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PRTICAS DE ESPORTE, EDUCAO FSICA E EDUCAO MORAL E CVICA
NA DITADURA MILITAR: UMA HIGIENE MORAL E DO CORPO
Reginaldo Cerqueira Sousa1
RESUMO: A lembrana dos 50 anos do Golpe, que instituiu a Ditadura Militar no Brasil(1964-1985), colocou no centro das atenes as questes problemticas deste que considerado um dos perodos sombrios da recente histria brasileira. Entre as discusseslevantadas, destacam-se aquelas referentes s formas de legitimao de regimes autoritriosbaseados, sobretudo, na supresso das liberdades polticas e na violncia do Estado contra asociedade. Formas de governo como estas, encontraram mecanismos entre eles o da
propaganda ideolgica para adquirir adeso e consenso da populao. Em diferentesnveis, indivduos estiveram dispostos a colaborar com o uso da vigilncia social e dofornecimento de informaes aos rgos da censura e da represso, afetando pessoascontrrias ao arbtrio estabelecido pelo Estado. Este artigo procura compreender esse processodurante a Ditadura Militar Brasileira por meio da anlise dos manuais de Educao Moral eCvica e das prticas esportivas nos espaos de educao de jovens, caracterizando a higienemoral e do corpo como meios de se obter obedincia, valorizar o trabalho e evitar os conflitossociais.PALAVRAS-CHAVE: Ditadura Militar; Anticomunismo; Moral e Civismo.
ABSTRACT: The memory of the 50th anniversary of the coup that established a military
dictatorship in Brazil (1964-1985) has focused in the problematic issues of this period, whichis considered one of the darkest in recent Brazilian history. Among the raised discussions,those related to the forms of legitimacy of authoritarian regimes, based mostly in thesuppression of political freedoms and State violence against society are highlighted.Government forms as these ones found mechanisms, such as the ideological propaganda inorder to get membership and consensus of the population. At different levels, individualswere willing to cooperate using social monitoring and providing information to organs ofcensorship and repression, contrary to the people who were against the discretion establishedby the State. This article approaches this process during the Brazilian Military Dictatorshipthrough the analysis of textbooks and Moral and Civic Education, besides practicing sports inyouth education spaces.KEYWORDS:Military Dictatorship; Anti-communism; Moral and Civic.
1 Graduado em Histria pela Universidade Tuiuti do Paran (UTP). Mestre em Histria pela UniversidadeFederal do Paran (UFPR). Doutorando do Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal doParan (UFPR). Professor do curso de ps-graduao em Histria Cultural, da Universidade Tuiuti do Paran
(UTP). Bolsista da CAPES e membro do grupo de pesquisa Mitos de unidade racionais; sentimentos depertena e excluso na era dos nacionalismos, financiado pela Fundao Araucria, do Paran. E-mail:[email protected]
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Introduo
A lembrana dos 50 anos do Golpe Militar colocou na ordem do dia os debates sobre aDitadura Militar brasileira. Aspectos de seu funcionamento, as interpretaes referentes s
suas definies e orientaes ideolgicas, e as atrocidades praticadas na poca deram o tom
das reflexes e das discusses levantadas. Considerado um dos perodos mais sombrios de
nossa histria recente, a Ditadura instaurada em 1964, estendendo-se por mais de duas
dcadas promoveu o cerceamento das liberdades polticas, a militarizao dos aparelhos do
Estado, a violncia deste contra a sociedade, a censura poltica e moral, e a continuidade do
processo de modernizao, ampliando o fosso da desigualdade social no pas. (SILVA, 1990,p. 273-303).
Estes momentos de rememorao so importantes porque trazem tona o tema da
memria. As disputas em torno desta configuram-se em espaos de lutas e embates polticos
inscrevendo, no bojo de suas tenses, um modo de ler e de se relacionar com o passado
(SEIXAS, 2004, p. 37-58). Eles instigam, no que se refere Ditadura, a retomar marcos para
se pensar os interesses e os motivos pelos quais se definiram os temas que orientaram
pesquisas acadmicas e mesmo concepes sobre o perodo. So ocasies para se empreenderbalanos do que se produziu, ou deixou-se de produzir, a respeito daquela poca, dos seus
personagens e dos seus acontecimentos (GOMES,2010, p. 37-70).
