

Ilustrador:

Font

e: T

raça

Liv

raria

e S

ebo.

htt

p://

ww

w.tr

aca.

com

.br/

livro

/343

066/

com

unic

acao

-fun

dam

enta

l.

As duas capas acima foram copiadas do site devenda de livros usados: Traça Livraria e Sebo. Elas representam bem os períodos vivenciados pela dis-ciplina Língua Portuguesa. O primeiro livro, publi-cadoem1958,Português, traz um conteúdo com-pletamente voltado para o estudo das classificações e regras gramaticais. O segundo, com publicação em1974,focalizaacomunicaçãooumeiosdeco-municação, sem uma grande preocupação com os aspectos gramaticais. Essa diferença radical nos conteúdos propostos pelas duas obras confirma as transformações no ensino da Língua Portuguesa.

Éporvoltadadécadade1970quesurgeagrandepolêmica sobre a necessidade de se ensinar ou não gramática. Em cursos de formação de professor, ainda paira essa dúvida, a qual, vale destacar, não deve existir, visto que a gramática é um dos compo-nentes da língua, tornando, portanto, necessário o seu estudo, assim como dos outros elementos já citados anteriormente. O que não pode ocorrer é o predomínio do ensino da gramática em detrimen-to do ensino dos aspectos relativos ao léxico, à tex-tualidade e às normas sociais de interação.

Jánadécadade1980,asdenominaçõescomunica-ção e expressão e comunicação em língua portu-guesa, devido às transformações políticas e ideoló-

gicas(aredemocratizaçãodopaís)eaosurgimentode novas teorias desenvolvidas no âmbito das ci-ências linguísticas, dentre outros motivos, perdem aforçaeaconcepçãode língua(instrumento de comunicação)adotadanadécadaanteriorérejei-tada.Assim, a disciplina volta a ser chamada deportuguês.

Vale destacar aqui, sobretudo, as contribuições que a pragmática, a teoria da enunciação e a análise do discurso trazem e que vão auxiliar na construção de uma nova concepção de língua, passando a ser vista, segundo Soares (2004, p. 173), “(...) comoenunciação, não apenas como comunicação”, ao incluir “as relações da língua com aqueles que a utilizam, com o contexto em que é utilizada, com as condições sociais e históricas de sua utilização”.

Ao refletir sobre essanova concepçãode língua,pode-se perceber que o ensino do português, como já foi dito anteriormente pela professora Irandé Antunes,nãopodeficarcentradounicamentenagramática da língua, o que nos obriga a trabalhar também com o contexto em que ela é produzida, além das normas sociais de interação.

Esse breve histórico sobre o desenvolvimento do ensino da Língua Portuguesa no Brasil serve para

Page 14: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

14 Capítulo 1

que você possa compreender as diversas mudanças que levaram a escola de hoje a trabalhar o portu-guês a partir do gênero textual e não da gramática unicamente. É só na análise de texto que os aspec-tos contextuais e interacionais podem ser consi-derados, já que a frase isolada não apresenta tais componentes.

Agora, vocêdeveestar seperguntando:Mas seráque os professores de português realmente traba-lham a língua com essa nova concepção de língua? É isso que pretendemos discutir no próximo tópi-co. Passemos a ele.

1.3. o ensino de Gramática na escola

No tópico anterior, no qual foi feito um levanta-mento histórico sobre o desenvolvimento do ensi-no do português no Brasil, foi visto que a discipli-na passou por diversas fases, chegando, na década de80,àconcepçãodeLínguacomoenunciaçãoepassando a incluir, além dos aspectos gramaticais, os elementos contextuais e as regras de interação social.

Mas será que essa nova forma de se compreender a língua é efetivamente adotada nas escolas? Para tentar responder parcialmente a essa questão, é in-teressante observar o que os professores fazem na escola como ensino de língua e, consequentemen-te, de gramática.

Para isso, nesse tópico você vai ter acesso a dados de uma pesquisa realizada pela professora Maria HelenadeMouraNevesdaUNESP(UniversidadeEstadualPaulista),publicadosnoanode2001no

SAIBA MAIS!

Para aprofundar a discussão feita acima

leia/acesse os seguintes textos/links:

SOARES, Magda. História de uma discipli-

na curricular. In: BAGNO, Marcos (Org.).

Linguística da Norma. São Paulo, 2004. p.

155-177.

SOARES, Magda. Concepções de lingua-

gem e o ensino da Língua Portuguesa. In:

BASTOS, Neusa B. (Org.). Língua Portugue-

sa. História, Perspectivas, Ensino. São

Paulo: EDUC, 1998. p. 53-60.

Site do Colégio Pedro II: http://www.cp2.g12.br

livro Gramática na Escola, com um levantamento sobre como anda o ensino de gramática. Neves fez sua pesquisa com seis grupos de professores de por-tuguêsdoEnsinoFundamentalIIeEnsinoMédiono estado de São Paulo, totalizando um número de170indivíduos.Apesquisateveporobjetivove-rificar o que exatamente se ensinava nas aulas de gramática.

Dos tópicos desenvolvidos pela autora, serão apre-sentados aqui três deles, a saber:

• Oparaquêdoensinodegramática;• Oqueéensinado;• Ocomoéensinado.

Antesdepassarmosefetivamenteàdiscussãodes-ses tópicos, reflita sobre o tipo de ensino de gra-mática ao qual você teve acesso na escola e tente levantar informações sobre ele. Você pode também fazer uma pequena pesquisa com seus familiares e amigos, procurando identificar se alguém teve acesso a um tipo de ensino diferente daquele pelo qualvocêpassou.Façaanotaçõesparacompará-lasno final desse capítulo, com os dados apresentados por Neves.

1.3.1 O Para Quê do Ensino de Gramática

Nodesenvolvimentodesuapesquisa,Neves(2001,p.10)dividiuaquestãoacimaemduasoutras:

I. Para que se ensina a gramática?II. Para que se usa a gramática que é ensinada?

No que diz respeito às finalidades do ensino de gramática, os professores deram as seguintes res-postas:

• 50% apontam para uma “melhor expressão,melhor comunicação, melhor compreensão (destacandoodesempenhoativo)”;

• 30%preocupam-secomuma“maiorcorreção,conhecimento de regras ou normas, conheci-mentodopadrãoculto”;

• 20%dosprofessores indicam ter comoobje-tivo a “aquisição das estruturas da língua, me-lhor conhecimento da língua, conhecimento sistemático da língua, apreensão dos padrões da língua, sistematização do conhecimento da língua”.

Page 15: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

15Capítulo 1

Assim,emboraapreocupaçãodosprofessorescoma melhor comunicação de seus estudantes seja legí-tima, o meio utilizado para alcançar esse objetivo demonstra ser insuficiente ao que se pretende.

Outro dado da pesquisa que exige um comentá-rio é o baixo percentual (20%) que aponta umapreocupação somente com a aquisição do sistema da língua, sem ter como objetivo o desempenho do estudante. Ao contrário do que declaram osprofessores,osdadoslevantadosporNeves(2001)demonstram que a maioria das atividades desen-volvidas pelos professores resumem-se a reconheci-mento e à classificação dos termos da oração. Ou seja, entre o que confessam os docentes e o que realmente é realizado em sala de aula existe uma grande distância.

No que diz respeito à pergunta Para que se usa a gramática que é ensinada?, os professores demons-traram um senso bastante prático, com uma preo-cupação constante com o sucesso profissional dos estudantes. Isso talvez seja uma herança da política aplicadapelosmilitaresnadécadade70,quandoa educação e o ensino de língua estavam voltados para o desenvolvimento do país.Veja as principais respostas dos professores (NE-VES,2001,p.11):

• seraprovadoemconcursoevencernavida;

• expressar-secorretamenteeserbemaceitonasociedade;

• usar a língua padrão/norma culta e ser bem- sucedidonavida;

• conhecer a língua e: ter segurança nas situa-çõesdecomunicação;

• expressar-se melhor e ser bem-sucedido navida;

• expressar-sebeme:sair-sebememconcursos,sair-se bem profissionalmente.

Veja que é constante a preocupação dos professo-res com o fato de seus alunos serem bem-sucedidos navida.Aquitambémvalequestionarseoestudode regras gramaticais puramente conseguirá atingir esse objetivo dos professores.

Marcos Bagno realiza uma discussão sobre essa

Aautoracita,ainda,quesomente1%dosprofesso-res confessou ministrar aulas de gramática apenas para cumprir o programa. Esse baixo percentual, no entanto, não foi comprovado no desenvolvi-mento da pesquisa que apontou ser muito comum os professores buscarem somente o cumprimento do programa.

Mas voltemos aos dados acima apresentados. Como se pode notar, a maioria das respostas dos professores, pelos percentuais levantados, aponta a existência de uma grande preocupação com o bom desempenho dos estudantes na comunicação, com uma melhor expressão e compreensão.

E aqui é importante questionar: é suficiente saber gramática para falar e escrever bem, no sentido de se expressar bem publicamente ou por escrito? Essa pergunta, de certa forma, já foi feita e discutida peloprofessordaUNB(UniversidadedeBrasília)Marcos Bagno, em seu livro Preconceito linguísti-co: o que é, como se faz, se faz.

Para responder a essa questão, é fundamental lem-brar-se das discussões já feitas neste capítulo sobre oque constitui a língua.Antunes (2004) apontaa gramática como um elemento que compõe a língua e que consiste nas regras que auxiliam na organização das palavras e das frases. Ora, conhe-cer apenas essas normas vai permitir a um cidadão se expressar bem em público? Evidentemente que não, pois a gramática não traz informações sobre o contexto e normas sociais de interação tão funda-mentais para que um falante consiga se expressar adequadamente.

Font

e: h

ttp:

//w

ww

.mar

cosb

agno

.com

.br/

cont

eudo

/arq

uivo

s/liv

_pre

conc

eito

_lin

guis

tico.

htm

Capa do livro Preconceito Linguístico de Marcos Bagno

Page 16: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

16 Capítulo 1

questão, em seu livro Preconceito Linguístico: o que é, como se faz (odécimomito:“Odomínioda norma culta é um instrumento de ascensão so-cial?”),apartirdaqualeledemonstraque,emborao estudo da gramática, ou seja, da norma chamada culta seja importante, esse conhecimento, apenas, não levará o estudante a ter sucesso profissional. Outras questões políticas e econômicas estão por trás do acesso às oportunidades de trabalho no Brasil e não é a educação a única responsável por isso. É preciso que os jovens estudantes tornem-se cidadãos críticos e exijam dos governos municipal, estadual e federal políticas de criação de novos pos-tos de trabalho para a população.

1.3.2 O Que é Ensinado nas Aulas de Gramática

Neves(2001)afirmaqueasaulasdegramáticaseresumem ao simples trabalho com o livro didático, numa tentativa de transmitir aos estudantes tudo oquenele estápublicado.Assim, a autora, parasaber exatamente o que os professores consideram importante os alunos aprenderem nas aulas de gra-mática, solicitou que os docentes elaborassem exer-cícios os quais seriam mais usualmente aplicados aos estudantes. A partir dessas atividades,Nevespôde descobrir quais os assuntos que predominam nas aulas de português desses professores. Veja o quadro a seguir:

Observe que os assuntos Classes de Palavras e Sintaxe são apontados como mais relevantes nos exercícios produzidos pelos professores e corres-pondema75,56%dototal.Nevesexplicaque,noquadro acima, colocou Classes de Palavras como uma área independente de Morfologia pela alta in-cidência de exercícios especificamente sobre essas entidades.

Na análise dos cadernos dos estudantes, no entan-to, a pesquisadora pôde identificar que há uma contradição: o trabalho com classes de palavras aparece em segundo lugar, enquanto que a exerci-tação da análise sintática predomina, com o “reco-nhecimento e classificação dos termos da oração edasoraçõesdoperíodo”(NEVES,2001,p.14).

É importante que você reflita aqui sobre como é possível alguém se tornar um cidadão competente do ponto de vista comunicativo, com capacidade para ouvir, ler, falar e escrever textos de forma ade-quada, a partir do estudo predominante de regras e classificação de classes de palavras e termos da ora-ção. Definitivamente, a competência comunicativa dos estudantes que vão à escola não será ampliada e desenvolvida apenas com o estudo de gramática. É importante, como já dito anteriormente, que ou-tros elementos, tais como a textualidade, ou seja, osprincípiosdeorganizaçãodos textos (oraisouescritos)bemcomoasnormassociaisdeinteraçãosejam explorados. E o estudo isolado da gramática não consegue desenvolver todos esses aspectos.

Agoraquevocê temuma ideiadoqueosprofes-sores trabalham em suas aulas de gramática, veja como eles dizem que fazem isso.

1.3.3 O Como no Ensino da Gramática na Escola

SegundoNeves (2001),aoresponderaessaques-tão, os professores se preocuparam em destacar que sempre trabalhavam com textos, os quais eram o ponto de partida para os exercícios de gramática.Veja os dados abaixo:

• 50%dosprofessoresdeclararampartirdetex-tos(especificandoinclusivequeostextosdosprópriosalunossãoprivilegiados);

• 40%dospesquisadosdeclararampartirdateo-ria;

• 5%afirmaramprivilegiaraexercitaçãocomoponto de partida das lições.

4. Semântica

2. Sintaxe

1. Classes de palavras

3. Morfologia

9. Fonética e Fonologia

6. Silabação

5. Acentuação

8. Redação

7. Texto

10. Ortografia

11. Estilística

12. Níveis de linguagem

39,71%

35,85%

10,93%

3,37%

2,41%

2,25%

0,96%

1,44%

1,44%

0,80%

0,32%

0,32%

0,16%13. Versificação

Page 17: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

17Capítulo 1

O que a autora observou, no entanto, foi que “par-tir do texto”, nesse caso, significava apenas “retirar do texto” elementos para análise e classificação, o que representa uma continuidade do tipo de traba-lho feito anteriormente no nível da frase.

O trabalho com a gramática no texto poderia ser bastante produtivo, caso houvesse uma reflexão sobre o papel que os elementos em estudo assu-mem dentro do texto e como eles contribuem para a construção do sentido da produção oral ou escri-ta, num determinado contexto social, que envolve certos interlocutores, num momento histórico es-pecífico.

Segundo Neves, a sequência das atividades desen-volvidas pelos professores é a seguinte:

• Leituradetextoteórico–exercícios;• Leituradeponto–explicação–exercício;• Leituradoprofessor–leituradosalunos;• Explicação–leituranolivro–exercícios;• Explicação–exercícios–correção;• Explicação–comentários–exercícios;• Explicação–exercíciosdefixação;• Explicação–leituradolivro;• Trabalhocomasregras–exercícios.

Asinformaçõesacimamostramopredomíniodotrabalho que se inicia com a explicação sobre o as-sunto, para depois serem feitas atividades de exer-citação.Ademais,osprofessoresfazemaconceitu-ação por meio da definição sem fazer com que o aluno reflita e construa ele próprio o conceito dos elementos que estuda.

Esses dados, embora tenham sido levantados ape-nas em São Paulo, apontam uma realidade que se encontra tambémemoutrosestadosdopaís.As-sim, chega-se à conclusão de que muito ainda pre-cisa ser feito, para que o ensino de gramática seja realizado de forma produtiva, no Brasil.

GLOSSÁRIO

Apto – que possui capacidade natural ou adquirida para realizar algo; capaz.

