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2017 CC CÓDIGO CIVIL Para concursos Cristiano Chaves de Farias Luciano Figueiredo Marcos Ehrhardt Júnior Wagner Inácio Dias Doutrina, Jurisprudência e Questões de Concursos 6 ª edição revista, atualizada e ampliada

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2017

CC

CÓDIGO CIVIL

Para concursos

Cristiano Chaves de Farias Luciano Figueiredo

Marcos Ehrhardt JúniorWagner Inácio Dias

Doutrina, Jurisprudência e Questões de Concursos

edição

revista, atualizada e ampliada

LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002

• PARTE GERAL

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.LIVRO I – DAS PESSOAS Art. 1º

LIVRO I – DAS PESSOAS

TÍTULO I – DAS PESSOAS NATURAIS

CAPÍTULO I – DA PERSONALIDADE E DA CAPACIDADE

Art. 1º Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.

Referências:

Arts. 3º a 5º e Arts.11 a 21 CC.

Art. 70 do CPC.

1. BREVES COMENTÁRIOS

Além do sujeito, em busca da pessoa. O importante deste artigo é compreender bem o conceito de sujeito de direito, distinguindo-o dos conceitos de personalidade e capacidade. Denomina-se sujeito de direito o titular de interesses juridicamente protegidos, qualificado como tal por uma norma jurídica que lhe imputa direitos e deveres com a finalidade de dis-ciplinar relações econômicas e sociais. Para o Direito, conforme anota Fábio Ulhôa Coelho, não apenas homens e mulheres, mas também alguns seres ideais de natureza incorpórea são titulares de direitos e deveres na ordem civil (Curso de Direito Civil, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 138), uma vez que o atributo da personalização não é condição essencial para figurar numa relação jurídica.

A personalidade jurídica significa uma autorização prévia e genérica do ordenamento jurí-dico para a prática de qualquer ato jurídico que não seja proibido pelo Direito. Assim, sujeitos de direito despersonificados só podem praticar atos quando expressamente autorizados por lei e desde que tais atos sejam inerentes à sua finalidade, enquanto os sujeitos de direito que são pessoas podem fazer tudo a que não estejam proibidos no campo das relações privadas, conforme assegura a Constituição Federal, art. 5º, inciso II.

Sujeito de Direito ≠ Pessoa. Desse modo, é possível estabelecer diferenças entre as categorias sujeito de direito(gênero) e pessoa (espécie); além disso, deve-se ter em vista que a personalidade, na acepção aqui empregada, é um atributo jurídico e não uma característica imanente ao ser humano, pois ao lado de homens e mulheres que nasceram com vida (pessoas naturais), o Direito confere titularidade de direitos e deveres a pessoas jurídicas, entes não humanos, incorpóreos, mas dotados de aptidão para a prática de atos jurídicos em geral.

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Art. 1º .TÍTULO I – DAS PESSOAS NATURAIS.

Pessoa natural

SUJEITO DE DIREITOTudo aquilo que o Direito reputa

devedor de obrigação.

Pessoa jurídica

FONTE: EHRHARDT JR., Marcos. Direito Civil – Parte Geral e LINDB. 2.ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2011.

Torna-se difícil em nosso sistema jurídico estabelecer a distinção acima, pois a personalidade jurídica é atribuída pelo próprio sistema, e de acordo com a legislação vigente (art. 2º, CC/02), a pessoa já nasce com o direito a ser sujeito de direitos. Apesar do exposto acima, deve-se registrar que a doutrina tradicional não concebe tal distinção, referindo-se à pessoa como sendo sinônimo de sujeito de direito, o que causa dissensos terminológicos, em especial quando do estudo da capacidade jurídica.

2. JURISPRUDÊNCIA COMPLEMENTAR

Não se confundem o estabelecimento empresarial, dotado de personalidade jurídica, e a massa falida,

titular de personalidade judiciária e de pretensões específicas à sua peculiar condição. (STJ, REsp nº 438013, Min. Rel. Herman Benjamin, DJE 04/03/2009).

Doutrina e jurisprudência entendem que as Casas Legislativas – câmaras municipais e assembleias legislativas – têm apenas personalidade judiciária, e não jurídica. Assim, podem estar em juízo tão somente na defesa de suas prerrogativas institucionais.

Não têm, por conseguinte, legitimidade para recorrer ou apresentar contrarrazões em ação envolvendo direitos estatutários de servidores. (STJ, AGREsp nº 949899, Min. Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE 02/02/2009).

3. QUESTÕES DE CONCURSOS

01. (PGM/VITÓRIA/2007) A respeito da pessoa natural e jurídica, julgue os itens que se seguem.

– Ter capacidade de fato é ter aptidão para praticar todos os atos da vida civil e cumprir validamente as obrigações assumidas, seja por si mesmo seja por assistência ou representação.

02. (AUX/JUR/MGS/2007/ESPP – adaptada) Em relação à personalidade e à capacidade jurídicas das pessoas naturais, analise os seguintes itens:

II. Toda pessoa natural é detentora de capacidade jurídica para ser titular de direitos, mas nem todas detêm ca-pacidade de fato para exercê-los.

03. (FINEP/ANALISTA/2009/CESPE – adaptada) Acerca de capacidade e emancipação no direito brasileiro, assinale a opção correta.

– A capacidade de fato é inerente a toda pessoa, pois se adquire com o nascimento com vida; a capacidade de direito somente se adquire com o fim da menoridade ou com a emancipação.

GAB 1 E 2 C 3 E

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.LIVRO I –DAS PESSOAS Art. 2º

4. ENUNCIADOS DE SÚMULAS DE JURISPRUDÊNCIA

STJ 525 – A Câmara de Vereadores não possui personalidade jurídica, apenas personalidade judiciária, somente podendo demandar em juízo para defender os seus direitos institucionais.

Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

Referências:

Arts. 5º, 115 a 120, 166, I, 542, 1.779, 1.798, 1.800 e 1.952, CC.

Arts. 71, 178, II, 50, 896 do CPC.

Arts. 124 e 128 do CP.

1. BREVES COMENTÁRIOS

Nascimento com vida. O início da personalidade é marcado pela respiração, sendo irrelevan-te até mesmo a ruptura do cordão umbilical ou a viabilidade da vida extrauterina para aquisição da personalidade. Basta a entrada de ar nos pulmões do recém-nascido, sendo indiferentes suas perspectivas de sobrevivência e evolução, para a preservação de todos os seus direitos, desde a concepção.

Se toda pessoa natural (física) possui o atributo da personalidade, o mesmo não acontece com a capacidade jurídica, atributo relacionado à possibilidade de o indivíduo praticar, por si, atos jurídicos, ou seja, de modo direto, independentemente de auxílio de outra pessoa. Ser capaz significa reunir condições de discernimento e autodeterminação, isto é, apresentar possibilidades físicas e psíquicas de compreender as consequências dos seus atos, distinguindo o lícito do ilícito, e dirigir sua atuação de acordo com seus interesses.

Atenção para não confundir capacidade de direito (ou de gozo, aquisição) e capacidade de exercício (ou de fato). A primeira, para Sílvio Rodrigues, seria a “capacidade de ter direitos subjetivos e contrair obrigações” (Direito Civil. Parte Geral, vol. 1, 32ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 39), pelo que é equiparada por Orlando Gomes à própria noção de personalidade, não podendo ser recusada (Introdução ao Direito Civil, 12ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 165); enquanto a capacidade de exercício estaria relacionada ao poder de praticar pessoalmente os atos da vida civil, sem necessidade de representação ou assistência.

Capacidade de Direito. Vale advertir que os conceitos expostos no parágrafo anterior, apesar de comumente empregados pela maioria da doutrina, não consideram a distinção entre sujeito de direito e pessoa, pois a aptidão genérica, para ter direitos e deveres (=capacidade de direito), conforme já demonstrado, não é privativa dos sujeitos personificados, uma vez que também é conferida pelo sistema jurídico aos grupos despersonalizados em situações específicas. Nada obstante, por ser usual na doutrina tradicional, será empregada nesta obra.

Barros Monteiro adverte que a capacidade de exercício pressupõe a de direito, mas esta pode subsistir sem aquela, uma vez que, por exemplo, uma pessoa pode ter o gozo de um direito sem ter o seu exercício, em face de sua incapacidade absoluta, hipótese em que seus interesses serão protegidos por um representante legal (Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Bra-sileiro. Teoria Geral do Direito Civil. 24ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 147).

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Art. 2º .TÍTULO I – DAS PESSOAS NATURAIS.