Entrar neste debate pode nos conduzir reflexo dos impasses da memria constituda
no Brasil Ps-Ditadura. O processo de redemocratizao e a Poltica de Anistia projetaram no
horizonte do pas um modelo de sociedade democrtica baseado na hegemonia do discurso
coletivo e do consenso social. Nesta transio consensual, desviou-se ateno no somente
dos colaboradores do autoritarismo, mas daqueles que foram vtimas da violncia poltica,
sobretudo da tortura (KEHL, 2010, p. 123-132). O silncio existente em relao a essa
questo um dos fatores que podem explicar a violncia das instituies do Estado contra a
sociedade. A sensao de impunidade e o medo imperam inviabilizando denncias contra
essas formas de violncia.
Estes mecanismos de esquecimento, bem como o esforo no apagamento dos traumas
gerados pela violncia poltica, no intuito de criar uma ideia de consenso democrtico, entre
outras questes, geraram uma sensao de impunidade, o que resultou, por exemplo, na
permanncia da violncia e, neste caso, da violncia policial. Os seus trgicos efeitos podem
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ser observados nas ruas das grandes e pequenas cidades do pas, nos pores das delegacias,
nas cadeias, nos presdios e nas periferias de todo o Brasil (HAGGINS, 2010, 541-558).
Diante disso, cabe-nos no somente a difcil tarefa de pensar essas questes nainteno de provocar fissuras no modo como o passado da Ditadura fora compreendido, mas a
de refletir sobre o mesmo, e de maneira crtica, no sentido de apontar possibilidades de
anlises sobre o perodo. Instigar leituras outras que permitam vencer e superar as diferentes
formas de dominao, a represso e a violncia. Outra tarefa, no menos importante, a de
no deixar escapar o entendimento da Ditadura como um produto social. Considerando tal
concepo, passamos a compreender as suas bases de apoio e legitimidade. Em grande
medida, os militares encontraram nos segmentos conservadores da sociedade o apoio de queprecisavam para aplicar o golpe (ROLLEMBERG; QUADRAT, 2010).
Para compreender como se deu as bases de legitimidade, este trabalho analisa o
processo de constituio de uma espcie de pedagogia moral e do corpo durante o perodo da
Ditadura, viabilizado, principalmente, pela reestruturao do ensino por meio de reformas na
educao, de programas e de projetos educacionais em fins dos anos de 1960 e durante a
dcada de 1970. Deu-se, alm de outros modos, por meio de manuais de educao moral e
cvica e pelo uso das prticas de atividades fsicas, esportivas e de lazer nas instituies deensino de todo o Brasil.
Esses projetos eram, particularmente, direcionados aos jovens estudantes objetivando
a constituio de um iderio nacionalista a manifestao do sentimento de amor ptria e ao
modelo tradicional de famlia. Alm disso, uma educao moral associada tambm a
atividades fsicas, e voltadas a lazeres ativos, tentava consolidar comportamentos sociais mais
harmnicos e sintonizados com o regime poltico vigente na poca. A higiene moral e do
corpo significava tambm a sade social e da nao.
As interpretaes sobre a Ditadura Militar e as formas de consentimento em regimes
polticos: algumas palavras
Falar das formas de colaborao, de consentimento e de apoio, no caso, Ditadura, no
Brasil, uma questo delicada. Faz-nos pisar em um terreno arenoso por duas razes: uma
porque toca a questo da responsabilidade pessoal em relao ao poder constitudo e aos
modos de consentimentos (ARENDT, 2004, p. 70-111); e a outra porque diz respeito aos
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benefcios, simblicos ou materiais, adquiridos por seus apoiadores. As pessoas que se
dispuseram a essa tarefa, em algum momento, assumiram uma postura acrtica diante do
autoritarismo, permitindo a presena e a ramificao de um sistema de vigilncia e de controlena sociedade. No o lugar, aqui, de efetuarmos comentrios detalhados sobre esse tema, mas
o de apontar a pertinncia do debate sobre o assunto.
No que diz respeito ao consentimento em regimes polticos, nos reportamos aos
estudos de Pierre Ansart (1978, p. 129-155). Ao analisar as modalidades de consentimento
presentes no trabalho ideolgico, ele os classifica em trs tipos, a saber, a ortodoxia apoiada, a
ortodoxia consentida e a ortodoxia terrorista. A primeira caracterizada pelo apoio
manifestado por sinais espontneos e pela interiorizao das mensagens e sua reproduo noobrigatria. Para essa tarefa no necessrio poderosos instrumentos de propaganda e, por
mais estranhas que possam parecer as mensagens difundidas, elas no so vistas como
repressivas.