ConCepção – ideia, compreensão, noção.

etniA – coletividade de indivíduos que se diferencia por sua especificidade sociocultural, refletida principalmente na língua, religião e maneiras de agir.

FoCAlizAr – dar destaque a; concentrar-se em.

interloCutores - cada uma das pessoas que participam de uma conversa, de um diálogo; cada uma das pessoas envolvidas num ato linguístico.

Junção – reunião, união de seres ou coisas (concretas ou abstratas).

léxiCo – conjunto de palavras existentes numa determinada língua.

predominAnte – prevalecente, dominante, mais forte.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no cami-nho. São Paulo: Parábola, 2007.

NEVES, Maria Helena de M. Gramática na Es-cola. São Paulo: Contexto, 2001.

SOARES, M. Português na escola: história de uma disciplina curricular. In: BAGNO, Marcos. Linguística da Norma. São Paulo: Loyola, 2004.

SAIBA MAIS!

Para aprofundar a discussão feita acima, leia/

acesse os seguintes textos/links:

NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática na Es-

cola. São Paulo: Contexto 2001. p. 9-28.

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é,

como se faz. São Paulo, Loyola, 1999.

Site do Prof. Dr. Marcos Bagno:

http://www.marcosbagno.com.br

Page 18: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando
Page 19: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

19Capítulo 2Capítulo 2

Prof.a Angela Valéria Alves da silvaCarga Horária | 15 horas

concePções de Gramática

objetivos

ApresentarosconceitosdegramáticamaisimportantesparaoensinodeLínguaPortuguesa bem como destacar as razões para se ensinar gramática na escola.

aPresentação do caPítulo

No1ºcapítulodestadisciplina, foramdiscutidasquestões importantes,comoa diferença entre língua e gramática, o percurso histórico do ensino de Língua Portuguesa e como o ensino de gramática acontece em algumas escolas públicas.

Depois dessa discussão toda, se hoje, ao sair para o trabalho ou a iniciar suas atividades diárias, alguém lhe perguntasse:

Você sabe português?

O que você responderia?

É importante que tenha ficado evidente, na primeira etapa desta disciplina, que existe uma diferença clara entre Língua e Gramática, para que você tenha consciência de que, quando estiver, num futuro próximo, ministrando aulas de Língua Portuguesa para os seus alunos, não deve se limitar a trabalhar apenas a gramática. Esta faz, sim, parte dos elementos que constituem a língua, mas não é o único. Vale destacar, ainda, o seguinte: sendo esta apenas uma parte do que o ensino de língua se propõe a ensinar, não deve, entretanto, ser desprezado. Muito pelo contrário, seu estudo é importantíssimo, pois possibilita aos estu-dantes um domínio consciente de recursos linguísticos que poderão contribuir ricamente com suas produções textuais, quer sejam orais, quer sejam escritas.

Para melhor compreender a importância do estudo e do ensino de gramática, este capítulo estará dividido em três tópicos fundamentais:

• ConcepçõesdeGramática;

• Oquesãoregrasdegramática;

• Razõesparaseensinargramática.

Page 20: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

20 Capítulo 2

1. concePções de Gramática

Durante todo o período que você passou pela es-cola até chegar a um curso universitário, muitas vezes, foram apresentados diversos exercícios e ati-vidades baseados em questões gramaticais. E neste tópico, é importante esclarecer que, embora a esco-la, frequentemente, apresente, apenas, o conceito de gramática normativa, este não é o único que existe. Dentre os vários conceitos de gramática que são discutidos na atualidade, três deles serão apre-sentados aqui, visando esclarecer que todo e qual-quer cidadão conhece uma determinada gramá-tica, embora não tenha consciência disso. E para essa discussão, é importante levantar o seguinte questionamento:

Quando alguém se refere ao en-sino e estudo de gramática, sobre que tipo de gramática especifica-mente essa pessoa está falando?

Há três tipos fundamentais de gramática que po-dem ser discutidos:

• Gramáticainternalizada• Gramáticadescritiva• Gramáticanormativa

Vejamos detalhadamente cada uma dessas concep-ções.

1.1. Gramática internalizada

Observe a letra da música Cria interpretada pela cantoraMariaRita:

Crescendo foi ganhando espaçopulou do meu braçonasceu outro diajá quer ir pro chãojá fala mãe, já fala paijá não suja na cama, não quer mais chupeta, já come feijãoe posso até ver os meus traçosnos primeiros passos tropeça, seguro, e não deixo cair

Se cai, levanta, continua a porta da rua fechadaa criança não deixo sair da linha, da linha reflexo no espelho, levo a emoção a lágrima ameaça do olho cair

semente fecundou,já começa a existir

É cria, criatura e criadorcuida de quem me cuidoupega na minha mão me guia

(Caso tenha interesse, ouça a música no youtube: http://www.youtube.com/watch?v=aQTaS-fbHQs&feature=related)

Na letra da música Cria, há uma referência ao fato de uma criança, pouco tempo depois de ter nas-cido,sercapazdefalar.Revejaoquintoversodamúsica:

já fala mãe, já fala pai

Amúsica faz justamenteumareflexãosobreessacapacidade de uma criança ainda bem pequena ser capaz de produzir, com propriedade, palavras e frases mesmo que curtas. E sabe por que isso acon-tece? Porque as crianças aprendem a gramática de sua língua, o que lhes permite se comunicar de for-ma adequada.

SegundoAntunes(2007,p.26),essagramáticaéachamada internalizada, ou seja, aquela que

(...)abarcatodasasregrasdeusodeumalíngua.Envolve,portanto, desde os padrões de formação das sílabas, pas-sando por aqueles outros de formação de palavras e de suas flexões, até aqueles níveis mais complexos de distribuição e arranjo das unidades para a constituição das frases e dos períodos. (...)Por issoéquesedizquenãoexiste línguasem gramática. Nem existe gramática fora da língua. Ou, ninguém aprende uma língua para depois aprender a sua gramática. Qualquer pessoa que fala uma língua fala essa língua, porque sabe a sua gramática, mesmo que não tenha consciência disso.

Para melhor compreender esse conceito de gramá-tica, imagine uma situação em que uma criança de três anos de idade, ao encontrar sua mãe que che-gou do trabalho no final do dia, diz:

- Mamãe, eu te amo!

Essa criança, mesmo que já esteja indo à escola, ainda não é apresentada a estudos sobre a gramáti-ca de sua língua. No entanto, ela é perfeitamente capaz de produzir a frase acima, de forma bastante organizada e na ordem que tradicionalmente os fa-lantes adultos também produziriam.

Page 21: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

21Capítulo 2

Perceba que crianças, mesmo em fase de aprendi-zagem de sua língua, não produzem frases como a que segue:

- Amo te eu, mamãe!

Então, isso pode levar você a refletir sobre por que isso acontece. Como pode uma criança, sem nun-ca ter passado por um processo de alfabetização nem estudo sistemático da língua conseguir produ-zir frases em língua portuguesa e com vocabulário que, muitas vezes, surpreendem seus próprios pais?

Isso simplesmente ocorre porque para que uma língua tenha existência, ela precisa de um con-junto de regras que a organize e determine como devam ser produzidas as frases ou os enunciados desse idioma.A esse conjunto de regras, dá-se onome de gramática internalizada, ou seja, regras que permitem que um conjunto de elementos lin-guísticos se organize em forma de palavras, frases, textos e discurso.

Num país como o Brasil, com dimensões conti-nentais, os falantes do Amazonas só conseguementenderosseuscompatriotasdoRioGrandedoSul, porque ambos dominam o mesmo conjunto de regras que organiza a Língua Portuguesa, apesar de existirem algumas diferenças no sotaque e no vocabulário de Norte a Sul do país.

E agora que você já tomou consciência de que to-dos falantes de um país dominam uma gramática, veja o que significa uma gramática descritiva.

1.2.Gramática descritiva

Para iniciar a reflexão sobre a gramática descritiva, leia o texto abaixo.

ensinar Gramática

– Onde é que a gente vai agora, vó?– Lá na padaria da praça comprar um pão gostoso.Silêncio pensativo no banco de trás. E então:– Perto da minha casa também tem uma padaria. Os pãolá é muito bom.Momentos de indecisão. Ignorar ou corrigir?Compulsivamente:– Sabe, meu querido, a gente fala assim: OS PÃES SÃOMUITO BONS. Um pão, dois PÃES. O pão é bom, os PÃES

são bons.Novo silêncio pensativo no banco de trás. E então:– Quer dizer, vó, que PÃES é DOIS PÃO?

Flávia de Barros Carone

Na situação acima, a avó procura ensinar ao neti-nho uma regra de concordância nominal, mostran-do que se considera correto dizer “dois pães” em lugarde“doispão”.Acriançarefletesobreaob-servação da avó e tenta compreender a lógica que subjaz à construção apontada por sua avó. Nesse caso específico, o que a criança põe em uso é a gramática que ela internalizou quando aprendeu a falar.

Diante de uma situação como essa, um estudioso, um pesquisador pode fazer uso da gramática des-critiva, para tentar explicar por que a criança fala de certa maneira, ou seja, esse tipo de gramática é, na verdade, uma perspectiva de estudo que se propõe a investigar, apontar as razões de as pesso-as falarem de uma determinada forma, buscando compreender o percurso ou as relações lógicas que elasestabelecemparaconstruíremsuasfrases.Ficaevidente, portanto, que a gramática descritiva não é um conjunto de regras, mas, uma forma de in-vestigação sobre a maneira como as pessoas falam.

Você pode estar se perguntando agora: “E esse tipo de gramática deve ser ensinado na escola?” O que se pode responder sobre essa questão é o seguinte: não se vai ensinar gramática descritiva na escola, mas para você, como professor, o trabalho com essa perspectiva de análise é fundamental, pois le-vará o aluno a refletir, de forma crítica, sobre o porquê de as pessoas utilizarem determinadas es-truturas linguísticas no momento em que estão se comunicando.

Esse tipo de reflexão pode se tornar bastante inte-ressante quando, por exemplo, o professor solicita aos alunos que façam trabalhos de pesquisa nos quais eles buscam identificar o que há de comum entre a forma como os falantes usam a língua e o que determina a gramática normativa, ou seja, aquela gramática que especifica o que é certo ou errado.

Aocontrastarousodosfalantescomasdetermina-ções da gramática normativa, o professor apresenta aos estudantes as regras que regulam o falar/escre-ver de prestígio na sociedade e, ao mesmo tempo, incentiva os alunos a assumirem uma postura refle-

Page 22: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

22 Capítulo 2

xiva diante dos fatos linguísticos, compreendendo como, quando e por que a população fala/escreve de uma determinada maneira.

Para ilustrar essa questão, pense num estudo sobre regência verbal, tema bastante árido nas aulas de português, pois, normalmente é resumido à apre-sentação de uma lista de verbos na qual é deter-minado se o verbo é intransitivo ou transitivo e, ainda, como os verbos transitivos se relacionam comosseuscomplementos(sedeformadiretaouindireta).

Aotrabalharcomverboscomoassistirenamorar,por exemplo, o professor poderá solicitar aos estu-dantes que façam uma pesquisa em sua comuni-dade sobre como as pessoas empregam esses dois verbos, observando se estes, ao serem utilizados em frases diversas, apresentam complementos e, em caso positivo, como se relacionam com o núcleo verbal.

Aotrazeremosresultadosparaa saladeaula,osalunos podem ser envolvidos numa reflexão sobre os usos específicos de cada verbo. O verbo namo-rar, por exemplo, normalmente é empregado como transitivo indireto. Veja:

- Maria namora com João.

mais miudezas

Juro que não estou criticando, só constatando e tentando explicar. Os fatos que comento, como o leitor verá, são pequenos gatos, questiúnculas que escapam ao mais atento escrevinhador, e que fazem a delícia dos caçadores de erros, dos que, encontrando-os em textos de autores bas-tante letrados, ao invés de reconhecerem que as coisas (no caso, a língua) estão mudando, ou, pelo menos, que há mais coisas entre o céu e a terra do que seu manualzinho de bem escrever, berram que agora nem mesmo os intelectuais sabem nossa língua.

Aos dados, pois. Num texto de Pondé, colunista da Folha que escreve às segundas-feiras, encon-trei a passagem “mande ele ou ela elencar a lista de ‘valores’ que julga certa (não vale coisas do tipo ‘não matarás’, porque essa ideia é de Moisés)”. O probleminha estaria na sequência de pronomes (“ele ou ela”), que os defensores da pureza linguística diriam que não deve ocorrer. Em seu lugar, deveria estar um pronome oblíquo: a forma deveria ser “mande-o ou mande-a”. Dentre os vários fatores que determinaram a construção, deve estar o fato de que Pondé não poderia escrever “mande-o ou a”. Teria que repetir o verbo... Além disso, o pronome está numa posição em que pode ser tomado como objeto de “mandar” ou como sujeito de “elencar”. A tradição aceita a forma oblíqua (mande-o elencar). É a mesma que acha o fim da picada que “mim” esteja numa posição análoga em “livro para mim ler”... (os ilustres não se dão conta disso, claro, porque os temas não estão tratados na mesma página no seu pequeno almanaque).

Mas vejam este outro pequeno gato do mesmo autor: “Quando muito os pais veem os filhos à noite. Só não terceirizam os filhos quem não tem dinheiro ou mulheres sem inquietações profis-

Esse tipo de uso é muito comum, ou seja, o verbo namorar é empregado como transitivo indireto, quando, na verdade, ele é classificado pela gramá-tica normativa como um verbo transitivo direto. Entretanto, os falantes (cultos ou não) parecemdesconsiderar tal orientação.

Descobrir o porquê de tal uso é um trabalho de gramática descritiva, isto é, o aluno, diante do em-prego específico de certos elementos linguísticos, se questiona sobre aquele uso para explicar por que as pessoas falam/escrevem de uma determi-nada maneira. E após esse trabalho, os estudantes podem fazer um contraste entre o como os cida-dãos falam/escrevem em seu cotidiano e o que diz a gramática normativa sobre certos usos.

Agoraquevocêjáconhecebemasgramáticasin-ternalizada e descritiva, veja em que consiste a gra-mática normativa.

1.3. Gramática normativa

Antes de discutirmos a concepção de gramáticanormativa, leia um trecho do texto Mais Miudezas de Sírio Possenti, publicado em sua coluna no site Terra Magazine:

Page 23: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

23Capítulo 2

No texto Mais Miudezas, Sírio Possenti cita, de forma bem humorada, diversas pessoas que, ao tentarem ser extremamente corretas, respeitando a tradição linguística, cometem equívocos em rela-ção à chamada norma culta. Esta pureza linguística é regulada pela chamada gramática normativa que determina o que é certo e errado ao se falar/escre-ver em Língua Portuguesa.Releiaotrechoabaixo.

Aosdados,pois.NumtextodePondé,colunistadaFolhaque escreve às segundas-feiras, encontrei a passagem “man-deeleouelaelencaralistade‘valores’quejulgacerta(nãovale coisas do tipo ‘não matarás’, porque essa ideia é de Moisés)”.Oprobleminhaestarianasequênciadeprono-mes(“eleouela”),queosdefensoresdapurezalinguísticadiriam que não deve ocorrer. Em seu lugar deveria estar um pronome oblíquo: a forma deveria ser “mande-o ou

mande-a”.

Aosereferiroempregodospronomes ele ou ela como objeto do verbo mandar, Possenti quer des-tacar que o autor do texto comenta um desvio do padrão, o que é criticado pela gramática normati-va. Embora muitos falantes considerados cultos já empreguem em seus textos o pronome do caso reto (ele, ela) como complemento do verbo, esse usoé abominado pelas regras da gramática normativa, dizendo o que é certo e o que errado na maneira de falar/escrever.