-

CAPACAPACCAAA IDADE IDADEDE FATODE FATOD

CAPACAPACCA IDADE IDADEDE DE DDIREITOIREITO ≠≠

A proteção que a lei confere ao ser humano em gestação no útero materno merece atenção especial. O nascituro já é sujeito de direito, embora ainda não possa ser considerado pessoa, o que justifica que a proteção concedida aos seus interesses fique condicionada ao seu nascimento com vida. A discussão doutrinária acerca do assunto é acirrada e pode ser resumida, em linhas gerais, na reunião das teses conflitantes em dois grupos distintos: (A) corrente natalista e (B) corrente concepcionista.

CAPACIDADE JURÍDICA

Capacidade de direito(capacidade de gozo)

Capacidade de exercício(capacidade de fato)

+ = CAPACIDADE

= INCAPACIDADE

FONTE: EHRHARDT JR., Marcos. Direito Civil – Parte Geral e LINDB. 2.ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2011.

Natalistas versus Concepcionistas. Os natalistas advogam a tese de que ao nascituro não deve ser reconhecida personalidade, embora lhe seja permitido o exercício de atos destinados à conservação de direitos, consoante disposto no art. 130 do CC/02, na condição de titular de direito eventual, por se encontrar pendente condição suspensiva (nascimento com vida). Os concepcionistas, por outro lado, criticam a interpretação literal com que os partidários da

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.LIVRO I –DAS PESSOAS Art. 2º

perspectiva natalista enxergam a questão, sustentando que com a concepção (fecundação do óvulo pelo espermatozoide) surge uma vida distinta, que por ser independente organicamente de sua mãe biológica, merece proteção.

Antes de prosseguir nos comentários sobre tal embate de teorias, necessário esclarecer que a pacificação do tema ficou um pouco mais distante com os avanços da engenharia genética. Introduziram-se novos aspectos ao debate, pela necessidade de considerar a distinção entre o nascituro e o embrião, já que a concepção de um novo ser humano tanto pode ocorrer in vivo, isto é, dentro do corpo da mãe biológica, como in vitro, mediante utilização de técnicas de fertilização artificial.

O termo nascituro (nasciturus, aquele que está por nascer) deve, por conseguinte, ser em-pregado para designar o ser já concebido que se encontra em desenvolvimento no ventre de sua genitora (existência intrauterina), enquanto embrião é expressão utilizada para designar existência ultrauterina, concebida artificialmente.

Embora alguns não estabeleçam nenhuma diferença de tutela jurídica entre as mencionadas figuras, deve-se ressaltar que, independentemente da forma de fecundação (natural ou artifi-cial), apenas com a nidação do zigoto, ou seja, implantação da célula ovo (óvulo fecundado) na parede do útero é que se considera a existência de um nascituro. Trata-se de momento que serve de marco para o início da discussão acerca de várias questões bioéticas, como, por exemplo, a manipulação genética de embriões e a utilização de métodos contraceptivos como a “pílula do dia seguinte”.

Há de se envidar esforços para a busca constante de meios de efetivação e facilitação da pro-teção legal ao nascituro, redirecionando a discussão para os problemas pertinentes ao embrião, em face das implicações éticas que encerram, já que o art. 2º do CC/02 não trata da proteção jurídica deste.

NASCITUROSer já concebido que se encontra no ven-tre de sua genitora (existência intra uterina).

EMBRIÃO-

cialmente (existên-cia ultra uterina) ou concebido de modo natural, mas ainda não agregado ao útero materno.

CONCEPTUROAlguém que ainda não foi concebido

PESSOA NATURAL

FONTE: EHRHARDT JR., Marcos. Direito Civil – Parte Geral e LINDB. 2.ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2011.

Importante destacar a existência de respeitáveis opiniões contrárias à distinção entre nasci-turo e embrião aqui proposta. Para Silmara Juny Chinelato, deve-se adotar um “conceito amplo

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Art. 2º .TÍTULO I – DAS PESSOAS NATURAIS.

de nascituro”, abarcando o embrião pré-implantatório, ou seja, aquele que se encontra fora do ventre materno. Para a referida autora, nestes casos, “concepção já existe, não havendo distinção na lei quanto ao locus da concepção” CHINELATO, Silmara J. Estatuto Jurídico do Nascituro: O Direito Brasileiro, in Questões controvertidas. Parte Geral do Código Civil. São Paulo. Método, 2008, p. 52).

Tal polêmica ganha intensidade apenas entre os autores que não fazem distinção dos conceitos de sujeito de direito e pessoa, tampouco entre embrião e nascituro, equiparando-os. Uma vez percebida a distinção, torna-se mais fácil observar que independentemente de o sistema jurídico ter ou não ter conferido personalidade jurídica ao nascituro, sua condição de sujeito apto a figurar numa relação jurídica garante a titularidade dos direitos mencionados no parágrafo anterior.

Ainda se deve ressaltar que os arts. 1.799, inciso I e 1800, § 4º, do CC/02 tratam da possi-bilidade de nascimento de uma pessoa natural que não está concebida no momento da criação de um ato jurídico que se produz para o caso de seu nascimento. Está-se diante do testamento em favor de prole eventual, ou seja, hipótese de deixar benefício para alguém que nem sequer foi concebido, comumente denominado concepturo (nondum conceptus), o que só produzirá efeito se for concebido em até dois anos contados da morte do testador.

Observe a seguinte indagação e, posteriormente, leia o comentário que se faz abaixo.

Q U E S T Ã O D I S C U R S I V A

(MPE-AC – Promotor de Justiça – AC/2008) Sabe-se que os direitos do nascituro são reconhecidos pela Lei.

Pode-se atuar em seu benefício nomeando-se curador, aceitando heranças, doações, assegurando-se seu

direito à vida e à saúde. Pergunta-se: a) o nascituro está sujeito ao poder familiar? b) quais os parâmetros

legais para a fixação de alimentos ao nascituro? Fundamente sua resposta, à luz da legislação vigente.

Tutela especial do nascituro. Para a efetivação da proteção deferida ao nascituro, visto se tratar de ser humano em formação, necessário que se compreenda, com a lição de Silmara Chi-nelato, que a ele deve ser deferida a tutela estabelecida no Estatuto da Criança e do Adolescente, além do que por interpretação do art. 1.779, CC, percebe-se que o nascituro está sim submetido ao poder familiar, no espectro do conjunto de deveres que emanam de tal poder (conhecidamente um poder-dever). Não diferente é a legislação que trata dos alimentos gravídicos, ao determinar que, havendo indícios de paternidade e com base na proporcionalidade entre possibilidade de quem paga e necessidade de quem pede, o magistrado poderá determinada o pagamento de ali-mentos em favor nascituro, que serão convertidos, com o nascimento, em alimentos definitivos, até que se requeira revisão.

Direito indenizatório dos pais por morte do nascituro. Independentemente do reco-nhecimento expresso de personalidade ao nascituro, prevalece o reconhecimento de direito indenizatório dos pais por óbito provocado do seu nascituro. Não significa que o nascituro titularize e transmita direitos patrimoniais. Trata-se, em verdade, de uma interpretação sis-têmica e finalística do conceito de danos causados à pessoa humana. O Tribunal Superior reconheceu que a morte de um nascituro pode causar danos (autônomos) aos pais, sem que isso signifique que tenha o nascituro transmitido algum direito patrimonial: “proteção conferida pelo sistema jurídico à vida intrauterina, desde a concepção, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana” (STJ, Ac. 3a T., REsp. 1.120.676/SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 7.12.10, DJe 4.2.11).

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.LIVRO I –DAS PESSOAS Art. 2º

Tutela jurídica do natimorto. Considerando o reconhecimento de proteção jurídica ao nascituro, desde a concepção, em relação aos direitos da personalidade, é de ser afirmada, como consequência lógica, a tutela do natimorto, relativamente a tais interesses. Nesse diapa-são, o Enunciado 1 da Jornada de Direito Civil: “a proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura”.

Tutela jurídica do nascituro e a possibilidade de interrupção da gravidez no caso de feto anencefálico. Malgrado o reconhecimento expresso de direito do nascituro pelo Código Civil, o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle de constitucionalidade, ampliando as excepcionais hipóteses de cabimento do aborto, admitiu a interrupção da gestação no caso de anencefalia. Com esse posicionamento, admitiu a Corte Suprema a licitude do aborto nessa hi-pótese. No julgamento da ADPF 54/DF (STF, Tribunal Pleno, Tribunal Pleno, ADPF 54/DF, rel. Min. Marco Aurélio), a Suprema Corte autorizou o aborto nos casos de gestação de anencéfalos, buscando preservar a dignidade da gestante. A linha de argumentação foi o reconhecimento dos direitos fundamentais da gestante, dentre eles à saúde física e psíquica (garantidas pelos arts. 196 a 200 da CF/88) e à liberdade e autonomia privada.