A segunda, por sua vez, tem um sistema amplamente institucionalizado, rotinizado,
onde as mensagens so aceitas, consideradas evidentes por uma grande maioria da populao
interessada, sem despertar o desencadeamento do entusiasmo, nem contestao. Nela, o poder
poltico se apodera dos meios institucionais de influncia ideolgica, entre eles, a escola e osmeios de propaganda para disseminar seus ideais. Por fim, a terceira tem, na difuso das
mensagens, o propsito de garantir a obedincia aos poderes estabelecidos. Nela, a linguagem
ideolgica vivida como a linguagem da verdade. Alm disso, exerce uma violncia ilimitada
sobre os adversrios procurando elimin-los, para que, segundo essa lgica mortfera, a
sociedade legtima possa se realizar.
Esse jogo se manifesta, no campo simblico, em linguagens e prticas sociais. Sua
finalidade consiste na criao de novos cdigos e na aplicao dos mesmos na sociedade.
Pretende, portanto, a legitimao de um regime poltico. Por essa razo, importante
identificar o poder produtivo, os aparelhos de produo, a situao dos receptores e, em
seguida, o contedo das mensagens. Estes procedimentos revelam os agentes manipuladores
dos discursos, o funcionamento dos mecanismos de difuso dos contedos ideolgicos e a
situao dos receptores que, para a manuteno do regime poltico, so levados atestao e
glorificao das normas. Isso nos mostra que os governos, para legitimarem-se, no se
baseiam exclusivamente na violncia e na represso social. Os mesmos encontram suportes e
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apoio poltico na prpria sociedade fazendo uso dos diferentes meios de inculcao de
valores.
Essa a perspectiva permite lanar um olhar atencioso ao momento de instaurao doGolpe militar e compreender como se deu a sua constituio, no Brasil. Sobre esse tema, vale
ressaltar os estudos que evidenciaram formas distintas de interpretar a Ditadura. Uma delas
diz respeito prpria instituio militar (DARAUJO; SOARES; CASTRO, 2004). Mostra-
nos que os militares no eram, em reelao s suas posturas e aos seus ideais, homogneos.
Entre eles havia contradies motivadas pelas disputas de poder, pelo receio do esfacelamento
da hierarquia militar e pelas divergncias na escolha do modelo poltico adequado para a
melhor conduo do pas e, consequentemente, do regime militar. Esta seria umas dasexplicaes para a gradativa militarizao do sistema estatal e para os diferentes momentos de
represso e de liberalizao, durante a permanncia dos militares no poder.
Uma segunda interpretao tem a ideologia como variante explicativa (CODATO,
2004, p. 11-36). Ela enfatiza, sobretudo, o combate ao comunismo e insero de suas ideias
no cenrio nacional. Insere-se no contexto de Guerra Fria em que os dois blocos, capitalismo
e comunismo, disputavam zonas de influncia, particularmente na Amrica Latina
(MUNHOZ, 2004, p. 261-281). No Brasil, acreditava-se que era preciso enfrentar ocomunismo, pois se tinha a ideia de que o mesmo representava obstculo ao crescimento
econmico do pas sendo, ainda, uma ameaa aos valores morais e cristos da poca. Foi esta
a justificativa dada pelos militares para a aplicao do golpe que derrubou o presidente Joo
Goulart, em 1964. Contou, sobretudo, com o apoio das classes mdias urbanas, dos setores
empresariais e da ala conservadora da Igreja Catlica (CORDEIRO, 2009, p.41-76.). A
terceira interpretao refere-se, basicamente, ao comportamento da prpria sociedade
(CODATO; OLIVEIRA, 2004, p. 271-302). A dinmica social, o modo como os indivduos
se comportaram diante do regime autoritrio, os conflitos e as tenses existentes no tecido
social so elementos reveladores de como a Ditadura Militar se constituiu por meio de foras
polticas divergentes entre si.