Entretanto, é importante perceber que, embora os dois usos “mande ele ou ela elencar” ou mande-o ou mande-a elencar sejam estruturas que convi-vem na realidade linguística dos falantes do por-tuguês, apenas uma delas é considerada correta. Como essa escolha é feita e determinada?

Ora, a gramática normativa a partir de critérios pu-ramente políticos e sociais, atendendo aos anseios de um grupo com prestígio na sociedade, escolhe, estabelece quais são as formas de falar/escrever que devem ser classificadas como corretas, desconside-

rando as outras formas de construção linguística.E é nesse ponto que a gramática normativa, de cer-ta forma, falha, pois apresenta as regras do falar/escrever corretamente como se fossem as únicas opções de uso de uma língua. E sabe-se, hoje em dia, que os usuários de qualquer língua podem fa-lar de diversas formas, de acordo com o contexto em que está inserido.

Agora,vocêdeveestarseperguntandoseécorreto,portanto, trabalhar a gramática normativa em sala de aula. Embora essa questão seja discutida mais adiante, o que se pode afirmar é que não se deve deixar de estudar/ensinar tais regras, visto que elas possuem um prestígio social, ao qual todos estão sujeitos, devendo, por essa razão, conhecê-las para empregá-las em situações comunicativas específi-cas.

Não se deve, no entanto, achar ou afirmar que es-sas regras são as únicas possibilidades de uso de uma língua e que devem ser empregadas em qual-quer situação de comunicação, pois, com base nis-so, frequentemente, o ensino de português é rejei-tado pelos estudantes do ensino básico (EnsinosFundamentaleMédio),queseperguntamporqueestudam certas regras se, no dia-a-dia, eles falam diferentemente.

Esses alunos são, suficientemente, espertos para perceberem que não há uma única forma de falar e escrever e passam a questionar por que a gramática normativa determina certas regras que não se sus-tentamnaprática.Aofazercomelasareflexãoso-bre essa realidade e a importância do estudo dessas normas, o professor pode conquistar o estudante, levando-o a um maior envolvimento com as aulas de Língua Portuguesa.

Agoraquevocêjáconheceostrêstiposdegramá-tica aqui apresentados, veja uma síntese do que es-tudamos até agora.

sionais ou libertárias...”. O verbo “terceirizam” sai por conta da presença de ‘os pais” na oração an-terior (aposto meu Mattoso). O autor se deixa “enganar”, porque, segundo os sábios de almanaque (estou me repetindo demais), o verbo deveria concordar com “quem não tem dinheiro e...”. Também pode ser que ele tenha escrito “os que não têm” e depois tenha decidido mudar para “quem não tem”, esquecendo o restante. (...)

(POSSENTI, Sírio. Mais miudezas. http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI4082045-EI8425,00 Mais+miudezas.html ).

Page 24: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

24 Capítulo 2

2. o Que são reGras de Gramática?

O ensino de Língua Portuguesa na escola deve ter como foco principal desenvolver a competência co-municativa dos estudantes, de forma que eles se tornem indivíduos com capacidade de ler, escre-ver, ouvir e falar, atuando

(...)de formaeficaznasdiversas situaçõesdavida social:falando e escrevendo textos de diferentes gêneros, com di-ferentes finalidades interativas, com o adequado nível de formalidade, mobilizando e organizando as informações

namedidacerta(...).(ANTUNES,2007,p.70)

Durante certo tempo e ainda hoje, muitos profes-sores pensavam e pensam que basta ensinar regras de gramática para que os alunos consigam desen-volver eficientemente as habilidades de falar e es-crever. Isso porque diversos professores, pais e alu-nos acreditavam que a gramática e a língua eram a mesmacoisa.Masjávimosno1ºcapítuloqueelassão diferentes e que a gramática é apenas um dos componentes da língua.

Alémdisso,oestudodegramáticanaescolatemdesconsiderado que existe mais de um tipo de gra-mática e que o trabalho com cada uma delas vai depender do que o professor pretende desenvolver comseusalunos.Ademais,aprofessoraIrandéAn-tunes chama a atenção para o fato de que o que se tem estudado nas aulas de Língua Portuguesa nem sempre corresponde a regras de gramática, sendo, portanto, importante esclarecer as diferenças entre regras de gramática e nomenclatura gramatical.

Veja detalhadamente, nos próximos tópicos, essa distinção.

2.1. reGras Gramaticais

Ao fazeruma reflexão sobreoque são regrasdegramática, é importante que você tenha bastante claro o conceito de regra. Veja a definição apresen-tada pelo dicionário eletrônico Houaiss:

reGra

substantivo feminino1. aquilo que regula, dirige, rege

2. norma, fórmula que indica o modo apropria-do de falar, pensar, agir em determinados ca-sos

Ex.: regras de gramática, de um jogo

3. aquilo que foi determinado, ou se tem como obrigatóriopelaforçadalei,doscostumesetc.;lei, princípio, norma

Ex.: r. de conduta, de boa educação

Para a discussão sobre regras de gramáticas, tome-mos por base as duas primeiras definições apresen-tadas pelo dicionário Houaiss: “aquilo que regula, dirige, rege” ou ainda “norma, fórmula que deter-mina o modo apropriado de falar, pensar e agir em determinados casos”. Essas duas definições re-metem às normas que organizam a língua, ou seja, aquelas que internalizamos quando aprendemos a falar, pois não há língua sem gramática, e às nor-mas que determinam como falar apropriadamente ou corretamente.

Assim, segundoAntunes (2007, p. 71), as regrasde gramática são prescritivas, pois indicam como deve ou não deve ser o uso de diversos elementos linguísticos.Aautoradizquesãoregasdegramáti-ca, por exemplo:

SAIBA MAIS!

Para aprofundar a discussão feita acima,

leia/acesse os seguintes textos/links:

POSSENTI, Sírio. Por que (não)ensinar gra-

mática na escola? São Paulo: Mercado de

Letras, 1996.

http://terramagazine.terra.com.br/ultimas/0,,EI8425-

SUM,00.html

Perspectiva de observação e análise de uma língua que busca conhecer, compreender e explicar como os falantes usam a língua.

Conjunto de regras que os fa-lantes de uma língua domi-nam, o que lhes possibilita fa-lar um determinado idioma.

Conjuntos de regras que deter-minam o que é certo e errado no uso da língua.

CONCEPÇÃO

Gramática Descritiva

Gramática Internalizada

TIPO DE GRAMÁTICA

Gramática Normativa

Page 25: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

25Capítulo 2

• Estabeleceraconcordânciaentreosujeitoeoverbo(Ele gostadesorvete;eles gostam de sor-vete);

• Colocaroartigoantesdosubstantivonacons-truçãodefrases(O caderno é vermelho);

• Mudar a forma do substantivo para indicarquehouveflexãodegênero(ogato;agata);

• Ofalanteempregaropronomedemonstrativoeste para se referir a um objeto que está perto desi.(Este cadernoémeu).

Essas são algumas das regras de gramática que vão determinar como a língua deve ser usada em certos contextosdeinteração.Algumasdelassãoestuda-das na escola, outras são assimiladas pelas crianças quando aprendem a falar. O certo é que regras de gramática se diferenciam de nomenclaturas grama-ticais, como veremos mais adiante.

Antunes (2007) chama a atenção para o fato deque, embora as regras de gramática determinem como a língua deve ser usada, elas não são imutá-veis, ou seja, as normas da gramática estão sujeitas amudanças.Aautoraafirmaqueessasalteraçõesna língua ocorrem devido aos diversos interesses ou objetivos dos falantes da língua que buscam causar certos efeitos de sentido no momento da interação.

Exemplos dessas mudanças ou variações podem ser encontrados em poemas e letras de música. Veja a letra de música Fora de Si (sequiser,vejaovídeo com a música no site http://www.youtube.com/wa

tch?v=su6alttTk3s&feature=player_embedded), compostapelocantorecompositorArnaldoAntunes:

Fora de si

eu fico loucoeu fico fora de sieu fica assimeu fica fora de mim eu fico um poucodepois eu saio daquieu vai emboraeu fico fora de si

eu fico ocoeu fica bem assimeu fico sem ninguém em mim

Na letradamúsicaacima,ArnaldoAntunesdes-cumpre algumas regras de gramática. Vejamos um desses descumprimentos da norma que aparece no terceiro verso da letra de música, quando a regra de concordância entre o sujeito e o verbo é desres-peitada:

eu fica assim

Nesse verso, embora o sujeito esteja na primeira pessoa, o verbo foi conjugado na terceira pessoa. Você pode se questionar: será que o autor não sabia conjugar adequadamente o verbo? Eviden-temente que o desvio da norma não ocorreu por umafaltadeconhecimentodeArnaldoAntunes.Na verdade, o que aconteceu foi uma tentativa de demonstrar, por meio da linguagem, a loucura quetomavacontadoeu(personagem)quefalanamúsica. Quando a loucura toma conta da perso-nagem, ela parece se dividir em duas pessoas: um eu e outro ser. Por essa razão, o verbo ora fica na primeira pessoa, ora fica na terceira, mesmo que o sujeito seja representado sempre por um pronome de primeira pessoa.

Esse é um exemplo típico de desrespeito à regra de gramáticacomsegundasintenções(comonormal-mentesediz),oquecomprovaqueasregrasnãosão imutáveis. Entretanto, o fato de as regras serem flexíveis não significa que cada usuário da língua tem liberdade total para falar e escrever como qui-ser, pois há as normas sociais que vão limitar, com base no contexto de interação, o uso que os falan-tes podem fazer da língua. Por essa razão, a profes-soraIrandéAntunes(2007,p.72)afirma“queaslínguas são sistemas complexos”.

O problema da escola é desconsiderar essa varia-ção da língua e trabalhá-la de forma homogênea, única, como se não estivesse sujeita a mudanças.

Agoraque você já sabebemoque são regrasdegramática, veja a discussão sobre o que não são, ou seja, sobre as nomenclaturas gramaticais.

2.2. nomenclaturas Gramaticais

Asnomenclaturas,diferentementedasregras,nãodeterminam um uso específico da língua. Como afirmaAntunes(2007),otermorefere-seanomes.Toda área de estudo e toda ciência precisa de no-mes para se referir aos objetos de seu campo. Não seria diferente no campo de estudo da língua.

Page 26: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

26 Capítulo 2

Entretanto, o simples fato de nomear os elementos da língua não representa regras de uso. Para estu-dar a língua, é necessário e indispensável que se saibam os nomes das unidades gramaticais.

Então, ao estudar/ensinar a língua, você preci-sa conhecer os nomes dos elementos linguísticos para que possa se referir a eles. Por essa razão, não seria equivocado ministrar aulas em que seriam discutidos,porexemplo,os tiposdesujeito (sim-ples,composto,desinencial,indeterminado),pois,a partir desse conhecimento, o aluno poderá fazer reflexões sobre o emprego dos diversos tipos de sujeito na construção de texto. O fundamental é não ficar apenas nas nomenclaturas, como afirma Antunes(2007,p.79):

O importante é que saibamos ir além da nomenclatura, (...)atribuir-lhea funçãoque,de fato, lhecabe:adeno-mear as unidades da língua, sem que tenha, portanto, um fim em si mesma. Não teria sentido, reitero, confundir o

estudo da nomenclatura com o estudo da gramática.

Um trabalho de nomenclatura com um fim em si mesma é o que mais tem sido feito pelas escolas deEnsinosFundamental eMédio. Isso acontecequando aos estudantes é solicitado que, num texto qualquer, sejam identificadas unidades da língua. Antunes(2007,p.83)citaumexemplodeexercí-cio que ilustra bem essa situação. Veja:

Leia o texto e faça o que se pede:“Sou pretinho...Pretinho de uma perna só.Uso gorro vermelhinhoE cachimbo de cipó.Faço cada traquinada!Eu sou esperto como eu só...”

Retire do texto palavras com:Uma sílabaDuas sílabasTrês sílabasMais de três sílabas.

Se o ensino de língua deve levar o estudante a se tornar um usuário competente de seu idioma, a questão é saber como identificar palavras num tex-to pode levar o aluno a alcançar esse objetivo.

Assim, fica claroque, embora seja importante,oestudo de nomenclaturas e classificações de uni-dades linguísticas, ele não pode se resumir a isso.

3. razões Para se ensinar Gramática

Como já vimos anteriormente, o papel do ensino de Língua Portuguesa é desenvolver, aperfeiçoar a competência linguística dos falantes. Sobre essa questão,vejaoqueafirmaTravaglia(2003,p.96-97):

Parece que todos estão de acordo com a proposição de que o objetivo maior e prioritário do ensino de Língua Portuguesa, como língua materna, nos Ensinos Médio e Fundamental, é a formação de usuários competentes dalíngua, capazes de, em situações específicas de interação comunicativa, produzir textos (orais e/ou escritos) quesejam adequados à produção de determinados efeitos de sentido para a consecução de dada intenção/objetivo es-pecíficodecomunicação;e,aomesmotempo,capazesdecompreenderostextos(oraise/ouescritos)querecebem,estabelecendo/percebendo sentido(s) adequado(s) à for-ma como cada texto se apresenta construído, ao contexto sócio-histórico-ideológico e à situação imediata de comuni-cação em que ele está sendo utilizado como meio ou ins-trumento para a comunicação. Isso significa trabalhar com a competência comunicativa do falante.

Diante do que expõe o autor, um questionamento pode ser levantado: o ensino de gramática pode levar o falante a aperfeiçoar a sua competência comunicativa? Pode ajudar o produtor de textos a produzir efeitos de sentido para alcançar objetivos específicos de comunicação?

Antesderesponderaessasquestões,noentanto,oprofessor deve se perguntar: se existe mais de um tipo de gramática e qual deles deve ser trabalhado na escola?

Como já foi visto anteriormente, há, pelo menos, três tipos de gramática: a internalizada, a descritiva e a normativa. Cada uma com papéis distintos e

SAIBA MAIS!

Para aprofundar a discussão feita acima,

leia/acesse os seguintes textos/links:

ANTUNES, Irandé. Explorar nomenclatu-

ras e classificações não é estudar regras

de gramática. In: ANTUNES, Irandé. Mui-

to além da gramática: por um ensino de

língua sem pedras no caminho. São Paulo:

Parábola, 2007. p. 69-83

Page 27: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

27Capítulo 2

importantesparaaformaçãodoaluno.Ainternali-zada corresponde ao conhecimento das normas de organização de um idioma, a descritiva diz respeito a uma perspectiva de análise da língua, e a norma-tiva está relacionada às regras do falar e escrever corretamente, o que poderia ser classificada como teoriagramatical(comregrasenomenclaturasgra-maticais),parautilizarumaterminologiadeTrava-glia(2003).

Segundo o autor, é possível ensinar teoria na edu-caçãobásica(EnsinosMédioeFundamental),comtrês objetivos básicos que podem ser resumidos no quadro abaixo:

Alémdisso,Travaglia(2003,p.100)chamaaaten-ção para o fato de que o conhecimento teórico so-bre a língua, tais como sua estrutura, suas diversas variedades, a sua origem, o seu papel como meio de expressar a cultura de um povo, contribui para que seja desenvolvido o sentimento de “nacionali-dade, orgulho e amor-próprio nacional e preserva-ção cultural.”