Tutela jurídica do nascituro e a interrupção da gestação no caso da Síndrome de Body Stalk (cordão umbilical curto). Utilizando a mesma fundamentação da Corte Excelsa, ao auto-rizar o aborto em casos de anencefalia, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a inexistência de ilicitude na interrupção de gestação na hipótese da Síndrome de Body Stalk (cordão umbilical curto), por evidente exercício de analogia. Em relação à citada decisão da Corte Excelsa. No julgamento, a Corte Superior reconheceu o cabimento da indenização contra um padre que, no interior de Goiás, ajuizou uma ação para impedir que uma gestante pudesse abortar um bebê, que padecia da referida síndrome: “(...) Reproduzidas, salvo pela patologia em si, todos efeitos deletérios da anencefalia, hipótese para qual o STF, no julgamento da ADPF 54, afastou a possibilidade de criminalização da interrupção da gestação, também na síndrome de body-stalk, impõe-se dizer que a interrupção da gravidez, nas circunstâncias que experimentou a recorren-te, era direito próprio, do qual poderia fazer uso, sem risco de persecução penal posterior e, principalmente, sem possibilidade de interferências de terceiros, porquanto, ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio. (onde existe a mesma razão, deve haver a mesma regra de Direito) Nessa linha, e sob a égide da laicidade do Estado, aquele que se arrosta contra o direito à liberdade, à intimidade e a disposição do próprio corpo por parte de gestante, que busca a interrupção da gravidez de feto sem viabilidade de vida extrauterina, brandindo a garantia constitucional ao próprio direito de ação e à defesa da vida humana, mesmo que ainda em estágio fetal e mesmo com um diagnóstico de síndrome incompatível com a vida extrauterina, exercita, abusivamente, seu direito de ação..” (STJ, Ac. unân. 3ª T., REsp. 1.467.888/GO, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 20.10.16, DJe 25.10.16).

Tutela jurídica do nascituro e a interrupção da gestação nos três primeiros meses de gravidez. Para além desses específicos casos, o Supremo Tribunal Federal afastou a antijuridici-dade, ainda, do aborto até o terceiro mês de gestação, obstando a incidência das sanções penais respectivas que lhe seriam decorrentes. No precedente estabelecido em sede de habeas corpus, fundamentou-se que, nessa hipótese, violaria a proporcionalidade imputar a prática de um delito à mulher gestante (STF, Ac. 1ª T., HC 124.306/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, j. 29.11.16).

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Art. 2º .TÍTULO I – DAS PESSOAS NATURAIS.

A nova virada de Copérnico

O ilustre civilista e, hoje, Ministro do STF, Luiz Edson Fachin concebeu interessante expressão para denotar o giro repersonalizante pelo qual passou nosso Direito Civil, desde a Constituição Federal. Afirmava estar-se diante de uma “virada de Copérnico”, em alusão ao matemático e astrônomo Nicolau Copérnico (1473-1543), nascido no que é a Polônia em dias atuais, e a importância de sua teoria heliocêntrica do Sistema Solar.

Hoje, pode-se afirmar, caminha-se para uma nova virada de Copérnico, com o surgimento de um ter-tium genus entre objeto e sujeito. Alguns países, destacando-se o mais recente, Portugal, estabeleceram em suas legislações civis que os animais passam a ocupar uma nova categoria, daí o tertium genus, sendo reconhecidos como seres dotados de emoções (seres sencientes). Ser senciente é aquele capaz de sentir algo de maneira consciente.

Passaremos em análise alguns destes pontos, tendo em vista que, apesar de não haver legislação equivalente em nosso país, já pululam nos Tribunais debates que envolvem a aplicação de institutos inerentes às crianças e adolescentes (como a guarda compartilhada) em relação aos animais domésticos, quando do divórcio de casais, sejam cônjuges ou conviventes.

O Código Civil Tcheco, Lei 89/2012, em seu § 494, traz (em tradução literal): “Os animais vivos têm uma significância e são valorados como seres vivos com emoções (ou, como seres sencientes, N.T)”. Contudo, mesmo sendo seres de qualificação especial, mantém-se sobre a propriedade de uma pessoa, ressalvados os animais selvagens (na forma do § 1.046), vez que submetidos à regra geral do § 1.011: “Tudo que pertence a alguém, todas suas coisas tangíveis e intangíveis, é sua propriedade”. No mesmo sentido, o Código Húngaro, na seção 5:14, item 3.

Código Civil Português – (os artigos aqui citados referem-se à legislação portuguesa) a mais recente ex-periência de reconhecimento dos animais como seres sencientes encontra-se no Código Civil Português, por modificações introduzidas pela Lei nº 8/2017, de 3 de março, que reconheceu que os animais são seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude de sua natureza (art. 201º-B). Alguns pontos são de especial destaque: a) reconhecimento de que os animais, apesar de sua especial condição, permanecem submetidos ao direito de propriedade (art. 1.305º, 2), tanto assim podem ser objeto do achado, mas o achador de animal pode retê-lo em caso de fundado receio de que o animal achado seja vítima de maus-tratos por parte do seu proprietário; b) o estabelecimento de um conjunto de deveres para com o animal (art. 1305º-A, 2, a e b) sem que se afirmem serem os animais os titulares de tais direitos – daí se afirmar que os animais são um tertium genus, nem objetos, nem sujeitos de direito; c) reconhecimento da guarda, unilateral ou compartilhada, para os animais de companhia, evitando-se que sejam aplicados dispositivos oriundos da proteção às crianças e adolescentes em relação aos animais (art. 1793º-A): os animais de companhia são confiados a um ou a ambos os cônjuges, considerando, nomeadamente, os interesses de cada um dos cônjuges e dos filhos do casal e também o bem-estar do animal; d) o estabelecimento de indenização por dano moral para casos de morte, privação de importante órgão ou membro ou a afetação grave e permanente da sua (do animal) capacidade de locomo-ção – tendo como titular de tais direitos o proprietário do animal – estabelecendo tal dispositivo uma primeira semente para que, em um futuro em que se reconheça a condição de sujeito especial de direitos aos animais, possam tais danos ser tratados como danos morais em ricochete.

Não equiparação ou uso desmedido de institutos aplicáveis às pessoas – em fecho ao presente tema, vale destacar que eventual (que se espera se torne concreto) avanço de nossa legislação em favor do reconhecimento da especial condição dos animais, como seres dotados de emoções, viria em bom momento, principalmente para que se evite o uso indiscriminado de institutos próprios das pessoas para a tutela de animais. Já surgem nos tribunais brasileiros decisões para regular a posse (ou composse) de animais em caso de divórcio. Isto, a par de se tratar de reconhecimento de importância para a evolução jurídica, pode desen-cadear – se se resolver aplicar o regime da guarda e não da composse – arriscado uso de tão importantes instrumentos de proteção da pessoa (assim também a prestação de alimentos), visto que podem tornar tanto a guarda quanto os alimentos (ademais de outros) lugares comuns, panaceias que solucionem dúvidas pontuais de casais acerca de titularidade ou posse de animais e, o que seria ainda pior, outros bens. É necessário um regramento próprio para os animais e que, apesar de serem reconhecidos como seres sencientes, possam ter soluções para os conflitos que lhes orbitem a partir de regras claras e que não tornem coisa menor a proteção daquele que é o único fim do Direito: a pessoa. Não por menos, o Código Civil Português estabelece que na ausência de lei especial, são aplicáveis subsidiariamente aos animais as disposições relativas às coisas, desde que não sejam incompatíveis com sua natureza.

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.LIVRO I –DAS PESSOAS Art. 2º

O Brasil na contramão. Em sentido contrário aos avanços que se vêm percebendo na regulamentação da condição dos animais e necessária revisão da natureza jurídica a eles tocante, o Legislador nacional promulgou a EC/96, inserindo na Constituição Federal o parágrafo 7º do art. 225, com o seguinte conteúdo: “Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.” A norma, de natureza autoaplicável, nascida como resposta à decisão do STF na ADI 4983 (que julgou inconstitucional lei cearense que regulamentava a vaquejada), traz em si a vileza de suprimir (como se fosse ao Direito possível fazê-lo) o caráter de crueldade dos atos ocorridos em festas populares baseadas em agressões gratuitas a animais. A vi-leza, aqui mencionada, reside que a norma não apenas permitiu o ato (o que já seria reprovável) mas, foi além, tentando esconder o caráter de crueldade no trato aos animais, patente em tais situações, como justificativa ao permissivo Constitucional criado.