importante destacar que os estudos que tratam dos segmentos da sociedade que
apoiaram a Ditadura, so ainda recentes. Porm, autores, como Ren Dreyfuss (1981), j
haviam chamado ateno para a participao de civis na preparao e, inclusive, na execuo
do golpe. Seu trabalho, importante para a historiografia sobre o perodo, priorizou, nas suas
anlises, as elites sociais e polticas. Na ltima dcada, no entanto, pesquisadores tm se
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dedicado ao estudo das complexas relaes entre Ditadura e a sociedade, para alm dos
estudos das mltiplas formas de oposies aos militares (REIS, 2014, p. 7-13). Mas, quando
recuamos um pouco mais no tempo e visitamos a literatura especializada sobre a Ditadura,especialmente a produzida aps a dcada de 1970, no difcil perceber que boa parte dela
centrou os seus estudos nos sistemas repressivos e nas resistncias. O binmio
dominao/resistncia ofereceu uma chave de leitura sobre o perodo e, a mesma, pouco se
preocupou com os segmentos da sociedade que, direta ou indiretamente, e por meio de
diferentes prticas sociais, se dispuseram a colaborar com o poder constitudo.
Sobre essa questo, existem estudos que podem indicar explicaes. Maria Helena
Rolim Capelato, por exemplo, mostrou que a multiplicidade de movimentos sociais, denatureza poltica, surgidos a partir dos anos de 1970, ps em xeque s noes comuns da ao
poltica (CAPELATO, 1996, p. 161-165). Os referenciais de anlise at ento utilizados no
davam conta da compreenso dessa viso polissmica da sociedade civil. Segundo a
historiadora, tais questes inseriram-se dentro do processo de democratizao do pas, o que
levou utilizao de termos necessrios para classificar essa novidade. Foi nesse solo que o
termo resistncia adquiriu importncia e passou a significar aqueles que se impuseram contra
grupos dominantes, ligados agora a um ponto comum, a construo da democracia.Essa perspectiva baseou-se na dicotomia de anlises do tipo opressor e oprimido,
explorador e explorados, reforando o papel das foras coercitivas, por parte do Estado, para
obteno do controle social (ROLLEMBERG; QUADRAT, 2010, p.11.). A recorrncia
resistncia consolidou uma memria em torno da esquerda. Embora derrotada politicamente,
a esquerda conseguiu afirmar-se nos produtos culturais, consagrando-se numa viso herica
na memria social (NAPOLITANO, 2014, p. 145-168). Por isso, o entendimento da relao
entre sociedade e Ditadura, bem como os modos de pensar a poltica, e as prticas sociais que
dela decorrem, depende da apropriao de categorias tericas e de conceitos que deem conta
de explicar as singularidades de cada momento histrico.
Educao Moral e Cvica: a higiene da mente
Brasileiro de verdade! Ttulo do livro didtico de educao moral e cvica da rede de
ensino de Curitiba, dirigido a estudantes entre 10 a 15 anos de idade, no incio dos 1970. A
capa do livro, com a imagem da bandeira do Brasil, ao fundo, completava-se com a
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representao de um jovem estudante cuja expresso no deixava transparecer qualquer tipo
de infortnio. Era a representao da felicidade! O livro divide-se em temas referentes
famlia, religio, valores e obrigaes em relao ptria. Para cada tema, havia atividadesprprias sem exigir maiores esforos do aluno para serem resolvidas. Cabia a ele apenas
preencher as lacunas com palavras-chaves amor, famlia, Deus, ptria, trabalho, estudo,
honra, entre outras direcionadas pelo prprio professor, sem esquivar-se do material.
Numa das atividades, a linha do tempo da histria nacional, destacava-se as figuras
consideradas ilustres para o Brasil: homens honrados, geralmente estadistas, e grandes fatos,
como o da Inconfidncia Mineira ou o do Grito do Ipiranga, eram exaltados com intuito de
estimular o patriotismo. Nela, 1964 visto como o ano da revoluo que salvou o pas. Umadas atividades pra os alunos trazia a seguinte informao: 31-3-1964 Governo da
Revoluo institudo pelas Foras Armadas para preservar a Democracia.2Este era o ponto
de vista defendido pelos militares no momento de aplicarem o Golpe. Aqui a ameaa ordem
era comunismo. Combater o perigo vermelho, segundo essa viso, era necessrio para evitar
a degenerao dos valores morais da sociedade.