Assim,ensinodeteoriasgramaticaispodeserde-senvolvido para atender, portanto, a duas exigên-cias fundamentais:

• conhecimentobásicoqueoscidadãosinstruí-dosdevemdominar;

• construçãodosentimentodenacionalidadeevalorização da cultural.

Resta saber quais conhecimentos e em que pro-fundidade devem ser trabalhados para atingir tais exigências. Essa é uma questão que parece não ter consenso.SegundoTravaglia(2003,p.101),pode-riam ser tratados os seguintes aspectos:

a) unidadesfundamentaisemcadaplano(fono-lógico,morfológico,sintático,semântico)ení-vel(lexical,frasal,textual);

b) as flexões e as categorias que as unidades lin-

guísticasexpressam; c) as diferentes categorias gramaticais (gênero,

número,pessoa,voz,tempo,aspecto); d) um conhecimento básico sobre construções

sintáticas; e) processos de formação de palavras e elementos

linguísticosusadosemtaisprocessos(radicais,prefixos,sufixos);

f) o funcionamento de todos esses recursos em

textosparapermitiracomunicação; g) anoçãodevariedadeslinguísticas; h) a discussão sobre as normas sociais de uso des-

sas variedades.

O professor pode, além dos elementos acima apre-sentados, selecionar outros que julgue importan-tes para ampliar o conhecimento dos estudantes.

objetivos

Instrumentalizar com recursos para aplicações práticas ime-diatas

Dar informação cultural

Desenvolver o raciocínio, a ca-pacidade de pensar, ensinar a fazer ciência.

2

1

3

Fonte: Adaptação de L. C. Travaglia, 2003.

Veja cada um desses objetivos detalhadamente.

3.1. inFormação cultural

SegundoTravaglia(2003),asociedade,deumama-neira geral, valoriza muito o conhecimento cientí-fico e exige

“de seus cidadãos conhecimentos que, embora aparente-mente não tenham qualquer aplicação imediata à vida prá-tica, são vistos como importantes para a formação do indi-víduo,docidadão.(...)Numasociedadecientíficacomoade hoje, conhecimentos básicos das diversas ciências são necessários para uma comunicação razoável em diversas situações, quer como produtores, quer como recebedores detextos.(2003,p.99).

Assim, estudar teoria gramatical é tão importan-tequantoestudarquestõesdeoutrasciências(taiscomoQuímica,Física,Matemática,História,Bio-logiaetc.)asquaistambémnãoterãoumaaplicabi-lidade imediata, mas são fundamentais para a for-mação do cidadão que, ao conhecer algumas das teorias apresentadas pelas diversas áreas de conhe-cimento, passa a ser considerado um ser instruído, culto. E muitas das interações do cidadão em socie-dade exigem dele a demonstração do domínio de tais informações.

Page 28: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

28 Capítulo 2

Vale destacar, no entanto, que o ensino de língua não pode se resumir a isso, visto que a gramática é apenas um dos elementos que compõem um idio-ma, e seu estudo unicamente, como já afirmado anteriormente, não garantirá a formação de alunos competentes linguisticamente.

3.2. instrumentalizar com recursos Para

aPlicações Práticas imediatas

Vale destacar que alguns estudos de teoria grama-tical podem, sim, apresentar utilidades práticas na vida das pessoas nas diversas atividades exercidas no dia-a-dia. Pensemos no caso dos indivíduos que necessitam produzir textos escritos em suas ativi-dades profissionais ou diárias. Ter conhecimentos sobreregrasdegramáticas(revejaadiferençaentreregras e nomenclaturas gramaticais discutidas an-teriormente)faz-sefundamentalparaqueoscida-dãos possam organizar os períodos e os parágrafos de seus textos. Eis algumas das regras importantes citadasporTravaglia(2003,p.103):

a) regras de divisão silábica que serão utilizadas por quem necessite dividir as palavras no final delinhas;

b) regras de pontuação, para marcar a diferença

entreumaperguntaeumaafirmação; c) regras de organização do texto no papel, como:

o uso de margens, início de parágrafos, desta-que ao título do texto, quando for o caso, den-tre outros aspectos.

3.3. desenvolver o raciocínio, a caPacidade de Pensar, ensinar e Fazer ciência

Buscando desenvolver o raciocínio, a capacidade de pensar, ensinar e fazer ciência, o professor pode-rá por em prática o que foi chamado anteriormen-te de gramática descritiva, pois, segundo Travaglia (2003),aquiofocoélevaroalunoaobservar,deforma crítica, os fatos que estão ao seu redor, pro-curando levantar hipóteses, buscar comprovações.

Ora, isso é o que busca fazer a gramática descritiva que pretende observar os elementos linguísticos empregados pelos falantes para compreender e ex-plicar o percurso lógico que eles percorrem no mo-mento da construção de seu texto.Aoanalisaros

exemplos de outros produtores de textos, os alunos têm acesso a exemplos de como podem, conscien-temente,

a) escrever/falarpara alcançar certos efeitos emseus próprios textos e

b) verificarqueestratégiaseusoslinguísticosse-riam prejudiciais a seus textos de acordo com o contexto.

Esse tipo de trabalho leva o aluno a perceber que as regras da língua não são imutáveis, pois os fa-lantes a manipulam para atender às suas necessi-dades comunicativas que são definidas com base nocontextodeinteraçãoaquesãoexpostos.Alémdisso, auxiliará o estudante no desenvolvimento de sua competência comunicativa, visto que poderá ser explorado para a melhoria da produção textual bem como do processo de interpretação dos diver-sos gêneros textuais que circulam em sociedade.

Espera-se agora que você tenha construído uma ideia clara de que gramática e aspectos linguísticos podem ser explorados nas aulas de Língua Portu-guesa.

Atéopróximocapítulo!

SAIBA MAIS!

Para aprofundar a discussão feita acima,

leia/acesse os seguintes textos/links:

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Para que ensi-

nar teoria gramatical. In: TRAVAGLIA, Luiz

Carlos. Gramática – Ensino Plural. São Pau-

lo: Cortez, 2003.

Page 29: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

29Capítulo 2

GLOSSÁRIO

AbominAr - detestar, odiar

AnálogAs - semelhante, parecido, afim

AssimilAr - absorver e incorporar (uso, costume, técnica, cultura, modo de agir etc.); ser absorvido e incorporado

ConstAtAr – tomar conhecimento; percebe

mobilizAr - pôr(-se) em ação (conjunto de pessoas) para uma tarefa, uma campanha etc.

perCurso – caminho determinado; itinerário, roteiro

subJAz – está por debaixo

terCeirizAção - forma de organização estrutural que permi-te a uma empresa transferir a outra suas atividades-meio.

terminologiA - conjunto de termos específicos ou sistema de palavras usado numa disciplina particular (p.ex., a ter-minologia da botânica, da marinharia, da matemática); nomenclatura

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por um ensino de língua sem pedras no cami-nho. São Paulo: Parábola, 2007.

POSSENTI, Sírio. Por que (não)ensinar gramá-tica na escola? São Paulo: Mercado de Letras, 1996.

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática – Ensino Plural. São Paulo: Cortez, 2003.

Page 30: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando
Page 31: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

31Capítulo 3

Prof.a Angela Valéria Alves da silvaCarga Horária | 15 horas

Gramática e textualidade

objetivos

Mostrar a relação entre a gramática e o desenvolvimento de textos, evidenciando que os elementos linguísticos são fundamentais para a elaboração e leitura dos mais variados textos.

aPresentação do caPítulo

Nos dois primeiros capítulos, você estudou conceitos fundamentais para com-preender a gramática como um elemento que constitui a própria linguagem e que esta não teria existência sem aquela.

Você viu também a importância de se estudar gramática e como o seu conheci-mento ajuda no desenvolvimento do raciocínio de cada um de nós.

Agora,nósvamosfazerumadiscussãoquedarácontinuidadeaoquefoivistoaté então, e você poderá perceber, mais especificamente, como estudar gramática pode realmente ajudá-lo a construir textos coerentes, coesos e com efeitos de sentido que podem influenciar o leitor de forma bastante positiva.

Agora,vocêpodemaisumavezestarseperguntandocomoépossívelestudara gramática no texto sem que este seja apenas um pretexto para identificar e classificar elementos linguísticos. Para compreender melhor essa questão, neste capítulo, você verá a relação estreita entre a gramática e a sua textualidade.

Qual é a relação entre o texto e a gramática?

Para entender essa relação, este capítulo está dividido em três tópicos:

• Fatoresdatextualidade; • A reiteração na construçãodotexto; • A conexão e a sequencializa-ção do texto.

Capítulo 3

Page 32: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

32 Capítulo 3

d) asconvenções(regras,leis,princípios,normas,valores).

Há certos textos que só fazem sentido quando em-pregados nos contextos adequados. Pensemos, por exemplo, numa placa indicativa de direção como a seguinte:

Autilizaçãodessaplacasó fazsentido,se foruti-lizada no local adequado. Se fosse colocada no corredor de um hospital, causaria estranhamento àqueles que por ali transitam, pois o ambiente não permite a ultrapassagem de veículos. O seu empre-go só faz sentido, se ela for exposta numa estrada ou rodovia.

Da mesma forma, as placas indicativas de silêncio em hospitais, de salas e seções em instituições di-versas(frasesdesituação).Tudodevetersuautili-zação adequada à situação.

A placa indicativa de si-lêncio não faria sentido se exposta numa rodovia.

Isso se aplica, também, à linguagem verbal, que ganha um formato específico de acordo com o contexto em que é empregada. Cada momento de interação, com seus participantes específicos e o tema desenvolvido, exige da linguagem uma rou-pagem que deve ser respeitada pelos interactantes. Caso contrário, a comunicação pode não ser bem sucedida.

1.2. intencionalidade e aceitabilidade

A intencionalidade e a aceitabilidade são essen-ciais para que uma manifestação linguística cons-titua um texto. Estão estreitamente interligadas e

1. Fatores da textualidade

SegundoVal(1999,p.5),atextualidadecorrespon-de “ao conjunto de características que fazem com que um texto seja um texto” e não um amontoado ou apenas uma sequência de frases. Para a autora e muitos outros estudiosos da área, são sete os fa-tores que compõem essas características responsá-veis por transformar um grupo de palavras em um texto:

• Coerência• Coesão• Intencionalidade• Aceitabilidade• Situacionalidade• Informatividade• Intertextualidade

Os cinco últimos fatores acima citados estão di-retamente relacionados ao contexto, por isso são chamados de fatores pragmáticos. Já os dois pri-meiros estão ligados, respectivamente, à questão conceitual e ao material linguístico do texto.

Vamos aqui ver o papel de cada um deles, mas, devido aos objetivos específicos deste capítulo, nós nos deteremos na coesão textual, pois ela está dire-tamente relacionada aos aspectos gramaticais que nos interessam.Ao estudarmos a coesão textual,você poderá perceber que relação existe entre a gra-mática que você estuda ou já estudou no ensino básico e a própria constituição do texto.

Essa percepção faz-se fundamental para que, quan-do professor, você possa mostrar a seus alunos o porquê de se estudar gramática, evidenciando que a própria construção do texto necessita do empre-go adequado de suas regras e recursos.

1.1. situacionalidade

Asituacionalidadedizrespeitoaocontextoquein-dica o uso adequado de algo ou de alguma ideia no momento específico.

Para se respeitar a situacionalidade, é preciso con-siderar:

a) otemadadiscussão;b) asrelaçõesdasposiçõessociais;c) asfunçõesdecadaindivíduonacomunicação;

Page 33: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

33Capítulo 3

podem determinar se uma sequência de frase é ou não um texto. Vejamos em que consiste cada uma delas, para que sejam melhor compreendidas:

• Intencionalidade – intenção do emissor deproduzir uma manifestação linguística

coesiva e coerente com capacidade de satisfa-zer os seus objetivos numa dada situação co-municativa.

Aoconstruirumtexto,osujeitoofazcomobjeti-vos específicosquepretendeatingir.Assim, todotexto é organizado com uma configuração de for-ma que estes possam ser alcançados. Para isso, é preciso saber selecionar o vocabulário certo, os recursos linguísticos que favoreçam o desenvolvi-mento de efeitos de sentido que levarão à obtenção dos objetivos almejados. • Aceitabilidade – atitude dos receptores de

aceitar a manifestação linguística como um texto coesivo e coerente, que tenha para eles alguma utilidade ou relevância.

A predisposição do leitor/ouvinte em aceitar amanifestação linguística como um texto é impor-tantíssima. Imaginemos a situação em que um professor de redação se depara com as produções escritasdeseusalunos.Aoanalisarostextos,odo-cente tem em mente uma certa configuração que ele espera encontrar na construção dos estudantes. Se a estrutura não corresponde ao que ele espera para o gênero que o aluno deveria desenvolver, o texto fica prejudicado em sua textualidade naquela situação comunicativa.

1.3. inFormatividade

Dependendo do que se pretende produzir, a infor-matividade ganha grande relevância, pois torna o texto rico e interessante para quem o lê ou ouve. Um texto é menos informativo quanto maior a previsibilidade dos dados apresentados e mais in-formativo quanto menor a sua previsibilidade. Se-gundoVal(1999),elepodeapresentar:

a) Grau baixo de informação(grau1):apenasin-formaçãoesperada/previsível;

b) Grau médio de informação (grau 2): infor-

mação esperada/previsível e imprevisível/não esperada.

c) Grau alto de informação (grau 3): apenasinformação inesperada/imprevisível.

Evidentemente que isso varia de acordo com o pú-blico a que o texto se destina e aquele que pode parecer de baixo grau de informatividade para um grupode estudantesdo cursodeFísicapode serde alto grau de informação para alunos do curso de Letras.

Veja o texto abaixo para compreender melhor essa questão:

Urânio-235 e Urânio-238

O urânio-235 é um elemento químico que possui 92 prótons e 143 nêutrons no nú-cleo. Sua massa é, portanto, 92 + 143 = 235.

Além do urânio-235, existem, na natureza, em maior quantidade, átomos com 92 pró-tons e 146 nêutrons (massa igual a 238). São também átomos do elemento urânio, porque têm 92 prótons, ou seja, número atômico 92. Trata-se do urânio-238, que só tem possibilidade de sofrer fissão por nêu-trons de elevada energia cinética (os nêu-trons “rápidos”).

Já o urânio-235 pode ser fissionado por nêutrons de qualquer energia cinética, pre-ferencialmente os de baixa energia, deno-minados nêutrons térmicos (“lentos”).

Fonte: http://www.fisica.com.br/images/Docs/Apostilas/Energia_Nuclear.pdf.

Evidentemente, para um aluno de Letras, o grau de informatividade do texto acima pode ser consi-deradodegrau3,poisapresentaparaeleumnú-mero de informação inesperada/imprevisível mui-to alto. Por essa razão, esse estudante deve ter mais dificuldade de ler o texto que um aluno do curso de física que já tem algum conhecimento sobre a energia nuclear.

SegundoVal(1999,p.14),oníveldeinformativi-dade ideal de um texto é o mediano. Veja o que afirma a autora sobre essa questão:

(...) o ideal é o texto semanter numnívelmediano deinformatividade, no qual se alternam ocorrências de pro-cessamento imediato, que falam do conhecido, com ocor-rências de processamento mais trabalhoso, que trazem a

novidade.