2. ENUNCIADOS DAS JORNADAS

Enunciado 1º – Art. 2º: a proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura.

Enunciado 2º – Art. 2º: sem prejuízo dos direitos da personalidade nele assegurados, o art. 2º do Código Civil não é sede adequada para questões emergentes da reprogenética humana, que deve ser objeto de um estatuto próprio.

3. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

DIREITO CIVIL. INDENIZAÇÃO REFERENTE AO SEGURO DPVAT EM DECORRÊNCIA DE MORTE DE NASCI-

TURO. A beneficiária legal de seguro DPVAT que teve a sua gestação interrompida em razão de acidente de trânsito tem direito ao recebimento da indenização prevista no art. 3º, I, da Lei 6.194/1974, devida no caso de morte. REsp 1.415.727-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 4/9/2014.

STJ 360 – Acidente de trabalho. Pensão mensal. Nascituro. Dano moral. Prosseguindo o julgamento, a Turma decidiu ser incabível a redução da indenização por danos morais fixada em relação a nascituro filho de vítima de acidente fatal de trabalho, considerando, sobretudo, a impossibilidade de mensurar-se o sofrimento daquele que, muito mais que os outros irmãos vivos, foi privado do carinho, assim como de qualquer lembrança ou con-tato, ainda que remoto, de quem lhe proporcionou a vida. A dor, mesmo de nascituro, não pode ser mensurada, conforme os argumentos da ré, para diminuir o valor a pagar em relação aos irmãos vivos. REsp 931.556-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 17/6/2008. 3ª T.

STF 508 – ADI e Lei da Biossegurança Prevaleceu o voto do Min. Carlos Britto, relator. Assim, numa primeira síntese, a Carta Magna não faria de todo e qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva, e que a inviolabilidade de que trata seu art. 5º diria respeito exclusivamente a um indivíduo já personalizado. ADI 3510/DF, rel. Min. Carlos Britto, 28 e 29.5.2008. Pleno.

STF 661 ADPF e interrupção de gravidez de feto anencéfalo Prevaleceu o voto do Min. Marco Aurélio,

relator. Ressurtiu que a tipificação penal da interrupção da gravidez de feto anencéfalo não se coadunaria com a Constituição, notadamente com os preceitos que garantiriam o Estado laico, a dignidade da pessoa humana, o direito à vida e a proteção da autonomia, da liberdade, da privacidade e da saúde. ADPF 54/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 11 e 12.4.2012.(ADPF-54)

4. JURISPRUDÊNCIA COMPLEMENTAR

Desnecessária a intervenção de representante do Ministério Público como curador de nascituro, no ato de celebração de pacto antenupcial em que os nubentes estabelecem o regime de bens de seu futuro casamento. (STJ, REsp nº 178254, Min. Rel. Aldir Passarinho Júnior, DJ 06/03/2006).

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Art. 2º .TÍTULO I – DAS PESSOAS NATURAIS.

5. QUESTÃO DE CONCURSO

01. (TRT 8 – Juiz do Trabalho Substituto 8ª região/2014) Analise as afirmações a seguir e assinale a única alter-nativa CORRETA:

a) O Código Civil vigente, ao salvaguardar os direitos do nascituro desde a concepção, consagra a teoria concep-cionista, vertente de pensamento segundo a qual possuindo direitos legalmente assegurados, o nascituro é considerado pessoa, uma vez que somente as pessoas são sujeitos de direitos, tendo, portanto, personalidade jurídica.

b) A capacidade de direito ou de gozo é a aptidão que o ordenamento jurídico atribui às pessoas, em geral, e a certos entes, em particular, estes formados por grupos de pessoas ou universalidades patrimoniais, para serem titulares de uma situação jurídica. Entretanto, por razões biológicas ou psicológicas, nem todos podem exercer pessoalmente esses direitos, motivo pelo qual se exige a capacidade de fato. Reunidos os dois atributos, fala-se em capacidade civil plena.

c) Os absolutamente incapazes não possuem aptidão para praticar pessoalmente quaisquer atos da vida civil e, em razão disso, estão isentos de responsabilização patrimonial. Segundo o Código Civil vigente, a incapacidade absoluta alcança os menores de dezesseis anos, os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos e aqueles que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

d) Construída a partir de uma concepção antropocêntrica do direito, a teoria dos direitos da personalidade con-templada no Código Civil em vigor limita a possibilidade de sua aplicação à pessoa natural, sendo o ser humano o único titular da tutela de tais direitos.

e) Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o terceiro grau.

02. (FCC – Promotor de Justiça – PA/2014) Em vista da gravidez do cônjuge Fabiane, pessoa plena mente capaz para os atos da vida civil, Lucas celebrou, por escritura pública, contrato de doação de bens móveis ao nascituro. A doação foi aceita por Fabiane, que possui outros dois filhos com Lucas. Os outros dois filhos jamais receberam bens de Lucas a título de doação. Neste caso, a doação feita por Lucas ao nascituro é

a) nula, por ferir a isonomia entre os irmãos.

b) válida, mas importando adiantamento do que couber por ocasião da herança.

c) juridicamente inexistente, pois a personalidade civil se inicia com o nascimento.

d) anulável, por ferir a isonomia entre os irmãos.

e) válida, desde que ratificada pelos irmãos.

03. (Cespe – Analista Legislativo – Consultor Legislativo – Câmara dos Deputados/2014) Acerca da persona-lidade jurídica, da capacidade civil e dos direitos da personalidade, julgue os itens a seguir.

– Segundo o entendimento majoritário da doutrina civilista, a pessoa natural adquire personalidade jurídica a partir do nascimento com vida, aferido por meio do funcionamento do aparelho cardiorrespiratório.

04. (FCC – Analista Judiciário – Área Judiciária – Oficial de Justiça – TRT 19/2014) O filho que Joana está espe-rando sofre danos físicos em razão de negligência médica durante o pré-natal. O filho

a) poderá ajuizar ação de indenização tão logo nasça, pois a lei resguarda os direitos do nascituro e o filho poderá ser representado por seus pais ou represen tantes legais.

b) não poderá ajuizar ação de indenização, pois não possuía direitos da personalidade quando da ocor rência dos danos.

c) não poderá ajuizar ação de indenização, pois o Có digo Civil adota a teoria natalista.

d) poderá ajuizar ação de indenização, mas apenas de pois de atingir a maioridade civil.

e) não poderá ajuizar ação de indenização, pois, embo ra a lei resguarde os direitos do nascituro, fá-lo-á apenas com relação ao direito de nascer com vida.

05. (Vunesp – Cartório – TJ – SP/2014) A proteção que o Código Civil Brasileiro defere ao nascituro(art. 2.°), desde a sua concepção,

a) só diz respeito a direitos patrimoniais.

b) alcança também o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e se-pultura.

37

.LIVRO I –DAS PESSOAS Art. 3º

c) pressupõe, obrigatoriamente e sempre, o nascimento com vida, assim demonstrado pelo exame médico-legal conhecido por docimasia.

d) não alcança o natimorto.

06. (FUNCAB – Delegado de Polícia – ES/2013) Quanto à personalidade, pode-se afirmar que o nascituro:

I. É considerado juridicamente pelo direito brasileiro pessoa.

II. Pode receber doação, sem prejuízo do recolhimento do imposto de transmissão.

III. Pode ser beneficiado por legado e herança.

IV. Tem direito à realização do exame de DNA, para aferição de paternidade, como decorrência da proteção que lhe é conferida pelos direitos da personalidade.

Estão corretas apenas as afirmativas:

a) I e II.

b) I e III.

c) II e IV.

d) I, II e IV.

e) II, III e IV.

07. (ANALISTA/TRT/17ª Região/2009/CESPE) Os maiores de dezesseis anos e menores de dezoito anos de idade são destituídos da personalidade jurídica, razão pela qual são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil.

08. (TRE/MA/2009/CESPE – adaptada) Considerando o que dispõe o Código Civil a respeito das pessoas naturais, das pessoas jurídicas e do domicílio, assinale:

– A personalidade civil liga-se ao homem desde seu nascimento com vida, independentemente do preenchimento de qualquer requisito psíquico.

09. (TJ/SP/2009/VUNESP – adaptada) Assinale a alternativa correta.