O anticomunismo, no incio dos anos de 1960, foi a conjuntura propcia para as
Marchas da Famlia com Deus Pela Liberdade, atos pblicos organizados pelas senhorascatlicas, apoiados por polticos conservadores e pelo segmento empresarial, reuniu milhares
de pessoas nas ruas das cidades por todo o Brasil (PRESOT, 2010, p. 71-96). Com o tero nas
mos, mostraram-se contrrias poltica populista do governo de Joo Goulart e, apegando-se
aos valores cristos, apresentaram-se como salvadoras da democracia. A luta contra o
comunismo e a viso otimista em relao ao desenvolvimento, e ao capital estrangeiro, era
justificado pela perspectiva de superao do atraso econmico brasileiro e pelo enfrentamento
dos opositores da nao. Tal viso reforava, especialmente entre os jovens estudantes, a ideia
dos militares como redentores do pas.3
2BAPTISTA DE DEUS, Marilza Martins. Brasileiro de verdade!Educao Moral e Cvica para estudantes de10 a 15 anos de idade. Curitiba: Imprimax LTDA, 1971, p. 50-51. O livro foi publicado e produzido pelaprefeitura de Curitiba e utilizado na rede de ensino pblico da capital paranaense, no incio dos anos de 1970.Inseriu-se dentro da reforma educacional oficializada pela Lei 5692/71. A lei estruturou o ensino de primeiro esegundo grau modificando a grade curricular, por exemplo, com a insero da disciplina de educao moral ecvica.3
Essa perspectiva ainda se presencia na educao de jovens dos colgios militares. Ver: Notcias A histriaensinada s crianas e adolescentes dos colgios militares. ANPUH Associao Nacional de Histria.http://www.anpuh.org/informativo/view?ID_INFORMATIVO=1864 Acesso: 02/07/2011.
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Figura 2:CORREA, Avelino Antnio.Estudo dirigido de Educao Moral eCvica. Primeiro Grau. Volume I. SoPaulo: tica, 1979.
Esse exemplo, de uma maneira atrativa para o aluno, mostra como o jovem deveria
comportar-se. Embora colocado diante de duas possibilidades, ficava claro qual delas ele
deveria optar. A partir da, era orientado a classificar os valores que os conduziria ao caminho
da felicidade e, do mesmo modo, eliminar aqueles que os desviava do que se considerava uma
atitude saudvel. Gradativamente, o aluno se confrontava com os hbitos comportamentais
adequados para a convivncia tanto no espao das instituies de ensino, quanto no da
famlia, e deste para a sociedade. Condutas como respeito s leis, obedincia famlia,
religio eram recorrentes nas atividades realizadas em sala de aula em oposio preguia, desobedincia, por exemplo, que eram tidos como uma antivirtude. A lgica era a de que, pela
repetio diria dessas atividades, o estudante pudesse eliminar os maus hbitos e fortalecer
as virtudes consideradas importantes para a convivncia social.
Esse aspecto inclua-se dentro do contexto de reestruturao do sistema de
educacional, nos anos de 1960 e 1970, em que se associava educao e desenvolvimento. As
propostas curriculares derivadas dessa dinmica no podem ser vistas fora de um processo
cultural e de relaes de foras que se chocaram no perodo (MARTINS, 2005, p. 17-34). Poresse motivo, a educao pode ser vista no somente como um sistema de difuso da doutrina
e do imaginrio militar, era o meio em que comportamentos eram tecidos e constitudos. O
combate aos vcios, por exemplo, pretendidos pela pedagogia moral, costurava tambm uma
valorizao do trabalho. O mesmo deveria estender-se aos propsitos nacionais. Se o
estudante conseguisse internalizar esse comportamento dentro da instituio de ensino, no
iria demorar muito para que pudesse pratic-lo fora dos muros da escola.
O controle da educao e da informao serviu, nos regimes polticos autoritrios,
para inculcar valores e assegurar a obedincia dos indivduos. Os manuais de educao so
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um exemplo rico no que se refere expresso de conhecimento e de valores de uma poca. 4
Eles manifestam prticas culturais e polticas muitas vezes calcadas no discurso fundador da
nacionalidade, no intuito de formar modelos desejados de identidade. Reforaram, no caso daDitadura, princpios relacionados hierarquia, autoridade, ordem e tradio. Valores
relacionados religio, famlia patriarcal e condutas que ensinavam a parcimnia e
educavam para o trabalho deveriam extrapolar os limites da escola para a sociedade. 5
Na dcada de 1970, observa-se uma valorizao das atividades fsicas com a
instituio, nas escolas pblicas, da prtica dos esportes, da educao fsica e dos lazeres.