Page 34: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

34 Capítulo 3

Num texto, se existem apenas informações já co-nhecidas, seu conteúdo torna-se desinteressan-te para o leitor, por não lhe acrescentar nada de novo, tornando-se redundante até. Por outro lado, se há apenas informações completamente novas, a sua leitura é mais difícil, pois é um todo desconhe-cidoparaoleitor.Porisso,Val(1999)afirmaqueajunção de informações novas relacionadas àquelas já construídas por quem lê o texto é o grau de in-formatividade mais adequado.

1.4. intertextualidade

A intertextualidade diz respeito ao fato de umtexto ser dependente de um ou mais textos pre-viamente existentes. Ela pode acontecer, segundo Koch(2002),emdoisníveisdistintos:

a) Intertextualidade no conteúdo – o entendi-mento de um texto depende do conhecimento de outros. Veja um exemplo desse fenômeno:

canto de reGresso à Pátria

OswalddeAndrade

Minha terra tem palmaresOnde gorjeia o marOs passarinhos daquiNão cantam como os de lá

Minha terra tem mais rosasE quase que mais amoresMinha terra tem mais ouroMinha terra tem mais terra

Ouro terra amor e rosasEu quero tudo de láNão permita Deus que eu morraSem que volte para lá

Não permita Deus que eu morraSem que volte pra São PauloSem que veja a Rua 15E o progresso de São Paulo

O texto acima é uma releitura do poema escrito por Gonçalves Dias, A Canção do Exílio. Nesse caso, temos um exemplo claro em que o próprio conteúdo do poema de Gonçalves Dias é retoma-do, estabelecendo a interligação entre a Canção do ExílioeotextodeOswalddeAndrade.Vejaaver-são de Gonçalves Dias:

canção do exílio

Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite, Mais prazer eu encontro lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores, Que tais não encontro eu cá; Em cismar –sozinho, à noite– Mais prazer eu encontro lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que desfrute os primores Que não encontro por cá; Sem qu’inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá.

De Primeiros cantos - 1847

http://www.horizonte.unam.mx/brasil/gdias.html.

OtextodeOswalddeAndradeéumaretomadaexplícita do texto de Gonçalves Dias, mas há casos que, embora não haja essa explicitude, é possível o leitor perceber num texto a referência a outros anteriormente produzidos. Não vamos aqui nos aprofundar nessa questão, pois o nosso interesse principal é a relação entre gramática e textualida-de, o que pode ser melhor observado no fator da coesão textual.

b) Intertextualidade na forma – há textos quemantêm relação com outros por imitar-lhe a forma.A produção abaixo, sem autoria comcirculação livre na Internet, é um exemplo cla-ro desse tipo de intertextualidade:

Page 35: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

35Capítulo 3

Este texto, embora seja de caráter humorístico, assume a estrutura de uma bula de remédio. O choque entre a forma da bula e a do texto de humor causa o riso, efeito de sentido pretendido pelo produtor do texto.

A BULA DO HOMEM

Indicações:

HOMEM é recomendado para homens e mulheres em geral. Homem é efi-caz no controle do desânimo, da ansiedade, irritabilidade, mau humor, in-sônia, tpm, depressão, etc.

Posologia e Modo de usar:

HOMEM deve ser usado, no mínimo, três vezes por semana. Não desa-parecendo os sintomas, aumente a dosagem ou procure outro. Homem é apropriado para uso externo ou interno, dependendo das necessidades. Uso oral também é indicado.

Precauções:

Mantenha longe do alcance das amigas e amigos. Manuseie com cuidado, pois HOMEM explode sob pressão, principalmente quando associado a álcool etílico. É desaconse-lhável o uso imediatamente após as refeições.

Apresentação:

“Mini”, “Midi”, “Plus”, “Maxi Plus” e “Ai, Será Que Eu Aguento?” (Ui!)

Conduta na Overdose:

O uso excessivo de HOMEM pode produzir: dores abdominais, entorses, contraturas lombares. Re-comenda-se repouso e contar vantagem para a melhor amiga.

Efeitos Colaterais:

O uso inadequado de HOMEM pode acarretar gravidez e acessos de ciúmes. O uso concomitante de produtos da mesma espécie pode causar enjoo, fadiga crônica e, em casos extremos, lesbianismo.

Prazo de Validade:

O número do lote e a data de fabricação encontram-se na cédula de identidade e no cartão de crédito.

Composição:

Água, tecidos orgânicos, ferro e vitaminas do complexo P. Atenção: não contém CIMANCOL.

Cuidado:

Existem no mercado algumas marcas falsificadas: a embalagem é de excelente qualidade, mas, quando desembrulhado, se verifica-se que o produto não fará efeito nenhum, muito pelo contrário, o efeito é totalmente oposto, ou seja, além de não ser eficaz no tratamento das mulheres, podem agravar os sintomas e até inibir o efeito do medicamento correto.

Fonte: Adaptação. http://www.mdig.com.br/index.php?itemid=3054.

Page 36: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

36 Capítulo 3

2. coesão e coerência

A discussão sobre coesão e coerência é bastanteconhecida e já está inserida nas escolas do ensino básico, há alguns anos. Não faremos, entretanto, aqui uma análise aprofundada sobre as diferenças entre esses dois fatores da textualidade, visto que o nosso interesse é mostrar como a gramática está presente na construção dos textos. Ainda assim,vale apresentar algumas informações sucintas so-bre o papel desses dois elementos na construção do texto.

Inicialmente, é importante destacar que a coerên-cia está relacionada à unidade semântica do texto. Você já deve ter ouvido alguém dizer: - Esse texto não tem coerência.

O que isso significa?

Muitas vezes, isso não indica que o texto não tem umaunidadedesentido,nãoécompreensível.Acoerência do texto pode ser prejudicada pela má utilização de recursos gramaticais e lexicais que es-tabelecem a coesão do texto, ou seja, que fazem o elo entre as palavras dentro da produção verbal do sujeito. Mas nem sempre problemas de coesão são os causadores da falta de coerência. É possível ha-ver textos coerentes sem que elementos explícitos de coesão sejam empregados. O oposto também pode acontecer, ou seja, haver diversos elementos de coesão no desenvolvimento do texto, mas este não apresentar nenhuma unidade de sentido, sen-do, portanto, incoerente. Vejamos abaixo os exem-plos1e2analisadosporVal(1999):

a) Hácertostextosquesãocoesos,masnãosãocoerentes.

Exemplo 1:No rádio toca um rock. O rock é um ritmo moderno. O coração também tem ritmo. Ele é um músculo oco composto de duas au-rículas e dois ventrículos.

Veja que, no exemplo acima, existem elementos interligando os períodos do texto:

• no segundo período – a repetição do termorock;

• noterceiroperíodo–arepetiçãodotermorit-mo;

• noquartoperíodo–aretomadadotermoco-

ração por meio do pronome ele.

Nesse caso, o que acontece é o seguinte: existe uma coesão textual, mas não há unidade de sentido, pois os dois primeiros períodos estão relacionados ao tema rock, e os dois últimos estão se referindo aocoração.Assim,pode-seperceberclaramenteainconsistência do texto. Para que uma produção linguística tenha coerência, ela precisa ter uma continuidade temática, ou seja, o assunto nela tratado necessita ser o mesmo do começo ao fim. Isso não significa, no entanto, que o texto deva ser redundante, repetitivo do ponto de vista informa-tivo.

Assim,emboraoempregodoselementos linguís-ticos (gramaticais e lexicais) seja importantíssimona construção do texto, eles não garantem a sua coerência.

b) Háoutrostextosquesãocoerentes,apesardenão apresentarem elementos explícitos de coe-são.

Se o emprego de elementos linguísticos não ga-rante a coerência do texto, a sua ausência também pode não prejudicá-la. É o que pode ser visto no exemplo abaixo em que não há recursos coesivos explícitos e, mesmo assim, existe uma unidade de sentido bem visível.

Exemplo 2: O Pedro vai buscar as bebidas. A Sandra tem que ficar com os meninos. A Tereza ar-ruma a casa. Hoje eu vou precisar da ajuda de todo mundo.

Veja que, nos três primeiros períodos, não existe nenhum elemento coesivo, havendo apenas na úl-tima frase a retomada com a expressão todo mun-do. Mesmo assim, fica evidente que o sujeito enun-ciador está fazendo uma distribuição de tarefas.

Noexemplo3,tambémficaclaraaunidadedesen-tido, com a descrição das atividades de um empre-sário, desde o momento em que acorda, seguido da enumeração de suas atividades profissionais, finalizando com o retorno à sua residência. Perce-bemos tudo isso, apesar de o texto não apresentar

Page 37: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

37Capítulo 3

elos coesivos explícitos. Isso confirma que, para a coerência, não é essencial a existência desse tipo de elemento.

Exemplo 3:Como se conjuga um empresário

Acordou. Levantou-se. Aprontou-se. Lavou-se. Barbeou-se. Enxugou-se. Perfumou-se. Lanchou. Escovou. Abraçou. Beijou. Saiu. Entrou. Cumprimentou. Orientou. Con-trolou. Advertiu. Chegou. Desceu. Subiu. Entrou. Cumprimentou. Assentou-se. Pre-parou-se. Examinou. Leu. Convocou. Leu. Comentou. Interrompeu. Leu. Despachou. Conferiu. Vendeu. Vendeu. Ganhou. Ga-nhou. Ganhou. Lucrou. Lucrou. Lucrou. Lesou. Explorou. Escondeu. Burlou. Safou-se. Comprou. Vendeu. Assinou. Sacou. De-positou. Depositou. Depositou. Associou-se. Vendeu-se. Entregou. Sacou. Depositou. Despachou. Repreendeu. Suspendeu. Demi-tiu. Negou. Explorou. Desconfiou. Vigiou. Ordenou. Telefonou. Despachou. Esperou. Chegou. Vendeu. Lucrou. Lesou. Demitiu. Convocou. Elogiou. Bolinou. Estimulou. Beijou. Convidou. Saiu. Chegou. Despiu-se. Abraçou. Deitou-se. Mexeu. Gemeu. Fun-gou. Babou. Antecipou. Frustrou. Virou-se. Relaxou-se. Envergonhou-se. Presenteou. Saiu. Despiu-se. Dirigiu-se. Chegou. Beijou. Negou. Lamentou. Justificou-se. Dormiu. Roncou. Sonhou. Sobressaltou-se. Acordou. Preocupou-se. Temeu. Suou. Ansiou. Ten-tou. Despertou. Insistiu. Irritou-se. Temeu. Levantou. Apanhou. Rasgou. Engoliu. Be-beu. Rasgou. Engoliu. Bebeu. Dormiu. Dormiu. Dormiu. Acordou. Levantou-se. Aprontou-se...

c) Àsvezes,aexplicitaçãodacoesãonãoéneces-sária, outras vezes sim.

Nosexemplos4e5,Val(1999)mostraque,nopri-meiro caso, a indicação clara da coesão não é ne-cessária, pois o leitor poderá facilmente identificar otipoderelaçãoestabelecidaentreosperíodos.Jánoexemplo5,omesmonãoocorre.Aausênciadaexplicitação da coesão pode fazer com que o leitor tenha diversas interpretações distintas. Por isso, quando se quer direcionar o percurso interpreta-tivo do leitor, é importante explicitar as relações coesivas entre os períodos, pois isso impedirá que

ele faça uma interpretação diferente da pretendida pelo sujeito produtor.

Exemplo 4: A máquina parou. Está faltando energia elé-trica. Choveu. O chão está molhado.

Nesse exemplo, fica clara a relação de causa e con-sequência entre os períodos. O mesmo não ocorre noexemploabaixo(Paulo saiu. João chegou).Nes-se caso, há diversos tipos de relação que podem ser subtendidos, caso o produtor textual não deixe suficientemente claro que ele pretende dizer. Veja:

Exemplo 5: Paulo saiu. João chegou.Paulo saiu assim que João chegou.Paulo saiu, mas João chegou.Paulo saiu, porque João chegou.Paulo saiu, apesar de João ter chegado.Se Paulo saiu, João deve ter chegado.

No exemplo acima, há diversos tipos de relação que podem ser subtendidos, caso o produtor textu-al não indique claramente em que sentido ele quer que o leitor interprete o seu texto. Os elementos linguísticos que estabelecem a coesão do texto são, na verdade, espécie de sinalizadores que direcio-nam a interpretação do leitor.

Agoraquevocêteveumavisãopanorâmicasobrea coesão e a coerência, discutiremos mais especifi-camente relação entre ambas para explicitar como estão conectadas à gramática.

Segundo Antunes (2005), a continuidade temá-tica de um texto é construída pelas relações de reiteração, associação e conexão.Assim, temos acontinuidade de sentido, ou seja, a continuidade semântica que se estrutura por meio de recursos linguísticos.

Veja na próxima página a reprodução do quadro elaborado pela autora no qual ela apresenta tais relações e os procedimentos que se desdobram em diversos recursos.

Page 38: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

38 Capítulo 3

Você pode observar, no quadro acima, que as re-lações textuais de reiteração, associação e conexão são estabelecidas por meio de recursos gramaticais e lexicais. Os gramaticais são aqueles representa-dos por pronomes, preposições, conjunções, ad-vérbios, já os lexicais são os constituídos de sinô-nimos, hiperônimos, antônimos, dentre outros recursos.

Das relações textuais acima apresentadas, discuti-remos alguns dos recursos da reiteração e da co-nexão por melhor atenderem aos objetivos deste capítulo.

1.1.1. Paráfrase

Recursos(Campo 3)A

C

O

E

S

Ã

O

D

O

T

E

X

T

O

Procedimentos(Campo 2)

1. REITERAÇÃO

Relações textuais(Campo 1)

1.1.2. Paralelismo

1.1. Repetição

1.1.3. Repetição propriamente dita

•de unidades do léxico;• de unidades da gramática

1.2.2. Substituição lexical

Retomada por: •Sinônimos;•Hiperônimos;•Caracterizadores situacionais.

1.2. Substituição 1.2.1. Substituição gramatical

Retomada por:• Pronomes;• Advérbios.

1.2.3. Elipse •Retomada por elipse

2.1. Seleção lexical

2. ASSOCIAÇÃO

Seleção de pala-vras semantica-mente próximas

• por antônimos;• por diferentes modos de relações de parte/todo.

3.1. Estabelecimento de relações sintático-semânti-cas entre termos, orações, períodos, parágrafos e blocos supraparagráficos.

3. CONEXÃO

Uso de diferentes conectores

• preposições;• conjunções;• advérbios e res-pectivas locuções.

3. a reiteração na construção do

texto

Dos casos de reiteração, consideramos interessan-terefletirsobreodasubstituição(porsinônimos,porpronomesoupelaelipse).Emambososcasos,o que ocorre é a retomada de elementos do texto anteriormente citados. Esses procedimentos são importantíssimos para a construção do texto, pois, como vimos no item da informatividade, qualquer produção textual depende da relação entre infor-maçõesesperadas(dadas)einesperadas(novas).Asinformações esperadas dentro do texto são aque-las que conseguem dar continuidade temática, ou seja, estabelecem a manutenção do tema do texto, pois, após serem introduzidas, são sistematicamen-te retomadas no desenvolvimento do texto.

Page 39: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

39Capítulo 3

Sobre essa questão, veja, no texto acima, que a manutenção do assunto é assegurada pelo uso da elipse que garante ainda que a palavra galo não sejarepetidadesnecessariamente.Revejaotrechoseguinte:

Os verbos vivera, tivera e esperava representam informações novas a respeito do mesmo galo. Por essa razão, o tipo de sujeito que os acompanha é o elípticooqual, segundoAntunes, indicaaconti-nuidade do tema de que se fala.