– Quando o artigo 2º do Código Civil afirma que a lei põe a salvo os direitos do nascituro, o legislador reconhece que a personalidade civil da pessoa começa da concepção.

10. (MPE/PR – Promotor Substituto/2011). Assinale a alternativa correta:

a) a capacidade de direito não é atribuída àqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil.

b) a incapacidade de exercício não afeta a capacidade de direito, que é atributo de todo aquele dotado de perso-nalidade jurídica.

c) a antecipação da maioridade derivada do casamento gera a atribuição de plena capacidade de direito àquele menor de 18 anos que contrai núpcias, embora nada afete a sua capacidade de fato.

d) o reconhecimento da personalidade jurídica da pessoa natural a partir do nascimento com vida significa afirmar que, antes do nascimento, a pessoa é dotada de capacidade de fato, mas não tem capacidade de direito.

e) a interdição derivada de incapacidade absoluta enseja a suspensão da personalidade jurídica da pessoa natural, uma vez que a capacidade é a medida da personalidade.

GAB 1 B 2 B 3 C 4 A 5 B 6 E 7 E 8 C 9 E 10 B

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos. (redação dada pela Lei 13.146/15).

1. BREVES COMENTÁRIOSSistema de proteção da pessoa incapaz. Inovações advindas do Estatuto da Pessoa

com deficiência. O sistema jurídico brasileiro tem como regra geral a capacidade das pessoas naturais. A incapacidade é algo excepcional, que depende de prévia previsão legal (rol taxativo). Ressalte-se que em nosso país não existe incapacidade de direito, pois, conforme prescreve o art. 1º do Código Civil, toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil, ainda que apresente

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Art. 3º .TÍTULO I – DAS PESSOAS NATURAIS.

alguma deficiência física ou tenha idade avançada. Esta restrição legal ao exercício dos atos da vida civil destina-se a proteger a pessoa do incapaz. Não se trata de limitação à personalidade jurídica. A incapacidade pode ser absoluta ou relativa, dependendo do grau de imaturidade, da saúde e do desenvolvimento mental e intelectual da pessoa. As hipóteses de incapacidade absoluta estão neste dispositivo, e os sujeitos aqui relacionados, sob pena de nulidade do ato (art. 166, inciso I, do CC/02) devem ser representados. Com as inovações advindas do Estatuto da pessoa com deficiência, Lei 13.146/15, uma nova estrutura foi dada à teoria das incapacidades. Dentro deste contexto, em que várias e profundas modificações foram estabelecidas, duas se destacam: a) a restrição da figura dos absolutamente incapazes aos menores de 16 anos e b) o fim da figura da interdição, com a adoção excepcional da curatela e criação da tomada de decisão apoiada. Estas e outras modificações de maior relevo serão vistas aqui e ao longo deste livro. De antemão, destaca-se que até mesmo em matéria probatória avançou o EPD, ao determinar que a pessoa com deficiência poderá testemunhar em igualdade de condições com as demais pessoas, sendo-lhe assegurados todos os recursos de tecnologia assistiva.

A mais profunda repersonalização. Todas as modificações estabelecidas pelo estatuto denotam uma forte modificação em dois níveis da teoria das incapacidades, em favor de uma real repersonalização. No primeiro nível, o estrutural, já apresentado, a figura do absolutamente incapaz ficou enclausurada nos menores de 16 anos e em um segundo nível, de maior destaque, o eficacial, procedeu-se a um (re)pensar da própria incapacidade que passa a deixar de ser com-preendida como uma limitação e se espraia em uma nova linha de liberdade e autonomia. A colocação de uma pessoa na condição de incapaz, tanto relativa quanto absolutamente, deve ser reconhecida como um elemento a mais em prol de sua plena emancipação e autonomia, e não como uma condição de “só menos”, uma cláusula de redução. Chegou ao fim o pensamento de uma “meia-pessoa”, de um ente limitado. Tanto assim que a curatela foi colocada em condição excepcional, sempre que não for possível reconhecer a plena capacidade da pessoa e, além disso, não se lhe for cabível a tomada de decisão apoiada (o que veremos no art. 4º, ao tratarmos dos relativamente incapazes, por motivos didáticos). A nova disposição estrutural das incapacidades aproxima a lei do que bem destacou Paulo Lôbo, ao afirmar que “a incapacidade civil, repita-se, é apenas relativa ao exercício dos direitos patrimoniais; tem finalidade de proteção da pessoa e não de discriminação ou estigma” (Direito Civil. Parte Geral 4ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p.108)

A questão da vontade. Comumente, costuma-se afirmar que “o menor de 16 anos não tem vontade”. Melhor seria sustentar que, embora existente, tal manifestação de vontade não é relevante para o Direito, devendo os pais e, na falta destes, os representantes legais, praticarem, mediante representação, todos os atos relativos àquele. Incapacidade não se confunde com falta de legitimação, ou seja, a proibição legal para a prática de determinados atos jurídicos destinada a proteger interesses de terceiros em situações que configurem conflitos de interesses (vide arts. 1.749, I; 1.647, 580 do CC/02). Da mesma forma, não deve ser confundida com vulnerabili-dade. Embora ambos sejam protegidos por lei, ao vulnerável não é negada a prática direta do ato, como ocorre com o incapaz.

Os menores absolutamente incapazes (art. 3º, CC/02) são também denominados menores impúberes, enquanto os menores relativamente incapazes (art. 4º, I, CC/02) são conhecidos como menores púberes. Aqui se dispensa qualquer pronunciamento judicial para sua configuração, sendo, pois, desnecessário o processo de curatela. Os dispositivos referidos acima tratam da chamada “incapacidade natural”, justificada pela falta de maturidade intelectual ou psicológica. Ela cessa com a maioridade civil ou emancipação (art. 5º, CC/02).

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.LIVRO I –DAS PESSOAS Art. 3º

Ausência da restituição integral. Nosso sistema jurídico não mais admite o instituto do benefício de restituição (restitutio in integrum), que permitia o desfazimento de um negócio vá-lido apenas por ter sido prejudicial aos interesses do menor. No entanto, em várias passagens do Código Civil é possível detectar dispositivos a prescrever comandos que protegem os incapazes, ou seja, que conferem tratamento jurídico mais vantajoso às pessoas indicadas nos arts. 3º e 4º do CC/02 (art. 198, I c/c art. 208, art. 181, art. 588, art. 814 e art. 2.015)

Marco civil da primeira infância. A lei 13.257/16 instituiu o Marco Civil da primeira infância, aprimorando a caminhada repersonalizante que se iniciou com a Constituição Federal, evoluiu com o Código Civil e deu salto com o Estatuto da Pessoa com deficiência. Apesar de não alterar o texto do Código, o Marco Civil da primeira infância estabelece um conjunto de ações protetivas da pessoa em desenvolvimento, neste período (anos iniciais da vida), em que o futuro cidadão está em condição altamente sensível a condutas das mais variadas pessoas. De acordo com a lei, considera-se primeira infância o período que abrange os primeiros 6 (seis) anos completos ou 72 (setenta e dois) meses de vida da criança. Para alcançar seus fins, estabelece uma série de nortes para o legislador de políticas públicas, com um especial destaque ao fato de que cabe a ele articular as dimensões ética, humanista e política da criança cidadã com as evidências científicas e a prática profissional no atendimento da primeira infância. Medidas como a dilação do período de licença-paternidade, que passa a ser de 20 (vinte) dias, demonstram a importância da presença da família para a formação da criança-cidadã. Neste sentido, vale pontual crítica em relação à timidez do legislador, que somente estendeu o prazo em relação aos empregados de empresas que aderirem ao programa Empresa Cidadã, do mesmo modo que já procedia em relação à licença-maternidade. Diante de novel legislação que tem por intuito resguardar a criança e que foca também a condição da gestante e da parturiente, desperdiçar a possibilidade de colocar o pai ao lado da puérpera, quando esta mais precisaria dele, é, claramente, situação de se lastimar.

Proteção da primeira infância em caso de maternidade ou paternidade por advogados. Singrando os mesmos mares do Marco Civil da Primeira Infância, a Lei nº 13.363/16 assegurou à advogada que der à luz ou adotar, e ao advogado que se tornar pai (biológico ou afetivo), e que patrocina sozinho a demanda, o direito à suspensão do processo e dos prazos processuais. Além disso, reconhece à advogada lactante, gestante ou adotante o direito de preferência na realização de audiências e sustentações orais.