Mecanismos propcios surgem para estimular entre os estudantes a competitividade, os
cuidados com o corpo e a integrao atravs de jogos esportivos.6
Nosso desejo no o defazer aqui um estudo aprofundado desses temas, mas o de trazer alguns apontamentos acerca
dessas prticas para perceber como as mesmas estiveram associadas a uma noo de higiene
moral, e tambm do corpo, ao mesmo tempo em que se integravam ao propsito de
harmonizao social e de integrao nacional, veiculados pelos militares.
As prticas esportivas, as atividades fsicas e de lazer: higiene do corpo
Michel Foucault (1979, p. 179-191)j havia nos mostrado em seus estudos, que desde o
sculo XVIII, um conjunto de saberes sobre o corpo havia se constitudo. Eles atuaram, em
diferentes modos, controlando o corpo, examinando-o, disciplinando-o a partir de tcnicas e
instituies como escola, priso, hospital, entre outras, gerenciado o modo como os
indivduos comportavam-se e expressavam seus desejos e sentimentos. Isso se deu no campo
das relaes de poder, no o poder entendido como bloco monoltico exercido unicamente
pelo Estado, mas, como pontuou o filsofo francs, o poder constitudo na sua dimenso
capilar.
Em outros dos seus estudos, o filsofo francs nos mostra como, a partir do sculo
XIX, o gerenciamento desses corpos, o seu disciplinamento, torna-se depois uma preocupao
4 Cf. CAPELATO, Maria Helena Rolim. Ensino primrio franquista: os livros escolares como instrumento dedominao infantil.Revista Brasileira de Histria. So Paulo, v. 29, n. 57, p. 117-143, 2009.5 No Brasil isso, durante a Ditadura, isso no constituiu uma novidade. No perodo Vargas a prtica devalorizao do trabalho associado ao disciplinamento do corpo tambm foi algo recorrente nos programas deensino e nas propagandas do Estado Novo. Ver: CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multides em cena:
propaganda poltica no varguismo e no peronismo. So Paulo: UNESP, 2009.
6 A educao fsica escolar foi conformada de forma autoritria pelo Estado no Brasil, a partir das reformaseducacionais de 1968 (Lei 5.540) e 1971 (Lei 5.692 e decreto 69.450).
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Para isso, os militares buscaram num suposto ideal de democracia sua pretenso de
legitimade. A ancoragem desse sistema de valores, como vimos, estava nos ideais de ordem,
de preservao da famlia e de saneamento moral. A lgica era o seu reforo em todo o tecidosocial (RESENDE, 2001, p. 3637). O plano de ao psicolgica foi elaborado pelos militares
da Escola Superior de Guerra (ESG). Buscava-se adeso e reconhecimento em todos os nveis
da sociedade, especialmente naqueles onde no existia a guarnio militar. Era orientado pela
perspectiva da segurana nacional enquanto fundamento necessrio para uma sociedade
harmnica. A atitude e o comportamento dos indivduos em todos os mbitos da vida social
deveriam ser controlados e gerenciados, num primeiro momento, para o enfrentamento da
ameaa comunista no Brasil e, em seguida, para produtividade econmica.Nas instituies de ensino, essa viso baseava-se no modelo de vida saudvel e ativa,
ambos conquistados pelas atividades fsicas e esportivas. A escola, como espao de
sociabilidade, de constituio de comportamentos e de saberes, apresentava-se como ambiente
privilegiado para a prtica de atividades fsicas e esportivas no somente porque atingia um
nmero significativo de jovens, mas porque permitia a criao de um sentimento de
pertencimento ptria, de uma paixo pela cultura do corpo e de uma energia produtiva. As
diferentes modalidades esportivas reforavam os laos de sociabilidades entre alunos eprofessores e, alm disso, revelavam talentos para representar o Brasil em competies
esportivas. Por meio do discurso do esporte, havia a clara inteno de evitar os vcios e de
ensinar a superar obstculos.
Essa capacidade fsica era obtida pelos constantes treinamentos realizados dentro e
fora dos espaos escolares. Propiciavam maior aproveitamento do tempo dos indivduos e, em
cada um deles, enfatizava-se a ideia de superao dos prprios limites do corpo. J as
atividades fsicas e esportivas, de carter competitivo, eram realizadas, primeiro, no interior
das instituies de ensino. A inteno era a de proporcionar, ao mesmo tempo, o
aperfeioamento do estudante, detectando o tipo de atividade fsica e esportiva adequada para
cada jovem e, em seguida, havia competies e eventos interescolares, chamados de jogos
estudantis. Nestes eventos, buscava-se reforar o disciplinamento, a competitividade e o
reconhecimento da superioridade de outrem.