Jáosujeitosimpleseosujeitocomposto,represen-tados por substantivos, podem também ser empre-gados sempre que o uso do sujeito elíptico venha causar um problema de coerência no texto. Volte-mos mais uma vez ao texto acima para refletirmos

sobreessaquestão.Nalinha4,osujeitodoverbo fez é o galo. Se o sujeito empregado fosse o elíptico, haveria um problema nas informações subsequentes, pois a elipse po-deria se referir tanto ao galo quanto à gali-nha. Por isso, a importância de se empregar o sujeito simples.

Ademais,o sujeito simpleseo sujeitocomposto,quando representados por substantivos, podem ser analisados também do ponto de vista discursivo, isto é, a partir do caráter argumentativo que eles trazem para o texto. Isso quer dizer que, ao repetir um termo ou ao substituí-lo por outro qualquer (umsinônimo,umhiperônimoouumantônimoouatémesmoumpronome),osujeitoofazcoma intenção de provocar efeitos de sentido bastante específicos.

Veja abaixo o texto de Luís FernandoVeríssimoque pode ilustrar bem o caráter argumentativo dos termos a partir da simples substituição de um por outro.

inimiGos

O apelido de Maria Teresa, para Norberto, era “Quequinha”. Depois do casamento, sempre que-ria contar para os outros uma da sua mulher, o Nor-berto pegava sua mão, carinhosamente, e começava: - Pois a Quequinha ...

VejaoqueAntunes (1999,p.52) fala a esse res-peito:

Areiteraçãoé a relaçãopelaqualos elementosdo textovão de algum modo sendo retomados, criando-se um mo-vimentoconstantedevoltaaossegmentosprévios–oqueassegura ao texto a necessária continuidade de seu fluxo, de seu percurso -, como se um fio o perpassasse do início ao fim. É por isso que todo texto se desenvolve também num movimento para trás, de volta, de dependência do que foi dito antes, de modo que cada palavra se vai ligando

às outras anteriores, e nada fica solto.

Como essa reiteração pode ocorrer por meio de elementos gramaticais, gostaria de fazer aqui uma reflexão sobre o seu emprego num texto, para que fique clara a relação entre a gramática e a textuali-dade.Vejao textoabaixoanalisadoporAntunesa partir do qual ela discute o emprego da elipse. Acrescentamos, também, a reflexão sobre algunsdostiposdesujeito(simples,compostoeelíptico,maisconhecidocomooculto)quetradicionalmen-te os alunos estudam na escola.

Em certo dia de data incerta, um galo velho e uma galinha nova

encontraram-se no fundo de um quintal e, entre uma bicada e

outra, trocaram impressões sobre como o mundo estava

mudado. O galo, porém, fez questão de frisar que sempre vivera

bem, tivera muitas galinhas em sua vida sentimental e agora,

velho e cansado, esperava calmamente o fim de seus dias.

1.

2.

3.

4.

5.

6.

No início do texto acima, existe a introdução de uma informação nova por meio do sujeito compos-to um galo velho e uma galinha nova (linha1),sobre o qual se indica que ambos se encontraram. Como o produtor do texto permanece falando so-breasavesemfoco,nalinha3,utiliza,diantedoverbo trocaram, o sujeito elíptico que estabelece a continuidadetemáticadotexto.Ainda,nalinha3,há o emprego do sujeito simples representado pelo sintagma nominal.

Essa troca de um sujeito elíptico para um sujeito simples (representado por um substantivo) reve-la a troca de uma informação esperada por uma informação inesperada, ou seja, nova. Isso deixa claro que o sujeito simples bem como o composto, quando representados por substantivos, podem, na maior parte das vezes, introduzir novas infor-mações no texto, o que faz com que este tenha progressão;jáosujeitoelíptico(oculto)eosujeitosimples representado por um pronome estabele-cem a continuidade temática do texto, evitando, também, repetições não funcionais.

O galo, porém, fez questão de frisar que sempre vivera

bem, tivera muitas galinhas em sua vida sentimental

e agora, velho e cansado, esperava calmamente o fim de

seus dias.

Page 40: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

40 Capítulo 3

E a Quequinha, dengosa, protestava: - Ora, Beto! Com o passar do tempo, o Norberto deixou de cha-mar a Maria Teresa de Quequinha; se ela estivesse ao seu lado, e ele quisesse se referir a ela, dizia: - A mulher aqui. Ou, às vezes: - Esta mulherzinha... Mas nunca mais de Quequinha. (O tempo, o tempo. O amor tem mil inimigos, mas o pior deles é o tempo. O tempo ataca em silêncio. O tempo usa armas químicas.) Com o tempo, Norberto passou a tratar a mulher por “Ela”. - Ela odeia o Charles Bronson. - Ah, não gosto mesmo. Deve-se dizer que o Norberto, a esta altura, embora a chamasse de Ela, ainda usava um vago gesto da mão para indicá-la. Pior foi quando passou a dizer “essa aí” e apontar com o queixo. - Essa aí... E apontava com o queixo, até curvando a boca com um certo desdém. (O tempo, o tempo. O tempo captura o amor e não o mata na hora. Vai tirando uma asa, depois a ou-tra...) Hoje, quando quer contar alguma coisa da mulher, o Norberto nem olha na sua direção. Faz um me-neio de lado com a cabeça e diz: - Aquilo...

(Luís Fernando Veríssimo. Novas comédias da vida privada.

Porto Alegre: L&PM, 1996. p. 70-1.)

Vejaque,notextodeLuísFernandoVeríssimo,asubstituição do termo Quequinha por outros, tais como mulher, mulherzinha e, na sequência, ela, essa aí, terminando com aquilo, pode ser analisada nãoapenasdoaspectolinguístico(seasfrasesemque esses termos aparecem estivessem terminadas, provavelmente, eles representariam o sujeito sim-plesdaoração)mastambémdoqueindicasobrearelação do casal de que o autor fala.

Apartirdessesexemplos,épossívelperceberare-lação estreita entre a própria constituição do texto, ou seja, a sua textualidade e alguns dos aspectos da gramática que os alunos estudam na escola. Se, além de explorarmos os tipos de sujeito, debru-çássemo-nos um pouco mais sobre o emprego dos pronomes e dos advérbios, por exemplo, muito poderíamos descobrir sobre a intencionalidade do sujeito falante e os efeitos que ele pretende alcan-çar com a produção de seu texto.

4. a conexão e a seQuencialização do texto

Aconexão,assimcomoareiteração,estáaserviçoda sequencialização do texto. Entretanto a diferen-ça entre ambas reside no fato de que a primeira é utilizada para conectar elementos do texto, quer sejam termos ou porções textuais, como orações e períodos,parágrafosouatésegmentosmaiores;jáa segunda serve para retomar termos e auxiliar na continuidade temática do texto.

Segundo Antunes (2005), a conexão ocorre pormeio de advérbios, locuções adverbiais, preposi-ções, conjunções bem como locuções prepositivas e conjuntivas, o que torna esses elementos funda-mentais para a organização geral do texto. Para a autora, analisar os recursos gramaticais nesse sen-tido é dar a seu estudo uma perspectiva da textu-alidade.

Alémdisso,Antunes(2005)chamaaatençãoparao fato de que, além de articular termos ou segmen-tos maiores do texto, os conectores também ser-vem para apontar a orientação argumentativa que osujeitoquerdaraseutexto.ParaAntunes(2005,p.144),oimportanteé:

• entender a função dos conectores como ele-mentos de ligação de subpartes do texto (se-jam essas partes termos, orações, períodos, parágrafosoublocosmaioresdotexto);

• entender esses conectores como elementos

indicadores de relações de sentido e de orien-tações argumentativas pensadas para o texto.

Os conectores são estruturadores do texto e sinali-zam a sua orientação argumentativa. Para compre-endermos melhor essa questão, analisemos o pa-pel dos conectores que indicam relação de adição e oposição, no texto abaixo, retirado da prova do ENEMde2009:

Apartirdametadedo séculoXX,ocorreuumconjuntode transformações econômicas e sociais cuja dimensão é difícil de ser mensurada: a chamada explosão da informa-

ção. Embora essa expressão tenha surgido no contexto da informação científica e tecnológica, seu significado, hoje, em um contexto mais geral, atinge proporções gigantescas.

Por estabelecerem novas formas de pensamento e mesmo de lógica, a informática e a Internet vêm gerando impac-

Page 41: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

41Capítulo 3

tossociaiseculturaisimportantes.Adisseminaçãodomi-crocomputador e a expansão da Internet vêm acelerando o processo de globalização tanto no sentido do mercado quanto no sentido das trocas simbólicas possíveis entre sociedades e culturas diferentes, o que tem provocado e acelerado o fenômeno de hibridização amplamente carac-terizado como próprio da pós-modernidade.

FERNANDES, M. F.; PARÁ, T. A contribuição das novas tecnologias da informação na geração de conhecimento. Disponível em: http://www.

coep.ufrj.br. Acesso em: 11 ago. 2009 (Adaptado).

Antesde analisarmosos conectores emdestaqueno texto, é importante destacar que esses elemen-tos são trabalhados pela escola e pela gramática tra-dicional apenas para serem classificados em textos ou em frases descontextualizadas. Ora, qualquer estudo gramatical que se preocupe somente com a classificação dos elementos linguísticos é bastante limitado, pobre. Isso não quer dizer que classificar seja um problema. De forma alguma. Essa ativida-de é importante, mas não suficiente.

A perspectiva de análise proposta por Antunes(2005),alémdepossibilitaroestudodaclassifica-ção(emboranãosejaessaapreocupaçãodaauto-ra),levaoalunoaperceberosconectores(conjun-ções,preposições,advérbiosetc.)comoelementosorganizadores do texto, com funções bastante de-finidas que sinalizam também a orientação argu-mentativa do texto.

No texto acima, por exemplo, destacamos o conec-tor embora, além da conjunção e, para podermos perceber como esses recursos funcionam dentro dotexto.Oprimeirodeles(embora)introduzumaoração que estabelece uma relação de oposição com a oração seguinte. Veja:

Embora essa expressão tenha surgido no contexto da in-formação científica e tecnológica, seu significado, hoje, em um contexto mais geral, atinge proporções gigantescas.

Nesse período composto, há duas informações:

1ª. a expressão (explosão da informação) surgiuno contexto da informação científica e tecno-lógica;

2ª. o significado dessa expressão atingiu propor-

ções gigantescas.

Do ponto de vista tradicional, a escola levaria o estudante apenas a classificar a oração introduzida pelo embora como uma oração subordinada ad-verbial concessiva. Mas não mostraria que entre as informações apresentadas nas orações articuladas pelo conector há uma hierarquia, de forma que uma delas ganha maior destaque que a outra, ou seja, existe uma que assume uma força maior que a outra.

Nesse caso, a informação de que a expressão ex-plosão da informação surgiu num determinado contexto, apesar de ser importante, não é o fun-damental da notícia. O principal está na oração que indica o fato de a mesma expressão ter atin-gindo proporções gigantescas. Isso quer dizer que, num período composto em que uma das orações é introduzida pelo embora, o argumento de maior força está na oração seguinte. Veja que, além de in-troduzir uma oposição, o embora cria uma relação hierárquica entre as informações, sinalizando para o leitor qual é o argumento mais importante.

O mesmo ocorre com o emprego do mas. A di-ferença está no fato de que, enquanto o embora apresenta o argumento mais frágil, o mas introduz o argumento de força maior. Veja o título da no-tícia abaixo retirado do jornal FolhaOnline em22/09/06:

Pobreza cai, mas ainda atinge 42,6 mil-hões de brasileiros, diz FGV

No período acima, há duas informações:

1ª. adequeapobrezacaiu;

2ª. adeque continua a atingir 42,6milhõesdebrasileiros.

No formato em que a notícia foi divulgada, o que importa mais não é o fato de a pobreza ter caído e,sim,deaindahaver42,6milhõesdebrasileirosna pobreza.

Diferentemente do que ocorre com o embora e o mas, o conector aditivo e, normalmente, não in-troduz orações numa relação hierárquica. Pelo con-trário, as orações articuladas pelo e aditivo têm a mesma força e vão numa mesma direção argumen-tativa.Revejaotrechodotextoacima:

1 Além das relações de adição e oposição, Antunes (2005) afirma existirem ainda os seguintes tipos: causalidade, condicionalidade, temporalidade (sequência temporal ou textual), finalidade, alternância, conformidade, complementação, delimitação, justificação, conclusão e comparação.

Page 42: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

42 Capítulo 3

A disseminação do microcomputador e a expansão da Internet vêm acelerando o processo de globalização tan-to no sentido do mercado quanto no sentido das trocas simbólicas possíveis entre sociedades e culturas diferentes, o que tem provocado e acelerado o fenômeno de hibri-dização amplamente caracterizado como próprio da pós-

modernidade.

No caso acima, temos dois exemplos de conexão por meio do e.

O primeiro deles coloca em relação dois sintagmas nominais(Adisseminaçãodomicrocomputador;aexpansãodaInternet)quetêmomesmopapel,ouseja, o de indicar os elementos que vêm acelerando o processo de globalização. Veja que entre os dois sintagmas nominais não há uma hierarquia que determina qual das informações é mais forte ou importante que a outra.

O segundo exemplo é organizado na mesma pers-pectiva,poisindicaduasações(provocado e acele-rado)queoprocessodeglobalizaçãotemcausado.Essas ações também não são apresentadas numa relação hierárquica, por isso o emprego da conjun-ção aditiva e.Resumindo:aconjunçãoaditivaar-ticula termos, orações, períodos que não possuem hierarquia entre si e seguem numa mesma direção argumentativa.

A discussão sobre os articuladores pode ser bas-tante ampliada, se levarmos em consideração os demais conectivos e os outros tipos de relação que eles estabelecem.

Glossário

ConFigurAção - organização de elementos interligados para operar como um sistema ou uma estrutura.

HierArquiA – relação de subordinação entre os elementos de um grupo.

redundAnte – repetitivo.

sintAgmA nominAl - unidade linguística organizada com a junção de um núcleo (p. ex., um verbo, um nome, um adjetivo etc.) e de outros termos, formando uma locução para auxiliar na formação da oração.

reFerências

ANTUNES, Irandé. Lutar com Palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola, 2005.

KOCH, Ingedore. Argumentação e Linguagem. São Paulo: Cortez, 2002.

______. A Coesão Textual. São Paulo: Contex-to, 2002.

KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e Compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2006.

______. Ler e Escrever: estratégias de produção textual. São Paulo: Contexto, 2009.

VAL, Maria Helena da Costa. Redação e Textua-lidade. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

SAIBA MAIS!

ANTUNES, Irandé. Lutar com Palavras: coe-

são e coerência. São Paulo: Parábola, 2005.

KOCH, Ingedore. A Coesão Textual. São

Paulo: Contexto, 2002.

Cortez, 2003.

Page 43: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

43Capítulo 4

Prof.a Angela Valéria Alves da silvaCarga Horária | 15 horas

ProPosta de ensino de Gramática em seus

diFerentes níveis

aPresentação do caPítulo

Neste capítulo, você terá acesso a uma discussão sobre a prática de linguagem na escola, cujos estudos têm apontado para a necessidade de transformação, pois o seu ensino, até então, é centralizado na análise da gramática unicamente.