2. ENUNCIADOS DAS JORNADAS

Enunciado 40 – Art. 928: o incapaz responde pelos prejuízos que causar de maneira subsidiária ou excepcio-nalmente como devedor principal, na hipótese do ressarcimento devido pelos adolescentes que praticarem atos infracionais nos termos do art. 116 do Estatuto da Criança e do Adolescente, no âmbito das medidas sócio--educativas ali previstas.

Enunciado 138 – Art. 3º: A vontade dos absolutamente incapazes, na hipótese do inc. I do art. 3º, é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem discernimento bastante para tanto.

Enunciado 155 – Art. 194: O art. 194 do Código Civil de 2002, ao permitir a declaração ex officio da prescrição de direitos patrimoniais em favor do absolutamente incapaz, derrogou o disposto no § 5º do art. 219 do CPC.

Enunciado 203 – Art. 974: O exercício da empresa por empresário incapaz, representado ou assistido somente é possível nos casos de incapacidade superveniente ou incapacidade do sucessor na sucessão por morte.

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Art. 3º .TÍTULO I – DAS PESSOAS NATURAIS.

3. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

STJ 385 – Pensão. Incapacidade Permanente. Trata-se de recurso que pretende afastar a condenação por da-nos morais imposta à recorrente e, se mantida, a redução da indenização, bem como da idade limite para o recebimento da pensão por lucros cessantes para sessenta e cinco anos. Quanto ao valor da indenização, o TJ manteve a condenação da recorrente em cinquenta e dois mil reais. Para o Min. Relator, o quantum estabelecido não se evidenciou elevado, situando-se em patamar aceito pela jurisprudência deste Superior Tribunal. O limite da indenização somente é fixado com base na idade média de vida em caso de falecimento do acidentado. Na hipótese, cuida-se de incapacidade permanente, de modo que deveria ser pago à própria vítima ao longo de sua vida, durasse mais ou menos do que setenta anos. Tanto está errado o Tribunal em fixar setenta anos, como a ré em postular sessenta e cinco anos, porque se cuida de vítima viva. (...). É necessário deixar assim consignada a hipótese de eventual vindicação de herdeiros ou sucessores, ao se considerar a literalidade do acórdão a quo. Diante disso, a Turma conheceu em parte do recurso e lhe deu parcial provimento. Precedentes citados: AgRg no Ag 591.418-SP, DJ 21/5/2007, e REsp 629.001-SC, DJ 11/12/2006. REsp 775.332-MT, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 5/3/2009.

4. JURISPRUDÊNCIA COMPLEMENTAR

Não se admite, como causa de extinção da punibilidade, nos crimes contra os costumes, a união estável de vítima menor de 16 (dezesseis) anos, por ser esta incapaz de consentir validamente acerca da convivência marital (Precedentes desta Corte e do c. Pretório Excelso). Ordem denegada. (STJ, HC nº 85604, Min. Rel. Felix Fischer, DJE 15/12/2008).

ATENÇÃO! Apesar das modificações sofridas na legislação penal, a jurisprudência ainda se apresenta de relevo para a discussão da vontade do menor em tema de união estável.

5. QUESTÕES DE CONCURSOS

01. (Cespe – Delegado de Polícia – PE/2016) Com base nas disposições do Código Civil, assinale a opção correta a respeito da capacidade civil.

a) Os pródigos, outrora considerados relativamente incapazes, não possuem restrições à capacidade civil, de acordo com a atual redação do código em questão.

B) Indivíduo que, por deficiência mental, tenha o discernimento reduzido é considerado relativamente incapaz.

C) O indivíduo que não consegue exprimir sua vontade é considerado absolutamente incapaz.

D) Indivíduos que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil são considerados absolutamente incapazes.

E) Somente os menores de dezesseis anos de idade são considerados absolutamente incapazes pela lei civil.

02. (UFPR – Defensor Público – PR/2014) Acerca das Pessoas Naturais, é correto afirmar:

a) A personalidade jurídica pode ser conceituada como a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obri-gações ou deveres na ordem civil, podendo sofrer limitações e gradações.

b) A capacidade de direito depende da capacidade de fato, razão pela qual aquela não se estende aos privados de discernimento e aos infantes em geral, por exemplo.

c) O desfazimento da unidade biológica entre mãe e filho é suficiente para que este adquira personalidade jurídica. Assim, o natimorto pode, por exemplo, receber e transmitir herança.

d) Os absolutamente incapazes devem ser representados e os relativamente incapazes devem ser assistidos por seus representantes legais durante a prática de atos da vida civil, sob pena de nulidade, em ambos os casos.

e) É possível a declaração da nulidade de negócio jurídico realizado por pessoa absolutamente incapaz mesmo antes da decretação judicial de sua interdição, desde que provada, de forma inequívoca, sua insanidade mental.

03. (Cespe – Defensor Público – RR/2013) Acerca da capacidade para os atos da vida civil, assinale a opção correta.

a) A personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida. Assim, a proteção que o Código Civil defere ao nascituro não alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura.

b) A emancipação voluntária se dá por concessão conjunta e irrevogável dos pais, dependendo, ainda, de homo-logação judicial.

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.LIVRO I –DAS PESSOAS Art. 4º

c) Os pródigos são considerados pelo Código Civil como absolutamente incapazes de exercer os atos da vida civil, incapacidade esta que deve ser decretada judicialmente por requisição do cônjuge ou familiar, já que o que se protege é exatamente o patrimônio da família e não apenas o do pródigo.

d) Segundo a jurisprudência do STJ, não será necessária a interdição prévia para que seja anulado negócio jurídico a ela anterior praticado por aquele que sofra de insanidade mental, desde que esta já exista no momento em que tiver sido realizado o negócio jurídico.

e) De acordo com a regra do benefício da restituição, expressamente prevista pelo Código Civil, é permitido ao relativamente incapaz, ao adquirir capacidade civil, revogar os negócios praticados em seu nome quando ele ainda era incapaz.

04. (UEG – Delegado de Polícia – GO/2013) Após um acidente automobilístico, um jovem de 14 (quatorze) anos, filho único, perdeu seus pais que eram empresários do ramo de tecelagem em uma cidade do estado de Goiás. Segundo o artigo 3º do Código Civil, os menores de 16 (dezesseis) anos são considerados absolutamente inca-pazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil. O jovem, nesse caso, poderá

a) por meio de representante continuar a empresa antes exercida por seus pais, haja vista a exceção estabelecida no direito de empresa.

b) responder civilmente pela empresa, mesmo sem representação ou assistência, por força da função social da empresa.

c) exercer a atividade de empresário, pois está em pleno gozo da capacidade civil e não está legalmente impedido.

d) requerer autorização judicial para continuar exercendo a atividade empresarial dos pais, sem intervenção dos representantes.

GAB 1 E 2 E 3 D 4 A

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II – os ébrios habituais e os viciados em tóxico (redação dada pela Lei 13.146/15);

III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade (redação dada pela Lei 13.146/15);

IV – os pródigos.

Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.

Referências:

Arts. 171, I, 666, 1.634, v, 1.642, vi, 1.647, 1.649 e 1.651, CC.

Arts. 71, 72, 76, 178, ii, do CPC.

1. BREVES COMENTÁRIOS

O sistema das incapacidades revisitado. A reconstrução da teoria das incapacidades, pro-movida pelo Estatuto da pessoa com deficiência, a par de ter reduzido o rol de absolutamente incapazes (agora restritos aos menores de 16 anos), trouxe parte das figuras que lá estavam para o universo dos relativamente incapazes. Primeiramente, excluiu a figura dos excepcionais, que agora passam, legalmente, a ter resguardada sua plena capacidade, deixando para casos pontuais e especiais a incapacidade denotada no novo inciso terceiro do presente artigo. Desta forma, somente serão considerados incapazes os excepcionais que não puderem exprimir sua vontade.

A total impossibilidade, ainda que transitória, de expressão de vontade era tratada no CC/02 como hipótese de incapacidade absoluta. Agora, com a releitura estabelecida pela Lei 13.146/15, em claro viés progressista e repersonalizante, ambos os casos (impossibilidade permanente ou transitória de manifestação da vontade) passam a configurar hipóteses para a determinação da curatela e a incapacitação relativa da pessoa.

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Art. 4º .TÍTULO I – DAS PESSOAS NATURAIS.

Com a edição do CC/02, a ausência deixa de ser causa de incapacidade absoluta e passa a ser tratada de modo autônomo pela atual legislação, uma vez que a curadoria incide apenas sobre os bens do ausente e não sobre sua pessoa.