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Figura 3: Fotografia Prof. Vilson Trein.1974. Atividades 1969-1976 EducaoFsica. 1 lbum (150 fotos).
Todo esse investimento nas prticas esportivas, nas atividades fsicas e de lazer era
uma poltica do Estado. Por meio dela, uma srie de projetos e de programas educacionais,
voltados prtica de atividades fsicas, comps a grade curricular das escolas, sendo as
mesmas acompanhadas com mais rigor e tcnicas pedagogicamente gerenciadas. Um exemplo
a ser citado o da ginstica. Fortalecer a musculatura do corpo, bem como aprimorar os
gestos e os comportamentos do corpo, simbolizava a preocupao de reforar os vnculos,
pela atividade fsica, ao ideal de disciplinamento militar.
No bastava somente ao jovem estudante possuir um comportamento adequado,
capaz de respeitar os valores morais, particularmente aqueles veiculados pela moral crist e
pelo patriotismo. Isso deveria ser internalizado em seu prprio corpo. Fora, competio e
determinao eram requisitos valorizados nas atividades planejadas em cada aula, ministradas
pelos professores de educao fsica. Tais atividades estavam conectadas quelas relacionadas
educao moral cvica, como vimos anteriormente.
Os jogos estudantis eram realizados em diferentes lugares e em espaos capazes de
comportar um nmero significativo de alunos. Neles se fazia competies esportivas e
tambm de oratria. Cada estudante elaborava um discurso, para ser lido em pblico, a partir
de temas referentes integrao nacional:
DO CONCURSO DE ORATRIAArt. 6 - Os estabelecimentos de ensino inscrevero um aluno concorrente eum substituto eventual.Pargrafo nico: so concorrentes os alunos de ambos os sexos.Art. 7 - O tema para o concurso A integrao atravs do esporte e oaluno usar a palavra durante no mximo cinco (5) minutos.
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Art. 8 - O julgamento ficar a cargo de professores designados pelaComisso Central Organizadora (CCO).7
Nota-se, em tais eventos, que havia um interesse em integrar os estudantes. Esse idealde integrao, desejado pelos militares, deveria ser feito no somente pelo investimento
econmico com a abertura de rodovias, a exemplo da Transamaznica, e no mbito da cultura,
pelo apoio a manifestaes culturais populares, o que permitiu a criao das Casas da Cultura,
mas pela internalizao deste valor por meio das atividades esportivas. Os eventos
competitivos realizados entre as escolas, respondia a esse propsito.
Esses objetivos polticos, ligados ao desenvolvimento e ao trabalho, no se
dissociava de uma retrica voltada sade. A constituio de corpos saudveis, fortes,capazes de enfrentar diferentes obstculos, disciplinados e moralmente educados, dava a ideia
de uma nao livre dos conflitos sociais. A higiene moral e a sade do corpo eram os aspectos
de um corpo social saudvel moralmente constitudo. Essa era ideia divulgada, ou seja, a de
que o pas, imerso numa Ditadura, conseguia manter a ordem social. A maior parte da
populao pouco sabia da existncia de conflitos sociais e da violncia praticada pelo Estado,
contra seus opositores. Nestes grandes eventos, os desfiles cveis e competies esportivas
realizavam entre si, um projeto poltico se fazia presente, de forma mais capilar, nos corpos
dos alunos.
As campanhas governamentais voltadas aos lazeres ativos, com a dinamizao da
prtica esportiva, no se restringiu s instituies de ensino. Campanhas como Esporte para
Todos e Mexa-se, foi difundida nos diferentes setores da sociedade. Uma vida ativa, a partir
de uma ocupao sadia expressava padres de normalidades, estas manifestadas em prticas
sociais cotidianas (SOARES, 2009, p. 71). No caso dos estudantes, algo recorrente, conforme
vimos em relao associao entre o sentimento de felicidade, trabalho e progresso, era a
concepo, integradas a essas aes, da importncia da ntima ligao entre o estudo e as
atividades fsicas e esportivas, sendo o mesmo bom em todas elas. Isso quer dizer que os
indivduos, bons no trabalho, bons nas atividades fsicas, tornavam-se, efetivamente, bons
cidados. O conjunto dessas prticas sociais garantia a boa conduta no espao educacional e
fora dele. Deveria, segundo essa lgica, acompanhar o aluno por toda a vida.