O que ocorre no ensino básico, de uma maneira geral, é um trabalho que não relaciona a gramática com a produção de texto e, muito menos, com a literatura. Isso, segundo muitos autores, ocorre devido à concepção de língua adotada pela escola que a encara, apenas, como um código, ou seja, um conjunto de regras e normas de uso da linguagem.

Com base nessa discus-são,Geraldi(1995),apon-tando um novo caminho para o ensino de Língua Portuguesa, propõe um trabalho que esteja ba-seado em três eixos cen-trais e não, apenas, num deles, a saber (SUASSU-NA, MELO, COELHO,2006):

• Leitura–compreensãodosentidodotexto,oqualtraz,emsi,oqueumsujeitoprodutorquisdizer;

• Produção de texto – atividade pormeio da qual o sujeito registra a sua

compreensãoouvisãodemundo; • Análise linguística – estudo dos recursos da linguagem que busca com

preender como os elementos linguísticos e sua forma de organização são empregados para expressar o que o sujeito produtor do texto tem a dizer.

Com base nisso, fica claro que o estudo da gramática não se resume a um proces-so de identificação e classificação dos recursos linguísticos. Muito mais impor-tante do que isso, estudar gramática é compreender por que um certo elemento gramatical foi empregado no texto e como conseguiu expressar determinado sentido.

Gramática

Literatura Redação

A integração é possível?

Capítulo 4

Page 44: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

44 Capítulo 4

Assim,ficaevidentequeotrabalhosópodeserrea-lizado de forma contextualizada, a partir de análise de um texto específico em que as regras e os ele-mentos linguísticos apareçam em funcionamento.

Para isso, é preciso relacionar a leitura com a re-dação, com a gramática e com o estudo da litera-tura, pois, ao ler os mais variados textos literários, se bem orientado, o estudante perceberá as estra-tégias e os recursos gramaticais empregados pelos autores para alcançar certos efeitos de sentido, conscientizando-se de que isso não é realizado ale-atoriamente.

Essa forma de organização dos textos também ser-ve como possibilidade de usos para o estudante em suas próprias produções textuais. É assim, portan-to, que estudar a literatura, a redação e a gramática (pormeiodaanáliselinguística),deformaintegra-da, torna-se viável.

Mas você deve estar se perguntando:

Como organizar atividades de Língua Portuguesa de forma que o estudo da literatura, produção de texto e gramática seja interligado?

Para tentar responder a esta pergunta, este capítulo está dividido em três partes:

a) oensinodelínguanumaperspectivadeproje-to;

b) sequênciasdidáticas;c) elaboraçãodeprojetoparaoensinodegramá-

tica.

Apartirdostrêsitensacimaapresentados,ficaex-plícito aqui que a nossa discussão estará centrali-zada no estudo e desenvolvimento de projeto. Isso porque, com esse tipo de trabalho, a organização das atividades de linguagem pode, sim, relacionar a literatura, a gramática e a redação.

Na verdade, o desenvolvimento das aulas numa perspectiva de projetos exige de professor e alunos uma postura diferenciada face ao objeto de conhe-cimento. O trabalho não pode ser feito nos moldes tradicionais, com o professor apenas apresentando os conteúdos a serem construídos pelos estudan-tes. Nessa nova perspectiva, alunos e docentes se envolvem na realização de uma série de atividades que terá um produto final. Para obter esse produto final, todos se envolvem e utilizam os conhecimen-

tos das diversas matérias ou disciplinas escolares.

No nosso caso específico, vamos tentar relacionar o estudo da gramática, da literatura e da produção textual. Vamos à discussão de cada um dos tópicos acima para que você possa melhor compreender de que forma essa integração pode ser estabelecida.

1. o ensino de línGua numa PersPectiva de Projeto

Paralelamente a toda discussão em torno do ensino de língua e literatura, muitas teorias sobre a peda-gogiadeprojetostêm-sedesenvolvido.Avantagemdessa perspectiva de trabalho está justamente no fato de possibilitar a articulação dos mais variados conteúdos, o que é de fundamental importância para nós que precisamos integrar literatura, reda-çãoegramática.Ademais,segundoGandim(2002apud SUASSUNA;MELO;COELHO, 2006, p.231),apedagogiadeprojetospossuioutrasvanta-gens:

a) possibilitaoestudodetemasvitais,deinteres-sedosalunosedacomunidade;

b) permite e requer aparticipaçãode todos,de

modo que o aluno não fica apenas na postura passivade“receber”conteúdos;

Page 45: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

45Capítulo 4

processo interativo bastante intenso não só com o seu professor mas também com os próprios es-tudantes que interagem entre si. E tudo por meio da leitura, da produção textual e da reflexão sobre aspectos gramaticais e textuais.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais de LínguaPortuguesa(1998,p.87apudROJO,2000,p.36),oprojetoéotrabalhoque“temumobjeti-vo compartilhado por todos os envolvidos, que se expressa em um produto final em função do qual todos trabalham e que terá, necessariamente, des-tinação, divulgação e circulação social” dentro da escola ou mesmo fora dela.

Segundo os PCNs, o projeto se desenvolve numa atividade de linguagem (algum texto, oral ou es-crito, que os alunos deverão produzir: seminário, peça teatral, debate público etc.), organizadaporsequências didáticas.

Você agora deve estar se perguntando: e em que consistem as sequências didáticas?

Essa será justamente a discussão do próximo tópi-co deste capítulo. Veremos claramente que o estu-do da gramática e de qualquer que seja o eixo de trabalho com a língua portuguesa pode ser realiza-do de forma articulada com os outros eixos, tendo o texto como ponto de partida para as reflexões sobre a língua, o que proporciona aos estudantes um maior desenvolvimento de sua capacidade co-municativa.

c) abreperspectivasparaaconstruçãodoconhe-cimento,apartirdequestõesconcretas;

d) oportunizaaexperiênciadavivênciacríticae

criativa; e) ajuda o educando a desenvolver capacidades

amplas, como a observação, a reflexão, a com-paração,asoluçãodeproblemas,acriação;

f) criaumclimapropícioàcomunicação,àcoo-

peração, à solidariedade e à participação.

Como você pode notar, o trabalho, na perspectiva de projetos, possibilita ao estudante uma formação muito mais ampla, pois, a partir de temas centrais e situações concretas, o aluno refletirá sobre o co-nhecimento e sua aplicabilidade, o que estimula a sua consciência crítica com as atividades em que ele deve observar, ponderar, comparar fenômenos e resolver problemas.

Para isso, o aluno necessita se comunicar, quer seja com a linguagem escrita, quer seja com a lingua-gem oral (ou ainda pormeio da linguagem nãoverbal).Eparaarticularaoralidadeeaescrita,éobrigatório o uso e a interpretação de recursos lin-guísticos, além das estratégias de estruturação do texto.

Alémdisso,paraSuassuna,MeloeCoelho(2006,p.232):

(...)oprojetodidático/temáticopermiterecuperaromovi-mento intrínseco à prática da linguagem: ler o que o outro disse;compararcomumoutrodizerdeumoutrosujeito;verificarasdiferentesformasdedizer;teroprópriotextolido;procurardizerdeumcertomodo;buscarinformaçõessobrecomodizer; avaliarosdiferentesefeitosde sentidodo dizer... são práticas de professores e alunos que, juntos, atuam como produtores de significados.

Como já foi dito anteriormente, o projeto didáti-co consiste no desenvolvimento de uma série de atividades em torno de um tema central, com o objetivo de produzir algum produto cultural, tec-nológico etc. É justamente na realização das etapas do projeto, como afirmam os autores acima, que o estudante será levado a ler e reler o próprio texto assim como o de seus colegas e de outros autores (literários ounão), selecionará recursos e estraté-gias para dizer o que tem a dizer, refletirá sobre os efeitos de sentido de determinados elementos lin-guísticos. Dessa forma, o aluno participará de um

SAIBA MAIS!

HÉRNANDEZ, F.; VENTURA, M. A organiza-

ção do currículo por projetos de trabalho: o

conhecimento é um caleidoscópio. Porto Ale-

gre: Artmed, 1998.

ROJO, Roxane. Modos de transposição dos

PCNs às práticas de sala de aula: progres-

são curricular e projetos. In: ROJO, Roxane

(Org.). A prática de linguagem em sala de

aula. São Paulo: EDUC; Campinas: Mercado

das Letras, 2000.

SUASSUNA, Lívia; MELO, Iran Ferreira de;

COELHO, Wanderley Elias. O projeto didá-

tico: forma de articulação entre leitura, lite-

ratura, produção de texto e análise linguísti-

ca. In: BUZEN, Clécio; MENDONÇA, Márcia.

Português no ensino médio e formação de

professor. São Paulo: Parábola, 2006.

Page 46: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

46 Capítulo 4

2. seQuências didáticas

Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz são autoressuíços que, ao se debruçarem sobre o ensino de gêneros textuais, em seu país, desenvolveram uma interessante teoria a qual apresenta o trabalho com o texto, a partir da organização de sequências didá-ticas. Por essa razão, vamos conhecer um pouco o que os autores produziram sobre o tema para que você possa ter uma ideia do caminho que deve se-guir, quando professor, para integrar as atividades deleitura(comaliteratura),aproduçãotextualea gramática.

2.1. seQuências didáticas Para a linGuaGem oral e Para a escrita

Como se sabe, o estudante nativo não vai à escola para aprender a falar a sua língua materna. Nor-malmente, o estudante começa a falar muito antes de frequentar os estabelecimentos de ensino for-mal. Por isso, o papel da escola de educação básica (EnsinoFundamentaleMédio)éaperfeiçoaraca-pacidade comunicativa do estudante, seja ela oral, seja ela escrita.

SegundoSchneuwlyeDolz(2004),esseaperfeiço-amento deve ocorrer sobretudo para as situações comunicativas públicas escolares e extraescolares. Isso porque, o indivíduo, nas situações comuni-cativas privadas, particulares, ou seja, aquelas que ocorrem com o pai, a mãe, os irmãos ou amigos, na maior parte das vezes, não apresenta dificuldade, conseguindo, portanto, se comunicar com tranqui-lidade.

O mesmo não acontece quando o estudante deve interagir com um público fora do seu ciclo de ami-zade e familiar. É justamente para essas situações de comunicação pública que os autores afirmam haver necessidade de um ensino que leve os estu-dantes a escreverem textos e a expressarem-se oral-mente, de forma adequada.

Para isso, é indispensável que sejam criadas contex-tos de produção bastante claros, além da realização de atividades ou exercícios diversos, por meio dos quais os alunos poderão se apropriar dos conceitos e das técnicas necessárias ao aperfeiçoamento de sua capacidade comunicativa oral ou escrita.

Como já afirmamos anteriormente, essa capacida-

de será melhor desenvolvida, se o trabalho com a Língua Portuguesa for realizado com projetos, nos quais os alunos são envolvidos em diversas situa-ções que exigem a participação efetiva de cada um deles.

E para organizar projetos, é necessário preparar bem as sequências didáticas que serão desenvolvi-das para colocá-los em prática. Segundo Schneu-wlyeDolz (2004,p.97), a sequênciadidática“éum conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito” cuja finalidade é “ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de texto, permitindo-lhe, assim, escrever, ou falar de uma maneira mais adequada numa dada situação de comunicação.”

Sua estrutura é composta por diversas etapas, como pode ser visto no esquema abaixo produzido porSchneuwlyeDolz(2004,p.98):

Apresentação da situação

produção final

produçãoinicial

módulo 1

módulo 2

módulo 3

esQuema da seQuência didática

Page 47: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

47Capítulo 4

Vejamos detalhadamente cada uma dessas etapas:

I. Apresentação da situação–temoobjetivodeexpor aos alunos um projeto de comunicação o qual terá um produto final que deverá ficar pronto no final de todas as etapas da sequên-cia. Esse é um momento de discutir com os alunos que produto final eles construirão, se um debate, se um júri simulado, se uma carta argumentativa etc., de forma que eles possam visualizar que produção textual será construí-da.SegundoSchneuwlyeDolz(2004),aapre-sentação da situação ocorre por meio de duas etapas:

a) Apresentar um problema de comunicação bem definido–projetocoletivodeproduçãode um gênero oral ou escrito. Isso quer dizer que os alunos terão um problema de comuni-cação a resolver o qual deverá ser solucionado por meio da produção escrita ou oral deles. Para isso, devem ser levantadas as seguintes questões

• Qual o gênero que será abordado? Se os alunos precisam fazer uma apresentação sobre um livro de literatura ou um paradi-dático que eles leram ou estão lendo, eles devem escolher um gênero específico que seja adequado para esse tipo de situação comunicativa, como o debate, a resenha, uma peça teatral etc

• A quem se dirige a produção? Deve-se dei-

xar claro quais são os destinatários do gê-nero a ser produzido, pois isso influencia no formato da produção bem como na lin-guagem que será utilizada para desenvolvê-la. No caso da leitura do livro de literatura ou paradidático, não é interessante os alu-nos apresentarem apenas para o professor conferir se eles realmente leram o livro. Se-ria bem interessante, se eles pudessem pro-duzir, por exemplo, resenhas que seriam enviadas ao jornal do colégio ou expostas nomuralda turma.Apreocupação aquié que haja uma circulação social do texto produzido.

• Que forma assumirá a produção? Os alu-

nos devem decidir se vão fazer um texto em forma de poema, de carta, uma peça teatral, um jogral etc. Isso leva a reflexões

sobre o tipo de parágrafos a serem produzi-dos, a presença de diálogos ou não, dentre outras questões.

• Quem participará da produção? Todos os

alunos podem participar em grupo ou in-dividualmente. Há certos gêneros que po-dem ser produzidos em grupo, há outros que funcionam melhor, quando desenvol-vidos por duplas ou individualmente.

Como você pode ver, a fase da apresentação da situação é, na verdade, uma definição sobre as condições de produção do gênero bem como um planejamento para que ele possa ser construído de forma organizada. E pode-se perceber que é possí-vel, sim, integrar a leiturade livros literários (ounão)comaproduçãodetexto.

Mais adiante, você verá que também questões gra-maticais podem ser exploradas nesse tipo de tra-balho.

b) Preparar os conteúdos dos textos que serão produzidos –nessemomento,osalunosdeci-dirão que temas serão trabalhos pelo grupo ou se haverá um tema geral com subtemas que se-rão explorados por grupos distintos da turma. Alémdisso,otemaescolhidopoderáintegrara discussão não apenas entre a literatura, a gra-mática e a produção textual, mas envolver tam-bém outras disciplinas como Geografia, Histó-ria, Ciências etc. O importante é que tudo seja sempre desenvolvido em torno de um projeto que a turma necessita realizar e que ficou deci-dido nesse momento da apresentação inicial.

II. Primeira Produção–essaetapaémuito im-portante, pois a partir da primeira produção, o professor pode verificar o que seus alunos sa-bem, que conhecimentos já estão construídos e o que necessita ser melhorado, aperfeiçoado. SegundoSchneuwlyeDolz(2004),nessaetapasão feitas duas atividades:

a) Um primeiro contato com o gênero–osalu-nos fazem uma primeira versão do gênero e podem refletir sobre as dificuldades que têm para produzi-lo, buscando encontrar soluções para resolver os problemas enfrentados com a estrutura formal do gênero ou com a articula-çãoentreosparágrafos,períodos,etc.;

Page 48: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

48 Capítulo 4

b) Realização prática de uma avaliação formati-va e primeiras aprendizagens–pormeiodaprimeira produção, o professor vai refinar o processo de realização das etapas da sequência, pois terá uma visão real das potencialidades bem como das fraquezas de seus alunos e, as-sim, auxiliará os estudantes no desenvolvimen-to de suas habilidades.