Relativamente incapazes e a assistência. Os sujeitos de direito que estão relacionados neste dispositivo devem ser auxiliados por outra pessoa (assistente), sob pena de anulabilidade do negócio celebrado, ou seja, sua opinião é relevante para o Direito e sem sua vontade (ou contra ela) o ato jurídico não se constitui. A incapacidade relativa originária da idade pode ser definida como uma fase de transição entre a incapacidade absoluta e a aquisição da capacidade plena, quando atingida a maioridade civil aos 18 (dezoito) anos de idade. Para o legislador pátrio, embora já tenha atingido certo grau de amadurecimento, o maior de 16 (dezesseis) anos e me-nor de 18 (dezoito) ainda carece de auxílio para a prática dos atos da vida civil, devendo contar indistintamente com a assistência do pai ou da mãe (ou tutor em sua falta), a quem compete o exercício da autoridade parental.

Atuação sem assistência. É possível encontrar no ordenamento jurídico diversas situações em que o relativamente incapaz por idade está autorizado a agir independentemente da presença do seu assistente, sem que tal fato implique invalidade do ato praticado. No Código Civil vigente é permitido ao relativamente incapaz ser testemunha (inciso I do art. 228), aceitar mandato (art. 666) e fazer testamento (parágrafo único do art. 1.860). Anote-se também a possibilidade de responsabilização do incapaz por danos na hipótese descrita no art. 928 do CC/02. As exceções à regra da incapacidade relativa são se limitam ao Código Civil, pois na legislação extravagante é possível ao maior de 16 anos e menor de 18 anos ser eleitor (direito de exercício facultativo – art. 14, § 1º, incisos I e II) e celebrar contrato de trabalho (vide art. 7º, inciso XXXIII, CF/88)1. Ainda em relação aos relativamente incapazes, o Estatuto da Pessoa com deficiência deitou por terra o inciso II do art. 228, estabelecendo a possibilidade de ser testemunha para aqueles que em razão de limitação mental não tenham discernimento para os atos da vida civil. Cabe ao Judiciário, através do devido suporte técnico, apurar o testemunho, de forma a denotar a inserção social de tais pessoas.

Anote-se ainda que o ECA determina a obrigatoriedade do consentimento do maior de doze anos de idade nos casos de adoção (art. 45, § 2º), o que reforça o entendimento do Enunciado nº 138 do Conselho da Justiça Federal, que dispõe: “a vontade dos absolutamente incapazes, na hipótese do inc. I do art. 3º, é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem discernimento bastante para tanto”. Nada obstante, o art. 180 do CC/02 veda a auto declaração dolosa de capacidade ao prescrever que “o menor, entre 16 (dezesseis) e 18 (dezoito) anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar--se, declarou-se maior”.

Curatela. O disposto nos incisos do art. 4º (à exceção do I) retrata situações em que se faz necessário um processo judicial para o estabelecimento da curatela do incapaz, para garantia de segurança jurídica das relações privadas, uma vez que a incapacidade mental é considerada um estado permanente e contínuo, pois nosso ordenamento não admite intervalos de lucidez. Uma vez reconhecida a incapacidade, os atos da pessoa desprovida de discernimento (ou com capacidade

1. Antes dos 16 anos o trabalho do menor só pode ocorrer na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos, conforme disposto na Emenda Constitucional nº 20/98 e no art. 60 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

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.LIVRO I –DAS PESSOAS Art. 4º

de discernir reduzida) serão tidos como inválidos. Anote-se que a hipótese do art. 4º, inciso III, não necessita da interposição de processo de curatela para nomeação de curador. Isto porque a limitação temporária requer uma atuação célere para a proteção efetiva dos bens do incapaz. De outra tela, as situações tratadas nos incisos II e IV do novel art. 4º podem não desembocar sequer em uma incapacidade, visto ser possível aplicar-se a elas a tomada de decisão apoiada, comentada no art. 1.783-A, CC. Note-se que tal medida especial não cabe em relação ao inciso III do art. 4º em razão de a tomada de decisão ser apoiada e não substituída.

Retomando a análise do presente artigo, vale ressaltar que o inciso II trata daquele que é viciado na ingestão de bebidas alcoólicas ou no uso abusivo e imoderado de substâncias entor-pecentes. Aqui também não se enquadram os casos de “embriaguez preordenada”, ou seja, a ingestão excessiva de bebida alcoólica com o objetivo de “tomar coragem” para o cometimento de ato lesivo. Trata a lei, pelo contrário, daquele que tornou a droga ou a bebida parte da sua existência, um elemento essencial para o desenvolvimento de seu dia, no mais das vezes um dia (e um viver) esvaziado, a-social, construído que foi um mundo próprio para o dependente químico.

Limitação da incapacidade do pródigo. A incapacidade relativa do pródigo diz respeito apenas a atos que possam comprometer seu patrimônio, ou seja, atos de disposição ou oneração dos seus bens, conforme prescrito no art. 1.782 do CC/02. Logo, não existe nenhum tipo de limitação à prática de atos pessoais, como exercer poder familiar sobre seus filhos, ser testemunha, votar e até casar, desde que assistido, nesta última hipótese, na celebração do pacto antenupcial. Trata-se de um indivíduo acometido de um desvio de comportamento que dissipa seus bens com risco de se reduzir, por sua própria conduta, a estado de penúria. Merece registro a ampliação do rol dos legitimados para requerer a curatela do pródigo. O art. 1.767 do CC/02 estende tal possibilidade a qualquer parente sucessível e também ao Ministério Público, a quem compete a defesa dos incapazes, uma vez que o objetivo da proteção do pródigo, dentro de uma perspectiva civil-constitucional, é a defesa de sua dignidade e não de seus bens.

Índios. O legislador do CC/02 optou por não disciplinar a capacidade dos silvícolas, re-metendo a matéria para a legislação especial, mormente o Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/73). Dessa forma, não é mais possível considerar o índio como relativamente incapaz, devendo a ele ser aplicado o disposto no art. 8º da Lei nº 6.001/73.

Os conceitos descritos no art. 4º do CC/02 dependem de realização de perícia ordenada pelo juiz, pois a existência ou não de discernimento é fato a ser atestado por um especialista (art. 1.771, CC/02). Ocorre que os estados patológicos de deficiência ou desorganização mental podem evoluir para patamares mais ou menos graves, de acordo com o tratamento dispensado ao paciente. Por isso, nada impede que havendo motivo superveniente, o magistrado, a pedido, reveja a extensão da curatela do incapaz, transformando declaração de incapacidade relativa em absoluta ou vice-versa (art. 1.772). Ainda sobre o tema, importante verificar o disposto no art. 1.768 do CC/02, que trata do rol dos legitimados para requerer a curatela do incapaz.

Antes de se concluir os comentários sobre este dispositivo, devem-se ressaltar as hipóteses de aparente incapacidade. Não constituem causas autônomas de incapacidade limitações físicas à locomoção; tampouco restrições a alguns dos sentidos (audição, visão...). Está-se diante de pessoas plenamente capazes, no sentido de que podem agir no mundo jurídico por si mesmas, mas que, no entanto, não são autorizadas à realização de atos que necessitem da utilização do sentido deficitário.

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Art. 4º .TÍTULO I – DAS PESSOAS NATURAIS.

O CC/02 revogou o disposto no art. 5º, inciso III, do CC/16, que relacionava como absolu-tamente incapaz o surdo-mudo que não pudesse exprimir sua vontade, excluindo a surdo-mudez como causa autônoma de incapacidade.

2. ENUNCIADOS DE SÚMULA DE JURISPRUDÊNCIA

STJ 342 – No procedimento para aplicação de medida socioeducativa, é nula a desistência de outras provas em face da confissão do adolescente.

3. ENUNCIADOS DAS JORNADAS

Enunciado 197 – Arts. 966, 967 e 972: A pessoa natural, maior de 16 e menor de 18 anos, é reputada empresário regular se satisfizer os requisitos dos arts. 966 e 967; todavia, não tem direito a concordata preventiva, por não exercer regularmente a atividade por mais de dois anos.

4. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

STJ 273 – Servidor. Dependência crônica. Alcoolismo. A Turma, ao prosseguir o julgamento, deu provimento ao recurso por entender que o servidor que sofre de dependência crônica de alcoolismo deve ser licenciado, mesmo compulsoriamente, para tratamento de saúde e, se for o caso, aposentado por invalidez, mas, nunca, demitido, por ser titular de direito subjetivo à saúde e vítima do insucesso das políticas públicas sociais do Estado. RMS 18.017-SP, Rel. Min. Paulo Medina, julgado em 9/2/2006. 6ª Turma.