7VI Jogos estudantis Maria Aguiar Teixeira.Regulamento. Datilografado. Curitiba, maio de 1975.
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Esse exemplo ilustra como essas prticas estavam presentes no tecido social e
acompanhavam todo o desenvolvimento e formao do estudante. Do primeiro ao segundograu, at universidade, essa lgica, em diferentes modalidades, constituam-se em prticas
sociais e comportamentos adequados denotando como os corpos dos indivduos eram objetos
do cuidado. Seu bom gerenciamento, a pedagogia moral aplicada criava efeitos de
disciplinamentos sobre seus desejos, atrelando os mesmos aos mesmos propsitos nacionais.
Dessa maneira, o jovem indivduo sentia-se parte integrante desse grande corpo social, a
nao.
Consideraes finais
O que podemos concluir de todas essas questes? A primeira delas de que preciso
entender a Ditadura como um momento complexo de nossa histria. Neles, diferentes formas
e jogos de poder estiveram presentes e, sem dvidas, marcados por tenses sociais. Outra
questo, que as prticas sociais que associavam noes de trabalho, de higiene moral e do
corpo completavam-se efetivando uma prtica poltica interessada na construo de uma
nao ausente de conflitos sociais e obedientes s formas de comando. O corpo do individuo
era a extenso do corpo da nao.
A internalizao dos valores morais favorecia um comportamento dcil na sociedade.
O suposto ideal de democracia defendido pelos militares: a defesa da famlia, a noo de
ordem, o saneamento moral e a segurana nacional diluam-se na ideia de comunho desses
anseios em toda a sociedade. Outro elemento importante: o corpo no pode ser pensado fora
da esfera pblica. Ele est carregado de uma dimenso poltica. Os aspectos que o rodeiam, o
seu cuidado, o uso de suas potencialidades, de sua higiene moral e fsica, se constituem por
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meio de relaes de poder e de fora, no intuito de efetivar determinados projetos polticos e
vises de mundo. Eles procuram mold-lo por meio de regras e normalizaes. O esporte, o
lazer, as atividades fsicas associadas a uma educao moral, efetivavam esse propsito nosestudantes.
Esse empreendimento deu-se tambm pelo empenho de um grupo especializado de
funcionrios. Encarregaram-se de produzir as mensagens, de instalar os processos de
doutrinao e de prever, inclusive, os mecanismos de sano quilo que se encontra na
contramo da ordem estabelecida. Foi um trabalho feito com cuidado e elevada ateno ao
contedo das mensagens transmitidas aos indivduos, em primeiro lugar aos jovens. A clareza
do programa, a difuso das imagens, a sua repetio e rotinizao por meio de prticassociais, como as que analisamos neste trabalho, remetem a uma idealizao de nao e sua
grandeza no presente (ANSART, 1978, p. 144-150).
O apelo moral feito para realizar tarefas conforma-se com os ideais coletivos. Coloca-
se, ento, numa mesma linguagem o apelo ao amor e o apelo obedincia. A fora disso
reside no fato de o indivduo sentir que no mesmo patamar encontra-se a sua prpria
felicidade e a felicidade da nao por meio do vnculo estabelecido com a comunidade dos
escolhidos. Na verdade, este vnculo permite exercer uma disciplina nos indivduos, com anormatizao de seus corpos, de suas mentes e de seus comportamentos.
A sociedade cria um conjunto coordenado de representaes, definidas como
imaginrio, que reproduz, distribui identidades e papis sociais. Expressa necessidades
coletivas, fixam normas e valores, dita ordem, indica seus fins, evoca atos justos e condena
desvios. A apropriao dos smbolos, o uso de prticas que objetivam o cuidado com o corpo,
tem como finalidade assegurar o status quo, a submisso e manter hierarquias. Pretende
designar em traos gerais o verdadeiro sentido dos atos coletivos. Procura traar o modelo de
sociedade legtima e de sua organizao, indicar simultaneamente os legtimos detentores da
autoridade, os fins que se deve propor comunidade e os meios para alcan-los. Busca ainda
uma explicao sinttica, onde o fato particular adquire sentido, onde os acontecimentos se
coordenam numa unidade plenamente significativa.
REFERNCIAS
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Artigo recebido em maro de 2015.
Artigo aceito em maio de 2015.