III. Os módulos – a partir do desenvolvimentodos módulos, serão focalizados os problemas que apareceram na primeira produção para os alunossuperaremassuasdificuldades.Assim,o professor, pode incluir a reflexão sobre ele-mentos gramaticais, por meio da qual os alu-nos perceberão como e quando melhor utilizá-los na produção de texto.

Segundo Schneuwly eDolz (2004), no desenvol-vimento dos módulos, é importante estar atento para os problemas que podem pertencer a níveis diferenciados:

• Representação da situação de comunica-ção–oalunodeveaprenderafazerumarepresentação adequada do seu destinatá-rio, dos objetivos almejados (convencer,divertir,informaretc.),deseupapelcomosujeito(eleescreveefalaapenascomoalu-no ou como representante de seu grupo ou de sua turma? Como um ser ficcional ouumserreal?);

• Elaboração dos conteúdos–oalunodeve

estar atento às diversas técnicas que podem ser utilizadas para obter, criar ou elaborar conteúdos(discussões,debates,anotações,leiturasetc.);

• Planejamento do texto –oplanodede-

senvolvimento do texto deve estar de acor-do com o que se pretende alcançar ou de acordo com o interlocutor para o qual o texto será produzido.

• Realização do texto - o aluno deve ser

capaz de selecionar a linguagem adequa-da ao texto em foco, refletindo sobre o vocabulário apropriado, os melhores re-cursos coesivos, tais como as conjunções, os pronomes, os advérbios, os sinônimos etc. que possam estruturar a produção ou ainda introduzir bem os argumentos. Veja

que a realização do texto permite o estu-do específico de questões gramaticais, sem que o trabalho com a leitura e a produção textual seja deixado de lado. É a partir dos textos dos alunos que a reflexão iniciará e é para essas mesmas produções que o estu-do da gramática se voltará.

Schneuwly e Dolz (2004) também sugerem quehaja uma variação nas atividades e nos exercícios que serão desenvolvidos no decorrer dos módulos. Para os autores, existem três grandes categorias de atividades e de exercícios:

• Atividades de observação e de análise de textos–quandosepretendeproduzirumdeterminado gênero e não se conhece bem ainda o seu formato ou funcionamento, é fundamental ler e analisar textos de um mesmo gênero. Por exemplo, se os estu-dantes vão produzir uma resenha sobre um livro de literatura, é interessante que eles leiam diversas resenhas sobre outros livros para que possam compreender a sua organização. Fazer a comparação en-tre uma resenha e um gênero diferente, como uma carta ou outro qualquer, pode ser também bastante elucidativo para o estudante, pois, ao perceber as diferenças entre eles, estará sedimentando para si as características da resenha.

• Atividades simplificadas de produção de

textos –nessecaso,oalunoserialevadoaproduzir partes de um determinado gêne-ro para melhor dominar a sua produção em outros contextos reais de interação. Se-riam exemplos de atividades simplificadas a transposição de um texto narrativo em explicativo, desenvolver uma parte do tex-to que está faltando, elaborar argumentos sequenciados em favor de um determina-do ponto de vista etc.

• Elaboração de uma linguagem comum–a linguagem exercitada deve ser clara para comentar, criticar ou melhorar os textos produzidos em sala de aula. O estudante deve ser capaz de comentar o próprio texto ou de seus colegas.

Alémdessasatividades,SchneuwlyeDolz (2004)dizem que é preciso “capitalizar as aquisições”, ou

Page 49: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

49Capítulo 4

3. elaboração de Projeto Para o ensino de Gramática

Como vimos anteriormente, o desenvolvimento de um projeto envolve diversos tipos de atividades, não sendo possível, portanto, trabalhar isolada-mente a gramática sem relacioná-la com os outros eixos do ensino de língua portuguesa, a saber: a leitura, a literatura e a produção de texto.Alémdisso, o projeto deve estar relacionado à realidade dos estudantes, para que eles se envolvam verdadei-ramente em todas as etapas a serem desenvolvidas.

Por essa razão, consideramos interessante propor umprojetoparaumaturmade2º.AnodoEnsinoMédio, a qual poderá ser dividida em grupos para melhor realização das tarefas exigidas. Lembre-se

de que o projeto deve articular a leitura, a literatu-ra, a gramática e a produção textual.

Interessante será propor aos estudantes a produção de uma revista em comemoração ao aniversário da escolaemqueestudam.Aescolhadarevistaocor-re pela possibilidade de abrigar variados gêneros textuais.Aideiaéadefazerumlevantamentohis-tórico sobre a escola e disponibilizar a revista para a biblioteca da escola. Para isso, os gêneros propos-tos aos alunos serão o depoimento, a entrevista e a reportagem. Evidentemente que tudo poderá ser rediscutido com os estudantes, para que o envolvi-mento deles seja o maior possível.

Então, vejamos as etapas de desenvolvimento do projeto a partir da construção da sequência didá-tica.

I. Apresentação inicial – expor para os alunosdo 2º.Ano a proposta de produção de umarevista em comemoração ao aniversário da es-cola, para a qual eles deverão produzir o de-poimento, a entrevista e a reportagem. Esse trabalho será desenvolvido em um semestre. Vale destacar que, nesse momento, os alunos deverão decidir quem irá entrevistar, quem dará um depoimento e qual será o subtema a ser explorado na reportagem. É interessante esclarecer que a revista fará parte do acervo da biblioteca da escola e terá até um lançamento em dia festivo com a presença, se possível, dos pais, professores e colegas de outras turmas.

Então, devido à realização do projeto, as produ-ções textuais dos alunos não serão descontextuali-zadas e sem propósito, o que normalmente ocorre nas aulas de redação de diversas escolas públicas e particulares do Brasil.

Como o tema do projeto é o aniversário da esco-la, pode-se propor aos estudantes a leitura de dois textos, um conto e um romance: o primeiro escrito porMachadodeAssis e intituladodeContodeEscola (disponível em http://www.dominiopublico.gov.

br/download/texto/bn000005.pdf), o segundo escritoporRaulPompéiacomotítulodeO Ateneu(dis-ponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/

texto/ua000191.pdf).Ambosostextostratamdotemaescola e as relações que se estabelecem nela. Lê-los e interligá-los à realidade da escola dos alunos é um excelente exercício, além de servir de ponto de partida para a produção textual que os estudan-

SAIBA MAIS!

DOLZ, J.; NOVERRAZ, M.; SCHNEUWLY,

B. Sequências didáticas para o oral e a

escrita: apresentação de um procedimen-

to. In: SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêne-

ros orais e escritos na escola. Campinas:

Mercado das Letras, 2004.

seja, após o desenvolvimento de cada sequência, é importante registrar os conhecimentos construí-dos sobre o gênero no desenvolvimento dos módu-los. Eles sugerem fazer uma “lista de constatações ou de lembrete ou glossário”, para que os estu-dantes escrevam o vocabulário adquirido e/ou as novas regras aprendidas sobre o gênero em estudo.

IV A produção final – a sequência é finalizadacom uma produção final que é o resultado de todo o trabalho desenvolvido nos módulos. Assim,oalunopodeporempráticaas ferra-mentas e as noções que ele aprendeu e aperfei-çoou. Essa produção também permite ao pro-fessor realizar uma avaliação somativa, ou seja, aquela em que será estabelecida uma nota. Nesse caso, a avaliação deve estar baseada em critérios que foram explorados no desenvolvi-mento da sequência.

No próximo tópico, será elaborada uma proposta de projeto que envolva o trabalho com a gramática, a literatura e a produção textual.

Page 50: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

50 Capítulo 4

tes deverão construir e para o estudo da Literatura com as características do estilo literário a que os textos estão atrelados.

II. Primeira produção – aos alunos poderá sersolicitada a produção de uma entrevista com algum professor ou funcionário da escola que possa trazer informações históricas sobre o seu funcionamento eorganização.Apartirdessaatividade de escrita, o professor deve selecio-nar os elementos gramaticais que serão explo-rados para aperfeiçoar a escrita dos estudantes (questões de pontuação, ortografia, empregodos tempos verbais, frases completas ou in-completas, maior uso da coordenação que da subordinação são alguns dos exemplos citados porSchneuwlyeDolz),refletindosobreosen-tido que eles constroem quando empregados daquela forma numa produção textual. O pro-fessor pode fazer, para si e para os estudantes, um mapa com os assuntos que necessitam de discussão e que serão trabalhados nos módu-los da sequência didática. É interessante tam-bém verificar a relação entre esses elementos e o programa de língua portuguesa estabelecido pela escola para que este também possa ser ex-plorado.

III. Modulo 1 –noprimeiromódulo,oprofessor

pode desenvolver aulas de literatura com a lei-tura do Conto de Escola, discutindo o contex-to cultural em que o texto foi produzido bem como as suas características literárias. Alémdisso, as aulas de gramática poderão explorar algumas das questões linguísticas selecionadas na entrevista produzida pelos estudantes. Por fim, a própria entrevista deverá ser objeto de discussão com o grupo que fará a leitura de outras entrevistas para comparar com a que foi produzida em sala a qual poderá ser aper-feiçoada após a discussão sobre estrutura do texto analisado. Não se deve esquecer de que a reescrita tem um papel fundamental e faz par-te do processo de produção, não devendo ser deixado de lado.

Veja que todas essas atividades não poderão ser de-senvolvidas em uma semana apenas. Cabe ao pro-fessor fazer uma distribuição das atividades pelo número de aulas que ele tem disponível.

IV. Módulo 2 - este módulo deve continuar explo-rando a integração entre a literatura, o estudo

da gramática e a produção de texto. Caso o Conto de Escola tenha sido suficientemente trabalhado no módulo anterior, o professor pode começar a reflexão sobre o romance O Ateneu,deRaulPompéia.Comoolivrofalada experiência de um estudante ao começar a frequentar a escola, o gênero textual a ser ex-plorado nesse módulo deverá ser o depoimen-to. Veja que aqui há uma relação estreita entre oquefoilidonolivroOAteneueaproduçãotextual dos estudantes. Eles, provavelmente, farão comparações entre as diversas realidades descritasnostextoslidos(ocontoeoroman-ce)eoquelhesfoirelatadoparaosdepoimen-tos que escreverão.

AlémdeOAteneu, é importante que os alunosleiam textos de outros domínios discursivos, sobre-tudo depoimentos (que poderão também ser as-sistidos)e,emseguida,produziram,elesmesmos,depoimentos a partir do que professores, funcioná-rios ou alunos da escola relataram sobre a sua expe-riência na instituição. É importante não esquecer que toda produção textual deve passar pelo pro-cesso da reescrita, etapa obrigatória de qualquer atividade de construção textual.

Já as questões gramaticais discutidas deverão seranalisadas a partir do seu uso, tanto nas produções escritasdosestudantesquantonolivroOAteneu.É importante, sobretudo, refletir sobre os efeitos que certos usos provocam nos textos, contribuindo ou prejudicando o sentido do que se deseja expres-sar.

V. Módulo 3 –aqui,maisumavez,aintegraçãoentre leitura, produção e gramática deve con-tinuar. E o gênero textual explorado será a reportagem. Como nos módulos anteriores, é importante realizar a leitura de diversas repor-tagens sobre temas diversos para que os alu-nos possam analisar, discutir e refletir sobre a suaorganização.Aprodução textualdosdis-centes poderá explorar as transformações nas relações entre professor e aluno ao longo dos anos, tema de interesse tanto para os estudan-tes quanto para os docentes.

. VI. Produção final – como já foi explicitadona

apresentação inicial, a produção final des-se projeto é a revista que integrará os textos produzidos pelos alunos. Caso os estudantes não possam imprimir os textos numa gráfica

Page 51: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

51Capítulo 4

É evidente que o número de módulos pode ser maior ou menor que três. Tudo depende do proje-to que se pretende desenvolver com os estudantes. Se o projeto for bimestral, o número de módulo deverá ser menor. Entretanto, se o projeto for anu-al, por exemplo, é evidente que serão necessários muitos outros módulos para se atingir a produção final.

Ademais o projeto de Língua Portuguesa podeestar atrelado a um outro que é desenvolvido no âmbito escolar, com a participação de outras disci-plinas, o que proporcionará atividades multidisci-plinares. Tudo depende da proposta da escola e de seu Projeto Político Pedagógico.

esQuema da seQuência didática

Apresentaçãoda situação

Produção inicial:

entrevista

Produçãofinal:

revista

Módulo 1

- Leitura de conto de escola;- produção/ reescrita da entrevista;- gramática.

Módulo 2

- Leitura do romance O Ateneu;- produção/ reescrita do depoimento;- gramática.

Módulo 3

- Leitura de reportagens;- produção/ reescrita da reportagem;- gramática.

SAIBA MAIS!

http://www.dominiopublico.gov.br

SUASSUNA, Lívia; MELO, Iran Fer-

reira de; COELHO, Wanderley Elias.

O projeto didático: forma de articu-

lação entre leitura, literatura, pro-

dução de texto e análise linguística.

In: BUZEN, Clécio; MENDONÇA,

Márcia. Português no ensino médio

e formação de professor. São Paulo:

Parábola, 2006.

deverão fazer um trabalho no computador da escola ou até manualmente. Caberá ainda ao professor orientá-los quanto à organização da revista que necessita de ilustração para a capa, um sumário e um texto que apresenta a proposta do periódico. É interessante marcar um dia para o lançamento da re-vista, com a presença dos professores, pais, amigos e colegas de outras turmas.

Como você pode notar, todo esse trabalho envolverá, de forma bastante atrativa, todos os alunos da turma, diversificando as atividades desenvolvidas na escola. Veja, abaixo, o gráfico que ilustra a sequência didática utilizada para o desenvolvimento do projeto em questão:

Projeto: produção de revista em comemoração ao aniversário da escola:

Page 52: 2a edição | Nead - UPE 2010ww1.ead.upe.br/nead20201/conteudos/letras/3_periodo/pratica_iii/... · livro Muito além da Gramática, faz uma explana-ção sobre essa questão, afirmando

52 Capítulo 4

Glossário

ApropriAr-se – tomar para si como uma propriedade.

disCentes – aqueles que estudam.

eluCidAtivo – explicativo.

FoCAlizAr – concentrar.

gêneros textuAis – são os mais variados textos materializa-dos, verbais – escritos ou orais – e não verbais com carac-terísticas formais e sociocomunicativas (estas determinadas pela cultura de uma determinada comunidade). É por meio dos gêneros textuais que o sujeito interage na sociedade.

ponderAr – examinar com atenção.

sedimentAndo – fixando.

reFerências

DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e es-critos na escola. Campinas: Mercado das Le-tras, 2004.

GERALDI, W. Portos de Passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

ROJO, Roxane. Modos de transposição dos PCNs às práticas de sala de aula: progressão curricular e projetos. In: ROJO, Roxane (Org.). A prática de linguagem em sala de aula. São Paulo: EDUC; Campinas: Mercado das Letras, 2000.

SUASSUNA, Lívia; MELO, Iran Ferreira de; CO-ELHO, Wanderley Elias. O projeto didático: forma de articulação entre leitura, literatura, produção de texto e análise linguística. In: BU-ZEN, Clécio; MENDONÇA, Márcia. Português no ensino médio e formação de professor. São Paulo: Parábola, 2006.