STJ 301 – Adolescente. Personalidade antissocial. Internação. Ofensa. Princípio. Legalidade. Concedida a ordem na hipótese de réu menor portador de doença ou deficiência mental, visto que a medida sócio-educativa de internação imposta com o fim de ressocializá-lo é inapta à resolução de questões psiquiátricas, cabendo a submissão do menor a tratamento adequado. É necessária a liberação do menor, em regime de liberdade assistida, para submeter-se à tratamento com o devido acompanhamento ambulatorial, psiquiátrico, psicope-dagógico e familiar. Precedente citado: HC 54.961-SP, DJ 22/5/2006. HC 47.178-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 19/10/2006. 5ª Turma.

5. QUESTÕES DE CONCURSOS

01. (TRF 4 – Juiz Federal Substituto 4ª região/2014) Dadas as assertivas abaixo, assinale a alternativa correta.

O Código Civil de 2002 (Lei n° 10.406/2002), na redação vigente, dedica o seu Livro I à tutela jurídica das pessoas. Com base nas disposições respectivas às pessoas naturais, é possível afirmar que:

I. São atributos da personalidade civil ou personalidade: nome, estado (status), domicílio, capacidade e fama.

II. A incapacidade é a restrição legal aos atos da vida civil, sendo esta, na Ordem Jurídica brasileira, exclusivamente, de fato ou exercício.

III. Os pródigos, ainda que relativamente incapazes, podem praticar, validamente, atos de administração patri-monial, como são exemplos a transação financeira perante bancos e a constituição de hipotecas sobre bens imóveis.

IV. A emancipação voluntária pode ser concedida por ambos os pais ao menor com no mínimo 16 (dezesseis) anos de idade, independentemente de homologação judicial, mas necessariamente concretizada em instrumento público, sob pena de nulidade, devendo a escritura respectiva ser registrada no cartório do registro civil, à margem do assento de nascimento.

a) Está correta apenas a assertiva I.

b) Estão corretas apenas as assertivas II e III.

c) Estão corretas apenas as assertivas I, II e IV.

d) Estão corretas apenas as assertivas II, III e IV.

e) Estão corretas todas as assertivas.

02. (ANAC/2009/CESPE) Segundo o Código Civil, são relativamente incapazes os menores de dezesseis anos e os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

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.LIVRO I –DAS PESSOAS Art. 5º

03. (FINEP/ANALISTA/2009/CESPE – adaptada) Acerca de capacidade e emancipação no direito brasileiro, assinale a opção correta.

– Os ébrios habituais são absolutamente incapazes e seus atos são considerados nulos, não competindo ao juiz convalidá-los, nem a requerimento dos interessados.

04. (FINEP/ANALISTA/2009/CESPE – adaptada) Acerca de capacidade e emancipação no direito brasileiro, assinale a opção correta.

– Os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo, são considerados pessoas absolutamente incapazes.

GAB 1 C 2 E 3 E 4 E

Art. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.

Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:

I – pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, indepen-dentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;

II – pelo casamento;

III – pelo exercício de emprego público efetivo;

IV – pela colação de grau em curso de ensino superior;

V – pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.

Referências: Arts. 1.517, 1.635, ii, 1.763, i e 1.860, p.u.,, CC.

Art.792 da clt.

Art. 73 da lei 4.375-1964

Art. 9º, i, da lei 6.001-1973

1. BREVES COMENTÁRIOSEmancipação e maioridade. O dispositivo trata das formas de cessação da incapacidade. A

menoridade cessa aos 18 (dezoito) anos completos, momento a partir do qual a pessoa se torna apta para a prática, por si só, de todas as atividades da vida civil que não exigirem limite especial, como nas de natureza política. No entanto, é possível ao filho maior de idade, por exemplo, pleitear a manutenção do dever de prestar alimentos, imposto ao seu genitor, se demonstrar sua necessidade e a possibilidade daquele de permanecer arcando com tal ônus, enquanto conclui seus estudos.

Pode-se definir a emancipação como a antecipação dos efeitos da maioridade civil conferida às pessoas enquadradas nos casos de incapacidade natural (incapacidade em razão da idade). As causas que a autorizam estão previstas no parágrafo único do art. 5º do CC/02 e podem decorrer de concessão dos pais ou de sentença do juiz, como também de determinados fatos a que a lei atribui tal efeito. A emancipação voluntária decorre de ato unilateral dos pais de menor relativa-mente incapaz que independe de homologação judicial, embora exija instrumento público para sua concretização. Apesar de não constituir direito subjetivo do menor, só pode ser outorgada em seu interesse. A outorga de tal benefício (ato irrevogável) depende da concordância de ambos os pais, ou de um deles, na falta do outro.

Tem-se a emancipação judicial quando o tutor deseja antecipar os efeitos da maioridade do tutelado maior de 16 anos. Trata-se da única espécie de emancipação que não dispensa homo-logação judicial, para evitar que seja concedida apenas visando livrar o tutor do ônus da tutela,

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Art. 5º .TÍTULO I – DAS PESSOAS NATURAIS.

em prejuízo do menor. Durante o procedimento, que é regido pelo disposto nos arts. 719 e ss CPC, deverá ser ouvido o representante do Ministério Público.

Ao contrário das espécies anteriores de emancipação, que só produzem efeito após o registro, a emancipação legal produzirá seus efeitos a partir do ato ou fato que a provocou. O parágrafo único do art. 5º do CC/02 relaciona as hipóteses de emancipação legal, sendo a primeira delas o casamento. Segundo o art. 1.517 do CC/02, a idade núbil é de 16 (dezesseis) anos, exigindo-se ainda autorização dos pais (=assistência) para a celebração do casamento, em face da incapaci-dade relativa dos nubentes. Todavia, é possível, em casos excepcionais, obtenção de autorização judicial para realização de matrimônio entre pessoas absolutamente incapazes. Concretizado regularmente o casamento civil, independentemente da idade do menor, configura-se hipótese de emancipação, que não pode ser desfeita, mesmo se verificada a dissolução da sociedade conjugal.

Dentre as outras hipóteses relacionadas no dispositivo em exame, a lei também permite emancipação se existir estabelecimento civil ou comercial, ou ainda relação de emprego, desde que, em função de qualquer deles, o menor tenha economia própria. As hipóteses aqui descritas somente se aplicam ao menor púbere, ou seja, ao relativamente incapaz (maior de 16 e menor de 18 anos). Nessas hipóteses de emancipação não se necessita da autorização dos pais, pois decorrem da verificação da existência de economia própria, ou seja, da possibilidade de o menor garantir, pessoalmente, o seu sustento; em outras palavras, assegurar, por seu trabalho, sua in-dependência financeira. A existência de relação de emprego ensejadora da emancipação deve ser comprovada por documento escrito, registrada em carteira de trabalho, e ter caráter duradouro (não eventual), com subordinação e contraprestação. Não basta a execução de tarefas esporádicas para a sua configuração.

Vale anotar que, assim como nas demais formas de emancipação legal acima apresentadas, uma vez ocorrida hipótese de antecipação dos efeitos da maioridade pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, tem-se configurada situação irreversível; esta, uma vez alcançada, garante ao menor a capacidade civil plena, ainda que o fator que a desencadeou deixe de existir.

Emancipação e responsabilidade civil. Questão de grande interesse prático diz respeito à exclusão da responsabilidade civil dos pais por danos causados pelos filhos emancipados. Omissa a legislação sobre o tema, a jurisprudência vem definindo que, nos casos de emancipação volun-tária (por outorga dos pais) e judicial, não há isenção dos pais, estabelecida uma solidariedade entre os pais e o filho emancipado: “a emancipação por outorga dos pais não exclui, por si só, a responsabilidade decorrente de atos ilícitos do filho” (STJ, Ac. 3a T., REsp. 122.573, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 23.6.98, DJU 18.12.98). Todavia, na hipótese de emancipação legal, exclui-se o dever de indenizar dos pais, passando a responder o próprio emancipado.

Emancipação e pensão alimentícia. A emancipação não é suficiente para fazer cessar a obrigação alimentar dos pais. Assim como a própria aquisição de maioridade civil pelo critério etário, a emancipação, tão só, faz cessar a presunção de necessidade. Para que cesse a obrigação alimentícia, no entanto, é preciso formar o contraditório, garantindo ao emancipado o direito de provar, eventualmente, que ainda precisa dos alimentos para a subsistência digna, exempli-ficativamente, por ainda estar em formação escolar superior. A respeito, veja-se a Súmula 358 do Superior Tribunal de Justiça: “o cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos.”